Karin Cangela Grabner
VIADUTO NOVE DE JULHO ESTRATÉGIA DE OCUPAÇÃO
Trabalho Final de graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie sob orientação do professor Igor Guatelli para obtenção do título de arquiteto e urbanista.
AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, aos meus pais que fizeram do meu sonho realidade, me apoiaram em todos os momentos fazendo de mim quem sou. Agradeço às orientações e conversas inspiradoras que meu orinetador, Igor Guatelli, desenvolveu comigo desde que eu entrei na faculdade, incentivando meu desenvolviemento como arquiteta. Felipe Sato e Adriano M. Franchini pelo apoio nas horas mais difícies. E principalmente Teddy K. Yanagiya, pelos aconselhamentos na parte acústica, apoio, carinho e companheirismo todos esse anos.
RESUMO: Este trabalho pretende fazer uma síntese dos conceitos e reflexões implícitos em um projeto de arquitetura, expondo toda a base teórica e pesquisa referente ao tema. Dedica-se ao estudo da apropriação de uma estrutura pré-existente consolidada quanto a sua conceitualização e como ele está inserido na sociedade contemporânea e no espaço urbano como lugar e como evento.
ÍNDICE
I) HISTÓRICO (registros)
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II) O VIADUTO 1. Como evento 2. Como tempo 3. Como rastro 4. Como nome 5. Como suporte
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III) DISCUSSÃO A PARTIR DE REFERÊNCIAS
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1. Parc La Villete 2. Viaduto do café - Cora Garrido 3. Viaduto Spitellau 4. Rural Studio
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IV) PROCESSO DE ENGENDRAMENTO
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6. O projeto 7. Experimentação
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V) BIBLIOGRAFIA
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I) HISTÓRICO Registros
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Figura 01
O desenvolvimento nos transportes encurtou distâncias e mudou a dinâmica da cidade. No final da década de 30, Prestes Maia, então prefeito, começou as obras do seu plano de avenidas, baseado em modelos de cidades como Paris, Moscou e Viena. Foi nessa década, junto ao plano de avenidas que contraíram as atuais avenidas Nove de Julho e 23 de Maio junto com a remodelação do Parque do Anhangabaú e a reconstrução dos Viadutos do Chá, Santa Ifigênia e o Viaduto Nove de Julho. São Paulo tornou-se exemplo de cidade caracterizada por grandes projetos viários especialmente na segunda metade do séc. XX, onde o predomínio da economia estava ligado ao do petróleo. A partir dessa época, que se tem registro ao destaque para o transporte individual, que se iniciou a discussão sobre a questão do transporte coletivo. As cidades evoluíram na medida em que se modificaram as concepções de cada período, como sua organização espacial e as relações sociais que ficavam condicionadas a uma ordem econômica, por um poder público e até por anseios sociais de concepção estética. O município de São Paulo, cuja população em 1920 estava um pouco abaixo de 580 mil habitantes, em 1940 ultrapassava a cifra de 1,3 milhões, e, em 1 1950, chegava a quase 2,2 milhões de habitantes . O crescimento da demanda de transporte público não correspondia à evolução da capacidade do sistema de bondes elétricos, que acabou por estagnar na época de 1930. É no final dessa década que uma serie de fatores começaram a modificar paulatinamente a organização dos serviços públicos e em poucos anos uma parcela importante do sistema viário da cidade, por exemplo, as estatizações das ferrovias e a criação do CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos) começam a reestruturar a cidade.
1 Langenbuch, 1971. ,Apud. Milton Santos, pg. 231
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O Plano de Avenidas data dessa época, 1930, e foi organizado pelo engenheiro Francisco Prestes Maia a partir de projetos já existentes na prefeitura e no governo. Prestes Maia propunha o descongestionamento e expansão do centro envolvendo a área central com um sistema de avenidas e viadutos de forma a transpor os obstáculos físicos, como a presença de rios e encostas. Apesar de intervenções em alargamento e melhoria de vias já terem sido objeto de políticas desde a República Velha, após 1930, seguindo o Plano de Avenidas, uma série de grandes obras viárias permitiu a abertura do tecido urbano à circulação do automóvel, por meio de avenidas radiais (São João, Rio Branco, Nove de Julho) e do Perímetro de Irradiação (atual rótula central - avenidas Rangel Pestana, Mercúrio, Senador Queiroz, Ipiranga, São Luís, viadutos Nove de Julho, Jacareí, Dona Paulina).
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Uma das idéias surgidas nessa época consistia um anel viário em volta do centro, desviando os fluxos de passagem que lhe congestionavam o transito e integrar a ele os setores segregados da cidade por meio de artérias radiais. O Plano de Avenidas de 1930 não propôs um único anel, mas sim vários anéis em torno do centro Paulistano e o papel dos viadutos dentro desse plano eram de garantir as interligações das duas partes do centro separadas pelas confluências de algumas dessas vias. Segundo Campos2 , a implantação do Perímetro de Irradiação e outras obras do Plano de Avenidas acarretaram alterações radicais na configuração da área central. Grandes obras viárias a partir da década de 1960 criaram macro acessibilidade em escala urbana, como os viadutos. O centro se torna nó de articulação e passagem para a circulação automóvel ao contrário do Perímetro de Irradiação, que havia aberto a área do centro novo e favorecido seu aproveitamento. As novas obras, muitas em desnível, passaram a tratar a região central como mero nó de articulação e passagem nessa nova macroestrutura viária, priorizando a circulação 2 Ver em CAMPOS, Candido Malta. “Construção e Desconstrução do centro Paulistano”.
Cienc. Cult. vol.56 no.2 São Paulo Apr./June 2004.
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Figura 02. O mapa mostra a evolução da mancha urbana no decorrer dos anos. Se analisarmos a evolução da mancha conforme os anos, até o ano 2000, temos que de 1905 para 1930 a cidade expandiu cerca de 17,%. Mas a partir de 1930, a mancha cresceu 51,7% e depois de 1965 cresceu 30,74%. Ou seja, a maior porcentagem de crescimento da mancha urbana da cidade de São Paulo ocorreu depois do Plano de Avenidas.
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Figura 03. Plano de Avenidas. Perimetral e Radiais, Prestes Maia (1945). Observa-se mudança ocorrida no Anel de Irradiação.
em grande escala em detrimento das áreas atravessadas. O Plano de Avenidas discutiu também o traçado de linhas de transporte coletivo. Considerando que a implantação de um metrô propriamente dito seria necessária quando a cidade atingisse uma população de três milhões e meio de habitantes, sugeria a sua construção aproveitando o novo sistema viário proposto, com as avenidas largas e de traçado contínuo a facilitar sua execução. Os projetos dos viadutos da Primeira Perimetral, elaborados durante a gestão de Prestes Maia, apresentavam estrados inferiores, de forma a permitir a implantação de linha de metro. É o caso do viaduto Nove de Julho, Dona Paulina e Jacareí, que fazia parte do Anel de Irradiação e foram construídos sob a idéia de que um dia dariam passagem ao metrô. Prestes Maia projetou a cidade tratando todos os elementos com rigor formal. Elementos de passagem como pontes e viadutos recebiam o mesmo tratamento monumental que os edifícios. Segundo Prestes Maia, “As pontes e os viadutos constituiriam pontos de atração e valorização da cidade e, portanto, deveriam ser mais que ”pontes ordinárias”, deveriam ser ‘viaductos lateralmente edificados’. Neste sentido, citava o exemplo da Ponte Vecchia, de Florença”. Com a finalização das obras do Viaduto Nove de Julho, em 1948, dava-se prosseguimento ao seu eixo possibilitando, através da transposição do Vale do Anhangabaú, a ligação com a Bela Vista e o triângulo histórico. As cidades vão se transformando conforme são implantadas idéias que modificam as suas estruturas, vários são esses aspectos, entre eles a tecnologia disponível, recursos financeiros e problemas sociais que influenciam em questões políticas. Conforme Falleiros3 , os projetos de metrô subsequentes continuaram prevendo a passagem pelo conjunto de viadutos, mas o sistema se tornou obsoleto a partir 3
Ver em FALLEIROS, Ivan Gilberto Sandoval. Prefácio In ZMITROWICZ Witold, BORGHETTI Geraldo “Avenidas 1950 -2000”50 Anos de Planejamento da Cidade de São Paulo”. São Paulo: EDUSP, 2009.
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Figura 04. Foto antiga do Vale do AnhangabaĂş.
do estudo apresentado pelo então prefeito Faria Lima pelo consórcio HMD em 1968 utilizando equipamento maior e mais pesado que o previsto. Observa-se que muitas idéias inovadoras não chegaram a ser aproveitadas. Ainda na primeira metade do séc. XX, as ferrovias não foram relocadas conforme o plano inicial de Prestes Maia nem a implantação de linhas do metrô preconizado para o Anel de Irradiação. Viaduto do Chá (projeto de 1934), do arquiteto Elisário da Cunha Bahiana, mostra um desenho que responde muito bem às necessidades integradoras do espaço urbano e de suas funções estruturantes. O viaduto cumpre sua função primária sem promover a degradação do entorno e possibilitando uma utilização digna de seus espaços residuais. O viaduto se integra ao seu contexto ao invés de criar uma ruptura. Além de ligar o Centro Histórico ao Centro Novo, promove um diálogo entre o Vale do Anhangabaú e a cidade alta com área de embarque/desembarque e escadas rolantes. Compõe, ainda, um belvedere para o Vale do Anhangabaú e seu primoroso subsolo é ocupado de forma adequada pelo Museu do Teatro Municipal, a Escola Municipal de Bailado, o Centro de Referência do Idoso.
Figura 05. Projeto do trecho Inicial da avenida Anhangabaú ( hoje avenida 9 de julho). 1928.
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Figura 06. Vista do Vale do AnhangabaĂş. Imagem de DmitriKessel de 1947.
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II) O VIADUTO
Condições atuais
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Figura 07. Trecho do vale do Saracura. Foto antiga – Demarcação da desapropriação.
