Um prazer terapêutico... Justin Maxwell está comemorando a última noite como stripper antes de iniciar uma nova carreira em psicologia. Tudo vai bem, até ver Grace Cooper na plateia. Há anos ele a deseja, mas mantém distância por ela ser sua aluna. Agora Justin se permitirá realizar uma fantasia proibida: levá-la para a cama. Grace também está cansada de negar a atração por Justin. Dentro de duas semanas ela deixará a cidade, e essa é a chance perfeita para uma despedida digna de seus sonhos mais libidinosos. Porém, tudo tem um preço, e talvez custe o futuro de ambos…
– Você não se escondeu muito bem, srta. Cooper. Ela prendeu a respiração. – Talvez eu quisesse ser encontrada, dr. Maxwell. – Queria, é? – murmurou ele. – Eu mordi o lábio quando você me puxou. – A boca de Justin estava tão próxima à dela que os lábios de ambos roçaram, muito levemente, enquanto ela falava. – Peço desculpas. – Não peça. – A pulsação dela ribombou. – Dê um beijinho para melhorar. Erguendo o queixo de Grace, Justin se aproximou. Os lábios de ambos se uniram como duas peças de quebra-cabeça se encaixando, sólidas e seguras. No início as línguas foram hesitantes, depois cada vez mais ousadas. Mãos percorriam, lenta e desesperadamente. E logo Grace estava perdida no momento. Justin a tratava como um banquete sensual, acariciando-lhe o rosto, o pescoço, o contorno dos seios. Os leves arfares dele patinavam sobre a pele macia. Quando ele enfiou a mão sob a blusa de Grace e encontrou um mamilo, ela ofegou, dizendo o nome dele, e deixou a cabeça cair contra a parede na qual estava imprensada. Avidez. Ele a deixava ávida. Depois de tanto tempo privados de tal sensação carnal, só restava a Grace acompanhar a liderança de Justin naquele momento.
Querida leitora, Bem-vinda ao Beaux Hommes, o mais animado e exclusivo clube de mulheres em Seattle. É noite de sexta-feira, o lugar está lotado e a música não para. Você terá um tratamento VIP, porque os homens que trabalham aqui sabem como fazê-la suar quando se despem! Após Stripper (ed. 22), escrever Dancer foi um desafio excitante. Em parte da história, acompanhamos nosso herói fora do clube e o vemos em seu primeiro trabalho depois de se formar na universidade. Justin está muito confortável com as oportunidades que criou para si, e não tem dúvidas de que será bem-sucedido se conseguir se manter firme em seu rigoroso planejamento de cinco anos. Nada irá impedi-lo de devolver à comunidade o serviço que salvara sua vida anos antes. Tudo vai bem, até aparecer a heroína e mudar completamente os planos de Justin para algo menos sério e mais… prazeroso. Afinal, ela não pretende se contentar com uma vida pacata! Dancer é uma história sobre corações partidos, esperança, e também sobre o poder de superar o passado com bravura para reivindicar coisas que pareciam fora do alcance. Principalmente o amor. Aproveite! Kelli Ireland
Kelli Ireland
DANCER
Tradução Fernanda Lizardo
2015
Capítulo 1
O ÔNIBUS soltou uma nuvem nauseante do escapamento no momento em que afastou-se do meio-fio. O departamento de trânsito da cidade podia até ser adepto do combustível ecológico, mas Justin Maxwell não conseguia respirar. Ele limpou os olhos lacrimejantes, ao mesmo tempo que um carro de luxo passou em alta velocidade pelo ponto de ônibus e o cobriu com um lençol de água de poça. Encharcado e cuspindo, ele xingou. A primeira coisa que ia fazer quando começasse em seu novo emprego na semana seguinte ia ser economizar para comprar um carro. Não precisava ser um carro esportivo. Nem mesmo sequer um carro novo. Mas, que diabos, ele não podia bancar um carro novo. Apenas algo com um teto e portas e janelas que não vazassem. Qualquer coisa que o poupasse de ter de tomar o transporte público em meio ao clima horroroso de Seattle. Ele não ia precisar mais ficar amontoado sob as paradas de ônibus para fugir da chuva. Não ia mais precisar se espremer no corredor lotado do ônibus para encontrar espaço para ficar. Não ia mais precisar sair de casa uma hora e meia mais cedo para poder fazer todas as baldeações pela cidade. Içando a mochila no ombro, ele se arrastou até a Broad Street, perpendicular à Terceira Avenida, e seguiu para o beco atrás da Beaux Hommes. A fachada da boate de dançarinos exclusivamente masculinos decididamente era elegante. Os fundos, porém, nada mais eram do que blocos de concreto inexpressivos, com janelas gradeadas e portas de aço. Um estilo industrial chique se ele ignorasse os cheiros rançosos de lixo e gordura do restaurante chinês do outro lado do beco. Justin correu até a terceira porta e digitou seu código de acesso. O teclado fez um barulhinho, a tranca se abriu e ele entrou, dirigindo-se ao vestiário e aos chuveiros. De jeito nenhum ele poderia entrar no palco coberto por aquela camada de sujeira. Vozes graves e risadas masculinas ecoaram pelo corredor. Assim que ele empurrou a porta vaivém, foi recebido com gritos de boas-vindas, seguidos imediatamente por chacotas devido ao seu estado. – Ei, não posso evitar se no meu pior dia eu fico mais elegante do que vocês nos seus melhores dias. – Ele enfiou a mochila no armário e começou a tirar as roupas molhadas. Desde que havia começado a dançar na boate, sempre fora peculiar na maneira como se apresentava. A coisa toda começara nos anos de vacas magras, quando as roupas já estavam muito pequenas e não havia dinheiro para substituí-las e compensar o que ele tinha crescido.
Ele não era mais aquele rapazinho. Levi, um amigo de longa data e bailarino principal do local, afundou no banco mais próximo e o avaliou sem muita empolgação: – O que diabos aconteceu com você? Parece que você andou rolando no beco. Briga ou sexo? Justin bufou e esfregou o cabelo, respingando água para todos os lados. – Nenhum dos dois. – Que pena. – Levi espreguiçou-se, os contornos dos músculos densos estremecendo antes de ele relaxar. – Um pouco de ação antes do espetáculo nunca é demais. – Disse o sujeito menos exigente que eu conheço. Levi se levantou, pegou sua toalha e a estalou na traseira de uma das coxas agora nuas de Justin. O outro berrou e deu meia-volta. – Você não vale nada, Levi. O sujeito de cabelo escuro sorriu. – Para as gatas eu sou de ouro. Justin balançou a cabeça e riu. – Vou tomar uma ducha rápida. Qual é a minha ordem de entrada esta noite? – Você é o quarto. Depois de Nick. Eu vou depois de você. – Nosso psicólogo residente não vai ganhar dinheiro nenhum se sacudir o traseiro depois de mim – avisou Nick. Justin riu. – Certo. Porque seus peitinhos são maiores do que os meus. – E eram mesmo. Nick era tão alto quanto Justin, que tinha 2,05m, mas tinha uns bons dez quilos a mais e era músculo sobre músculo. Nick espreitou-se na quina dos armários e fez sua dancinha com os peitorais. – Não me odeie porque estou em melhor forma. Dando de ombros, Justin pegou seus apetrechos de banho e fechou o armário. – Qualquer um pode ficar sarado, mano, mas não tem nada que você possa fazer para consertar esta cara. O cômodo explodiu em risadas, inclusive Nick, e Justin dirigiu-se para os chuveiros abertos. Ele ficou surpreso ao perceber que iria sentir falta daquilo ali, da camaradagem e do sentimento de fraternidade, quando voltasse a trabalhar apenas algumas noites por mês. Concluir o curso e adquirir o título de PhD significava que ele finalmente havia conseguido um emprego mais tradicional, e, definitivamente, socialmente mais aceitável. A partir de segunda-feira, ele ia deixar de ser um dançarino em período integral da Beaux Hommes para se tornar o dr. Justin Maxwell, psicólogo da equipe da Segunda Chance, uma organização sem fins lucrativos voltada para ajudar jovens carentes. Receber o aconselhamento de um psicólogo licenciado era parte importante do programa. Ele sabia bem disso. A água quente escorria pelo corpo enquanto Justin se ensaboava, mas o calor em nada ajudava a aliviar a tensão. Tudo o que queria no momento era ignorar o espetáculo de hoje à noite, ir para casa, preparar-se para segunda-feira e dormir. Mas o apartamento de solteiro era novo. “Novo”, neste caso, significava “vazio”. Ele tinha comprado uma cama, e só. Tirando isto e alguns potes e panelas adquiridos num brechó local, o apartamento estava deserto. Ele ainda canalizava a maior parte de seus ganhos para a casa da mãe, cobrindo boa parte das despesas, certificando-se de que suas irmãs tivessem roupas e comida na mesa. Ele lhes devia pelo menos isto.
Apoiando o antebraço na parede azulejada, ele abaixou-se de modo que o jato do chuveiro pudesse massagear seu pescoço e ombros. Dezesseis anos. Dezesseis anos desde que a polícia enviara um capelão à sua porta, e aquilo ainda o irritava. Mas pensar nisso não ia levá-lo a lugar algum. Ele precisava assumir sua pose confiante, vestirse e malhar um pouco antes do primeiro número. Mas fechar a torneira não impediu a viagem pela estrada emocional das lembranças. Justin flagrou-se pensando em quem era agora, comparando-se ao sujeito que era na primeira vez em que atravessara as portas da Beaux Hommes, numa noite aberta a testes para novos dançarinos, há dez anos. Ele vinha trabalhando como zelador no lugar há várias semanas, sempre observando o faturamento noturno de todos os dançarinos. Quando houve uma nova seletiva, ele estava lá. Achou que fosse subir no palco e dar um show, e até levara uns amigos para darem uns berros de aprovação quando ele terminasse. Erro número um. O bailarino principal sequer olhara para Justin duas vezes. Ele não chegara nem mesmo a pisar no palco antes de o sujeito berrar “Próximo!”. Furioso, Justin resolveu se impor sobre o sujeito. Erro número dois. O bailarino principal não recuou, nem mesmo piscou. Ele foi até Justin, com um dedo em riste em seu peito. – Traga colhões de verdade, e não me refiro ao Direitinha e Esquerdinha ali no canto, e você vai poder fazer um novo teste. Isto se, e digo se, você jogar limpo. A raiva de Justin, que já estava fervendo, terminou por transbordar. – Você está chamando meu amigos de… – Testículos. Sim, estou chamando-os de testículos. Se você precisa deles para mostrar seu valor, este trabalho não é para você. Caia fora. Com o ego ferido, ele foi para casa, pensou no assunto durante alguns dias e aí conversou com seu orientador sobre a oportunidade. Com o apoio do Segunda Chance, ele retornou. Sozinho. Eles o contrataram com uma ressalva importante: as coisas com o qual desconfiavam que ele lidava – gangues, armas e garotas – nunca, nunca, poderiam entrar na boate. Justin tinha uma escolha naquele momento. Aprumar-se e ter um emprego digno aos 20 anos, ou retornar para as ruas em tempo integral. A maior parte dos membros da gangue Deuce-8 não vivera até os 30 anos. Então, não era bem uma escolha. Apoiando um punho na parede do chuveiro, Justin sorriu e balançou a cabeça. Ele fora um idiota naquela primeira noite, pensando ser grande coisa enquanto vivia intensamente em meio a tiros e disputa entre gangues. “Idiota” nem sequer começava a defini-lo. Agarrando a toalha, ele enxugou-se enquanto a música abafada e com baixo marcado invadia o vestiário. Os primeiros gritos da multidão surgiram. Seu estômago deu aquela cambalhota sempre familiar. Dançar por dinheiro nunca seria um hábito inato para ele do jeito que era para Levi, mas a grana sempre fora boa, conforme lhe fora prometido. E ele tinha uma grande dívida para pagar – à mãe e ao Segunda Chance. Ele pegou o primeiro traje da noite. Hora de pagar algumas contas. JUSTIN FICOU na beirada do palco, aguardando. O número de Nick estava quase no fim e os ajudantes já tinham recolhido o dinheiro jogado no palco duas vezes. Seria uma bela noite. Levi apareceu ao lado de Justin, vestindo sua fantasia de bombeiro, uma favorita da plateia. – A casa está cheia hoje.
Aquela cambalhota no estômago aconteceu novamente. Justin odiava a tensão permanente da espera. Era mais fácil subir no palco quando o dançarino anterior ainda estava finalizando o número. Então bastava-lhe subir no palco assim que seus adereços estivessem prontos. Mas Levi tinha reorganizado algumas coisas logo depois de se tornar sócio da boate, e uma dessas coisas era que o dançarino seguinte tinha de estar pronto e à espera fora do palco, a fim de evitar atrasos. Apesar da irritação de Justin, ele tinha de admitir que funcionava bem. Com isto eles foram capazes de acrescentar mais dois números por noite, e isso significava mais renda para todos os envolvidos. Ainda assim, isso não ajudava em nada a acalmar as borboletas que esvoaçavam em seu estômago; na verdade, só fazia lhes dar asinhas bem afiadas. O sujeito de cabelo escuro olhou para Justin. – É esquisito saber que este é seu último fim de semana normal na casa. – Sim. – Justin correu a mão pelo pescoço e puxou com tanta força que o braço tremeu de tensão. – Isso não vai mudar muita coisa, no entanto. – Vamos ver. Avaliando a multidão, o olhar de Justin pulou de rosto em rosto enquanto ele relembrava sua coreografia. Ele reconheceu algumas clientes assíduas que davam boas gorjetas. Iria fazê-las rebolar muito. Algumas mesas ostentavam grinaldas e tiaras – despedidas de solteira sempre rendiam um bom dinheiro. Aquele grupo também foi acrescentado à lista de prioridades. O restante das mesas estava lotado de rostos desconhecidos. Justin observaria aquelas clientes, veria como reagiriam e retribuiria em conformidade. A culpa queimava em sua barriga. Esta era a parte que ele odiava, abordar a plateia como se fosse um morto de fome, analisando quem valia a maior parte do seu tempo depois de apenas algumas passadas rápidas. Tinha aprendido tal habilidade nas ruas: distinguir o tolo mais provável ou o elo mais fraco. Usá-la o fazia sentir-se contaminado, como se estivesse vendendo não só seu corpo, mas também sua integridade duramente conquistada. Ele tinha percorrido um caminho longo, saindo da sarjeta apenas dez anos antes. Era uma eternidade e ao mesmo tempo parecia ter sido ontem. – Em algum momento isso te incomoda? – perguntou ele baixinho. – O que nós fazemos? Levi não o fitou quando respondeu, apenas manteve os olhos na plateia. – Não. Estamos alimentando uma fantasia para elas, a ânsia de desejar e ser desejada. Como psicólogo, você sabe disso melhor do que qualquer um de nós. – Quando Justin não respondeu imediatamente, o homem mais alto olhou para ele. – O que está incomodando você? – Não tenho certeza. – Você precisa transar. Justin sorriu e balançou a cabeça. – Essa é a sua resposta para tudo. – Estou falando sério. Quando foi a última vez que você transou? – Já faz um tempinho. – Você não se lembra, não é? Justin deu de ombros, desconfortável. – Eu só tenho uma cama. O que eu poderia fazer antes disso, Levi? Perguntar a uma mulher se ela gostaria de ir para o meu apartamento vazio e brincar no chão? Isso com certeza ia me garantir um monte de “sim”.
Levi virou-se para ele. – Você tem que queimar algumas calorias, aproveitar a vida um pouco mais do que aproveitou nos últimos, ah, dez anos. Você não fez nada senão cuidar da sua família e estudar. Você trabalhou pra burro e chegou lá, cara. Na segunda-feira começa um novo capítulo da sua vida. Aproveite esta noite e simplesmente divirta-se. Uma vez a cada dez anos não vai te matar. – Engraçadinho. – Mas Justin sabia que Levi estava pelo menos parcialmente certo. Ele não tinha feito nada além de trabalhar como estudante e professor assistente no campus durante o dia e como stripper nas noites de quinta a sábado. Não houve tempo para indulgências. Observando a multidão, seu olhar pousou em uma ruiva deslumbrante. Olhos brilhantes, puxadinhos nos cantos, como os de um gato. Ela usava muito pouca maquiagem. Lábios carnudos, maçãs do rosto salientes, nariz empinadinho, um pescoço elegante – tudo o que ele conseguia enxergar dali fez seu sangue zunir nas veias. Ela sorriu para a mulher ao seu lado, revelando um lampejo dos dentes brancos e uma única covinha. – Bem, o que você sabe da vida – murmurou ele. Era Grace Cooper, a única aluna que já tinha chegado perto de convencê-lo a quebrar a cláusula ética em seu contrato como professor assistente com a universidade. E ela nem sequer tinha consciência de que causava isto nele. Simplesmente surgira, linda, voluptuosamente curvilínea e definitivamente brilhante. Eles chegaram a flertar: um roçar de mãos aqui, um toque suave ali, um olhar indisfarçável flagrado antes de ser camuflado. Justin tinha chegado tão perto de convidá-la para sair. Ela fora tudo o que ele desejava em uma mulher. Ainda era. E o desejo ainda estava lá, queimando logo abaixo da superfície. Mas Justin não era mais professor dela, não tinha mais vínculos éticos que o obrigavam a guardar seus desejos para si. Ele poderia ir atrás dela. Ali. Esta noite. Agora. Seu plano anterior se foi assim que ele começou a revisar mentalmente sua coreografia. – Vou trocar o esquema – disse ele para Levi. – Diga ao DJ para colocar a música da minha coreografia nova. E vou precisar de uma cadeira. O outro deslocou-se para ver o que Justin estava olhando. Ele assobiou. – Gata a uma hora. Justin entrou na linha de visão de Levi. – Um aviso… tire as mãozinhas dela. Levi sorriu e estendeu as mãos, palmas abertas. – Saquei. – Ótimo. Agora pegue uma cadeira para mim e certifique-se de que o DJ vai trocar a música. A consciência de Justin erigiu, pronta para discutir, mas a luxúria nocauteou a desgraçada antes que aquela pudesse dar um suspiro. Ele tinha seguido as regras durante os últimos três anos no que dizia respeito a Grace. E esta era sua última noite antes de ingressar no mercado tradicional de trabalho. Uma vez, só uma vez, ele queria viver um pouco. Pela primeira vez, relaxar pareceu tão natural quanto respirar. GRACE COOPER afundou em sua cadeira e tirou a massa de cabelo do ombro. Aquela era a melhor maneira possível de passar o fim de semana. Despreocupada. Roubar um tempinho para ficar ociosa e permitir-se esbanjar ao menos uma vez revelara-se fundamental para sua sanidade. Como futura psicóloga, ela sabia bem disso.
Ela havia passado o dia caminhando à beira-mar com as amigas. O mercado de Pike Place tinha a feirinha de flores mais incrível do mundo e ela acabara comprando um buquê de margaridas para a cozinha. Depois elas foram jantar em uma creperia. Deus. Do. Céu. Que delícia. Ela ainda estava cheia. E agora isto, o auge do fim de semana. Homens lindos tirando a roupa, um pouco de flerte e uma diversão inocente com as amigas antes de irem embora da cidade e iniciarem suas carreiras em partes diferentes do país. Meg, sua melhor amiga, inclinou-se e lhe deu um tapinha no ombro. – Melhor. Ideia. Do. Mundo. Grace riu. – Você precisa de um babador. Tem uma babinha bem… – Ela passou o polegar no queixo de Meg – …aqui. Meg fez uma careta quando calor queimou suas bochechas. – Você viu Nick? – Vi tanto quanto você. – Eu nunca vi um homem rebolar daquele jeito. – Meg abanou-se. – Eu voltaria aqui sempre se não estivesse me mudando para Baltimore. – E eu vou atrás de você assim que meu estágio acabar. – Pegando sua margarita, Grace bebeu um gole caprichado. Duas semanas. Depois disso, Grace teria de tomar algumas decisões. O tipo de decisão pela qual estivera ansiosa desde que conseguia se lembrar. Ia se mudar para Baltimore com Meg, afastar-se completamente da vida na qual estivera presa desde que nascera e se tornaria algo, alguém, mais importante. Tudo o que ela sempre quisera: escolher que tipo de pessoa seria em vez de viver como um subproduto indesejado do ambiente e das escolhas da mãe. Determinação: era só o que ela possuíra para vencer aqueles anos difíceis, as noites com fome, os feriados solitários. E se a determinação a havia carregado até aqui, não havia nenhuma razão para pensar que não iria levá-la até onde ela quisesse. Grace esculpiria o próprio nicho, faria algo especial após uma vida abaixo do notável. Se ao menos ela pudesse descobrir o quê e onde seu nicho estava. Não havia espaço para cometer erros, não com a janela para o pagamento do empréstimo estudantil estreitando-se e com sua situação habitacional horrorosa durante as próximas duas semanas. Franzindo a testa enquanto bebia, ela lutava contra a vontade de xingar. Havia sido obrigada a voltar a morar com a mãe quando o sujeito de quem ela e Meg tinham sublocado o apartamento retornou mais cedo de sua missão no Médicos Sem Fronteiras. Não foi grande coisa para Meg; ela simplesmente voltara para casa. Já para Grace, foi mais… complicado. O lar nunca havia sido o lugar seguro que deveria ser. Tal palavra nunca invocara a sensação de segurança ou um local de refúgio. Sua mãe sempre fora mãe apenas no sentido biológico. Cuidado e amor nunca tinham sido parte do vocabulário daquela mulher. Grace alongou o pescoço para trás e para a frente e respirou fundo. Duas semanas. Você vai poder fazer qualquer coisa durante duas semanas. – Senhoritas, preparem-se para um verdadeiro deleite. – A voz do mestre de cerimônias, grave e sombria, arrastou Grace de seu devaneio e fez o falatório da multidão se transformar num burburinho ansioso. – Parece que um favorito das garotas da Beaux Hommes resolveu revelar um novo alterego esta noite, e ele vai escolher uma sortuda para ajudá-lo nas apresentações. – Eu me pergunto se Nick entenderia caso eu me oferecesse – murmurou Meg.
Grace riu, observando enquanto o holofote varria a multidão. Havia muitas mãozinhas no ar, a mulherada acenando como toureiros enlouquecidos diante de touros bravos enquanto tentava atrair a atenção do apresentador. Grace balançou a cabeça e se abaixou para pegar sua bolsa. Com ou sem álcool, mais um drinque cairia bem para refrescar. E ela poderia muito bem comprá-lo enquanto estivessem preparando a entrada do próximo dançarino. O ar farfalhou ao redor dela quando o dono de sapatos pretos envernizados parou na frente de sua cadeira. Ela congelou. Uma colônia forte e almiscarada fez cócegas em seu nariz. Os holofotes apontaram para ela, e Grace jurou estar sob o sol do meio-dia. Um dedo áspero da mão laboriosa se pôs sob o queixo dela e o levantou delicadamente. Aquilo não estava acontecendo. Ela não queria ser escolhida para ajudar o policial ou o cozinheiro ou o mágico ou o que quer que ele fosse representar quando tirasse suas roupas. Ela só queria admirar o show. E dar gorjetas. E admirar um pouco mais. Mas fazer parte do ato? Não. Apesar de sua resistência, Grace inclinou a cabeça para trás e absorveu a figura lentamente. Os olhos percorreram um corpo alto e rijo. O sujeito a incitou a se levantar, até que ficassem frente a frente. Uma pressão sutil a incentivou a encontrar o olhar dele. O choque a fez prender a respiração num fôlego só. Sobrancelhas escuras arqueavam-se elegantemente acima de olhos azuis-claros com rajadas de azulmarinho. Os cílios eram tão espessos que ela quase o odiou por isto. Quase. O queixo era cinzelado. A forma como o cantinho da boca erguia-se deixava claro que ele sorria regularmente, e Grace teve a estranha vontade de ver aquele sorriso imediatamente. Não o sorriso de palco, mas o genuíno. O lábio inferior era carnudo, feito para mordiscar, ao passo que o lábio superior tinha um arremate perfeito em formato de coração. Ela não conseguia parar de olhar para aquela boca – nenhuma surpresa nisso. Sempre fora desse jeito no que dizia respeito a ele. – Justin Maxwell – sussurrou ela. O único homem no mundo que ela desejava em todos os aspectos. O único homem fora de seu alcance durante três anos. Todas as células do corpo dela se aqueceram até lhe arrematar a nuca com uma fina camada de suor. Grace lambeu os lábios quando voltou a respirar, ofegante. Como ele poderia estar ali? Esta noite? Por quê? E por que ele não podia estar vestindo mais roupas ao tocá-la? Ele meneou a aba do chapéu num cumprimento, ajeitando-o num ângulo pretensioso. – Preciso que você venha comigo, srta. Cooper. O timbre suave da voz sussurrou através dela, acariciando e inflamando partes que não tinham nada que estar ardendo. Grace abriu a boca para recusar educadamente. Sim, ela nutrira uma grande paixão por aquele homem durante anos, mas isso não significava que precisava subir num palco com ele mediante um convite. Não, ela não podia. – Nem pensar, professor. – Nunca fui um professor e não estou mais de pé em frente a um quadro-branco, querida. – E ela também não estava sentada dentro de uma sala de aula. O estômago de Grace capotou quando a ansiedade pousou no meio de sua barriga. Tomando a mão dela, Justin recuou no meio da multidão com passos confiantes, como se soubesse exatamente quem e o quê havia atrás dele. Ele a guiou por uma pequena escadaria e a posicionou no meio do palco. – Não pense na multidão. Concentre-se em mim. Eu vou cuidar de você – disse ele em voz baixa.
A garota selvagem que vivia dentro dela espreguiçou-se e ronronou, cansada de ter de agir em conformidade aos desejos da sociedade ao longo dos anos ao mesmo tempo que se matava para conseguir a graduação e a pós-graduação. Agora tudo o que aquele lado selvagem dela desejava era um pedaço dele. – Vou cobrar isso de você. Aquele sorriso cobiçado repuxou um canto da boca. – Por favor, cobre. Ela assentiu brevemente, e ele levantou uma das mãos enquanto se afastava dela. As luzes diminuíram imediatamente, e várias mulheres gritaram, outras assoviaram. A música começou, suave no início. Primeiro com uma pegada digital, daí as primeiras cordas de guitarra elétrica abafaram o sintetizador. O baixo entrou com uma linha de percussão forte, quase uma batida. A música martelava os nervos de Grace, acendendo-a por dentro e deixando-a superciente do tato das próprias roupas sobre a pele. Os holofotes se acenderam, o facho estreito no início, e depois abrindo-se para mostrar Justin, que caminhava até ela num desfile digno da semana de moda de Milão, em meio à fumaça artificial que ondulava pelo palco. Os pés dele tocavam o chão no ritmo da música. Justin abriu o casaco, deixando o tecido ondular sobre o corpo enquanto ele se movimentava. A calça de smoking estava presa por suspensórios pretos. Ele usava uma cinta de cetim branco. E só. O peito nu exibia a pele quente e o físico definido. Ele não era imenso, mas, caramba, ela teria dado qualquer coisa para passar os dedos naqueles peitorais definidos e naquele abdome sarado. Grace olhou para o rosto dele e congelou. Os olhos de Justin eram quentes, o sorriso, pura sedução. Ele arqueou uma sobrancelha quando chegou pertinho. Grace lambeu os lábios mais uma vez, o gesto parcialmente fruto da tensão, mas predominantemente por expectativa. Ela queria muito sentir as mãos dele em cima de si e, surpreendentemente, saber que outras pessoas estavam assistindo a excitava. Como se tivesse ouvido seus pensamentos, os olhos de Justin ficaram mais semicerrados. Ele a cercava num círculo cada vez menor. Arrancando o casaco, ele o atirou para o lado enquanto a letra da música envolvia Grace em uma névoa de luxúria. O cantor instruía a mulher na canção a implorar. Mas, em vez de aquilo incentivar Grace a ficar de joelhos, quem o fez foi Justin. Ele se posicionou atrás de Grace e correu mãos largas pelas panturrilhas dela, subindo ao bumbum, e então se acomodando na cintura, fazendo-a contrair a pele subitamente. O hálito quente de Justin patinou ao longo do vão da espinha, ao mesmo tempo que os polegares levantaram a bainha da camisa dela e ele pousou os lábios firmes na curva delicada da lombar. Grace arqueou involuntariamente. Mãos fortes lhe apertaram a cintura, mantendo-a imóvel. A pontinha da língua de Justin desenhou a linha mais fina ao longo da pele dela. Um gemido ficou preso na garganta dela. O calor inundou seu sexo. Ele se movimentou atrás dela, escalando-a como um super-herói seminu. Ela perguntou-se distraidamente qual seria o superpoder dele e percebeu, sem dúvida, que seria o da sedução O poder de fazê-la desejá-lo loucamente. O poder de fazê-la implorar se ele assim o quisesse. Mãos macias deslizaram sob a camisa dela, passando pela barriga. Polegares pairaram sobre as curvas dos seios. Os mamilos intumesceram.
Perdida nas sensações, Grace fechou os olhos. E aí ele se foi. Ela retornou a si, procurando por ele. Justin havia se enfiado nas sombras perto da beira do palco para pegar uma cadeira. Empurrando-a em direção a Grace, ele se movimentava com uma graça ágil. A pele dele brilhava, retesada sobre os músculos definidos, e os olhos ardiam enquanto os lábios se curvaram com aquele superpoder, sedução. E quanto mais perto ele chegava, mais excitada Grace ficava. Três coisas a atingiram de uma só vez. Um, ela realmente desejava aquele homem, em todos os sentidos da palavra desejar. Dois, ela ia tê-lo para si. Três, ela ia desfrutar de cada minuto e só pensar nas consequências depois.
Capítulo 2
JUSTIN AINDA não tinha arrancado a calça do smoking. Mas a esta altura já deveria tê-lo feito. Era a sequência natural da coreografia. Mas ele não podia. Não até conseguir controlar seu pênis. No minuto em que ele colou os lábios às costas de Grace, aquele safado traidor parou de ouvir suas exigências para que ficasse quietinho. Um desejo primitivo rugiu dentro dele diante do ligeiro sabor salgado da pele dela. E então o almíscar sutil gerado pela excitação dela levou a luxúria dele a níveis incontroláveis. Ele nunca havia reagido a uma mulher de tal maneira. Havia algo nela que o fazia perder o controle, e, como sempre, aquilo tanto o fascinava quanto irritava. E ele era famoso por seu autocontrole. Acomodando Grace na cadeira, Justin ajoelhou-se diante dela, de pernas bem abertas. Daí inclinouse para trás, apoiando-se em uma das mãos, e começou a requebrar os quadris para ela. Claro, sua ereção era evidente – daria para ela saber de antemão. Manter as coisas do jeito que sempre foram já não era mais uma opção. Agora que ela o havia visto ali na boate, agora que havia descoberto que ele dançava, não dava mais para fingir que não sabia de nada. Justin ia prolongar a dança até onde desse, antes que ela o pedisse para parar. Pela primeira vez desde que tinha começado a dançar, Justin queria que uma cliente, esta cliente, o enxergasse como um cara disponível. O olhar de Grace se fixou na virilha de Justin. Daí foi passeando pelo corpo dele, até chegar aos olhos. O desejo imenso que ardia nas profundezas dos olhos dela deixou Justin sem fôlego. – Toque-me. – As palavras dele saíram sem pensar. – Implore. Os testículos dele se contraíram diante do comando. Então ela estava prestando atenção à letra da música, não estava? Ele sorriu, colocando em prática cada grama de sensualidade predatória que conseguia reunir enquanto se ajoelhava diante de Grace e a encarava. – Você vai se arrepender disso. – Então me obrigue. – Feito. – Uma fome sexual crua surfava pela corrente de excitação que inundava as veias de Justin. Onda após onda de desejo pulsava dentro dele. Rastejando ao redor de Grace, ele foi subindo junto ao corpo dela bem devagar, daí inclinou-se ao ouvido dela e sussurrou:
– Por favor. Ela foi tomada por um calafrio intenso. Justin a pegou nos braços e trocou de lugar com ela, colocando-a em seu colo. Projetando a pélvis, ele imitava o sexo cru ao mesmo tempo que suas mãos corriam pelos quadris dela. O calor do sexo de Grace jorrava pela calça fina de Justin e não havia nada que ele quisesse mais do que tocá-la bem ali, para saber se ela estava tão úmida quanto ele desejava que estivesse. As mãos dele tremiam. – Por favor – disse ele, desta vez mais alto. Mãos delicadas passearam sobre o peito dele. Ele ergueu o queixo e a encarou. A forma como os olhos de Grace se fixavam em seu torso, o modo como as pontinhas dos dedos trilhavam por todos os contornos do corpo dele… aquilo só fazia aumentar o desejo dele por ela. Envolvendo o bumbum dela num abraço, Justin ficou de pé. Grace arregalou os olhos, ainda sustentando o olhar dele. Encará-la era um gesto natural. Ele se inclinou até que os lábios de ambos quase se tocaram. – Por favor. – O apelo sussurrado fez os lábios se tocarem por uma fração de segundo, mas foi o suficiente. Grace tinha sabor de limão fresco, doce e ácida. Que mistura inebriante. Ela arfou quando ele girou e a colocou na cadeira outra vez. Daí Justin afastou-se e tirou os sapatos, um de cada vez, chutando-os para longe, e então, de costas para a multidão, rasgou a calça. Grace mordeu o lábio, as narinas dilatadas. O recado era claro. Ela o desejava. E então ele dançou para ela. Ainda encarando Grace, Justin ficou joelhos e correu as mãos sobre o próprio corpo. Daí esticou um dedo e fez um gesto de “venha cá” para ela. Grace se levantou e caminhou em direção a ele com passos exagerados, os movimentos em perfeita sincronia com a música. A maneira como se remexia, com pura confiança sensual, fazia o sangue dele ferver. Quando ela chegou a ele, Justin se agachou sobre os calcanhares e puxou Grace para que ela pudesse montar nele. Ele impulsionava a pélvis para cima, deslizando a mão livre pela frente do corpo dela. E então as mãos dele seguiram pelas pernas, subiram de novo e foram para as costas dela. Agarrando-lhe os quadris, ele inclinou Grace para frente e dobrou o próprio corpo sobre o dela, acomodando a ereção bem na fenda do bumbum delicado. Ela estremeceu. Ou pode ter sido ele. A música terminou, e as luzes se apagaram. Ele agarrou a mão dela e se dirigiu para as laterais do palco. Ela manteve a disposição, sem hesitar, e ele ficou aliviado. Justin sentia o desejo queimando suas entranhas. Ele desejava tanto Grace que estava apavorado com a possibilidade real de jogá-la no ombro e fugir. Para onde, não fazia ideia. Provavelmente para o primeiro hotel que encontrasse. A decoração espartana do fundo do palco estava em total desacordo com a suntuosidade da parte exposta ao público. Eles praticamente correram por um longo corredor, as mão grudadas. Vários dançarinos berraram gracinhas quando eles passaram. Justin os ignorou. Sem aviso, ele parou e puxou Grace para um cantinho. Ela colidiu contra ele. Justin girou o corpo e a prendeu contra a parede. – Eu preciso de você.
Os olhos verdes arregalados o encararam, as pupilas tomadas pelo desejo. – O sentimento é mútuo. Entrelaçando os dedos aos dela, Justin posicionou as mãos de Grace acima da cabeça dela. Ela arqueou para ele, e ele gemeu. Os lábios se encontraram num duelo desesperado por domínio. A boca de Grace oferecia um prazer sem fim, ao mesmo tempo que o corpo dela cheirava a pecado. Ela roçava de encontro a ele, enganchando uma perna numa perna dele assim que Justin se encaixou entre as coxas macias. O gemido suave de Grace quase representou a ruína de Justin. Ele a desejava tanto, e sentia-se levemente culpado por tê-la arrastado para os bastidores sem ao menos ter se dado o trabalho de bater um papo antes. Se alguém tratasse uma de suas irmãzinhas do mesmo jeito, ele certamente mataria a pessoa. O choque devido ao próprio comportamento o inundou de forma tão eficaz quanto um balde de água gelada. Aquilo não era jeito de tratar uma mulher de quem ele gostava e a qual respeitava, uma mulher que ele passara três anos querendo convidar para sair. Empurrando-a com delicadeza, ele olhou para ela, ofegante. – Desculpe. – Nada de conversa – Ela inclinou-se e recuperou a boca dele, mordendo-lhe o lábio inferior antes de abrandar a dor com a pontinha da língua. – Ainda não. Ele se afastou. – Eu não faço esse tipo de coisa. Nunca. Ela suspirou e relaxou contra a parede. – Acredite ou não, nem eu. Encostando a testa na dela, ele fechou os olhos. – Quer sair daqui? – Sim. – Eu te encontro lá na frente em dez minutos. Ela o beijou rapidamente. – Oito minutos. Então Grace libertou as mãos e passou abaixada sob um dos braços dele, voltando para o lugar de onde tinham vindo, os quadris requebrando hipnoticamente. – A saída fica à direita – avisou ele. Ela levantou a mão para mostrar que tinha ouvido, mas não desacelerou. Bufando, ele se afastou da parede e correu em direção ao vestiário. Justin se deu conta de que tinha seis minutos para montar um plano decente, um que terminasse com Grace nua em seus braços. Ele pegaria o carro de Levi emprestado; ainda era um tanto irritante ele não ter um veículo próprio. Eles poderiam sair para um jantar tardio. Talvez fazer algo divertido lá. Ou ir a sua doceria favorita para comer uma coisinha gostosa. O pequeno restaurante que Justin tinha em mente não era chique, embora fosse bem intimista. Eles poderiam conversar. E ele teria a chance de mostrar a ela que era uma pessoa bem melhor do que seu comportamento havia indicado até então. Um sorriso sombrio se espalhou pelo rosto de Justin enquanto ele se dirigia ao seu armário. Talvez ele fosse diretamente para o tiro de misericórdia e tentasse convencê-la a tomar café da manhã com ele… na manhã seguinte.
GRACE CORREU de volta para sua mesa, onde as amigas estavam tagarelando como aves canoras. Meg estendeu a mão e a agarrou pelo pulso. – Minha nossa, menina! Você é a mulher mais sortuda que eu conheço. – Ah, é? – Ela pegou sua bolsa. – Estou prestes a ter mais sorte ainda. – Não diga. – Lynn, outra amiga íntima, se inclinou sobre a mesa. – Você não vai sair com ele. – Não. – Ela sorriu e expôs toda a malícia em seus pensamentos. – Eu tenho a nítida impressão de que vamos passar a noite juntos. Meg gritou, e Lynn riu. Gretchen, a mais sensata do grupo, tomou um gole de sua bebida e fitou Grace acima da borda do copo. – Você acha que isso é uma boa ideia? Você não o conhece. – Na verdade, eu meio que o conheço sim. – As outras clamavam por mais informações, mas Grace as ignorou. – Nós nos conhecemos no departamento de psicologia. Não, eu não fazia ideia de que ele dançava aqui. Sim, ele beija muito bem. Não, não vou dar mais detalhes, então não perguntem. – Ela olhou para Gretchen. – Só desta vez, eu quero viver um pouco. Gretchen concordou. – Eu entendo isso. Entendo mesmo. – Ela bebeu mais um gole, franzindo a testa enquanto Grace a observava. – E não posso acreditar que estou dizendo isso, mas você poderia fazer pior do que viver um pouquinho com um stripper. Grace contraiu os músculos do pescoço e assentiu de forma veemente. – Certo. Todas as três mulheres ficaram em silêncio diante das palavras de Gretchen. Todas lamentavam pelos desgastes dela. Grace empinou o queixo. – Falo com vocês amanhã. Gretchen ergueu o copo, o gesto casual em desacordo com a preocupação refletida em seus olhos. – Prometa que vai ser cuidadosa. Ah, leve meu celular. Seu pré-pago é ótimo se você tiver tempo para pedir ajuda, mas e se o cara for um assassino? Aí é inútil. Vou ativar o recurso de rastreamento para que eu possa recuperar seu corpo caso necessário. Grace aceitou o telefone enquanto se levantava. – Não faço ideia do lugar para onde vamos, mas imagino que seja para a casa dele. Se nas próximas horas o telefone indicar que estou me deslocando em altíssima velocidade, venha atrás de mim. – Ela olhou para o relógio. – Tenho que ir. Grace tentou manter seu ritmo controlado de sempre enquanto se dirigia para a porta da frente. Na verdade, porém, ela queria correr. Apesar de seus esforços, os passos ficaram cada vez mais prolongados enquanto ela cruzava a boate. Várias mulheres fizeram comentários quando ela passou. A maioria deles era favorável, ou continha um tiquinho de ciúme, mas outros eram francamente maldosos. Grace não desacelerou. Ela não ia permitir-se ter de pedir desculpas por querer sexo; simplesmente ia se divertir e tirar proveito do momento. Se ela fosse um homem, estaria sendo admirada por sua conquista. Como mulher, ela não ia pedir desculpas pela mesma coisa. Justin seria a conquista dela, tanto quanto ela seria a dele. O ar frio e pesado de neblina a cercou assim que Grace abriu a porta da frente da boate. Ela parou e virou-se lentamente. Viu Justin virando a esquina do prédio, olhando para o chão e vestindo um sobretudo na altura do joelho, o qual cobria uma calça jeans e uma camiseta branca. Ele ergueu o queixo, semicerrou os olhos.
Grace começou a caminhar até ele sem pensar. Eles se encontraram na calçada, e Grace abraçou o pescoço dele ao mesmo tempo em que Justin baixou os lábios para encontrar os dela. O beijo foi breve, porém seguro. – Oi – disse ele baixinho. – Ei, você. Ele analisou o rosto dela. Grace contraiu as sobrancelhas. – Algum problema? – Não. É só que… – Ele deu de ombros. Ela sentiu um desconforto no estômago. Deu um passo para trás. Justin pegou a mão dela. – Eu me sinto mal por praticamente ter acuado você. – Ele passou os dedos pelo cabelo e olhou além do ombro de Grace, recusando-se a encontrar o olhar dela. – Quero que você saiba que sou um homem melhor do que isso. – Ei. – Ela inclinou a cabeça para o lado e capturou a atenção dele. – Eu sou perfeitamente capaz de dizer não. – Sim, mas… Pousando os dedos nos lábios dele, ela balançou a cabeça. – Não. – Eu quis dizer que… – Não. – Ela retirou a mão. – Está vendo? Eu te disse que sou boa em dizer não. Ele arqueou uma sobrancelha e torceu os lábios. – Estou falando sério, Justin. Tirando a breve apresentação das minhas amígdalas a você e sua noção das minhas notas em psicologia nas turmas 410, 510 e 525, somos completos desconhecidos. Você vai ter que confiar no fato de que eu me conheço bem o suficiente para dizer o que eu quero. – Aproximando-se de novo, ela pousou uma das mãos no coração dele e correu a outra ao longo do pescoço másculo. Com uma pressão suave, ela o puxou para si. – E o que eu quero é você. – Ela lhe deu um beijo carinhoso. Ele reagiu com uma habilidade certeira, indo dos lábios à mandíbula e largando uma trilha de beijinhos até a orelha. – Posso te convidar para jantar? O coração de Grace se alojou na garganta diante da pergunta. O máximo que ela conseguiu fazer foi assentir levemente. O arranco na respiração de Justin a fez enredar os dedos nas mechas curtas junto à nunca dele. – Eu já comi. – Estou morrendo de fome. O desejo entremeou aquelas palavras simples, e Grace compreendeu que não era apenas comida que Justin desejava. Ela se inclinou para ele. Justin a abraçou, e ela se deliciou na força dele quando ele a puxou ainda mais. O cheiro de sabão das roupas, misturado à colônia que ele usava, lhe conferiam um cheiro másculo, o qual ela adorava. Ele apoiou o queixo no topo da cabeça de Grace e lhe acariciou as costas num gesto dolorosamente carinhoso.
– Eu gostaria de buscar alguma coisa para comer. E quero fazer isto direito. Nós podemos decidir para onde ir a partir daí, tudo bem? – O que parece bom para você? – Preciso de proteínas e carboidratos. Dançar gasta muita energia. – Ele se afastou e, segurando o queixo de Grace, inclinou o rosto dela para o dele. – Você se saiu muito bem no palco. – Obrigada. Você também. Ele riu, jogando a cabeça para trás. Recompondo-se, ele sorriu para ela. – Você não me deu gorjeta. – Talvez eu esteja esperando por uma performance particular. Os olhos azuis escureceram de desejo. – Aposto que nós podemos providenciar alguma coisa depois que eu comer. Grace contornou as formas do peito dele sobre o algodão macio da camisa, pensando. Ela poderia jogar de várias maneiras. Apesar de que não gostava muito de fazer joguinhos. A comunicação direta estava bem no topo de suas preferências. Sendo assim… respirando fundo, ela encontrou o olhar dele. – Imagino que a gente vá jantar… ou tomar café da manhã. O coração de Justin tropeçou sob a palma dela antes de começar a martelar contra a caixa torácica. Ele entreabriu os lábios, mas não disse nada. – Ou nós poderíamos… – Café da manhã é perfeito. – Entrelaçando os dedos aos dela, ele levou as mãos unidas aos lábios e beijou os nós dos dedos de Grace com delicadeza. – Você está de carro? – Na verdade, eu vim com amigas. – Ela se desvencilhou e começou a fuçar na bolsa, determinada a encontrar o celular de Meg. – Eu posso chamar um táxi. Justin ficou pensativo antes de dizer: – Eu tenho um carro no estacionamento pago. Algo na voz dele fez Grace olhar para cima. – Você tem certeza? O sorriso dele ficou reluzente além da conta. – Tenho certeza de que é lá que está. Ela analisou o rosto dele, mas aquele sorriso nunca vacilou. – Tudo bem então. Ele passou um braço sobre os ombros dela e começou a atravessar a rua. No meio do caminho, seus passos vacilaram brevemente. Baixando o braço, Justin começou a caminhar em direção à garagem outra vez. – Sexto andar, infelizmente. Noite movimentada. Grace estava quase dominada pelo desejo de cutucar-lhe um pouco, de descobrir por que a menção do carro o irritou tanto. Mas em vez disso, ela o acompanhou até o elevador. No minuto em que as portas começaram a se fechar, ele se virou para ela. – Para que fique registrado… Só porque estou desacelerando um pouco isso não significa que não estou desesperado para ter você. Estamos claros? Grace deixou a bolsa cair e deu um passo involuntário para trás no momento em que Justin se aproximou, passando as mãos pelo cabelo e baixando a boca com a intenção óbvia. Só restou a ela agarrar-se ao sobretudo dele.
Justin dominou a boca de Grace, a língua mergulhando dentro dela com um erotismo de tirar o fôlego. Ele tinha gosto de enxaguante bucal de hortelã. Era a personificação da tentação. Ele se deleitava nela, um homem faminto por ela e apenas ela. Era demais, e não era o suficiente. Ela arfou e arqueou nas mãos dele no momento em que ele envolveu um seio, o polegar acariciando o mamilo dolorido. Em seguida ele agarrou o bumbum dela e a puxou de encontro à ereção. A excitação era contagiante. Grace era o combustível para sua chama, e o corpo dela queimava num calor feminino. Um gemido desesperado escapou do controle tênue dela. Justin engoliu o som. A respiração ofegante e os suspiros intensos preenchiam os ouvidos dela. O elevador parou. Justin levantou a cabeça e encarou Grace silenciosamente. As portas se abriram e começaram a se fechar de novo. Ele olhou de soslaio e apertou o botão para mantê-las abertas. – Eu pensei que você estivesse com fome – disse ela em voz baixa. – Acho que eu estava errado. O estômago de Justin escolheu aquele segundo para roncar. Ele xingou. – Esqueça o café da manhã. Quanto antes você comer, mais rápido a gente vai poder… – O calor queimou as bochechas de Grace. Porcaria de pele muito clara. Justin acariciou o rosto dela com o polegar, a pele sutilmente áspera. – Nós dois somos adultos, Grace. A menos que você esteja se referindo a uma maratona de Banco Imobiliário, imagino que estejamos no mesmo ritmo. – Oba, maioridade – sussurrou ela. Ele sorriu. O que quer que o tivesse incomodado mais cedo, tinha desaparecido. – Oba, maioridade, isso mesmo. – Abaixando-se, ele pegou a bolsa dela e lhe agarrou a cintura. – Vamos, linda. Grace saiu do elevador e o seguiu pelo corredor de concreto. Podia dar-se esta noite de presente. Na segunda-feira ela começaria seu estágio de duas semanas, a última coisa que faltava para pegar o diploma. E então ia começar sua vida em Baltimore. Estaria livre. Por isso, sim, ela ia desfrutar desta noite. Talvez pudesse convencer Justin a pegar a comida num drive-thru, assim eles poderiam começar logo a partida de Banco Imobiliário. Grace se perguntava se Justin havia escolhido mencionar um jogo de longa duração por algum motivo em especial. Só lhe restava ter esperanças.
