Original Dewey

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Original Dewey Introdução ao pensamento educacional de John Dewey



Antonio Valter Kuntz

Original Dewey Introdução ao pensamento educacional de John Dewey

2a. edição - 2009


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Copyright © 2007 by Antonio Valter Kuntz

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CIP - CATALOGAÇÃO NA FONTE Kuntz, Antonio Valter Original Dewey/ Antonio Valter Kuntz ISBN 978-85-7794-014-1 1. Sociologia 2. Política 3. Filosofia da Educação 4. John Dewey I. Título

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“Ser de esquerda é estar do lado dos fracos e não dos poderosos; dos oprimidos e não dos opressores; dos dominados e não dos dominadores. [...] Se encolhemos os ombros perante o sofrimento evitável dos fracos e dos pobres, dos que são explorados e maltratados, ou que simplesmente não têm o necessário para viver decentemente, não somos de esquerda. Se dizemos que o mundo é assim, e sempre será, e nada há que possamos fazer, não somos de esquerda. A esquerda procura mudar esta situação. [...] É um fato que, historicamente, a esquerda encontrou ― ou julgou encontrar ― o fundamento para os seus objetivos políticos no marxismo (o que permite compreender a rapidez com que, ao abandonar o marxismo, abandonou também esses objetivos), mas da falsidade do marxismo não se segue a falsidade dos valores da esquerda. Isso seria como argumentar que se adotássemos o liberalismo isso conduziria a um maior bem-estar para toda a gente e depois, perante a falência do liberalismo, concluíssemos que esse bem-estar era impossível. Da mesma maneira que, neste caso, não há motivos para acreditarmos que o bem-estar é impossível, também, no caso do marxismo, não há motivos para pensarmos que os objetivos da esquerda devam ser abandonados.” Peter Singer in Darwinian Left. Weidenfeld & Nicholson, London, 1999.

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Primeiras Palavras

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Uma pequena História

27

As Bases do Pensamento Educacional de john Dewey

37

O contexto metahistórico

41

Iniciação à Obra de Dewey

49

O contexto epistemológico

55

Monismo versus Dualismo

65

Tradição versus tradução

73

Ocupação versus vocação

81

O Contexto Social da Educação

85

O contexto político

95

A Educação Democrática

99

O legado de John Dewey

111

Considerações finais

121

Referências bibliográficas

129

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Primeiras Palavras

A ideia temática original para o desenvolvimento deste livro aconteceu em meados do ano 2000, quando finalizava meu curso de graduação em Filosofia na Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais. Este ano divisor de águas, além de ter sido o último ano do século XX foi, ao mesmo tempo, uma avant-première da mídia internacional para o terceiro milênio do mundo ocidental, pois este só começaria mesmo, matematicamente, em 2001. Mais amiúde, também serviu de palco para as comemorações dos 500 anos de “descobrimento” do Brasil e, mais afeito a nós, do centenário de nascimento do professor Anísio Teixeira (1900-1971), o mais ilustre tradutor e discípulo brasileiro de John Dewey (1859-1952), filósofo, pedagogo, ativista político e, por que não destacar, norte americano. Durante o ano 2000 a partir da Bahia, o estado natal de Teixeira, diversos eventos acadêmico-culturais foram realizados em todo o país, de janeiro a dezembro, recuperando Antonio Valter Kuntz


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e revitalizando a memória daquele que foi um dos principais pensadores da educação – e da educação brasileira. Portanto, um trabalho sobre Dewey – e não sobre Teixeira, cabe lembrar – no Brasil, sem a mínima menção a Teixeira seria uma descortesia intelectual. Em tempo, esta digressão inicial a Anísio Teixeira se faz necessária pois, como principal divulgador das ideias de John Dewey em língua portuguesa, sua condenação ao ostracismo, físico e cultural; levado adiante pela “intelectualidade” acadêmica brasileira a partir do período do governo militar acarretou, por extensão, um preconceito a qualquer “deweyanidade”, o que poderia implicar em se classificar previamente e equivocadamente o presente trabalho em categorias que não lhe comportam, tais como escola nova (no senso comum), escolanovismo e até, vai se saber, construtivismo. Por ironia histórica, quase ao mesmo tempo, no mesmo ano 2000, a partir de Minas Gerais, o nome de Gustavo Capanema também merecia recordações similares. Citando Schwartzman que resenhou Badaró: 1