Figura 08. Trecho do vale do Saracura. Foto atual – Avenida Nove de Julho. 2013
Assim como em outras cidades brasileiras, o processo de ocupação da área central de São Paulo foifortemente marcado pela potencialidade econômica. O rio Anhangabaú foi confinado em umacanalização subterrânea, deixando como testemunho um vale urbanizado, suspenso sobre um fluxo intensode automóveis, atravessado por viadutos que marcam significativamente a paisagem do Centro. Esse processo de ocupação resultou em quadras edificadas nos alinhamentos, onde a maioria dosedifícios tem em média altura de 30 metros, foi historicamente tratada como “fundos” com edifícios de encosta voltados para as ruas lindeiras e possui grande extensão de áreas pavimentadas necessárias àcirculação de veículos e pouca área vegetada, determinando forte carência de espaços arborizados. Apesar do forte caráter viário contido na idéia inicial, o projeto original da Avenida Nove de Julho continha propostas nítidas de “costura” entre as duas vertentes do Vale, entre os distintos bairros. Esta intenção fica clara no seu primeiro trecho onde o projeto esta inserido. Até a Rua Martinho Prado, as articulações, entre um e outro lado da avenida ocorreram de forma bastante convincente através das várias conexões realizadas pelos primeiros viadutos cujos desenhos estão integrados aos tecidos pré-existentes. Por outro lado, obras mais recentes, tais como Viaduto Dr. Plínio Queiroz (elevado sobre a praça 14 Bis) ou ainda, viadutos do Café (ligação Leste – Oeste) e Profº Bernardinho Tranchesi ( Rua São Carlos do Pinhal) tem o sentido exclusivo de atender ao fluxo de circulação de veículos. Dialogam precariamente com a cidade e produzem inúmeros espaços residuais que induzem a degradação tanto nos espaços públicos como nos edifícios circundantes.
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O terreno do projeto a ser tratado no meu trabalho de conclusão de curso possui algumas particularidades quanto a sua ocupação atual. Uma parcela do terreno é ocupada atualmente por um estacionamento (Porções non aedificandi`) localizado entre a Rua Álvaro de Carvalho e a Avenida Nove de Julho:
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Figura 09. Ocupação atual do terreno – Estacionamento.
Na outra extremidade da Avenida Nove de Julho, háoutra parcela do terreno que é atualmente ocupada por uma quadra poliesportiva de responsabilidade da Prefeitura Municipal de São Paulo:
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Figura 10. Quadra utilizada pelos alunos da escola profissionalizante.
Enquanto o embasamento do viaduto atualmente é apropriado por duas ocupações, a Fundação Bachiana Filarmônica destinada àformação musical nomeado como “Ponte da Música” e o Centro de Formação Profissional, coordenado pelo SESI-SP, pela prefeitura de São Paulo e pela faculdade Anhembi Morumbi:
26 Figura 10. Embasamento do viaduto Nove de Julho ocupado por uma escola profissionalizante.
Figura 11. Parcela do embasamento do viaduto sendo utilizado como estacionamento.
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Figura 12. Interior do viaduto ocupado pela escola profissionalizante.
O interior do viaduto que foi construído para a passagem do metrô foi incluído como área do projeto, apesar de ser encarado como uma “sobra urbanística”difícilde ser classificada como lote, passei a associá-locomo terrain vague4 :
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“Lugares aparentemente esquecidos (...) lugares obsoletos em que somente alguns valores residuais parecem perdurar (...) Lugares externos, estrangeiros, que permanecem fora dos circuitos e das atividades produtivas. Vividos, do ponto de vista econômico, como áreas industriais, portos, estações de trens, bairros residenciais onde reina a insegurança, lugares contaminados, tornaram-se espaços nos quais, poderia se afirmar, a cidade não se encontra mais. São margens privadas de uma incorporação eficaz, são ilhas interiores vazias de atividades, são (...) restos que jazem nos intervalos da dinâmica urbana, transformando-se em áreas simplesmente in-abitadas, in-seguras, im-produtivas.” Por um lado, temos esses espaços sendo tratados pelo habitante da metrópole 5 segundo Solá Morales , como “reflexo da própria insegurança, do seu movimentar-se incerto em espaços que não tem limites: sendo externos ao sistema urbano (ao sistema do poder, da atividade)tais espaço constituem (...) uma expressão física de seu medo e de sua insegurança.”Por outro lado, o vago pode ser considerado como o lugar da possibilidade, um lugar que esta apenas a espera do outro, do porvir, que podem ser abertos a novas experiências, tornando o vazio um suporte de possíveis engendramentos programáticos ou num processo de constante ressemantização, convidando a atribuir um sentido provisório, suscetível, por sua vez, de se renovar, feito para ser renovado.
4 Ver Solá Morales, 1996, p. 39. 5 Ver Solá Morales, 1996, p. 76.
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Figura 13. Interior do viaduto ocupado pela Fundação Bachiana Filarmônica. Foto Prefeitura SP.
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II) O VIADUTO
1. Como evento
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Figura 14. Viaduto 9 de Julho – perspectiva.
A arquitetura da construção sempre passará pela questão do espaço e suas contribuições para o meio urbano, tais como os acontecimentos que vem a surgir com essa contribuição. Milton Santos6 define que o espaço pode ser construído a partir de um conjunto de fixos e fluxos. Os elementos fixos permitem ações que modificam o próprio lugar e os fluxos recriam condições ambientais e redefinem cada lugar, sendo resultado direto ou indireto das ações que atravessam ou se instalam nos fixos modificando a sua significação e o seu valor: “Os fixos e fluxos quando estão interagindo juntos expressam a realidade do espaço. Atualmente os fixos aparecem cada vez mais camuflados e mais estabelecidos no solo e os fluxos são cada vez mais distintos, mais abertos, mais numerosos e mais rápidos. Esses fixos podem ser entendidos como configuração territorial (pode ser compreendida desde complexos naturais geográficos até obras realizadas pelo homem - estradas, casas, depósitos, viadutos, etc) e os fluxos como relações sociais.(...) As ações resultam de necessidades, naturais ou criadas. Essas necessidades: materiais, imateriais, econômicas, sociais, culturais, morais, afetivas, é que conduzem os homens a agir e levam a funções.”7 No caso, teríamos o viaduto trabalhando como um fixo, um lugar geográfico e as relações e ocupações de seu interior que se sucederam ao longo do tempo entendidas como seus fluxos. Segundo Certeau o espaço é: “um cruzamento de moveis. É de certo modo animado pelos movimentos que ai se desdobram. Espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam em unidade polivalentes de programas conflituais ou de proximidades contratuais (...) Em suma, o espaço é um lugar praticado”.8 6 Milton Santos,1978 abud SANTOS, Milton. “A Natureza do espaço” , pg 50. 7SANTOS, Milton. “A Natureza do espaço”, pg. 53. 8 Certeau, 1998, pg. 201.
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Se apenas a configuração territorial não define o espaço, este, tem que ser configurado pela existência real e social juntos, ou seja, pela materialidade e pela vida que a anima, tornando o espaço indissociável de sistemas de objetos e de ação. O viaduto Nove de Julho, já foi concebido com uma lógica diferente dos demais viadutos na cidade. Um viaduto dotado de estrados inferiores, que desenha um percurso para aqueles que ali transitam e que promovem um lugar para aqueles que ali permanecem. Um viaduto onde além da sua função primitiva de “passar por” é gerado a possibilidade de “estar em”. Foi a montagem de uma situação espacial como essa que abriu a possibilidade para o acontecimento da ocupação pela Fundação Bachiana Filarmônica e pelo SESI-SP.
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Segundo Derrida9 “A ambiguidade e a instabilidade seriam alcançados nos interstícios, nos espaços residuais”. O espaço, para os filósofos pós-estruturalistas, é o lugar do evento, do acontecimento, da indefinição e do imprevisível “daquilo que chega sem ser enunciado”. Fazendo um paralelo com arquitetura, poderia dizer que esses espaços residuais e expectantes sob (ou no caso até mesmo dentro) dos viadutos são espaços que adquirem um novo significado com a manifestação de fluxos que dão lugar a um novo objeto heterogêneo, a um objeto aberto à ambiguidade. Dá lugar a instabilidade das certezas antes tomadas como verdades inquestionáveis porque passam a prevalecer às interações, as apropriações livres, ao evento, as vezes até mesmo subvertendo uma representação histórica 9
DERRIDA, Jacques,abud GUATELLI, Igor. “Arquitetura dos entre-lugares” pg. 36.
Segundo A. Moles10 em sua Phénomenologie de làction, “o ato é um deslocamento visível do ser no espaço, criando uma alteração, uma modificação do meio. Um dos resultados de ação é, pois, alterar, modificar a situação em que se insere.” Há em cada momento uma relação entre o valor da ação e o valor do lugar onde essa se realiza. Sem isso, todos os lugares teriam o mesmo valor de uso, valores que não seriam afetados pelo movimento da historia. Foucault11 diz que compreendemos o espaço através da história da experiência ocidental. Na idade medieval compreendia-se o espaço por disposição, onde cada coisa tinha seu lugar específico baseado nas estabilidades naturais (espaço da fixidez).Depois que Galileu introduz o conceito de espaço aberto e infinito, dissolve-se o conceito de espaço hierárquico pensado até então substituindo a localização pela extensão. A estabilidade de algo passava a ser um ponto em movimento12 .
10 A. Moles, apud Milton Santos, pg. 246. 11
De Outros Espaços – Michel Foucault. Conferência proferida por Michel Foucault no Cercle d’ÉtudesArchitecturales, em 14 de Março de 1967 (publicado igualmente em Architecture, Movement, Continuité,5,de 1984). 12 O escândalo profundo suscitado pelas suas investigações não foi o fato de ter descoberto, ou melhor, redescoberto que a Terra girava à volta do Sol, mas na constituição do conceito de infinito e, o que é implícito, de um espaço infinitamente aberto. Num espaço desses, os lugares da Idade Média acabam por se dissolver; um lugar de uma coisa não passava afinal de apenas um ponto do seu movimento, assim como a estabilidade dessa coisa não passava afinal da infinita desaceleração do seu movimento.
