Revista Literatas

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Comissão Nacional de Moçambique Director: Nelson Lineu | Editor: Eduardo Quive | Maputo, 08 de Junho de 2012 | Ano II | N°33 | E-mail: r.literatas@gmail.com

Entrevista a David Capelenguela

Do tradicional ao moderno passando pelo popular Alma minha gentil, que te partiste Alma minha gentil, que te partiste Tão cedo desta vida descontente, Repousa lá no Céu eternamente, E viva eu cá na terra sempre triste. Se lá no assento etéreo, onde subiste, Memória desta vida se consente, Não te esqueças daquele amor ardente Que já nos olhos meus tão puro viste. E se vires que pode merecer-te Alguma coisa a dor que me ficou Da mágoa, sem remédio, de perder-te, Roga a Deus, que teus anos encurtou, Que tão cedo de cá me leve a ver-te, Quão cedo de meus olhos te levou.

Poema de Luís de Camões - considerado pai da Língua Portuguesa


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Editori@l FICHA TÉCNICA

Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa Direcção e Redacção Centro Cultural Brasil - Moçambique

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DIRECTOR GERAL Nelson Lineu (nelsonlineu@gmail.com) Cel: +258 82 27 61 184 DIRECTOR COMERCIAL Japone Arijuane (jarijuane@gmail.com) Cel: +258 82 35 63 201 EDITOR Eduardo Quive (eduardoquive@gmail.com) Cel: +258 82 27 17 645 CHEFE DA REDACÇÃO Amosse Mucavele (amosse1987@yahoo.com.br) Cel: +258 82 57 03 750 REPRESENTANTES PROVINCIAIS Dany Wambire - Sofala Lino Sousa Mucuruza - Niassa COLABORADORES FIXOS Pedro Do Bois (Brasil), João Tala - Angola Mauro Brito (Maputo) Izidro Dimande COLABORAM NESTA EDIÇÃO Samuel da Costa - Brasil Fernando Aguiar - Portugal Frederico Ningi - Angola José dos Remédios COLUNISTA Marcelo Soriano (Brasil) Nelson Lineu - Maputo FOTOGRAFIA Arquivo — Kuphaluxa Eduardo Quive ARTE E DESIGN Eduardo Quive PARCEIRO Centro Cultural Brasil—Moçambique

Camões, o poeta que também já foi “marginalizado”! Quando se aproxima o 10 de Junho, os mais atentos recordam-se logo de Luís Vaz de Camões, esse enorme poeta, que já tinha morrido, quando os portugueses lhe elevaram o nome a herói nacional. Bem tardia e postumamente chegou aonde era justo que chegasse. Diz-se que morreu pobre, aguentando os seus derradeiros dias a expensas de amigos e associações de beneficência. Sendo tão difícil dizer-se algo de novo sobre ele, melhor é guiarmo-nos por perguntas, apenas duas, cientes das escassas palavras exigidas nesta página. Então, vamos às duas: Quem foi Camões? E por que é que o maior prémio da literatura lusófona carrega o seu nome? Primeiro, não é muito o que se sabe da sua biografia. E a escassa informação existente é duvidosa, e até, por vezes, produto de conjecturas. E tudo talvez por causa da “marginalização”, a que o poeta e seus escritos foram inicialmente votados. À semelhança de tantos outros escritores deste terráqueo planeta, que só depois da morte, vêem reconhecidos os seus trabalhos. Aliás, nem chegam a ver, dado que já terão cessado de respirar, definitivamente. Até parece que nós só conseguimos reconhecer e enaltecer os feitos dos falecidos, os trabalhos dos mortos! Estranha capacidade nossa! De qualquer modo, sabemos que Camões é português, de pai e mãe. A sua juventude chegou a ser turbulenta, dividida entre a “rebeldia”, a bravura militar e a escrita. E esta última é que o tornou no célebre poeta, que anualmente recordamos. A qualidade da escrita, do estilo e da profusão de citações eruditas, que engrandecem os seus textos, leva-nos à hipótese de ele ter frequentado um curso superior, na Universidade de Coimbra. Mas, ao que parece, o seu nome não consta dos registos da universidade. Seja como for, ele teve grande instrução, institucional ou auto-instrucional. Nasceu talvez em 1524 e morreu a 10 de Junho de 1580. Foi militar das tropas portuguesas, na Índia e em África, onde provavelmente terá perdido o olho direito, em batalha. Foi em águas africanas que ele escapou de um naufrágio, e teve de nadar com um dos braços, enquanto, com o outro, segurava o precioso manuscrito de Os Lusíadas. A poesia não podia dissolver-se em águas! A poesia ultrapassa adversidades. Mia Couto ensina-nos que, na falta de outra tinta no mundo, o poeta usou o seu próprio sangue, e usou o seu próprio corpo, quando o papel inexistiu. Cada ano, a 10 de Junho, celebra-se o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. E é certo que a data está revestida de um carácter particular, nacional, desde a sua instituição, mais ou menos, durante o Estado Novo de Salazar, em 1933, até à Revolução dos Cravos, a 25 de Abril de 1974. Exalta(va)-se o patriotismo de Camões, a sua entrega militar ao Estado português, bem como a valorização e exaltação dos ideais portugueses da época, tendentes à consubstanciação do nacionalismo. E esse patriotismo, essa valorização em demasia do povo lusitano, têm um privilegiado espaço n’Os Lusíadas. Esta Epopeia, uma das poucas na História Mundial, talvez tenha sido mesmo criada por encomenda, para contentar os reis portugueses da época. Mas esse carácter particular e particularista da data não interessa muito a outros povos dos países lusófonos. Interessa-lhes, sim, a qualidade da escrita, com que o autor d’Os Lusíadas abrilhanta os seus textos. Escrita, que não tem raça, não tem cor, não tem religião nem região. Importa, sim, é a escrita que destrói fronteiras e galga terras. Até “Por mares nunca dantes navegados”, como diria o próprio Camões. Entretanto, demasiado tarde, ou seja, 408 anos após a sua morte (vejam só essa letargia, esse demorado esquecimento!), é instituído um prémio com seu nome. Por sinal o maior da lusofonia, produto de um protocolo entre os governos de Lisboa e Brasília, datado de 1988. E a quantia pecuniária dada anualmente ao vencedor do prémio é garantida pelas contribuições desses dois Estados. E o prémio desta edição, a 24.ª, foi para o escritor brasileiro Dalton Trevisan, autor do livro “Vampiro de Curitiba”. E desde já, e desde aqui, nós (Kuphaluxa) lhe endereçamos os nossos Parabéns. Dany Wambire danitoavelino@gmail.com