Capítulo 3
PERCORRENDO PRIMEIRO as curvas fechadas da garagem e logo depois o tráfego da orla marítima de Seattle, a mente de Justin perambulava pela figura da mulher no banco do passageiro do Camaro emprestado. O fato de ela ter permitido que ele assumisse a liderança tinha sido bem atraente no começo. Isto só se tornou um problema quando ela não se ofereceu para dirigir ou levá-lo para sua casa. O que ele ia fazer? Não podia levá-la para o próprio apartamento. E o tipo de hotel pelo qual ele poderia pagar seria dos mais fracos. Escolher um que ele não podia bancar era irresponsável. Ele poderia perguntar se Grace estava interessada em levá-lo para a casa dela, mas isto pareceria notoriamente presunçoso, mesmo depois da conversa entre eles. Sempre havia a chance de Levi emprestar seu apartamento, mas aí seria pior do que um hotel barato. Talvez ele pudesse então… – O que parece bom para você? Ele não conseguia parar de apertar o volante, do mesmo jeito que não conseguiu mudar sua resposta imediata: – Você. A risada quente dela quase o fez derreter. – Eu estava pensando mais na parte da comida, algo como drive-thru ou restaurante. Com o coração reverberando no cérebro num ritmo tribal, ele arriscou um olhar para ela. O ato quase lhe rendeu uma veia estourada. Os olhos de Grace estavam radiantes sob os postes de luz, a pele quase translúcida. Ela mordeu o lábio. Ela estava esfregando as próprias coxas, e Justin duvidava que ela ao menos estivesse percebendo o gesto. – Vou destruir este carro se você não parar de olhar para mim desse jeito – murmurou ele, voltando sua atenção para a estrada. – Assim como? Ele sorriu e balançou a cabeça. – Do mesmo jeito que você costumava olhar para mim em sala de aula, aquele jeito que fazia eu me esquecer do que estava falando. – Esticando o braço, ele pegou a mão dela e a levou aos lábios. A pele era macia e tinha cheiro de manteiga de karité e baunilha. – Eu sempre ficava me perguntando qual seria o seu sabor se um dia eu dissesse “dane-se tudo isto” e a beijasse em plena sala de aula. Ela apertou a mão dele ligeiramente.
– Por que você não fez isso? – Principalmente? Eu precisava do emprego. Mas também tinha um outro lado meu, o lado curioso, que ficava se perguntando o que poderia acontecer se a gente se esbarrasse fora da universidade, onde teríamos a oportunidade de deixar as coisas rolarem sem se preocupar com as regras. – Acho que agora é hora de satisfazer sua curiosidade. E a minha. Ele olhou para ela, e todo o sangue em seu cérebro desceu. – Você já jantou… mas comeu alguma sobremesa? – Não. – Tem uma doceria maravilhosa na região do mercado. Pode estar lotada, mas vale a espera se você gostar de doces. – Parece maravilhoso. – Grace se inclinou para ele, apoiando-se num lado do quadril. – Há quanto tempo você dança na Beaux Hommes? Ele deu de ombros. – Comecei quando eu tinha 20 anos, então faz uma década. – Uau. – Por quê? – Ele arriscou uma olhadinha de soslaio para ela enquanto serpenteava pelo tráfego. – Eu só estava me perguntando quando tempo de penitência vou ter de cumprir por não perceber que você dançava lá… e por não ter ido à boate para assisti-lo antes. Aparentemente vou ter de me autoflagelar por dez anos. Ele soltou uma gargalhada curta. – Gostou tanto assim, é? – Dedos magros inquietos deslizaram pelas costas dele. Justin teria preferido manter a dança e a boate distantes do que quer que rolasse entre eles. Afastando o cabelo da testa, Grace assentiu. – Eu gostei mais do que provavelmente é considerado legalmente aceitável na maioria dos estados. – Cuidado, srta. Cooper. Não podemos nos dar ao luxo de ter a boate fechada. – Ele encostou no estacionamento do café e teve a sorte de conseguir uma vaga bem na entrada, assim que outro carro saiu. – A título de curiosidade, qual seria a acusação? Ela não hesitou. – Exercício da luxúria agravado por pensamentos indecentes em local público. O sorriso que tomou Justin foi sincero. – Você é rápida. Desta vez, foi ela quem deu de ombros. – Tenho sofrido por tempo suficiente para saber. Com a mão na maçaneta da porta, ele fez uma pausa. – Sofrido? – Três anos, Justin. – Palavras suaves na penumbra dentro do carro. – Durante três anos eu observei você, ri com você e desejei você. Lembra-se de quando você pediu que a gente se levantasse, um de cada vez, para defender nossas teses? Eu me saí mal porque não conseguia parar de olhar para você. Você era afável, e não me criticou pela minha péssima apresentação. Eu gostei de você ainda mais por isso, e não conseguia parar de me perguntar se você tinha ao menos metade da vontade que eu tinha de matar aula e brincar de médico. – Ela sorriu, o olhar de algum modo amargo e doce. – Não vou fingir que não era assim. Agora não. Não mais. O coração de Justin balançou.
– Não. Chega de fingir. – Respirando fundo, ele abriu a porta. – Primeiro a comida. Depois, conversa. – Ele olhou para trás. – E aí vamos discutir as condições específicas do Banco Imobiliário. – Feito. – Grace saiu do carro e o encontrou à entrada do café. Segurar a mão dela era totalmente natural. Ele a guiou para dentro silenciosamente e ocupou a primeira mesa disponível. Uma garçonete surgiu num piscar de olhos, e começou a flertar com Justin imediatamente, irritando-o. A última coisa que queria era que Grace pensasse que ele era um idiota desmedido que não respeitava sua acompanhante. Acompanhante. E era isto que ela era de fato. Tinha começado de um jeito diferente e evoluído para aquela situação na qual ele estava sentado a uma mesa com ela, olhando para ela, desejando-a. Esta última opção não tinha mudado. – Senhor? – A garçonete girou a caneta. – Alguma coisa aqui soa… apetitosa? Esticando o braço para o outro lado da mesa, ele pegou a mão de Grace e encontrou os olhos dela quando respondeu: – Sim, tem uma coisinha perfeita aqui, mas ela não está no cardápio. Grace corou, o que encantou Justin completamente. Ele levou a mão dela à boca e beijou os nozinhos dos dedos. – Vou querer um sanduíche de peru, sem maionese, com batata frita. Grace? – Não cheguei a ver o cardápio. – Você gosta de baunilha? – Sim. – E confia em mim? Ela o analisou, buscando seu olhar antes de responder. – Sim. – Minha acompanhante e eu vamos querer o crème brûlée com frutas frescas. Traga apenas uma colher. Obrigado. – Claro. – A garçonete se afastou. – Ela pareceu um pouco decepcionada por você estar acompanhado – disse Grace com um sorrisinho. – Sim, bem, só ela está decepcionada aqui. – Que gentil da sua parte dizer isto. – Grace acariciou a palma de Justin com o polegar, daí fez menção de dizer alguma coisa e desistiu. – Algum problema? – O que está acontecendo aqui, Justin? – O que você quer dizer? Ela meneou a cabeça, apontando para o salão. – Isto. – Surpreendentemente, as pessoas estão comendo. – Ele se inclinou para frente. – E nós vamos nos juntas a elas. Bufando, ela balançou a cabeça. – Não foi isso que eu quis dizer, e você entendeu. Justin não soltou as mãos dela. Em vez disso, aguardou que Grace olhasse para ele para poder falar. – Finalmente estamos sentados num restaurante, de mãos dadas e dividindo uma refeição, sem cláusulas éticas para embaçar. Estamos explorando o que pode acontecer agora que não existe mais
nada, só a gente. Grace prendeu a respiração e apertou os dedos dele. – E o que pode acontecer? – Tudo o que a gente quiser, havendo consentimento mútuo. Nada mais. Nada menos. – Não vou ficar em Seattle por muito mais tempo, Justin. Eu não quero nada sério. Só quero… brincar. Sorrindo para ela, ele balançou a cabeça. – Você tem uma quedinha por jogos de tabuleiro? – Não tinha até cerca de meia hora atrás. Ignorando os olhares de reprovação, ele se inclinou sobre a mesa e a beijou com ternura antes de se reacomodar em sua cadeira. – Qual peça você quer ser? – Todas elas, e mais de uma vez. A resposta rouca o deixou tenso. A luxúria, o desejo e a fome sexual criavam um coquetel volátil de sofreguidão que circulava dentro dele. – Eu prometo que você vai passar pelo “ponto de partida” mais de uma vez. Ela sorriu e balançou a cabeça. – Não acredito que estamos aqui sentados sexualizando um jogo de tabuleiro de uns 80 anos de idade. – E acho que é estranhamente atraente você saber que o jogo tem 80 anos. – Uma das minhas informações triviais inúteis, reunida a partir de anos de… – Ela parou. – Anos de quê? – pressionou ele. Ela levou um instante para encontrar o olhar dele. – Apenas muitos anos de solidão. A garçonete colocou o sanduíche de Justin na mesa e encheu os copos de bebida antes de sair. – Quer uma mordida? – perguntou Justin, soltando a mão de Grace para poder pegar o sanduíche. Ela balançou a cabeça, como se para desanuviá-la. – Não, obrigada. – Ah. Segurando-se por causa da sobremesa. Eu sabia que você era o meu tipo de mulher. – Quanto a isso, veremos. – Ela se aproximou e surrupiou uma batata frita. – Estão quentes. – Considere-me avisado – disse ele em voz baixa. As pupilas de Grace se dilataram. – Como diabos você conseguiu transformar uma batata frita em algo sexy? – Querida, não fui eu. Você fez isso. – Ele deu uma mordida no sanduíche e mastigou lentamente, olhando para ela. – Como você é ingênuo, Smalls. Ele fez uma pausa, o sanduíche a meio caminho da boca. – Você também é fã do filme Se brincar o bicho morde? – Você acabou de ganhar pontos importantes por reconhecer de onde vem a citação. – E você? Ela deu de ombros, acomodando o cabelo sobre o ombro. – Minha mãe não era das mais presentes. Eu cresci acreditando que Scooby-Doo era o noticiário da noite, e se eu pudesse encontrar um livro para me perder? Bem, essa era a melhor de todas. Você vai se
surpreender ao saber que fui um pirata, um mercenário, um vampiro, um inventor retrofuturista e, em mais de uma ocasião, uma donzela em perigo. Ele lambeu o sal de um dedo. – Você não me parece uma donzela em perigo. – E não sou mesmo. – Ela deu de ombros. – Eu nunca fui desse tipo. – Quer saber qual a minha outra frase favorita do filme? – “Aquele que for um mal-sucedido, um mariquinha que usa o sutiã da mamãe, levante a mão”. Ela riu. – Eu tinha me esquecido dessa! O som da risada dela deslizou dentro ele como uma espécie de reação química, pulverizando o bom senso até Justin não passar de uma pilha de desejo. – Grace – disse ele, engasgando. Observando-o, ela estendeu a mão e afastou o prato, sinalizado para a garçonete. – Podemos comer nossa sobremesa? – Algum problema com o sanduíche? – perguntou a jovem. – Não – respondeu Grace. – Só estamos ansiosos para dividir a sobremesa. – Muito ansiosos – acrescentou Justin calmamente. A garçonete revirou os olhos, mas recolheu o sanduíche meio comido. Entrelaçando os dedos aos de Grace, Justin ficou surpreso com o quanto a mão dela parecia pequenina. – Justin? Ele encontrou o olhar dela, expondo nos olhos tudo o que sentia. – Toda vez que você entrava na sala de aula, toda vez que você parava no meu escritório com anotações de pesquisa ou com perguntas sobre as opções de teoria ou de tratamento, toda vez que nos esbarramos no campus… eu sabia que você era mais inteligente e mais centrada do que qualquer um dos outros alunos. Você era especial. Havia obstáculos, limites que eu não estava disposto a ultrapassar. E todos eles sumiram. Eu quero você. A garçonete colocou o crème brûlée entre eles. – Aproveitem. Justin não soltou a mão de Grace. Em vez disso, apanhou a colher com a mão livre, pegou um pedacinho da sobremesa cremosa e estendeu para ela. – Prove. – Uma afirmativa, não uma pergunta. Ela obedeceu, sem qualquer hesitação, os lábios envolvendo a colher, os olhos fechando-se em êxtase absoluto. Uma onda de calor inundou a virilha de Justin e seu membro golpeou contra o jeans. – Isto está delicioso – murmurou ela, lambendo os beiços. Ele se inclinou e provou a doçura dos lábios dela. Os olhos de Grace cintilaram antes de se fechar novamente. O sabor dela era decadente, intenso e delicado, com um toque de açúcar caramelizado e crocante. Era o melhor sabor que Justin já tinha provado. Tomando a colher dele, Grace a pôs na mesa e roubou um morango. Então expôs a parte mais carnuda da fruta, contornando os lábios de Justin com ela, brincando antes de deixá-lo dar uma mordida.
Justin percebeu que ia fazer uma cena quando se levantou e o mundo viu a ereção inegável batendo no cós da calça jeans. – Putz, vão para um quarto – murmurou alguém próximo. Irritado com o fato de alguém ter desrespeitado Grace, ele fez menção de virar-se para enfrentar o engraçadinho. Grace apertou os dedos de Justin, impedindo-o. – Eis aí uma ideia maravilhosa – disse ela, numa voz tão baixa que Justin pensou ter entendido mal. – Desculpe? Ela encontrou o olhar dele, sem vacilar. – Eu disse que é uma ideia maravilhosa. – Ir para um quarto? – perguntou ele estupidamente. – Sim, Justin. – Ela se inclinou, dando-lhe uma mordidinha no lábio inferior antes de sussurrar: – E vamos encontrar um bem perto daqui. Justin soltou a mão dela para pegar a nota fiscal e começou a procurar pela carteira. Deixou na mesa o suficiente para cobrir a conta e arrastou Grace para fora do restaurante. Ela ria enquanto o acompanhava. – Não precisa ser uma prova dos 50 metros rasos. Abrindo a porta do carro para ela, Justin murmurou: – A primeira vez provavelmente será. Depois disso? O Banco Imobiliário é pura estratégia e longevidade, gata. – Ele encontrou os olhos arregalados dela. – E é isto que você vai ter por se meter comigo… a noite toda. Sem compromisso com o prazer oferecido ou recebido. Nenhum pedido de desculpas amanhã. Conversaremos sobre as consequências depois. – Leve-me para tomar café da manhã e temos um trato. – Feito. Justin fez seu melhor para caminhar com toda calma até o lado do motorista. E teve certeza de que falhou. JUSTIN JÁ estava arrancando o carro da vaga do estacionamento antes mesmo que Grace pudesse afivelar o cinto de segurança. Ele acelerou pela 519, os olhos examinando os edifícios enquanto eles passavam. – Se você não tiver nenhuma objeção, achei que o Hotel Best Western em Pioneer Square seria bom. – Parece perfeito para mim – disse ela, com a voz rouca. Justin apertou o volante enquanto acelerava. – Você está me deixando louco. Esta voz? Vai me deixar no limite. – Não consigo evitar – murmurou ela. Ele olhou para ela brevemente. – Sério? – Acontece quando fico excitada, acho. – Você acha? – É que nunca aconteceu. – Por que agora? Ela riu.
– Você me seduziu, Justin. Desde o momento em que ficou na minha frente na boate até aquele beijo com o morango, você… você … sim, você me seduziu. Ele enrijeceu a mandíbula. – Eu não tentei convencê-la a fazer nada que você não quisesse fazer, tentei? – Considerando que este é um acordo mútuo, não houve essa parte do “tentei convencê-la”. Ele pisou no freio com brusquidão e enfiou o carro numa vaga estreita na frente do hotel. – Espere aqui. Vou reservar um quarto. Ela pegou a bolsa. – Quer rachar a conta? – Mas que diabo, não. Simplesmente esteja aqui quando eu voltar e ficaremos quites. – Justin? – Sim? – Eu já vou entrando de uma vez. – Por quê? O sorriso dela era puro sexo. – Assim você pode me procurar. A boca dele ficou mais seca do que se tivesse comido areia. Assentindo, ele saiu do carro e correu para o saguão, mas terminou aguardando na fila, atrás de um viajante irritado. Nenhum dos pedidos do sujeito era possível, e Justin foi ficando cada vez mais agitado conforme esperava. Grace passou por ele, e Justin a encarou. A tranquilidade simplesmente não era parte de seu repertório neste momento. Ele precisava arrancar aquela primeira torrente de Grace de seu corpo. Só então poderia desacelerar e aproveitar a noite. Até então, ele ia arder pela mulher que neste exato momento estava descascando uma laranja no salão de café da manhã e à espera do elevador para ir sabe-se lá para onde. Algo naquele desafio, de caçá-la, de tomá-la como um prêmio, o fez querer dar um safanão naquele desconhecido e pegar o primeiro quarto disponível com uma cama king-size. Quando o sujeito na frente dele finalmente saiu num rompante, Justin se aproximou do balcão e pegou a carteira. – Preciso de um quarto para duas pessoas, cama king-size. O recepcionista de olhos sonolentos nem sequer parou de olhar o computador. – Fumante ou não fumante? – Não fumante. – Tem preferência de andar? – O primeiro que estiver disponível. – De frente ou de fundos? – Olha – disse Justin, inclinando-se sobre o balcão. – Dê-me um quarto com uma cama king-size, que esteja limpo e tenha cortinas blecaute, e está ótimo. Apenas entregue-me a chave antes que eu surte aqui, sacou? Um sorriso lento se espalhou pelo rosto do sujeito. – Vi vocês dois entrando. Ela é linda para diabo. – Então tenha um pouco de compaixão, cara. Uma chave. – Dinheiro ou cartão?
– Dinheiro e uma gorjeta se você simplesmente me entregar logo a droga da chave. – Justin quase rosnou. Mais alguns toques no teclado e o recepcionista lhe entregou dois cartões-chave. Justin pagou com notas de um e de cinco, sem pensar exatamente no que estava fazendo, até o sujeito arquear uma sobrancelha. – Você a encontrou num clube de strip-tease? – Sim. – Maneiro. Onde ela trabalha? – Cara, ela não é stripper. Eu sou. – Ele pegou a carteira e olhou para o sujeito. – Boa noite. – Não tão boa quanto a sua será – resmungou o rapaz, voltando a olhar para o computador. Justin não falou nada, não se deu ao trabalho de fitá-lo mais uma vez. Ele foi diretamente para o carro e estacionou na primeira vaga que encontrou. O quarto deles ficava no quarto andar. Ele ia começar no segundo andar e vasculhar todos os corredores até encontrar Grace. E quando conseguisse? Ia passar no “ponto de partida” do tabuleiro e ganhar suas 200 pratas. Imediatamente. GRACE ESTAVA passeando pelo corredor do terceiro andar, enveredando-se em cada canto com máquinas de venda de guloseimas e em cada recanto das lavanderias enquanto aguardava por Justin. Impossível saber por que estava demorando tanto. O pensamento de que ele havia mudado de ideia e caído fora passou pela mente de Grace antes de ela renegá-lo. Mas Justin não era do tipo que recuava em sua palavra. Ela sabia muito a respeito dele. A porta da escadaria fechou-se pesadamente atrás dela. Mãos fortes a abraçaram e a puxaram para encontrar um corpo rígido antes que ela tivesse a chance de reagir. – Você não se escondeu muito bem, srta. Cooper. Ela prendeu a respiração. – Talvez eu quisesse ser encontrada, dr. Maxwell. – Você queria isto agora? – murmurou ele. – Eu mordi o lábio quando você me puxou. – A boca de Justin estava tão próxima à dela que os lábios de ambos roçaram, muito levemente, enquanto ela falava. – Peço desculpas. – Não peça. – A pulsação dela rimbombou. – Dê um beijinho para melhorar. Erguendo o queixo de Grace, Justin se aproximou. Os lábios de ambos se uniram como duas peças de quebra-cabeça se encaixando, sólidas e seguras. No início as línguas foram hesitantes, depois cada vez mais ousadas. Mãos percorriam, lenta porém desesperadamente. E logo Grace estava perdida no momento. Justin a tratava como um banquete sensual, acariciando-lhe o rosto, o pescoço, o contorno dos seios. Os leves arfares dele patinavam sobre a pele macia. Quando ele enfiou a mão sob a blusa de Grace e encontrou um mamilo, ela ofegou, dizendo o nome dele, e deixou a cabeça cair contra a parede na qual estava imprensada. Os dedos mágicos desapareceram segundos antes de Justin a aninhar mais ainda e lhe segurar a nuca para direcionar o beijo.
Avidez. Ele a deixava ávida por ele. Depois de tanto tempo privados de tal sensação carnal, só restava a Grace acompanhar a liderança de Justin naquele momento. Ela sabia que precisava manter os pés no chão, recuperar o controle, e que o faria. Ela podia ter vários defeitos, mas ser descontrolada não era uma deles. Como se a tivesse escutado elucubrar, Justin interrompeu o beijo. Ele olhou para ela, seus olhos azuis escurecidos com a luxúria, as pupilas dilatadas. – Vamos lá. Justin a conduziu pela escadaria mal iluminada e subiu, carregando Grace consigo. Ele chegou ao quarto andar, foi até o quarto 420 e, com a mão trêmula, inseriu o cartão-chave no vão. A fechadura eletrônica se abriu, e ele arrastou Grace para o quarto escuro, desta vez deixando a porta bater silenciosamente detrás deles. Uma vez lá dentro, ele cercou Grace num cantinho e enfiou as mãos sob a blusa dela para desenganchar o sutiã com seus dedos ágeis. Quando o fecho se soltou, ele abarcou um seio nu. O mamilo, todo perolado antes mesmo de ser tocado, endureceu ainda mais quando Justin o beliscou e acariciou a carne tenra. Grace deslizou as mãos sob o casaco dele, passando pela cintura e sob a camisa. Pele com pele. Calor com calor. Ela se deleitou no calafrio dele quando correu as unhas por sua espinha, ficou mais poderosa por causa das atitudes gradativamente frenéticas dele. Nunca, em toda sua vida, Grace havia se sentido tão inflamada. Quando Justin se inclinou, lhe envolveu a cintura e a colocou contra a parede, Grace entrelaçou as pernas automaticamente em torno dele e investiu os quadris. Justin acomodou a fenda do sexo de Grace no cume rijo de sua ereção e começou a se movimentar. Ela arfou e arqueou as costas, expondo o pescoço. Um grunhido primitivo cresceu no peito dele. Justin levou os lábios ao pescoço dela, alternando lambidas e mordiscadas na jugular. Grace então agarrou o pescoço dele e montou em seu membro com uma urgência crescente. Gemidos suaves preenchiam o ar fresco, e ela levou um segundo para perceber que era a autora daqueles sons. Justin a ergueu, desencaixando os corpos, apesar dos protestos de Grace, e a girou para que ficasse de frente para a parede. O botão da calça jeans dela estalou suavemente quando Justin o abriu. O zíper foi puxado. Ele baixou a calça dela até os tornozelos. – Tire. Ela obedeceu e, abrindo as pernas, se arqueou para ele. O corpo de Grace ressuscitou diante dos toques de Justin. Com os seios intumescidos e seu centro feminino ávido, ela o desejava dentro de si. Desejava, necessitava que ele a preenchesse e a estirasse por dentro, que a levasse ao limite mais e mais. O som de outro zíper sendo aberto foi seguido imediatamente pelo farfalhar de uma embalagem. Segundos depois, o calor abundante do membro se acomodou no bumbum de Grace, ao mesmo tempo que dedos invisíveis deslizaram por seus quadris, subindo e descendo. – Que loucura – sussurrou ele ao ouvido dela enquanto abria caminho por entre suas fendas. – Você está tão úmida, gata. – Por favor. – Achei que fosse você quem quisesse que eu implorasse – brincou ele, traçando a língua ao longo da concha da orelha de Grace. Um riso sufocado e desesperado lhe escapou quando ela espalmou as mãos na parede. – Chega de jogos. Acabe comigo, Justin. Por favor.
A excitação escorregadia envolveu os dedos de Justin quando ele os deslizou até o nozinho firme do clitóris. Depois de algumas pinceladas curtas e rápidas, Grace derreteu em seus braços. Daí passou a investir os quadris descontroladamente, a respiração ofegante. Ela fechou os olhos. Um gemido profundo fugiu de sua garganta. E então ela estremeceu, removendo uma das mãos da parede para poder agarrar o membro dele e puxá-lo para mais perto enquanto ela cavalgava pela crista de adrenalina e luxúria cruas que pulsavam em suas veias, intensas e virais. Justin roçou os dentes ao longo da nuca de Grace, levando-a ao limite e a um segundo orgasmo brutalmente intenso. Durante vários minutos nada fez sentido… nem o ribombar de seu coração, nem o som da corrente sanguínea em seus ouvidos, nem o modo como as pernas dela viraram borracha. Grace estava perdida no tempo e no espaço, nada além de um subproduto das diversas partes de si. Ela estava plena e satisfeita, no entanto, ainda vazia e desejosa. Queria que Justin a penetrasse fundo, queria que ele a levasse ao abandono, queria que ele fizesse bom proveito de seu corpo. As visão de tais pensamentos conjurados a levou ainda mais alto, bem como a noção de que tudo ia acontecer de fato. Ela não precisaria mais fantasiar com Justin Maxwell em segredo. Não esta noite. Hoje à noite ele seria lúcido, a fantasia seria uma realidade, e a realidade estava suplantando tudo o que sua mente já havia sonhado, fosse à luz do dia ou nos recônditos mais sombrios da noite. Ele a acalmou, acariciando-a com palavras, com as pontas dos dedos e com lábios firmes na pele suada. – Já foram dois. Agora vire-se. As pernas de Grace se recusavam a cooperar. Mãos quentes envolveram seus quadris nus e a auxiliaram a reposicionar-se, pressionando seu bumbum contra a parede fria. – Justin – disse ela em um suspiro. – Segure firme, gata. – As palavras saíram tensas, pesadas, carregadas com desejo sensual. Agarrando-a por trás das coxas, Justin ergueu Grace e a travou à parede, usando o próprio peso. O calor da ereção a marcava, deixando-a ainda mais ofegante no momento em que se esticou para agarrá-lo. – Braços em volta do meu pescoço. – Grace obedeceu. Justin a ergueu mais, inclinando os quadris dela para que o recebesse. A ponta imensa do membro tocou as dobras exteriores de sua intimidade, e Grace choramingou. – Mais, droga! – Eu não quero te machucar. – Faça – implorou ela. Com uma investida forte, Justin foi até o máximo. Daí esmagou a boca de Grace com um beijo, engolindo seu gemido. Ela sabia que ele era grande, mas ser empalada por ele era uma coisa totalmente diferente. Estirada além do que poderia ter imaginado ser possível, a dor e o prazer pairavam juntos, a luz e a escuridão cintilando no horizonte do êxtase. Então ele começou a se movimentar com estocadas lentas. Um calor pesado e ávido queimava a pélvis dela. Usando o pescoço como ponto de apoio, Grace impulsionou-se e mordiscou a orelha de Justin. – Mais forte. O gemido dele vibrou no próprio peito e no dela. Grace estremeceu.
Justin cravou os dedos nos quadris dela. – Segure-se, querida. Ele bombeava com força bruta, usando as mãos para afastá-la de seu eixo antes de mergulhar mais e mais. O suor entremeava o contato da pele deles enquanto Grace tentava se impulsionar de encontro a Justin com mais força. – Por favor – disse ela num gemido. – Eu preciso… eu preciso… Justin colocou a mão entre eles, ao mesmo tempo que ela cavalgava, e encontrou o clitóris. O primeiro contato quase faz Grace se desencaixar quando ela sobressaltou-se, mas daí ele apertou os quadris dela ainda mais e iniciou um tamborilar no mesmo ritmo das investidas. Em segundos, Grace sentiu a liberação rugindo em direção a ela. – Não pare! – Eu estou com você, gata – disse ele, ofegante. O espasmo do orgasmo começou na pélvis de Grace e espalhou-se. E então ela desabou nos braços dele. Cabeça jogada para trás, precisou dar tudo de si. A sensação anulou seu restinho de bom senso, e ela emitiu sons ininteligíveis. Justin cravou os dentes no ponto macio na junção entre o ombro e o pescoço dela, e Grace deliciouse com o comportamento bruto, animalesco. O corpo inteiro de Justin retesou-se, e ele gemeu alto quando suas estocadas se tornaram irregulares. A pulsação do orgasmo dele reverberou no corpo de Grace. Ela se refestelava no poder do clímax, poder que ela exercia ao fazer aquele belo homem perder o controle ali, naquele exato instante. O ar entrava e saía raspando pulmões de Grace, mesmo quando seus membros ficaram moles. Justin a soltou e a deixou deslizar pela parede até seus pés tocarem o chão. Quando ela dobrou os joelhos, ele a capturou usando o corpo inteiro, pressionando-a contra a parede. – Desculpe – murmurou ele junto aos cabelo dela. – Você está se desculpando? – A respiração ofegante se transformou numa risada. – Por te esmagar contra a parede. Nada parece estar funcionando direito neste momento. Lutando para recuperar o equilíbrio, ela se ergueu e o abraçou. O paletó dele tinha um leve cheiro de colônia, e ela se demorou um instante ali, fechando os olhos e enterrando o rosto naquele perfume antes de vestir a calça. – Largue o jeans aí, srta. Cooper. Estou longe de estar satisfeito de você. Muito, muito longe. O estômago de Grace se agitou de expectativa. Deslizando os braços em volta da cintura dele, ela cedeu ao impulso de se aconchegar mais perto. Justin a abraçou firmemente, sussurrando de encontro ao topo do cabelo dela, narrando sua intenção de lhe dar prazer até o sol nascer. A força bruta que ele exercia deixou Grace no limite de cair de amores por Justin Maxwell, muito mais perto do que era seguro. Mas ainda havia tempo para distanciar-se. No dia seguinte ela o abandonaria. Mas só no dia seguinte…
Capítulo 4
UM LADO de seu bumbum e um pé estavam gelados. Este foi o primeiro pensamento que passou pela mente inebriada de sono de Justin antes de o estalo do ar-condicionado do quarto invadir sua consciência. O ar-condicionado está estalando em vez de chiando? Isso significava que ele não estava em casa. Abrindo um olho, lutando para focar nos imensos números vermelhos do despertador. Eram pouco mais de 8h. O colchão estremeceu quando sua parceira de cama rolou e roubou mais um pedaço das cobertas. Ele resmungou baixinho quando se firmou nos cotovelos e se virou para olhar o emaranhado de cachos espalhados por todo o travesseiro. Na penumbra, o cabelo dela parecia escuro. Ele sabia que não era a realidade. O cabelo de Grace era de fato mais puxado para o castanho, mas só até ela ficar sob o sol. Aí então ele brilhava como uma chama. O vermelho mais profundo e mais genuíno que ele já tinha visto em qualquer lugar. Ela estava esticada ao seu lado da cama, o rosto marcado pela fronha. Com os olhos já adaptados à luz fraca, Justin colocou uma mecha do cabelo dela detrás de uma orelha e simplesmente a ficou admirando. Grace era linda. Aqueles olhos verdes de gato tinham expressado paixão, veneração, humor e anseio quando eles possuíram um ao outro de todos os jeitos possíveis. Depois, em algum momento perto das 6h, eles dormiram entrelaçados. Justin nunca havia tido uma noite ao menos semelhante àquela vivida na véspera. E, considerando a qualidade notável da mulher ao seu lado, ele se perguntava se um dia teria outra igual. Ele tivera uma ligação genuína com Grace, algo que transcendia o físico. Não queria perder isto, mas não tinha certeza de como segurá-la. Sem dúvida eles seguiriam direções diferentes agora que estariam formados. Ele estava focado no serviço público, e ela… em quê? Grace não chegara a mencionar. O dinheiro circulava mesmo nos consultórios particulares. Mas, mesmo que este fosse o objetivo dela, não significava necessariamente que Grace precisava deixar Seattle. Ela poderia encontrar algo aqui, ou pelo menos nos arredores, e eles poderiam ver no que a coisa toda ia dar. Sim, ele tinha acordado que a noite anterior seria um episódio único. E ela deixara bem claro que não esperava nada além. Mas prolongar a coisa toda entre eles era o única jeito de Justin garantir que Grace não desapareceria. Ele havia passado anos de olho nela, e depois de um golpe de pura sorte a
encontrara, e ele seria uma besta se estivesse disposto a deixá-la ir embora só por causa de um erro de timing do universo. Justin passou a mão no rosto e respirou fundo. Eles tinham louvado a maturidade na noite anterior. Mas agora ela parecia mais um fardo do que um benefício. – Por que este olhar sombrio? – A voz rouca de sono de Grace o deixou sem fôlego. – Só estou pensando. – Nada de pensar antes do café. – Ela rolou para perto dele e se aconchegou em seu peito, deslizando um braço em volta de sua cintura. – É uma regra cósmica. Ele acariciou o cabelo dela. – Ladras de coberta não podem estipular regras. – Eu não sou uma ladra de cobertas. Eu só peguei o que eu precisava. – O que aparentemente equivale à coberta inteira. Ela fungou. – Uma garota deve manter seus padrões. – Ela sorriu de encontro à pele nua dele. – Bom saber. – Rolando, Justin a puxou para si, de modo que ela agora cobria todo o corpo dele com o seu. Ele estava ciente de que a estava abraçando com um pouco de força demais, mas não conseguia soltá-la. – Justin? – Não, não. Tudo bem. Minhas partes corporais mais importantes só ficaram um tempinho sob grande risco de sofrer ulcerações de frio. Elas vão ficar bem. Grace riu e ergueu-se para encontrar o olhar dele. – Se eu não tivesse certeza de que isso iria levar à encruzilhada entre a Alameda da Safadeza e a Estrada da Devassidão, eu me ofereceria para aquecer as partes mais importantes do seu corpo. O membro dele enrijeceu. – É? Ele se posicionou de encontro ao quadril dela. – Eu poderia estar por trás disso. Ela bufou. – Já esteve. A referência irreverente à noite de amor deles o fez rir. – Você é sensual, mulher. Uma verdadeira bomba sensual. – Pois é. A revista Sports Illustrated vive me chamando para ser capa deles, mas vivo ocupada lendo feito uma louca. É muito mais sexy. – No seu caso? Diabos, é sim. – Inclinando-se, ele lhe deu um beijo breve. – Sua mente definitivamente é sexy. Eu adorava ver você agarrada a algum conceito ou teoria em sala de aula. Você franzia as sobrancelhas e ficava com um olhar diferente, como se estivesse tão absorta em seus pensamentos que perdia a noção do que estava acontecendo em volta. Eu nunca sabia o que você ia dizer, se você ia concordar comigo ou discordar e defender a sua posição tão bem a ponto de me fazer passar a concordar com você. Eu sabia que nunca precisaria temer a possibilidade de você me ludibriar. – Ele passou um dedo pelo pescoço dela e entre os seios, contornando abaixo de um deles e percebendo o mamilo se intumescendo. – E só para registro? Seu corpo não é nada mau. – Ele passeou com o olhar primeiro pela boca delicada e em seguida pelos olhos. – A noite de ontem foi incrível, Grace. Ela estremeceu.
– Eu estava sentada aqui tentando achar o jeito mais delicado de dizer a mesma coisa. Mas vou aceitar incrível mesmo. Justin pegou um preservativo antes de virar-se, o sangue se concentrando na virilha. – Vou tomar a Alameda da Safadeza e você pode vir pela Estrada da Devassidão. A gente se encontra na encruzilhada. O sorriso lânguido de Grace fez os testículos dele se contraírem. – A Devassidão está ótima para mim. Ele a penetrou lentamente, parando quando Grace fez uma careta. – Tudo bem? – Só estou um pouco dolorida. Foi uma bela ginástica no colchão para uma garota que estava há dois anos sem sair com ninguém. Abarcando o rosto dela, Justin a beijou lentamente antes de perguntar: – A última vez foi há quanto tempo exatamente? Ela fechou os olhos, recusando-se a encontrar o olhar dele. – Grace? – Durante meu programa de mestrado. – Você não vai para a cama com ninguém há… – Vinte e sete meses, Justin. – Ela finalmente olhou para ele, seus olhos assustadoramente belos. – Então, sim. Estou um pouco dolorida. – Ela ergueu os quadris lentamente, recebendo-o. – Mas isso não significa que eu quero que você pare. E então ele não parou. SAINDO DO chuveiro uma hora depois, Justin ouviu seu celular tocando. – Ignore – gritou ele. – Ignorei. Ele sorriu e balançou a cabeça. Estar com Grace era tão fácil, tão confortável. Parte dele queria deleitar-se na facilidade de gostar dela tanto quanto ele gostava. Outra parte queria simplesmente recolher seus pertences e sair, garantir que nada haveria de surgir da centelha que se acomodava em seu coração. Quanto mais tempo eles passassem juntos, mais a centelha ficaria persuadida a acender-se. Isto o assustava mais do que um pouco. Este período em sua vida era destinado a encontrar o equilíbrio profissional, fazer uma contribuição para o programa Segunda Chance e começar a conquistar o respeito de seus pares. Nada disso incluía uma mulher, especialmente uma mulher cujo futuro imediato não se alinhava ao dele. Justin tinha trabalhado tão duro para se tornar o homem que era agora, e não o garoto com roupas demasiadamente apertadas, aquele que estava sempre tentando ganhar dinheiro do jeito que desse para poder colocar comida na mesa. Quando seu foco mudou, quando começou a pensar de modo mais amplo, além da esperteza e sobrevivência cotidianas, ele encontrou seu propósito. Deus sabia que ele não tinha passado os anos que se seguiram na abstinência. Ele não era exatamente um coroinha. Mas, ao mesmo tempo, uma mulher não se encaixava em seus planos a longo prazo. E, no entanto, ele estava ferozmente atraído por Grace. Ela ainda não tinha fechado a porta para um repeteco da noite anterior. Talvez Justin pudesse vê-la novamente antes de eles finalmente seguirem
seus caminhos separadamente. E se a próxima vez juntos tivesse de ser a última, ele faria o máximo para extinguir este desejo ardente que nutria por ela, que nutrira por ela nos últimos três anos. Com as mãos na bancada, ele firmou os cotovelos e se inclinou para frente, a cabeça pendente. Ele queria Grace. Muito. Até mesmo ansiava por ela. Mas a realidade de sua situação não se alterava devido ao fato de ele desejá-la. Ela precisava dar um jeito na vida, e ele também. Seus caminhos provavelmente não iriam se cruzar novamente. Sua única chance era pressioná-la para ter só mais um pouquinho dela agora, enquanto isto ainda era uma opção. Justin terminou de escovar os dentes e entrou no quarto, a mão sobre a toalha, e congelou. Grace tinha aberto as cortinas apenas o suficiente para olhar para fora. A luz do sol a banhava em um halo dourado brilhante, delineando cada curva de seu corpo nu e delicioso. Virando-se, ela lhe ofereceu uma visão parcial de seu perfil e um sorriso largo. – Hoje o sol saiu. – Ótimo. – A palavra foi pouco mais que um coaxar. Grace franziu as sobrancelhas. – Ei. Você está bem? – Ela começou a caminhar até ele e parou quando Justin recuou. Ele não conseguia pensar em nada além daquela mulher. Com o coração acelerado e as palmas das mãos suando, ele balançou a cabeça. – Estou legal. – Você parece um pouco trêmulo. – Estou um pouco trêmulo. – Hipoglicemia? – Sim. – Resposta fácil. Uma mentira, coisa que não combinava com ele, mas Justin não se corrigiu, não ofereceu a verdade. Como ele poderia ao menos estar pensando em se envolver emocionalmente? Grace já tinha avisado que não ia ficar em Seattle por muito tempo, mas mesmo que ela fosse permanecer na cidade por apenas mais algumas semanas, eles poderiam se ver outra vez. Justin queria descobrir o que poderia haver entre eles, com o tempo e um pouco de carinho, um pouco de escavação emocional. – Então… qual vai ser o seu próximo passo, Grace? – O que você quer dizer? – Na vida. Você se formou na faculdade. E agora? – Você está aí parado enrolado numa toalha, eu estou nua, e você quer conversar sobre planos de carreira? – A risada dela ecoou no quarto. – Você tem um jeitão bem estranho, dr. Maxwell. Uma pontada no peito o fez esfregar o lado esquerdo do tórax. – Assumidamente estranho. – Tudo bem então. Ainda preciso completar 80 horas do meu programa de estágio. A faculdade me deu permissão para participar da formatura, mas ainda preciso apresentar minha nota antes de exercer minhas práticas psicológicas nefastas sobre vítimas inocentes. – Ela levantou os braços, deixou a cabeça pender para trás e deu uma risadinha maligna antes de cair na gargalhada outra vez. Baixando os braços, ela deu de ombros. – Sendo assim, 80 horas de blá-blá-blá antes de eu me tornar oficialmente uma psicóloga. Justin sentiu um aperto envolvendo a pontada que havia sentido no peito. – É? Você vai ficar por aqui? Ela assentiu.
– Questões pessoais que envolvem minha situação de moradia exigem que eu fique aqui por enquanto. – Quer almoçar lá pela quarta-feira? Podemos nos encontrar em algum lugar viável para nós dois. – Um encontro pós-sexo para uma refeição poderia representar um retrocesso, mas amenizaria a culpa que o alfinetava por Justin ter cogitado momentaneamente transar e fugir. Já isto? Ele poderia conviver com isto. Mais ou menos. Mas ele ia encarar. Um leve rubor tomou as bochechas de Grace. – Almoço? Seria ótimo. – A resposta foi certa, mas a hesitação nela, não. – Você é alérgica a almoços? – quis saber ele do jeito mais casual possível. – Não. – Ela esfregou o pescoço, o braço livre em volta do torso. – É só que… você se lembra de que vou embora da cidade, certo? – Não é uma proposta de casamento, Grace. É só um almoço. Ela sorriu para ele. – Tudo bem então. No centro da cidade seria mais fácil para mim. Ele exalou lentamente. – Excelente. – Eles ainda não estavam enjoados um do outro. Nem de longe. GRACE PERCEBEU os ombros de Justin se encolhendo e não soube dizer se era de alívio ou de decepção. A primeira opção era sua tábua de salvação, enquanto a segunda incomodava para diabo. Não deveria fazer diferença. Ela só precisava enfrentar as próximas duas semanas e então seguiria para Baltimore com Meg, onde tentaria encontrar um emprego. Era o mais distante que Grace conseguiria ficar de Seattle, de seu passado e de sua mãe. Ainda assim, assistir à reação de Justin fora muito parecido com o ato de se agarrar a um colete salvavidas no mar. Um segundo para recuperar o fôlego antes de submergir novamente. Ele aprumou os ombros e atravessou o quarto. – Que tal na terça? Eu não quero esperar até quarta-feira. – Segurando o rosto dela, ele se inclinou. – Diga que sim. – O cheiro de creme dental mentolado no hálito dele, combinado ao perfume de sabonete e xampu de hotel na pele, originavam um cheiro de limpeza que Grace sabia que nunca iria esquecer. – Sim. – E jantar comigo na quarta-feira. – Sim. – A resposta saiu antes mesmo que ela pudesse de fato pensar nas implicações. – Ótimo. – Justin se aproximou e a beijou, os lábios macios porém firmes quando ele lhe reivindicou a boca, dominando o momento, possuindo Grace de uma forma desconcertante. Ninguém nunca havia feito tal esforço para conhecê-la, para encontrá-la, jamais havia investido nela. Então Justin apareceu. Era para ter sido só uma noite. Não um encontro. Livre de expectativas. Nada mais. Mas Justin se mostrara tão sincero em seu interesse, tão transparente em seu desejo por ela. Que mulher não gostaria de aproveitar algo assim só mais um bocadinho? Justin estava levando Grace a repensar tudo o que ela considerava ser correto. E ela não tinha certeza de como rever suas expectativas porque Justin as havia deixado em aberto. Conviver com um “talvez”
no que dizia respeito a Justin era perigoso. Ela precisava de um fato concreto, absoluto, não de um “talvez” e de um “e se”. Ela poderia gerenciar isto… este… flerte, caso o mantivesse em perspectiva. Porque ao passo que os convites de Justin certamente mudavam as regras antes estabelecidas, o resultado já estava predeterminado, e não era negociável. Grace não iria permitir que ele estragasse seus objetivos, fossem estes profissionais ou pessoais, independentemente do tempo que ela havia passado desejando exatamente o que ele lhe oferecia agora. Ela havia trabalhado muito, feito muitos sacrifícios para simplesmente deixar que tudo desmoronasse por causa de um homem… por mais que ela o desejasse. A autonomia lhe daria mais oportunidades, mas enquanto ela estivesse em Seattle? Aí sempre seria a filha de Cindy Cooper, a pirralha incapaz de sair do caminho da mãe com destreza suficiente. Grace se recusava a viver naquele lugar emocionalmente pútrido. Ela não permitiria que uma noite com Justin pudesse potencialmente modificar tudo o que ela pensava sobre sua carreira, seu futuro, sobre si mesma. Sentindo-a enrijecer em seu abraço, Justin interrompeu o beijo e, ainda segurando a mandíbula de Grace naquelas mãos grandes e hábeis, apoiou a testa na dela. – Pare de pensar demais nas coisas. – Pare de ler minha expressão. – Pare de projetar todos os seus pensamentos. Ela roçou a testa na dele. – Sério, Grace. Pare de sofrer por problemas futuros. Os problemas de hoje já são o bastante. – Pare de soar como um biscoito da sorte. – Ela fez uma pausa e revirou os olhos para encontrar o olhar de Justin. – A menos que você tenha os números vencedores da loteria tatuados no seu corpo. Se assim for, prossiga. Ele sorriu, os pequeninos pés de galinha surgindo nos cantinhos dos olhos. – Você pode verificar se quiser. – Que gracinha. Temos que sair daqui a meia hora. – Vamos nos apressar e tomar o café da manhã. – Claro. – Ela aguardou. Ele não se mexeu. – Você tem que desgrudar do meu rosto primeiro. Com destreza e intensidade, Justin tomou a boca de Grace, apoiando-a contra a parede enquanto a beijava. Quando ele mudou de posição e seus lábios trilharam pelo pescoço dela, para depois mordiscar-lhe a clavícula, ela estremeceu. – Você tem uma quedinha por paredes, hein?! – Eu não tinha até conhecer você. Os beija-flores no estômago de Grace fizeram manobras acrobáticas, evitando com sucesso os golpes fatais desferidos pelo orgulho dela. Ela não conseguia evitar, pois Justin não parava de dizer as coisas certas. Toda mulher queria saber que era desejada. Desejada. A ideia de que ela poderia ser parte de algo maior do que apenas aquele mundinho dela mesma, de que poderia passar as próximas duas semanas com alguém, com ele, era a maior tentação que ela havia enfrentado em… bem, nunca. Grace havia passado a vida sozinha, desejando as coisas que seus amigos tinham como garantidas: pais, família grande, o temido suéter de Natal, as brigas entre a tia Jane e o tio John. A faculdade aliviara um pouco disso tudo, quando ela conhecera suas três amigas mais íntimas,
mas ainda havia um desejo de ter uma família de verdade, um desejo que ela não se atrevia a avaliar muito atentamente. Isto só serviria para lembrá-la de que seu passado não tinha lhe ensinado nada sobre o que era amar ou ser amada. Isto era um lembrete indesejado e do qual ela não precisava. Com Justin, Grace poderia ter uma frestinha de sensação de pertencimento. Com certeza não seria eterna, mas serviria por ora, e isso era muito mais do que ela esperava obter de um casinho de uma noite. Ela só precisava ter certeza de que manteria as coisas leves, para que ninguém se magoasse quando fosse hora de se despedir. O que poderia acontecer em duas semanas para mudar o final derradeiro? A resposta era fácil. Nada aconteceria se Grace não o permitisse expressamente. Decisão tomada, ela enredou as mãos pelo cabelo de Justin e puxou a boca dele de volta para a sua, assumindo o controle do momento. As línguas duelavam, lutando pelo domínio. Ele gemeu, roçando os quadris cobertos pela toalha no corpo dela. Plantando uma das mãos na parede, ao lado da cabeça de Grace, ele interrompeu o beijo e pousou o queixo na cabeça dela. – Você vai me fazer perder os waffles gratuitos do hotel. – Eles são superestimados. – Você já experimentou? – Não, mas experimentei você. Como um mísero café da manhã pode se equiparar ao maravilhoso Maxwell? A risada dele a surpreendeu. – Você é rápida. Vou concedê-la este elogio. E sua bajulação vai garantir que você fique com o primeiro “mísero” waffle. – Suas prioridades são confusas – murmurou ela, esquivando-se sob o braço dele para recolher suas roupas. – Ainda temos o almoço e o jantar nesta semana. Você concordou. Prometo que a sobremesa vai compensar a decepção de hoje. – É bom mesmo. Eu quero torta desta vez. Uma torta boa. Ele retorceu os lábios. – Posso providenciar isto. – Hum. – Ela vestiu a calcinha fio-dental. Depois a calça jeans, e então sua camisa, amarrotada como estava. Os sapatos estavam perdidos pelo quarto, e ela levou uns bons minutos para encontrá-los, um no banheiro e outro no closet. Vai entender. Pulando num pé só, Grace falou com Justin distraidamente pelo quarto: – E então… quais são seus planos para esta semana? – Eu começo num emprego novo amanhã. – Sério? – Ela entrou no banheiro para tentar desembaraçar o cabelo e impor alguma forma de submissão aos fios. – Pode me passar minha bolsa? Justin a colocou na bancada antes de retornar para o quarto para se vestir. Grace vasculhou pela bolsa, encontrou um prendedor de cabelo e uma escova pequena. Pronto. Um rabo de cavalo quebraria o galho. Desembaraçar os nós lentamente era uma prova de paciência absoluta. – Então, o que você vai fazer? – Vou trabalhar para uma organização sem fins lucrativos que ajuda jovens carentes. O coração dela parou quando um bloco de gelo pousou em sua barriga.