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Hoje, o sitio substitui a extensão, e segundo Foucault, o sitio define-se por relações de proximidade entre pontos e elementos13. “A nossa vida ainda se regra por dicotomias invioláveis, por exemplo, O espaço público e privado, ou espaço familiar e social, espaço de lazer e de trabalho. Todas essas oposições se mantém devido a presença oculta do sagrado.”14 Não habitamos um espaço homogêneo e vazio, mas sim um espaço imerso em quantidades ao mesmo tempo fantasmagórico, o espaço da nossa percepção primária, o espaço dos nossos sonhos, nossas paixões, encerrando em si próprio, qualidades a primeira vista intrínsecas.15 Um espaço qualitativo, carregado de significações atribuídas por nós mesmos, um espaço heterogêneo.
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Esses sistemas interagem, de modo que de um lado temos objetos que condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações que leva a criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos já preexistentes, como num conjunto sistêmico de verdadeiras “situações”. É assim que o espaço encontra sua dinâmica e se transforma. Além disso, segundo Bernard Tschumi, revelar potencialidades ocultas ou contradições em um programa e relacioná-las com uma configuração espacial excepcional pode criar condições para que eventos inesperados ocorram.
13 Foucault acredita que a ansiedade do nosso tempo tem a ver fundamentalmente com o
espaço, muito mais do que com o tempo. Porque o tempo configura-se como varias operações distributivas entre os elementos espalhados pelo espaço. 14 Michel Foucault , 1984, pág. 3. 15Bachelard, Apud Milton Santos, pág. 238.
A arquitetura pode criar condições para potencializar o interesse. Tudo e qualquer período histórico se afirmam com um elenco correspondente de técnicas que o caracterizam e com uma família correspondente de objetos. Ao longo do tempo um novo sistema de objetos responde ao surgimento de cada novo sistema de técnicas. Em cada período também há um novo arranjo de objetos. Não existem novos objetos, mas sim novas formas de ação. Passa a atuar no viaduto um novo feixe de ação pressupondo uma nova significação. Portanto, assim como encorajar uma possibilidade programática, a estrutura deve dar apoio também a diferentes atividades não planejadas, preocupando-se mais em projetar condições do que condicionar o projeto.
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Figura 15. Viaduto 9 de Julho – perspectiva.
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II) O VIADUTO 2. Como tempo
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Figura 16. Avenida Nove de Julho em 1944
Foucault diz que as heterotopias16 estão ligadas a pequenos momentos, pequenas parcelas de tempo. O que é estável e ajustado pode ter relação com o espaço, porém o uso está relacionado com o tempo em virtude das suas transformações. O auge funcional de uma dada heterotopia só é alcançado quando certa ruptura do homem com a sua tradição temporal, podendo assumir outras funções, à medida que a historia ou uma cultura se desenvolve. Na nossa sociedade, Focault diz que essas heterotopias são distribuídas e estruturadas complexamente. Porque existem aquelas acumuladas do tempo, como o museu ou uma biblioteca ou aquela ligada ao espaço que sobra, que se desdobra em dois pólos extremos. O seu papel seria de criar um espaço ilusório que espelha outros espaços reais. Ou então o de criar um espaço outro perfeito, meticuloso e organizado, servindo como compensação, dos espaços desarrumados e mal construídos. Os espaços encontrados no embasamento do viaduto podem ser vistos então como uma heterotopia ligada ao espaço que sobra, que só sofreu transformações até um dia receber uma ação, espelhando outros espaços reais dentro dela, como uma sala de ensaio para orquestra, que normalmente se encontram dentro de teatros ou salas de concerto, dificilmente no interior do viaduto. Para Derrida17 esse tempo (presença) precisa de espacialização, assim como o espaço precisa de temporalização. Quando queremos perceber o tempo, primeiro passamos a buscar o antes e o depois. O agora é a junta, a articulação do tempo. Derrida entende essa articulação como o espaço que se torna tempo e o tempo que se torna espaço da “differance”. 16
De Outros Espaços – Michel Foucault. Conferência proferida por Michel Foucault no Cercle d’ÉtudesArchitecturales, em 14 de Março de 1967 (publicado igualmente em Architecture, Movement, Continuité,5,de 1984). 17 Tanto Foucault quanto Derrida foram alunos do tradutor hegeliano Jean Hyppolite.
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A différance, que para Derrida, não é uma palavra nem um conceito, pode possuir, entre outros significados, o de não ser idêntico, distinto, ser outro, discernível. Esta diferença, no sentido de diferir, tratada como questão de alteridade, de dessemelhança, de antipatia e de polêmica, produz-se entre os elementos ativa e dinamicamente, e com persistência na repetição, intervalo, distância, espaçamento. Essa junção permite a abertura e fechamento (lacuna), mas também a possibilidade de jogar com a seqüência do antes e depois, do atrás e do da frente. Porém, dentro daquele vazio deixado em 1970 para passagem de metrô, seguindo o pensamento Derridiano, poderia se dizer que ocorreu uma lacuna no tempo: “O lugar é o limite que precede o tempo. O limite esta em contato com o corpo móvel. Pensar o tempo em termos de espaço é pensar um conceito de tempo em termos de movimento espacial, ou do agora.O tempo linear é a conseqüência da percepção da passagem do tempo dado pela presença no espaço.”18
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O lugar é o limite e também a possibilidade de movimento. É somente porque há o lugar que os corpos podem se mover. Seguindo esse raciocínio um lugar onde não há movimento, não há percepção da passagem do tempo– daí a lacuna. A nossa limitação de tempo reconhece nos lugares e nas coisas. Sempre houve o tempo, mas há lacunas na nossa percepção de tempo. Não percebemos o tempo passar a não ser que ele já tenha passado, o intervalo não parece ser tempo. 18
GASTON, Sean. “Derrida”, pág. 85.
Segundo Aristóteles19 , “Apreendemos o tempo somente quando marcamos o movimento, pelo antes e pelo depois”.A discussão que Aristóteles faz do tempo é precedida pela existência de um vazio de um lugar. O Lugar sempre antecede o tempo. O lugar é um limite. É o limite do corpo continente com aquilo que contem. O retorno do tempo acaba sendo a percepção do rastro, daquilo que ele já foi um dia, mas que permanece na mudança. Um “não-mais-ainda-é-um-outro”, é um porvir. O que o interior desse viaduto representava na época de sua construção, como passagem de metro, pode ser ainda entendida como tal hoje a partir das suas representações históricas, porém não se pode dizer também que ele é o que ele foi construído para ser uma vez que ele não cumpre mais essa função. A partir do momento que ele deixa de ser o seu “ser original”, ele abre possibilidades para novas representações em permanente mudança.No momento em que for algo com uma nova representação, não deixa de ser o que foi antes, sem se cristalizar no “ser”. Ele pode ser sempre outro. Ao mesmo tempo em que ele é porvir, ele é rastro do que ele já foi.
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Aristóteles IN GASTON, Sean. “Derrida”, pág. 76.
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II) O VIADUTO 3. Como rastro
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Figura 17. Foto da década de 50, mostrando o viaduto Nove de Julho.A seguir, o edifício Major Quedinho e o edifício Normandie, de autoria do arquiteto alemão Franz Heep
Associações entre arquitetura pré-existentes e novas construções são comuns nahistória da arquitetura. Meu projeto de conclusão de curso procura estudar a relação do adicional, aquilo que chega com aquilo que já esta lá (um “rastro”). Um viaduto, como o viaduto Nove de Julho, com sua função conectora territorial, que possibilita conexão do Vale do Anhangabaú com a Bela Vista e a República, passa a ser re-significado ao transformar-se em um viaduto com estrados inferiores dotados de espacialidade, dos quais não parecem ser necessários para ativação ou funcionamento do viaduto em sua função de transposição. Uma nova lógica que parece completar o sentido dado. Poderia então dizer que essa adição suplementar não parece ter sido criada para suprir uma carência (outros viadutos foram construídos a partir da construção deste e não mantiveram o mesmo padrão), mas para alterar a dinâmica de um território. Cumprindo o mesmo papel, meu projeto (minha adição) viria como um complemento das ações estabelecidas nesses espaços (dando maior estrutura para as dinâmicas pré-existentes), mas não só. Também uma arquitetura pensada como um meio de fortalecimento e enriquecimento de um ser-passado, nem absolutamente ausente nem absolutamente presente.Um programa heterogêneo no interior do viaduto (que hoje se encontra desativado) com rampas rolantes, museu e ateliê adquirem a possibilidade de um “vir-a-ser” no território nesse momento quando uma inscrição não necessária chega, interfere e deforma a situação existente tanto para o espaço que foi projetado para ser passagem de metrô, como para os usuários da escola que passam a circular livremente por dentro do viaduto e não mais por fora apenas. Segundo Igor Guatelli:
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“A vida metropolitana é movimento, conflito, ruptura, indefinição, parteconstituinte de complexos sistemas urbanos que exigem outras formas de investigação e experiência projetuais, não-convencionais ou usuais, no sentido de não se submeterem às convenções e regras históricas que consolidaram o fazer projetual, sejam elas utilitaristas, sejam baseadas em princípios da bela forma e autonomia do objeto artístico.”20 O viaduto nove de Julho carrega em seu nome sua própria condiçãohistórica, estando enraizado dentro de uma estrutura de representaçãobaseado no deslocamento e conexão. Uma marca sobre um território, caracterizado por ser um equipamento de infra estrutura urbana.
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Porém, em qual medida aquilo que chega, quando diferente daquilo que se foi pensado em primeiro momento para ocupar aquele espaço, seria capaz de alterar a condição do que foi projetado para ser? Ou seja, um programa “suplementar” poderia ser uma estratégia de desestabilizaçãoda “identidade” da obra ao provocar desvios nãoprevistos na obra? A partir da possibilidade de ser um outro, não apenas infra estrutura, nem apenas superestrutura, mas os dois ao mesmo tempo. Talvez estivesse ainda por vir sua capacidade deproporcionar mobilidade por configurar-se, ao mesmotempo, como um pólo catalisadorcapaz de gerar cotidianidade (escolas de musica e profissionalizante) e uma estrutura de conexão. A proposta é de utilizar o programa como umaestratégia de incremento e re-ativação de um rastro urbano, um vazio urbano que não cumpre seu papel como articulação como foi projetado para ser. O programa procurafuncionar com o rastro, utilizando-se de umasituação urbana preexistente como a escola profissionalizante (porém de pouca participação na dinâmica urbana) vindo para reforçá-la a ponto de provocar sua condiçãode geratriz de novas urbanidades possíveis. 20
GUATELLI, Igor. Indeléveis Rastros, pg 147.