1 SCHWARTZMAN, Simon. Gustavo Capanema e a Educação Brasileira.Texto prepara-

do para o Seminário “Gustavo Capanema: Política, Educação e Cultura”, organizado pela Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, com o apoio do Ministério da Educação e do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, e 8 de agosto de 2000. Disponível na internet via: http://www. schwartzman.org.br/ simon/cent_minas.htm. Acessado em 7/1/2004.

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Badaró nos diz também que Capanema fez uma revolução na cultura brasileira, [...], começa pela relação dos intelectuais que circulavam ao redor do Ministério da Educação nos anos 30, menciona os vínculos entre o Ministro e Alceu Amoroso Lima, então líder do pensamento católico conservador, e insiste que Capanema se mantinha aberto a todas as correntes de pensamento, inclusive os da esquerda, terminando com uma extensa citação do jornalista VillasBoas Corrêa a respeito. Vemos que Capanema acompanhava com simpatia as ideias dos modernistas, mantinha um esquerdista, Carlos Drummond, como seu chefe de Gabinete, encomendava trabalhos a Portinari, tido como comunista, e levou à frente o projeto arquitetônico do edifício do Ministério da Educação (em um estilo modernista que, por razões hoje difíceis de entender, era também considerado "progressista"). Capanema foi ainda o criador do Serviço do Patrimônio Histórico Nacional, a partir de um projeto de Mário de Andrade, e se preocupou com a Biblioteca Nacional, com o Canto Orfeônico, o Rádio, o Teatro, e várias outras iniciativas; enquanto, ao mesmo tempo, aceitava os vetos de Alceu (Amoroso Lima) para cargos no ministério, copiava a legislação educacional italiana, contratava o arquiteto de Mussolini para edificar a Cidade Universitária, fechava a Universidade do Distrito Federal, e tentava proibir o trabalho feminino. O resultado de tudo isto foi abrir uma pequena janela de educação e modernidade que, no entanto, ficou limitada às camadas médias e altas das grandes cidades, deixando à margem a grande maioria da população, e mantendo o Brasil, como ainda hoje, como um dos países mais desiguais e relativamente menos educados em todo o mundo. [...] A resposta é que, apesar do cultivo da cultura, das artes e dos temas educacionais, o Ministério da Educação daqueles anos ajudou a consolidar o modelo de modernização conservadora e excludente que caracterizou o regime Vargas como um todo. Gestos de mecenato e a construção de edifícios e monumentos arquitetônicos são perfeitamente compatíveis com este modelo, e é fácil entender como podem fascinar a muitos intelectuais. No entanto, descentralização, autonomia, pluralismo autêntico, transferência efetiva de recursos e poder, estímulo à iniciativa e à criatividade, nada disto era aceitável ou compatível com uma política educacional e cultural aonde tudo deveria ser previsto,

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regulamentado, e comandado do centro. Foi assim que a Universidade do Distrito Federal foi fechada; que Anísio Teixeira, educado nos Estados Unidos, foi perseguido como comunista perigoso; que os imigrantes perderam o direito de educar seus filhos em sua língua materna; e que iniciativas pioneiras como as reformas educacionais dos anos 20 e 30 em Minas Gerais e na Bahia acabaram se perdendo.

Neste caminho, Ghiraldelli escreveu, 2

Nada pior para um intelectual que ser descaracterizado, de ser roubado em sua verdade. Nada pior para uma comunidade quando um de seus membros mais inteligentes é desfigurado. Quando acontece isso, todos perdem. E foi o que ocorreu: todos nós perdemos. Todos nós, digo, todos nós da minha geração de pós-graduandos que fomos "ensinados" a ler Anísio Teixeira como escolanovista, tecnicista, americanista e, pior que tudo isso, liberal – em um contexto de semântica de tempos de guerra, onde essas palavras eram pejorativas.