– Sério? – Grace tentou manter um tom indiferente, mas na verdade seu tom ficou mais perto de uma curiosidade em alta frequência. – Sim. Um lugar ótimo. Eles foram muito importantes na minha vida anos atrás. Eu não teria ido para a faculdade e muito menos conseguido fazer minha pós-graduação se não fosse pelo programa de recuperação deles. – Sério? – perguntou ela novamente, se atrapalhando com o pincel de maquiagem. O objeto caiu no chão, o som aparentemente amplificado pela ansiedade de Grace. – E qual é o nome deste lugar? – Segunda Chance. – Justin entrou no banheiro e sentou-se na borda da banheira para amarrar as botas. – Um nome muito apropriado, na verdade. É exatamente o que eles oferecem a crianças que… – Ele olhou para cima, franzindo a testa. – Qual é o problema? – Bem, isso é estranho. – Ela tentou engolir, mas sua garganta aparentemente tinha se mumificado. – O quê? – Quando ela não respondeu, ele colocou o pé no chão. – O que foi? O tom agourento da voz de Justin dizia que ele sabia o que era, mas que não queria aceitar a verdade. Mas que droga. Não havia maneira fácil de mudar o que Grace tinha a dizer. Ele se levantou, pairando perto dela. Ela cruzou os braços. – Droga. – Ele passou os dedos pelo cabelo. – Basicamente. – Por que você não mencionou que ia estagiar no Segunda Chance? – Eu poderia perguntar por que você não contou que ia trabalhar lá. A mesma resposta, Capitão Óbvio. Eu não fazia ideia de que seria relevante. Justin saiu do banheiro e, se Grace interpretara o som corretamente, socou um travesseiro antes de suas palavras perfurarem o ar. – Mas que maravilha. – Quer saber? É melhor você ganhar um pouco de perspectiva e bastante controle, depressa. Você está agindo como se eu tivesse feito algo errado. Novidade para você: não fiz. Então supere isso e pare com esta birra boba. – Grace, se eles descobrirem que transei por aí com uma estagiária, eu poderia ser demitido antes mesmo de começar. Isso poderia destruir minha carreira. Você não entendeu? Você pode ter acabado de estragar a minha vida! Quantas vezes ela havia escutado a mesma coisa da mãe? Quantas vezes tinha sido obrigada a ouvir todas as coisas que sua mãe teria visto e feito caso tivesse sido capaz de pagar por um aborto? – Vá para o inferno – sussurrou ela, as palavras desafiadoras depois de uma vida inteira de negligência e abusos emocionais. Pegando seu casaco no suporte de malas, Grace procurou cegamente um punhado de notas na bolsa e se aproximou de Justin, jogando o dinheiro aos pés dele. – Aqui está a gorjeta que fiquei devendo ontem à noite, e um conselho grátis também: nunca irrite sua “cliente” antes de receber, ou você pode estragar todo o acordo. Ele semicerrou os olhos. – Você acabou de me comparar a uma prostituta? – Se você precisou perguntar, significa que estou perdendo o jeito. – Com isso, ela se dirigiu à porta. – Aproveite seu waffle.
Capítulo 5
JUSTIN SALTOU do ônibus da linha 28 e, com ombros curvados, começou a seguir pela calçada. Embora estivesse a poucas quadras da casa da mãe, a caminhada por aquele bairro poderia ser um pouco arriscada. A região era perigosa, mas não particularmente violenta durante o dia. Isso não significava, no entanto, que ele não poderia estar sob as circunstâncias certas. Levi se ofereceu para deixá-lo quando Justin voltou para devolver o carro, mas ele recusou; queria tempo para pensar antes de entrar em sua casa de infância, para o tradicional almoço de domingo. Ele sabia que sua família ia perceber seu estado de espírito e perguntar qual era o problema. E ele não estava pronto para responder a tais perguntas. Não quando o perfume fresco e limpo de Grace ainda inundava suas narinas e a visão acusadora daqueles olhos verdes ainda lhe preenchia a mente. Era difícil concluir exatamente como eles acabaram trocando aquelas palavras mordazes e deixaram algo com tanto potencial queimar em chamas espetaculares. Aquele era o pior lembrete possível da figura que Justin fora quando criança: aquela que nunca fazia nada certo. Será que ele ainda era aquele mesmo garoto? Será que ele nunca superaria os impulsos que o levavam a estragar tudo sempre que a oportunidade perfeita se apresentava? Será que ele nunca seria capaz de segurar a maldita língua quando alguém se revelasse seriamente chateado com ele? Se ele não fosse capaz de gerenciar tais decoros humanos básicos, estaria destinado a fracassar em tudo o que tentasse fazer ou ser. Justin tomou a calçada da entrada de casa, tal qual tinha feito milhares de vezes. O barulho da televisão vazava através da calafetagem antiga das janelas, e a voz inconfundível do âncora do noticiário matinal foi seguida por uma música dramática e pela voz de um repórter. A porta da frente travou quando Justin girou a maçaneta, o que o obrigou a abri-la dando um tranco com o ombro. Ele precisava consertar isso. A última coisa de que sua mãe precisava era ter que usar os músculos para abrir a porta depois de passar dez horas seguidas de pé, servindo mesas durante a noite inteira. – É você, meu garoto? – chamou ela da cozinha. – Não. – Droga, a cozinha. Sim. Ela ia querer conversar. Ainda não, ainda não, n… – Venha ao meu “escritório”, querido. Resignado, ele jogou sua pasta no sofá. O cheiro de lustra-móveis de limão e de amaciante eram sutis, porém penetrantes, velhos aromas de limpeza que o confortavam. Fazendo uma pausa à porta,
Justin observava enquanto sua mãe preparava o café com uma economia absoluta de movimentos. Ela ainda usava a calça preta e camisa branca da lanchonete, mas tinha trocado os tênis por pantufas. Que mulher bonita, pensou ele. E que vida dura. Mas tinha sido assim para todos depois que seu pai fora assassinado, 16 anos atrás, e Justin não facilitara para ninguém quando resolvera expressar sua dor através de uma vida meio vivida nas ruas. Olhando para trás, Darcy meneou o queixo em direção à mesa. – Eu vi você chegando… foi uma daquelas noites na boate, hein? Sente-se, mesmo que você não tenha me ligado para avisar que viria hoje. Justin sentou-se e ficou equilibrando a cadeira nas duas pernas traseiras, as mãos cruzadas sobre o ventre. – Eu não acho que o meu esquecimento de telefonar para fazer reservas para o almoço de domingo constitua numa inquisição na cozinha, não é? – Vai depender se você vai me obrigar a usar os parafusos de polegar para tortura. – Engraçadinha. – Ela colocou uma xícara de café na frente dele, o líquido caramelo-escuro, e Justin suspirou. – Você sabe que vou ter certeza de que encontrei a mulher certa quando ela souber fazer um café igual ao seu. – Ele levou a caneca aos lábios ao mesmo tempo que ambos disseram: – Com muito amor. Rindo, Darcy puxou uma cadeira. – Então… o que aconteceu? – Foi tudo bem na boate. Então eu tive um… encontro. Típico, com beijinhos e tudo. – Que bela história. Agora conte-me a verdade. Justin lutava contra a vontade de se contorcer. – Não tem história. É só uma mulher. Ele odiava a forma como os ombros da mãe encolhiam visivelmente, odiava o fato de ele fazê-la temer que ele tivesse dado um grande passo de volta à vida anterior de violência. Mas o temor dela era bem justificado, considerando que Justin havia passado anos alimentando-o. – Então, essa tal mulher. Quem é ela? – Eu tenho quase 31 anos, mãe. Essa obsessão pela minha vida amorosa não é natural. – Seu protesto foi devidamente anotado. Eu ainda quero saber quem ela é. – O nome dela é Grace. – Alguma chance de ser a mesma Grace que você mencionou umas mil vezes enquanto dava aula? – Perdão? – retrucou ele, fingindo indignação. – Eu quase não mencionei o nome dela. – Justin. Ele mudou de posição para fitar o teto. – Sim, mãe. Ela mesma. – Não me venha com “sim, mãe”, Justin Alexander Maxwell. Eu tenho um motivo para perguntar. – O motivo de você ser intrometida? – brincou ele, fazendo uma careta quando ela se aproximou e lhe deu um tapinha no ombro. – Tenha respeito. A visão da mãe acomodando-se em sua cadeira, bebericando o café, equivalia a conforto. Por mais que brincasse com ela, Justin nunca abriria mão dos papos à mesa da cozinha, por nada. Nos dias de hoje era raro eles terem um momento livre a sós, uma vez que suas irmãs sempre queriam estar
envolvidas em tudo. Ele as amava, de verdade, mas esses momentos tranquilos com a mãe eram preciosos. Pigarreando, ele recostou-se. – Então, que negócio é esse de me atrair para sua teia? Você está planejando me enrolar num casulo e drenar minhas forças vitais só porque eu não telefonei? – Eu deveria lavar sua boca com sabão por ser um moleque tão desrespeitoso – brincou ela, pousando a xícara de café na mesa e cruzando os braços. De repente todos os traços de humor desapareceram do rosto dela, e Darcy olhou para ele com tal intensidade que Justin agarrou a caneca para tentar acalmar as mãos. Incapaz de suportar aquilo, ele perguntou: – Por que você está me olhando desse jeito? – Você está evitando a conversa. Isso normalmente significa que você fez algo extremamente imprudente e que ainda não está pronto para discutir o assunto. Ele encolheu os ombros. – Sim, bem, seria de grande ajuda se você não me conhecesse tão bem. Inclinando-se para frente, ela afagou as mãos dele para acalmá-las enquanto Justin girava a caneca de café. – Converse comigo, Justin. O que aconteceu? – Coisas que deveriam ser simples ficaram muito complicadas. – Complicadas quanto? Ele baixou o queixo e estalou o pescoço antes de afundar na cadeira. Recostando-se, começou a girar a caneca novamente, mais e mais, olhando para uma lasquinha em sua borda em vez de olhar para a mãe. – É complicado. – Diga-me uma coisa. – Claro. – Ela é importante para você? – Puxa, mamãe. – Levantando-se, ele levou o resto de café à pia e jogou fora antes de enxaguar a caneca. – Justin. Ele a encarou, apoiando o quadril no balcão laminado gasto e olhando para ela com todo o desprendimento que conseguiu reunir. – Já disse o suficiente – murmurou ela. – Eu não disse nada – respondeu ele. – E isso foi o suficiente. – Ela se levantou, descansando a mão no encosto da cadeira. – Estarei aqui se você quiser falar sobre o que deu errado. – Eu só quero seguir minha vida, mas não é simples assim. – Quando ela não pressionou, Justin bateu a cabeça suavemente na porta do armário mais próximo. – Ela está trabalhando comigo, mãe. No Segunda Chance. – Isso é uma complicação, mas longe de ser insuperável. Ele bufou. – Ela não me contou que ia estagiar lá. Eu não teria saído com ela se soubesse. Poderia me custar o emprego. Eu não posso permitir isso, nem a curto nem a longo prazo.
– Você mencionou a ela que estava trabalhando lá? – Não, mas… – Ele contraiu os lábios e a mandíbula; mas que droga, se ele pudesse se conter. – Não. – Então ela não tem tanto direito quanto você de estar com raiva? – Ela só está fazendo um estágio. Este é o meu primeiro emprego sério. – Ele enfiou as mãos nos bolsos. – Não é exatamente a mesma coisa. – A-hã. E por que isso? – Eu tenho mais a perder. Se eu soubesse que havia um conflito ético em potencial na coisa toda, eu teria ficado longe dela. Darcy arqueou a sobrancelha. – Você está soando um pouco arrogante aqui, meu filho. – Olha. Ela vai sair depois de cumprir 80 horas. Este é o meu emprego. Eu é que vou ter que limpar a bagunça, e isso se eles ao menos me permitirem fazer isso. Eu não preciso dessa complicação. Darcy deu um sorriso de canto de boca. – Eu seria capaz de apostar que a garota tampouco não precisa disso também, Justin. – Você sabe o quanto esse emprego é importante para mim – resmungou ele. – O que eu sei é que você está soando muito hipócrita quando pode muito bem tê-la prejudicado na mesma medida que ela o prejudicou. O almoço sai dentro de uma hora. – Quando ele começou a responder, Darcy levantou a mão e saiu da cozinha. No que dizia respeito a tiros de misericórdia, a mãe dele era bem impressionante: ela havia conseguido acertar no alvo atirando por cima do ombro. E nem mesmo tinha parado de caminhar ao apertar o gatilho. GRACE ESTAVA sentada no pequeno restaurante de crepes pela segunda vez em 24 horas, enquanto esperava que Gretchen fosse buscá-la. Tomar o ônibus para casa tinha sido uma opção, é claro, mas de qualquer maneira, Grace precisava devolver o celular de Gretch antes que a amiga fosse embora por causa de seu novo emprego em São Francisco. Só que no momento em que ouvira voz de Gretchen ao telefone, Grace sentira uma avidez pela segurança sólida da amizade, o único tipo de relacionamento no qual ela havia aprendido a confiar e contar. Daí acabou despejando metade da história antes de Gretchen interrompê-la com um firme “estou chegando”. Grace temia a inquisição que, sabia, iria enfrentar quando Gretchen chegasse. Havia coisas que ela não queria responder e coisas que não podia responder. Por exemplo, Justin tinha feito o sangue dela ferver com um golpe duplo de luxúria só para depois lhe dar um nocaute gélido. Como poderia explicar isso? – Veja, é complicado – murmurou Grace para si. – Nós fizemos um sexo selvagem e enlouquecedor, e depois, de manhã, ele se revelou um canalha hipócrita e me culpou por arruinar sua vida. Não. Ela ia deixar aquela pequena pepita de informação de fora. Haveria perguntas sobre as habilidades dele, sobre os “porquês” e “comos” de cada atitude, e Grace não seria capaz de reviver a coisa toda. Não, isso não era verdade. Ela não conseguia parar de reviver a coisa toda. Era só que ela não queria dividir os detalhes. Este era o ponto de discórdia no ato de recontar a história, porque Grace não queria que Gretchen falasse mal de Justin para defender as atitudes dela. Não seria algo malintencionado. Gretchen só falaria por questão de lealdade. Grace compreendia isso. Mas ainda assim…
Cutucando distraidamente uma cutícula áspera, Grace podia admitir para si que não queria ficar sozinha agora. Ela queria ter certeza de que havia alguém para apoiá-la, e suas amigas eram sua família substituta, o apoio que ela nunca teve. Elas não iriam deixá-la sofrer sozinha. Uma rajada de vento salgado chicoteou pelas portas do restaurante. A brisa da enseada de Puget Sound estava fria naquela manhã. Grace estremeceu. Gretchen entrou, seguida por Lynn e Meg. Gretch sentou-se em uma cadeira vazia e começou a brincar com as chaves em torno do dedo indicador. Girava, agarrava. Girava, agarrava. Meg e Lynn também sentaram-se; ambas penduraram suas bolsas nas costas de suas cadeiras e as cobriram com seus respectivos casacos. Grace olhou para as próprias mãos, ainda cavoucando as cutículas. – Uau. Toda a cavalaria. – Gretchen foi buscar a gente depois que você ligou. – Meg segurou a mão de Grace, acalmando o hábito destrutivo. – Esta é a última vez que estaremos todas juntas, então achamos melhor enfrentar a crise em grupo. – Eu queria devolver o seu celular, de qualquer forma. – Caçando o aparelho na bolsa, Grace o deslizou sobre a mesa para Gretchen, consternada ao perceber que seu dedo estava sangrando. – Mas que droga. – Ela chupou a pequena ferida e percebeu ser impossível erguer o olhar para as outras. Gretch deu uma joelhada na perna de Grace. – Queremos ajudar. – Eu entendo isso. – Ela soltou um suspiro. – Entendo mesmo. É só uma feridinha. – Grace foi tomada por um segundo calafrio. – Eu provavelmente devia ter tomado o ônibus para casa. Ignorando o último comentário, Gretchen perguntou: – Você está com frio? – Ela tirou o casaco e o colocou nos ombros de Grace; Gretch era a mais maternal dentre as quatro. Grace fechou os olhos e respirou fundo antes de levantar o rosto e oferecer um sorrisinho à amiga. – Um pouco, obrigada. – Ela apertou o casaco em torno de si, fechando os olhos por um segundo. O que doía mais era o fato de ela ter acreditado, mesmo que momentaneamente, que havia significado algo para Justin, que tinha sido mais do que um fascínio passageiro para ele. Bem, certamente ele a desiludira desta ideia. Lynn inclinou-se e esfregou o braço de Grace. – Você tem de nos dar os detalhes, só assim a gente vai saber se é para ele ser exaltado ou grudado a uma árvore com fita adesiva e rabiscado com caneta de tinta permanente. Grace tentou não sorrir, porém, perdeu a batalha. – Você me assusta um pouco. – Ele é um stripper. Subir no palco com as palavras “eu sou ruim de cama” e “sou fedorento” escritas em letras garrafais com tinta preta no corpo inteiro não vai ajudá-lo em nada na hora de ganhar dinheiro. – Ela fungou. – E se isso não for suficiente, é só me dar alguns minutos. Eu invento algo pior. Desta vez Grace gargalhou. – Não. Nada pior. – Entrelaçando as mãos, ela lutava contra a vontade de soltar tudo, de contar o quanto sentira-se estimada quando estava com ele, o quanto ele a fizera sentir-se sexy, poderosa e desejável de um jeito inédito, e o quanto isso significa para ela. No entanto, quando abriu a boca, nada saiu.
– Grace? Ela olhou para cima para encontrar as sobrancelhas arqueadas de Gretchen. – Sim? – Tenho certeza de que você não precisa me dizer isso, mas vamos lá mesmo assim. Você não deve se envolver com ninguém agora. Não a sério, de qualquer forma. Você tem planos, querida. Sonhos. Sonhos grandiosos que não envolvem Seattle ou sua casa de infância ou a influência da sua mãe. Você lutou tanto para mandá-la ao inferno enquanto cavalga rumo ao pôr do sol. Meter-se com um stripper vai estragar tudo. – Eu sei. – Duas palavras, tão cruas que lhe arranharam a garganta. Ela estendeu a mão e segurou a mão de Gretchen. – Você está certa. Obrigada por se importar o suficiente para dizer isso em voz alta. Lynn apoiou os braços na mesa. – Tudo bem, mas ele é um stripper. Certamente você se divertiu, não é? Olhando de relance para Lynn, Grace conseguiu sorrir. – É o seguinte. Vou dar um detalhe e aí vocês me deixam resolver a coisa toda antes de me fritar. De acordo? – Ela olhou para cada uma. – De acordo – respondeu Meg em nome do grupo. Grace achou mais fácil sorrir do que tinha imaginado. – Ele beija como um deus. Melhor do que qualquer coisa que até mesmo você seria capaz de imaginar, Lynn. – O que você… – Não. – Grace levantou a mão, interrompendo. – Meg concordou em seu nome. Sem perguntas. – Ai, que droga. Ela fez isso, não fez? – Lynn se inclinou e deu um tapinha brincalhão em Meg. – Você está rebaixada do cargo de porta-voz do grupo. Meg esfregou o ombro. – Eu me demito, sua bruta. Gretchen levantou-se. – Vamos sair daqui. Podemos conversar a caminho da casa da mãe de Grace. Grace abriu a boca para protestar, já que tecnicamente era fora de mão para Gretchen deixá-la em casa primeiro, mas a outra mulher balançou a cabeça sutilmente. Ela estava concedendo a Grace um perdão emocional. Uma vez que Grace estivesse fora do carro, as outras duas não poderiam alfinetá-la, ainda que de forma bem-humorada, sobre sua noite com Justin. Assentindo, Grace ajeitou o casaco ao redor dos ombros. – Obrigada, Gretch. – Sem problemas – respondeu ela, em voz baixa. Elas seguiram para o estacionamento do restaurante, e Gretchen abriu seu carro compacto antes de empurrar o banco para frente. – Rocky, você e seu saco de pancadas vão atrás. Grace vai na frente já que ela vai ser a primeira a descer. Não se preocupem, ainda temos pancadas para distribuir. Vocês duas podem passar a viagem até a casa dela brigando para ver quem fica com a espingarda da próxima vez. Gretchen manteve o diálogo ativo durante todo o trajeto até a casa de Grace, regalando-a com histórias da noite passada, sobre os outros dançarinos. Meg pagou timidamente por uma dança particular com Nick. Lynn então começou a fazer piadas com isso, até Meg revelar que ela só ganhara coragem suficiente para pagar pela dancinha depois de assistir a Lynn no palco com um dançarino
chamado Derek. A coisa seguiu nesse ritmo entre as três, o rádio sintonizado nas 40 músicas mais tocadas do momento, até Grace encontrar-se junto à pequena calçada ao lado de sua casa. Ela se arrastou para fora do carrinho rebaixado e ajudou Meg a sair do banco de trás. – Vocês duas, tentem não se matar no carro da Gretchen – disse ela num tom de troça. – É um saco tirar manchas de sangue de estofados claros. Meg riu e acenou dispensando os comentários de Grace antes de fechar a porta e baixar o vidro. – Você vai fazer compras com a gente mais tarde? – Bem que eu queria, mas eu preciso me preparar para o estágio. Divirtam-se. – Ela se inclinou na janela e olhou para Lynn. – Quando você vai para Boston? A amiga fez uma careta azeda. – Amanhã. – Se eu não te encontrar, me ligue quando estiver lá. Aí a gente conversa. – Prometido. – E aí você está vai para São Francisco na terça-feira, não é, Gretchen? – Um pedacinho do coração de Grace se partiu diante da confirmação. – E eu vou para Baltimore na quinta-feira – acrescentou Meg, concluindo o calendário de partidas da semana. – Você vai atrás de mim daqui a duas semanas, certo? – Isso. Nesse meio tempo, estarei abandonada. – Embora houvesse conseguido manter um leve tom de provocação, Grace tinha de admitir que realmente parecia que aquelas mulheres, que a compreendiam melhor do que ninguém, a estavam abandonando. Não era uma ideia racional, e ela aceitava que era parte da vida, mas elas haviam sido sua família substituta por mais de seis anos. Tinham sido seu sistema de apoio. Tinham incentivado quando necessário e puxado sua orelha também quando fora preciso. Sem elas, Grace não teria se formado, que dirá com grandes honras. A emoção obstruiu sua garganta, e Grace acenou quando todas começaram a falar ao mesmo tempo. – Se vocês não forem embora logo, eu vou começar a cantar “The circle of life” na minha pior imitação do Elton John. Todas aceitamos que este seria um dos muitos fatores chatos da chegada da maturidade. – Ela engoliu em seco. – Isso não significa que vamos crescer separadas, no entanto. Agora vão embora. A música… está chegando. Fazendo uma continência zombeteira, Gretchen saiu da garagem. As risadas das mulheres ecoavam enquanto o carro se afastava, e Grace ficou feliz por ter sido deixada com risadas em vez de lágrimas. Grace foi até a porta da frente da casa minúscula. Ficar na calçada naquele bairro era tão eficiente quanto implorar para ser assaltada ou baleada. A luz do sol não era um talismã contra a violência, particularmente não ali. Significava apenas que os alvos ficavam mais fáceis de se detectar. Entrando, ela tentou ignorar o cheiro de cerveja velha e cigarro que permeava o lugar. Não importava o quanto limpasse, era impossível se livrar dos odores penetrantes. – Só mais algumas semanas – murmurou ela para a sala vazia. Assim que o estágio acabasse, ela seria capaz de cair fora dali. Iria para Baltimore, voltaria a morar com Meg e começaria a descobrir seu lugar no mundo. Graças ao jeito como Justin tinha deixado as coisas, não haveria nenhum vínculo para segurá-la a este lugar. Ela mal podia esperar.
Capítulo 6
COM AS mãos tremendo levemente, Justin refez o nó da gravata pela quarta vez. Ainda não estava bom, mas se ele não saísse agora, ia perder seu ônibus para o centro. Chegar atrasado no primeiro dia de seu novo emprego seria uma falha lastimosamente épica, bem no topo da lista, perto de dormir com a estagiária. Murmurando um xingamento, ele estendeu a mão para a maçaneta no mesmo momento que sua irmã Evelyn bateu à porta. – Estou com vontade de fazer xixi há 20 minutos, Justin. Encare a realidade. Você atingiu o máximo da beleza que é possível conseguir sem uma intervenção cirúrgica, então saia daí agora. Por que ele havia concordado em passar a noite com sua família? Um sofá confortável e uma boa refeição não valiam isso. Ele abriu a porta e fez uma careta. – Você não é a única atrasada aqui. – Você não estaria atrasado se tivesse se levantado quando o despertador tocou. – Eu levantei, mas alguém já estava no chuveiro usando toda a água quente. – Eu não conseguia dormir. – Ela passou por ele, entrando no banheiro. – Saia logo. Ninguém consegue tolerá-lo quando você está de mau humor. – Eu não estou de… Evelyn bateu a porta na cara dele, trancando-a com vigor. – Sim, está. Irritado, Justin caminhou até o sofá, pegou o único par de sapatos alinhados que tinha na malinha com uma muda de roupa, calçou-os e examinou o cômodo. – Minha pasta. Onde diabos está minha pasta? – Uma busca rápida e ele a encontrou escondida atrás do suporte da televisão. Daí correu para a porta da frente, surpreso quando sua mãe o deteve. Ela sorriu. – Como eu poderia mandar você para o seu primeiro dia de trabalho sem desejar boa sorte? – examinando-o, ela balançou a cabeça. – Você não está uma beleza? – Nada de fotos, mãe. – Você é muito sem graça. – Ficando na pontinha dos pés, ela o agarrou pelos ombros e o puxou para um beijo rápido. – Acabe com eles. – Vou me contentar com ferimentos graves no meu primeiro dia.
– Fico feliz em perceber que seu nervosismo não matou seu senso de humor. – Eu realmente tenho que ir. – Você não estaria atrasado se tivesse desistido de se arrumar há 20 minutos – berrou Evelyn do banheiro. – Daqui a dois anos seu dia vai chegar, menina – respondeu Darcy. – Estou saindo, mãe. Vou para casa hoje à noite, então não me espere para jantar. – Ele beijou a bochecha da mãe e saiu rapidamente. Daí correu pela calçada e pegou o ônibus segundos antes de o motorista fechar a porta. Só havia lugar de pé. Naturalmente. Depois de duas transferências e três quadras a pé, ele chegou ao prédio do Segunda Chance com três minutos de sobra. Respirando fundo, Justin entrou. O saguão tinha o mesmo cheiro de 14 anos antes, quando ele entrara por aquelas portas pela primeira vez para cumprir sua sentença de serviços comunitários. Ele havia sido condenado por vandalismo de propriedade pública, mas só porque os policiais não o tinham apanhado mais cedo naquela noite. Se eles o tivessem flagrado antes, daí o teriam acusado de coisas muito piores. Relegando as lembranças sombrias ao pequeno compartimento mental reservado apenas para tal finalidade, Justin aprumou os ombros e se obrigou a respirar mais lentamente. Ele não era mais aquela criança há muito, muito tempo. Ele provara isto através da ajuda dos conselheiros que o libertaram de seu envolvimento com uma gangue enquanto ele era um adolescente confuso. Depois reforçara isto indo para a escola. E a partir de agora, iria passar todos os dias dando seu melhor para fazer diferença na vida das crianças que passassem por aquelas portas. Segunda Chance. Aquele lugar, e as pessoas dentro dele, eram os responsáveis por fazer a diferença em sua vida. O maior motivo de ele ainda estar vivo, em vez de ter se tornado mera estatística de um crime violento, estava naquelas salas, sob aquele teto e sobre aquele piso. – Posso ajudar? A voz feminina fez Justin sobressaltar-se, arrancando-o de suas lembranças e aterrando-o ao momento. Anos no palco da Beaux Hommes o ajudaram a exibir seu melhor sorriso quando ele encarou a dona da voz. – Justin Maxwell, estou aqui para ver Mark Sanders. A mulher – Mallory, de acordo com o nome no crachá – olhou para ele por dez segundos antes de agir. – O sr. Sanders está esperando por você, dr. Maxwell. O escritório dele fica ao final do primeiro corredor, quinta porta à esquerda. Vou avisar à assistente dele da sua chegada. Justin sentiu um desconforto ao longo de sua espinha. A mulher o encarara por tanto tempo que ele não pôde deixar de se perguntar se ela já havia estado na boate, e o tivesse reconhecido como dançarino. Mas ele não podia se render ao desconforto e à preocupação com isso agora, e com certeza não ia perguntar nada a respeito. Para todos os efeitos, essa parte da vida dele estava quase no fim. Tentando controlar seus batimentos cardíacos, ele estendeu a mão. – Obrigado, Mallory. Eu agradeço. Ela apertou a mão dele, uma pegada flácida, a palma ligeiramente suada. – Às ordens, dr. Maxwell. – Por favor, me chame de Justin. Ela corou e colocou o cabelo longo e escuro atrás de uma orelha. – Tudo bem… Justin.
Assentindo em direção ao escritório indicado, Justin deu um pequeno aceno a Mallory e começou a descer o corredor. Onde estava Grace? A porta do escritório foi aberta assim que ele chegou lá, e um homem baixo e careca o examinou de cima a baixo. – É bom vê-lo de novo, dr. Maxwell. – Só Justin, senhor. – Pela segunda vez em poucos minutos, ele estendeu a mão. O aperto de mão de Sanders foi firme e seco. – Algumas coisas mudaram desde que conversamos pela primeira vez. Antes de entrar em detalhes, vou mandar você para o RH para completar sua papelada de novo funcionário e pegar suas impressões digitais. Isso deve levar cerca de uma hora. Nós não podemos nos dar ao luxo de colocar você num processo de orientação formal, então isso vai ter que ser suficiente. Qualquer dúvida, pode encaminhar para mim. – Ele apontou para o corredor. – O RH fica na terceira porta, descendo o corredor. Tem uma plaquinha. Pergunte pela Sharon. Peça que a chamem caso ela não esteja lá. Ela vai ajeitar tudo e depois mandar você de volta para cá. À menção de mudanças, Justin sentiu um mal-estar pesado em suas entranhas. Seu chefe certamente ainda não tinha descoberto sobre seu envolvimento com Grace, não é? Só tem um jeito de descobrir. – Confesso que estou curioso, senhor. – Não há motivos para se preocupar. Só algumas mudanças de pessoal desde a sua entrevista. Vejo você assim que estiver tudo acertado lá no RH, filho. A surpresa não foi suficiente para moderar a reação que quase sufocou Justin com uma emoção inesperada. Ele não era filho de Sanders. Tinha sido filho de um outro homem, e apenas um único homem, e a coisa não tinha terminado bem. Nada bem. Para ocultar sua reação, ele enfiou a mão livre no bolso e apertou a pasta com mais força. – Sim, senhor. – Algum problema? – A pergunta foi feita cortesmente, mas isso não amenizou seu tom frio. – Não, senhor. – Vamos nos falar de novo daqui a cerca de uma hora então. Não deixe que Sharon o segure lá por mais do que isso. Nosso cronograma está bem apertado hoje. – Sim, senhor. Sanders abriu a boca para dizer algo mais, mas aparentemente repensou e apenas assentiu para Justin. Justin assumiu passos lentos, comedidos, enquanto lutava para recuperar o controle. – Perder o controle no primeiro dia por causa de uma coisa tão trivial não faz sentido – disse ele em voz baixa. O departamento de RH revelou-se um local caótico, com uma mulher tão atribulada atrás de uma mesa tão coberta de papelada que Justin perguntou-se como ela evitava crises nervosas programadas às 10h, 14h e 16h horas diariamente. A expressão dele deve ter retransmitido seus pensamentos, porque ela olhou para ele e sorriu. – Você é Justin Maxwell. – Isso. Você deve ser Sharon.
– Sou, e pela sua expressão, aposto que você gostaria de acrescentar “Maluca” ao meu sobrenome. Com certeza maluca deveria ser meu sobrenome por aceitar trabalhar com RH. – Só fiquei um pouquinho, hum, oprimido pela quantidade de papelada que você tem aí. – Estou me desfazendo de arquivos antigos, então não é tão ruim quanto parece. – Ela olhou em volta. – Isso é uma mentira descarada. É um inferno. É tão ruim quanto parece. Existem regulamentos para determinar por quanto tempo eu preciso guardar cada pedaço de papel, e nenhum regulamento é igual. Cinco anos para um tipo de formulário, sete para o outro, uma eternidade para outros. – Como você consegue? – Não me faça tentar racionalizar isto, dr. Maxwell. Se eu fizer, vou falhar. Então vou me levantar e sair, e provavelmente ficarei apavorada e nunca mais vou parar de andar, com medo de que estes formulários me alcancem e me matem durante o sono. – É justo. – Ele entrou na sala apenas o suficiente para deixar a porta fechar-se atrás de si, daí estendeu a mão mais uma vez. – Prazer em conhecê-la. – Igualmente. – Ela usou uma das mãos para cumprimentá-lo enquanto outra cavou em meio à montanha de papel mais próxima, pegando uma fina pasta de arquivo. – Tenho uma toneladas de formulários para você preencher. A orientação vai ter de esperar, então eu ainda não imprimi seu manual do funcionário ou o código de ética. Vou tentar fazer isso hoje e deixarei no seu escaninho no escritório da recepcionista. Sem promessas, no entanto. Poderia ser amanhã. – Ela olhou em volta e suspirou. – Ou na quarta-feira. – Não se preocupe. Não tenho a intenção de fazer qualquer coisa para causar minha demissão. Ela sorriu. – Ótimo. – Apontando para uma mesinha no canto, ela disse: – Sente-se e preencha todos os formulários. Eu destaquei os espaços em branco onde você deve preencher ou assinar. Se tiver dúvidas, mande um guia para me resgatar desta montanha condenada conhecida como minha mesa e vou ajudá-lo com prazer. Justin riu e um pouco da tensão em seus ombros se dissipou. Ele podia lidar bem com papelada. Foram as mudanças insinuadas por Sanders que fizeram o coração de Justin acelerar. Ele não tinha nenhuma dúvida de que tais mudanças de pessoal envolviam Grace Cooper. Aquele programa o havia tirado das ruas quando a escolha era se endireitar ou voltar para casa num saco para cadáveres. Ele não podia perder esse emprego por causa de um ato idiota. Mas existira tanto potencial entre ele e Grace. Será que ele poderia lidar com esta perda? Pela primeira vez desde que tinha explodido no hotel, Justin não tinha mais certeza de qual perda iria machucá-lo mais: do emprego que significava tudo para ele ou da mulher que talvez pudesse significar mais. GRACE ESTAVA sentada no saguão da fundação Segunda Chance, cutucando uma cutícula enquanto aguardava. Ela estava alguns minutos adiantada, mas isso era melhor do que chegar atrasada em seu primeiro dia. No entanto, seu chefe estava se comportando estranhamente, fazendo-a esperar durante a última meia hora. O que quer que o estivesse mantendo ocupado, parecia ter prioridade sobre ela. Mesmo assim, deixá-la ali fora por tanto tempo lhe pareceu pouco profissional, mesmo que ela ainda
fosse apenas uma estagiária. O sujeito tinha sido muito mais organizado ao entrevistá-la para o estágio, um mês atrás. Ah, bolas. Não era crime algum ser uma pessoa atribulada, imaginava ela. Grace examinou o saguão e os corredores novamente, percebendo que nada tinha mudado desde sua última visita. Onde estava Justin? Uma mulher baixinha de cabelo escuro se aproximou dela e estendeu a mão. – Grace Cooper? Grace levantou-se e apertou a mão oferecida. – Sou eu. – Eu sou Sharon Johnson, diretora de recursos humanos. Peço desculpas por fazê-la esperar. Você não é a única novata que temos hoje. Justin. – Eu sou só uma estudante, srta. Johnson. Uma estagiária. – Você está sendo remunerada, certo? – Eu acho que não. – Mas vai ser… por motivos que vou explicar dentro de um minuto. – Eu ficaria grata com qualquer valor salarial – disse Grace num rompante, e era uma verdade absoluta. Ela ia guardar cada centavo extra para financiar a independência que pairava a apenas 12 dias de distância. Aquilo quase fez o fato de ela ter voltado a morar com a mãe valer a pena, independentemente do quão curto este período fosse. Quase. Grace não tinha certeza se havia algo capaz de fazer valer totalmente a pena. Mas a ideia de ter uma casa cheirando a lustra-móveis de limão e amaciante contra o fedor de urina da casa de sua mãe alimentava sua motivação. – Srta. Cooper? Grace sobressaltou-se. – Desculpe. O que disse? A outra mulher sorriu gentilmente. – Se vier comigo, podemos acertar boa parte da sua papelada. Conforme mencionei, as circunstâncias mudaram, então o conselho considerou que seria apropriado remunerá-la, uma vez que você realmente vai fazer parte das nossas sessões de aconselhamento e redigir relatórios em paralelo para o psicólogo principal. – Eu vou cuidar de pacientes? – guinchou ela. – Em paralelo com nosso psicólogo licenciado, sim. Pelo meu entendimento você vai registrar por escrito todas as sessões das quais participar. Ao final de suas 80 horas, o orientador vai escrever uma carta de recomendação, informando se você foi aprovada ou não no estágio. A universidade determina a nota final de aprovação ou reprovação com base em uma amostra das anotações dos casos. Grace colocou a mão na barriga automaticamente. – Não diga a palavra reprovação. Eu não posso me dar ao luxo de ser reprovada. – Imagino que você vá se sair muito bem. Vamos acertar a papelada para que possamos começar, certo? Você vai receber sua remuneração ao final do último dia, então preciso inserir suas informações no sistema o mais rápido possível. – Sou sua serva, sra. Johnson. Aonde a senhora for, eu vou. A mulher riu.
– Que bom. Acabei de mencionar para alguém aqui que eu faria bom uso de um servo. Acho que falei de um xerpa ou algo assim. Pena que você não é estagiária de RH. Eu definitivamente gostaria de ter um agora. – Eu não daria conta do seu trabalho. – E eu não daria conta do seu, Grace. – Ela apontou para o corredor. – Eu fico logo ali. Ignore a bagunça no meu escritório. É temporária. Elas passaram 45 minutos verificando os formulários necessários. Todo aquele processo intimidava Grace. Não que ela nunca tivesse preenchido formulários, havia se deparado com muitos durante o ensino médio e parte da faculdade. Mas aquilo ali tornava sua graduação muito mais palpável. Ela não era mais uma estudante em busca de um diploma ou do grau. Aquele emprego era a última coisa que se interpunha entre Grace e sua autonomia, entre Grace e o mundo real, entre Grace e a vida. Ela de fato estava experimentando o gostinho da liberdade pela primeira vez, e desejava esta liberdade mais do que qualquer outra coisa no mundo. Tanto quanto desejo Justin? A pergunta espontânea a atingiu com força suficiente, e ela vacilou ao preencher seu formulário de cidadania, a caneta derrapando na página. Reconhecer que o desejava, mas só agora perceber o quanto ela realmente o desejava, a chocou. E o fato de ela tê-lo comparado ao seu desejo de independência queimou-lhe alguns fusíveis mentais. – Algum problema? Grace levantou a cabeça num rompante, corada. – Sim. Não. Quero dizer, sim. Eu estraguei este formulário. Teria outro? – Ela fechou os olhos e respirou fundo. – Desculpe. – Tudo bem. Admito que fiquei curiosa para saber o que transformou sua assinatura em um borrão aleatório no papel. Você tem certeza de que está bem? – Foi só uma epifania. Sabe, do tipo que faz sua mão convulsionar. – Eu odeio isso. – A mulher entregou uma folha nova a Grace. – É melhor que isso tenha acontecido aqui do que, digamos, na estrada ou coisa assim. – Sem dúvida. – Grace começou a preencher o formulário novo, mordendo o lábio e percebendo tardiamente que estava estragando seu brilho labial. Obrigando-se a parar, ela encontrou o olhar franco da outra mulher. – Obrigada por não pressionar. A sra. Johnson sorriu. – Isso não cabe a mim. Embora eu seja curiosa. Apesar da reputação da profissão, sou humana. Grace riu. – Vocês têm uma reputação ruim? – A área de recursos humanos muitas vezes não é sobre o ser humano, mas sim sobre a baixa do dólar. Isso dificulta para que eu possa fazer o que mais desejo, que é cuidar dos nossos funcionários ou dos nossos recursos. Mas agora estou falando demais. Enfiando um cacho solto atrás de uma orelha, Grace ofereceu um sorrisinho. – Eu causo esse efeito nas pessoas. – Acho que isso significa que você está na carreira certa. Grace se flagrou sorrindo. – Acho que sim. – Finalizando o último item da papelada, ela entregou a folha à sra. Johnson. – Para onde eu vou agora?
– Vou levar você ao escritório de Mark. Ele queria que você conhecesse o psicólogo com quem você vai trabalhar. – Se a senhora simplesmente me apontar a direção certa… – O estômago de Grace deu uma cambalhota lenta. – De repente é tudo muito real. – Deixe-me assegurar de que você não vai ter nenhum problema com este cavalheiro em particular. – Por que isso? – Eu sou do RH, Grace. Não posso comentar. O estômago de Grace fez uma coreografia completa de ginástica em solo. – Ele é bonito, é? Sharon contraiu os lábios. – Você não ouviu de mim, certo? – Servas nunca ouvem nada, sra. Johnson – disse Grace baixinho. – Então deixe-me dizer que você vai ser alvo da inveja de todas as mulheres daqui quando elas descobrirem que você está trabalhando diretamente com ele. Justin. Tinha que ser Justin. Grace abriu a porta do escritório e espiou pelo corredor. Era melhor acabar logo com isso. – Qual é o escritório de Mark? – Três portas abaixo, à direita. Tem uma placa. – Levantando-se, a sra. Johnson estendeu a mão novamente. – Foi bom conhecer você, Grace. Não hesite em ligar ou passar na minha sala se você tiver qualquer dúvida enquanto estiver aqui. – Obrigada. Pode deixar. O corredor estava estranhamente silencioso naquele início de dia. O estalar de seus saltos altos parecia extraordinariamente chamativo a cada passo ricocheteando nas paredes. Certa de que estava fazendo barulho suficiente para criar uma banda marcial de uma mulher só, Grace ficou na ponta dos pés para evitar que os calcanhares fizessem contato com o piso. Ela hesitou por um instante diante da terceira porta, deixando que o medo a inundasse antes de convocar uma maré de confiança para levá-lo embora. Alisando a saia de seu terninho e puxando o paletó para baixo para garantir que ficasse alinhado, ela pôs a mão na maçaneta. – Mostre a eles o que você sabe, Grace Margaret Cooper. Com um sorrisinho e um bocado de bravata, Grace entrou na sala.
Capítulo 7
JUSTIN JÁ estava em choque quando Grace entrou na sala. Ele tinha acabado de ser avisado que iria começar a atender os garotos, pacientes, hoje, sozinho. A mulher que tinha sido programada para orientá-lo em seu primeiro mês na fundação tinha saído de licença médica de emergência na semana anterior devido a complicações em sua gestação. Isso fazia de Justin o único conselheiro da equipe. Tudo o que ele tinha aprendido ao longo dos últimos oito anos abandonou seu cérebro. Ele não conseguiu sequer reunir bom senso suficiente para reagir à apresentação básica de Marcos, que o indicava a Grace. Ele assentiu para ela. Seu rosto, inicialmente alegre e agradável, cerrou-se numa carranca. A única coisa que ele foi capaz de registrar era que seus dedos estavam dormentes e que não conseguia sentir seus pés. Não era relevante para a conversa, de qualquer forma, mas era nisso que sua cabeça estava naquele momento. – Justin? – A chamada brusca do diretor o arrancou do nevoeiro mental. – Desculpe. Você me pegou num mau momento. Peço desculpas, srta. Cooper. Um único tremor, quase imperceptível, percorreu o corpo de Grace. – Eu não mencionei o sobrenome de Grace, então presumo que vocês dois já se conheçam, certo? – Mark cruzou os braços e apoiou um quadril em sua mesa, claramente aguardando que alguém esclarecesse a história. O coração de Justin quase parou. Dizer a verdade ao seu chefe era a única opção, mas as palavras saíram com dificuldade. – Grace e eu temos um relacionamento fora do escritório. – Não, senhor – interrompeu ela rapidamente. – Não temos. Nós nos conhecemos antes brevemente. Nada mais. – Ela olhou para ele. – E isso foi definitivamente bem antes de nos tornamos colegas de trabalho. Desta vez o coração de Justin parou mesmo. Por um segundo, ele não conseguiu respirar. Pontinhos negros dançavam diante de sua visão, e seus pulmões praticamente desistiram de buscar por ar. – É um relacionamento. – Sinto muito que você tenha interpretado mal, achando que foi algo diferente do que realmente foi, dr. Maxwell. – Ela o ignorou, concentrando-se em Mark. – Isso não vai impedir nossa capacidade de
trabalhar em conjunto, senhor. O que foi e o que é são duas coisas bem diferentes. Mark pensou por um instante antes de falar. – Parece que Justin não concorda. Justin balançou a cabeça em silêncio enquanto internamente berrava com Grace, insistindo que eles eram muito mais do que conhecidos. Ela havia vivenciado muito mais. Ele não tinha dúvidas disso. Mas ela também o havia abandonado. E ele a deixara ir, uma atitude que o assombraria para sempre. A menos que ele consertasse as coisas. Justin abriu a boca para falar, mas Grace o interrompeu: – Tenho certeza de que o dr. Maxwell está apenas reconhecendo que frequentamos a mesma instituição acadêmica. Ele está certo, e espero que ele concorde que isto irá permitir que trabalhemos juntos e atendamos as crianças sem distrações. – Belo discurso, Grace. – Mark deslizou em sua cadeira e entrelaçou os dedos atrás da cabeça. – Agora me diga o que está realmente acontecendo. – Eu preciso completar este estágio, sr. Sanders. Sem ele eu não posso me formar e… – Ela lançou um olhar para Justin – …e não vou poder seguir minha vida. Eu quero completar minhas 80 horas, obter uma classificação justa e encontrar meu nicho no mercado de trabalho. O dr. Maxwell não tem nada a ver com isso. – E em qual nicho você espera se encaixar? – perguntou ele. Justin tentou intervir, mas só conseguiu gesticular aleatoriamente. Nem Grace nem Mark prestaram atenção nele. Tomando fôlego, ele passou as mãos pelo cabelo. – Pare. Por favor, apenas pare. Mark arqueou uma sobrancelha enquanto meneava o queixo, apontando Justin. – Ele fala agora. – Estou compreensivelmente um pouco sobrecarregado. Entre perceber que vou ter pacientes para atender de imediato e então descobrir que fui designado para supervisionar o estágio de Grace, simplesmente precisei de um momento para processar tudo. – Vou perguntar uma vez, Justin, e espero uma resposta honesta. – Mark olhou para ele por cima de seus óculos de armação fina. – Isso vai ser um problema? – Não. Não vai. – Espero que não. – Resposta certa. Seu primeiro paciente deve estar no seu escritório depois do almoço. Um sujeito do nosso TI está providenciando um endereço de e-mail para você. Assim que estiver ativo, vou lhe enviar as anotações de seu predecessor. Elas podem ajudar. Nesse meio tempo, sugiro que vocês dois resolvam como vão lidar com a observação e as anotações de casos para satisfazer os requisitos do estágio. Seu escritório fica no final do próximo corredor, segunda porta à direita. Justin arriscou um olhar para Grace. Ela estava pálida, mas permanecia ereta, os olhos focados em algum ponto na cadeira de Mark. Ela ergueu o queixo e engoliu em seco, oferecendo um meneio de cabeça antes de se virar para encarar Justin. O desapego em seu olhar foi como uma faca cravando no coração dele. Ele queria que ela olhasse para ele do jeito que tinha feito naquela noite, no café. Ele queria que ela sorrisse, gargalhasse e fosse a mulher… por quem ele tinha começado a se apaixonar. Ela era mais, eles eram mais do que um casinho de uma noite, independentemente das crenças de Grace. Se Justin tivesse que mentir para enfrentar a situação e ficar a sós com ela? Tudo bem. Ele o faria. Mas no momento em que eles estivessem a sós? Ele ia acabar com aquela insanidade e obrigá-la a reconhecer que ele não estava sozinho naquela loucura. E ele faria isso de forma espetacular.