Poderia, então, a arquitetura do edifício ser pensada como rastro, nem ausência nem presença absolutas, mas um querer ser? Sendo o rastro visto como uma condição frágil necessária para o surgimentode uma nova proposta, mas uma proposta diferente daquela com a qual foi criada, diferente daquilo que parece não estar mais lá, mas está, como uma presença desativada. Uma proposta como movimento de contaminação, superando aquilo que parece ser o “ser próprio dele”.
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II) O VIADUTO 4. Como nome
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Figura 18. Foto tirada do viaduto Major Quedinho. No fundo Viaduto Nove de Julho. Foto do autor.
Viadutos são pontes que visam não interromper o fluxo rodoviário ou ferroviário, mantendo a continuidade da via de comunicação quando esta se depara e têm que transpor um obstáculo natural constituído por depressão do terreno (estradas, ruas, acidentes geográficos como abismos, etc.), cruzamentos e outros sem que este seja obstruído. Pelo menos essa é a lógica com a qual os viadutos se apresentam em sua coesão infra-estrutural. O que caracteriza o tempo na época da concepção do viaduto não é o que caracteriza hoje como concepção. Quando a sociedade muda o conjunto, suas funções também mudam. Tais funções se realizam onde as condições de instalação se apresentam como melhores. Cada novo padrão não é morfológico, mas também funcional. Os objetos mudam e criam novas geografias. Ao longo do tempo um mesmo objeto varia de significação. Para Derrida, logo que o nome se põe, o luto já começou, “QuandJesigne, jé suis déjà mort” 21.O nome que sobrevive a morte anuncia uma finitude, desde o começo. Dar nome consagra e glorifica a queda e grava um momento22.Ocorre o que Derrida chama de Monumemoralizaçao, é o luto como idealização. Quando o nome“viaduto” se consagra como uma infra estrutura de passagem, ou segundo o Houaiss, como uma “via ou espécie de ponte”, nesse momento, o nome já entrou em luto. A sugestão programática feita para o interior do viaduto se fosse baseado na fundamentação do “correto”, regido por prescrições programáticas conceituais e pré determinadas de uso que garantem o lugar como “pronto para ser utilizado”, não caberia a ele programas dos quais são relacionados à conexão, circulação ou via de comunicação. 21 “Quando eu assino, já estou morto” [Tradução livre] 22
GASTON, Sean. “Derrida” pág, 160.
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Quando outra situação nasce, expropria o conceito anterior do qual havia se apropriado, esta leva o monumento e o conceito que carrega e revelam uma significação de um passado que nunca foi presente. A partir de uma morte que nunca esteve viva. Abre-se um espaço da lacuna entre a inteligibilidade do conceito pela “verdade”, pela origem, e o mundo sensível dado pela historia do movimento que essa palavra acrescenta23 . Pensando o diferenciamento da palavra em cima da origem.
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Segundo Derrida24, a verdade pode ser questionada, mas em cima do que outros disserem, mantendo um dialogo e uma ética com a história. Ele não diz que devemos buscar o entendimento, mas sim fazer um convite ao pensamento, questionando o trabalho da polissemia do conceito. Segundo ele “O conceito não é o signo, não é o significado.” Se eu criar uma intriga conceitual com a palavra viaduto, questionando estruturas estáveis do pensamento, deslocando um pressuposto teórico e conceitual que atesta e prescreve o fazer arquitetônico, desestabilizando-o,segundo Benington25 , “o significado não seria nada mais que um significante posto em uma determinada relação com outro significante”. Seria uma reflexão sobre o significado colado ao conceito arquitetônico do viaduto, que ainda hoje são adotados como senso comum, cristalizado e livre de contradições. Não é que o viaduto seja isso ou aquilo, ou ate um outro, mas sim a chance de um “vir-a-ser” outro, possibilitado por essa indefinição.
23 Hegel (1960), Apud Sean Gaston. 24 GASTON, Sean. “Derrida” pág, 160. 25
Benington (1996), Apud Sean Gaston, pg 165.
O sentido quando pela articulação ou jogo de palavras, ganham uma força geradora de outras significações, os interstícios, ou lacunas, compreendido como um entre-coisas, definido em direção ao indefinido, residiria no processo de (des)articulação das partes que parecem ter um grau de definição, a possibilidade da indefinição. No caminho da geração do conceito, do pensamento que pensa a si mesmo, temos a palavra “viaduto” que remete diretamente à etimologia do termo latim “via” rua e “duto” de aqueduto.Porém, existem diferentes acepções do vocábulo que lançam luz sobre as diversas peculiaridades ecaracterísticas da palavra viaduto como forma de metáfora indo além de sua representação mais comum. “Ducto” também pode lembrar “Dúctil”, que designa fluido, continuo , que suporta deformações. Partindo então, de um trabalho de filosofia, onde cortes no termo me ajudam a desvelá-lo e revelá-lo sob outra forma que não aquela enrijecida por uma camada de significação, tenho um viaduto, “via-ductil”, que suporta deformações. Mas quais deformações? Deformações de usos? Deformações de significado? Se uma palavra também tem um duplo sentido, a arquitetura também pode ter? O viaduto é um viaduto, mas também um outro? Segundo Derrida, o conceito sempre excederá a palavra. Pelo fato de uma mesmopalavra ter mais de um significado, algumas vezes até opostos, provando que uma palavra nunca é um conceito.O conceito dá a luz a si mesmo, da vida a linguagem e deixa um remanescente.
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Então o que permanece por vir? Para Derrida essa faixa começa com o pensamento dos restos/resíduos e do aquilo que resta a ser pensado. Depois, vem as lacunas que sobrepõe e recortam. Trabalhando então com possibilidades e limites. Derrida não “Confia à etimologia o direito de regular o conteúdo de um conceito”. Uma coisa é a palavra, outra é o conceito. A palavra tenta regular o conteúdo de um conceito.Mas a final, quais conceitos por trás da palavra “viaduto“ passam a regular com um conceito único? Via de transpor? Via que possibilita deformações? Ou até um outro, resíduos de pensamento que através do meu recorte não foi anunciado?
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II) O VIADUTO
5. Como suporte
62 Figura 19. Viaduto Nove de Julho, corte transversal.
Figura 20. Viaduto Nove de Julho, corte longitudinal.
Quando os eventos emergem, também estão propondo uma nova história. A cada novo acontecer às coisas preexistentes muda o seu conteúdo e também mudam sua significação. “A novidade é a essência da história”, diz Whitehead. Os eventos mudam as coisas, transformam os objetos, dando-lhes, ali mesmo onde estão, novas características. O exterior se neutraliza ao construir-se como invólucro. Vem a ser um suporte de suposições, sempre em processo, um espaço livre. Um espaço indefinido então passa a ser um espaço latente, aonde o vir a ser se torna incontrolável. Essas intervenções suportes de ações capazes de engendrar algo, podem passar a ser estruturas que estimulem a interrogação do usuário e capazes de “responder” às solicitações. Os espaços que sobram na cidade, aparentemente sem uso, estariam sempre abertos ao constante processo de apropriação diversa. Porém para ser um espaço de suporte, é necessário haver possibilidades de latência, não necessariamente um vazio é um espaço de latência: “Tem-se percebido quão importantes os vazios têm sido no processo de acolhimento do desejo de potência e produção do imprevisível. Porém, vazios desprogramados não bastam. (...) O que se tem verificado é uma certa banalização do conceito de vazio ao incorporá-lo no discurso arquitetônico. Vazios não podem ser confundidos com espaços esvaziados. Para que sejam acionados, estimulantes e passem do suporte para a intensidade é preciso haver a latência, uma latência obtida por uma congestão e tensão programáticas, ambientes, programas e espaços que possibilitem combinações programáticas momentâneas, com a aparição de usos e situações além do esperado.”26 26
OS PROJETOS DE RECONFIGURAÇÃO DE TERRITÓRIOS URBANOS: CONDIÇÕES TEÓRICAS, Igor Guatelli e Lizete Rubano, USP- São Carlos, SILAAC, 2007
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Para que a possibilidade se transforme em realidade precisa-se de ações de leis objetivas e a criação de condições propicias27 . Então o mundo se da como latência. Como um conjunto de possibilidades. Daquele espaço dentro do viaduto poderiam surgir diversas possibilidades de usos. O projeto passa a ser um extenso, isto é, estou atribuindo condições qualitativas e quantitativas aquele espaço, se tornando de tal forma possibilidades reais e não mais ideais. A latência é dada pelas possibilidades reais, mas histórica e geograficamente ainda não realizadas. Se tornando de tal forma historicizada ou geografizada através da ação.
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O interior do viaduto estava dotado de capacidades reduzidas e limitadas em suas possibilidades de provocar reações e interferências urbanas. A intencionalidade do projeto, por intermédio de uma estratégia de articulação infra e superestruturais, possibilitaria a invenção de outra situação, provocado por engendramentos programáticos. Possibilitando o desenvolvendo de usos e situações além daquilo colocado e sugerido pelo programa inicial. Minha intenção de projeto é de que a sobreposição de usos heterogêneos em cima de do viaduto possa se tornar condição para outras formações ao possibilitar uma superação do sentido de ambos através da possibilidade de um não condicionamento de apropriação em função de uma imagem ou significado advindos da forma. No momento que isso ocorre, o viaduto deixa de ser apenas uma infra estrutura urbana de conexão para se transformar num suporte ao projeto da escola profissionalizante, que por sua vez, deixa de ser apenas dois pontos no território para se tornar uma demarcação na passagem pelo viaduto. 27
Meliujin, Apud Milton Santos, pg. 227.