Aos textos citados eu acrescento aqui meu próprio depoimento pois, quando ainda aluno das disciplinas sobre Educação, necessárias à licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia (MG), bem como nos conteúdos ministrados durante aulas do Mestrado em Educação, presenciei, em pleno final dos anos noventa e início do terceiro milênio, ainda uma relevância indefensável dos cânones bibliográficos muito 2 GHIRALDELLI JR., Paulo. Anísio Teixeira: um neopragmatista avant la lettre? [online] Disponível na Internet via www.ghiraldelli.pro.br. Arquivo capturado em 14 de dezembro de 2002.

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mais voltados à crítica histórica-social sociológica – “durkheimianamente travestida de marxiana” – que à análise ontológica ou epistemológica dos conhecimentos pedagógicos, sem uma única citação isenta de ideologia a Dewey ou sequer Teixeira, evidência de uma prática hermenêutica castrada em sua objetividade por um historicismo estruturalista. Mas é bom lembrar, estamos finalmente no terceiro milênio, século XXI, ano 2004, e é a “semântica de tempos de guerra” que, desta vez, caiu em ostracismo. Pode-se ler Anísio Teixeira, e principalmente John Dewey, em sua integridade e, mais do que isso, pode-se investigar seus pressupostos epistemológicos isentos de premissas ideológicas, na medida da metanarrativa possível em um contexto pós-moderno . Citando, mais uma vez, Guiraldelli: Lyotard denominou "pós-moderna" a época em que nossas teorias não conseguem convencer mais muita gente, do modo como até então elas faziam ou, pelo menos, parecia que faziam. Elas, as teorias, diziam: nossas narrativas sobre a vida, o homem e o mundo podem até estar erradas, mas nossos pés são sólidos, porque essas teorias que professamos são apenas a periferia de uma metateoria, uma metanarrativa, na qual todos os fundamentos que precisamos estão lá. O mundo pós-moderno, na fórmula de Lyotard, caracterizou-se como a época, a nossa época, de perda de credibilidade na metanarrativa (ou nas metanarrativas). Nenhuma suprafilosofia ou

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supraciência pode estar na base da ciência, por que muita gente usa da ciência, vê que ela funciona, diz que ela é verdadeira, mas jamais encontraria razões para justificar hoje tais teorias como necessárias a partir de uma grande narrativa, uma metanarrativa como, por exemplo, a metanarrativa do Iluminismo, do hegelianismo, do marxismo e assim por diante. Essas metanarrativas perderam a credibilidade. Essa posição que entende que este é o clima intelectual, moral e estético em que vivemos, que esse é o espírito do nosso mundo contemporâneo, é a posição genericamente chamada de pós-moderna.

Pode-se ler e escrever sobre Dewey sem receio de patrulhas com óculos cor-de-rosa à frente de olhos vermelhos ou antipanglosianos. Podemos chegar a uma verdade entre as melhores verdades possíveis pois, como não poderia deixar de ser, esta é uma dissertação pretensiosamente neopragmática. Mais interessada em ser efetivamente bem escrita, precursora de novas categorias, linguisticamente palatável e refinadamente compreendida que demonstrar uma verdade científica absoluta (solecismo paradoxal!), erudição citatória, verborrágica ou de supedâneo autoritário. O pragmatismo histórico (peirciano, jamesiano ou deweyano) advém da tese fundamental de que a verdade de uma doutrina consiste no fato de que ela seja útil e propicie alguma espécie de êxito ou satisfação – criticado alhures (Bertrand Russel e outros) por usar um conceito de verdade não compartilhada como verdade válida. O neopragmatismo (nietzschiano, rortyano), por sua vez, dispensa a procura metafísica ou transcendental de “a” verdade, por uma investigação do uso concreto do termo “verdadeiro” em todos os casos possíveis. (id, Guiraldelli)