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Destaque 10 de Junho. FESTA CAMÕES/Portugal

E se as musas de Luís de Camões fossem tripeiras?

No dia 10 de Junho, a Associação 10pt – Criação Lusófona no âmbito do projeto ai Maria vai levar o poeta à rua para cantar as Marias do Porto, num evento de poesia, música e gastronomia lusófonas. Vamos enaltecer as mulheres e a cidade, que é a diva inspiradora. Partimos da pena de Camões, antropólogo moderno, Poeta maior, português do mundo, e que “em várias flamas variamente ardia”. Camões possuía um dom único para cantar a mulher… não só a portuguesa, como também a africana, a indiana, a chinesa, … imortalizando os humores e a beleza feminina, desde os “cabelos d‟ouro trançado” até à ”pretidão de amor”, que o próprio Camões vivenciou com seu „saber experimentado‟. Vamos fazer do espaço da 10pt uma ilha dos Amores, uma espécie de Olimpo camoniano, na celebração do seu 2º aniversário. É poesia, é dança, é música, é boé-

mia, , na rua de São Dionísio, 17, perto do Jardim São Lázaro, no Porto. DIA 10 às 00h. INAUGURAÇÃO D’ ”o Muro dos Amores” O evento arranca à meia-noite de dia 10 na estação do metro do Bolhão, junto à Exposição de Fotografia ai Maria. Convidamos os portuenses a declarar o seu amor às suas maravilhosas mulheres (ou às 25 Marias expostas nas paredes), com mensagens, desenhos, fotos, rabiscos, poesia, colagens, num mural apropriado para o evento). A inauguração d‟o Muro dos Amores contará com a estreia daperformance de poesia, drama e música “ardo Maria, ai”.

Fonte: www.10pt.org

Olimpíadas de Língua Portuguesa com poucos concorrentes na Beira Dany Wambire - Beira Texto & Foto

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ecorrem hoje, 8 de Junho de 2012, pelas 10 horas, no Centro Universitário, Cultural e Artístico (CUCA) da Universidade Pedagógica, Delegação da Beira (UPBeira), as Olimpíadas de Língua Portuguesa promovi-

das pelo Centro de Língua Portuguesa - Instituto Camões (CLP/IC) Beira e a Universidade Pedagógica. Essas olimpíadas são organizadas no contexto da celebração do 10 de Junho, Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas. As olimpíadas visam, como deu a conhecer à LITERATAS, a coordenadora do centro, Mónica Bastos, impulsionar o desenvolvimento das competências de expressão escrita na língua portuguesa, assim como criar o gosto pela sua utilização correcta, tanto ao nível oral, como ao nível escrito. “O concurso visa, no fundo, trazer à reflexão, por parte dos estudantes, aspectos relativos à semântica, morfologia, sintaxe, ortografia, bem como aspectos sobre a vida e obra de Camões”, ajuntou a coordenadora.

Vão concorrer a estas olimpíadas, todos estudantes universitários da cidade da Beira, inscritos para tal, que não são muitos, o que deixa agastada a


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Destaque coordenadora do CLP/IC, que esperava um número considerável de estu- centro de Língua Portuguesa/instituto Camões, pólo na Beira, organizou há dantes “tenho a lamentar que inscreveram-se às olimpíadas apenas vinte alguns meses atrás “oficinas de língua” para estudantes dos diferentes anos (20) estudantes, não obstante eu ter andando por quase todas universi- do curso de português. Criaram-se duas turmas de 20 alunos cada, mas que dades desta urbe para tornar público estas olimpíadas ”. E é, realmente, cada uma acabou com apenas metade dos alunos. “Eram oficinas de oralidade lastimar essa fraca adesão por parte dos estudantes, numa altura em de e de escrita da língua portuguesa para dotar os alunos de capacidades de que se debatem com a escassez de concursos tanto literários como olim- discurso oral e escrito correcto, mas metade dos alunos é que chegaram ao píadas de Língua portuguesa. Alias, lembrem-se que nesse país quando fim”, rematou Mónica Bastos. Depois, lembrou-nos que os resultados do condecorrem olimpíadas, muitas delas, senão todas, são para as áreas das curso serão conhecidos no dia 30 de corrente mês de Junho, a partir dessa ciências naturais ou matemáticas.

data é que os três vencedores receberão os seus certificados de honra e

Para mais, a coordenadora, falou em exclusivo à LITERATAS, que a prémios. Ou seja, 1.500 meticais para o 1º classificado, 1.000 meticais para questão de adesão aos concursos parece-lhe ser repetitivo, visto que, o o segundo, e 500 meticais para o terceiro classificado.