Os eventos dissolvem as coisas, eles dissolvem as identidades28 , propondo-nos outras, mostrando que não são fixas e por isso, segundo Deleuze submetendo-nos ao “teste do saber”. Espaços que dão lugar às circunstancias e acontecimentos e esse são incontroláveis, só nos resta interferir nas circunstancias. Os conceitos trabalhados são forças de pensamento e não funções de determinações a serem seguidas ou traduzidas. Então, diante da nova história e da nova geografia, é o nosso saber que também se dissolve, cabendo-nos reconstituí-lo através da percepção do movimento conjunto das coisas e dos eventos. Por fim, temos um viaduto, que foi construído para ser um suporte de infra-estrutura viária, do qual se tornou uma promessa, que até hoje esta a espera do que foi construído para ser. Foi construído como um espaço pré-determinado, porém, como se tornou um espaço a espera, se tornou um espaço infra-estrutural de condições de figurações momentâneas. Torna-se um espaço de permanentes suposições suplementares e interrogações por parte dos usuários. Então trato neste trabalho, este suporte na verdade como um suplemento, tornando a ser um suporte de infra-estrutura social. Justamente por também ser um suporte infraestrutural, há sempre o risco e a chance da arquitetura ser o lugar de suposições autorais, num permanente exercício de sua interrogação quanto aos limites sugeridos e desdobramentos imprevistos.
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C. Diano, 1994, Apud Milton Santos, pg 9.
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III) Discussão Com referências
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Figura 21. Folie Parc La Villete.
Em 1978 Bernard Tschumi organiza um trabalho teórico em cima de uma reflexão a respeito da condição contemporânea na arquitetura que foi publicado em um livro intitulado “The Manhattan Transcripts”. Neste trabalho, Tschumi propõe outro modo de notação em sequencias com precedentes em roteiros cinematográficos de Eisenstein, questionando então a linguagem da disciplina arquitetônica. Esse novo modo de notação proposto é composto por três níveis de representação: a do espaço, a do movimento e a do evento. Segundo Tschumi, a essência de um espaço só pode ser apreendida quando é lida junto com os movimentos e eventos que nele ocorrem e que dele são inseparáveis. Assim ele tenta demonstrar que a arquitetura não lida somente com o espaço, mas também, e principalmente, com o tempo. Diferente de “programa”, que segundo Bernard Tschumi deve ser distinguido do evento. Um programa é um conjunto determinado de ocorrências esperadas, baseada muitas vezes no comportamento social, mas sobrevindos de uma listagem de utilidades necessárias. Os eventos ocorrem de maneira inesperada. Em vez de encadeamentos e coesão espacial, para Tschumi o espaço configura-se como justaposição e dissociações, lugares de forças disjuntivas e permanentes jogos de tensões entre situações. O arquiteto Rem Koolhaas chega a denominar tal situação em seus projetos de promiscuidade programática, uma situação projetual onde a densidade e des-hierarquização do programa seria a condição fundante de uma arquitetura de acontecimentos inesperados.
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Em um de seus projetos mais recentes, a Biblioteca Pública de Seattle, utiliza uma estratégia projetual, recorrente, em relação ao programa, mas inusitado dado o tema: verticalmente, alterna espaços mais controlados, de grande especificidade programática com espaços mais fluidos, de maior liberdade organizacional e de ação, como se fossem grandes platôs-praças. Em sua obra Architectureanddisjunction, Tschumi reflete sobre o espaço e se este poderia desestabilizar e/ou superar suas representações e destinações, adquirindo outros significados, imprevisíveis, a partir de inusitadas e acidentais apropriações.
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Para alguns arquitetos, o programa se resume a uma lista de usos específicos requeridos num projeto, constantemente reinterpretados mas não questionados quanto à sua necessidade. Arquitetos próximos ao pensamento desconstrucionista, passaram a questionar a validade dessas regras de composição (Forma x Função) e, sobretudo, a relação de causa e efeito entre significante e significado, entre forma proposta e apropriações advindas. Segundo Derrida, não existe relação de causa-efeito entre palavra e o conceito. Levando a discussão para arquitetura, Tschumi reflete sobre o significante arquitetural não necessitar ser representado por um significado. Questiona em cima daquilo que está constantemente em processo, do transitório, do ambíguo que através da desconstrução, desregulamentação, disjunção e deslocamento, dão abertura para outras possibilidades, um espaço latente.
A latência é dada pelas possibilidades reais, mas histórica e geograficamente ainda não realizadas, segundo Milton Santos “se tornando de tal forma historicizada ou geografizada através da ação”. A possibilidade representa uma tendência real, oculta nos objetos e fenômenos, que caracteriza as diversas direções no movimento de um sistema. Já a realidade é tudo o que existe objetivamente como possibilidade realizada. O vazio, o espaço, dentro do viaduto é uma realidade e minha proposta de intervenção é uma possibilidade oculta nesse espaço sob o ponto de vista da minha maneira de analisar a realidade que aquilo poderia vir a ser, analisada através de um conceito elencado capaz de produzir situações das quais poderia se tirar proveito aquele espaço.
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III) Referênca 1. Parc La Villete
Paris, França, 1985-1995 (período de construção). ArqBernarTschumi.
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Figura 22. Folie Parc La Villete.
O primeiro projeto no qual Tschumi irá aplicar suas teorias desenvolvidas em “TheManhattan Transcripts” será o Parc de laVillette, em Paris. O projeto tem início em 1982 e em sua concepção Tschumi buscou, através de uma sequência de superposição de três sistemas autônomos (pontos, linhas e planos), uma estrutura sem condicionamento de uso. Cada ponto da malha regular que compõe o parque representa uma Folie, uma construção estratégica capaz de abrigar os mais diversos usos. O modo de concepção das Folies também é estratégico. Parte-se de uma forma geométrica ideal, um cubo de 10 por 10 por 10 metros, que passa por uma sequência transformacional: é decomposto em vários fragmentos, que formam um léxico, um catálogo de formas. Depois fragmentos diversos desse cubo são reagrupados de diferentes modos para formar as diferentes Folies. Estas funcionam como pontos de ancoragem, agindo como um denominador comum a toda extensão do parque. Ao percorrer seus vários espaços tão dispares, o visitante irá sempre se deparar com as Folies, que apesar de serem distintas remetem uma à outra por serem constituídas por elementos em comum: vários fragmentos retirados de uma mesma forma. As folies são caixas esvaziadas de conteúdo funcional e simbólico aparentemente aleatórias que reforçam a estratégia de uma desvinculação entre forma e função. Sãouma expectativade manutenção de uma arquitetura que libera um agora, ela só será arquitetura quando ela for, e, existe sempre a promessa de ser outra coisa. Ela não se estabiliza, ela é rastro dela mesma. É um suporte de ativação, altera a situação do parque, mas ao mesmo tempo é um suplemento, não vem para ser ajustado ao que falta. Funciona, portando como um suporte suplementar, ativa áreas livres, estimula as pessoas a percorrer o espaço a partir do momento que intervém no processo de polarização das atividades do parque.
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Figura 23. Proposta de Benno Perelmuter para pedestres.
No caso do La Villete, esse polos catalizadores seriam a cidade da musica, da ciência, da tecnologia e o grande Halle ( antigo matadouro) que são programas fixos, isolados para eventos programados, sem depender das folies para seu funcionamento. Há complementariedade funcional aos elementos fixos, espacial e funcional. Seguindo o mesmo raciocínio, sabia que era preciso polos capazes de atrair pequenas multidões para o vazio dentro do viaduto receber uma dinâmica. Portanto, através do projeto, aumentei a demanda da escola de música e da escola profissionalizante estruturando um espaço maior para isso e recuperei um antigo uso do viaduto (do lado da Bela Vista) com um restaurante escola (uma vez que atualmente a escola profissionalizante se apropria da cozinha industrial em favorecimento aos próprios alunos). Com o funcionamento do restaurante, seria capaz de receber pessoas que não só os alunos e ainda geraruma renda à escola. Porém apenas abrir passagem e criar polos catalizadores ainda não seria suficiente para a passagem funcionar, afinal, ela seria uma passagem suplementar uma vez que os alunos atualmente fazem a travessia pela própria rua acima do viaduto. Tirando como referência o projeto que Benno Perelmuter propôs para a ocupação do mesmo viaduto em 1970, onde o arquiteto previa a passagem de circulação com esteiras rolantes junto à galerias de cultura e lazer.Previ no projeto uma situação semelhante, com um museu e um ateliê de arte.
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A ideia de fazer um museu associado às rampas rolantes veio a partir do Museu da Língua Portuguesa. Um dos ambientes do museu utiliza-se de um espaço corredor todo enclausurado onde projeções são expostas nas laterais. O viaduto possui as mesmas características espaciais e tornando essa opção válida, poderia tirar proveito de um espaço longitudinal enclausurado e propor um museu que conta a história do transporte público de São Paulo. Projeção nas paredes, paredes das quais fizeram parte de um período da história em que entrava em cena a questão do transporte público e do qual deixou uma marca na cidade, um espaço residual. O viaduto é como um espaço intermediário, capaz de registrar novos significados e ao mesmo tempo retornar a sua condição anterior e permanecer em estado de significante.
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Figura 24. Acervo do Museu da Lingua Portuguesa.
A ideia de fazer um museu associado às rampas rolantes veio a partir do Museu da Língua Portuguesa. Um dos ambientes do museu utiliza-se de um espaço corredor todo enclausurado onde projeções são expostas nas laterais. O viaduto possui as mesmas características espaciais e tornando essa opção válida, poderia tirar proveito de um espaço longitudinal enclausurado e propor um museu que conta a história do transporte público de São Paulo. Projeção nas paredes, paredes das quais fizeram parte de um período da história em que entrava em cena a questão do transporte público e do qual deixou uma marca na cidade, um espaço residual. O viaduto é como um espaço intermediário, capaz de registrar novos significados e ao mesmo tempo retornar a sua condição anterior e permanecer em estado de significante.
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III) Referênca 2. Viaduto do Café
Viaduto do Café- São Paulo – Academia de Boxe Cora Garrido, 2009.