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Posto em seu devido lugar na história da educação e, mais além, na História mesma, o filósofo John Dewey foi um dos maiores pedagogos, quiçá, o maior filósofo da educação norteamericano, contribuindo intensamente para a divulgação dos princípios do que se chamou “vulgarmente” de Escola Nova (uma tradução atravessada de new school – termo utilizado por Dewey para diferenciar de old school, isto é, diferenciar a escola tradicional herbartiana da escola contemporânea com seus diversos experimentos pedagógicos e práticos subordinados às necessidades sociais e econômicas – e jamais um conceito propriamente deweyano original. Dewey assim descreve a teoria Herbatiana em Democracia e Educação, cap. VI: (...) um tipo de teoria que nega a existência de faculdades e que dá ênfase ao papel da matéria de ensino no desenvolvimento mental e moral. (...) Herbart é o melhor representante histórico deste tipo de teoria. Ele nega, absolutamente, a existência de faculdades inatas. A mente é, simplesmente, dotada da capacidade de produzir várias qualidades, como reacção às várias realidades que actuam sobre ela.

Aqui, cabe mais uma ressalva, pois o termo Escola Nova, embora vulgarmente utilizado como “categoria” pedagógica é apenas um dos nomes dados a um movimento de renovação do ensino que foi especialmente forte na Europa, na América e no Brasil, na primeira metade do século XX . “Escola Intuitiva”, Antonio Valter Kuntz


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"Escola Ativa", “Escola Aberta” ou "Escola Progressiva" são termos também usados para descrever esse movimento que, apesar de muito criticado, trouxe muitas ideias interessantes. De acordo com a história da educação tradicional, os primeiros grandes inspiradores da Escola Nova foram o escritor JeanJacques Rousseau (1712-1778) e os pedagogos Heinrich Pestalozzi (1746-1827) e Freidrich Fröebel (1782-1852). Também, de acordo com o senso comum ou uma generalizada história da educação, o grande nome do movimento na América foi o filósofo e pedagogo John Dewey (1859-1952). O psicólogo Edouard Claparède (1873-1940) e o educador Adolphe Ferrière (1879-1960), entre muitos outros, foram os expoentes na Europa. No Brasil, as ideias da Escola Nova foram introduzidas já em 1882 por Rui Barbosa (1849-1923). Mas como apresento mais adiante, Abílio César Borges (1824-1891), fundador do Colégio Bahiano, embora não comumente citado como escolanovista, foi professor de Rui Barbosa, com ideias e métodos bastante diferenciados em sua época. Enfim, além destes, vários educadores se destacaram, especialmente após a divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Entre eles mencionamos Lourenço Antonio Valter Kuntz


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Filho (1897-1970) e Anísio Teixeira (1900-1971), divulgadores 3

de Dewey. Um conceito essencial do movimento aparece especialmente em Dewey. Para ele, as escolas deviam deixar de ser meros locais de transmissão de conhecimentos e se transformar em pequenas comunidades. Lourenço Filho nos fala sobre a escola laboratório que Dewey dirigia, na Universidade de Chicago onde, "as classes deixavam de ser locais onde os alunos estivessem sempre em silêncio, ou sem qualquer comunicação entre si, para se tornarem pequenas sociedades, que imprimissem nos alunos atitudes favoráveis ao trabalho em comunidade". Nesta antiga foto, vemos uma "playhouse" construída pelas próprias crianças da Escola Laboratório de Dewey em Chicago, 1901.