– Eu não sei em qual sala vou estar trabalhando – disse Grace de maneira hesitante, voltando-se para Mark. – No meu escritório – respondeu Justin rapidamente. – Vai ajudar nas anotações dos casos se pudermos discuti-los, e será bom para solucionar qualquer problema que você venha a ter. Você também vai estar lá se qualquer criança ou pai aparecer. Vai ser uma exposição excelente. – E também vai evitar que você fuja outra vez. – Tudo bem. – Ela apontou em direção à porta. – Depois de você. – Vocês dois, fiquem numa boa. – Mark levantou-se. – E fechem a porta quando saírem – berrou ele, pegando o telefone. – Ei, Sharon, eu só queria avisar que… A porta pesada se fechou. – Mas que droga. – Justin agarrou a própria nuca e puxou até seu braço tremer. – Ele ligou para o RH para dizer que há um potencial conflito de interesses. – Não existe conflito, Justin. – O tom tranquilo de Grace foi como um banho gelado para Justin. – Existe conflito, Grace, porque… – Ele parou de falar quando eles passaram pela mesa da recepcionista. Sorrindo, ele assentiu para a mulher e continuou andando. – Já está recrutando sua próxima conquista? – perguntou Grace calmamente. Tomando-lhe o braço, ele a guiou pelo corredor num ritmo veloz. Daí entrou em seu escritório e bateu a porta, soltando Grace e cercando-a. – Não existe “conquista”, Grace. – Arfando, ele afrouxou a gravata. Não conseguia respirar. – Como diabos vamos gerenciar isto? Ela cruzou os braços e encostou-se na borda mesa. – Não existe um “isto” para gerenciar. – O diabo que não existe – disse ele, com a voz baixa e feroz. – Você me largou ontem. Foi embora antes que pudéssemos resolver as coisas. – Imaginei que a ruína da sua vida era uma cena suficientemente dramática entre os amantes terminais. – Ela arqueou uma sobrancelha. – Eu estava errada? Você teria preferido mais? – Confesso que minha escolha de palavras foi ruim, mas… – Ruim? Sua escolha de palavras foi ruim? – Ela colocou as mãos sobre a mesa e se inclinou para frente, os olhos semicerrados. – Uma escolha de palavras ruim é dizer ao seu gastroenterologista que ele tem um péssimo emprego. Avisar à pessoa com quem você acabou de ter uma noite de sexo que ela está arruinando totalmente sua vida? Isso vai um pouco além de uma escolha ruim de palavras, Justin. Na verdade, vai muito além dos limites da escolha ruim adequada à terra dos inegavelmente babacas. Ele olhou para ela, preso entre a vontade de rir dos exemplos e de esganá-la por não lhe dar ouvidos. Desculpar-se já era difícil o suficiente. – Você entendeu? – continuou ela. – Você entende o que você me disse? – Ela prendeu a respiração e comprimiu os lábios com tanta força que eles quase desapareceram. Justin perdeu a capacidade de falar quando percebeu que a havia magoado. Profundamente. Muito mais profundamente do que ele percebera de início. Se a vida fosse justa, ela se recusaria a ter qualquer tipo de contato com ele. Ainda bem que Justin nunca contara com o senso de justiça da vida, porque ele não ia deixar essa história para lá. Particularmente não agora, não quando Grace estava convencida de que ela era só uma lembrança sem a qual Justin podia passar muito bem. Ele não tinha certeza do que Grace era exatamente, mas ela certamente não representava um fardo para ele.
Vamos começar pelo início. Se Grace estava preocupada com a possibilidade de ele ser injusto na avaliação do estágio, Justin resolveria isso e a tranquilizaria. Ele poderia encontrar um lugar onde ela pudesse obter uma experiência supervisionada sólida com um psicólogo objetivo. Isso também o liberaria para persegui-la ativamente e levá-la a admitir que o que havia entre eles era maior do que a soma de cada um deles individualmente, era mais importante do que a política de uma instituição de ensino superior. Ele gesticulou para uma cadeira vazia. – Sente-se. Obedecendo, Grace cruzou as longas pernas, a saia-lápis subindo até as coxas e expondo mais pernas do que a mente de Justin era capaz de administrar. Lembranças do deslizar daquela pele sedosa sob suas mãos lhe causaram uma dor no peito, mesmo enquanto ele contraía os dedos para se conter. O cheiro dela brincava em seu nariz. Ele sabia em primeira mão onde exatamente Grace gostava de passar perfume. Seu pênis se contraiu. – O que foi? A pergunta em voz baixa o puxou de volta para o momento: – Nada. – Ele ajeitou a frente da calça o mais discretamente possível. Sem dúvida Grace percebeu a realidade, dada a forma como piscou lentamente e meneou a cabeça. Pegando o telefone, Justin tirou o pequeno fichário da escola de pós-graduação de sua pasta. Ele achou o número que queria e discou. O telefone tocou três vezes antes de seu ex-orientador acadêmico atender. – Stephen Ramsey. – Dr. Ramsey, aqui é Justin Maxwell. – Dr. Maxwell agora, não é? Justin não conseguiu conter o sorriso vagaroso. – Pois é. Imagino que sim. – Como você está sendo tratado pelo mundo real? – Primeiro dia no novo emprego e eu tenho um problema profissional. GRACE ENRIJECEU. O quão ofensivo aquele sujeito poderia ser? Fui de alguém que poderia arruinar sua vida para então ser rotulada como um problema profissional? Ela começou a se levantar. Justin colocou a mão sobre o bocal do fone. – Sente-se. – Grrrr. – Mas que droga, Grace. Deixe-me consertar isto. – Ele voltou a se concentrar na ligação. – Certo. Tenho uma ex-aluna aqui estagiando comigo. Ela e eu… – Ele apoiou o cotovelo na mesa e pousou a cabeça na mão. – Não é um ajuste desejável, dr. Ramsey. Quais são as chances de eu realocá-la? – Sabese lá qual foi a resposta do outro lado da linha, mas Justin só balançou a cabeça. – Não. Ela precisa cumprir 80 horas de prática para se formar. – Uma pausa. – Sim, senhor. Ela já fez as eletivas. Grace permaneceu sentada lá, a raiva alimentada pela adrenalina fazendo seu sangue praticamente ferver. Ele estava tentando realocá-la. Nenhuma conversa. Nenhuma negociação. Só blá-blá-blá obrigado, senhorita, agora ache um novo lugar para trabalhar, assim você não estraga minha vida. Talvez ela não fosse precisar do estágio mais porque estava prestes a matá-lo. Mortinho.
– Não, senhor. Prefiro não entrar em detalhes. Digamos apenas que acredito que seria do melhor interesse dela que outra pessoa a orientasse. – Justin fez uma pausa. – Não, senhor. Tenho capacidade para tal, mas… – Ele parou de novo, a mão segurando o fone com tanta força que os nós dos dedos branquearam. – Entendo. Obrigado pela ajuda. Grace ficou observando quando Justin desligou o telefone com precisão antes de girar a cadeira lentamente para encará-la. – Estamos presos nisto, Grace, por isso simplesmente vamos ter que encontrar um jeito de fazer nosso melhor. Serão apenas dez dias. Ela olhou para o relógio genérico pendurado em uma parede. Duas semanas de trabalho. Dez dias úteis. Setenta e sete horas e oito minutos junto ao homem que a havia levado ao ponto mais alto e mais baixo do que qualquer outro sujeito já havia conseguido. E isso significava ficar vendo o homem cuja mente ela respeitava, cujo corpo ela cobiçava, cujo sorriso ela desejava, enquanto ele ajudava as pessoas. – E se eu desistir? Os olhos dele arderam. – Nem mesmo brinque com isso. – Se. Eu. Desistir. – Ele suspirou, esfregando o rosto e resmungando sua resposta. – Você teria de esperar até o próximo semestre e candidatar-se a um novo estágio. Não era uma opção. Grace precisava ir embora desta cidade. Ela havia guardado cada centavo de suas monitorias, cada trocado extra das verbas de bolsas de estudo e cada moedinha encontrada na calçada a fim de ter uma reservazinha secreta para sua mudança para Baltimore. Ela já havia comprado algumas peças-chave para seu guarda-roupa profissional e tinha o suficiente para garantir um apartamento pequeno, utensílios domésticos, um estoque na despensa e provavelmente uma cama decente. Era isso. Usar tudo para se reinscrever na faculdade? Não. Não era uma opção. Justin estava certo; eles teriam de fazer funcionar. Tirando o paletó, Grace se afundou mais ainda em seu assento. – Então, como é que você quer fazer isso? Justin semicerrou o olhar. – Você não levou cinco minutos para brigar comigo ontem e agora está de acordo com isso? Ela sentiu um aperto na garganta e lutou para engolir. – Sim. – Por quê? – Se eu arruinei sua vida, você me fez lembrar da coisa mais importante. – E o que é? – Sobrevivência. – Aquela resposta lacônica mal foi um sussurro, mas arranhou a garganta de Grace, como se tivesse sido um grito. Quando Justin a fitou com curiosidade, ela meneou um ombro. Se falasse, a voz trêmula e as palavras entrecortadas a delatariam. Ela nunca mais seria capaz de se perdoar se chorasse na frente dele. – Olha, a melhor coisa a fazer é encontrar outro mentor para você, alguém que possa dar uma nota imparcial. – Você pretende me deixar na mão? – Como é que é? Não! – Ele entrelaçou os dedos, olhando para eles por alguns segundos antes de falar. – Não. Eu daria a nota que você merecesse.
– Então eu vou ficar. – Ele abriu a boca, provavelmente para protestar, mas Grace se adiantou: – O que rolou entre a gente nunca deveria ter acontecido. Eu entendo isso. Mas não posso bancar mais um semestre na faculdade, Justin. Eu preciso arranjar um emprego, dar o fora daqui. Eu não posso fazer isso sem este estágio. – Isso parece errado para mim. – Se você não dá a mínima para nada senão para seu impulso narcisista de ser visto como alguém devoto e acima de qualquer suspeita, você vai entender que o melhor para mim é me deixar continuar aqui. Você contesta o fato de que parte da definição de certo e errado tem a ver com justiça? – Não. – Se isso for verdade, você acredita que é justo me punir, me fazer adiar minha vida por mais seis meses só porque você está bravo? – Ela lutava contra a vontade de limpar as palmas suadas na saia. – Eu estou com raiva porque você fugiu de mim. Não porque você está aqui. – Ele fechou os olhos e respirou fundo. – Você não arruinou a minha vida. – Palavras ditas não voltam. Não se corrigem. E é mais ou menos por isso que temos um emprego. Ele riu, abrindo os olhos azuis, tomados por uma emoção que Grace não identificava plenamente. – Você sempre ameniza a dor com humor? A verdade saiu antes que ela pudesse se conter: – Tenho medo do que poderia acontecer se eu não o fizesse. Ele inclinou a cabeça para um lado. – Do que você tem medo? Ela xingou-se mentalmente. De jeito nenhum que ela ia revelar a ele seu medo mais elementar. O condicionamento comportamental, a teoria de que todo comportamento era aprendido, sustentava que ela talvez não fosse capaz de amar porque sua infância não a havia condicionado a comportamentos amorosos. Será que isso era verdade? Será que as escolhas de sua mãe a haviam condenado a nunca experimentar o amor, ou nunca dá-lo ou recebê-lo? Grace lutava para manter a respiração lenta, mesmo sentindo o peito apertado e a recusa dos pulmões em trabalhar corretamente. De jeito nenhum que ela ia expor tais questões à avaliação de Justin, fosse esta profissional ou pessoal. Balançando a cabeça, ela riu com uma autodepreciação intencional. – Ah, não. Você não vai me usar para fazer um aquecimento nas suas avaliações. Investigue a cabeça dos seus pacientes, mas deixe a minha psique em paz. Sou perfeitamente feliz neste mundinho doido. – Eu só estou curioso. – Não, Justin. Nós não vamos discutir esse tipo de coisa. – Ela suspirou, escarrapachando em sua cadeira e esticando as pernas, os tornozelos cruzados. – Eu quero entender você. – Ele a observou por tempo suficiente para fazê-la se esforçar para não se contorcer em seu assento. – Não há nada para entender. Sério. – Ela girou a cabeça, alongando o pescoço. – Eu sou simples e direta. O que você vê é o que você recebe. Sempre. – Sem pretensões? – Isso. – A resposta lacônica foi direta e definitiva. – Eu não tenho nenhum interesse nisso. O olhar de Justin vagou sobre o corpo dela, demorando-se em seus sapatos. Ela os havia comprado numa loja de segunda mão e ficado surpresa por achar um calçado de grife em tão bom estado. Mas o
caramba que ela ia admitir que tinha comprado metade de tudo o que possuía em brechós. Não era da conta dele. Grace cruzou as pernas com um chute sedutor e inclinou-se para fitar os próprios sapatos. – Você parece ter uma quedinha pelos meus saltos. Desculpe. Eles não são do seu tamanho. Justin bufou, se estatelando mais na cadeira e apoiando as mãos na barriga – Eu adoro saltos altos. A forma como os olhos dele brilharam incitou um sorriso em Grace, apesar de sua falta de ânimo para jogar com ele. – Que gracinha. E só para constar, se vestir bem não é pretensioso. Chama-se segurança profissional, Doutor Eu-uso-terno-e-gravata. Ele meneou um ombro musculoso num gesto lânguido. – Eu não disse nada. – Nem precisou. Seus olhos delataram que você estava analisando minha roupa e meus acessórios. – Como faço para consertar isso, Grace, essa coisa entre nós? Por favor, me dá uma pista aqui. Ela não sabia o que dizer. Mesmo se estivesse cheia de confiança, não saberia se seria capaz de apresentar as palavras certas, palavras que não trairiam seu estado lamentavelmente frágil. Ela baixou o olhar para o colo e ficou brincando com a bainha da saia. – Não faça isso, Justin. Não agora. – Tem que ser agora. Eu não vou conseguir passar as próximas duas semanas lado a lado com você sem ficar me perguntando o que pode haver entre nós. E não posso ver você sair daqui a dez dias sem querer saber o que diabos eu poderia ter feito, sem me perguntar se eu deveria ter pedido perdão, pedido desculpas ou, que diabo, até mesmo me humilhado. – Você me magoou – sussurrou ela. – Depois de uma noite, você descobriu a coisa mais prejudicial que poderia dizer para mim, e então você disse. Não tenho certeza se podemos superar isso. – Não me castigue para sempre por causa da minha escolha descuidada de palavras. – Eu não estou punindo você. Eu estou me protegendo da chance de você ter dito tudo o que disse a sério. – Não foi isso. – Uma parte de você certamente foi capaz de enunciar que você considera nossa noite um erro. E não vou correr o risco de descobrir que esta parte é muito mais dominante do que você imagina. – Grace… – Não. Ouça-me. – Ela juntou as mãos. – Eu não lhe devo minha história mais do que você me deve seu futuro. – Uma vida inteira de abusos verbais nunca pesara mais do que naquele momento, mas ela estaria ferrada caso compartilhasse isto com Justin. Grace não queria qualquer tipo de empatia ou dó da parte dele. – Você vai ter que aceitar e respeitar que tenho meus motivos. Este fator não é negociável, então não há nada para se discutir. Aprumando-se na cadeira, ele se inclinou para frente e apoiou os braços sobre os joelhos. Encostou o queixo no peito. – Como é que chegamos a este ponto, Grace? O silêncio se estendeu entre eles, pesado e sombrio. O ar-condicionado acionou, a vibração do respiradouro criando uma percussão pesada no escritório silencioso. – Justin – disse ela, ao mesmo tempo que ele disse “Grace”.
– Você primeiro – insistiu ela. Erguendo o rosto para o dela, Justin assentiu brevemente. – Que tal almoçarmos juntos? – Almoçar? – Ela olhou para o relógio. Seu estômago roncou no segundo em que ela percebeu que era meio-dia. – Não tenho certeza se é uma boa ideia… – Vai ser rápido porque temos de estar aqui e nos preparar para receber nosso primeiro paciente dentro de uma hora e meia. – Ele se levantou e ofereceu-lhe a mão. Grace levantou-se sem aceitar a ajuda e vestiu o paletó. – Vai ser apenas um almoço. Uma decepção fugaz reluziu nos olhos de Justin antes de ele conter sua reação. – Tudo bem. Como colegas. O medo e o desejo se digladiavam no peito dele, saltitando entre os pulmões e ferindo-o antes de se entregarem a uma queda livre. Ambos caíram, colidindo em várias emoções no caminho, e não pararam até atingir as solas dos sapatos de Grace. – Tudo bem. Justin abriu a porta. – Depois de você. Ao caminhar, as emoções de Grace deixaram seus saltos altos e se alojaram em seu ventre. A tensão que emanava dentro dela dizia que aqueles sentimentos exauridos estavam preparados para explodir, numa anarquia que exigiria uma tropa de choque. Os olhos dela se encheram d’água diante de uma emoção em particular, uma que ela não estava disposta a citar abertamente. Ela temia que pudesse ser remorso.
Capítulo 8
NADA ESTAVA tomando o rumo que Justin queria. Nem perto disso. Perceber o nó na voz de Grace, ouvir as acusações nas palavras dela, testemunhar a dor em seus olhos… aquilo acabava com ele. Justin tinha esperanças de que a mágoa que havia lhe causado fosse superficial. No entanto, era o que estava por baixo dela que o incomodava. Abaixo daquele verniz doloroso havia um poço de danos emocionais que Grace não fora capaz de esconder. Ele não sabia quem ou o que havia causado isso, embora tivesse a intenção de fazer o seu melhor para descobrir. A única certeza dele era de que Grace não tinha fugido no dia anterior. Ele a havia estimulado a ir embora. E a responsabilidade de seus atos o deixava com a sensação de que ele estava afundando mais rápido do que um sujeito com cimento nos pés e atirado no Rio Hudson. Só havia uma coisa a fazer. A partir de agora, ele ia seduzir Grace. Não seduzi-la com danças sugestivas ou beijos apaixonados que a fizessem afirmar que seus encantos seriam momentâneos. Não, ele ia oferecer pequenos mimos, pequenas palavras de bondade, gestos de carinho, o que fosse preciso para levá-la a perceber que ele era um homem melhor do que havia demonstrado até então, e que ele não estivera falando sério quando dissera que ela arruinara sua vida. Grace era inteligente. Não demoraria muito para juntar as peças. Justin só precisava descobrir como demonstrar o que aquela noite de sábado tinha significado para ele. Ele imaginava que o almoço era um lugar seguro para se começar. Certamente tinha sido um convite espontâneo, mas que rendera uma oportunidade imediata de começar a mostrar a ela quem ele realmente era, o homem que ele havia se tornado ao longo dos anos, e não o punk egoísta que ele fora certa vez. – O que você gostaria de almoçar, Grace? Os estalos dos saltos na piso do velho prédio comercial soaram altos no corredor silencioso, e ele a ouviu vacilar em seus passos diante da pergunta. Ela desacelerou. – Eu achei que você tivesse algum lugar em mente. – Não. Pensei em deixar você escolher. – Eu não estou totalmente familiarizada com esta região, então prefiro que você recomende. Bem, a coisa não estava funcionando da maneira como ele esperava. – Um lanche ou você prefere sentar para uma refeição?
– Qualquer coisa que custe menos de cinco pratas. Eu só tenho isso no momento. Justin teve uma ideia espontânea, e então, em vez de analisá-la, simplesmente entrou em ação. – Venha. Se a gente pegar o ônibus 12, vamos ter muito tempo. – Você veio de carro? – Aquele carro que usei no sábado era emprestado de um amigo. Eu ainda não tenho um. Tenho esperanças de que este quadro vá mudar na semana que vem. – Ele acelerou o passo, sem dar a ela a oportunidade de questioná-lo ainda mais. Suas pernas longas devoravam o chão e obrigavam Grace a praticamente correr para acompanhá-lo. Ela não vacilou, nem se queixou. Eles conseguiram pegar o ônibus, mas só porque correram. Todos os assentos estavam ocupados, então eles se agarraram aos puxadores do teto e seguraram com firmeza assim que o ônibus deu uma guinada para se juntar ao tráfego. Grace deu uma sacudida, e seus seios roçaram em Justin. Ele fechou os olhos por um segundo e conseguiu não gemer. Praticamente. – Desculpe – murmurou ela, afastando-se. O desejo de pôr a mão na curva delicada dos quadris dela e de puxá-la para si o dominou. Ele queria abraçá-la contra seu corpo, aninhá-la e aspirar seu cheiro, sentir o bumbum dela roçando de encontro a ele enquanto o ônibus sacudia nas ruas irregulares. Pigarreando, ele ofereceu-lhe um sorrisinho. – Sem problema. Ela corou e desviou o olhar. Ele enganchou um dedo sob o queixo dela e gentilmente a fez encará-lo. – É sério. Sem problema. – Você prometeu um almoço. Apenas um almoço. – A voz foi suave como veludo, mas com um tom implícito duro como aço. – E prometi mesmo. Mas não prometi que não ia reagir ao seu toque. – Então eu não vou tocar em você. – Pior para mim. – Ele deu um passo ínfimo para trás, ignorando os olhares curiosos das pessoas mais próximas. Grace contraiu as sobrancelhas quando olhou para ele. Ela abriu a boca para dizer alguma coisa, quando a voz pré-gravada veio do sistema de som, anunciando a próxima parada. – É a nossa. – Justin cedeu à tentação e colocou a mão no recuo da cintura de Grace, guiando-a para a frente. Ela se afastou um pouco. – Tenho certeza de que sou capaz de sair do ônibus sozinha, mas obrigada. – Só estou tentando ser cortês. – E não era uma bela mentira? Ele queria tocá-la de qualquer maneira que o momento permitisse, sem ligar se alguém poderia testemunhar o ato. Era um gesto inocente que lhe dava permissão para colocar as mãos nela. Ele se contentaria com isso. Por enquanto. – Obrigada. – Claramente desconcertada, ela desceu do ônibus e postou-se ao lado para esperar por ele. – Para onde? – Descendo o quarteirão. O restaurante fica naquela encruzilhada – disse ele, apontando. O pequeno restaurante azul e branco cromado ao estilo anos 1950 era um marco no Capitol District. Situado na Broad Street e aberto 24 horas por dia, estava sempre cheio. A clientela era diversificada, e ia desde políticos até garis. A comida era incrível e sempre fazia os clientes voltarem. Justin sabia disso. Sua mãe trabalhava lá, e ele tinha praticamente crescido no lugar.
A ideia de apresentar sua mãe a Grace o deixava um pouco desconfortável, mas tudo bem. Ele queria que Grace percebesse que ele estava bem ciente de como tratar as pessoas, as mulheres em particular. Ele não gostava do fato de ela parecer considerá-lo um insensível. Deus sabia que ele o havia sido no passado. Não sou mais aquele garoto. O mantra interveio em sua conversa mental. Ele tinha aprendido a se lembrar das más escolhas que havia abandonado de vez, bem como das recompensas que aprendera a buscar. Sua pós-graduação só havia acontecido graças ao programa do Segunda Chance e à mulher que Grace estava prestes a conhecer. Justin até podia estar tenso, mas também estava muito orgulhoso. Sua mãe era incrível. Ele nunca tinha levado nenhuma namorada ao restaurante, embora ele supusesse que aquilo não fosse exatamente um encontro amoroso. Se ele tivesse que esclarecer as coisas com Grace, sem dúvida ela lhe lembraria que era “apenas um almoço”. Ainda assim, sua mãe iria entender. – Terra chamando Justin. O olhar dele a encontrou subitamente enquanto eles aguardavam para atravessar a faixa de pedestres. – Desculpe. O que foi? – Como você encontrou este lugar? – É meio que um marco. O dono e gerente do restaurante é um irlandês rabugento que tem na sua equipe as melhores garçonetes da cidade. E se vale a lembrança, eu lhe devo um pedaço de torta. Uma torta boa. Não existe nada melhor do que a torta de creme de chocolate que servem aqui. Grace corou e levou a mão ao pescoço. – Você não me deve nada. – Eu sempre pago minhas dívidas, e digo que lhe devo a torta, então pronto. Teremos torta. O sinal abriu para os pedestres e eles atravessaram a rua, daí seguiram para o restaurante. Justin abriu a porta e guiou Grace para dentro. – Sente-se onde achar mais confortável. Hesitando brevemente, ela foi até uma baia perto de uma das janelas imensas e acomodou-se à luz do sol. Os raios brilhavam em seu cabelo, realçando os tons intensos de ruivo e os fios dourados escondidos nas profundezas escuras. A luz brincava no rosto dela, aquecendo os tons pálidos e fazendo a pele parecer quase translúcida. O sol também lhe iluminava os olhos, transformando o tom verde numa piscina sem fundo de pura cor. Quando Grace percebeu que Justin a estava observando, ela desviou o olhar. – Deixe-me ser sincera, tá bom? Eu não tenho ideia do por quê você me convidou para almoçar. Talvez você esteja tentando aliviar a culpa que tem cultivado desde o sábado à noite ou desde aquelas palavras de domingo. Talvez você esteja tentando se restabelecer como um cara legal. Talvez… – Chega – disse ele, calmo porém firme, assim que sentou-se diante dela. – Pare com isso, Grace. – Perdão? – Você me ouviu. Pare com isso. – Ele pegou um cardápio e o deslizou na frente dela, lutando contra o desejo de curvar os ombros. Ela ia decifrá-lo tão facilmente quanto uma porcaria de um livro. – Eu queria almoçar com você. Você concordou em almoçar comigo. Isso é o suficiente. – Por enquanto. – E embora eu não tenha trazido você para comer e beber num cinco estrelas, a comida daqui é excelente. Ela franziu a testa.
– E a companhia? Espiando o balcão de sobremesas, ele contraiu os lábios antes de deixar que um sorriso se abrisse em seu rosto. – Na verdade, a pior coisa no cardápio pode ser melhor do que a companhia rançosa. A risada dela ecoou. – Devidamente anotado. O som da risada de Grace o chicoteou como um vento quente. Justin queria ouvi-la novamente, faria quase qualquer coisa para ouvi-la novamente. Uma das garçonetes apareceu e piscou para ele, meneando a cabeça para Grace. Foi aí que Justin se deu conta. Trazer Grace ao restaurante era equivalente a convidá-la para jantar com toda sua família, e não apenas expô-la à sua mãe. Os funcionários do Broad Street Diner eram sua família há mais de 15 anos. Eles entraram em cena para cuidar de sua mãe e de suas irmãs após o assassinato de seu pai. As garçonetes se revezaram para servir de babás para suas irmãs quando Justin estava envolvido na própria tristeza e não servira de nenhuma ajuda para sua mãe. Todos cooperaram para dar presentes de Natal e aniversário às crianças. E concederam turnos extras para simplesmente ajudar sua mãe a aumentar a renda e assim dar conta das despesas, sendo que eram todos tão carentes quanto a família Maxwell. Aquela culpa familiar pelas escolhas que ele tinha feito há muito tempo lhe causaram um arrepio na nuca. Justin não tinha sido um garoto exemplar. E momentos como este, em que o passado se esgueirava e o surpreendia, o irritavam demais. Ele pagara por seu comportamento egocêntrico, decisões precipitadas e momentos mais sombrios. Rapaz, como pagara. Não fazia sentido deixar que isto o perturbasse agora. Ele esfregou a tatuagem que contornava seu bíceps esquerdo, lembrando-se da picada da agulha. – Justin? Ele levantou a cabeça. – Seu braço está doendo? – O quê? Ah. Não. Está tudo bem. – Ele olhou acima da cabeça de Grace e flagrou sua mãe conversando com uma cliente junto ao balcão. Daí assobiou baixinho. Ela desviou os olhos castanhos da cliente. E os mesmos olhos se enrugaram com o sorriso automático, e fizeram Justin se calar. A profundidade suave dos pés de galinha era nova. Era? Ou ele só não tinha notado? Quando ela havia começado a aparentar o envelhecimento? – Justin! – Oi, mãe. – Justin sentiu o baque do olhar arregalado de Grace. Ele a fitou de soslaio e deu um sorriso de canto de boca. – Esqueci de mencionar que minha mãe trabalha aqui? RESPIRANDO FUNDO, enquanto prometia silenciosamente a si mesma que o mataria lentamente com um removedor de grampos e um abridor de cartas assim que eles retornassem ao escritório, Grace se levantou e encarou a mulher diminuta com o máximo de compostura que conseguiu reunir. – Sra. Maxwell? Sou Grace Cooper, ex-aluna do seu filho. – É um prazer conhecê-la, Grace. Por favor, me chame de Darcy. Café? Chá quente? Refrigerante? – Chá quente seria ótimo. – Grace foi atraída pelo calor e sorriso sincero de Darcy. Justin se levantou e acompanhou a mãe através do corredor estreito e ao redor do balcão, tomando-a num enorme abraço de urso. Grace se viu totalmente desconcertada ao se perguntar como uma mulher
tão pequenina fora capaz de dar à luz e criar um sujeito tão alto e musculoso como Justin, particularmente quando ele a carregou e girou em seu colo. – Ponha-me no chão, seu grande bobo. – Feriu meus sentimentos, mamãe. – Vou buscar meu cortador de pizza e mostrar o que é um ferimento. – Darcy sacudiu os braços. – Quer leite no chá? – perguntou ela a Grace calmamente enquanto ajeitava as mechas de cabelo do coque. – Por favor. – Ela ganha um “você gostaria de leite com isso” e eu ganho um chute? – Justin agarrou Darcy outra vez lhe deu um beijo estalado na bochecha. – Sou seu filho, mãe. Seu filho. – Você é um pé no saco, isso é o que você é – reclamou ela com bom humor, escapulindo para preencher uma caneca com água quente com destreza e pegar um saquinho de chá. Depois se afastou, movimentando-se rápida e certeira para anotar mais um pedido, encher canecas de café e servir o chá de Grace enquanto Justin retornava para a baia. Grace rolava o saquinho de chá entre os dedos. Ela odiava aquela marca, mas não tivera coragem de pedir outra coisa a Darcy. – Você não tem que olhar o cardápio? – perguntou ela a Justin. – Só serviria para ela me bater com ele – disse Justin olhando para trás antes de concentrar sua atenção em Grace, dando um sorriso e um meneio de cabeça. – Já comi tudo o que tem no cardápio pelo menos uma vez, por isso estou familiarizado com o que tem nele. – Ele estremeceu. – Até mesmo o bolo de carne. – Meu bolo de carne é o melhor, garoto – berrou o cozinheiro de lá da janelinha da cozinha. – Seu bolo de carne tem cordeiro. A receita de bolo de carne não leva cordeiro, Shamus. – Leva, sim, se você for irlandês. – Você sabe que eu faço um tipo muito mais nova-iorquino. – Mas ainda é um espertinho. – Sempre um espertinho – intercedeu Darcy, colocando uma xícara de café na frente de Justin antes de lhe acariciar o cabelo. – Então, como está sendo seu primeiro dia como dr. Maxwell? Justin respondeu e as brincadeiras continuaram enquanto Grace mexia seu chá, as vozes dos comensais criando ruídos brancos em sua mente errante. Ela ficara absurdamente atordoada desde o instante em que Justin assobiara para Darcy. Aquele pequeno microuniverso poderia ter saído diretamente de um de seus sonhos de infância, aqueles nos quais ela crescera amada, estimada e fazendo parte de uma família. Onde as pessoas ficariam ansiosas para encontrá-la. Ela teria dado qualquer coisa para fazer parte daquele… daquele… cenário de seriado. Era isso que aquilo tudo era. Um cenário de seriado. E Grace sentia como se tivesse que aguardar pela claque e pelos intervalos comerciais. Como isso poderia existir bem diante dela e ao mesmo tempo estar tão fora de alcance? – Grace? Ela piscou e ergueu os olhos para encontrar Darcy parada ao seu lado. – Seu saquinho de chá está se desfazendo, querida. – Certo. Darcy levou a xícara embora e voltou com uma nova cheia de água quente – e um novo pacotinho de chá da mesma marca do anterior.
– Obrigada. – Fechando os olhos por uma fração de segundo a mais do que uma piscadela, Grace tomou coragem para abordar Darcy. – O que você recomendaria hoje? – Como se não houvesse um quadro com os especiais do dia na porta – resmungou alguém atrás dela. – Olhe a boca, sr. Kapps. – A censura branda de Darcy rendeu um pedido de desculpas imediato. Balançando a cabeça, ela olhou para Grace. – Somos famosos por nossos hambúrgueres. – E Shamus corta um belo bife – Justin entrou na conversa. – Você está depreciando minhas raízes irlandesas, Justin? – berrou o sujeito moreno outra vez da janela da cozinha. – Suas… raízes… irlandesas. – Justin urrou de rir. O cozinheiro piscou e então, aparentemente entrando na brincadeira, riu junto com ele. A deixa para a claque. – Ah, vocês dois… – Darcy fungou, seu olhar alegre deslocando-se para Grace. – Você tem algum problema com hambúrgueres? – Passei tanto tempo na faculdade que esqueci que poderia existir outra coisa além daquela massa de soja politicamente correta. Darcy riu, enfiando o bloco e a caneta num bolso do avental. – Shamus, faça um cheesebúrguer com bacon para a garota, com batata frita extra. – Grace não percebeu que tinha destruído mais um saquinho de chá, até Darcy recolher a segunda xícara. – Acho que refrigerante combina mais com hambúrguer e batatas fritas do que chá, e por sinal, esta marca também não é minha favorita. – Grace lançou-lhe um sorriso tímido. – Obrigada. Qualquer coisa que não seja dietética está ótima. – Já trago. – Darcy deu meia-volta, toda contida nos movimentos e amável nas palavras enquanto contornava o balcão, fazendo uma pausa para pegar o pagamento de uma mesa de caminhoneiros que se preparava para sair. – Ela é sempre assim? – Grace se perguntou se a dor em sua alma se traduziu no vazio de sua voz. – Assim como? – Justin se inclinou ao redor dela para olhar para sua mãe. – Garçonete ou mãe? – Os dois. – Sim, é. Ela nunca desliga, particularmente do modo mãe. É por isso que ela é tão popular aqui. Pessoas de todas as esferas da vida vêm para cá e aguardam para serem atendidas por ela. – O orgulho brilhou nas palavras do filho. Mãe. Justin estendeu o braço e segurou as mãos de Grace. – Ela é assim tão diferente da sua mãe? Como ele, mais uma vez, conseguira fazer a pergunta capaz de despedaçar a ilusão de Grace? Ela colocou as mãos no colo, debaixo da mesa. – Minha mãe? Justin se acomodou na cadeira e ficou brincando com seu canudo enquanto a fitava com olhos azuis pálidos. – Sim. O que ela faz? – Ela trabalha na Glennmore Enlatados. – Pronto. Casual e vago. Ela poderia ser qualquer coisa lá, desde a CEO até a faxineira. – Certo.
A vontade de perguntar por que Justin simplesmente aceitara sua resposta a irritou, mas Grace não queria incentivar aquele assunto em particular. Ela não tinha mentido sobre quem era ou de onde vinha, mas também não estava inclinada a se expor à análise minuciosa de alguém que vinha de um autêntico tesouro de riquezas emocionais. Às vezes era mais sábio simplesmente se agarrar aos tons de cinza da vida. Cutucando a cutícula, ela se esforçou para manter o mesmo volume de voz: – Como você acabou cursando psicologia? – É uma longa história. – Ele deu de ombros, como se dissesse olho por olho. Olhando em volta para certificar-se de que Darcy não estava por perto, Grace se inclinou para frente. – O que estamos fazendo aqui, Justin? Como é que eu estrago sua vida e, ainda assim, ganho um pedaço de torta? Ele arqueou uma sobrancelha e cochichou: – Estamos almoçando, srta. Cooper. Pelo que eu entendo, colegas almoçam juntos de vez em quando. Não há nada de nefasto na oferta a ponto de qualquer pessoa, seja no escritório ou fora dele, considerar isto um perigo. – Isto não é só um almoço – respondeu ela num sussurro. – É comida em um restaurante na hora do almoço, por conseguinte, é um almoço. – Ele deu um meio sorriso. – Por conseguinte? – Por conseguinte. Agora, se você relaxar, vou lhe dar aquele prometido pedaço de torta famoso da minha mãe de sobremesa. – Eu tenho cinco pratas, Justin. Só o hambúrguer vai custar mais do que isso. – Eu pago. – Não, você não vai pagar. – Eu convidei você para sair no domingo, antes da nossa guerra nuclear, e você concordou. Nós só trocamos o dia. Portanto, relaxe. Este foi um dos nossos acordos negociados previamente. Pega totalmente desprevenida, Grace sorriu. – Combinado. Justin se aproximou e colocou uma mecha de cabelo dela atrás da orelha. – Combinado – repetiu ele, baixinho. – Os hambúrgueres estão prontos, Darcy – berrou Shamus. E Grace não conseguiu evitar se perguntar com o que mais exatamente ela havia concordado além da torta.
Capítulo 9
SE ALGUMA vez existiu um momento de pesar gastronômico, Grace o encontrou durante o segundo em que o último bocado da melhor torta de creme de chocolate do mundo deslizou por sua garganta. Ela não queria que a experiência terminasse. Sim, era apenas torta, mas era uma torta incrível. Era acetinada, delicada e doce, tudo envolvido na massa mais leve e decorado com o pico de creme mais alto. E agora tinha acabado. Presa entre o desejo de lamber o prato e gemer por excesso de indulgência, Grace olhou para Justin. – É errado realmente sofrer por causa do fim de uma fatia de torta? – Não quando é a torta da minha mãe. – Justin lambeu o garfo antes de apoiá-lo em seu prato vazio. – Ela é uma tremenda mestre confeiteira. – Eu quero mais uma fatia, mas vou morrer se mais um pedaço de comida passar pelos meus lábios. – Baixando o garfo, ela escarrapachou até a cabeça descansar no apoio do assento. – Você não pode ter comido assim todos os dias. Você teria entrado num coma diabético. Ele bufou uma risada e balançou a cabeça. – Nada. A gente não tinha direito a sobremesa o tempo todo. – Por quê? – Porque era assim. – Ele puxou o colarinho da camisa, o pomo de adão movimentando-se. – E você? Sua mãe era uma boa cozinheira? A visão de sua mãe na cozinha era tão absurda que Grace não conseguiu conter o riso amargo que cortou o silêncio momentâneo entre eles. – Minha mãe não cozinha. Justin ergueu as sobrancelhas. – Nada, nada? – Nada, nada. – Grace passou as mãos pelas laterais do corpo e um choque elétrico a atingiu quando Justin acompanhou o movimento com o olhar. – Esse corpinho foi conquistado com comida enlatada. – Obrigado, comida enlatada – disse ele em voz baixa, o olhar fixo nos seios dela. Grace sentiu o calor desabrochar dentro de si, feminino, decididamente sexual e totalmente indesejado. Ela se remexeu em seu assento, esfregando as coxas enquanto ansiava loucamente por uma
resposta impetuosa, algo engraçado e adequado para o momento, algo que lhe daria a última palavra. Justin se inclinou para frente e cruzou os braços sobre a mesa. – O que eu estou pensando é tão errado. Decididamente nada profissional. Aquilo servia. Justin tomou uma das mãos de Grace, abrindo os dedinhos dela, um por um, até a palma ficar exposta. Daí passou o dedo gentilmente ao longo da palma, primeiro pelas linhas longas, depois pelas curtas. Ela contraiu a mão. – Isso faz cócegas. Ele a encarou, os olhos semicerrados. – Eu realmente quero… – Vocês dois querem refil do refrigerante? – perguntou Darcy, parando junto à mesa. Justin soltou a mão de Grace e se inclinou para trás casualmente. – Nós estamos bem, mãe. – Será que outra mãe conseguiria ser mais inconveniente durante um encontro? – Darcy pousou a cafeteira na mesa e passou a mão na testa. – Peço desculpas. – Está tudo bem, Darcy. Mesmo. Isto não é um encontro. – Grace pousou as mãos no colo, mas conseguiu evitar contorcê-las. A ânsia de explicar que nada de inconveniente vinha acontecendo pairava na ponta da língua, mas daí seria uma mentira. Justin vinha tentando seduzi-la. Inferno, se ela fosse ser sincera mesmo, ele a estava seduzindo desde o momento em que a convidara para almoçar. Ele só não tinha percebido isso. Como poderia? Como ele poderia compreender o que significava para Grace fazer parte daquele microcosmo de normalidade, onde o amor, as risadas e as refeições partilhadas eram comuns? Como ele poderia até mesmo fingir compreender o que significava para ela experimentar sua afeição crua? Coisas que eram tão corriqueiras para ele eram nada menos do que desejos para ela, e isto deixava ambos imensuravelmente distantes na escala do ter e do não ter. Justin era rico de maneiras que Grace sempre fora pobre, e apesar da neblina sexual crescente, aquilo incomodava. – Provavelmente é melhor a gente ir para o ponto de ônibus. Não quero voltar atrasada do almoço logo no primeiro dia. – Grace teve a intenção de dar um sorriso alegre, mas soube que na verdade acabara oferecendo algo mais próximo da morbidez. – Não se incomodem comigo – Darcy praticamente implorou. – Vou dar privacidade aos dois. Apenas avisem se vocês precisarem de alguma coisa. – Sério, mãe, estamos bem. Temos uma reunião, e eu quero me preparar. – Ela assentiu para Justin e forçou um sorriso. – Eu a encontro no escritório? Darcy arrumava a mesa distraidamente. – Eu gostaria de compensar isso. Jante conosco na quarta-feira. Grace ergueu o queixo tão depressa que o gesto quase rendeu o som de uma chicotada. – Mesmo, você não precisa… – Que bobagem. – interrompeu Darcy. – Ao mesmo tempo que agradeço por Justin ter trazido você aqui, não é tão acolhedor quanto recebê-la em nossa casa e dividirmos uma refeição. O tom dela foi tão firme, tão cheio daquela energia parental misteriosa, que Grace não soube nem como discutir.
– É uma ótima ideia. – Justin encontrou o olhar de Grace, seus olhos azuis inocentes parecendo provocá-la a desafiar sua mãe. – O que você vai preparar para a gente? – Pelos olhares arregalados, a pergunta repentina de Grace surpreendeu a todos. Inclusive ela mesma. Darcy se recompôs primeiro. – Bem, imagino que a escolha seja sua. Justin olhou para as duas. – O que acha de um empadão de frango? – Caseiro? – Isso. – Nunca comi. – Aquela confissão foi difícil de algum modo. Justin olhou Grace de súbito e a avaliou uma com uma curiosidade explícita. – Você nunca comeu empadão de frango? – Caseiro não – respondeu ela obstinadamente, perguntando-se o que diabos a incomodava tanto. Era como se ela estivesse experimentando a própria versão de Alien bem ali no restaurante. Ou de O exorcista. – Não. Justin a observava silenciosamente enquanto Darcy tomava o controle da conversa: – Isso resolve, então. Justin pode buscar você antes do jantar e… – Você poderia me ensinar a fazer empadão? – A pergunta baixinha de Grace fez Darcy silenciar-se de repente. A mãe de Justin deu um sorriso gentil. – Chegue uma hora e meia mais cedo então, certo? Digamos, às 17h30? As meninas vão estar em casa a esta hora, então a cozinha pode ficar um pouco apertada, mas eu sempre acreditei que uma cozinha cheia é sinal de um lar feliz. E na verdade, Justin faz um empadão melhor do que o meu. Ele pode ensiná-la. JUSTIN NÃO poderia ter planejado melhor caso tivesse tentado, pois conseguira fazer Darcy encurralar Grace para jantar em sua casa. Claro, um jantar com sua família não seria nada sexy, mas seria inegavelmente íntimo. E isso significava que ele tinha conseguido fazer Grace se comprometer a passar mais tempo com ele fora da empresa. Ele ia ensiná-la a cozinhar e aproveitar para bater papo. Todo o impulso mental parou naquela curva em particular. A expressão de Grace quando ela pedira a Darcy para ensiná-la a receita, a forma como sua voz quase ficara presa na garganta… tudo era mais uma evidência da fragilidade de Grace. “Comida enlatada”, dissera ela logo após rir de um jeito amargo quando Justin perguntara se a mãe dela cozinhava. Era evidente que a mãe dela fora ausente, mas como? Por quê? Ele queria proteger Grace de qualquer pessoa que lhe causasse dor, mas no momento isto incluía ele também, então Justin teria de ser cauteloso. – Justin? Ele voltou a concentrar-se nela. – Hein?! Um leve sorriso brincou nos lábios de Grace. – Se não sairmos agora, vamos nos atrasar.