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Figura 25. Academia de boxe - Viaduto do CafĂŠ
Nilson Garrido,ex-pugilista,criou sua primeira academia de boxe em 2006 na região do Anhangabaú, mas mudou-se rapidamente para o Bixiga, sob o Viaduto do Café. Ficou lá por quase três anos e, em 2009, passou a ocupar a superfície embaixo do Viaduto Alcântara Machado, na Zona Leste da cidade, às margens do bairro da Mooca. A Academia de Boxe Cora Garrido,localizada sob o viaduto do Café em São Paulo, aponta-nos uma possibilidade no processo de contaminações constitutivas de espaços residuais urbanos centrais associados às estruturas existentes a partir de um trabalho voluntário [vontade de atuar]. Ao contrário de estratégias baseadas em esvaziamentos,o que vemos, é a potencialização de um espaço-suporte, de acolhimento social estimulante à ocupação produtiva, gerada por uma congestão programática de concomitâncias de atividades não complementares como uma biblioteca, uma escola infantil e um ringue de boxe. O projeto do arquiteto Igor Guatelli para a Academia Cora Garrido consiste na criação de uma arquitetura suporte para uma ocupação informal do espaço público já existente, propondo acentuar a condição do local através da criação de um lugar de multiplicidades, combinando espaços de maior especificidade programática, como uma Biblioteca e escola infantil, com espaços mais fluidos, de maior liberdade de ação e possibilidades de re-configurações momentâneas.
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Figura 26. Biblioteca da academia de boxe - Viaduto do CafĂŠ
O projeto foi concebido para melhorar a situação de ocupação improvisada, sem porém romper com as características existentes e a ocupação já consolidada do território. Ringues de Boxe deslizantes em trilhos, armários pivotantes, pavimento em radier, degraus como arena, mezanino, associados a uma absoluta transparência, garantem um espaço flexível e estimulante às ocupações espontâneas. Na história da arquitetura sabemos que o arquiteto quase sempre cumpriu um papel de definidor dos espaços e usos que esses espaços deveriam abrigar. Porém, assim como o viaduto Nove de Julho, o viaduto do café é uma área estigmatizada e considerada improvável de qualquer ocorrência urbana destinada à cultura, educação e/ou esporte. São exemplos de lugares muitas vezes hostis, que se tornam lugares de convivência, devido as forças que os acontecimentos possuem. Muitas vezes, condições de suplemento, possíveis de ser re-significada, um espaço sempre aberto a imprevisibilidade. Passando assim, a prevalecer um espaço fértil às experimentações, às apropriações livres, ao evento. Aberta à infinidade e ao não esgotamento, sempre em processo, sempre por vir.
Figura 27. Projeto Arquiteto Igor Guatelli para o viaduto.
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III) ReferĂŞnca
2. Viaduto Spitellau
ZahaHadid, Viena. Viaduto Spittelau, 2008.
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Figura 28. : Vista do conjunto projetado por Hadid sobre o viadutospitellau, desenhado por Otto Wagner
Spittelau é um viaduto projetado pelo arquiteto Otto Wagner, situado ao norte da cidade de Viena. Implantado sobre um ramal férreo desativado e que hoje foi transformado em uma ciclovia que atravessa toda a cidade pelo canal do rio Danúbio.O projeto da Arquiteta Zaha Hadid consiste em um conjunto de três blocos de apartamentos,finalizado em 2008, inicialmente previsto para ser habitação social mas destinando-se, agora à habitação para estudantes. Ainda sob os arcosdo antigo viaduto, há a previsão de um restaurante, lojas e bicicletário. Mais do que a fixação dos sentidos e significados dessa estrutura, ao sugerir o que seria mais apropriado ou mais adequado para sua utilização ou aproveitamento, surgiu uma condição suplementar no interior da estrutura. No projeto, Zaha Hadid optou por um sistema composto por habitação estudantil, comércio local e casa noturna, associado às linhas infra-estruturais de mobilidade como ciclovia, metrô, rodovia, sugerindo a possibilidade de co-existência de tempos distintos, permanência/aglomeração e passagem possibilitando uma troca social urbana não controlada e não dirigida. O que chama a atenção nesse projeto é a maneira como a arquiteta estabelece uma articulação entre o que chega a adição, e o “rastro” existente. O projeto, articula uma interferência em um processo de tensão onde ocorre ao mesmo tempo uma ruptura, um reforço e a emergência de outro. O antigo ramal férreo, ganha uma nova significação ao transformar-se em uma ciclovia e é articulado com algo que não parecia ser necessário para sua ativação e funcionalização.
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O projeto de Hadid insere-se como uma adição suplementar. Fazendo um paralelo com Derrida, temos o parergon, um termo derivado de parerga, de Kant, que seria tudo aquilo que não é nem obra nem fora da obra. O Parergon para Derrida, poderia ser entendido como um suplemento, aquilo que parece ser além do necessário, mas capaz de fundir-se ao marco. Como uma inscrição desnecessária, não apenas complementar. O Programa habitacional não parece ter vindo como uma carência, mas para alterar a dinâmica de um território. O viaduto não seria complementado, este, é um objeto paradigmático e potencializado em seu “ser”, uma linha urbana, que adquire a possibilidade de um vir-a-ser no momento no qual uma inscrição suplementar chega, interfere e deforma esse “ser” existente.
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Desde o início do meu trabalho, não procurei engendrar programas que cumprissem uma função apenas complementar para o viaduto. Apesar de em alguns momentos, programas como um auditório, uma sala de aula e um restaurante vierem com sentindo de complementação para um adequado funcionamento das estruturas programáticas, ao mesmo tempo, um museu inserido numa passagem, um ateliê de arte e até mesmo uma escola de música junto a uma escola de serigrafia, não vieram como possibilidade de complementação. São atividades suplementares ao funcionamento da escola profissionalizante. “O projeto de Hadid, uma supra-estrutura, um marco, com limites quepoderiam apenas sobrepor-se como uma excitante e expressiva figura sobre umfundo quase ausente, perde nitidez ao contaminar-se e fundir-se com um rastro, oviaduto spittelau, além de contribuir para uma formação suplementar deste –superação – seja em relação à sua condição de linha infra-estrutural, seja emrelação à representação anterior atribuída que possui.”29 29
GUATELLI, Igor. “Indeléveis Rastros”. Artigo escrito para pós v.17 n.28,São Paulo, dezembro 2010.
Então, o viaduto deixa de ser uma infraestrutura quase ausente,associada apenas à passagem e ligação, para se transformar em um suportefundamental aos três blocos habitacionais. Talvez a potência ainda por vir desse projeto esteja em sua capacidade de proporcionar mobilização e mobilidade urbanas por configurar-se, ao mesmo tempo, como um pólo catalizador (reforçado por um programa estratégico capaz de gerar cotidianidade) e uma estrutura dissipadora territorial. É devido a estratégia de articulação infra esuperestruturais que existe a possibilidade da invenção de uma outra situação, umoutro indeterminado, indeterminável, um porvir urbano provocado por instáveis engendramentos e desenvolvimentos programáticos, comogerminação de acontecimentos imprevistos, usos e situações além daquilocolocado e sugerido pelo programa inicial. Utilizando-se de uma situação urbana preexistente, porém pouco participativa da dinâmica urbana para reforçá-la,incrementá-la, manipulá-la, intensificando-a a ponto de provocar sua condiçãode geratriz de novas urbanidades possíveis.
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III) ReferĂŞnca 3. Rural Studio
Rural Studio, arq. Samuel Mockbee, 1993.
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A experiência do rural Studio foi iniciada em 1993, pelo arquitetos Samuel Mockbee (1944-2010, COM A COLABORACAO DE Denis K. Ruth, na zona rural, sobre o Mississipi dentro da AuburnUniversityof Alabama. Consistia em um ateliê onde os estudantes de arquitetura realizavam, como trabalho final de graduação, edifícios de custo reduzido para moradores de uma região com poucos recursos, casas, centros comunitários, igrejas, equipamentos, centros esportivos e depósitos. O estudante formava-se confrontando-se com a realidade concreta e em busca da máxima plasticidade para todos os tipos de elementos estruturais obtidos mediante a reciclagem. Qualquer material recuperado ou reutilizado é considerado válido para construir: carpetes, janelas, rodas de automóveis, trilhos, adobe e papelão. Tudo isso pode voltar a ser utilizado e de modo pouco usual. Ao recuperar os mecanismos da tradição e senso-comum, trata-se de privilegiar o aproveitamento das oportunidades e dos subprodutos.Cada intervenção é um objeto isolado, mas todas elas vão conformando uma frágil coleção de arquiteturas sociais da reciclagem, que como operação de acupuntura, enriquecem pontualmente as pobres estruturas daquela vizinhança e do seu território. Com base na referência do Rural estúdio, uma das minhas propostas para o interior do viaduto é a de que pudesse ser ocupada por um ateliê urbano, como algum projeto social carente de espaço para realizar com plenitude seu trabalho. Com base nisso, conheci o projeto da Dulcinéia Catadora responsável por fazer livros com capas de papelão trazidas pelos catadores de rua e ao mesmo tempo, intervir no espaço urbano,influenciando a vida social e cultural do seu entorno. O coletivo da Dulcinéia catadora aposta na possibilidade de fazer livros com uma comunidade vizinha, com capas de papelão pintadas pelos próprios moradores de rua, ou crianças de comunidades próximas, sendo os livros capazes de levar para outros espaços da cidade a voz de um segmento que tinha
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urgência de falar sobre a situação que estava (está) vivendo, ou seja, ameaça de remoção do espaço onde atualmente ocupam. Desenvolvida ha cinco anos em São Paulo, em uma Cooperativa de reciclagem e com a participação constante de cinco catadoras, lidam com a invisibilidade, as diferenças e o descarte. Dulcinéia foi tentando o acolhimento de beco em beco. E é no Beco do Areal onde o grupo de moradores atualmente se estabelece. Um lugar carregado de restos de demolições, gatos com centenas de fios, canalização clandestina, esgoto a céu aberto, lixo por toda parte. Hoje o coletivo luta pela conquista de espaços residuais da cidade, sendo que já conseguiram até conquistar um espaço dentro do Museu de artes do Rio – MAR para divulgação do projeto.
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“E foi em espaços improvisados que as oficinas aconteceram: sentadas em degraus, acomodando-se em cantos pelos caminhos que levam ao Santo Cristo, as crianças que se aproximavam assim que chegávamos com as tintas, papelão e pincéis passavam horas pintando e desenhando. (...) uma mesa de alvenaria foi usada para as oficinas, que passaram a ser realizadas quinzenalmente. Encontrar e separar caixas, cortar, pintar, fazer a dobra para marcar a lombada, costurar o caderno, cada etapa foi se seguindo com tranquilidade, o grupo se modificando ligeiramente a cada encontro.”30 30
Figura 29. Capas de livro de papelão confeccionadas
Texto retirado do blog do site do programa da Dulcinéia. http://www.dulcineiacatadora.com.br
Possibilitar a esse grupo um direito a um espaço digno, fazendo-se ressonar em um canto residual da cidade de São Paulo como o interior de um viaduto, que ao mesmo abriga as vozes dos moradores de comunidade que ao entrar em contato com o projeto passam a aumentar o hábito pela leitura dando novas possibilidades e novos desdobramentos até mesmo de incentivo (porque não?)de música e/ ou outra atividade profissionalizante devido ao fato de circularem por esses ambientes a cada dia que visitam o coletivo da Dulcinéia. Um projeto de possibilidades de participação criativa, social, cívica e suscitadas pelas práticas artísticas.