SINHÁ MOÇA:

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A Ignomínia Filmada

Cia. Cinematográfica Vera Cruz, fundada em São Bernardo do Campo/SP, em 1949, consistiu em tentativa de industrialização do cinema no Brasil. Não deu certo. Por uma série de razões, já bastante debatidas em livros, ensaios e artigos. A referência à produtora de cerca de 18 ou 19 filmes, entre eles Sinhá Moça (1953), codirigido por Osvaldo Sampaio (São Paulo/SP, 1912-1996), e Tom Payne (Lomas de Zamora/Argentina, 1914-1996), é feita apenas para ressaltar o aspecto infraestrutural dessa realização. O filme, como todos os efetuados por grandes estúdios, visa principalmente o êxito de público como meio para obter retorno, remuneração e lucratividade do capital investido. Constitui tema à parte, examinar, analisar, discutir e avaliar a justeza ou não desse desiderato, que transforma possível objeto artístico e levantamento da realidade e da natureza humana em mero produto industrializado, agravado com o viés da conformação ideológica. Sinhá Moça, pois, não se destina e nem almeja a realização artística, pautando-se por simples narrativa ficcional objetivando atingir amplo e variado público. Desse propósito não resulta qualidade Cena do filme: Sinhá Moça estética. O problema, contudo, não se limita a essa questão. É mais sério, grave e profundo, visto questionar-se, antes de tudo, a própria finalidade do cometimento, com o que se cai no debate acima aludido, cujos pressupostos e condicionantes refogem à análise específica do filme. Não se pode, no entanto, deixar de enfocar ou ressaltar sua origem para poder entender porque existe, é desse modo e não de outro. É assim, e não diverso, justamente por sua gênese e finalidade, do que resulta tríplice característica. Plena base infraestrutural, de um lado; pífio tratamento ficcional e evidente convencionalismo formal, de outro. O filme é tecnicamente bem feito e, sob esse prisma, até supreendente para a época. Os décors ou cenários interiores são diversificados e apropriados. As locações externas muito bem focalizadas em angulações e enquadramentos adequados. A direção e a interpretação de atores não fogem a padrões aceitáveis, alcançando até alto nível no que se refere à heroína, que transmite eficazmente nas expressões faciais o que lhe vai no íntimo, refletindo instantaneamente seu estado de espírito. O número e a movimentação dos figurantes apresentam-se avultado no primeiro caso e com boa e correta mobilidade no segundo. Assentada sobre essa base técnica-estrutural, ergue-se estória edificante, pela qual, no cruzamento das ações dos bons e dos maus, padece uma humanidade escravizada, vilipendiada e humilhada, transformada em simples animal de carga, os escravos negros. A trama segue a urdidura de eficaz receituário. Estruturada sobre as evidências dos fatos, a abordagem temática processa-se superficialmente, explorando, hábil e maniqueísticamente, bons e maus sentimentos e ações. De um lado, o idealismo, a bondade, as retas intenções. De outro, a exploração do ser humano elevada à máxima potência e toda a estrutura mental, comportamental e organizacional destinada a mantê-la a ferro e fogo.

Guido Bilharinho* - Brasil

Esse embate, de permeio à revelação da crueldade humana, do sofrimento do escravo, do amor entre o jovem casal de protagonistas, forma o esqueleto ou a espinha dorsal do filme. Como o tratamento temático visa apenas contar estória recheada dos ingredientes necessários a tornála palatável a amplas plateias, seu arcabouço ficcional é frágil e banal. Nele ressalta -se, contudo, como único aspecto positivo e válido, a reconstituição e amostragem da ignominiosa prática da escravidão do ser humano por seu semelhante. Além da crueldade ínsita nesse modo de produção précapitalista, sobrepõe-se a injustiça de organização social e do trabalho baseada na apropriação e usurpação violenta e coativa da capacidade de uns em proveito de outros. Se até a exploração do trabalho dos animais ou o modo como é feita podem (e devem) ser questionados, o que não se dizer da escravização do próprio ser humano? O que se retira de uns (os escravos) transfere-se a outros (os senhores), do que resulta tudo faltar aos primeiros e tudo sobejar aos segundos, no maior exemplo possível de disparidade humana e social. Esse aspecto evidencia-se no filme, com força e ênfase, constituindo seu maior (e rigorosamente único) atributo. No mais, em sua essência, estrutura e desenvolvimento, a trama é esquemática, não superando o nível das novelas de rádio da época e da televisão de hoje, o que significa, em síntese, não preencher nenhum dos requisitos indispensáveis à configuração da obra de arte. Sob o ponto de vista da linguagem cinematográfica, também padece de igual sorte (ou falta de), dados seu convencionalismo e falta de inventividade, conquanto técnica e profissionalmente utilizada corretamente, virtude contudo não artística, conquanto indispensável para alcançar tal qualificação. Notando-se ainda a influência da linguagem comercial hollywoodiana de cinema, visível (no duplo sentido) também no tratamento temático. * (do livro O Cinema Brasileiro Nos Anos 50 e 60, editado pelo Instituto Triangulino de Cultura em 2009-www.institutotriangulino.wordpress.com) Foto anexa de cena do filme. __________________________________ * Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba/Brasil e editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000, sendo ainda autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional. (Publicação autorizada pelo autor)


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Reflexão As intrusões do narrador no conto "Momento" de Guilherme Afonso José dos Remédios - Maputo