– Certo. – Colocando-se de pé, ele deixou um pouco de dinheiro na mesa. – Estou caindo fora, pessoal. Um coro de despedidas soou, e ele acenou distraidamente antes de capturar a expressão de Grace. Ele fez uma pausa antes de olhar para trás para ver se havia algo de errado ali. Nada. Justin franziu a testa. – O quê? O que foi? Ela balançou a cabeça, o olhar fixo no chão. – É claro que tem algum problema. Desembuche. – Gesticulando para Grace sair primeiro, ele a acompanhou restaurante afora. Observar o bumbum empinado dela rebolando sob a saia-lápis era reconhecidamente uma tortura. Justin permitiu que Grace mantivesse o silêncio até eles chegarem ao ponto de ônibus. – Você vai ter que se comunicar comigo em algum momento, Grace. E poderia muito bem começar agora. Quando finalmente respondeu, ela simplesmente olhou para a rua, como se estivesse aguardando por um vislumbre do ônibus. – Eu não tenho nada para conversar com você, a não ser sobre o estágio. Quanto mais cedo você colocar isso na cabeça, mais satisfatório este trabalho temporário será para nós dois. Uau, aquilo doeu. – Certo. No entanto, tem um problema nessa visão limitada das coisas. Ainda olhando para a rua, ela respondeu de forma desinteressada: – Qual? Mas o modo desinteressada não servia a ele. Justin a contornou e a tomou nos braços num movimento fluido. A boca encontrou a dela antes que Grace pudesse expressar seu protesto. Ele agiu com uma intenção clara e sem pensar em quem pudesse estar nas proximidades. Era irrelevante. Justin queria mostrar a ela o que o momento significava para ele. Era como uma compulsão que o levava a seguir de forma impensada até onde seu coração guiava. Que as coisas ocorressem independentemente de suas consequências. Ela emitiu um som ininteligível mesmo enquanto agarrava o paletó dele, puxando-o mais. Justin mergulhou na boca de Grace, a ânsia de ganhar a rendição dela estimulando-o, como se ele fosse um puro-sangue na reta final de uma corrida de apostas altas. Ele não aguardou por um convite. Em vez disso, simplesmente capturou o prazer e buscou oferecer o dobro em troca. Justin segurou a cabeça de Grace, correndo as mãos pelo cabelo dela, inclinando-a para ter mais acesso e para reivindicar o que lhe era tão essencial. Para poder oferecer a Grace o que ela queria. Um desejo carregado e exigente se ergueu tão logo Grace reagiu, fazendo Justin se grudar mais ao corpo dela. Sim. Isso. Mais. Com ela, ronronou a mente de Justin. Só ela. Lábios, dentes e língua, ele lutava para dominar o momento, para possuí-la. O hálito de Grace roçava no rosto dele, cada exalar escaldando-o, e sem dúvida marcando-o. Grace tinha gosto de torta de creme de chocolate, a mais pura tentação, cheirava a um convite para o pecado. Ele deslizou a mão ao redor da cintura dela e arrancou a camisa do cós da saia, erguendo apenas o suficiente para que pudesse roçar os dedos ali entre as peças. Aquele contato foi a ruína de Justin. – Grace – sussurrou ele junto aos lábios dela.
– Pare – chiou ela. – Pare com isso, Justin. – Empurrando o peito dele, ela deu alguns passos para trás, aos tropeços, e esfregou a própria boca. O cabelo era uma profusão de cachos soltos. As bochechas tinham um tom rosado que narrava um conto de paixão quase livre. Quase. Nem perto o suficiente. – Você disse que era só um almoço – queixou-se ela, arfante – Almoço. Todo o sangue de Justin estava concentrado na virilha, e seu cérebro não estava funcionando mais. – Nós almoçamos. – E estamos em cima da hora. A realidade explodiu dentro dele como uma bomba. – Você sempre prega essa coisa de fazer a coisa certa, diz que eu não deveria impugnar sua honra porque de alguma forma isso é território sagrado. – O peito dele subia e descia. O verde em seus olhos era selvagem. – Bem, você acabou de violar o código de ética, sem pestanejar, e fez isso logo depois de quebrar sua palavra para mim. – Você está certa sobre estamos em cima da hora. E igualmente certa sobre eu não estar sendo justo. – Ele deu um passo para mais perto. – Mas entenda isso, Grace Cooper: eu quero você. Eu desejei você durante anos, e agora que senti o gostinho, ficar parado ao seu lado não é o suficiente. Nem mesmo remotamente. O almoço não foi suficiente. O jantar não será suficiente. Obviamente eu a desejo mais do que você deseja, por isso minha função aqui é fazê-la mudar de ideia. Não espere que eu minta e fique aguardando sua adesão, pois nosso cronograma está apertado. Eu vou pressioná-la e irritá-la, sem dúvida. Mas no final? – Ele pôs um dedo sob o queixo dela e o levantou. – Você me faz perder a cabeça da melhor forma possível. Eu não estou disposto a abrir mão disso por causa de uma leve diferença de opinião. Você… essa coisa entre nós… vale a pena lutar por tudo, Grace. Quanto à minha ética? Eu conheço o que acabou de acontecer entre nós, e foi, é, maior do que qualquer documento. Nada vai mudar minha opinião. Ela abriu e fechou a boca, sem dizer uma palavra. – Tecnicamente estamos trabalhando juntos, não importa o quanto essa designação seja curta. Você não pode agir de acordo com todos os seus impulsos. Ele plantou os punhos nos quadris e fechou os olhos por um segundo, concentrado em desacelerar a respiração e recuperar o controle. – Você está certa. Estamos em cima da hora. Se você quiser me denunciar por assédio sexual, não vou contestar sua reivindicação. – O quê?! – exclamou ela. – Não. Eu só quero que você pense. Pense, Justin. E honre o que você disse que faria. – Eu nunca prometi nada. – Você disse que seria um almoço, como colegas. – A acusação foi ínfima, ausente da convicção que ele teria esperado. – E foi você quem disse que não havia nada entre nós. – Não há nada entre nós. Quando esse estágio acabar, eu vou para Baltimore. Permanentemente. Eu não posso me dar ao luxo de ficar me perguntando se essa coisa entre nós significou alguma coisa, Justin. Eu só vou conseguir ser feliz com uma ruptura limpa, então isso tem que parar. Você tem que parar. Ele fingiu alisar o paletó, lutando para manter as mãos firmes diante da menção de Grace a ir embora.
– Eis o seu erro. Eu não tenho que aceitar sua palavra como definitiva no que diz respeito a isso. Veja, a não ser que eu esteja enganado, aquele foi um beijo muito, muito apaixonado. Ou devo presumir que você oferece aquele tipo de deleite a todos os caras? – Você sabe que não! – Ela afastou o cabelo do rosto e olhou para a rua com desespero óbvio. – O ônibus está chegando – Ainda não acabou, Grace. Ela fechou os olhos e respirou fundo, de modo que seus seios se espremeram contra os botões da camisa. – Acabou, Justin. O que quer que você acredite que esteja acontecendo entre a gente, você está enganado. Grace virou-se de lado para entrar no ônibus antes que as portas se abrissem por completo. Justin a viu seguir para a parte traseira do veículo e tomar o único lugar disponível. Tudo bem. Ele o teria cedido a ela, de qualquer maneira. Mas ele não cederia a ela a satisfação de ouvi-lo dizer que estava tudo terminado. Não estava. Nem de longe. Ele não podia se dar ao luxo de perder o emprego e não ia fazer Grace perder o dela, mas ele nunca havia se sentido assim com nenhuma outra mulher. Dentro de duas semanas ela iria se mudar para Baltimore. Isso significava que ele tinha uma janela de tempo limitada para fazê-la mudar de ideia. E precisava assumir o risco, a ética que se danasse. Certamente ele sempre fizera o máximo para tomar o caminho mais diplomático em sua vida sempre que possível. Mas quando o resultado desejado não poderia ser alcançado através uma rota predeterminada, bem, às vezes isso significava assumir riscos e tomar caminhos mais questionáveis para se chegar até onde mais ele precisasse para alcançar a linha de chegada. E de uma forma meio estranha, o pessoal no Segunda Chance provavelmente compreenderia isto melhor do que a maioria. Entrando no ônibus, Justin acomodou-se perto do motorista. Isso não o impediu de se lembrar da pele lisa sob seus dedos apenas momentos antes. Falando nisso… Ele girou a mão, confuso por causa de um arranhão comprido e superficial ao longo de um dedo. O zíper da saia de Grace provavelmente estava com algum dente torto. Ignorando a ardência do corte, ele se entregou ao sacolejar do ônibus, pensando o tempo todo em seu próximo lance. Teria de ser ao mesmo tempo cauteloso e ousado. Uma combinação que nunca era fácil. Ele sorriu. Aquilo significava que qualquer que fosse sua ideia, seria memorável, esperançosamente de todos os jeitos certos. Todas as intenções teriam de ficar muito claras. Justin não estava disposto a desistir de Grace.
Capítulo 10
AS MÃOS de Grace tremiam. Ela não conseguia fazê-las parar enquanto pegava a ficha do paciente que viria às 13h30. Na segunda vez que derrubou os grampos da pasta, Grace a fechou e colocou as mãos no colo. Aquela… aquela… coisa com Justin tinha que parar. Ele não podia continuar a descontrolá-la, a levá-la para almoçar em um refúgio emocional e depois beijá-la de forma insensata no ponto de ônibus. No ponto de ônibus, pelo amor de Deus. Seus dedos acariciaram seus lábios entreabertos distraidamente quando ela se lembrou do jeito como ele a tomara, assumira a responsabilidade por ela e permitira que ela simplesmente aproveitasse o beijo. Ele tinha gosto de bacon. A barba rala estava começando a crescer no queixo, roçando em sua pele macia e tornando-a muito mais consciente da presença dele. As mãos dele tinham se emaranhando em seu cabelo, reivindicando o controle até mesmo do jeito como ela inclinava a cabeça. O coração de Grace disparara de encontro às costelas, e a pulsação pesada se acomodara entre suas coxas com um desejo físico indisfarçável. Ela o desejava Ela ainda o desejava. Justin a deixara carente de satisfação. E a protuberância orgulhosa em suas calças dizia que ele também não passara incólume. Caso estivessem em algum lugar mais privado, ela provavelmente teria dado uma de King Kong e escalado-o como se ele fosse o Empire State. Graças a Deus eles estavam em público. Grace não podia deixar a coisa ir mais longe e sair do controle. Ela não conseguiria se envolver mais e manter sua sanidade. E não podia nutrir a atração feroz entre eles e deixá-lo arruinar tudo no qual ela havia trabalhado ao longo dos anos. – Controle-se, Cooper – sussurrou ela, estendendo a mão para a pasta. – Com quem você está falando? Grace virou-se com tanta força que mandou a embalagem de grampos longe. Seu conteúdo se espalhou pelo chão, parte caindo sob a mesa e o restante pousando suavemente sobre os sapatos de Justin. – Rebelião do material de escritório? – Ele deu um sorriso torto enquanto fechava a porta. – Esta não me parece ser sua agilidade, Grace. Se você pretendia jogar algo em mim, eu teria esperado algo mais no estilo… ah, a cadeira. – Nota mental. O chefe espera abuso físico e destruição de propriedade.
Ele riu e balançou a cabeça, abaixando-se para pegar os grampos. – Eu verifiquei as anotações sobre nosso paciente que virá às 13h30. Ele tem alguns problemas sérios de gestão de raiva. Está sendo cortejado por uma das gangues mais violentas de Seattle e tem um registro impressionante de detenções. Assalto, danos ao patrimônio público, posse de arma de fogo roubada e tráfico. Foi este último motivo que o trouxe até aqui. Grace pegou um bloco de papel e começou a tomar notas. – Qual gangue? – Deuce-8. Ela parou abruptamente. Com olhos arregalados, se esforçou para não estremecer – Uau. – Sim. – Justin colocou os grampos da pasta perto de Grace. Respirando fundo, ele girou a cabeça, estalando o pescoço, antes de desabar em sua cadeira. – Nada melhor do que um batismo de fogo. – Eu não sou batista. Ele sorriu. – Nem eu. – Bem-vindo ao rebanho. A risada dele foi profunda e sincera. – Você me mata. – Segunda nota mental. O chefe me instruiu a matá-lo. – Ha. – Deslizando em sua cadeira, Justin cruzou as mãos sobre a barriga. – Vou arrumar a sala de terapia. Você pode me fazer um favor? Ela hesitou antes de responder. – Claro. – Nada nefasto – Tudo bem. – Eu quero que você tome algumas notas muito particulares. – Ele inclinou-se para frente, os braços apoiados nos joelhos. – Enquanto eu estiver conversando com ele, quero que você esboce discretamente todas as tatuagens que ele tiver. Vou apostar que ele tem uma boa quantidade e que nenhuma delas diz mamãe. – Certo. Elas vão ter significado – murmurou Grace, rabiscando. – Pode ser que a gente tenha de consultar um membro da unidade de gangues da polícia para descobrir o que elas significam. Ele não vai falar. Pelo menos não de pronto. E de alguma forma duvido que haja algo disponível para o público leigo nos guias de identificação de tatuagem amadoras. Não consigo imaginar que exista um grande apelo para esse tipo de coisa em livrarias locais. Justin estendeu a mão e tocou o joelho de Grace gentilmente. O calor subiu pelas pernas dela. Um gemido ficou preso na garganta. Os olhos dela foram dos dedos para o rosto de Justin. – Você está bem tranquila com isso. Isso é muito atraente. – É o meu trabalho permanecer calma e objetiva. – Se a voz dele estava grave e sexualmente carregada, a dela estava arfante como a de Marilyn Monroe. Os olhos de Justin brilhavam, as íris azuis ficando mais intensas conforme suas pupilas se dilatavam. Ele se acomodou na beiradinha da cadeira e cercou Grace. Apoiando as mãos nos braços da cadeira fixa dela, ele se inclinou e invadiu seu espaço pessoal.
– Eu estou deixando você tensa? – Você está me deixando louca. – A confissão escapou sem sua permissão consciente. – Louca está de bom tamanho para mim. – Você não pode simplesmente me beijar sempre que quiser, Justin. Ele arqueou uma sobrancelha. – E se você me beijar? – Não vai acontecer. – E por que isso? – O almoço foi um erro. Eu tento aprender com meus erros. Eu não vou te beijar outra vez. A surpresa lampejou no rosto dele. – Foi um erro? – Sim. – A resposta dela foi tão fraca, que Grace assentiu de modo vigoroso para deixar bem claro para ele. – Eu discordo. – Por favor, não faça isso, Justin. – O quê? – Não dificulte mais ainda para eu dizer “não” para você. O interfone tocou, e a voz da recepcionista preencheu o ambiente. – Gavin Stills está aqui, dr. Maxwell. Ele está aguardando no saguão. – Salva pelo interfone – murmurou ele. – Desculpe-me? – perguntou a recepcionista. – Nada não. Obrigado, Mallory. A voz da mulher caiu três oitavas. – Claro. – O telefone fez um clique quando ela desligou. Grace forçou um sorriso. – Parece que você tem uma nova admiradora. – A única admiradora que eu quero é você. – Ah, que encantador. – Ela soltou um suspiro profundo e fez um esforço colossal para evitar confessar o quanto queria dizer “sim” a ele, o quanto queria concordar em lhe dar uma chance. Em vez disso, o que ela disse foi: – Recomponha-se, dr. Maxwell. Seu primeiro paciente oficial está esperando. Era o melhor que Grace podia fazer para encerrar uma conversa que a estava desestabilizando, principalmente se considerasse o fato de que Justin parecia bastante composto. Ela era a única que estava desabando. A CABEÇA de Justin não estava exatamente no trabalho quando ele saiu do escritório, com Grace ao seu lado. Parte da mente dele estava concentrada no fato de ele estar atendendo seu primeiro paciente. Outra parte, talvez até maior, não conseguia tirar o foco da mulher ao seu lado. Ele queria finalizar aquela conversa com Grace em particular. Ao deixar daquele jeito, era como se as coisas que Justin queria de Grace já estivessem minadas, coisas muito pessoais, inegavelmente reais e assumidamente intrincadas. Ela o calaria antes que ele fosse capaz de verbalizar o que desejava que ela ouvisse. Isso era inaceitável. Ele precisava definir as coisas ou nunca mais seria capaz de se concentrar no garoto que iria atender, o qual precisava de sua total atenção.
Desacelerando, Justin pegou o braço de Grace delicadamente e a deteve, colocando-se diante dela. – Nossa conversa não acabou. Nós dois sabemos que temos de nos concentrar no trabalho agora, mas isso não lhe garante uma fuga para ignorar o que eu tenho a dizer. Vou deixá-la com isso. – Ele se aproximou mais, obrigando-a a levantar o queixo para encontrar seu olhar. – Essa coisa entre nós não é errada, Grace. O fato de eu não conseguir me desligar deve significar algo para você. Ela endireitou os ombros. – Eu nunca disse que era uma coisa errada. Resumindo, eu disse que não é uma possibilidade que estou disposta a explorar. Minha vida vai começar quando eu sair de Seattle, Justin, e a sua vida é aqui. Isso nos coloca diante de um impasse. Uma sensação de desânimo marcou o coração dele. Grace não podia simplesmente abandoná-lo sob o falso pretexto de que era assim que tinha que ser. Ele não poderia conviver com a ideia de que Grace iria ignorar a noite deles juntos, como se nunca tivesse acontecido. Tinha acontecido sim, e ia acontecer de novo, e de novo, se ele conseguisse o que queria. Mas se ela pretendia bancar a teimosa, ele poderia jogar. Isso significava apenas uma mudança de tática. Apoiando as mãos nos ombros de Grace, Justin a encarou. – Tudo bem, sem mais ceninhas de ponto de ônibus. Se você me quiser, você toma a iniciativa. Eu estou caindo fora. Ela abriu a boca para responder, mas a campainha do alto-falante a interrompeu. – Chamando dr. Maxwell no saguão. Dr. Maxwell no saguão, por favor. – Nosso paciente está esperando. – Ele esticou um braço para convidá-la a proceder ao fundo do corredor. Grace passou por ele sem dizer nada, arriscando um único olhar para trás enquanto caminhava num passo duro. Justin a alcançou assim que dobrou a esquina para o saguão, e entraram como uma equipe. O adolescente que aguardava por eles estava sentado numa cadeira de plástico duro e emitia um arzinho de desprezo arrogante que Justin reconhecia bem. Usando um boné de beisebol de aba reta e uma jaqueta jeans marcada com as cores da Deuce-8, o garoto parecia algo entre entediado e beligerante. Também usava calça jeans larga de cintura baixa ao estilo hip-hop amarfanhada nos tornozelos, os bolsos cobertos de pichações. A blusa branca estava preservada, bem como seus tênis brancos de marca. Justin estimou umas 800 pratas em vestuário ali. Ninguém da vizinhança daquele garoto tinha essa quantidade de dinheiro para roupas, a menos que estivesse completando a renda, fortemente, e Justin não apostava em um segundo emprego noturno como estocador de supermercado. Não, aquele tipo de renda complementar custava a vida das pessoas. Com as mãos relaxadas junto ao corpo, Justin se aproximou só um pouquinho do adolescente. – Ei. Você deve ser Gavin Stills. O garoto se levantou, seu peitoral de moleque batendo nas costelas de Justin. – Não se aproxima demais, cara. – Acho que não. – Quer partir para a violência? Porque te faço sangrar aqui agora. – Cheio de pose, o adolescente peitou Justin. Justin já estava bem ciente da infraestrutura da gangue. Apenas a verdade crua e bastante autoridade fariam o garoto desenvolver respeito. Justin tinha estado exatamente na mesma posição, havia enfrentado um conselheiro da mesma forma, neste mesmo saguão.
– É? E me disseram que você era inteligente. – Você acabou de me chamar de idiota? – retrucou o adolescente, girando a aba do boné para ter uma visão mais clara de Justin. – Você me ouviu, mas deixe-me simplificar. A única coisa que existe entre você e o reformatório sou eu, e você está no limite da maioridade penal. Isso faria de você o bebezinho da prisão, e eu acho que você não gostaria muito do resultado. Portanto, a decisão é sua. Podemos descobrir quem é mais resistente, aqui e agora, ou podemos conversar. Pessoalmente, prefiro conversar, mas a escolha é sua. Gavin semicerrou os olhos, ajeitando suas calças sem parar. Justin reconheceu o movimento como um gesto de ameaça e perguntou-se brevemente se ia ter de imobilizar o garoto enquanto eles chamavam a polícia. Não era a melhor primeira impressão, mas ele tinha de garantir a adesão do garoto ao programa, e a única coisa que o jovem respeitaria seria uma força superior. – Primeira regra? – Justin falou tão suavemente que o garoto foi forçado a parar de farfalhar suas calças para ouvi-lo. – Ninguém entra aqui e me ameaça. – Você disse que era a primeira. E o que mais? – Parece-me que você é um garoto inteligente. Tem mais duas regras. A segunda regra é que você não pode usar cores de gangues quando vier aqui. Ponto. – Quando Gavin começou a discutir, Justin cruzou os braços volumosos e obrigou o garoto a recuar um passo. – Nada de cores de gangue. – Tá bom, tá bom. – Terceira e última regra: sem violência aqui. Se você quebrar esta regra, eu vou chamar a polícia, e sua liberdade será revogada por um juiz. Sem advertências, sem apelações, e não vou testemunhar a seu favor no tribunal. Entendido? – Tá, já ouvi. – Então vou presumir que você aceita as regras. – Tanto faz. – Você tem uma oportunidade aqui, Gavin. Não estrague tudo. – Saquei. Já acabou? – perguntou ele, mas Justin captou a insegurança sob a beligerância. Excelente. Isso significava que o garoto estava fazendo o jogo dele. Ponto para o orientador. – Venha. – Justin se afastou. – Deixe-me apresentar minha assistente. Grace? – Ele ficou observando enquanto ela se aproximava, seus movimentos tão confiantes quanto tranquilos. – Gavin, esta é Grace Cooper. Ela está concluindo a licenciatura em psicologia, então vai acompanhar a gente nas próximas duas semanas. – Você tem o seu Robin? – Os olhos dele percorreram a figura de Grace. – Isso é maneiro. – Na verdade, eu prefiro a Viúva Negra. Ela é gata, um pouco tagarela, inteligente para diabo e detona geral. – disse Grace. Justin a fitou de soslaio, tentando avaliar o que ela pretendia. – Você curte quadrinhos? – perguntou Gavin. – Sou fã da Marvel, sim. Ora, os heróis deles são ótimos. Gavin se flagrou entre um riso e um dar de ombros. – A Viúva Negra é a sua favorita? – Definitivamente sou mais apaixonada pelo Thor. – Que jeito de falar mais mulherzinha. – Ei, o cara aguenta uma surra e mesmo assim continua de pé. Isso é legal. Gavin fitou Grace com interesse renovado.
– Então você acha maneiro ele ser durão? – Bem, sim. – E o que mais? – Você vai ter que conversar comigo para descobrir. Eu não discuto quadrinhos com caras que não conseguem manter uma conversa. Ele sorriu. – Eu dou conta. – Vamos, então. Justin ficou boquiaberto, observando enquanto eles seguiam pelo corredor, ambos conversando sobre quadrinhos. Recompondo-se, ele os acompanhou, lutando para não correr, e sim manter seu caminhar lento e seguro. Ele entrou na sala de terapia uns bons segundos depois que a dupla o fez. Ambos se acomodaram, ainda conversando amenidades. Grace pegou bloco de notas, mas ainda não tinha escrito nada, muito embora o garoto tivesse tirado a jaqueta e suas tatuagens estivessem fartamente expostas. Puxando uma cadeira, Justin aguardou por um breve período antes de inserir-se na conversa. – Então, Gavin, o que está acontecendo? O garoto olhou entre ele e Grace, claramente inseguro sobre quem lhe deixaria mais à vontade para conversar. Sua atenção parou em Grace. Justin sorriu para si, orgulhoso por Grace ter sido capaz de estabelecer uma conexão com o garoto tão rapidamente. Por fim, o adolescente focou em algum ponto no chão entre eles. – Meu agente da condicional falou que eu tinha que conversar com o terapeuta aqui. Justin o avaliou. – Você parece um pouco jovem para ter um agente de condicional. – Já tenho idade – soltou Gavin. – Claro. – Justin aguardou que o silêncio se prolongasse o suficiente até o garoto olhar para cima. – Então isso é parte do seu acordo judicial? Voltando a aba do boné para frente, o adolescente se esparramou na cadeira. – Tipo assim, é. Justin pegou uma caneta e começou a rolá-la entre os dedos. – Conte-me o que fez você parar na frente de um juiz. Gavin suspirou. – Não é nada, não. A polícia só encrencou com umas besteiras. – Provavelmente, mas quanto mais tempo você passar aqui evitando minhas perguntas, mais tempo a sessão vai se estender. Olhos irritados e sombrios fixaram-se nele antes de o jovem voltar a olhar para o chão. – Vou falar de novo. Diga para mim o que fez você ficar na mira da polícia. Gavin ergueu o queixo, o olhar indecifrável. – Eu fiz uns esquemas aí para arrumar grana extra. Grace interveio imediatamente: – Espere, espere. Você pode enrolar todo mundo por aí, mas aqui? Tem que jogar limpo. É honestidade ou nada. Justin fez uma careta. Se o garoto escolhesse “nada”, seria o fim da conversa.
Gavin olhou para Grace, a mandíbula cerrada. Ele a avaliou por um momento, em seguida assentiu com veemência. – Tá bom. Eu consegui um emprego de mensageiro para um cara. – Suponho que não fosse para entregar cartas, a menos que fossem papelotes – disse Grace de forma arrastada. Gavin bufou. – Tipo isso. – Pagavam bem? O garoto sorriu. – Melhor do que “bem”, tipo, eu comprei essas roupas com a minha grana. – Você entende que as verdinhas que você ganhou tiveram um custo, não entende? – E daí? – Ele encolheu os ombros. – Eu não machuquei ninguém. A conversa continuou enquanto Justin só observava, num misto de assombro e diversão. Ele havia subestimado Grace e sua capacidade de lidar com o garoto. Então ela disse algo que fez os pelos da nuca dele se eriçarem: – Tem certeza de que não causou qualquer dano por servir de avião? A resposta de Gavin foi rápida. – Não. Eu não botei droga na mão de ninguém. Justin intercedeu. – Claro, mas você recolheu as drogas com o chefe do tráfico e as levou ao distribuidor. Isso colocou as drogas nas mãos de alguém. – Cara, eu não vendia droga para ninguém. – Sua ficha diz que você foi detido traficando. – Foi armação. – Você já admitiu que transportava drogas, Gavin. Não me tire do sério agora. – Justin se esparramou na cadeira, a imagem de um sujeito relaxado em uma conversa trivial. – É importante que você perceba que as escolhas que você faz têm repercussão. Você escolheu atuar como avião. Sua escolha colocou as drogas nas mãos de alguém, que as vendeu para outra pessoa. Entendeu? – Você tá falando de economia simples, oferta e procura. Justin havia estado onde o garoto estava agora, compreendia por que ele tinha aprendido tanto sobre economia no comércio de drogas. Gavin estava mais chafurdado do que eles tinham percebido. Tão jovem. Aquele garoto era uma imagem espelhada do que Justin tinha sido e dos mesmos rumos que ele um dia tomara. Seu coração doía por Gavin, e ele precisou lutar contra o instinto de fazer o que fosse preciso para salvar o adolescente de uma vida que não era vida. Psicologia básica. Você não pode salvar todos. – O quê? – perguntou Gavin num tom infantil, embora ele claramente estivesse numa hierarquia na Deuce-8 superior àquela que Justin tinha sido levado a acreditar. – Nada não. Só estou pensando. Diga-me uma coisa, Gavin. Como é sua mãe? – Deixa minha mãe fora dessa – gritou ele, ficando de pé. – Você não tem direito nenhum de botar minha mãe nesse papo! Justin ergueu as mãos, palmas expostas, num gesto que dizia “calma aí”. – Tudo bem. Vou esquecer isso.
– Gavin, pare. – O comando sereno de Grace cortou a tensão explosiva. – Você pode viver num mundo onde a violência é aceita e até incentivada, mas eu não vou permitir que você me sujeite a isto. Está entendendo? O adolescente voltou a sentar-se. – Desculpa, srta. Grace. – Está perdoado. Agora diga uma coisa para mim. Qual é a única coisa que você quer que eu saiba a seu respeito? Justin ficou observando Grace lidar com o garoto e percebeu que ela havia tomado a decisão certa ao assumir a conversa. Fazia sentido Gavin conversar com Grace e rejeitar Justin, dada a escolha entre os sexos. Era óbvio que a mãe de Gavin significava alguma coisa para ele. Justin duvidava que o pai do garoto fosse presente. O único homem com qualquer autoridade que ele respeitava estaria no alto escalão da Deuce. Sendo assim, Justin teria de esforçar-se mais, empenhar-se mais. O tempo da consulta terminou, e Justin ficou de pé, lançando um olhar cheio de estima para Grace. Com olhos brilhantes e bochechas levemente coradas, ele notava que ela estava revigorada pela forma como a sessão tinha sido conduzida. Ele estava orgulhoso dela. Gavin tinha sido atraído para ela como uma lua capturada pela atração gravitacional de um planeta. Justin compreendia bem tal atração. Havia algo nela que fazia você querer ficar mais perto, física e emocionalmente. Isso tinha começado para Justin há tanto tempo que ele quase havia se esquecido desse primeiro choque que Grace era capaz de causar num sujeito. Gavin podia ser uma criança, mas já estava na curva da idade adulta. Não era mais imune a Grace do que Justin era. Justin enfiou as mãos nos bolsos, e Gavin ficou tenso. Então ele as tirou lentamente. – Não tem nada aqui, só alguns trocados e fiapos. Certo? – O adolescente assentiu, e Justin soltou a respiração que inadvertidamente vinha segurando. – Vamos parar por aqui e retomar as coisas na quarta-feira. Você virá três dias na semana… durante quantas semanas? – Quatro. – Eu vou anotar na sua planilha. Ela vai nos dar a chance de conhecer um ao outro. – Ele ofereceu a mão ao jovem e ficou aguardando enquanto este pensava. Lentamente, como se Justin representasse uma ameaça indefinida, Gavin estendeu a mão e ofereceu um aperto firme, breve. – Muito bem. Nos vemos na quarta-feira, então. Gavin saiu, mas não sem antes dar uma breve olhadinha em Grace. – O garoto tem uma quedinha por você. – Justin recolheu suas anotações e se virou, flagrando Grace escrevendo como louca. – O que foi? Ela não desviou o olhar de seu bloco de notas quando respondeu: – Dê-me cinco… dez minutos. Tenho que terminar isto aqui. Ele deu de ombros e foi para a porta. – Quando você terminar, estarei no meu escritório. – Justin? – Sim? – Obrigada. Aquilo o fez parar. – Pelo quê? – Por me deixar conduzir a sessão.
– Você foi ótima. Além disso, a questão não era só eu deixar você conduzir, Grace. O garoto se apegou a você. Se você tem mais chances de ter acesso a ele, você deve conduzir a sessão. Ela assentiu. – Certo. Eu só… – O quê? – Não vou ficar durante as quatro semanas de tratamento dele. É prudente permitir que ele invista em mim como orientadora? Justin encostou-se na moldura da porta e ficou pensando, a mente trabalhando freneticamente, mas com absoluta clareza. – Eu prefiro deixar rolar e ver no que isso vai dar durante o tempo que temos. Se trabalharmos juntos, pode ser que a gente consiga impedir a evolução do mau comportamento dele. – Fazendo uma pausa, ele pensou no quanto dizer, no quanto oferecer a ela, e por fim optou por: – Eu quero o garoto fora dessa vida, Grace. – Você quer salvar o mundo – ponderou ela. – Eu não tenho certeza sobre o mundo, mas uma criança… eu quero Gavin fora da Deuce-8. – Isso é pessoal, não é? A declaração foi tão casual quanto inquestionável e indigna de julgamento, que Justin se flagrou fazendo um esforço tremendo para não deixar a verdade transparecer, para não se abrir a respeito de sua descida rumo à escuridão. As palavras estavam lá, estacionadas na ponta da língua, moderadas apenas pelo orgulho e pelo medo. Ele havia superado seu passado, mas este estaria sempre presente. As sessões para cobrir as tatuagens tinham sido eficazes, mas sob a tinta havia uma tatuagem idêntica à que Gavin carregava: o diabo com dois pontos paralelos e um número oito posicionado obliquamente entre eles. Não, agora não era hora de confessar transgressões passadas a Grace. E talvez esta hora nunca chegasse. Mais um motivo para manter a boca fechada, agora que as emoções estavam no auge. – Justin? Ele ergueu o queixo. – Vamos finalizar esta. Temos mais uma consulta daqui a meia hora. Uma menina de 16 anos com tendências suicidas – disse ele. O brilho no rosto de Grace desbotou. – Estarei pronta. Sem mais nenhuma palavra, Justin saiu da sala. Grace era uma bela de uma tentação, em todos os sentidos. E a declaração de que ela não estaria ali ao longo das quatro semanas de tratamento de Gavin… o deixara sem o fôlego, esvaziara sua mente. Justin esfregou as palmas úmidas nas coxas. Precisava fazer Grace enxergar que ficar, assumir o risco, valia a pena. Que ele valia a pena.
Capítulo 11
GRACE DESENHAVA as tatuagens que tinha conseguido ver com o máximo de detalhes que conseguia se lembrar, mas sua mente estava vagando. Por que Justin deixara que ela, uma recém-graduada, assumisse a liderança na sala de terapia? Claro, ele também era um recém-graduado, mas ele era pósgraduado. Ela estava apenas no final da licenciatura. Não era ruim, mas definitivamente não era nada comparado a um PhD. Havia uma grande diferença na teoria sobre a prática e na exposição clínica. Justin havia acompanhado pacientes no campus e dado assistência em experiências no departamento de psicologia. Ainda assim, agora era diferente. Este era seu primeiro emprego de verdade. A mão de Grace parou no meio do desenho. Este não era o primeiro emprego de verdade de Justin, no entanto. Ele tinha trabalhado como stripper e como assistente na universidade durante anos. Ele havia trabalhado muito mais do que ela havia lhe creditado, pelo menos inicialmente. Ela rejeitara o histórico de empregos dele, classificado-o como irrelevante, e fora incrivelmente injusta. Estivera tão ocupada afastando Justin no âmbito pessoal que acabara por dispensá-lo profissionalmente. Ele merecia mais do que isso, merecia crédito por seus esforços e experiência. Mas saber disso não iria facilitar a aceitação da lisonja oferecida por ele. E quanto ao aspecto pessoal? Será que Grace o havia dispensado de sua vida particular com a mesma eficácia? O fato de ele realmente se importar com ela num nível genuíno a apavorava. Então, sim. Ela talvez o tivesse rejeitado além da conta. A imagem do beijo no ponto de ônibus lhe veio à cabeça. O beijo tinha sido espetacular, repleto da mesma paixão que Justin tinha demonstrado na noite que passaram no hotel. Mas o significado era muito mais complexo. No primeiro encontro, eles tinham definido regras. Uma noite apenas. Sem amarras. Sem desculpas e sem arrependimentos. Grace havia aderido a tais regras ao pé da letra, afinal lhe eram convenientes. Não havia espaço em seus planos para o sentimento, independentemente de ela talvez vir a querer mais do que imaginara. Mentirosa. Não havia “talvez” nessa história toda. Vacilando, ela virou uma nova página e começou a rabiscar, sem pensar no que estava fazendo. O rosto de Justin surgiu. Era uma boa interpretação, ilustrava seu cabelo escuro, a boca exuberante e os
olhos penetrantes. Os ângulos de suas bochechas estavam um pouco ocos, então Grace os sombreou aqui e ali antes mesmo de visualizar aquela imagem em sua mente. Debaixo do desenho, ela escreveu e sublinhou uma única palavra. Impossível. Nada descrevia melhor do que isso o que estava rolando entre eles. Ela não podia desistir do título acadêmico que havia lutado para obter, e não correria o risco de continuar morando com a mãe sustentando-se em uma possibilidade. Se Grace havia aprendido alguma coisa com aquela mulher, era que relacionamentos não solucionavam a infelicidade de uma pessoa. E isso era por conta dela. Precisava encarar a vida e digladiar-se com ela até surgir uma oportunidade digna de proveito. Ela não se contentaria com nada menos, especialmente com uma possibilidade com alguém que a havia ferido emocionalmente. Seria pura tolice. Arrancando a folha do bloco, Grace a amassou e jogou na lata de lixo. Nenhum esboço jamais faria jus àquele homem, e nem uma única palavra seria capaz de descrever o que ela sentia por ele. Grace pegou suas coisas e saiu da sala de terapia. Justin estava em seu escritório, a cabeça escura pairando sobre alguns formulários. Ele olhou para cima. – Ei. Como estão os desenhos? – Bem. Pelo menos eu acho que estão bons. – Ela entregou as folhas, não muito segura se havia captado o que ele queria. O olhar de Justin atropelou as quatro páginas de desenhos que Grace havia feito. – Deus do céu, Grace. Estão fantásticos. Você não mencionou que era uma artista. – E não sou – disse ela em voz baixa. – Eu só gosto de desenhar. – E pintar. Ah, ela amava pintar. Contornando o símbolo da Deuce-8 com o dedo, Justin balançou a cabeça. – Sério. Você é incrível. Ela quisera muito ouvir tais palavras dele, mas agora elas estavam tingidas com ironia. Grace sempre desejara que alguém lhe dissesse que ela era especial, mas agora que havia ouvido isso, ela ia afastar-se dessa pessoa dentro de duas semanas. Grace lamentou pela centésima vez por ter concordado em jantar na casa de Justin. Cercada por Justin e pela família dele, ela sabia instintivamente o que iria acontecer. Ela iria fazer o jantar, Darcy iria elogiá-la profusamente, afinal esse era o jeito dela, e Grace iria absorver o elogio como uma esponja ressecada dentro de uma pia cheia de água. Justin iria ajudá-la a cozinhar, guiá-la com leves toques, elogiá-la não só com palavras, mas também com os olhos, com o corpo. Ela lhe daria comida na boca. E a intimidade do gesto seria sua ruína. Não, ela precisava cancelar. Que droga. Cara, que droga. Mas era melhor para todos. – Você quer ajuda com suas anotações? – Justin colocou o bloco de lado, os olhos fixos nos dela. – Eu… eu tenho certeza de que dou conta – gaguejou, sua determinação para cancelar o jantar se esvaindo conforme ela o observava. Ele sorriu. – Vamos prosseguir então. – Você ainda não terminou suas anotações? – Ele já deveria ter acabado. – Eu esperei por você, para que pudéssemos fazer juntos. – Ela franziu a testa, e ele riu. – Você está preocupada com o fato de eu não ter feito meu trabalho. – Não. – Sim.
– Está tudo bem, Grace. Fiz um ditado com as palavras-chave e vou trabalhar a partir daí para preencher eventuais lacunas. – Ah – disse ela estupidamente. – Não cogitei fazer ditado. Ele semicerrou o olhar e deu um sorriso malicioso de canto de boca. – É uma bela… ferramenta. A insinuação sexual a atingiu como uma onda de calor. De repente Grace estava suando e precisava de ar. – Você quer que eu vá à cafeteria para comprar bebidas para a gente? – Gastar o dinheiro extra era burrice, mas se isso funcionasse como pretexto para tirá-la do escritório e afastar-se dele, então valeria totalmente a pena. – Tem café na sala de descanso. Eu prefiro que você fique aqui e trabalhe comigo. Lado a lado. Droga. Grace tinha esperanças de que pudesse suborná-lo. Colocando uma cadeira em frente à mesa, ela não conseguiu evitar senão inspirar o perfume limpo e fresco que definia Justin. Ele deslizou para mais perto, de modo que seus cotovelos se tocaram. – Vamos começar a festa. A voz baixa e suave agitou coisas em Grace que ficariam melhor caso tivesse continuado a dormir, um desejo de obter mais dele do que naquela noite no hotel. Ele estava oferecendo mais, mas até onde as coisas poderiam ir nas duas semanas que ela ainda passaria na cidade? E quando acabasse? Como poderia deixar um homem como ele para trás? E daí, novamente, como não poderia? Será que valeria arriscar tudo pelo qual ela havia se esforçado tanto por causa da mínima chance de esta relação entre eles chegar a algum lugar? – Não – disse ela em voz alta, assustando os dois. – Sem festa? – perguntou ele baixinho. – Desculpe. Eu estava respondendo a um pensamento pessoal e acabou escapando. Justin se recostou na cadeira e passou o braço ao redor dela. – Que pensamento? – Eu não quero falar sobre isso. – Tinha a ver com trabalho? – Não – respondeu Grace muito rapidamente, oferecendo uma visão a seu respeito que ela não necessariamente queria que Justin tivesse. – Tinha a ver comigo? – A pergunta serena carregou um tom de esperança. – Sim. – A resposta dela, tão serena quanto a dele, doeu. – Mas eu não quero falar sobre isso. – É justo. – Ele se aprumou e puxou seu laptop. – Vamos começar. – É isso? “É justo”? – Você disse que não queria falar sobre isso. Eu respeito sua decisão. Grace ficou tão confusa. Ela queria que ele insistisse, queria que ele estivesse mais determinado a saber o que ela estava pensando, tanto quanto ela queria que ele deixasse tudo para lá, que a deixasse em paz. Franzindo a testa, Grace pegou seu bloco de notas. – Eu preciso de um laptop. – Eu vou ver o que posso fazer – respondeu ele, deslizando seu laptop na frente dela. – Use o meu por enquanto. – O que você vai usar?
– Meu computador pessoal. – Quando ela hesitou, ele insistiu: – Está tudo bem, Grace. Eu o trouxe para cá. – Ele pegou um computador mais antigo e o colocou sobre a mesa. – Você pode discutir comigo sobre isso mais tarde. Agora temos de organizar nossas anotações antes da chegada do próximo paciente. Ela se pôs a trabalhar, obrigando a mente a reprisar a sessão ao mesmo tempo em que tentava desesperadamente ignorar o braço de Justin roçando no seu, o calor do corpo dele e o som de sua respiração. A noção de que ela ia ter de editar as anotações de todos os casos lhe pareceu engraçada, e Grace sorriu. De jeito nenhum que ela ia conseguir fazer isso direito com Justin tão pertinho. Isso não estava acontecendo. ISSO! JUSTIN queria gritar para os céus. Grace estava pensando nele e isto a incomodava. Isso indicava que ela estava tendo pensamentos que não queria ter. Justin ia aceitar isto como fato porque significava que ele havia conseguido fazer com que ela pensasse nele, e provavelmente neles, por conta própria. Sim, ele ia aceitar como fato. O corpo de Grace estava tão próximo que Justin queria tocá-la, contornar os traços delicados do seu rosto, trilhar os dedos pelo seu pescoço e por toda a extensão recatada do decote que ela estava exibindo. Ele queria provocar aquele vislumbre esbelto de pele com as pontas dos dedos, fazer os mamilos dela enrijecerem sob a camisa decorosa e ouvi-la ofegar de surpresa. Ela sempre o fazia, como se toda vez ficasse chocada diante da própria reação a ele. Ele amava isso nela. O estômago de Justin embrulhou perante a palavra. Amava. Ele poderia amá-la facilmente. Ele havia passado anos observando-a, desejando-a, ouvindo-a falar, ouvindo-a defender suas hipóteses aos colegas, vendo sua gentileza para com aqueles que não entendiam um conceito, vendo-a passar em seu escritório para conversar. Ele sabia que uma noite com ela não seria suficiente; tinha sido meio apaixonado por ela antes mesmo de eles fazerem amor. Provar o corpo dela, amá-la fisicamente, isso tinha mudado as coisas entre eles, ainda que Grace não tivesse percebido ainda. Mas perceberia. Justin tinha certeza disso. – Justin? Qual código da CID-9 eu devo usar para classificar “salvar a vida deste garoto”? Porque não estou encontrando nenhum. Sobressaltando-se de volta ao momento, ele olhou para ela e sorriu. – Não tem nenhum código de super-heróis nos indicadores clínicos. Vamos ter de elaborar algo criativo, porque eu soube que faturar o Estado com esse tipo de serviço pode ser arriscado. – É justo. Eu vou deixar esta parte em branco por enquanto. – Nós vamos descobrir isso juntos. – E iam mesmo, porque ela estaria ali no dia seguinte e no outro. A frequência cardíaca de Justin dobrou, o fluxo de sangue o deixou tonto. Ele levou a mão à testa. – Eu machuquei seu cérebro com minha pergunta brilhante? – Sim, você acabou com meu cérebro. – Desculpe. – O sorriso na voz dela ficou evidente, mesmo que Grace não estivesse sorrindo de fato. O telefone do escritório tocou, assustando Justin. – Perdão enquanto atendo a linha da Batcaverna. – Ele pegou o telefone. – Dr. Maxwell. – Ei, doutor. Estou com umas feridas das quais não consigo me livrar. Elas estão bem no meu…
– Pode parar aí, rapaz. Eu sei exatamente o que você tem. Só uma intervenção cirúrgica imediata pode salvar sua vida. Sugiro uma lobotomia completa, imediatamente. Vá para a sala de emergência mais próxima e diga a eles que foi uma recomendação do seu psicólogo. Seu melhor amigo, Eric, riu. – Muito engraçado, cara. Como está sendo seu primeiro dia? – Fantástico, na verdade. Lidei com um departamento de RH atribulado, com um com um diretor inclinado a administrar este lugar com eficiência mesmo que isto nos mate, com uma estagiária da faculdade que por acaso foi minha aluna e é gata para diabo, e com um paciente que adorou a estagiária e me rejeitou. Grace deu um empurrãozinho no ombro dele. – Cale a boca – sussurrou ela. – Bem, se ela é gostosa, eu também rejeitaria você. Grace Cooper? – Como diabos você poderia saber? – Cass e eu fomos jantar no restaurante onde sua mãe trabalha. Darcy mencionou que você e sua linda namorada tinham acabado de sair. – Ela não é… isto é, eu não quis dizer… que droga. Eric riu. – Não se preocupe. Eu entendo totalmente. O que vocês vão fazer hoje à noite? – Não é nada disso, cara. – Justin afrouxou o colarinho. Por que ele não conseguia respirar? – Saiam com a gente. Vamos a um bar que Cass adora. Eles fazem nachos matadores. – Você me ganhou com os nachos, mas provavelmente vai ser… – Seu plano para fazer Grace enxergar o potencial entre eles quando ele a levara para almoçar não tinha sido exatamente um sucesso. Talvez fosse uma boa ideia chamá-la para sair, apresentá-la aos seus amigos, mostrar a ela que ele não era o babaca que ela acreditava que ele fosse. – Eu estou em recuperação no momento. – Com ela? Graças a Deus Eric entendera. – Isso. – Falou uma besteira que te chafurdou numa encrenca? – Até o joelho, meu amigo. – Ai. Já passei por isso. Não se preocupe, vou avisar Cass, e vamos nos comportar muito bem. Você, no entanto, está por conta própria. A única coisa que posso fazer é ajudar para que você pareça legal. Justin riu. – Entendido. Vejo você lá. Espere. Onde? Não faço ideia de onde fica esse lugar para o qual vocês vão. – Para um cara tão brilhante, você é um pouco idiota às vezes. – Endereço, por favor, antes que eu mande minha serva para cima de você. Ela é inteligente. Tão inteligente, na verdade, que seria capaz de trancafiar você numa cela acolchoada antes mesmo de você se dar conta de que a camisa de força não é um apetrecho safadinho da Cass. Eric riu. – Que engraçado. Vamos para o Pandora, na Post Avenue. – Combinado. Vou procurar o endereço exato na internet e estaremos lá às…? – Nós vamos jantar, então por volta das 19h. Acho que vamos passar umas três ou quatro horas lá. – Beleza. Encontro vocês lá então.