3 LOURENÇO Filho. Introdução ao estudo da Escola Nova, p. 133. São Paulo: Melhoramentos, 1950.

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O suíço Claparède defendia a ideia da escola "sob medida", mais preocupada em adaptar-se a cada criança do que em encaixar todas no mesmo molde. Ferrière e outros pedagogos, como o belga Decroly (1871-1932), insistiam que o interesse e as atividades dos alunos exerciam um grande papel na construção de uma "escola ativa". A Escola Nova recebeu muitas críticas. Foi e é acusada principalmente de não exigir nada, de abrir mão dos conteúdos tradicionais e de acreditar ingenuamente na espontaneidade dos alunos. A leitura das obras e a análise das poucas experiências em que, de fato, as ideias dos escolanovistas foram experimentadas com rigor mostram que essas críticas são válidas apenas para interpretações distorcidas do espírito do movimento. Apesar de todo o seu sucesso, a Escola Nova não conseguiu modificar de maneira significativa o modo de operar das redes de escolas e perdeu força sem chegar a alterar o cotidiano escolar. Hoje, quando continuamos a buscar rumos para nossa educação, as ideias e experiências dos autores da Escola Nova, mesmo que contenham algumas concepções ultrapassadas ou ingênuas, podem continuar nos servindo como fonte de prazer literário e de inspiração pedagógica. 4

Dada a ressalva acima, portanto, não cabe a esta dissertação o papel de apenas adicionar mais umas linhas sobre Dewey a partir de uma concepção histórica ou historicista convencional. Pois além do âmbito histórico narrativo-cronológico – e 4 RISCHBIETER, Luca. Glossário Pedagógico. Disponível na internet via: http:// ww.educacional.com.br/pais/ glossario_pedagogico/default.asp. Acesso em 25/07/2004.2004.

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aqui posicionamos a ênfase metahistórica lógico-dissertativa deste trabalho – há o poder do discurso deweyano de fundamentar e construir e compreender um movimento histórico, muito mais do que estar subordinado a ele. Ou seja, em vez de analisarmos Dewey sob o prisma da Escola Nova, tentaremos demonstrar que sua obra é ponto de partida e ponto de reflexão que extrapola a categoria ou o movimento “Escola Nova”. Destacamos que o pensamento deweyano, assim considerado, ocupa o lugar de uma das matrizes principais da paideia contemporânea, e assim ele foi tratado, antes de condicionado à história, é condicionador da história. Os objetivos desta obra, portanto, são os seguintes: destacar, definir, esclarecer e, eventualmente, discernir a propedêutica original do filósofo John Dewey sobre a educação da propedêutica usualmente considerada oriunda da proposta deweyana, ou seja, a Escola Nova ou Escola Progressiva enquanto instituições estanques, pois para Dewey são apenas modos de atuação educacional, e não parâmetros. Neste intento, também visaremos escrutinar algumas considerações ideológicas que permeiam as principais tradições pedagógicas da atualidade. Finalmente, esperamos contribuir para Antonio Valter Kuntz


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uma apresentação e uma compreensão mais profunda do método pedagógico de John Dewey e suas implicações históricas para a educação brasileira. A obra de John Dewey, filósofo pragmático, apresenta-se como fundamental colaboração ao exercício de um raciocínio em direção à compreensão efetiva do que podemos conceituar enquanto educação transformadora, bem como verificar os parâmetros de tal conceituação, sua utilidade e extensão concretas. Enfim, a partir do diálogo contextual com a obra original de Dewey, sem descartar algumas passagens de outros autores antagônicos, complementares ou úteis ao raciocínio supracitado – destacando sempre a proeminência das concepções originais de Dewey que das concepções de seus comentadores – poderá ser possível buscar e selecionar as raízes de uma fundamentação histórica, filosófica-científica diferenciada, mas não divorciada, das estratégias pedagógicas em vigor, e assim contribuir para o resultado almejado, uma compreensão menos axiológica e mais ontológica do que seja uma pedagogia humanista por sua concepção e não por sua consequência. Tal hermenêutica da obra original de John Dewey é necessária, de Antonio Valter Kuntz