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e um modo geral, o conto Estudante de Literatura Moçambicana na UEM "Momento" retrata a história de um rapaz que é agredido fisicamente por um homem, por este julgar que o rapaz teria roubado um anel que lhe pertencia. No processo da narração, com o intento de descrever os eventos e, sobretudo, o protagonista da diegese, o narrador homodiegético, que é todo aquele que participa na história que narra como personagem, recorre, constantemente no acto da enunciação do discurso a uma focalização externa. A focalização externa é, segundo Reis e Lopes (2000: 168), "constituída pela escrita representativa das características superficiais e materialmente observáveis de uma personagem, de um espaço ou de certas acções". Neste sentido, usando a focalização externa, o narrador descreve, primeiro o rapaz que sofre a agressão e, posteriormente, tenta descrever a forma como a agressão se materializa. No entanto, das várias vezes que o narrador homodiegético esmera-se em narrar os eventos integrantes no universo diegético onde está inserido como personagem (daí o termo narrador homodiegético), abandona a focalização externa e promove maquinalmente o que Reis e Lopes designam intrusões do narrador. Assim, as intrusões do narrador são "todas as manifestações da subjectividade do narrador projectada no enunciado,". Uma das passagens textuais em que se nota uma intrusão do narrador é a seguinte: "Naquele momento desejei ser escritor. Um grande escritor. Só uma dessas pessoas que dispõem de um vocabulário rico e são dotadas de capacidades para usá-la em toda a sua gama de combinações possíveis, assim conseguindo obter a forma mais expressiva para a ideia ou sentimento que pretendem exteriorizar, poderia fixar aquele momento" (p. 21). Mais adiante encontramos a seguinte passagem: "O escritor não veria mais nada. Só aquele momento. Mas o escritor não é apenas o homem de vocabulário e frases bonitas. É também o homem de imaginação, de fantasia" (p. 21). Nestes dois segmentos, tal como nos sugerem Reis e Lopes, o sujeito de enunciação do enredo proporciona ao conto, através das intrusões do narrador e a fim de revelar os seus desejos, os seus juízos de valor e as ideias que tem em relação aos escritores, um momento de pausa. Mas será que são estes os papéis das intrusões do narrador neste conto? Acreditamos que não, pois ainda que o narrador exprima os seus desejos circunstanciais, os seus juízos de valor e ideologias, nos parece que as razões das intrusões do narrador são outras, pois as suas funções não estão centradas de forma alguma no narrador, mas nos acontecimentos captados pelo narrador que a focalização externa não descreve na íntegra. Neste recurso constante às intrusões, o narrador usa o seu poder criativo para imaginar e/ou sugerir como é que a história que "não consegue contar" poderia ter sido desenrolada por um escritor, o que revela a sua "incapacidade" de concretizar uma das suas funções, a enunciação do discurso. Há aqui uma antítese, pois à medida que o narrador sugere como um escritor iniciaria o relato da história do rapaz que é agredido, demonstra que mesmo não sendo escritor é capaz de iniciar a história como se de um escritor se tratasse. Vejamos a seguir algumas passagens que demonstram a ideia do narrador em relação à forma como um escritor iniciaria o relato dos eventos diegéticos: "Era uma vez um rapaz cuja força começou a ser aproveitada mal ele se equilibrava ainda de pé. Um rapaz a quem pouco foi permitido brincar, (…). Aos cinco anos já ajudava os pais. Ia buscar pequenas latas de água e a procura de lenha para o lume" (p. 21). Em função deste excerto, o narrador comenta: "este poderia ser para o escritor um dos princípios da história. Com outro estilo, está bem de ver, porque eu não sou escritor" (p. 21). Nestas passagens, enquanto, por um lado, o narrador contradiz a ideia de ser incapaz de narrar os eventos que se concretizam num momento que presencia (como fizemos referência há pouco), uma vez que sugere a forma que o escritor usaria para iniciar o relato da história, por outro, o narrador contradiz-se porque ainda que o escritor seja dotado de capacidades de escrita, é ao narrador que cabe a tarefa de contar a história. Logo, quando o narrador na primeira passagem que citamos afirma que naquele momento desejou ser escritor, fazendo nos entender que só um escritor era capaz de contar o que presenciava, na verdade pretende sugerir que não existem palavras que pudessem retratar exactamente a agressão que o rapaz, a quem chama Mateus, sofre. Esta ideia é evidenciada quando, a partir de uma outra intrusão, o narrador, a certa altura, afirma: "Mas aquele momento nem precisava de história. Quem nos diz que o escritor, depois de uma bela história, não falharia em transmitir ao leitor a emoção daquele momento?" (p. 25). E apresenta uma nova opinião a seguir: "Um poeta…Talvez um poeta. Os poetas têm o dom de dizer muito em poucas palavras" (p. 25). A opinião do narrador a esta altura da narrativa é de que só um poeta conseguiria dizer o que ele e o escritor, afinal, eram incapazes. Porém, muito rapidamente descarta o poeta, concluindo que apenas um pintor seria capaz de descrever o quadro que presenciou. Citamos:" Um poeta também não, porque não deve haver palavras que nos sejam capazes de dar aquele quadro. Quadro… pintura!... Achei! Um pintor, só um pintor" (p. 26).