– Traga a garota com você, Justin. – Vou fazer o possível. – Até mais. Justin desligou, e ficou segurando o fone. Grace se virou para ele. – A menos que você tenha um esconderijo secreto, presumo que eu seja a serva a quem você se referiu? – Primeira e única. As palavras pairaram, até que ela pigarreou e se voltou para a tela do computador. – Presumo que esteja tudo bem. – Tudo bem. – Ele mesmo captou o próprio tom ausente e forçou um sorrisinho. – Só tenho que descobrir como realizar um objetivo em particular. – Qual? – Nada. Esqueça. – Ele não podia admitir que conquistá-la era sua missão para a noite. Antes de qualquer vitória, Justin precisava estimulá-la a concordar em sair com ele. – Tudo bem. – Ela retomou para suas anotação, mas seu progresso ficou notavelmente mais lento. Justin teve uma ideia. Pegando o telefone, ele ligou para seu outro amigo íntimo, Levi. – Alô? – resmungou o outro. – São quase 15h, Bela Adormecida. – Boa tentativa. Você nunca vai ser o Príncipe Encantado. Aquilo meio que soou pessoal demais. – Eu poderia ser, se tentasse. – Ainda que não lhe interesse, eu curto as princesas. O que você quer? – Pegue um café. – Isso significa sair da cama. É muito cedo para esse tipo de compromisso com o dia – disse Levi em meio a um bocejo. – Eric e Cass estão indo para o Pandora esta noite. Vamos reunir algumas pessoas. Quer ir? – Sim. Parece divertido. – Houve um farfalhar de cobertas e uma voz feminina protestou. Levi a ignorou para perguntar: – Que horas? – Lá pelas 19h, 19h30. – Estarei lá. Uma oportunidade de sair sem calças de couro é sempre bem-vinda. Justin riu. – Isso é verdade. Nada de roupa de bombeiro, de lenhador, de marinheiro ou de operário de construção civil. – Então definitivamente estou dentro. Te vejo lá. Eles desligaram. Justin voltou para sua planilha e obrigou-se a preencher algumas das informações antes de inclinar a cabeça para Grace. – Alguns dos meus amigos vão sair esta noite. Quer vir junto? Vamos nos encontrar em um bar que supostamente serve os melhores nachos de Seattle. Grace hesitou por tempo suficiente para Justin precisar se esforçar para não insistir, persuadir ou argumentar para ela aceitar. Finalmente, finalmente, Grace olhou para ele. – Nada de trajes de operários de construção civil, hein? – Não. Nem caubóis.
– É uma pena. Eu gosto bastante de caubóis. – Ela mordeu o lábio por um momento. – Por que você está me convidando? – Eu quero sair com você. É uma saída em grupo, em local público. Nada nefasto. Venha um pouquinho. Divirta-se. Você vai gostar das pessoas que estão indo. – Não é outra armadilha tipo o “almoço”? – Eu te dei minha palavra… Não vou insistir. Ela passou a mão na nuca e deu de ombros. – Claro. Eu vou. A que horas o encontro lá? – Por volta das 19h30. Isso vai dar tempo para todo mundo se atrasar e você não vai precisar ficar esperando. Ela riu. – Seus amigos sempre se atrasam? – Eric e Cass são impressionantes, mas eles são um casal recente, então… sim, eles tendem a chegar tarde. – Justin corou e sorriu devido ao próprio desconforto frente a vida sexual de seus amigos. – Levi vai estar lá, mas ele raramente é o primeiro a chegar. Incomoda-se em ficar sozinho. – Esta poderia ser uma informação demasiadamente pessoal sobre o sujeito, mas explicava bem o suficiente para Grace entender. – E você? – Se você estiver lá às 19h30? – Ele se inclinou para ela, um quase sorriso erguendo o cantinho da boca, empolgado com o jeito como Grace entreabriu os lábios e prendeu a respiração. – Eu estarei lá às 19h para me certificar de que você vai ter um lugar à mesa. – Então às 19h30. – Ela semicerrou as pálpebras e se inclinou para ele. O coração de Justin vacilou, e as palmas ficaram suadas. – Agora pare com essa bobagem de sedução e volte ao trabalho. A risada dele ecoou pela sala quase vazia. – Você é mesmo uma bomba sensual. – Esta foi a coisa mais legal que você me disse o dia todo. – Então eu não fui legal o suficiente. Grace não fez nenhum comentário, mas voltou-se para suas anotações, deixando Justin só imaginar o que aconteceria caso eles se beijassem novamente. A mente dele saltou para a imagem dela nua debaixo dele, contorcendo-se e chamando seu nome. Seu membro inflou, e ele procurou recuperar o controle antes de ser obrigado a levantar-se e deixar que sua ereção crescente anunciasse que sua mente estava na sarjeta. Não, sarjeta não. Não no que dizia respeito a Grace. Sedução era a palavra-chave na qual Justin precisava se concentrar esta noite. Ele iria encontrar a melhor maneira de mostrar a ela que estava fora da boate, fora do escritório. Havia chegado até aqui devido a muito trabalho, determinação e, mais de uma vez, autossacrifício. E queria que Grace enxergasse isso. Se pudesse, ele poderia ter uma chance. Sua vida finalmente estava se encaixando. Mas para que a história fosse digna de ser contada, ele precisava conquistar a garota. Sem pressão.
Capítulo 12
GRACE DESCEU do ônibus 68 e, de cabeça abaixada, iniciou a curta caminhada até em casa. A única vantagem do seu endereço era que ficava bem perto do ponto de ônibus. Gotas grossas de chuva começaram a cair. O aroma limpo dissipou o cheiro esmagador de maconha quando ela passou pela casa do primeiro traficante de drogas. Ninguém precisava dizer a ela para não desacelerar, para não olhar para os lados, para não observar demais. Ela havia crescido ali, conhecia as ruas e os perigos que estavam à vista de todos, bem como os que não estavam. De jeito nenhum que ela ia permanecer em Seattle. Continuar morando perto daquele inferno no qual havia crescido estava fora de cogitação. Ela queria ir embora, queria estar a milhares de quilômetros de distância, começar uma vida nova sem indignidade, sem pobreza e sem o medo que fizera parte de sua rotina até então. Ela queria cortar os laços com a mãe e encontrar um lugar para se estabelecer, criar raízes e um sentimento de encaixe, tanto na comunidade quanto com alguém especial. O rosto de Justin passou pela sua mente. Ele havia dividido sua família com ela, mostrado como era ter raízes, como era ter pessoas que se preocupavam com ele. E ele abrira as portas para ela, oferecendo-se para deixá-la ser um deles durante as últimas semanas que passaria ali. Mas Grace não podia ficar investido nessas pessoas e então simplesmente ir embora. O que ele oferecia só serviria para alimentar seu desejo por ele, porque ela considerava a maneira como ele tratava os amigos e familiares incrivelmente atraente. Está bem, até mesmo um pouco sexy. Grace estava tão perdida nos pensamentos que não notou o sujeito imenso andando pela calçada, até que ela quase trombou nele. Desviando rapidamente, ela murmurou: – Desculpe. – Não tem problema, gata. Quer fazer um cara ganhar a noite e ainda se divertir durante a coisa toda? – Esta é minha filha, Mitch. – A voz peçonhenta de sua mãe cortou o ar como o bote de uma cobra. – Calma, Cindy. Só estou batendo um papo com a mocinha aqui. Não percebi que era sua. – Ele se inclinou para ela. – Que pena. – Então se afastou.
Aquilo deixou Grace arrepiada. E também reafirmou sua crença de que sua única esperança para ter a vida que desejava para si estava no extremo leste da divisa do Estado. Cindy entrou, deixando a porta de tela bater com tanta força que o painel de vidro sacudiu perigosamente. Grace soube então que teria de entrar e sair o mais depressa possível caso quisesse evitar um confronto. Ela fez uma pausa na varanda, o cheiro de cigarro e uísque flutuando da casa. Droga. A mãe dela estava pegando pesado outra vez. Isso significava que ela provavelmente estava se metendo com drogas também. Como a mulher conseguia passar no exame-surpresa de antidoping da fábrica estava além da compreensão de Grace. Reforçando sua couraça emocional e vestindo a indiferença como se fosse uma capa protetora, ela deu um passo para dentro de casa. Duas semanas e contando. Ela poderia fazer qualquer coisa durante duas semanas, sabendo que a liberdade estava do outro lado daquilo tudo, de sua perdição pessoal. Cindy estava esparramada no sofá, usando uma camiseta suja e uma cueca boxer masculina. Suas unhas, grossas e amareladas por causa do cigarro, eram curtas e desiguais. As raízes escuras mostravam onde o longo cabelo estava partido, confirmando que o louro não era sua cor natural. Como se as pontas espigadas já não dissessem tudo. – Pare de me encarar. – Ela deu uma longa tragada em seu cigarro, avaliando Grace cuidadosamente. – Onde você conseguiu dinheiro para estas roupas novas? – Eu tinha algum dinheiro sobrando da minha última semana de monitoria. – Grace começou a atravessar a sala, pisando em caixas de pizza espalhadas, garrafas de cerveja e, eca, uma embalagem de camisinha. Não conseguiu evitar. Ela olhou e arqueou uma sobrancelha. – Sexo seguro, hein? Sua ideia ou dele? – Mitch é um fracote total. Eu falei que ia ter que usar camisinha ou então nada de sexo, então ele escolheu a camisinha. – Cindy semicerrou os olhos e contraiu a boca, formando uma linha rija. – Bem aqui no sofá, Grace. Será que isso ofende sua alteza? Hein, dondoca cheia de pose? Grace não desacelerou quando respondeu: – Você pode fazer o que quiser com seu corpo e onde bem entender. Cindy apagou o cigarro. – Não me julgue, vadiazinha. Você não vale nada. Nunca foi boa para nada, só para estragar minha vida. Ignore. Você tem que ignorar. – Eu não vou dizer uma palavra. – Você acha que é muito melhor do que a gente, o povão, só porque você foi lá e conseguiu um diplominha. Mas esse pedaço de papel não muda a realidade, você veio do povão, é sem graça e sempre vai ser sem graça. Grace seguiu para o seu quarto sem reagir, abrindo a porta e entrando. Alguma coisa de vidro acertou a porta atrás dela e quebrou, o cheiro forte de bebida flutuando. Foi quando os tremores começaram. Talvez ela não fosse tão capaz de ignorar conforme tinha pensado ou esperado. Fazia tempo que Grace não via sua mãe alerta o suficiente para conseguir ser agressiva, mas Cindy claramente estava consciente hoje para pisar neste terreno.
Grace não podia mais continuar ali. Ela precisava sair de casa e encontrar outro lugar para ficar nos próximos dias, mesmo que custasse cada precioso centavo de suas economias. Acreditar que poderia ter continuado ali, mesmo que durante meras duas semanas, tinha sido um erro épico. Ela agarrou cegamente suas roupas limpas e seus itens de banheiro, enfiando tudo na bolsa. Pegou um livro no armário o mais silenciosamente possível. Folheando-o, encontrou a secção que tinha cortado para criar um pequeno cubículo onde armazenar seu dinheiro de emergência. Ela sempre guardara o suficiente para uma passagem de ônibus e imprevistos, sempre sabendo que, se Cindy achasse o dinheiro, ela o roubaria. Manter aquela reserva de emergência tinha sido a única forma de permanecer na casa da mãe sem perder a cabeça. Significava que Grace não estava presa ali. Não de fato. Ainda assim, seus instintos a incitavam para a autopreservação que eles claramente identificavam como “fuga”. Grace embolsou o pequeno maço de notas e fechou o livro, colocando-o de volta no lugar. Preparando-se, ela abriu a porta, passou por cima do vidro quebrado e foi para a porta da frente. – Aonde você vai toda arrumada assim? – perguntou Cindy com fala arrastada. – Finalmente achou um macho para descongelar seu rabo frígido? – Eu não te devo explicações. – Não me desrespeite, Grace. Eu lhe fiz uma pergunta. Grace parou e girou. – Você está bêbada. Amanhã nem vai se lembrar do que me perguntou esta noite, e muito menos vai se lembrar da minha resposta, mas vou dizer mesmo assim. Vou sair. Para longe. O mais longe deste inferno que eu conseguir. E, sim, tem um homem envolvido na história. Cindy riu, o som um de amargura e desilusão. – Cá estava eu criticando você por causa de um homem, e o que você faz? Acha alguém para alimentar suas ideias de princesa e abóbora em relação ao que acontece entre um homem e uma mulher. Você é uma idiota, Grace. Uma besta absoluta. Você acha que o interesse dele em você vai durar? Você acha que ele vai acreditar que você vale a pena assim que a conhecer melhor? – Quando Grace não respondeu, Cindy zombou: – Otária. Com o peito arfante, a fúria subindo uma vértebra por vez pela espinha de Grace, ela cerrou a mão, os dedos perfurando a pele sensível e fazendo sangrar. – Boa noite, Cindy. Grace bateu a porta da frente. Tudo o que ela queria era paz e tranquilidade, um lugar onde pudesse se recolher depois do trabalho e simplesmente relaxar. Não queria lidar com a mãe alcoólatra. Não queria trombar nos amantes de sua mãe enquanto eles deixavam a casa. Não queria sentir medo por mais uma noite, não queria ser rejeitada novamente. Grace odiava sua mãe por ela roubar sua alegria, por achar engraçado quando seus amantes recorrentes flertavam com Grace ou, pior, por entrarem em seu quarto para cobri-la, como se ela fosse uma criança. Grace sentiu um calafrio. Aos 8 anos ela começara a dormir com uma faca de cortar bife junto de si. Aos 11, evoluíra para uma faca de açougueiro. Aos 13, chegara a puxar a faca para um sujeito. E aos 14, arrancara sangue de um deles. E durante todo esse tempo ela alimentara a esperança de que o amor poderia derrotar a escuridão de sua vida. Sua mãe podia até tê-la renegado ao longo de sua existência, mas Grace sempre tivera esperanças de que um dia ia encontrar alguém disposto a amá-la livremente.
Um dia ela ia sair da casa de Cindy e encontrar um jeito de ser feliz. A mãe estava certa. Grace era uma besta. Sufocando numa mistura tóxica de aversão e autopiedade, ela entrou no ônibus 18, ao mesmo tempo em que ouviu um estampido de uma arma. O motorista fechou as portas e começou a se afastar do meio-fio, fazendo-a guinar no primeiro assento vazio. Ele dirigia mais depressa do que era legalmente aceitável, mas ainda não era rápido o suficiente para Grace. Ela queria ir embora. Agora. JUSTIN GIROU em sua cadeira e verificou a porta da frente do Pandora mais uma vez. Eram quase 19h45 e Grace não tinha aparecido. Ele virou-se a tempo de flagrar Eric e Levi trocando um olhar cúmplice. – O quê? – perguntou ele. – Ela pode estar com problemas, estou preocupado. Este bairro não é dos mais seguros. – É o Distrito Central Sul, Justin. Ela vai ficar bem. Provavelmente só trombou em algum conhecido num bar vizinho. – Levi sorriu inocentemente. – Talvez um cara da fraternidade ou um professor ou alguém. Justin pegou um amendoim e o atirou no amigo, acertando-o na testa. – Não ouse falar de Grace, Levi. Eu não vou avisar de novo. – Cara, você entendeu mal – disse Eric através de um sorriso largo. – Vá se ferrar – respondeu Justin serenamente antes de olhar para Cass. – Sem ofensas, lindinha. – Não me ofendi. Ele poderia ter baixado um tom ou dois. – A mulher ao lado de Eric então virou-se para o namorado e lhe deu um tapinha fraco atrás da cabeça. – Agora seja legal. Você tem que pegar leve com Justin. E daí se ele tem uma namorada? – Ela não é minha namorada. – Justin tinha esclarecido isso toda vez que o nome de Grace entrara na conversa, coisa que havia acontecido muitas vezes. – Ela é minha amiga. – Namorada – insistiu Cass. – Eu tenho amigas. Por que não pode? – Opa, traga todas para cá – disse Eric, meneando as sobrancelhas. Cass revirou os olhos. – Você só pensa nisso. – Ela ofereceu um sorriso reluzente para Justin. – Então… por que ela não pode ser sua namorada? Justin bebeu um gole demorado de sua cerveja. – É complicado. Levi se escarrapachou em sua cadeira e ficou olhando Justin demoradamente. – Cabelo castanho-avermelhado e escuro, certo? Físico de modelo de biquíni, mas com curvas melhores? – O cabelo dela é mais ruivo do que castanho, mas, sim, as curvas dela são de matar. E ela tem mais qualidade do que uma modelo de biquíni, o que a torna absolutamente perfeita. Por quê? – Ela acabou de entrar. Justin virou tão rápido que quase caiu da cadeira. E lá estava Grace, examinando a multidão enquanto mordia o lábio. Ela estava incrível, com jeans desbotados e uma camiseta verde. Ele levantou a mão para capturar-lhe a atenção, sorrindo quando ela o viu e começou a se aproximar.
Quanto mais perto Grace chegava, no entanto, mais claro ficava que havia algo errado. Dava para notar nos olhos dela. Eles estavam amedrontados. Ou apavorados. Ou ambos. Ela havia tirado parte do batom de metade do lábio inferior, e Justin tinha certeza de que seus amigos iam notar, talvez perguntar se ela estava bem. Para poupá-la de algum desconforto, ele se levantou e se adiantou, dandolhe um beijo breve nos lábios com pressão suficiente para borrar o batom. Grace arregalou os olhos e pôs a mão no peito dele, empurrando-o suavemente até Justin se afastar. – Ouvi dizer que um “oi” é uma saudação bastante aceita na maioria dos países, incluindo o nosso. – “Oi” é muito banal. Pensei em fazer algo um pouco mais europeu. – Eles mandam um beijo no ar ou dão dois beijinhos no rosto. – Oriente Médio? – As mulheres geralmente não podem demonstrar qualquer forma de carinho em público. – Você é durona, Cooper. Caribe, então. – Não bebi rum o suficiente para acreditar que você é do Caribe, Maxwell. – Então vamos providenciar uma bebida para a senhorita. Ela riu e seu olhar assombrado recuou alguns tons. – Antes de você ficar brava por causa do beijo – cochichou ele ao ouvido dela –, você tirou todo batom de um lado do lábio de tanta preocupação. Eu percebi que você não ia gostar se alguém perguntasse qual era o problema. Um beijo parecia o jeito mais eficaz de resolver a questão. Infelizmente, você tem de agir como minha namorada agora, ou eles vão querer saber por que eu beijei você. O sorriso de Grace desapareceu lentamente enquanto ela analisava o rosto de Justin. Ele se mostrou indignado. – Eu não saio por aí beijando mulheres, Grace. Colocando a mão no rosto dele com delicadeza, ela se inclinou para frente e o puxou para um beijo muito suave. O coração de Justin deu uma leve cambalhota no peito, a qual o deixou sem fôlego quando Grace se afastou. Virando-se, ele pousou mão no cóccix dela e a estimulou a se aproximar da mesa. Justin se divertiu com o fato de tanto Eric quanto Levi terem ficado de pé depois que Cass presumidamente os chutou por debaixo da mesa. Eric passou o braço em volta dos ombros de Cass. – Esta deve ser Grace Cooper. – Primeira e única – respondeu Justin, incitando-a a dar mais um passinho e se perguntando se a moça linda por quem ele era louco sempre ficava totalmente emudecida diante de homens desconhecidos. Semicerrando os olhos, ele avaliou Eric e Levi objetivamente. Ambos eram altos. Eric era musculoso e esbelto, enquanto Levi era mais volumoso, mas não tão grande a ponto de a cabeça parecer pequena demais para o corpo. Ambos ostentavam cabelo escuro, mas o de Levi era quase preto e batia nos ombros, ao passo que o de Eric era curtinho e todo alinhado. Ambos eram atraentes, tinham ótima personalidade. E de repente Justin sentiu como se estivesse medindo seus melhores amigos como parceiros e avaliando-os em busca de… o quê? Concorrência? Levi balançou a cabeça, chamando a atenção de Justin. – Se você não parar de me olhar como se estivesse tentando decidir se quer ou não me levar para casa, ou eu vou acabar com a sua raça ou pelo menos vou exigir que você me pague um drinque antes.
Todos riram, inclusive Grace, então Justin também riu. Quando ele estivesse a sós com Levi, porém, eles veriam quem era capaz de acabar com quem. Por enquanto, ele se contentaria em abraçar os ombros de Grace, dizendo: – Você é bonitinho, mas não faz meu tipo. – Eu prefiro ser o tipo dela do que o seu, de qualquer forma. – Levi meneou as sobrancelhas. Justin ficou tenso, mas Grace apenas riu e se inclinou para frente, descansando os antebraços na mesa. – A única coisa que isso significa, figurão, é que você vai para a cama na vontade. Grace acomodou-se ao lado de Justin quando o grupo riu de novo. Levi ergueu a cerveja em saudação. Cass puxou uma cadeira para Grace e disse: – No começo eu estava apenas feliz por você ter vindo, pois estou cansada de ser a única mulher no grupo, mas acho que vou realmente gostar de você. Algo mudou dentro de Justin, algo que ele não esperava. Ele queria que as pessoas à mesa aprovassem Grace, e agora tinha certeza de que aprovavam mesmo. Isso só o deixava mais determinado do que nunca a conquistar a boa vontade dela para lhe dar uma chance, confiar nele, não apenas fisicamente, mas emocionalmente. O jeito como ela estava ao entrar dizia que Grace tinha entregado seu controle emocional a alguém… à pessoa errada. Esta pessoa tinha roubado a cor de suas bochechas, sua confiança. Ele queria devolver isto a ela. Grace sentou-se no banco oferecido por Cass e iniciou uma conversa tranquila com a outra mulher. Justin foi tomado por uma serenidade. Grace era incrível. Brilhante. Linda. E ele só conhecia um jeito de convencê-la de que o que ele estava experimentando era genuinamente verdadeiro. Aproximando-se, ele deslizou a mão sob a massa de cabelo de Grace e agarrou seu pescoço, inclinando o rosto dela para o dele. Justin não pediu permissão. Não ofereceu pretextos. Ele queria que Grace soubesse o quão desesperado ele estava por ela, o quanto ele a considerava incrível. Houve dentes, línguas e arfares, tudo se misturando enquanto Justin lutava para oferecer sua abnegação. Porque no meio do beijo, uma coisa tornou-se muito clara para ele. Grace Cooper era a mulher da vida dele.
Capítulo 13
GRACE MAL conseguiu se lembrar de respirar. O beijo de Justin causava esse efeito nela. Parte dela queria protestar e exigir que ele parasse, mas era uma vozinha tão pequena em comparação ao coro extraordinário bradando “Sim!” que ecoava por todas as outras partes do corpo dela. O calor inundou sua pélvis, e ela virou-se toda para ele, abrindo as pernas para acomodá-lo entre as coxas. Daí segurou o rosto dele para oferecer muito mais apoio do que direcionamento. Mas não tinha certeza se ele percebia isso. A língua dele lhe saqueava a boca, agressiva e exigente. Ela suspirou, relaxando e permitindo que ele controlasse o momento inteiramente. Abrir mão do controle era uma experiência em si, a qual fazia Grace desejar o controle de Justin de forma mais íntima. De repente, ela queria tudo dele, e talvez isso fosse errado. Ela não tinha certeza. Só sabia que o homem em seus braços estava tão ardente por ela quanto ela estava por ele. E era só disso que ela precisava esta noite. Justin interrompeu o beijo e apoiou a testa na dela, com as mãos pousando nos quadris curvilíneos. – Oi. Ela se viu sem voz. Daí pigarreou e depois tossiu. – Já superamos essa coisa de saudação que você está fazendo aí, dr. Maxwell. – Verdade. Eu estava me perguntando se você ia se lembrar. – Foi há 15 minutos. Será que já concluímos quem cumprimenta desse jeito? – Acho que concluímos que nós dois fazemos desse jeito. Ela se esforçou para não sorrir, mas falhou. – Eu não me lembro de ter concordado com isso. – Você não concordou. Eu decidi por nós dois. – Justin olhou para Cass. – Pode nos dar um minuto? – Senhores, preciso pegar uma bebida no bar e vai ser necessário três de nós para carregá-las. Levante este traseiro daí, Levi – cantarolou ela ao se colocar atrás dele. Já a sós com Grace, Justin a encarou. – Eu quero você. Com os olhos brilhando, ela inclinou a cabeça.
– Aqui é um local bem público. Espere. Não me diga. Você é secretamente um exibicionista que vinha esperando para se revelar para os seus amigos, e eu sou só a garota que vai ajudá-lo com isso. – Bem, eu sou um stripper… – Ele traçou um polegar pelo queixo dela. – Não. Sem piadas. Grace franziu a testa ao mesmo tempo que o sorriso desapareceu. A confusão embaçava sua mente. – Eu não entendo o que você procura aqui. – Eu quero você, Grace. Isso não é nenhum segredo. E se tentássemos uma relação com exclusividade? – Exclusividade – repetiu ela com lábios dormentes. – Sim. – Ele passou o dedo pelo pescoço dela, até a clavícula, deixando um rastro de ardência na pele. – Você sabe… eu mais você é igual a nós. Atordoada, ela disse as únicas palavras que conseguiu: – Isso é divertido, Justin. Admito. Mas não existe “nós”. – Poderia existir. O coração de Grace doeu ante a sinceridade na voz dele, e de repente ela lamentou ter saído hoje à noite. Ela havia acabado de dizer para si que queria isso, queria que alguém lhe oferecesse refúgio, mas não podia ser ele. Ela se recusava a permanecer em Seattle, e Justin não queria ir embora da cidade. Então ela o manteria à distância. Poderia até haver alguns beijos e tal, mas não existiria nada mais. Após a cena com sua mãe, Grace não queria nada mais além de se aninhar nos braços de Justin e ficar lá para sempre, nada mais além de fugir o mais rápido possível do deserto emocional no qual ela nascera. Lágrimas de raiva queimavam o fundinho de sua garganta, e ela obrigou-se a engoli-las. Balançando a cabeça, ela olhou para ele, permitindo-se o luxo momentâneo de tocá-lo sem pedir desculpas ou sentir medo. Então por que acabar com isso?, sussurrou seu consciente. Quando foi que alguém já te ofereceu duas semanas de felicidade absoluta? A impulsividade colidia dentro dela feito um engavetamento de 20 carros. Não precisava haver escolha. Ela poderia aproveitar o momento, aceitar o que Justin lhe oferecia, doar o que fosse possível em troca, e então ir embora. Ela só precisava se comportar tal como ele e definir regras básicas para os dias que passariam juntos. – Se você quiser um pouco de diversão nas próximas semanas, ótimo. Mas depois disso eu terei ido embora. Eu preciso fazer uma ruptura limpa, sair daqui e começar a viver, um começo novinho em folha. Eu não posso fazer isso em Seattle. Um ligeiro calafrio percorreu o corpo de Justin, cruzando todos os pontos de contato entre eles. – Um pouco de diversão durante algumas semanas, hein? – Você faz parecer desagradável. Não foi isso que eu quis dizer – respondeu ela, a dor guerreando contra a raiva, tanto na voz quanto no coração. – Isso é injusto. – O que é “injusto” é você pegar minha oferta de irmos além e distorcê-la. Eu não vou sossegar, Grace. Não por menos do que eu mereço. – Merece, hein? E você merece mais do que eu. Que legal. – Ela se levantou e pegou sua bolsa. – A-hã. E não fuja de mim outra vez. – Agora não é como antes. Desta vez eu estou fugindo de você para sempre, Justin. – Ela começou a seguir para a porta, irritada quando ele a acompanhou. Dando meia-volta, ela lhe deu um tapa no peito. – Pare com isso. Eu não estou a fim de fazer uma cena aqui.
– Fique. Converse comigo, Grace. Nós dois valemos a pena. Por favor. O apelo a feriu como uma corda de piano cortando a pele: eficiente e doloroso. – Justin… – Eu não tenho vergonha de implorar. É só que… – Ele engoliu em seco. – …eu não quero menos do que uma tentativa de verdade, Grace. Ela arqueou uma sobrancelha. – E essa citação abusiva tipo “Não vou sossegar” que você soltou há segundos? Ele pegou a mão dela, e um pequeno sobressalto de consciência fez Grace fitá-lo nos olhos. – Eu nunca consideraria um relacionamento com você um “sossego”. Dê-me duas semanas para convencê-la de que essa coisa entre a gente é digna de tentativa. – Você tem nove dias, e nada de promessas. Minha amiga Meg me ligou pouco antes de eu chegar aqui. Ela entregou meu currículo ao seu novo chefe, em Baltimore. Eles estão interessados. Se a oportunidade aparecer, eu vou aceitar. Ele deu um aceno de cabeça, rijo e seco. – Está bem. Nove dias. – E se não der certo, eu não quero perder sua amizade. Prometa-me isso, Justin. – Só posso prometer que vou fazer o melhor para honrar seu pedido – disse ele em voz baixa. – Mas se você partir meu coração? Pode levar um tempinho até eu conseguir sentar com você para bater papo e tomar um café. Se você partir meu coração. Grace sentiu o estômago despencando em velocidade terminal, e em tempo recorde, considerando sua altura de 1,75m. Ela não queria magoá-lo, e nem em um milhão de anos cogitara estar numa posição na qual poderia fazê-lo. Como as coisas mudavam depressa. A única constante é que ela o desejava. Demais. E esta poderia ser sua única chance de tê-lo. Agarrando-se a este fio de impulsividade que estava se desfazendo rapidamente, Grace olhou para cima e assentiu. – Eu entendo. – Então você vai me dar nove dias para… – Ele parou, esperando claramente que ela concluísse a frase. Grace levou a mão à garganta, massageando suavemente o bolo que ameaçava sufocá-la. Como concluir aquela frase? Havia muitas opções, mas apenas uma resposta sincera. Se nada mais, Grace queria um tiquinho de felicidade. Ela queria momentos para recordar que colorissem o início de sua vida em tons brilhantes, não nos tons cinzentos desbotados e negros nos quais ela nascera. Ela o encarou. – Vou lhe dar nove dias para me convencer de que essa coisa de dar uma chance vale o risco. Pronto, era isso. O risco. Tantas coisas podiam dar errado, tanta coisa podia incitar uma explosão entre eles e render chamas espetaculares. Mas Grace não ia pensar nesta última possibilidade. Contanto que mantivesse sua sanidade enquanto Justin, ela engoliu em seco, estivesse atrás dela, Grace seria capaz de garantir que ninguém se magoaria no final. E que a coisa toda ia ter um fim. Ainda assim, quando ela pensava nos últimos três anos, a ideia de ter Justin correndo atrás dela era tão ridícula que Grace não conseguiu evitar o sorriso. – O quê? – quis saber Justin, sorrindo automaticamente em reação. – Você um dia pensou que a gente ia acabar aqui? – Aqui?
– Você sabe. – Ela gesticulou entre eles. – Aqui. Com você tentando me convencer a lhe dar uma chance. – Não, mas estou muito feliz por estarmos onde estamos. – Por quê? – Porque eu fiquei de olho em você durante anos, Grace. Eu ficava ávido pelo som da sua risada. Ela fazia eu me sentir lá em cima. Até mesmo invencível. Porque eu queria saber o que você ficava pensando no meio da noite, quando não conseguia dormir. – Ele deu um passo em direção a ela e abraçou sua cintura, incentivando-a a colar-se ao corpo ao dele. – Porque eu amo o jeito como você se encaixa nos meus braços. – Ele baixou os lábios para roçá-los nos dela enquanto falava. – Porque eu amo o contato dos seus lábios nos meus. Justin contornou a fenda dos lábios de Grace com a língua até ela se abrir para ele. Em seguida, ele a beijou. Totalmente. Recuando, ele passou a mão livre pelo cabelo dela e o segurou, obrigando-a a continuar a olhar para ele. – Porque eu amo seu gosto. – Isso é muito… – Ela quase engasgou – …amor. – Sim – disse ele baixinho. – É. Saber que ele estava caindo de amores por ela a assustava para diabo. Grace havia concordado com os tais nove dias porque acreditava que conseguiria enfrentá-los sem que ninguém se machucasse. Mas será que isso era possível sabendo que Justin já estava tão envolvido? O que ela havia acabado de fazer? JUSTIN QUERIA soltar um grito de triunfo… logo depois de vomitar. Ele tinha convencido Grace a concordar em lhe dar nove dias, e ele estava totalmente voltado a aproveitar ao máximo cada segundo para demonstrar o quanto ela poderia ser amada. Era esta última questão que estava lhe causando ânsia de vômito. Amor. Justin havia sido louco por ela durante anos, mas amor? Isso levava tempo, intimidade, coisa que eles não tinham. O máximo que ele podia fazer era aprumá-los no rumo certo e ter esperanças de que Grace reconhecesse isto. Guiando-a de volta para a mesa, ele pegou a bolsa dela, surpreso com o peso. – O que você tem aqui? Equipamento de hóquei? – Mudas de roupa. É preciso muita coisa para ser uma mulher preparada para todas as ocasiões – disse ela de maneira afetada. – Deus sabe que isso é verdade – acrescentou Cass, escorregando na cadeira ao lado de Grace e deslizando um copo de bebida na mesa para ela. – Imaginei que você fosse querer isto. Justin ficou observando as emoções brincando no rosto de Grace antes de ela responder. – Obrigada. Eu, hum, não bebo. – Desculpe. – Cass puxou a bebida para si e olhou o copo, franzindo a testa. – É um drinque tipo frozen, o que significa que tenho que beber este e o meu. – Ela olhou para cima, sorrindo. – A menos que Levi queira. – Você está louca? – questionou ele, indignado. – Se eu beber esta coisa de mulherzinha, vão nascer peitos em mim. – Pense, cara – disse Eric com um sorriso perverso. – Você ia poder ficar em casa e brincar com seu próprio par em vez de ter que encontrar um novo todas as noites. Levi jogou o limão de sua bebida em Eric e sorriu.
– É, mas eu gosto de brincar com outras partes de uma mulher também. Então eu dispenso. – Tudo bem. – Cass suspirou antes de bebericar um longo gole no canudinho, sugando uma boa dose de seu daiquiri. – Ah! Ai, que droga! Dor de cabeça por causa do gelo! Todos riram quando ela agarrou a cabeça e alternou entre xingamentos e gargalhadas. A banda da noite estava se preparando, afinando os instrumentos e sincronizando o sistema de som para evitar aquele agudo do retorno que fazia as pessoas berrarem reclamações. Eles se saíram bem na primeira tarefa, mas falharam na última, de longe. Justin pôs um braço em volta dos ombros de Grace, puxando-a. – Quem está tocando hoje à noite? – perguntou ela enquanto se aconchegava ao lado dele. Justin esfregou o nariz e tentou não rir. – O letreiro no quadro-negro da porta dizia que era algo como Humping Monkeys. – Humpday Monkeys, seu idiota. – Levi virou o restinho de sua bebida. – Transados, como em legais, inovadores. Como é que você pode ser o mais inteligente da turma se não sabe nem ler? – Calma aí, gorilão – rebateu Grace. – Ele é psicólogo, não zoólogo. Levi olhou para ela, boquiaberto. Justin meio que ficou se perguntando se seu amigo ia começar a bater boca porque, apesar de muitos não estarem cientes disso, Levi era altamente instruído e um pouco sensível sobre isso. O outro balançou a cabeça. – Gorilão? Ela arqueou uma sobrancelha. – Fique feliz porque eu não comentei sobre a inclinação deles para catar pulgas. – Eu costumo reservar essa atividade prazerosa para as pessoas mais próximas de mim, e agora? Você é a mais próxima aqui na mesa. – Levi ameaçou atacá-la, e ela soltou um gritinho, escondendo-se atrás Justin. O sujeito de cabelo escuro se recostou em seu assento, um sorriso iluminando seu rosto. – Nunca compre uma briga com alguém que você não pode vencer. – Eu tenho o Justin para me defender. Levi riu. – E você acha que o doutor aí pode me derrubar? Justin ficou assistindo ao diálogo com um sentimento crescente de ruína. – Não há necessidade de constranger o Levi, não é? – Boa tentativa, professor – disse Grace com um sorriso. Voltando-se para Levi, ela passou o braço em volta da cintura de Justin. Ele sentiu um aperto no peito. Era a primeira vez que Grace fazia contato só pelo simples contato. Não de uma forma sexual, não em reação a algo que ele tinha feito. Ela simplesmente o tocara porque queria tocar. Ela se inclinou para frente. – Deixe-me ver suas mãos. Levi enrugou as sobrancelhas, mas estendeu uma das mãos. Inspecionando-a com cuidado, Grace olhou para Justin e assentiu. A diversão em seu olhar roubou o restinho do fôlego dele. – Grace. – Cinco pratas e uma cerveja que o professor aqui pode vencer você numa luta de polegares. Sem revanche, cotovelos na mesa, nada de dedos quebrados, e vocês devem jogar até um dos dois ficar
preso. – E quem vencer ganha um beijo seu – acrescentou Levi. Justin olhou feio para ele, os punhos cerrados. – Feito – disse Grace. Justin balbuciou, incapaz de encontrar palavras para protestar. – Você me ganhou na parte da cerveja grátis. – Levi arregaçou a manga, flexionando os dedos. – O beijo foi só para despertar o Hulk no professor aí. Ele geralmente é o mais calmo da turma, então, isso é um deleite. Justin olhou para ela. – Uma partida mortal de luta de polegares? – Não perca – murmurou ela. – Eu não vou comprar uma cerveja para o gorilão caipira. Ele pode pedir uma jarra. E eu não vou beijá-lo. Justin não conseguiu evitar. Ele gargalhou, muito e alto, mesmo enquanto arregaçava as mangas. – É o melhor motivo para eu não perder. Ou eu teria de matar o cara, e isso seria esquisito. Ele pousou o cotovelo na mesa e se alinhou a Levi. As brincadeira e risadas de ambos chamaram atenção, e uma pequena multidão se reuniu em torno da mesa. – Luta de polegares? – murmurou alguém. – Aposto dez pratas que o cara de cabelo castanho vence o de cabelo preto. – Eu topo. O cara de cabelo preto tem um monte de músculos. A conversa zumbia ao redor deles, e Justin flagrou-se incapaz de conter o sorriso que vinha flertando com os cantos de sua boca. – Nós vamos ser presos por estimular apostas em um evento esportivo. – Foi um longo e tenebroso inverno, sim, mas ficar tão animado assim por causa de uma luta de polegares? – cochichou Levi, balançando a cabeça. – As pessoas deveriam sair mais. – No “três” – berrou um estranho. – Um… dois… três! Justin observava a estratégia de Levi. Cheio de força bruta, sua intenção óbvia era prender o polegar de Justin e segurá-lo ali por durante uma nova contagem até três. Justin brincou com ele um pouco, provocando, deixando Levi quase capturar seu polegar, e então atacou. Levi libertou-se e a multidão aplaudiu e gemeu em igual proporção. Deixando Levi reconstruir sua confiança a níveis perigosamente elevados, Justin atacou novamente, desta vez relaxando a mão para uma fração de segundo e reapertando o polegar de Levi de forma a dobrá-lo num ângulo doloroso. – Um… dois… três! – gritou a multidão antes de irromper em gritos e aplausos. Levi pegou sua carteira e entregou a nota de cinco a Grace antes de saudá-la, cutucando um chapéu imaginário. – Como você tinha certeza de que ele ia vencer? – Eu não tinha. – Grace deu de ombros. – Mas ele tem mãos grandes e é incrivelmente habilidoso com elas. – Ela piscou para Levi, e Justin caiu na gargalhada. – Além disso, quando você jogou a coisa do beijo, eu tinha certeza de que ele ia se restabelecer. – Muito bem. – Justin olhou para Levi. – Ela é fora de série. – Cara, eu não ia dar beijo nenhum nela. – Tem algo de errado comigo? – brincou Grace, cruzando os braços. – Nadinha de errado, querida. – Levi ficou sério, e Justin preocupado com o que o outro poderia dizer.
Ele já devia saber que podia confiar no amigo. Abarcando o queixo de Grace, Justin a beijou suavemente na testa. – Você é do professor aí. Isso é óbvio. E ao passo que posso ser o maior de nós dois, eu não vou enfrentá-lo no que diz respeito a você. Ele me quebraria ao meio para preservar sua honra. Justin incitou Grace a encará-lo. – Creio que um beijo seu faz parte do pacote de prêmios. – Bem, um beijo e uma cerveja. – Ela deu de ombros. – Além disso, vou dividir minhas cinco pratas com você. – Guarde o dinheiro e compre-me uma cerveja no fim de semana. Por enquanto, eu só quero meu beijo. O jeito que Grace olhou para ele, com tanta desconfiança, o lembrou de que seu objetivo era ganhar a confiança dela, provar que eles eram mais do que um casinho de uma noite que culminara em algumas palavras mal escolhidas. Justin queria que Grace tivesse certeza de que seu desejo era por ela, e não pelo sexo. Bem, não só pelo sexo. Abaixando-se, ele a jogou em seu ombro, dando-lhe um tapinha no bumbum quando ela gritou em protesto. – Ponha-me no chão agora, Justin Maxwell! – Ei, não é o sujeito que dança na boate Beaux Hommes? – perguntou uma mulher nas proximidades. Somente esta noite, podiam ir todos para o inferno: todas as fãs, as clientes que o conheciam, todos os seguranças que o espiavam com desconfiança, todos os amigos que os estavam assistindo com interesse renovado. Esta noite era só de Grace. E Justin ia mostrar exatamente quem ele era. – Alguém sacrifique suas chaves – disse ele, estendendo a mão e mexendo os dedos. – Daqui a pouco a gente volta. – Pegue minha caminhonete. – Cass caçou suas chaves na bolsa e as jogou para ele. Justin foi até a porta e a multidão se afastou, como se ele fosse Moisés indo para a Terra Prometida. Ele olhou para a mulher em seus braços e concluiu que, de certa forma, ele estava indo mesmo.
Capítulo 14
– EU NÃO consigo respirar – protestou Grace, firmando-se na parte baixa das costas de Justin para se erguer. – Caramba, mulher. Rins. Um homem tem rins. – Bem, coloque-me no chão. – Não. – Ele se reposicionou, colocando mais pressão nos quadris dela, e não na parte macia da barriga. – Eu prefiro urinar sangue. – Que bela imagem. – Grace ficou observando o bumbum de Justin flexionar enquanto ele caminhava, tentando não pensar nas pessoas que ficaram olhando quando eles passaram. Um pensamento malicioso tomou a mente dela. Firmando-se nos quadris, ela arqueou as costas e cravou os dedos nas laterais da cintura de Justin. – Opa! Ele pulou, parando bruscamente e se contorcendo para livrar-se das mãos dela. – Pare com isso, Grace! – gritou ele, rindo. – Ovários, Justin. Uma mulher tem ovários. Ele continuou a carregá-la pelo estacionamento. O ar frio pesado por causa da névoa cercou Grace, passando dedos invisíveis ao redor de sua cintura, onde a blusa tinha se levantado e exposto a pele. Ela estremeceu. – O carro de Cass deve estar por aqui. Procure por uma caminhonete escura com um adesivo que diz Preservações. – Só consigo ver seu bumbum. Não me interprete mal… é uma bela vista. Mas esta posição me deixa bastante inútil no que diz respeito a ajudar você a encontrar o carro, a menos que você esteja se afastando dele. Justin bufou, ajeitando Grace e enganchando casualmente um braço por trás de seus joelhos e o outro ao redor dos ombros. Algo decididamente feminino vibrou dentro dela por ter sido manipulada com tanta facilidade. Meu Deus, ela era tão mulherzinha às vezes. – Ali. – Justin remexeu-se apenas o suficiente para abrir a caminhonete usando o controle do alarme. – Ela não mencionou que tinha comprado uma caminhonete nova.
– Muito bom, embora um Audi A8-S faça mais meu tipo. – Uma garota fã de importados atrás do meu coração. – Ele sorriu, ajeitando-a de novo, desta vez para abrir a porta e pousá-la cuidadosamente no banco, com as pernas voltadas para fora. Justin a aguardou se acomodar antes de se encaixar com delicadeza entre suas coxas. Aturdida, Grace olhou para o rosto dele. – O que estamos fazendo aqui? Pontas de dedos ásperas passaram pelo seu pescoço e pousaram em seu peito, captando os batimentos cardíacos irregulares. – Nada. – É evidente que nossas definições de nada são diferentes. – Grace recostou-se no banco do passageiro. – Que trabalheira para se cobrar um beijo. – Na verdade, não. – Ele deu de ombros, ombros largos que estavam bloqueando momentaneamente a luz do poste. – Além disso, eu estou poupando o beijo. Ela ergueu a guarda. – Por quê? – Quanto ceticismo, Grace. Só estou economizando. – Então por que essa coisa toda de me carregar para fora do bar? – Isso te incomodou? – Não. – A confissão provou-se mais difícil do que deveria. – Por que não? – Acho que toda mulher quer se sentir um pouco feminina de vez em quando, e homens fortes fazem isso com a gente. – Ela afastou o cabelo e combateu um arrepio. – Opa. Desculpe. Nem sequer pensei na possibilidade de você ficar com frio. Cuidado com os dedos – avisou ele antes de bater a porta do carro. Justin correu para o lado do motorista e entrou, daí acionou o motor e ligou o aquecedor. – Deve ter assentos aquecidos – murmurou ele, tateando o painel. – A-ha! – Por que deveria ter assentos aquecidos? Justin apertou alguns botões e os bancos começaram a se aquecer. – Cass se matou de trabalhar para conseguir um lugarzinho no mundo da engenharia, e assentos aquecidos são seu jeito de dizer que ela chegou lá. Grace sorriu. – Quanto mais eu aprendo sobre Cass, mais acho que vou me apaixonar rapidamente por ela. Justin respondeu com um daqueles seus sorrisos. – Eric sente a mesma coisa. – Há quanto tempo eles estão juntos? Justin reclinou seu banco e apoiou as mãos na barriga – Ah, há uns seis meses. Eles fazem bem um para o outro – acrescentou serenamente. – É muito bom vê-lo feliz. Contorcendo-se em seu assento, Grace colocou as pernas debaixo do quadril e encostou-se na porta do carona. Ver Justin calmo e descontraído daquele jeito era um prazer surpreendente. Ela não tinha percebido como ele estava sempre em movimento. Não até ele parar. Agora, com a luz brilhando em seu cabelo, as mãos hábeis pousadas sobre o abdome e os olhos fechados, ele parecia relaxado de uma forma que Grace jamais tinha testemunhado, nem mesmo no restaurante.
– Se você não parar de olhar para mim, eu vou desenvolver um complexo. – A voz suave a invadiu, deixando arrepios em seu rastro. – É? Bem, sorte a sua que sou qualificada para diagnosticar todos os tipos de complexos. – Ela se inclinou para frente, apoiando os antebraços no console. – Então me diga, dr. Maxwell, qual é a origem do seu complexo? Seu passado? Seu presente? O que você deseja para o futuro? Esperanças? Sonhos? Decepções? Ele virou a cabeça em direção a ela, mas não abriu os olhos. – Você deveria licenciar sua voz. – Como? Por quê? – Porque é uma arma perigosamente sedutora. – Então ele ficou em silêncio por tanto tempo que Grace se perguntou se ele realmente havia cochilado. Mas daí ele finalmente disse: – Venha cá, Grace. Ela não pensou – simplesmente arrastou-se para os braços dele depois que Justin dobrou o console e a acolheu. O calor da pele dele invadia a camisa dela. Grace deu um suspiro profundo. – É gostoso ficar com você. – Idem. – Ele roçou os lábios no topo da cabeça dela. – Por que você estava chateada mais cedo esta noite? Ela esforçou-se para não enrijecer nos braços dele, mas falhou. Lamentavelmente. – A partir de hoje à noite, eu sou uma sem-teto. – Perdão? – A voz dele soou tão baixa e calma, no entanto forte o suficiente para soar perigosa na escuridão. As mãos de Grace começaram a tremer, e os calafrios se espalharam pelos braços e se amontoaram em seus ombros, formando nós imensos de tensão. – Eu tive que sair da casa da minha mãe. A voz dele caiu um tom. – Por quê? Por quê? – Porque eu fiz o imperdoável e estraguei a vida dela também. – Exatamente como foi que você estragou a vida dela? – Se Grace tinha achado a voz dele dura antes, agora esta soava absolutamente perigosa, repleta de ignorância e fúria. Com a garganta apertada, ela arquejou a resposta. – Eu nasci. – Ah, que inferno, Grace. Desculpe por ter dito que você poderia estragar a minha vida. Ela balançou a cabeça e tentou engolir. – Você é incrível, a melhor coisa que já me aconteceu, e você está segura comigo, linda. – A voz dele, agora ainda mais baixa, soou como se estivesse sendo raspada no cascalho, crua e dolorida. Aquela declaração sincera, que vinha logo no encalço da fuga da casa de sua mãe e das amizades que ela encontrara no bar… aquilo tudo foi demais para Grace. Desvencilhando-se dos braços de Justin, ela abriu a porta do carona e saiu da caminhonete. O ar saía raspando de seus pulmões. Lágrimas queimavam seus olhos, a visão borrava enquanto ela lutava para simplesmente conseguir ar suficiente para não desmaiar. Ela queria correr, mas não tinha absolutamente nenhum lugar para ir. Tal percepção foi um golpe duro. Todo o esforço para respirar falhou. Pontinhos pretos dançavam diante de sua visão, e ela achou que fosse desmaiar pela primeira vez na vida. A porta do carro bateu. Passos rangeram no cascalho, aproximando-se.