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Figura 30. Perspectiva de localização do edifício proposto.
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IV) PROCESSO DE ENGENDRAMENTO 1. Projeto
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Figura 31. Implantação s/escala.
O que este trabalho de graduação propõe no campo da arquitetura, está em como transformar uma ocorrência urbana em algo estruturante estendendo os limites do espaço público revigorando as vocações existentes das áreas a serem estudadas, com o desafio de propor um dialogo de um novo edifício com uma arquitetura pré-existente. O viaduto Nove de Julho foi concebido com uma lógica diferente daquela utilizada na época. Um viaduto dotado de estrados inferiores concebido pelo antigo plano de avenidas do Prestes Maia, que desenha um percurso para aqueles que ali transitam e que promovem um lugar para aqueles que ali permanecem, onde além da sua função primitiva de “passar por” é gerado a possibilidade de “estar em”.
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Figura 32. Planta esquemática de modificação proposta para arquitetura pré-existente.
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Figura 33. Perspectivas gráficas de indicação de usos.
O terreno do projeto em questão possui algumas particularidades quanto a sua ocupação atual. Uma parcela do terreno é ocupada atualmente por um estacionamento (Porções non aedificandi`) localizado entre a Rua Álvaro de Carvalho e a Avenida Nove de Julho. Na outra extremidade da Avenida Nove de Julho, possui outra parcela do terreno que é atualmente ocupada por uma quadra poliesportiva de responsabilidade da Prefeitura Municipal de São Paulo. Enquanto o viaduto em si, atualmente é apropriado em seu embasamento, por duas ocupações, destinada a formação musical e qualificação profissional, coordenado pelo SESI-SP e pela faculdade Anhembi Morumbi. Partindo dessa análise, as intenções projetuais foram se definindo pela estruturação desse programas já estabelecidos e inclusão de outros programas que também incorporam vocações existentes surgidos a partir da análise da área, como uma escola de música, uma escola profissionalizante, um restaurante, um museu sobre transporte, um depósito de livros da Biblioteca Mario de Andrade e um ateliê para um projeto social. Houve uma busca pela criação de um espaço heterogêneo, múltiplo e não hierárquico. É proposta a requalificação do espaço embaixo do viaduto para reforçar os usos profissionalizantes como laboratórios de serigrafia, laboratórios de informática, salas de aula teóricas e laboratórios para workshops. Do outro lado da Avenida Nove de Julho, o que atualmente é utilizado como depósito e como refeitório para os alunos da escola profissionalizante, existe uma cozinha industrial que foi construída junto com todo o conjunto do viaduto (prevendo a possibilidade desse espaço funcionar incialmente como um restaurante). Nesse espaço, minha proposta é a de recuperação desse uso, mas ao mesmo tempo vinculado com a escola, possibilitando a criação de um restaurante escola onde pode abrir até a possibilidade de gerar uma renda para manutenção das estruturas, não sendo uma cozinha privativa apenas aos alunos.
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No terreno que faz esquina com o viaduto e a Rua Santo Antônio, existe uma pequena praça na cota superior e uma quadra na cota inferior. Esta quadra pertence a Prefeitura municipal de São Paulo, mas foi cedida para uso da escola. A proposta de projeto foi manter a quadra na mesma cota onde esta atualmente, oferecendo um espaço dentro do viaduto com vestiários e depósitos para equipamentos esportivos. Na cota superior a ideia é promover a continuidade da praça até a avenida e ao mesmo tempo fazer uma cobertura para a quadra. Para esta laje não funcionar apenas como uma cobertura, colocouma sala de ensaio de música no formato de um pequeno auditório. Antes de propor este espaço, eu tive conhecimento de que uma grupo orquestral estava utilizando o subsolo (garagem) da câmara municipal (que fica a 150m de distancia do viaduto) para ensaiar porque não possuía espaço dentro do teatro municipal e por causa da acústica da garagem. Quando se fala em ensaio de música, os músicos preferem ambientes em que consigam se ouvir e ouvir os demais instrumentos, por isso escolhem ambientes com mais reflexão do que absorção de ruído ou escolhem os próprios auditórios para poder já acostumar o ouvido à acústica que do dia da apresentação. Por isso, uma sala com característica acústica de auditório, possibilitaria esse grupo utilizar o espaço e/ou até mesmo os alunos da escola de música, bem como ensaio de grupos de câmara, coro, etc. O novo equipamento voltado para formação musical atenderá cerca de 1.600 crianças e adolescentes da rede sócio assistencial, com um espaço preparado acusticamente para ensaios, salas de aula individuais para prática de instrumentos e sala de teoria musical além de um espaço para administração, cantina, banheiros acessíveis a pessoas com deficiência e um auditório para apresentações com 222 lugares localizado na cota da Avenida Nove de Julho com acesso separado da escola.
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Figura 34. Perspectivas da sala de ensaio e da quadra esportiva.
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Figura 35. Perspectivas do edifĂcio da escola de mĂşsica.
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Figura 36. Corte esquemático de proposta de insolação e ventilação do viaduto.
Haveria um mínimo de movimentação de terra necessária para implantação do auditório com volume total de 5.016m³ abaixo do nível da Rua Álvaro de Carvalho, não atingindo um rebaixamento muito inferior a cota da Av. Nove de Julho, justamente para não ocorrer rebaixamento de lençol freático dado à proximidade com o córrego Saracura. Uma das propostas de ocupação para o espaço no interior do viaduto, de 10.000m, seria aproveitar para abrigar as atividades do coletivo Dulcinéia Catadora que é, basicamente, fazer livros com capas de papelão e intervenções no espaço urbano. Os livros são veículos capazes de levar para outros espaços da cidade a voz de um segmento que tinha urgência de falar sobre a situação que está vivendo. Minha outra sugestão de ocupação é prover um espaço para guardar o acervo da biblioteca Mario de Andrade que, segundo a prefeitura Municipal de São Paulo, possui um acervo que ultrapassa o espaço disponível. A biblioteca atualmente esta passando por um processo de modernização31 e esta construindo um edifício anexo para abrigar acervo retrospectivo de periódicos gerais. O acesso para essas dependências do viaduto seria realizado através de um elevador de dimensões maiores capaz de comportar um carrinho de catador de papelão e um carrinho para transporte dos livros, que conecta o nível da rua do viaduto com o restaurante. Aberturas na parte superior do viaduto permitem o acesso (por elevador) da comunidade catadora de papelão que participa no desenvolvimento das capas, assim como 31
A Biblioteca Mário de Andrade da Secretaria Municipal da Cultura inaugura um prédio anexo, que abrigará a Hemeroteca. A instalação da Hemeroteca, esperada desde os anos 1950, marca o término do programa de restauro e modernização da Biblioteca Mário de Andrade, iniciado em 2006, que começa a ser organizado de forma a oferecer adequadas condições de consulta por pesquisadores e público em geral.
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pisos de vidro instalados na calçada permitem iluminação no interior e perspectiva visual para as pessoas que transitam sobre o viaduto. Existe também a opção do viaduto ser acessado por dentro da escola de serigrafia e pelo restaurante, levando estas a circularem por dentro do viaduto através de rampas rolantes associadas a um acervo digital que retrata a história da evolução do transporte publico em São Paulo. Outro aspecto do projeto é o de oferecer um espaço de vivência coletiva contradizendo o forte caráter viário da Av. Nove de Julho que atualmente compromete o passeio publico.
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A avenida nove de julho é carente de espaços verdes, espaços de estar e foi historicamente tratada como “fundos”, com edifícios de encostas virados para as ruas lindeiras. Por isso no pavimento que dá acesso a essa avenida abrem-se espaços livres A região é consolidada e cheia de edificações que não permitem perspectivas abertas e percursos de pedestres. Então foram estabelecidos estratégias de abertura de praças que melhoram acessibilidade das cotas propondo articulação vertical no lote entre os viadutos, a Rua Álvaro de Carvalho, Av. Santo Antonio e Av. Nove de Julho, criando um espaço contínuo de forma a privilegiar o uso coletivo do chão como extensão dos espaços públicos. Um local de porvir, capaz de garantir pela produção de intervalos, espaços de autonomia devido uma intervenção formal, visando um máximo de eventos heterogêneos. A implantação do edifício abre visual para essas ruas marcando a diferença de desnível e promove área remanescente permeável de 47,67%, oferecendo permeabilidade à área que sofre em algumas épocas do ano com alagamentos. A opção de sistema estrutural adotada foi a estrutura metálica. Devido o edifício se situar em uma área de grande movimentação, uma obra mais rápida e racionalizada foi a opção considerada. Internamente ao viaduto, foi feito o mínimo de modificação, tanto para não afetar
a estrutura quando sua arquitetura. Para conseguir passar de uma célula para outra, é proposta aberturas de 1m de largura por 2,10m de altura (como um vão de porta) onde ainda restaria uma bandeira de 3,10m que funciona como uma viga por causa da parede estrutural, suficiente para suportar o vão e não desconfigurar seu caráter de viga hiperestática. Devido a armação que se interrompe quando é feita a abertura, em seu contorno é aplicado um concreto de maior resistência que faz o papel de distribuir as forças que antes era aplicada na armadura. Para conseguir maior conforto dentro do viaduto, foi proposto pisos de vidro no nível da rua para iluminar as dependências internas do viaduto e para ter um mínimo de ventilação, grelhas mais próximas ao guarda-corpo conectados a uma câmara (projeto original do viaduto) que encaminha as águas para a saída e divida com o espaço dos ateliês por vidro canaleta. Chegando mais ao detalhe do caráter estrutural, temos o fato de que pilares e vigas metálicos transmitem muito ruídos e se tratando de uma escola de música isso prejudicaria a acústica interna das salas. Nas salas de prática musical consigo solucionar esse problema com o sistema de “Box in Box” (detalhado em desenho) que forma uma “caixa” entre as lajes e as vedações do edifício que isola o som emitido dentro da sala e deixa a estrutura metálica na extremidade. Nas salas de aula teórica onde não precisaria de meticulosidade de isolamento de som, apenas joguei os pilares para fora do edifício continuando a estética das salas de ensaio prático liberando até espaço no interior da sala sem a interferência de pilares. O estudo acústico participa do meu processo de trabalho, tanto na fase de concepção inicial como na fase de detalhamento, me auxiliando a tomar decisões que afetam desde o caráter geral do projeto até o de construtibilidade. Definições como de ambientes que me permitem aberturas de ventilação permanente, espaços de praças e até mesmo a forma das salas de aula de apreensão individual de instrumento que requer paredes sem paralelismo. Assim como pequenas alterações que fazem grande diferença na qualidade do espaço, principalmente quanto a isolamento de ruído e diminuição da reverberação.