Como pudemos notar, se o narrador nas suas intrusões enaltece as capacidades dos escritores e poetas como se fossem as mais ideais para retratar a história de Mateus, mas depois substituindo -lhes por um pintor, deve-se ao facto de as palavras não serem susceptíveis de representar a imagem que consegue captar. E como é através de uma imagem que o conto é construído, o narrador logo conclui que o pintor é a entidade ideal pelo facto de trabalhar com imagens. Mas qual é o papel das intrusões do narrador na enunciação do discurso? Não acreditamos que as intrusões do narrador no conto "Momento" tenham a função de exprimir os desejos, juízos de valor ou ideologias do narrador como tem acontecido em várias narrativas. Pelo contrário. As intrusões do narrador neste conto têm outros papéis. Dito de outro modo, as intrusões do narrador no conto em análise exercem o importante papel de revelar, ainda que de forma subjectiva, a gravidade da agressão que Mateus, rapaz indefeso, sofre por alegado roubo de um anel. Nesta ordem de ideia, o narrador, ao lado dos escritores e dos poetas, coloca-se na condição de incapaz de descrever as pancadas que Mateus sofre sem reagir, pois o momento da agressão apenas as imagens de um quadro podem descrever com exactidão. Através das intrusões do narrador, o narrador garante que o seu discurso possua informações relevantes sobre o passado e condições familiares em que Mateus cresceu. Para o efeito, recorrendo à focalização omnisciente, que é a representação da narrativa a partir de um conhecimento transcendente do enunciador do discurso, o narrador recorre às suas capacidades criativas para conjecturar o que pode constituir o passado de Mateus. Apresentamos uma passagem que enfatiza a nossa posição: "Nada nos garante, contudo, que seria este o prosseguimento que o escritor daria à vida do Mateus. Poderia optar por fazer dele um menino nostálgico e então escrever, por exemplo: nos primeiros dias o Mateus foi bem tratado pelo senhor branco que o tinha arrancado da sua palhota" (p. 24). O narrador conjectura o que a certa altura acreditava que o escritor seria capaz de dizer e que ele, como sujeito de enunciação, não consegue. Todavia, esta mesma conjectura que se materializa no conto a partir de uma intrusão, permite que o leitor idealize ou procure criar imagens relativas a Mateus. Ora, enquanto a focalização externa no conto "Momento" exerce o papel de caracterizar fisicamente a personagem Mateus, as intrusões do narrador exercem o papel de o caracterizar psicologicamente. Portanto, há intenção do narrador "transmitir ao leitor a emoção daquele momento". Por isso, o narrador intromete-se constantemente no acto da enunciação do discurso a fim de que a história cause um impacto emotivo muito maior no leitor. Finalizando, as intrusões do narrador no conto “momento”, de Guilherme Afonso, revelam, primeiro, que para além das intrusões terem a função de exprimir desejos, juízos de valor ou ideologias do narrador, também podem servir para preencher lacunas de informação que a história, como um universo diegético que precisa do discurso para se fazer representar, não oferece; segundo, as intrusões do narrador podem constituir uma estratégia discursiva na medida em que a partir delas o narrador pode dialogar com o leitor, permitindo que este sinta-se integrado na história; terceiro, as intrusões do narrador podem constituir uma forma de o narrador consubstanciar o seu discurso, de modo a criar um impacto emotivo maior no leitor, e quarto, as intrusões do narrador podem ter o papel de adiar as acções centrais da diegese e criar o suspense. * Um dos contos que faz parte da obra “Circuito”, de Guilherme Afonso.

O Prémio Camões 2012, o mais importante da literatura lusófona, foi concedido ao escritor brasileiro Dalton Trevisan, anunciou o secretário de Estado português de Cultura, Francisco José Viegas. Nascido em 1925 em Curitiba, Dalton Trevisan é um autor enigmático conhecido por seus relatos, em particular "O vampiro de Curitiba" (1965). A decisão do júri representa "uma escolha radical em favor da literatura como arte da palavra", explicou seu presidente, o escritor brasileiro Silviano Santiago, destacando os "incessantes experimentos" do laureado com a língua portuguesa e sua "dedicação ao saber literário sem concessão às distracções da vida pessoal e social". O Prémio Camões, de 100 mil euros, foi criado em 1989 por Portugal e pelo Brasil para premiar autores que contribuam para o reconhecimento da língua portuguesa. O prémio, concedido no ano passado ao poeta português Manuel António Pina, já foi entregue em edições anteriores aos portugueses António Lobo Antunes (2007) e José Saramago (1995), ao brasileiro Jorge Amado (1994) e ao angolano Pepetela (1997).


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Poesia Um “b” de bandolim a disposição Dinis Muhai - Maputo O barbeiro idoso dorme como um mufana burguês no seu rasgado banco de estar espantosamente embalado pelas subtís sonatas psicanalíticas e estrangeiras. Epá quem passa pela calçada junto a sua barbearia, com causa atesta um velhote speed, na maior, a exibir seu estatuto de proprietário com preguiça enraizada aos novelos em seus cabelos de luz. -Bang, bang bate com raiva a porta um cliente. Vai e abre com despreso o velho a porta, e mais de mil golpes mentais formam um exército de núvens em seu cérebro de cores. açoitam-no com rancor para se deliberar e epá! Um clarão de pérolas surge. –São horas de fechar. E o cliente furioso lá fora na calçada refila. O velho tranca-se e cochila.

SOBRAS Pedro Du Bois - Brasil Prefiro as sobras do banquete o vinho quente na garrafa o azedo da salada o restante da carne junto ao osso o guardanapo usado com esforço guardo a rolha em confirmação: aguardo o retorno inserido na minha vontade.Prefiro as sobras do banquete o vinho quente na garrafa o azedo da salada o restante da carne junto ao osso o guardanapo usado com esforço guardo a rolha em confirmação: aguardo o retorno inserido na minha vontade.

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MALANJINA JOÃO TALA - Angola

Novenario Judith Castañeda Suarí - México Dia um Beijo tua mão de Pedra branca, Arestas douradas. Brilhantes. Frias. Uso um dedo Para provar tua alma de cinza. Dia dois Eu te esperei a noite. Dormi Quando o sol Começou a estender seus dedos sobre a Terra.