Ela precisava poupar-se dessa confusão, precisa encontrar um jeito de enfrentar os próximos nove dias sem entrar em colapso. Sua única escolha era um abrigo para mulheres ou a YMC… Braços fortes a colheram de encontro a um corpo rígido. Grace virou-se para o abraço cada vez mais familiar, encontrou a segurança prometida naqueles braços, e a permissão para simplesmente deixar rolar. Sem pressão, sem expectativas, sem necessidade de lutar para sobreviver, sem medo de rejeição. Ele era seu porto seguro. Ela agarrou-se a ele assim que foi atingida por ondas subsequentes de emoção. As palavras sussurradas romperam as muralhas de sua loucura, palavras que acalmavam os temores. Ela esforçava-se para ouvi-lo e para não ceder à dor que ameaçava estilhaçá-la. No final, ela não teve escolha. O primeiro soluço foi arrancado do coração, o som mais um gemido entrecortado do que um lamento. As lágrimas escorreram pelo rosto enquanto ela desabava nos braços fortes, braços que a envolviam, ofereciam apoio. Lágrimas quentes escaldaram suas bochechas, e todo o seu corpo estremeceu ao libertá-las. – Isso, deixe sair, linda. Eu estou com você. Aquelas últimas quatro palavras desataram o nó final de hesitação. Grace o agarrou e fez exatamente como lhe fora aconselhado. Ela deixou sair. JUSTIN NÃO tinha ideia de como eles haviam saído da luta de polegares com cerveja e beijos apenas meia hora antes para o colapso emocional de Grace em seus braços. Várias conclusões eram certeiras, no entanto. Primeiro, Grace vinha de um ambiente repleto de dificuldades e sofrimento, e Justin queria mostrar que ela merecia muito mais. Em segundo lugar, ele queria matar a mãe de Grace. Um instinto violento antigo correu por suas veias, uma espécie de droga da qual ele tinha se esquecido há muito tempo, mas que ainda reconhecia, e pela qual ansiava no momento. Ele havia lutado durante anos para dominar suas emoções, ficara famoso por seu controle, e agora o controle já era. Ele tremia devido à vontade fazer um mal indescritível à tal mulher. Aquilo o empolgava tanto quanto assustava. Ele poderia destruí-la e, ainda assim, não conseguiria compreender. Mas por Grace, ele conteria sua violência, se controlaria e se recusaria a cair naquela escuridão imensa que clamava por ele, seu canto da sereia pessoal. Grace valia o sacrifício para se fazer a coisa certa, e não a coisa que ele mais queria fazer. Em terceiro lugar, Justin ia ser a proteção e a segurança dela. Fosse qual fosse o custo, ele ia fornecer um refúgio seguro para Grace. Ponto. E estava tão grato por ser ele a pessoa a abraçá-la naquele momento. Ela era mais forte do acreditava ser, e inteligente o suficiente para cuidar de si. Mas ela ficaria mais forte ainda com ele ao seu lado. Só ele. Ele iria amá-la mais do que qualquer pessoa já havia sido amada. Tudo dentro dele parou. Lá estava aquilo de novo, a palavra amor. O que Justin pensava conhecer, o que ele supunha que sentiria… ele jogou tudo fora e agarrou-se ao que agora compreendia ser o amor. Era aquela mulher em seus braços, sua maravilhosa Grace. Murmurando palavras de incentivo, palavras para fazê-la compreender que estava segura e que era querida e amada, Justin seguiu gentilmente em direção à picape e tateou até encontrar o trinco da porta
traseira. Baixando-a, ele se acomodou no bagageiro e arrastou Grace consigo, permitindo que ela se aninhasse em seu colo. – Não me solte – soluçou ela num apelo sussurrado entre arquejos roucos. – Nunca, Grace – disse ele junto ao cabelo dela. – Nunca. – Eu não tenho para onde ir. – A voz dela delatou seu moral despedaçado, e feriu Justin de forma tão eficaz quanto se Grace o tivesse cortado com uma espada. Ele acariciava o cabelo ruivo, escolhendo as palavras com cuidado. – Você tem a mim, linda. Quero pedir um grande favor, um que eu sei que vai contra tudo o que lhe foi ensinado. Ela enterrou o rosto na camisa dele e deu uma risada dolorida. – A essa altura? Qualquer coisa. A primeira nota de esperança tocou dentro dele. – Vou cobrar isto de você. Vou entrar, chamar um táxi, e vamos voltar para o meu apartamento. É… feinho, mas é seguro e protegido. – Por que você faria isso por mim? Justin ergueu o queixo delicado e aguardou até que ela olhasse para ele. – Porque eu me preocupo com você. Eu não tinha começado a viver até você entrar na boate. Antes disso eu respirava, meu coração batia, minha pulsação latejava. Eu estava vivo, mas não estava vivendo. Não até você aparecer. Ele estivera esperando, sempre esperando, um resultado da vida. Havia trabalhado tão duro durante tanto tempo, e sempre tivera esperanças de que um dia haveria algo mais do que 80 horas de trabalho por semana, do que noites insones na época das provas ou noites mal dormidas no sofá de sua mãe. E então Grace entrou na turma que ele assistia. Na primeira vez que ela sorriu para ele, na primeira vez que ela o desafiou, a vida dele começou. E ao longo dos últimos três dias, ela lhe mostrara que a espera tinha valido a pena. Justin havia se apaixonado. Ele se inclinou para frente, nunca fechando os olhos, nunca interrompendo o contato com os olhinhos arregalados dela, daí colou os lábios aos dela gentilmente. Aquele beijo era moldado para curar velhas feridas e construir novos alicerces. Era um momento importante entre eles, um pacto de honestidade que jamais seria esquecido. Os lábios de Grace eram macios, a reação, hesitante. Justin insistiu, sem pressionar, porém nunca abrindo mão da base que havia construído. Ela precisava saber que ele era capaz de ser forte o suficiente por ambos. Quando Grace finalmente começou a reagir, Justin manteve as coisas lentas, quase preguiçosas, apesar do desejo ardente de deitá-la ali mesmo e amá-la de forma absurda. Não haveria tempo para isso. Por enquanto, isto seria o máximo que ele faria. Ele lhe mostraria de todas as maneiras possíveis que a amava loucamente, apaixonadamente, completa e totalmente. E quando o chegasse o momento certo, quando ela reencontrasse o equilíbrio, ele lhe ofereceria tais palavras. Afastando-se, Justin segurou o rosto dela. – Se isto não transmitir o fato de que você não estragou a minha vida, você vai ter que ficar comigo até que eu consiga encontrar um jeito de me explicar melhor. Olhos atemporais o espiaram, o brilho das lágrimas que Grace ainda não havia terminado de derramar refletindo à luz do poste.
– Eu poderia me acostumar com isso. Ele assentiu brevemente. – Eu quero que você espere aqui. Volto em um segundo, está bem? – Está bem. – Não vá embora. – Justin temia que o primeiro instinto dela fosse fugir no minuto em que ele saísse. – Por favor. – Eu prometo que vou esperar. – Grace baixou o olhar para as mãos que ela retorcia no colo. – Desculpe-me por ter desabado. Eu normalmente lido com a vida melhor do que isto. – Ei. Ninguém consegue aguentar anos de abuso verbal e sair ileso. Você deveria saber disso, Grace. – Certo. Eu só… – Ela mordeu o interior da bochecha. – …achei que eu tivesse mais controle sobre isso, até que explodiu dentro de mim esta noite. – Você não morou com sua mãe enquanto estava na faculdade, certo? Ela balançou a cabeça. – Não. Eu não teria sobrevivido. Eu morei com uma amiga, Meg, num lugar que era alugado de um sujeito, um médico que estava trabalhando no exterior Só que ele voltou mais cedo, sem aviso, por isso, numa noite estávamos morando no apartamento e na seguinte estávamos fora. A casa da minha mãe era a opção mais barata, e eu achei que pudesse dar conta por duas semanas. Uma declaração se destacou. – Você disse que não teria sobrevivido. Por quê? – Nada de me analisar, está bem? Ele tomou as mãos dela, apertando-as suavemente. – Sem análise. Eu só estou tentando entender as coisas. – Minha mãe tem uma casa em Aurora Boulevard, mais conhecida como Cai Fora Boulevard. Justin sentiu o estômago dar uma cambalhota e apertou as mãos de Grace um pouquinho mais forte antes de perceber o que estava fazendo. Relaxando, ele levou os dedos dela à boca e beijou cada nozinho. – Lamento por você ter crescido num ambiente tão ruim. Grace ajeitou-se para apoiar a bochecha no peito e sobre o coração de Justin. – Esta é uma boa forma de dizer: “Ei, lamento porque você cresceu numa periferia”. Justin a abraçou, deixando-a respirar por alguns minutos enquanto acariciava seu cabelo e dava beijinhos em todos os pontos dela que ele era capaz de alcançar sem movê-la. Finalmente, quando a respiração de Grace se acalmou, ele lhe segurou os ombros e a ajudou a sentar-se. – Preciso devolver as chaves de Cass. Vou entregá-las e chamar um táxi, certo? – O ônibus seria mais barato. – Seria, mas um táxi oferece muito mais privacidade. Você esteve chorando, e as pessoas são rudemente curiosas. Elas olham. É por isso também que estou pedindo para você ficar aqui enquanto eu entro. Eu não quero que ninguém faça perguntas que você não queira responder. Envolvendo a nuca de Justin, Grace o puxou para o beijo mais doce. – Obrigada. Eu nunca imaginei que meu cavaleiro de armadura brilhante ia aparecer num táxi em vez de surgir em um cavalo branco. Justin sorriu. – Eis aí a mulher que eu… conheço. – Esforçando-se para recuperar seu equilíbrio, ele pulou da caçamba. – Sente-se.
Foi necessário cada grama do controle dele para não correr para o bar. Ele optou por trotar. Rapidamente. Uma vez lá dentro, Justin encontrou Eric e Cass à mesa. – Onde está Levi? Eric meneou o queixo para a direita. – Jogando bilhar com uma loura de pernas longas. Nunca pensei que diria isso, mas duvido que ele vá voltar para casa com ela. Tem alguma coisa acontecendo com ele. Ele está agindo de forma estranha. A lealdade fez Justin querer investigar e ajudá-lo. Já o amor o incitou a entregar as chaves e dizer: – Vou levar Grace para minha casa hoje à noite. Não diga nada, meu amigo – interrompeu ele quando Eric abriu a boca. – Não nesse sentido. Ela precisa de um lugar tranquilo. Cass franziu o cenho. – Está tudo bem? Justin enfiou as mãos nos bolsos. – Vai ficar. – Não vamos insistir – disse Eric assim que segurou a mão de Cass. – Já passamos por isso, nós entendemos o quanto pode ser difícil classificar as prioridades e as bobagens no início de um relacionamento. – Eu a amo – desabafou Justin. – E não tenho ideia de por que acabei de dizer isso para vocês. Cass estendeu a mão livre e apertou o pulso de Justin. – Porque o amor, tão grandioso como é, pode ser um fardo. E às vezes você só precisa de alguém para ajudar a transportar a carga. Ele sentiu a garganta apertar-se e concordou. – Sim. – Pegue o meu carro se quiser. – Eric começou a procurar pelas chaves em seu bolso. – Isso seria ótimo. – Justin aceitou o chaveiro e ficou encarando-o até ser capaz de endurecer suas emoções. – Obrigado. Eu devolvo amanhã bem cedo. – Ele pode ficar comigo, e nós dois podemos ir e voltar juntos do trabalho, então fique com o carro pelo tempo que precisar. – Cass olhou para Eric. – Acabei de dar o seu carro, querido. Desculpe. Eric sorriu com ternura. – Eu mesmo teria feito isso, mas você se adiantou. – Ele acenou para Justin. – Vá. – Sim. – Dando meia-volta, Justin caminhou a passos largos até a porta, saiu e foi direto para a caminhonete. A vida estava à espera.
Capítulo 15
JUSTIN JOGOU a bolsa de Grace no banco de trás do sedã modesto antes de acomodá-la no banco do carona, como se ela fosse feita de uma porcelana superfrágil. – Este é o carro de Eric. Nada de táxi esta noite. – Você mencionou alguma coisa? Sobre o que houve comigo? – A última coisa que ela queria era que os amigos de Justin a considerassem tão frágil quanto ela se sentia no momento. – Só falei que eu estava levando você para minha casa. Deixe que eles deduzam o que quiserem. – Ele ligou o carro e a olhou de soslaio. – Tudo bem para você? – Melhor do que a alternativa. Ele enrugou a testa. – O que você quer dizer? – Dizer a eles que você conseguiu fazer a única pergunta que eu seria incapaz de responder sem desabar. – Ela suspirou. – Não é verdade. Nada disso é culpa sua. – E quando ela pensou que tinha parado de chorar, o peito apertou. – Eu não quero que eles presumam que… – Eles não vão presumir – rebateu Justin, a severidade de suas palavras duras o suficiente para evitar que a conversa fosse além, então Grace deixou para lá. A viagem até o apartamento dele foi reconfortante em meio ao silêncio absoluto. Justin pareceu perceber que Grace não queria conversar e ficou grata por isto. Mas para ser sincera, ela não tinha o direito de demonstrar ingratidão por causa de nada. Ele a havia magoado sim. Mas ela aceitara que ele realmente lamentara suas palavras. Ele não teria como fingir o nível de sinceridade demonstrado esta noite. Justin não era esse tipo de homem. Eles se aproximaram do complexo de apartamentos com muito menos desespero do que aquele exibido antes de chegarem ao hotel, no sábado à noite. Nada de encostar abruptamente no meio-fio, de sair do carro correndo ou de correr para o quarto. Após a depuração emocional anterior, tudo agora parecia mais um anticlímax. Grace estava tão letárgica, seus membros pesavam como concreto. A luz do tráfego em sentido contrário fazia seus olhos arderem. Inclinando a cabeça no encosto do banco, ela deixou sua mente vagar. Ela estava meio surpresa por já não estar mais tão dominada pelo medo. Em seu rastro havia uma sensação silenciosa de aceitação, a percepção de que ela havia feito a ruptura definitiva da vida que
havia levado até o momento de seu colapso. Sua recuperação ia acontecer mais lentamente, enquanto ela descobrisse quem queria ser de fato. Grace não abriu os olhos quando Justin acariciou seu cabelo. Em vez disso, ela estendeu a mão cegamente. Ele aceitou o que ela oferecia, segurando-a com ternura. Aquilo era tão representativo de quem ele era, aquela coisa de ele aninhar silenciosamente o pedacinho de si que ela oferecia. Como Grace havia levado tanto tempo para perceber o homem notável que Justin era? Como ela pôde ser tão cega no que dizia respeito a ele? – Eu moro no segundo andar. Não sei se fica tranquilo nos fins de semana. Tem pouco tempo que me mudei para cá, e o lugar é… espartano? Isso poderia ser um eufemismo. Mas eu finalmente comprei uma cama, e eu… – Você não me deve explicações – sussurrou ela. – Mas eu quero que você saiba que lamento muito. – Lamenta? Pelo quê? – Ele entrou na garagem. – Fui tão dura com você. Ele ocupou a primeira vaga que viu, desligando o carro antes de se virar em seu assento para encarála. – Sobre o que aconteceu antes? Foi minha culpa. Eu fui um idiota. Ponto. Você mereceu, merece, coisa melhor do que isso. E quero que você receba isto. – Ele pegou a mão dela e a colocou sobre seu coração. – De mim. – Eu tenho que dizer uma coisa. – Grace engoliu o bolo tão familiar de emoção que sempre a deixava sem ar. – Aquilo que você me disse no sábado à noite? Atingiu todos os meus piores pontos. Mas agora sinto que sou uma tela em branco… livre de decepções com o passado, livre de expectativas com o presente, livre de sonhos com o futuro. – Isso vai mudar. – Ele fechou os dedos em torno dos dela e apertou levemente. – Eu prometo. Ela tentou sorrir, mas teve certeza de que exibiu apenas seu melhor esforço de sorriso extenuado. – Isso é uma promessa de Justin Maxwell ou do dr. Justin Maxwell? – Dos dois. – Inclinando-se sobre o console, ele soltou o cinto de segurança. – Fique firme. – Ele saltou do carro e foi até a porta dela, ajudando-a a sair. Quando ele se abaixou, como se fosse pegá-la, Grace recuou. – Você não pode me carregar para o saguão. Ele encontrou o olhar dela e sorriu. – Só vou pegar sua bolsa, srta. Cooper. Um leve rubor lhe aqueceu as bochechas. – Justo. Lembre-me de dar gorjeta a você quando chegarmos ao quarto. Eu ganhei cinco pratas de um bobo mais cedo. Justin bufou. – Ele nunca vai saber que fim levou. Prometo. Inclinando-se nele em busca de sustentação, Grace permitiu que Justin a guiasse para o outro lado da rua, pelo saguão e até o elevador. Lembranças do primeiro passeio de elevador juntos a aqueceram. Naquele dia Justin também segurara a bolsa dela. Quando o elevador anunciou a chegada ao segundo andar, Justin guiou Grace para fora. Ele abriu a porta do apartamento e congelou, olhando para ela com um desgosto quase tímido. – O que foi? – perguntou ela, oscilando com a exaustão quando Justin desvencilhou-se dela para ajustar a bolsa no ombro.
Erguendo os ombros, ele respirou fundo. – É um apartamento de um quarto. Eu não sou tão presunçoso a ponto de acreditar que dormiríamos juntos hoje à noite, mas eu não quero deixar você sozinha. Ela recostou um ombro na porta. – Eu nunca achei que você fosse me largar e sair, e ir para mais um quarto de hotel não é prático. – É importante para mim que você entenda que eu só quero o melhor para você. De novo aquela sinceridade. Ela estava cansada demais para pensar. As mãos grandes e hábeis envolveram seu braço, sobressaltando-a. Piscando rapidamente, Grace deu um sorriso triste. – Eu preciso me deitar. – Sim, você deveria. – Justin a ajudou a entrar. Eles seguiram por uma pequena cozinha e foram diretamente para um quarto igualmente minúsculo. Não havia mobiliário, exceto pela cama. Afundando na ponta do colchão, Grace ficou observando Justin guardar as coisas dela no armário antes de encará-la. – Você vai ficar bem, Grace. – Espero que sim. – Ela suspirou, a respiração instável e superficial. – Você vai. Você é forte, inteligente e resiliente. É óbvio que você é uma sobrevivente. Você também é uma ótima empresária caso um dia eu resolva partir para o ramo da luta de polegares. – Ele se aproximou, então tirou os sapatos de salto dela e os colocou de lado. Ajoelhado aos seus pés, ele olhou para cima, olhos azuis límpidos. – O quanto de ajuda você precisa antes de dormir? – Eu provavelmente vou querer sua ajuda para me despir. Meus dedos não estão funcionando muito bem no momento. Justin respirou fundo, mas em vez de fazer comentários, simplesmente começou a livrá-la da camisa e da calça jeans, até que hesitou. – Você trouxe pijama? – Eu não tenho ideia do que eu trouxe. Tenho certeza de que as roupas que usei hoje estão na bolsa porque eu troquei a caminho do bar. Deve ter mais umas duas mudas de roupa de trabalho e algumas camisetas. – Ela ergueu o olhar, levemente envergonhada. – Acho que esqueci de incluir roupa íntima para usar amanhã. Justin fez menção de falar, mas desistiu, então pigarreou. – Eu nem sei direito o que fazer a respeito. Ela sorriu, desta vez um sorriso mais genuíno do que o anterior. – Amanhã na loja mais próxima, depois do trabalho. – É justo. – Ele baixou o olhar para o chão e agarrou a própria nuca, puxando a ponto de fazer os músculos tremerem. – Então… não tem pijama. – Nenhum pijama – sussurrou ela. – Grace, eu não posso… isto é… droga. – Justin se levantou e afastou-se dela, apoiando as mãos na parede mais próxima. – Eu não consigo evitar, senão ficar maliciosamente excitado. Eu sou um tarado por reagir assim justamente nesse momento, mas meu corpo se recusa a se comportar. – Venha cá. – Eu sinto muito, eu simplesmente não consigo fazê-lo baixar… Reunindo o restinho de sua energia, Grace retrucou: – Justin. Ele virou-se, exibindo apenas o perfil, sem coragem de encará-la.
– O quê? – Venha cá. – Ela deu um tapinha no espaço ao seu lado. – Eu estou com frio. O jeito como Justin foi até ela, como se ela fosse explodir, fez Grace rir. E o volume na calça dele? Ela queria muito ter a capacidade de cuidar disso agora. Só que estava extremamente cansada. Justin parou diante dela, tirou a camisa e a entregou a Grace. Estava quente e tinha o cheiro dele, mas ela estava tão hipnotizada por aquele corpo rijo que não conseguiu fazer nada além de segurar a camisa nas mãos flácidas. – Pode me ajudar a levantar? – perguntou ela. Ele obedeceu, puxando-a de pé. – Obrigada. – Ela se virou, afastando o cabelo do ombro. – Você poderia por favor soltar meu sutiã? Dedos trêmulos roçaram na pele macia, os nervos de Grace inflamando toda vez que Justin a tocava. – Que diabo – murmurou ele quando ela deixou o sutiã cair no chão, chutando também a calcinha em seguida. Ela vestiu a camisa dele, inalando o perfume do tecido. – Estou com frio, e mais exausta do que jamais estive, e quero dormir durante dias, mas não sozinha. Você pode me abraçar? – Sim. – A resposta lacônica foi tão sufocada que Grace teria rido se fosse em qualquer outra situação. Justin a contornou, tirando as cobertas da cama, e a ajudou a acomodar-se. Em seguida, deitou-se em cima do edredom. – O que você está fazendo? – perguntou ela em meio a um bocejo. – Eu ia abraçá-la até você adormecer, e então deitar no chão. – Eu quero ser abraçada, Justin. Abraçada. Tire todas as peças de roupa que achar necessárias até você se sentir confortável e venha para cá. Sem uma palavra, ele se levantou e despiu-se em segundos. Completamente. Afastando as cobertas do seu lado da cama, Justin deitou-se e rolou para Grace, puxando-a em seus braços e ajeitando as posições até eles ficarem confortavelmente deitados de conchinha. A última coisa da qual ela se lembrou foi de senti-lo escorregando um braço sob sua cabeça e o outro em torno de sua cintura, serpenteando a mão entre os seios e agarrando o ombro do outro lado. – Durma, linda. Eu estou com você. E então o mundo desapareceu. JUSTIN FICOU acordado durante dois dias. Pelo menos assim lhe pareceu. Provavelmente foram apenas duas horas. Ele aninhou Grace junto ao peito, ouvindo-a respirar, sentindo o coraçãozinho dela bater abaixo de seu pulso. O braço que estava debaixo da cabeça dela começou a ficar dormente. Ah, bem. O incômodo seria um saco de manhã, mas valeria cada bocadinho de desconforto, pois significaria que ele havia ficado abraçado a ela. Acariciando o cabelo dela, Justin ficou feliz quando ela se reposicionou, mas menos entusiasmado com o jeito como ela o fez. Ela se aconchegou ainda mais, a camisa subindo e desnudando seu bumbum, que por sua vez roçou no membro dolorido. Sim, tinha sido bem complicado desde que Justin tirara os sapatos dela. Não era um momento digno de orgulho. A culpa berrava com ele para que mantivesse o controle, mas Justin não conseguia conter, ainda que remotamente, o pedacinho solitário
dele que continuava a gritar: “Oba! Grace está pelada!”. E agora, toda vez que ele se afastava dela, ela acompanhava no recuo para que eles continuassem coladinhos. Aquela ia ser a noite mais longa da vida dele. Grace se mexeu um pouco, buscando conforto, e ele não conseguiu conter o silvo suave que lhe escapou. – Toma jeito, Maxwell. – Justin? Ele parou. – Sim? – Tudo bem se você me cutucar nas costas, mas você tem que parar de se contorcer. Ele riu baixinho, apoiando-se num cotovelo para poder olhar para ela. – Ajudaria se você não fosse tão linda. – Você está sendo tendencioso. Eu te ganhei com as minhas referências ao Banco Imobiliário. – A voz sonolenta dela estava carregada de humor. – Você está certa. Mas, se bem me lembro, você prometeu fazer o papel de todas as peças no tabuleiro, não é? Era isso que você queria. Ela deslizou a mão atrás de si para traçar padrões aleatórios na pele nua do quadril dele. – Pode ser que a gente tenha se esquecido de alguma coisa. – Isso é um crime – murmurou junto ao cabelo dela. – “Vá para a prisão e não avance no tabuleiro” provavelmente é mais apropriado. Ele se inclinou e beijou-lhe o ombro nu. – Esqueça o dinheiro. E eu não fico bem de roupa de presidiário. Vamos ter de marcar um encontro do Banco Imobiliário em breve para corrigir nosso erro. – Mas esta é a sua cama. Deveria ser o Banco Imobiliário em Meca. O membro dele se assanhou, martelando as costas dela. – Está vendo? Seu corpo concorda comigo. – Grace… você precisa dormir, linda. Eu vou sobreviver esta noite – Que será longa, impossível, triste e interminável. – Ficar abraçadinho com você é o suficiente por enquanto. – Mas isso não é tudo o que você quer – sussurrou ela, deslizando a mão para baixo para roçar um testículo. Justin estremeceu com força suficiente para sacudir a pequena cama. – Eu estou tentando ser tão cavalheiro quanto um homem nu pode ser. – Aproveite o momento, Justin. – A mão dela continuou a explorar, até chegar à base do membro. Grace o envolveu e pressionou suavemente. Justin gemeu e investiu contra a mão dela. – Não faça isso de novo. Ela parou. – Por que não? – Eu estava tentando psicologia reversa. Pelo visto sou uma porcaria de psicólogo. A risada dela foi a recompensa dele. Quando Grace o apertou novamente, no entanto, e começou a acariciar, Justin poderia muito bem ter ganhado na loteria. Qualquer loteria. Soltando-o, ela reposicionou-se e rolou até eles estarem cara a cara sob a iluminação pálida do despertador. A pele dela era etérea, quase translúcida à luz artificial. Seu cabelo estava espalhado pelo
travesseiro, e ela havia puxado o lençol até a cintura. E então ela lambeu os lábios com uma lentidão exigente. – Você está me matando – murmurou ele baixinho, afastando o cabelo dela da têmpora e colocandoo atrás da orelha. – Definitivamente não é minha intenção. Eu quero você. A confissão foi tão tranquila que Justin teve certeza de que havia entendido mal. – Você me quer. Ela sorriu. – Sim, quero. – Então ela puxou o rosto dele para si e o beijou, os lábios um sussurro roçando os dele. – Eu realmente quero você. O segundo beijo, mais firme do que o primeiro, começou a derretê-lo. Inferno, a quem ele estava tentando enganar? Ele estivera em ruínas desde que Grace entrara em sua vida. Agarrando-a, ele deitou-se de costas e posicionou os joelhos de Grace junto às laterais de seu corpo. O sexo nu dela montou o cume de sua ereção assim que Justin a puxou para frente a fim de lhe reivindicar a boca com uma autoridade escaldante. Em meio a um choque de calor e de doces sons do desejo, ele a levou além com aquele beijo. Uma das mãos percorria cada centímetro de pele nua passível de toque, enquanto a outra lhe agarrava o cabelo e se recusava a permitir que Grace interrompesse o beijo para respirar. Não que ela tivesse tentado. Mas exercer o controle sobre Grace deixava Justin louquinho. Ele ergueu os quadris quando Grace impulsionou-se de encontro a ele, seu calor deixando marca. Aquilo rotulava Justin como objeto de posse dela, agora e sempre. O gemido suave de Grace falou tanto quanto seus quadris. Ela estava ávida por ele. Quase tão faminta quanto ele estava por ela. Quase. Justin simplesmente não era capaz de acreditar que ela poderia desejá-lo tanto quanto ele a desejava, que poderia amá-lo tanto quanto ele a amava. Ele ainda teria de convencê-la a aceitar seu amor, mas isto ficaria para outra hora. O que importava era o agora, tal qual Grace dissera. Puxando o cabelo dela suavemente, ele interrompeu o beijo. O peito arfava. – Eu não tenho preservativo aqui. – Eu nunca fiz sexo sem proteção – admitiu ela um pouco timidamente. O homem das cavernas dentro dele quis rugir. Ele poderia ser seu primeiro e último, seu único, pele com pele naquele calor dentro dela. Justin quase saiu de si. Engolindo em seco, ele assentiu. – Eu faço o teste regularmente há oito anos e sei que estou limpo. Você toma pílula? Ela assentiu. – Não tem nenhum bebê secreto escondido em algum lugar aí? – perguntou ela, meio provocando, mas claramente meio séria. – Nenhum bebê secreto. – A visão de Grace grávida de seu filho deixou Justin sem fôlego. Ele queria vê-la daquele jeito algum dia. – Justin? – Não é… – Ele começou a dizer “nada”, mas teria sido uma mentira. Em vez disso, ele retorceu a boca. – Eu quero você, srta. Cooper. Eu quero você da maneira mais sórdida. – Recobrando a concentração, ele segurou o rosto dela e inclinou-se para beijá-la suavemente, rapidamente. – Sem camisinha?
– Sem camisinha. As mãos dele pousaram nas curvas delicadas dos quadris dela. – Pegue o que quiser, Grace. Se eu tiver que dar, qualquer coisa que eu tiver para dar, é tudo seu. Ela foi escorregando para baixo e, sem aviso, curvou-se para tomá-lo entre os lábios. Fundo. Muito fundo. Os quadris de Justin se ergueram no momento em que ele gritou de prazer. Ele não tinha ideia do que dissera. Só sabia que num minuto estava olhando para Grace e no seguinte estava revirando os olhos enquanto balbuciava palavras de amor e carinho como um colegial virgem. Nada fora tão bom quanto aquilo. Jamais. E nada seria tão bom assim outra vez, a primeira vez que ela o amara com os lábios, dentes e língua. Ele lutava contra o desejo de observá-la, certo de que desta forma perderia o controle e se constrangeria de forma espetacular quando ela o levasse ao ápice. Grace era pura economia e languidez de movimentos, tudo de uma vez só. Quando não conseguiu aguentar mais, Justin se inclinou para frente e segurou o queixo de Grace, puxando-a para um beijo breve. – Preciso te possuir agora. Não quero esperar. Mal posso esperar. – Manifestou-se o homem das cavernas, se é que ele já havia se manifestado alguma vez, mas lá se foi. Grace o reduzia à forma mais básica de comunicação. Ele estava a um passinho de agarrá-la pelos ombros, deitar-se em cima dela e penetrá-la como um animal. Combatendo este instinto primitivo, ele se obrigou a deitar-se novamente. – Pegue o que quiser, Grace. Hesitante, movimentando-se com cuidado, ela ergueu a ereção pesada e montou na glande imensa. Afundando lentamente, Grace jogou a cabeça para trás e arfou quando ele violou suas dobras exteriores. Ela se movimentava em cima dele enquanto Justin a admirava, subindo e descendo e tomando mais dele toda vez que baixava seu corpo ágil. Perdido no momento, ele rasgou a camisa de Grace e a incitou a cobrir os seios com as próprias mãos. – Isso. Ela começou a massagear os seios, beliscando os mamilos com uma força muito maior do que Justin julgava confortável. Mas eles se enrijeceram rapidamente quando ela deu o impulso final. Um calor úmido, firme e escaldante o envolveu, sugando-o profundamente só para depois libertá-lo, deslizando ao longo de seu comprimento. Encontrando seu ritmo, Grace o cavalgou com abandono absoluto. Ele colocou uma das mãos na junção do quadril e das coxas dela, abrindo a carne até encontrar seu clitóris. Daí estimulou o ponto com o polegar, com força. Grace gritou, seu ritmo vacilante. Então Justin fez de novo. O que antes era um abandono deliberado se transformou numa paixão potente e instintiva enquanto ela mantinha a mão dele ali e o cavalgava com mais intensidade. – Por favor, Justin. Expondo o pequeno botão, ele o tamborilou rapidamente. Não foi preciso mais nada. Justin dobrou os joelhos, e Grace caiu para frente, com as mãos no peito dele. Segurando os quadris dela, ele começou a bombear com uma eficiência brutal. As leis do amor diziam que ele não teria como levá-la ao clímax sem acompanhá-la; sendo assim, quando Grace se desfez com um grito, e seus músculos internos se contraíram, o orgasmo de Justin foi incitado sem dó.
O calor na base da espinha dele se espalhou rápida e intensamente. Seus testículos se contraíram de maneira incrível. Ele queria gritar, mas o prazer o fez emudecer quando ele se contraiu, os dentes cerrados. Tudo que ele pensava saber sobre sexo e orgasmos tinha acabado de sair pela janela. Isso, isso era fazer amor. Talvez um pouco bruto, sim, mas uma coisa era absolutamente verdadeira: sem dúvida ele nunca havia experimentado nada assim. Grace tombou no peito dele, ofegante. – Justin – disse ela, uma admiração indolente na voz. – Você escondeu suas habilidades no sábado à noite. Ele a abraçou, puxando as cobertas sobre eles enquanto seus corpos se arrefeciam. Grace já estava resfolegando suavemente em seu ombro, e Justin percebeu quando o sono a dominou. Cobrindo-a com o lençol, ele a abraçou e pousou os lábios em sua têmpora. Havia tanto a dizer a ela, tanto que ele queria que ela soubesse. Por onde começar? Ele já havia testado diferentes situações, e desanimado quando nenhuma delas parecera dar muito certo. O sono o dominou antes que ele pudesse pensar melhor.
Capítulo 16
O DIA seguinte foi um amontoado de paradas e recomeços. Grace gastou uma enorme parte dele tentando não olhar para Justin, mas falhando. Ela estava arrasada por ter desabado na frente dele, mas também percebera que aquilo estava iminente há um bom tempo. Ela havia sido minada em todas as oportunidades, rejeitada em todas as vezes. Ninguém saía incólume de algo assim. Era fundamental que hoje Justin a estivesse permitindo relaxar, sem enchê-la com perguntas, e em vez disso simplesmente deixando-a fazer seu trabalho. Mas, com o final do expediente se aproximando rapidamente, Grace sabia que tinha de tomar algumas decisões. Ela não podia pagar por uma noite em um hotel, e com certeza não ia permitir que Justin pagasse para ela. Sendo assim, restava apenas a casa dele. Não era a melhor ideia. Ele a flagrou olhando para o relógio quando girou a cadeira para encará-la. – Eu fiz uma ligação mais cedo. Os dedos de Grace gelaram, e um suor frio umedeceu sua nuca. – O que você fez? – Ela odiou o tom acusatório ficado evidente na própria pergunta, mas ela ainda estava frágil e insegura em relação à sua situação com ele. O que havia rolado entre eles na noite anterior tinha sido fora de série até onde dizia respeito à experiência em si, mas Grace não sabia se era recíproco. Justin recostou-se na cadeira. – Eu liguei para o administrador do meu condomínio e providenciei para que você tivesse uma chave. Você pode ficar comigo até a gente resolver a questão da sua moradia. Claro, você não precisa ficar lá. É só uma opção. Ela não conseguia decidir se deveria lamentar pelo gesto despótico dele ou atirar-se em cima dele num abraço de gratidão. Buscando um meio-termo, ela assentiu e deu um sorrisinho. – Obrigada. O agradecimento baixinho quase se perdeu dentro do escritório. O coração de Grace inflou tanto que ela se perguntou se suas costelas poderiam rachar. Eles estavam morando juntos. Justin cuidara de tudo, oferecera opções, se oferecera para ajudá-la a se virar sozinha ou se tornar uma parte mais permanente de sua vida. – E se não der certo?
– Eu sou muito responsável, então imagino que consiga administrar minha própria casa direitinho. Mais uma vez, ela foi obrigada a esclarecer: – Não. O que eu quis dizer foi: e se não der certo entre nós? E se isso tudo for só uma reação cheia de carga emocional do tipo “salve a donzela” e você quiser me expulsar do seu apartamento daqui a uns dias? – Eu imagino que vamos brigar, Grace. Casais brigam. Mas não precisa ser uma briga feia, violenta ou que leve a um término. Nós dois somos psicólogos. Teoricamente, devemos ser capazes de administrar nossas diferenças. Ela virou a cadeira de volta para o pequeno recorte da mesa a fim de obter o máximo de privacidade possível. – Posso pensar no assunto? – Sim. A resposta tensa de Justin fez Grace olhar para trás. A pele ao redor dos olhos dele estava contraída, muito embora o restante de seu corpo parecesse relaxado. Foi assim que ela soube que ele estava mentindo. Bem, talvez não “mentindo”, mas ele com certeza não estava expondo a verdade completa. Grace deixaria rolar por enquanto. Havia muito mais coisas para se resolver. – Onde eu vou dormir? – Comigo, se isso não a deixar desconfortável. Ela sentiu um aperto na garganta. – Tudo bem. Vamos tentar. Um dia, hum… uma noite de cada vez. – Você não vai validar meu comentário sobre “casais”? – perguntou ele em voz baixa. A boca de Grace ficou tão seca que ela poderia ter oferecido sua língua a um meeiro. Ela teve de engolir algumas vezes antes de responder. – Você quer sinceridade? – Sempre. Sua resposta quase veemente a chocou por completo: – Eu nem sequer pensei nele duas vezes. – E por quê? Ela sentiu seu pescoço queimar. – Soou natural, está bem? Em um segundo Justin se pôs ao lado dela, e no seguinte a estava puxando da cadeira. Envolvendo-a em seu abraço forte, ele a carregou e rodopiou enquanto sorria feito um lunático. Ela riu. – Ponha-me no chão, seu bobo. – Grace Cooper é minha namorada. Ela contraiu os lábios. – Eu acho que ela é. – Garota de sorte. – Garoto de sorte. Ele a beijou na pontinha do nariz. – Sem dúvida. – Olhando para relógio, ele suspirou. – Finalmente, 17h. Pronta para sair daqui? – Sim. – Grace fez menção de pegar a bolsa, mas Justin se adiantou e pegou primeiro. – Você vai carregar meus livros também? – brincou ela, erguendo os três exemplares que vinha usando para ajudá-
la com os casos dos pacientes. Justin mexeu os dedos. – Pode me dar. – Eu posso ser uma donzela, mas não estou em perigo. – Ela contraiu os lábios, lutando contra o mau hábito de mordê-los. – Não mais, de qualquer forma. – Você nunca esteve em perigo, querida. Você só estava estressada. Tem uma grande diferença. – Explique-me… a caminho de casa. – Ela sentiu um sorrisinho puxando os cantos de sua boca quando Justin sorriu largamente. – Você se importa se nós adiantarmos sua aula de empadão de frango para hoje à noite? É a única noite em que minha mãe está livre. Ela é muito maternal, então quebre o galho dela. Ela vai ficar rondando e fazer tudo, exceto controlar o próprio barômetro emocional, mas isso só acontece porque ela se preocupa. – Mas ela não me conhece. – Ainda não, mas ela quer que eu seja feliz, e você me faz feliz. Grace apertou a alça da pasta. Se ela não conseguisse fazer Justin feliz, perderia não só ele, mas também o potencial que tinha de fazer parte da família dele e de se tornar íntima de seu círculo de amigos. Claro, ela ainda teria suas amigas, mas estaria cada uma num canto do país. Mas e se ela o fizesse feliz? Ela poderia ter tudo isso. Pela primeira vez em sua vida, a ideia de permanecer em Seattle não a fazia querer mudar de nome e se juntar ao circo. Ela estava contente com a ideia, tanto quanto estava com Justin. No momento, ele parecia ser o núcleo do mundo dela. Ou talvez ela fosse o núcleo e ele orbitasse ao redor dela, trazendo outros consigo para orbitar em volta deles. Havia ainda a questão dos seus sonhos, a promessa de uma oportunidade em Baltimore e o reencontro com Meg. Nada disso poderia acontecer caso ela fizesse essa escolha de longo prazo. E ela só tinha começado a “namorar” Justin há poucos dias. Será que ela deveria desistir de tudo por um futuro incerto? Será que conseguiria superar a raiva de sua mãe, bem como uma vida inteira de sofrimento e abandono, de modo a escolher Seattle como seu lar? Muitos pensamentos confusos e conflitantes lotavam sua mente. Ela precisava adquirir perspectiva. Justin a surpreendeu quando segurou sua mão. Ela se desvencilhou. – Você não pode segurar minha mão aqui. Você pode perder seu emprego, e eu posso perder o estágio. Arqueando uma sobrancelha, ele olhou para ela. – Como você acha que vai ser quando você aparecer na festa de fim de ano da empresa comigo? Você só vai estagiar aqui por um tempo. – Mas eu tenho que ser aprovada agora, Justin. Eu não posso correr o risco de eles acharem que você está sendo tendencioso indevidamente. Ele parou e, mais uma vez, passou as mãos pelo cabelo. – Você está certa. Estou tão vaidoso por ter você comigo que não quero deixar nada nem ninguém estragar esse sentimento, mas você está certa. – Ele soltou a mão dela. – Só para constar, eu não vou contrariá-la, mas só porque você é fenomenal na cama. Isso é só uma concessão. Dando-lhe um tapinha no braço, ela riu. – Você é maluco. Já pensou em analisar esta cabecinha?
– Já fiz isso. Foi assim que acabei virando psicólogo, e por isso foi tão importante para mim fazer a pós-graduação e vir trabalhar aqui. O psicólogo que me orientava no Segunda Chance me convenceu de que eu era inteligente e empático, e decididamente teimoso o suficiente para ser o psicólogo ideal. – Imaginei – admitiu ela. – Eu, por outro lado, me interessei mais em conseguir logo o diploma para poder arranjar um emprego que me permitisse me sustentar sozinha. E acho que eu também queria desvendar minha mãe, saber por que ela me trata desse jeito. Tratava. Porque ela me tratava daquele jeito. Cansei dela. – Ótimo. – Ele acariciou a cabeça de Grace enquanto eles caminhavam pelo corredor, mas tirou a mão no momento em que ela lhe lançou um olhar duro. – Eu não quero que você vá vê-la ou que vá à casa dela por qualquer motivo que seja. Nós vamos comprar roupas novas para você, sendo que a roupa íntima é um opcional – sussurrou ele, meneando as sobrancelhas. – Velho tarado – sussurrou ela em resposta. – Sempre que tenho chance. – Ele diminuiu o ritmo até eles chegarem na calçada do lado de fora. – Enquanto você me permitir. Ela surpreendeu-se por ter uma resposta imediata: – Prepare-se para uma relação de longo prazo. JUSTIN LAVOU as mãos na pia da cozinha de sua mãe. A aula para fazer o empadão teria de ser ali, pois ele não tinha panelas e frigideiras. Ainda. Ele as compraria, mas tudo precisaria ser feito lentamente. Talvez Grace pudesse escolher algumas coisas para o apartamento, coisas que iriam ajudá-la a acrescentar seu estilo ao local e transformar o lugar no lar dos dois, e não só de Justin. Secando as mãos, ele mordeu o interior da bochecha e tentou não sorrir. Lar. Ali, com ele. Não tinha como ficar melhor. Grace virou-se, as bochechas rosadas devido ao calor do fogão, os olhos já não mais tristonhos, e sim brilhantes. Ele queria vê-la assim todos os dias pelo restante de suas vidas. – O quê? – perguntou ela. Apoiando o quadril no balcão, Justin cruzou os braços e balançou a cabeça. Se continuasse com isso, com aquelas revelações emocionais emparelhadas a visões de um felizes para sempre, ele supunha que teria de enviar os convites do casamento antes mesmo de fazer o pedido. Darcy disse alguma coisa para Grace antes de iniciar outra tarefa junto ao balcão. Grace encontrou o olhar de Justin. – Adorei sua mãe – articulou ela para ele. Justin sorriu. Eles eram só conversas silenciosas e dancinhas enquanto ele e Grace tentavam ao máximo se manter comportados. Ah, para o inferno com isso. Aproximando-se, Justin abraçou Grace e a beijou rápida e seguramente. – Você está absolutamente deliciosa coberta de massa. – Sua camisa vai precisar ficar de molho para remover o óleo. Desculpe. – Não se preocupe. Nossa casa tem lavadora e secadora de roupas. Darcy arqueou as sobrancelhas, mas não disse nada. – Esqueci de mencionar que arrastei Grace e que a estou sujeitando à tortura de morar comigo, como minha serva do amor? – perguntou ele inocentemente à mãe. O rosto de Grace queimou, mas Darcy apenas riu, dando um tapa no filho.
– Pare com isso, Justin Alexander. Você está constrangendo a nós duas, e para que isso? – Só para ver este rubor que está nas bochechas das minhas meninas. – Sua bajulação não vai render nada aqui. – Darcy pegou uma cebola na cestinha de madeira ao lado das latas de mantimentos e jogou para ele. – Vocês dois, terminem aqui enquanto vou olhar suas irmãs e me certificar de que todas fizeram o dever de casa. Vamos comer assim que vocês chamarem. Assim que sua mãe saiu, Justin encaixou Grace em frente ao seu corpo e fez o máximo para ignorar a forma como ela se moldava a ele, suas curvas, todos os pontos, os rijos e macios, pura tentação. Mas ele não ia morrer se mantivesse as mãozinhas longe dela. Por enquanto, pelo menos. Mas mais tarde ela seria todinha dele. Duas horas depois, a casa cheirava como o paraíso. Justin saiu do banheirinho no térreo e parou bem perto da porta da cozinha. As duas mulheres estavam sentadas à mesa, bebericando alguma coisa, provavelmente chá, e tendo uma conversinha mais particular. Ele queria saber o que elas estavam falando, mas também não queria interromper. Em conflito, Justin permaneceu ali por mais tempo do que deveria. – Entre, querido. Dá para saber que você está nos espreitando daí. Ele fechou os olhos e balançou a cabeça. – Não estou espreitando, mãe. Só estou tentando descobrir como pegar um refrigerante na geladeira sem interromper. – Não me diga que, de todas as suas habilidades malucas, você não é um ninja diplomado – disse Grace com um desgosto fingido. – Vou colocar na minha lista de planos para os próximos cinco anos. “Virar um ninja diplomado”. – Ele entrou na cozinha e foi diretamente para a geladeira pegar seu refrigerante. A campainha do forno soou. – Pode tirar do forno, aproveitando que você está aí? – perguntou Darcy. Ela suspirou, apoiando o queixo na mão. – Parece que foi ontem que eu fazia exatamente este prato só para ter certeza de que você viria jantar em casa. Justin quase deixou o prato cair quando Grace perguntou: – Onde ele poderia estar para perder uma maravilha dessas? O silêncio pairou no cômodo e deixou a atmosfera densa. Grace pôs a xícara na mesa, franzindo as sobrancelhas. – Justin? – Deem licença por um momento. – Darcy afastou-se da mesa e saiu depressa da cozinha. Aquilo não passava nem remotamente perto da maneira como Justin imaginava ter aquela conversa, mas ele não ia conseguir evitar por muito tempo mais. Desabotoando a camisa, ele baixou a manga esquerda na altura do ombro. A tatuagem elaborada no bíceps lhe pareceu mais apertada do que uma algema. Ilusão, pensou ele. Ele sentira a mesma coisa nos primeiros três ou quatro anos depois de seu desligamento da Deuce-8. – Isto? – Ele passou um dedo pelo contorno do desenho. – Ah, eu já vi. – Exato. – Ele bebeu um gole generoso de seu refrigerante antes de pousar a lata na mesa e ficar girando-a lentamente em torno do anel de condensação. – Eu… – Ele pigarreou e se obrigou a encontrar o olhar firme de Grace. – Bem, eu fiz parte da Deuce-8 por quase cinco anos. – A forma como Grace empalideceu fez Justin correr para explicar: – Faltando três semanas para o meu aniversário
de 16 anos, um sujeito me ofereceu um bom dinheiro para entregar um bilhete a alguém a poucos quarteirões de onde estávamos. Foi assim que tudo começou. Pequenas coisas. – Por quê? – A pergunta serena não continha nenhum julgamento, mas um mundo de confusão. – Meu pai foi morto durante o serviço militar, e ficamos desesperados por causa de dinheiro. Eu pegava o dinheiro que ganhava e enfiava cinco ou dez pratas na carteira da minha mãe, colocava gasolina no carro, fazia compras no mercado e trazia discretamente para casa. Pensei estar comprando proteção para minha família. – Ele enredou os dedos pelo cabelo, puxando até doer. – Eu me enterrei muito além do pescoço, mas saí. Estou fora dessa há pouco mais de uma década. No minuto em que ganhei meu primeiro salário legítimo, cobri minha tatuagem. – Ele pegou a mão de Grace e trilhou os dedos sobre a tinta. – Eu queria uma ruptura. Eu precisava disso. Eu nunca teria chegado aos 21 anos se eu não tivesse saído quando saí. Ela seguiu o desenho intrincado ao redor do bíceps. – Que tipo de coisa você fez para eles? – Comecei como mensageiro e terminei como executor. – Você já matou alguém? Fechando os olhos, Justin se esforçava para centralizar suas emoções e controlar o impulso que ameaçava dominá-lo. – Matei. Sim. – Ele arriscou um olhar para ela. Grace empalideceu. Ela tentou pegar sua xícara de chá, mas suas mãos tremiam tanto que ela só fez derramar o conteúdo todo sobre a mesa. – D-desculpe-me. – Era uma vida feia, muito feia. O instituto Segunda Chance me salvou numa época em que eu era muito estúpido para isso. Eu entrei e saí da cadeia várias vezes antes de bater à porta deles como uma última chance de tomar juízo. Eu devo muito a eles. Por isso é tão importante para mim trabalhar lá. – Ele engoliu em seco e quase engasgou. – Eu quero retribuir ao programa que me salvou, e quero dar a mesma oportunidade a outras crianças. – Por que eles o liberaram? – A Deuce? Ela assentiu com veemência. – Eu lutei para sair. Literalmente. Pense numa luta numa jaula, mas com armas. Foi feio. – E isso quase o matou – disse Darcy da porta. – Mas ele conseguiu se safar. – Ela se aproximou e colocou a mão no ombro de Justin. – Não o julgue pelo seu passado – Eu não posso mudar quem fui, Grace. A terapia me ensinou muito. Tudo o que posso fazer é tentar fazer o máximo para ser uma pessoa melhor. Eu tive que me perdoar por ser responsável por um monte de coisas horríveis. Você tem todo o direito de saber quem fui, mas quero que você me veja por quem sou agora. E aquele foi o ponto crucial de todo o ciclo evolutivo no qual Justin havia estado preso. Agora era o exato momento no qual ele seria rejeitado ou absolvido. Grace arregalou os olhos verdes e o encarou, parecendo enxergar diretamente através dele, nos recônditos mais íntimos. Justin permitiu o escrutínio, implorando silenciosamente a Grace para vislumbrar o homem que ele queria ser para ela.