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maneira a estabelecer um critério de análise da validade das asserções do autor em respeito à educação – independente dos conflitos de valores relacionados aos ideais liberais ou socialistas quanto à formação do cidadão – para aferir sua verdadeira influência na pedagogia contemporânea e contribuir para recuperação de suas ideias originais. Segundo Umberto Eco, em sua obra Como se faz uma tese, cabe escolher entre a intenção de desenvolver um raciocínio consequente ao de um autor ou escola específica, aproveitando-se de seus ombros para ver mais longe, de acordo com a metáfora medieval, ou a compilação de ideias e suas relações ou variações em torno de um mesmo tema. A decisão tomada, embora ousada, é a de evitar a simples compilação em nome do raciocínio consequente a partir dos ombros deweyanos. A partir da leitura e análise dos originais em inglês das obras de John Dewey, relativas à pedagogia, da pesquisa de comentadores conterrâneos ao autor e, em segundo plano, comparar com obras e pesquisas de comentadores nacionais e internacionais, tanto do trabalho, como das consequências da utilização das ideias deweyanas como apoio das mudanças pretendidas pelo ideário educacional no munAntonio Valter Kuntz


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do e no Brasil desde 1930, enquanto categorias de pensamento oriundas das esferas científica e filosófica. Também busquei – na mídia impressa e na mídia eletrônica-artigos e livros do âmbito educacional que mencionassem ideias de John Dewey, tendo em vista ilustrar as diferenças cruciais entre a real proposta deweyana e a chamada “influência” deste filósofo-educador sobre o “escolanovismo” brasileiro. Porquanto, tendo em vista um termo final para tal empreendimento, procurei pontuar os temas mais relevantes da obra pedagógica de Dewey, sem intenção de escrutiná-la em toda sua totalidade, tarefa muito mais pretensiosa que as poucas páginas que se seguem. Tentarei, na medida do possível, realizar uma parte do trabalho proposto pelo próprio John Dewey, em Experience and Education, em 1938: I have used frequently in what precedes the words "progressive" and "new" education. I do not wish to close, however, without recording my firm belief that the fundamental issue is not of new versus old education nor of progressive against traditional education but a question of what anything whatever must be to be worthy of the name education . I am not, I hope and believe, in favor of any ends or any methods simply because the name progressive may be applied to them. The basic question concerns the nature of education with no qualifying adjectives prefixed. What we want and need is education pure and simple, and we shall make surer and faster progress when we devote ourselves to finding out just what education is and what conditions have to be satisfied in order that Antonio Valter Kuntz


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education may be a reality and not a name or a slogan. It is for this reason alone that I have emphasized the need for a sound philosophy of experience. Usei, frequentemente, em meu texto, os termos educação nova e progressiva. Não desejo, entretanto, concluir sem registrar minha firme crença de que a questão fundamental não é a educação velha versus nova, nem progressiva versus tradicional, mas de alguma coisa – seja qual for – que mereça o nome de educação. Não sou, espero e creio, a favor de quaisquer fins ou quaisquer métodos simplesmente porque se lhes deu o nome de progressivo. A questão básica, repito, prende-se à natureza de educação sem qualquer adjetivo qualificativo. Aquilo por que ansiamos e o de que precisamos é educação pura e simples. Faremos progresso mais seguro e mais rápido se nos devotarmos a buscar o que seja educação e quais as condições a satisfazer para que ela seja uma realidade e não um nome ou uma etiqueta. Por este só motivo é que procurei salientar a necessidade de uma adequada filosofia da experiência. 5

5 DEWEY, John. Experiência e Educação. Trad. Anísio Teixeira. Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1976.

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“Particularly is it true that a society which not only changes but-which has the ideal of such change as will improve it, will have different standards and methods of education from one which aims simply at the perpetuation of its own customs. To make the general ideas set forth applicable to our own educational practice, it is, therefore, necessary to come to closer quarters with the nature of present social life.” DEWEY, John. Democracy and Education. [online] Disponível na Internet via http://ase.tufts.edu/cogstud/. Arquivo capturado em 19 de junho de 2001. É especialmente verdadeiro que uma sociedade que não apenas muda, mas tem o ideal de mudar, não só vai melhorar como vai possuir diferentes padrões e métodos de educação daquela que almeja simplesmente perpetuar os próprios costumes. Para fazer que as ideias gerais aqui lançadas sejam aplicadas em nosso próprio ensino é, portanto, necessário estar bem próximo da real natureza da vida social atual.

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