Por quê você tarda tanto? Dia três Rua. da Catedral. Uma palavra no papel. Eu não posso esquecer tua ausência. A rosa branca em frente de teu rosto desfolhei. Duas letras: E, C. Foram teus dedos? Dia quatro Ontem, transportei Pinceladas transparentes. Agora no meu emprego: fabrico, Cores iguais, penso em atingir o algodão. Não há palavras – Mesmo elas são buracos.

Vou de camuflado vou imune visitar a malanjina vou com a ciência dos amantes não posso esperar esperas criam cicatrizes e eu já estou ingurgitado ela engoliu-me a infância cabe ainda no cheiro procuro-a na sombra ou na pedra onde quer que haja um lugar de leite. Do Poemário FORNO FEMININO

Inegável Conceição Lima - São Tomé

Por dote recebi-te à nascença E conheço em minha voz a tua fala. No teu âmago, como a semente na fruta o verso no poema, existo. Casa marinha, fonte não eleita! A ti pertenço e chamo-te minha como à mãe que não escolhi e contudo amo.

Dia cinco Eu sonhei, sonhei que sonhava-te. Teu nome Entre palavras de um idioma morto. Não vi-te, mas. Visto-te. Dia seis Reencarnação: eu uso tua partida para escrever, lês-me? Podes perdoar-me? Dia sete Morte de um dia, mudança de nome: dia do Vénus, dia da Estrela tardia cinquenta e dois lugares vazios no calendário, junto ao sábado. Dia oito Tua voz de silêncio. Ouvidos sem tímpano. Pele de ar. Eu falo. Eu não escuto, muito menos toco. Beijo tua testa de pedra branca. Deixo-te voar. Dia nove Pergunta a Deus: porque, ao libertar seu corpo você silencia minha pulsação?

Fernando Aguiar - Portugal


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| Por Eduardo Quive

“A tradição oral exige não só plena adesão interior, mas a perfeita exteriorização”

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avid Capelenguesa, poeta angolano, de expressão meramente contemporânea apesar de ele próprio considerar-se dos anos oitenta, é um contador/cantador de canções populares através da poesia. A oralidade trás para este poeta a bilha e a àgua da sua criação poética. Os seus sujeitos poéticos não são fantasmas, estão de forma física e são a sua gente, a história popular e outros inigmas sociais. Quaria descreve-lo com mais exactidão. Queria dizer no meu pacato e possível modo da escrever que ele é um entre vários poetas que fazem o emblemático esquema literário angolano. Aliás, ele próprio faz questão de citar essas vedetas que são dentre vários: Ana Paula Tavares, Lopito Feijóo, José Luís Mendonça, João Maimona, Luís Kandjimbo, Frederico Ningi, António Panguila. Mas eu, para além de ter comparado a sua escrita com a de Ana Paula Tavares, de um lado, mas de outro, idêntica a de Aires de Almeida Santos (autor de “Meu Amor da Rua Onze”), outro emblemático escritor contador de oralidades. Talvez encontremos em Capelenguela o reflexo do seu eixo de vivência e convivência, ao nascer no Huíla, naturalizar-se no Namibe atraído pelo deserto de Kalahari e constantemente deslocando-se de província em província, cidadela a cidadela, levando consigo as estórias dos povos, os hábitos e costumes, dizeres e cantares. Eis o composto da sua poesia que o torna inconfundivelmente mwangolé. Nada melhor que o poeta na sua viva voz para sabermos quem ele é.

Antes de mais, como é que me dirijo a si? Digo Sr. Professor, Sr. Jornalista ou Poeta? R: Risos…aqui e agora estou nas vestes de poeta. Embora, transversalmente corra em mim o sangue de jornalista que até certo ponto tem andado na minha poesia, impulsionando, dando sugestões e até mesmo inspirando-me para o outros voos no mundo da poesia. O que significa cada uma dessas profissões para si? Sei que já está também a entrar para Direito. R: como disse, elas todas fazem parte do percurso da minha vida. Com 17 anos de idade entrei para o Ministério da Educação concretamente na actividade de professorado, na brigada juvenil de ensino Cdte Dangereux na cidade do Namibe. Dei aulas de Língua portuguesa no ensino de base IIº e IIIºs níveis, durante 12 anos. Três anos depois de estar a trabalhar como professor entro para o jornalismo, na rádio local comecei por apresentar um programa romântico/relaxe, durante um ano, depois um outro programa virado para a juventude onde fiquei durante um ano também e por fim um programa cultural onde permaneci mais de cinco anos. Colaborei ainda no jornal de Angola e Angop (Agência Angola Press) durante quatro anos. Passei pela ainda rádio Huíla, e actualmente estou na Rádio Cunene onde apresento um programa cultural também. Quanto ao Direito, é a formação que estou a seguir, se tudo correr bem termino a minha licenciatura em Direito este ano de 2012. Estou muito entusiasmado, pois é o curso dos meus sonhos, embora antes tivesse ingressado no ISCED - Instituto Superior de Ciências de Educação, onde fiz o primeiro ano de Linguística português. Relativamente a poesia, esta faz o meu mundo, é a razão do meu viver, a força e o compasso que me tem mantido firme e fiel comigo mesmo e com os meus próximos. Como foi o seu inicio na carreira poética? Teve alguma formação específica? Foi influenciado por algum autor para despertar a sua atenção para o fazer poesia? Por que você escolheu ser poeta? R: Eu entro para a poesia de forma implícita. Como disse a instante, o primeiro programa que