Capítulo 17
GRACE SÓ conseguia olhar fixamente para Justin com uma combinação de pavor e admiração. Pavor por ele ter sido um jovem tão violento; admiração por ele ter se esforçado para sair do estilo de vida e se aprumado. Tudo fazia sentido agora. – É por isso que você me deixou assumir a liderança com Gavin. Você sabia que seria mais eficaz. Justin fez menção de pegar a mão dela, parando quando ela se encolheu involuntariamente. – Eu entendi como lidar com ele porque foi daquele jeito que fui tratado. O restante você fez sozinha: a conversa sobre quadrinhos, a figura de autoridade feminina firme, porém compassiva, a camaradagem. Mas eu percebi também que eu estava muito perto de ser totalmente objetivo. Eu tenho que superar isso se quiser fazer o programa funcionar. – Você vai lidar com um monte de crianças envolvidas em várias gangues. – Tal ideia a deixava com vontade de vomitar. Como ela poderia estar envolvida com um homem que iria colocar-se em perigo constante diariamente só de aparecer no trabalho? Quem estaria disposto a mergulhar no tipo de ambiente pernicioso que ela vinha tão desesperadamente tentando abandonar? Grace não tinha certeza se poderia conviver com isso. – Vou, isso mesmo. Mas espero que eu seja uma influência positiva para elas e que as ajude a perceber que elas têm opções. – Ele entrelaçou os dedos aos dela. – Por favor, Grace. Confie naquele que sou agora, não naquele que eu costumava ser. – Você matou pessoas. – Matei. Eu nunca vou ter orgulho disso, mas sempre foi em situações do tipo “ou eu ou eles”. – Quantas vezes? – Quando ele hesitou, os dedos dela se contraíram nas mãos dele. – Quantas vezes, Justin? – Menos de dez. Ela estremeceu. Qualquer um desses casos poderia ter tomado um rumo diferente. – Você devia ter se entregado para a polícia. Justin também contraiu a mão. – Provavelmente, mas não me entreguei. Você quer que eu faça isso agora? – Não. – A resposta irrompeu dela. – Não – repetiu ela mais baixinho.
– Eu tenho que seguir em frente. Se permanecer onde estou e ficar fazendo retrospectos… – Ele passou a mão livre pelo rosto. – Os pesadelos podem ser violentos, mesmo agora – interveio Darcy. – Justin, você poderia me dar um momento a sós com Grace? Avise suas irmãs que o jantar sai em cinco minutos e mande que lavem as mãos. Ele se levantou silenciosamente e saiu da cozinha. No momento em que seus passos pesados soaram na escada, Darcy encarou Grace. – Seja cuidadosa com ele. – O apelo foi pouco mais que um sopro. – Ele ficou tão mal depois que perdeu o pai. E tomada pelo luto, eu não fui o suficiente para ele. Ele sofreu por isso. Eu não quero vêlo sofrer outra vez. – Ela respirou fundo e olhou para cima, olhos azuis como os do filho. – Quando ele ama, ele faz isso de todo coração. E isso significa que ele encara a perda de um jeito mais difícil do que a maioria. Eu não quero que ele passe por esse tipo de perda de novo. Grace respondeu com sinceridade: – Em primeiro lugar, todo mundo processa a dor de forma diferente. Você nunca deixou de amar Justin, e tenho certeza de que ele sabe disso, sem sombra de dúvida. Ele precisou encontrar a saída para a própria dor. Você estava esperando por ele quando ele o fez. Isso é amor e, eu estaria disposta a apostar que é também onde ele aprendeu sobre amar. – Amor. Justin não tinha dito nada sobre o amor. Ele se importava com ela, sim. Mas amor? – Em segundo lugar, eu não tenho certeza se ele me ama, Darcy. A outra mulher sorriu serenamente, em seguida, exibiu um rosto uma década mais jovem, isento de toda aquela preocupação. – Ele é o meu menino, meu primeiro filho. Eu conheci o amor no momento em que ele nasceu. Confie em mim quando digo que sou capaz de reconhecê-lo a dez passos em uma noite sem lua. – Ela pegou as mãos de Grace. – Você está apaixonada, querida? O que você sente por ele? A pulsação de Grace acelerava, e seu coração martelava quando ela pensava em Justin, em estar nos braços de Justin, em ouvir a risada de Justin, em aquecer-se em seu calor compassivo, em sentir o cheiro de sua colônia, em ver aqueles olhos azuis grudados aos dela em momentos de paixão absoluta. Arrepios se espalharam por seus braços, e ela estremeceu. – Isso diz muito – murmurou Darcy. – A reação física é uma coisa, mas… eu não tenho certeza. É impossível ter a certeza de que o que estou vivenciando é o ápice de tudo que eu quero. – Ela baixou o olhar. – Isso soa muito infantil, não é? Darcy enganchou um dedo desgastado pela labuta sob o queixo de Grace e levantou a cabeça dela gentilmente, até seus olhos se encontrarem. – Isso não é nem um pouco infantil, Grace. Estas são as palavras de uma mulher que não vai se contentar em ser menos do que a razão de viver de um homem. Grace engoliu o nó na garganta, avaliando o rosto de Darcy, encontrando conforto na compaixão e sabedoria que descansavam ali. A mulher mais velha estava certa. Grace não ia se contentar com menos. Ela testemunhara, em primeira mão, anos de sexo casual e relacionamentos sem sentido corroerem a vontade de sua mãe de investir em outro ser humano. Relacionamentos de qualquer tipo eram muito trabalhosos, e Cindy não se dava bem com eles. Não, então ela escolhera deixar Grace carente de amor quando esta ainda era criança, abusara dela por esta querer o amor na adolescência e a repreendera já adulta por ser tola o suficiente para ansiar por ele. Agora a ruptura definitiva viera porque Cindy tinha tentado manchar a convicção de Grace de
que ela poderia encontrar um homem capaz de fazê-la acreditar que o amor era possível. Este era o verdadeiro cerne da questão. No fundo, Grace queria que Justin a amasse. Queria ser a lua para o sol dele, o combustível para a chama dele… a razão pela qual respirava. Ela queria que ele provasse que ela era digna de tal amor, pois tudo o que ela já tinha ouvido até então era exatamente o oposto. E Cindy pretendia roubar isso dela? Não. Este era um limite que ninguém cruzava. Era hora de abandonar a bagagem emocional de sua mãe e seguir em frente, fazer uma ruptura clara e se livrar totalmente dos pesadelos. Grace estava farta de Cindy. Isso significava que ela estava livre para ir aonde quisesse e ser quem desejasse. – Grace? A voz de Justin a retirou de seu conflito emocional antes que ela se machucasse. Ela levantou-se da cadeira e foi até ele, perifericamente ciente de que Darcy tinha saído da cozinha. Atando as mãos atrás da nuca dele, ela o puxou, tomada por um silêncio emocionado quando ele lhe envolveu a cintura e os lábios de ambos se encontraram. O beijo foi quase reverente, uma declaração do desejo tácito entre eles. Falava de esperanças e sonhos para o futuro, de desejos à espera de serem cumpridos. Aquele beijo a assegurava de que ela era preciosa, estimada e desejada, que tinha um lugar na vida daquele homem. Dizia quase tudo o que Grace queria dizer, no entanto, quando ela se afastou para encontrar os olhos azuis profundos, não recebeu a única coisa da qual mais precisava. Justin não disse que a amava. Tudo bem. Ela esperaria. Sustentando o olhar dele, ela escolheu suas palavras com cuidado. – Aquela conversa está encerrada. Eu vejo quem você é. O que você foi é passado. Só me prometa que vai mantê-lo lá. Ele franziu as sobrancelhas. – Eu nunca permitiria que a violência chegasse perto de você. Ela esfregou o polegar sobre o queixo mal-barbeado. – Vou cobrar isso de você. Eles arrumaram a mesa, movimentando-se lado a lado, como satélites na órbita de um planeta, passando perto, mas nunca se tocando. Havia tanta coisa que ela queria dizer, mas anos de rejeição a deixaram muda. Ela não tinha dúvidas de que ia ter de abandonar as inseguranças e reivindicar o que desejava caso tivesse pretensões de influenciar o resultado daquilo tudo. Virando-se para Justin, ela o flagrou observando-a com a expressão mais esquisita. – O que foi? – perguntou ela. – Nada. – Dando de ombros discretamente, ele calçou os pegadores de panela e colocou o empadão de frango no centro da mesa, ao mesmo tempo que mais de um par de pés desceu pelas escadas. – Uma amiga de Melody está aqui. – Ele se inclinou sobre a mesa. – Infelizmente ela é… – Ele sorriu, olhando para trás. – Oi, Jenny. Se Grace não o conhecesse tão bem, se não o tivesse visto lidar com as mulheres na boate, ela nunca teria captado seu desconforto. Ela olhou para trás e encontrou Melody revirando os olhos tal como uma adolescente fazia; a menina devia ter seus 15 ou 16 anos, e mirava Justin com um desejo óbvio. Grace lamentou por Jenny. Ela compreendia como era triste amar alguém e não ser correspondido. Então resolveu dividir o fardo com a menina. Jenny notou a presença de Grace, e a encarou muito confusa quando Justin sentou-se ao lado dela. Grace reconheceu o minuto exato, quando Justin pousou a mão em sua cintura, em que Jenny
percebeu que Grace era namorada de Justin. A outra arregalou os olhos e ficou boquiaberta. Grace se adiantou: – Oi, Jenny. Justin me falou muito sobre você. A menina a fitou pelo segundo mais breve antes de olhar para Justin. – Falou? Grace ofereceu a mão. Jenny a apertou, ainda olhando fixamente para Justin. – Falou. Aparentemente, você vem bastante na casa dos Maxwell. – Sorrindo, Grace recuperou a mão de Jenny e continuou a apertá-la. – Justin estava me ensinando a fazer empadão de frango. – Você não sabe cozinhar? – perguntou a garota, obviamente buscando desdenhar de Grace. – Não. A menos que você conte abrir latas de sopa. Nesse caso, eu faço uma bela lata de sopa. – Eu tive aulas de economia doméstica. Sei fazer um monte de coisas – disse Jenny assertivamente. – Que legal. – Grace sentou-se no banco que Justin puxou para ela. – Qual é a sua especialidade? Jenny a espiou, desconfiada. – Minha lasanha é realmente incrível. – Eu amo lasanha! Você poderia me ensinar a fazer? Aqui? Tenho certeza de que Justin não se importaria de nos ajudar a cortar os ingrediente. Ele ajudou a gente esta noite. Jenny estava tão obviamente atônita que Grace questionava se havia feito mais mal do que bem. A menina não tinha certeza se devia gostar de Grace ou odiá-la por estar com Justin. Em vez de pressionar, Grace permitiu que a outra pensasse. Antes que ela pudesse falar, Melody começou a responder. Grace balançou a cabeça. – É a especialidade de Jenny, então eu quero aprender com ela, está bem? Melody suspirou. – Tanto faz. Jenny finalmente assentiu devagar. – Se Justin vai ajudar a cortar coisas… – Ele vai. – Grace o fitou com serenidade. – Não vai? – Claro. – Ele sorriu. Darcy apareceu na sala. – Oi, Jenny. Que bom que você ficou para o jantar. – Justin está aqui, mamãe. É claro que ela ficou. – Melody Ann, olhe estes modos. A ferroada nas palavras de Darcy fez a adolescente baixar o queixo. – Desculpe. – Você deve um pedido de desculpas a Jenny, não a mim. – Desculpe, Jen. É que fico louca com essa coisa de você achar meu irmão um gato. Jenny corou violentamente. – No que diz respeito a desculpas, esse deve ter sido o pedido mais estranho que já ouvi. Independentemente disso – falou Justin devagarzinho, piscando para Jenny –, eu tenho uma afinidade com qualquer mulher que me considere um gato. Obrigado. O coração de Grace, que já vinha transbordando, inflou ainda mais. Justin era tão gentil, mesmo estando tão desconfortável quanto estava. Ele continuava a provar continuamente o quanto era incrível,
e Grace percebeu que seus comentários sobre o Príncipe Encantado não estavam tão longe da realidade. Ele era tudo o que uma mulher poderia querer, e lá estava ele, pedindo para ser dela. – Olhinhos apaixonados? – Justin se inclinou e sussurrou, os lábios se retorcendo de encontro ao ouvido de Grace. – Ah, você também?! Ela riu, não conseguiu evitar. – Sim. Desculpe. – Não peça desculpas por fazer de mim um homem de sorte. – Grace olhou para seu prato, esforçando-se para recuperar o equilíbrio enquanto Justin pegava a colher de servir. – Muito bem. Quem vai ser o primeiro? OS DIAS subsequentes se passaram sem incidentes para Justin. Até sexta-feira. Gavin, o garoto que estava sendo cortejado pela Deuce-8, ignorou sua terceira consulta. Justin ligou para a agente de condicional do garoto a fim de relatar a falta e foi informado pela mulher desesperada que ele também tinha faltado à escola tanto na quinta quanto na sexta-feira. Ninguém parecia saber onde ele estava, incluindo a família. Justin foi tomado pela náusea com vigor suficiente para agarrar a lata de lixo e esforçar-se para não vomitar. Ele não podia perder o garoto para a quadrilha. Queria salvá-lo de uma vida de violência e arrependimento, de uma vida que, com toda a probabilidade, o mataria antes que ele alcançasse a maioridade. Ele tinha estado lá. Sabia como era. E também sabia que havia uma chance sólida de a quadrilha ter aumentado a pressão para sugar o garoto, para afastá-lo de sua vida normal. Era o jeito de tentarem convencê-lo de que ele era importante, insubstituível, desejado. Eles lhe dariam dinheiro, drogas, mulheres, o que fosse preciso para levá-lo a se comprometer. Então o usariam como o peão que era, mais um corpo na guerra crescente por territórios. Uma imagem da criança, com olhos abertos porém vidrados pela morte, surgiu na mente de Justin. A bile subiu pela garganta. Há muito perdido para lembranças e emoções, ele não conseguiu evitar vomitar. Grace entrou no momento em que ele pousava a lixeira no chão. Ela absorveu a cena – o telefone perto dele, a palidez, o fedor de bile – e fechou a porta muito silenciosamente. – O que aconteceu? Justin tirou a gravata e limpou a boca. – Gavin está desaparecido. – Não. – A recusa silenciosa em aceitar a verdade contraiu mais ainda os músculos dos ombros dela. – Eu queria acreditar que ele só estava atrasado. Olhando para o relógio, ele balançou a cabeça. – Quinze minutos é um atraso, três horas, não. – Eu não queria perder a esperança – disse ela, baixinho e com rigidez. – Às vezes é só o que resta. A única coisa que Justin pôde fazer foi assentir e aceitar a garrafa de refrigerante que Grace lhe entregou. Enxaguando a boca, ele se levantou. – Eu tenho que informar o diretor, para que possamos aumentar a segurança. – Por quê? Parando à porta, Justin olhou para trás, seu olhar vazio.
– Se Gavin tiver dito aos líderes da Deuce que falou conosco, eles podem retaliar contra nós por termos nos metido com seu recruta. – Odeio o fato de você ser tão familiarizado com isso. A mágoa nas palavras dela o arrasou. Ele havia decepcionado tantas pessoas ao longo de seus 30 anos, desapontando-as em graus variados. Ele não queria repetir o gesto com Grace. Nunca com ela. – Perdoe o hálito de bile. Grace franziu a testa. – Hein?! Indo depressa de encontro a ela, Justin a puxou para um abraço forte e pousou o rosto no topo de sua cabeça. A frequência cardíaca dele diminuiu, e seu estômago se acalmou um pouco quando Grace abraçou sua cintura em reação. – Obrigado. – Pelo quê? – perguntou ela. – Por isto. – Ele ficou daquele jeito por mais tempo do que deveria, mas não conseguia soltá-la. Daí lentamente foi se dando conta de que Grace era tanto um refúgio seguro para ele como ele era para ela. De uma forma diferente, talvez, mas ainda assim, um refúgio, apesar de tudo. Ele absorveu o perfume dela, o cheiro de xampu combinado à pele quente formando um cheiro inebriante. O cabelo dela, hoje solto, pairava sobre os braços dele em ondas livres. A maneira como o corpo dela se moldava ao dele, ou talvez o dele se moldava ao dela, estava o mais perto da perfeição que a natureza poderia conseguir. Dormir com ela nas últimas noites, sem sexo, só usufruindo de um sono honesto, e acordar com ela todas as manhãs acabara por consolidar o fato de que Justin a amava. Ele nunca havia desejado outra mulher como desejava esta, para algo de longo prazo. Para sempre. Ela olhou para ele, esfregando a têmpora. – Você está bem? – Desculpe por isso. Eu estou bem. – O interfone tocou. – Grace? Ela se desvencilhou do abraço dele. – Sim? – Tem uma entrega para você na recepção. – O que é? A recepcionista riu. – Um buquê de rosas incrível. Grace olhou para Justin, as sobrancelhas arqueadas. O coração dele se apertou. Ele não havia mandado flores. A maçaneta da porta se agitou. Justin colocou Grace de lado quando a porta se abriu e de repente ele se viu encarando o cano de uma arma.
Capítulo 18
– FIQUE AÍ, Grace. Não se vire. Aquelas foram as primeiras palavras registradas por ela. – Hein?! – rebateu ela, irritada. Por que diabos Justin a empurrara? Será que ele achara que a porta ia atingi-la quando fosse aberta? Ele estava bloqueando a visão dela, pelo amor de Deus. Ela fez menção de se erguer. – Mas que droga, Grace – respondeu Justin. – Fique. Abaixada. Ela pôs as mãos no chão, arranhou-se no carpete industrial. Daí olhou por cima do ombro e viu Gavin no escritório, brandindo uma Beretta nove milímetros. Uma Beretta nove milímetros engatilhada. – Ai, que droga – arfou ela. Gavin fechou a porta e trancou, recusando-se a olhar para ela. – Não era pra você estar aqui, Grace. – Foi-se o “senhorita” que ele geralmente usava para se dirigir a ela. Ela começou a rolar e o dedo indicador dele foi do tambor para perto do gatilho, a arma ainda apontada para Justin. – Opa, opa. Você fica aí e faz o que o Maxwell falou. Vira, vira. Grace parou de se mexer, o coração entalado tão precisamente na garganta que ela não conseguia respirar. – Não faça isso – pediu ela calmamente. Ela não estava tentando exercer sua influência como uma figura de autoridade. Ela estava expressando a veracidade de sua vulnerabilidade. Lá se iam as razões para conversar com ele profissionalmente. Lá se iam todas as lições que ela aprendera ao morar em uma zona doméstica de guerra. Lá se iam seus anos de formação. Tudo o que restava era uma mulher enfrentando a perspectiva de perder o homem que amava, sendo que tinha acabado de encontrá-lo. – Por favor, Gavin. – A voz dela falhou ao pronunciar o nome dele. – Fica aí, Grace – ordenou o adolescente. – Eu não quero que você veja esse tipo de violência. Risos tingidos de raiva lhe escaparam num sibilo. – Não quer, hein? – Ela rolou para o lado, recusando-se a desviar o olhar, com medo do que poderia acontecer num piscar de olhos. O medo ameaçava desacordá-la. Então ela olhou para Justin. Ele estava de frente para o jovem, as mãos relaxadas ao lado do corpo, o rosto completamente neutro. Ela devia
isso a ele, a eles, ao que quer que fosse: fazer melhor do que congelar de medo. Como se aproveitando a deixa, sua mente começou a trabalhar. Use o nome dele. – É você quem está me expondo à violência, Gavin. Ela rolou um pouco mais além, e o dedo dele pousou no gatilho. – Eu falei pra você ficar no chão. – Por favor, Gavin. Não faça isso. – Torne a coisa pessoal. – Não faça isso comigo. – Eu não tô fazendo nada com você, Grace. Eu tô dando o troco num traidor da Oito – cuspiu ele, usando o nome vulgar da gangue. – Você sabe que esse cara aí é um traidor, não sabe? Mantenha o foco em você. – Espere. O que você quer dizer quando fala que ele é um traidor? Gavin cuspiu nos sapatos de Justin. – Ele foi da Deuce. Os manos cuidavam dele. Davam as coisas pra mãe e pra irmã dele. Ele só precisava matar um policial que tava encrencando com a Deuce. Era pra ser fácil, mas ele traiu a gente, Grace. Ele não puxou o gatilho. – O sujeito tinha família – disse Justin serenamente. – Uma esposa, filhos pequenos, e a mãe também morava com ele. – Cala a boca! – berrou Gavin, a mão tremendo tanto que Grace estava apavorada com a possibilidade de ele atirar em Justin acidentalmente. – Você cala a boca. Justin deu de ombros, e Grace entrou em cena antes que ele pudesse dizer qualquer outra coisa. – O que você ganha com isso, Gavin? O que você ganha… – Ela quase perdeu a fala – …matando Justin? – Vou ser membro da Deuce. Os caras vão me botar pra dentro, cuidar da minha família do jeito que iam cuidar da dele. – Eles estão mentindo para você – disse Justin com calma. Gavin levantou a arma para o rosto de Justin. – Cala. A. Boca. Grace começou a suar, seus músculos doendo por ter ficado muito tempo na mesma posição. – Gavin, por favor. Não faça isso comigo. E é você quem está fazendo isso. – Eu vou te deixar rica, Grace. – Rica? – perguntou ela, a confusão fazendo-a balançar a cabeça rapidamente. – A Oito vai me pagar uma grana pra apagar esse otário. Quando eu for rico, vou voltar pra cuidar de você, pra cuidar de você em grande estilo. – Você não pode acreditar que vou ficar com você se você atirar no Justin! – Ela não conseguia repetir “matar” de jeito nenhum. Uma vez já tinha sido demais. Todo mundo tinha limites. Este era o dela. – Ele vai levar você, à força se tiver de fazê-lo – disse Justin, ainda calmo. O adolescente empurrou o cano do revólver sob o queixo de Justin. – Eu não vou te mandar fechar a porcaria da boca de novo, Boa-Pinta. Captando o detalhe, ela perguntou: – Por que você o chamou de Boa-Pinta? – Esse era o nome dele na Oito. Eu tô no Código Quatro – disse ele com orgulho. – Por que Código Quatro? – insistiu ela. Estimule-o a falar sobre si.
– Porque eu vou ser cabeça deles. – Quando Grace não fez nenhum comentário, Gavin sorriu carinhosamente. – Significa que vou ser chefe da unidade dos executores. Você vai aprender como é. – Você vai arruinar a minha vida, Gavin. – Ela olhou para ele, obrigando-se a concentrar-se em seu rosto, e não na arma ou em Justin. Mantenha o contato cara a cara. – Eu vou arrumar sua vida, Grace. Você vai me amar – disse ele, inclinando a cabeça para o lado, em uma tentativa de demonstrar recato. – Eu nunca vou conseguir confiar em você. – Chegue à raiz do problema. – Como você confia nesse vira-casaca aí? – zombou ele, os primeiros vestígios de insegurança surgindo quando ele olhou entre ela e Justin. – Eu confio nele. Totalmente. Gavin piscou depressa. – Como é que pode? Como é que você pode confiar em alguém que não cumpriu o que mandaram fazer? Explique as emoções. – Eu sinto por ele o mesmo que você quer que eu sinta por você. – Diga-me – disse Justin suavemente. Não era para acontecer daquele jeito. Era para haver tempo, centenas de milhares de horas para dizer aquilo de cem mil maneiras diferentes, mas agora Grace estava reduzida à verdade mais básica, oferecendo a única resposta possível. – Eu amo você, Justin Maxwell. Eu o amei durante anos. – Ela enfrentou Gavin. – Se você matá-lo, eu nunca, nunca vou perdoar você. Quer o meu respeito? Você quer que eu acredite que você é um homem honrado? – Ela terminou de rolar e sentou-se, as palmas expostas. – Faça a coisa certa aqui. Todos nós podemos sair dessa. – Eu não posso – sussurrou Gavin, a arma baixando um bocadinho. – Eu tenho que… Justin saltou, agarrando o cano da arma. Então, em um segundo, ele empurrou para cima, para trás, retorceu, até acabar com o domínio de Gavin. O garoto não teve a oportunidade de dar nem um tiro antes de Justin ganhar o controle e apontar a arma de volta para seu atacante. Grace se levantou aos tropeços e pegou o telefone. – Não. A ausência absoluta de emoção na voz de Justin a deteve. – O quê? – De joelhos, Gavin. Mãos atrás da cabeça. O garoto empalideceu tanto que Grace temeu que ele fosse desmaiar, mas o menino fez o que Justin exigiu. Uma mancha escura apareceu no jeans, no momento em que ele se urinou todo. Justin não reagiu. – Eu vou deixar algumas coisas muito claras para você, antes de acabar com isto. Primeiro, nunca, nunca mais pense que você pode agir com violência contra Grace sem enfrentar repercussões. Vou defendê-la até meu último alento. “Em segundo lugar? Eles chamam a evolução na gangue de Código porque equivale às referências usadas pela polícia e por socorristas para indicar o estado de vítimas na sala de emergência. E o Código Quatro significa morto, sua besta. Morto. Ou seja, um porcariazinha que não necessita de nenhuma assistência médica porque já passou da fase de precisar de ajuda. E você é o número quatro porque tem outros três na sua frente. Vocês são apenas garantia. Eles não dão a mínima se você viver ou morrer. Eu
fiquei na Deuce por anos. Anos, Gavin. Você acha que eles realmente acreditavam que você ia me emboscar? Eu fiz o tipo de coisa com a qual você nem sequer começou a sonhar, garoto.” – Hum, hum – disse Gavin fracamente. – Acredite no que quiser. Em terceiro lugar, a única razão pela qual isto não terminou de forma diferente é porque eu não vou cometer uma violência na frente de Grace. Não como você fez. Ela merece uma vida livre da bagunça a qual você queria submetê-la. Você ia sentenciá-la à morte por causa de um direito deturpado de posse que pensava ter sobre ela? Grace observava Justin lutando contra algo que ela não compreendia totalmente. Percebia as mãos trêmulas e as pupilas dilatadas dele. – Justin? – falou ela de novo. Ele continuou como se não tivesse ouvido: – Você acha que eu vou simplesmente deixar você sair daqui? Você está errado. Eles me chamavam de Boa-Pinta porque ninguém que olhava para mim acreditava que eu seria capaz de puxar o gatilho, de fazer aquelas porcarias que contaminam a alma. Eu fiz, Gavin. Mais de uma vez. – Seu peito arfava. – Se não fosse pela compaixão do policial que fui enviado para matar, eu teria feito de novo. Ele me ajudou a sair. Então eu vou dar a você uma escolha. Você sai agora, adquire um comportamento honesto, entra no Segunda Chance e se torna um mentor, ou sua mãe recebe um telefonema do legista esta tarde para vir identificar seu corpo. Porque eis aqui o que você não vai ter: ninguém me ameaça e ameaça aqueles próximos a mim. – Você tá dizendo que… eles me mandaram aqui pra falhar? – Provavelmente. Você foi um recado para me lembrar de manter meu nariz longe dos negócios deles. Você também era uma ferramenta que eles poderiam se dar ao luxo de perder. Na ligeira possibilidade de você escapar, eles teriam ganhado você, cara, porque uma vez que você puxar o gatilho, as opções para sair vivo são praticamente nulas. Gavin se encolheu. – Mas eu tenho que cuidar da minha mãe. Ela perdeu o emprego, meu velho é um bêbado. Eu tenho um irmão mais novo. – Então arrume uma droga de emprego, Gavin! Não comece a matar pessoas para abastecer seu pai com bebida. Sua mãe merece coisa melhor do que ir ao funeral do filho daqui a três meses. – Eu não sei fazer nada. O tom de voz de Justin se abrandou. – Se você se envolver aqui, você pode aprender um pouco. Por acaso eu conheço um pessoal da área de construção que está sempre à procura de gente para limpar as obras. Significa andar nos sítios e recolher pregos, tábuas e outras coisas, mas paga-se muito bem. Estou disposto a ligar para eles se você parar de fazer besteira e virar homem. Grace observava enquanto Justin se afastava da violência que quase o sugara. Ele estava lidando com o garoto como um profissional, assustando-o, em seguida oferecendo-lhe a redenção e um jeito de recobrar sua reputação. Tornando a coisa pessoal. Ela deu um passo em direção a ele, mas ele ergueu a mão. – Ainda não. Não enquanto eu estou segurando uma arma. – Ele deu um passo para trás, enfiando a arma entre o braço e o corpo de modo que Gavin não pudesse ser capaz de retribuir o favor e arrancá-la dele. – Agora, o que vai ser? – Você vai chamar a polícia?
– A polícia ou o carro funerário. Você escolhe. Você tem que aceitar a responsabilidade por suas atitudes, Gavin. Você escolheu cada movimento que fez no passado, durante o que, três meses? – Dois. – Dois meses então. É isso que é ser um homem de verdade, tem a ver com seu jeito de ganhar a vida, de assumir seus erros e de trabalhar para ser um sujeito melhor. Não tem nada a ver com o que você pode tomar à força. Alimentar-se daqueles mais fracos do que você não o torna melhor, só faz de você um alvo para mais pessoas: aquelas que são mais fortes e que querem provar algo e aquelas que são mais fracas e que você prejudicou. – Justin acionou a trava de segurança da arma. – Fique feliz porque eu abandonei aquela mentalidade distorcida de tomar as coisas à força há muito tempo. Agora, o que é que vai ser? – Chame a polícia. – Pode ligar, Grace. Ela correu para o telefone e discou, com as mãos trêmulas. Quando tudo estava acertado, ela voltouse para Justin, lutando para manter a calma. Ele olhou para ela e sorriu, mesmo com o olhar cheio de preocupação. – Então você me ama, é? – O suficiente para querer matá-lo quando isso acabar e nós estivemos a sós de novo. – Ela é louca por mim – disse ele para Gavin. – Não precisa esfregar na cara, babaca – murmurou Gavin. Justin bufou. – Preciso sim. – Parem com isso vocês dois. – Ela afundou no chão, enterrou o rosto nas mãos e, em meio às lágrimas, tentou fazer sua mente se acalmar e pensar ao menos um pouco logicamente. Tudo o que Justin havia passado o havia trazido para cá, para este momento. Fora o que o permitira segurar o cano de uma arma de grosso calibre sem piscar, sem hesitar, sem medo. Ela havia crescido num ambiente complicado, mas estava longe de ser tão preparada quanto ele para abraçar a violência e combatê-la golpe por golpe. O que ele tinha feito, quem ele fora e quem ele era agora, tudo isto havia se aglutinado naqueles minutos aterrorizantes. O mundo era o que estava destinado a ser: o mesmo inferno do qual Grace tanto se esforçara para fugir. Se ela ficasse com ele, será que ele a puxaria para baixo de novo? Ou será que ele seria capaz de mostrar a ela como fazer o que ele tinha feito: encontrar a verdadeira cura no cerne do desespero? Grace olhou para cima e flagrou Justin olhando para ela. – Você estava tão confortável com a feiura. Ele não respondeu, apenas continuou a encará-la. Lágrimas manchavam o rosto dela, quentes contra a pele gelada. – Eu não sei se posso conviver com isso. O MUNDO de Justin ruiu, deixando-o sem chão a ponto de ele precisar dar um passo para se recuperar, plantando os pés no piso. – O que você está dizendo? – Eu não tenho certeza. – As palavras eram abafadas, mas inegavelmente entrecortadas.
A polícia invadiu o local, trazendo consigo uma enxurrada de atividades. Eles arrastaram Justin para longe de Grace enquanto ele era algemado temporariamente e a arma era recolhida e descarregada. Quando levaram Gavin, Justin estava afastado do tumulto geral e observando enquanto a polícia colhia o depoimento de Grace. Em uma reviravolta absoluta de ironia, o policial que era para ter sido morto por Justin havia virado investigador e aparecido hoje como parte da equipe enviada logo depois da patrulha. – Como vai meu atirador favorito? – perguntou o detetive Stevenson, olhando para Justin. – Acabei de terminar a pós-graduação e voltei para trabalhar para o centro. – Era muito bom para ser capaz de responder a ele dessa forma. Stevenson assobiou. – Um doutor, hein? E você está trabalhando aqui? – Era isso ou participar das negociações de reféns para a polícia, e eu não acho que eles levariam meu currículo a sério, dada nossa história. O outro sujeito riu. – Sim, eles teriam jogado no lixo. – Não me surpreendo. – Justin olhou em volta de Stevenson novamente, verificando Grace. – Ela é sua? – perguntou o detetive, pegando um chiclete e oferecendo para Justin. Ele recusou. Sua boca estava tão seca que ele não teria sido capaz de produzir saliva para mastigar. – Ela era, antes de essa coisa toda acontecer. – O que mudou? – Eu… hum. Pode ser que perdi a cabeça um pouco. Eu consegui controlar tudo, mas não sem antes dar um susto no garoto. E nela. O detetive tocou a lateral de seu nariz torto. – Pelo menos você não quebrou o nariz do moleque. Eu nunca consegui consertar este aqui direito. É um lembrete sólido de que sempre há pessoas lá fora que vão te quebrar na primeira oportunidade. O estômago de Justin revirou. – Eu lamento muito por isso. – Não, não. Fico contente por ter sido você. – O quê? Por quê? – perguntou Justin, confuso. – Você vai precisar ter paciência com a minha surpresa. Ninguém nunca me agradeceu por quase ter sido morto por mim. – Porque outra pessoa teria puxado o gatilho – disse o homem mais velho com serenidade. – Você pode até ter me dado uma surra, mas estava disposto a ouvir. – Você não calava a boca. – Sim, bem, não há de quê. – Obrigado. – Justin olhou ao redor de Stevenson para conferir Grace novamente, e ficou feliz ao perceber que a parceira de Stevenson já havia finalizado a tomada de depoimento. Grace estava sentada lá, com uma xícara de chá quente, os olhos no chão. – Se você me der licença, senhor. Tenho que resolver isso. – Quer um conselho? Não pare de falar. – Engraçadinho – murmurou Justin. Atravessar a sala levou uma eternidade. Justin sentia como se estivesse nadando em gelatina. O olhar assombrado de Grace o destruía de um milhão de jeitos, em pedaços pequenos e grandes. – Oi.
Ela assentiu em resposta. – Você está bem? Mais um aceno de cabeça. – A policial foi muito dura? Posso reportar, se for o caso. Desta vez Grace balançou a cabeça. O medo de perdê-la escalava a espinha de Justin com uma picareta e muitos grampos, começando no osso do cóccix e subindo vértebra por vértebra a cada ausência de resposta dela. – Você tem que falar comigo. Ela o encarou. – Grace, por favor. Eu sei que o que você viu foi aterrorizante. Apavorou a mim. Eu fiquei com tanto medo de ele puxar o gatilho antes que eu pudesse tomar a arma, mas aí você começou a falar com ele. Você desafiou a nós dois e não recuou, não parou de pressionar. Você provavelmente salvou minha vida. – Ele abriu os dois primeiros botões da camisa e articulou o queixo para o lado, estalando o pescoço. – Que inferno, tenho certeza de que você salvou minha vida. E depois, quando você insistiu em rolar? Eu pensei que ia enlouquecer. Só conseguia pensar em deter Gavin. Eu não podia abandonar você, não podia arriscar que aquela fosse ser sua última lembrança de mim. Mas quando peguei a arma, eu meio que, hum, perdi a cabeça. – Ele aguardou, mas ela só ficou olhando. – E era exatamente daquele jeito que eu nunca queria que você me visse. Eu sinto muito. – Sente? – resmungou ela. Droga. Droga, droga, droga. Ela ia cair fora. Dava para ver de longe a parede entre eles, na forma absoluta como ele estava se debatendo para encontrar o equilíbrio com ela. De jeito nenhum que ele ia perdê-la. – Você disse que me amava – respondeu ele, com a voz rouca. – Não desista de mim, Grace. – Desistir… – Ela se inclinou para frente. Ele agarrou seus ombros e a incitou a ficar de pé. – Droga, fale comigo! Por favor. Eu não tenho vergonha de ficar de joelhos, de implorar na frente de todas estas pessoas. Ela fechou os olhos. – Não. – Olhe para mim. Ela balançou a cabeça. – Olhe para mim, Grace. – Ele acariciou os braços dela, agarrou os dedos dela. – Por favor. – Lentamente, muito lentamente, ele tinha certeza de que ia perder a cabeça. Ela ergueu o rosto para ele. – O que você quer de mim? – perguntou ele com fervor. – Como faço para consertar isso? – É esse o ponto. Você não pode consertar. Você não deveria. Você queria que eu o enxergasse como você é. E agora eu enxerguei. Você está destinado fazer isto, trabalhar aqui, mas eu me esforcei tanto para abandonar exatamente isto. Você teria de me prometer que não iria levar seu trabalho para casa, mas isso seria uma mentira. Você não pode fazer essa promessa. O coração dele doía. – Não, não posso mesmo. Eu não tenho como controlar o que pode acontecer, pois não é possível prever qual loucura do meu passado pode ressurgir. – Ele segurou o rosto dela, apoiando a testa contra a dela. – O que posso prometer é isso. Café da manhã na cama todo domingo. Ingressos para assistir ao
futebol americano. Amizade. Nada de cueca suja no chão. Divisão das tarefas domésticas. – Ele a beijou no nariz. – Uma casa, um dia. Um filhote de cachorro. – Você está me subornando com um filhote de cachorro? – Se desse certo, eu subornaria você com um circo de três arenas – disse ele com fervor. – Por quê? – Porque este também é o seu lugar. Eu consigo entender a feiura das pessoas, mas você lhes dá esperança. Basta olhar para o que você conquistou. Você está livre. Grace fechou os olhos, e um soluço curto e rijo lhe escapou. Então ela se desvencilhou dos braços de Justin e se dirigiu para a porta. E foi aquilo que o estimulou. Ele sempre olharia para trás e culparia aquele exato momento, o momento em que pensava tê-la perdido. – Case-se comigo, Grace Cooper – gritou ele do outro lado da sala lotada. E então todo mundo ficou em silêncio. Grace parou, os ombros encolhidos e trêmulos, os soluços abafados atrás da mão. – Case-se comigo – repetiu ele, caminhando até ela. – Por quê? – Ela virou-se lentamente. – Por causa de todos os motivos que você listou? Você ignorou o mais importante deles. Ele vasculhou o rosto dela, o coração acelerado. – Porque eu te amo – disse ele em voz baixa. – Case-se comigo porque eu te amo. O olhar dela causou câimbras no âmago dele. Ela estreitou um olho antes de perguntar: – O suficiente para você me dar um circo de três arenas? – Eu não vou limpar esterco de elefante. Um soluço duro irrompeu de dentro dela. – Você tem que ser quem você é. – Nós vamos lidar com as coisas um dia de cada vez. Juntos. – Ele estendeu a mão, baixando-a quando Grace balançou a cabeça e recuou um passo. – Não faça isso. – Baltimore… – Se é onde você precisa estar, eu vou com você. – Ele deu mais um passo em direção a ela. – Case-se comigo, porque eu não sou o homem que eu era e sou apenas metade do homem que eu seria sem você. Case-se comigo, porque a ideia de viver sem você me deixa doente. Case-se comigo, porque eu vou te amar até meu último alento, seja quando for. Perdoe-me por quem eu fui e se concentre em quem eu sou. – Ele diminuiu a distância entre eles, dando mais um passinho. – Case-se comigo, Grace. Case-se comigo porque eu te amei durante muito tempo. Eu nunca vou levar violência para nossa porta, não intencionalmente, e nunca vou deixar meu histórico sangrar em nosso futuro. Eu não sou mais aquele homem, mas sempre vou proteger o que é meu. – E isso, percebeu Justin, era a verdade que ele vinha buscando em si mesmo o tempo todo. – Eu não sou mais aquele homem – repetiu ele baixinho. – Você está certo. Você não é mais aquele homem. E eu não sou a garota que eu era. Eu não tenho que ir embora para fugir. Amar você é o que me liberta. Estendendo a mão, ele tomou uma mecha do cabelo dela entre o polegar e o indicador, esfregando-a suavemente. – Como você é ingênuo, Smalls. Ela soluçou e riu, jogando-se em cima ele.
– Sim. Ele a envolveu num abraço feroz, enterrando o rosto em seu cabelo. – Eu te amo tanto. – Eu também te amo. Não se atreva a fazer isso comigo de novo. Nunca mais. – Ela soluçou. – Eu vou arranjar um emprego nas redondezas para que eu possa salvar seu traseiro caso alguém venha matar você de novo. Você precisa estar aqui, precisa passar suas experiências a essas crianças, e eu preciso estar com você. O coração dele batia num ritmo alucinante. – Você vai ficar. – Meu coração está onde você está, então sim. Além disso, eu posso ter que voltar para a faculdade depois que a universidade descobrir sobre a gente. – Eu falei com o diretor enquanto eles estavam colhendo seu depoimento. Depois da confusão de hoje, ele não acha que a gente vá ser capaz de varrer a violação de ética para debaixo do tapete. Aceitei uma suspensão temporária, e ele acredita que isto vá satisfazer a universidade. Pode ser que eu precise fazer mais uns turnos na boate, mas você vai conseguir se formar. – Obrigada – disse ela, mas sem encontrar os olhos dele. – Olhe para mim, Grace. – Ele pôs um dedo sob o queixo dela e o levantou. – Eu não posso evitar que a vida aconteça. Porém, posso fazer uma promessa. Toda vez que eu respirar, toda vez que meu coração bater, a partir de agora e até o fim, vai ser por você. Ela sorriu. – O Príncipe Encantado não tem nada a ver com você. – Diabos, não. – Ele se inclinou e a beijou, possuindo-a com a mesma intensidade com que era possuído por ela. – Nunca se esqueça disso. – Dê-me uma vida inteira para me lembrar e estamos de acordo. Justin colou a boca à dela. – Quando é que nossa vida a dois vai começar oficialmente? Os gritos dos que os cercavam quase abafou a resposta de Grace. – Está começando agora.
CILADA VICKI LEWIS THOMPSON – Eu disse que não havia fantasmas. – Gabe abriu uma cerveja para cada um e as colocou sobre a mesa. – Josie inventou o boato para fins publicitários. Ela espera que a gente alegue que viu os fantasmas só para ganhar bebida. – Eu discordo. – Morgan bebericou da cerveja forte e colocou a lata em cima da mesa. – Ela o conhece, e está começando a me conhecer. Não acho que ela espere que a gente crie uma mentira só para ganhar bebidas. – Então talvez ela pense que não conseguiremos resistir a criar uma boa história só pelo entretenimento mesmo. – Isso também não faz sentido, Gabe. Eu estou tentando prosperar com minha imobiliária e você é da família Chance, pelo amor de Deus. Homens da família Chance não mentem sobre coisas como fantasmas para obter ganhos pessoais ou entreter seus amigos. Vocês são mais honrados do que isso. A risada baixinha de Gabe estimulou as terminações nervosas de Morgan. – Acho que você tem uma ideia exagerada sobre a nobreza dos homens da família Chance. – Você não é nobre? – A cadeira dela estava bem ao lado da dele e ambos estavam posicionados de forma que ficaram de frente para o pequeno palco onde a banda country normalmente tocava. Por algum motivo Morgan achou que os fantasmas escolheriam surgir no palco, caso eles aparecessem mesmo. Gabe tirou o chapéu e o colocou sobre a mesa antes de deslizar um braço em volta dos ombros de Morgan. – Nem tão nobre assim. Eu tinha uma motivação oculta para concordar com esta caça aos fantasmas. – E qual seria? – Morgan resistiu ao impulso de aconchegar-se de encontro a Gabe e assim transmitir seu desejo. Ele podia até ter sido o homem de seus sonhos durante anos, mas isso era segredo. – Ficar a sós com você num lugar escurinho. Ela olhou para ele e permitiu-se flertar um pouco. – E se eu dissesse que pensei a mesma coisa? Os dedos dele começaram a desenhar círculos no braço dela.
– Então eu tenho que perguntar por que estamos aqui sentados aguardando por fantasmas, quando poderíamos estar fazendo algo mais... satisfatório. O coração de Morgan disparou. Ela estava adorando saber que ele a desejava. – Não podemos fazer tudo ao mesmo tempo? Ficar atentos aos fantasmas enquanto exploramos outras opções? Puxando-a, Gabe tomou o rosto delicado com a mão livre. – Não se eu estiver fazendo a coisa certa.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ I62d Ireland, Kelli Dancer [recurso eletrônico] / Kelli Ireland; tradução Fernanda Lizardo. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Harlequin, 2015. recurso digital: il. Tradução de: Wound up Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-398-1933-1 (recurso eletrônico) 1. Romance americano. 2. Livros eletrônicos. I. Lizardo, Fernanda. II. Título. 15-23087
CDD: 813 CDU: 821.111(73)-3
PUBLICADO MEDIANTE ACORDO COM HARLEQUIN BOOKS S.A. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: WOUND UP Copyright © 2015 by Denise Tompkins Originalmente publicado em 2015 por Harlequin Blaze Projeto gráfico e arte-final de capa: Ô de casa Produção do arquivo ePub: Ranna Studio Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171, 4º andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Contato: virginia.rivera@harlequinbooks.com.br
Capa Texto de capa Teaser Querida leitora Rosto Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Próximo lançamento Créditos