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Figura 37. Perspectiva do edifĂcio de escola de mĂşsica visto do viaduto MAjor Quedinho.
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Figura 38. Perspectiva noturna do edifĂcio.
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IV) PROCESSO DE ENGENDRAMENTO
1. Experimentação
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Figura 39. Av. Nove de Julho ( maior ruído).
Figura 40. Rua Álvaro de Carvalho ( menor ruído).
O experimento foi desenvolvido32 visando à análise da implantação do empreendimento no terreno e suas implicações quanto àpaisagem sonora urbana local, como a incidência de ruídos externos nas fachadas da torre de edifício residencial, devido ao tráfego de veículos automotores, aeronaves e outras eventuais fontes fixas. Apresentação dos resultados das medições sonoras de precisão no terreno e na divisa do lote com as vias urbanas, de maneira caracterizar o cenário acústico ocorrente no local (“sondagem acústica“). Foi realizado uma simulação por modelagem computacional, em planta, cortes e 3D, gerando mapeamento gráfico de ruídos emitidos e propagados, de forma possibilitar a otimização do isolamento sonoro apropriado dos elementos construtivos componentes dos envelopes das fachadas e atendimento aos níveis internos de ruído recomendados para conforto acústico, de acordo com a norma ABNT‐ NBR10152. Foi utilizado para o experimento o uso do software CadnaA. Compareci ao local de implantação no dia 24 de Setembro de 2013, período da tarde, onde foram executados levantamentos fotográficos e contagem de veículos por minuto em cada via que margeia a edificação projetada. Foram medidas cinco vias na mediação, sendo: •Ponto 1, medição da Avenida Nove de Julho: 180 carros por minuto. •Ponto 2, medição da Rua Álvaro de Carvalho: 4 carros por minuto. •Ponto 3 medição da Rua Santo Antonio: 46 carros por minuto. •Ponto 4 medição do viaduto Nove de Julho: 112 carros por minuto. •Ponto 5 medição do viaduto Major Quedinho: 87 carros por minuto.
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O Experimeno foi desenvolvido junto à aula de experimentação com o professor Milton Granada em laboratório, seguido por acompanhamento e consultoria do Arquiteto Teddy Kaeriyama Yanagiya do escritório Harmonia Acústica, onde foi cedido a possibilidade de utilização do software CadnaA.
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Através do software CadnaA e dos levantamentos de campo efetuados e apresentados neste relatório, foi possível simular os níveis de pressão sonora que incidirão sobre as fachadas do empreendimento :
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Figura 41. Implantação da simulação acústica.
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Figura 42. Ampliação da simulação acústica.
Os valores indicados em círculos nas fachadas dos edifícios são os níveis máximos de ruído incidentes. Observa-se que a porção mais afetada pela pressão sonora é aquela voltada para a Avenida Nove de Julho. Já era previsto que isso iria ocorrer devido esta avenida ser caracterizada como via de fluxo rápido de veículos. Porém o que não foi previsto, foi que a porção entre a Avenida Nove de Julho
e o Viaduto Nove de Julho fosse ser altamente afetada também já que o viaduto situa-se em outro nível. O menor resultado de ruído observado na fachada voltada a esse local foi 85db, prevendo a necessidade de se colocar uma proteção acústica nessa porção do edifício que não tinha sido prevista até então.
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Figura 42. Indicação de corte
Figura 43. Corte da simulação acústica.
Figura 44. Simulação da influencia de ruído na fachada.
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Figura 45. Simulação da influencia de ruído na fachada.
Figura 46. Simulação da influencia de ruído na fachada.
A figura 46 me mostra que na parcela direita da empena voltada ao viaduto Major Quedinho incide em torno de 70dBA e me possibilita flexibilidade de trabalhar com aberturas para iluminar os ambientes internos desde que seja utilizado um vidro de desempenho adequado à norma. Para isso procurei na norma brasileira vigente NBR 10152-1987 para analisar quais são as os níveis sonoros para conforto em um ambiente escolar voltado à música.
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Segundo a norma, nĂveis superiores aos estabelecidos nesta tabela sĂŁo considerados de desconforto. Devido estas normas estarem em processo de revisĂŁo, pesquisei na norma americana:
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A norma americana se apresenta mais rígida comparada a norma brasileira se tratando de espaços de sala de aula (espaços de leitura) porque a mesma considera também o volume da sala. Analisando a partir da norma brasileira, tenho duas situações de abertura utilizando caixilho fixo no meu projeto. Uma em que se localizam as salas de aula, onde bate na fachada um ruído de 70dbA e outra de aula de música prática que bate um ruído de 85dbA. Vou nomear as situações como situação sala de aula e situação sala de música. Na situação sala de aula sei através da experimentação realizada no CadnaA, bate na fachada 70dbA. Segundo a NBR 10152 é adequado para uma sala de aula de 40-50dbA. Analisando a tabela do catálogo da Saint Gobain temos:
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O desempenho do vidro é medido através do seu RW. Cada fornecedor tem um valor de desempenho específico para seus produtos. O RW necessário para conseguir a situação adequada ( em termos gerais, não considerando outros condicionantes externos que carregam uma variação normalmente de 1 ou 2 db) vem da diferença do valor que incide e do valor que espera-se dentro do ambiente. Portanto, analisando todos os dados temos:
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• Na situação da sala de aula: Incide 70dbA, sendo necessário um vidro de RW30 para conseguir chegar ao valor mínimo que a norma exige que é de 40dbA. (70 - 40 = 30). No caso, um vidro monolítico de 6mm da marca do fornecedor analisado já garante um RW de 31. Poderia escolher um vidro com desempenho maior, porém, quanto maior for o desempenho do mesmo, maior o valor de custo do mercado, devendo esse critério ser analisado também. • Na situação da sala de música: Tenho uma situação mais complexa, já que incide 80dbA e para atender a norma, preciso de um ambiente com 35dbA. Portanto, neste caso necessito de um vidro de desempenho RW45 e segundo a tabela do fornecedor o único vidro que me permite esse desempenho é o vidro duplo acústico SGG ClimaplusSilence de RW47, um vidro com 8mm de espessura internamente, uma camada de ar e um vidro de 12mm de espessura externo. Segundo os resultados obtidos, posso concluir que num mesmo projeto de arquitetura pode variar significativamente na escolha de seus vidros de acordo com a necessidade para atender a norma e de acordo com a implantação do edifício devido à pressão de ruído externa. Consegui em apenas duas situações que se encontram nem a 4m de diferença uma da outra, situações extremas, tanto na sala de aula da qual consigo utilizar um vidro monolítico simples comparado a sala de aula prática da qual necessito do vidro com maior desempenho do fornecedor. Para concluir o relatório, nas salas de aula de apreensão individual de instrumento (aula prática)da qual necessita de um tratamento acústico especializado, como foi provado a cima, foi adotado como solução acústica, além do vidro duplo de maior desempenho, o sistema “Box in a box” retirado como referência do projeto da Praça das Artes do Brasil Arquitetura.
Figura 47. Detalhe de piso “Laje Flutuante (borracha)+assoalho de madeira.(Revista AU 127 pag31)
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Figura 48. Detalhe de forro (Revista AU 127 pag31).
138 Figura 49. Detalhe encontro com o pilar (Revista AU 127 pag31).
Legenda: 1. Vedação 2. Régua de ipê 100mmX30mm 3. Chapa de compensado 15mm 4. Isolador de borracha 70mmX50mm, para carga unitária de 60kgf 5. Barrote de madeira 70mmX50mm 6. Isolador de borracha 7. Lã de rocha 144kg/m³ 8. Painel de lã de vidro 50mmX40kg/m³ 9. Laje armada de concreto 12cm concretado sobre isoladores. 10. Laje estrutural
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V) BIBLIOGRAFIA
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5. GUATELLI, Igor. “Arquitetura dos entre-lugares. Sobre a importância do trabalho conceitual”. Ed SENAC São Paulo, São Paulo, 2012. 6. De Outros Espaços – Michel Foucault. Conferência proferida por Michel Foucault no Cercle d’ÉtudesArchitecturales, em 14 de Março de 1967 (publicado igualmente em Architecture, Movement, Continuité,5,de 1984) 7. GASTON, Sean. “Derrida”; tradução Vinicius Duarte Figueira; revisão Maria Carolina dos Santos Rocha, Porto Alegre, Ed. Penso, 2012. 8. GUATELLI, Igor. “Indeléveis Rastros”. Artigo escrito para pós v.17 n.28,São Paulo, dezembro 2010. 9. OS PROJETOS DE RECONFIGURAÇÃO DE TERRITÓRIOS URBANOS: CONDIÇÕES TEÓRICAS, Igor Guatelli e Lizete Rubano, USP- São Carlos, SILAAC, 2007
10. NBR 10152-1987. 11. ANSI/ASA S12.02-2008. 12. CATÁLOGO SAINT GOBAIN PARA VIDROS DE DESEMPENHO ACÚSTICO. 13. Revista AU, número 127.
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SITES CONSULTADOS: http://www.dulcineiacatadora.com.br http://www.prefeitura.sp.gov.br/secretaria/cultura/noticias