começo a apresentar na rádio Namibe foi romântico. Tinha eu um chefe de programas muito exigente, no bom sentido, foi uma pessoa muito organizada e gostava de ver as coisas nos seus devidos lugares, estou a falar de uma grande figura do jornalismo Angolano, o Sr. Alves António que é actualmente o director Provincial da Rádio Huíla. E como é obvio em qualquer programa de rádio, antes do programa ir ao ar, deve-se fazer a realização do mesmo, coordenar os temas e as músicas. Foi então que paulatinamente comecei a sentir o pulsar no meu lado poético-romântico. Na verdade não tive uma formação específica como tal, mas através de uma entrevista que eu fiz, já enquanto realizador e apresentador do programa cultural, a um grande poeta, cineasta e antropólogo angolano, estou a falar de Ruy Duarte de Carvalho, daí partiu uma amizade com este grande homem de cultura e, muito cedo comecei a tomar contacto com as suas obras, convivemos muitos anos, viajamos e fez-me conhecer o Namibe a dentro, os seus povos e culturas, formas de estar e ser, danças, adágios, provérbios, máximas, adivinhas, cantos, ritos de puberdade, formas de choro, sinais do rugir do leão e gestos até do ruminar do boi comum e do boi grado e mais. Foi então que fui-me forjando, vou sendo forjado para esta coisa de fazer poesia e devo mesmo dizer que é o grande ganho dos meus últimos 23 anos, pois faço da poesia a legítima confidência para o meu quer ser, para as coisas animadas e inanimadas, o belo, o ruim, as sensibilidades, os sinais visíveis e inexplicáveis, mas procurando dar um rosto próprio e característico a poesia que tenho tentado ilustrar no quotidiano. Tenho tido ainda um grande apoio de aconselhamento poético, conversa e ensinamento de técnicas e outras formas de se caminhar na poesia por parte de outros grandes nomes da poesia angolana. Falo por exemplo do poeta e crítico literário Lopito Feijóo, uma pessoa que está sempre por perto e fazendo com que a minha poesia antes de sair ao público seja lida por ele e outras pessoas. Tem sido muito gratificante. Embora poucas vezes mas vou conversando ainda sempre que possível e nos encontramos em Angola ou em Lisboa


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com o crítico literário Luís Kandjimbo, que me recomenda, aconselha e desperta-me para muita leitura e consulta bibliográfica não só da poesia mas da literatura no geral, como deves saber, Luís Kandjimbo não é crítico e poeta vulgar, é artista de manga comprida, é académico, homem que ama profundamente a cultura, exigente, e pautado de um rigor e disciplina. E orgulho-me profundamente por isso, embora consciente de muito caminho por fazer e, lá vou indo. O ser poeta, mas cantando as canções do povo, nas suas línguas, hábitos e costumes, como é que surge em si? R: Este estilo da elaboração poética, começa concretamente quando passo a apresentar o programa cultural na rádio Namibe e, como vês mais uma vez o nome da rádio e o Namibe, …risos…aí comecei a sentir a verdadeira responsabilidade do trabalho jornalístico, com o agravante de ser um jornalismo quase investigativo, pois estava perante um programa que se chamava “ Frente Cultural”. Começo a sair para reportagens dentro e fora da circunscrição do Namibe, não só enquanto cidade mas também enquanto Província, pois a abrangência cultural da região se impunha. Foi desta forma que seguindo as normas tradicionais da nossa gente, muitas vezes tive de sentar-me no otyoto, ou para ser recebido enquanto jornalista visitante ou para a partir mesmo destes lugares, entrevistar, assistir cerimónias, conversar, julgamentos tradicionais, ou mesmo uma simples sentada ao anoitecer a volta da lareira enquanto a noite se faz adulta. Ouvi canções ao anoitecer, recados e assobios de aviso no percurso da vida em busca da vida. A tradição oral exige não só plena adesão interior, mas a perfeita exteriorização. A “memória muscular” é exercida nas festas, pois mobiliza e prescreve regras restritas de comportamento. São os ritos e as regras que regem a nossa gente…, estar e ser humilde deve ser sempre sagrado e bem visível aos olhos dos mais velhos, pois com a realização escrupulosa dos ritos os homens atingem o mundo do ser. A forma de se sentar para mulheres e homens, a maneira de fazer parte da conversa e tomar a palavra, saudar, o coro do canto e o gesto da dança quando chamado a fazer parte, o penteado feminino e masculino, o traje tudo, tudo é feito com rigor e pormenorizadamente. Foi então que a questões da oralidade, começa a ganhar corpo na minha poesia, assim mesmo podes ver o poema “rito de puberdade”, da página 40 do meu segundo livro de poesia “ O enigma da Welwitschia” editado pela brigada jovem de literatura de Angola do Namibe em Abril de 1997. Como é reconciliar essa maneira de fazer a poesia com as barreiras linguísticas que separam os povos e às próprias exigências da poesia? R: Tudo quanto tenho tentado fazer é na verdade uma demonstração e valorização cultural, que infelizmente o etnocentrismo europeu negou, descuidou e deturpou, fazendo-se de esquecido que esta é a verdadeira realidade cultural negro-africana. E fruto disso mesmo, assistimos hoje, um processo de secularização da cultura tradicional, sobretudo nos meios urbanos, contradizendo-se com evidências de que a cultura tradicional oral informa e motiva princí- pios, valores, reflexões e estruturas que não se devem ignorar isto, pois constituem a especificidade da nossa identidade. Nunca perdi de vista que todo o exercício cultural e não só, obedece normas e regras, mas mesmo assim ainda, julgo que as exigências que a poesia impõe fazem parte de um todo percurso e etapas que tenho trilhado ao longo destes anos. A quando da apresentação da minha mais recente obra poética no passado mês de Maio em Lisboa, a Dra. Ana Mafalda Leite, Professora de Literaturas Africanas de expressão Portuguesa disse-me uma coisa que parece simples mais muito profunda, onde para ela, eram felizes aqueles poetas que tiveram o privilégio de passar de um século para o outro, no caso do 20 ao 21. Esta afirmação levou-me a fazer uma reflexão a respeito da velha discussão sobre o conceito de geração. Para mim, e perante uma realidade diferente, onde Angola caminha a passos largos para diferentes tendências, queira cultural social ou político, uma geração, literária neste caso, pressupõe ser uma integridade social de homens selectos, irmanados dos mesmos ideais e estratégias, pensamentos, possuidora de uma linguagem característica, com alinhamento e desagregação da geração anterior. Embora não seja tanto esse o meu caso, aliás porque eu identifico-me até certo ponto um pouco com a geração de 80, caso haja a posterior a esta, a minha forma de encarar as barreiras linguísticas que separam os povos é a de valorizar as línguas maternas ou nacionais como temos chamado cá em Angola, para a partir delas procurarmos formar um juízo valorativo da sua cultura, personalidade, valores e identidades evidenciando-as de diversas formas até a este nível poético como tenho tentado fazer. É nesta senda que, ao contrário da dicção mais discursiva, retórica, de conteúdo político directo, que esteve em evidência nos anos 60 e 70, a minha poesia procura mover-se

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em outro sentido, buscando uma reinvenção da sintaxe e a força mântrica das palavras. A linguagem poética, tenta ser uma leitura crítica ou expoente descritiva da realidade cultural angolana ou africana e não só, onde a transmissão oral ganha um espaço e transmite energia procurando coexistir com outras formas de realização poética.

Sente que a sua poesia, nos moldes que a faz (juntando estórias populares, línguas locais) é entendida? Isso o tem preocupado? R: Sinto que é realmente entendida, embora por um público por vezes restrito e sobretudo àquela camada de leitores mais atentos. Por estes anos de exercício poético baseado na cultura tradicional oral, eu tenho chegado cada vez mais a conclusão de que tudo o que existe provém de uma origem, mas a oralidade é mãe da sua própria existência, pois para mim, a civilização negro-africana baseia-se na palavra; é essencialmente oral, aliais, na tradição africana, o mundo é dominado pela palavra. A oralidade é completada por ritos e símbolos. Mas este sem a palavra, sem a tradição torna-se ineficaz. A palavra ocupa o primeiro lugar nas manifestações artísticas, no culto religioso, na magia e na vida social para além do seu grande valor dinâmico e vital, é praticamente o único meio de conservar e transmitir o património cultural. Embora esta palavra deva ser interpretada de diversas formas, julgo ser um elemento que nos identifica. A minha preocupação não é de estar a ser ou não entendido, porque estou seguro que tenho sido entendido, pelo contrário a minha preocupação é servir e transmitir a realidade ao nível destes povos. De chamar atenção a sociedade de que na condição africana, não há centros urbanos sólidos sem uma origem cultural ou tradicional assente verdadeiramente nas suas raízes. Mas também é importante lembra aqui que, John Nacy, citado por Jorge Macedo in “ ... Texto Literário” diz que” a literatura tende a criar para si uma gíria a que insufla um ideal estético”. Isto para dizer que, a “gíria literária” de hoje traduz fielmente os esforços de toda uma geração de escritores que primam por exprimir-se com a arte, sobretudo na sua dimensão estético-subjectiva. A palavra, para estes poetas inovadores, é um mero símbolo que, no entanto, encerra uma pluralidade inesgotável de sentidos ao ponto de o seu significado contextual afigurar-se ambíguo. Logo, para apreender a palavra poética e, por extensão à própria poesia produzida nos nossos dias, é preciso vencer a tentação da aderência imediata e, ultrapassar o sentido literal da palavra para, lá dela recriar a criação do poeta. Esta recomendação e gestos verbais apontam para a necessidade de se corrigir o mito de que a poesia é uma leitura fácil, pois instado ao consumo da produção poético diga-se de passagem, requer, como toda a arte que se preza como tal, um esforço de interpretação, no desejo de andar próximo da convivência poética. Aliais “ao poeta pergunta-se como canta, não se lhe pergunta o que canta”. A propósito, qual é a razão para a sua cumplicidade com as tradições? R: Porque acho é de lá onde viemos, onde estão as nossas raízes, onde teremos que regressar um dia…risos… Será também, essa, uma marca que quer deixar sendo um poeta fora da cidade capital? R: O mestre Ruy Duarte de Carvalho é assim como sempre o chamei e o continuarei a chamar, viveu em Luanda capital de Angola, conviveu intensamente com o interior do País e não só, mas manteve-se fiel a sua forma de pensar e encarar a realidade poética. Como em toda história da poesia, eu também inspiro-me do canto, mas canto puro, suave e de transmissão cultural, não canto em forma de gritaria como repúdio a um assaltante de telemóvel ou carteiras das senhoras em pleno dia e em plena capital do país, embora esta forma de canto me possa propor e inspirar algo para escrever, só não sei se seria poesia ou não! Mas, como digo, estar na capital ou não, não fazme muita diferença, aliais, eu vivo no Lubango, Província da Huíla, trabalho em Ondjiva, Província do Cunene todas cidades e Províncias do interior e sou estudante Universitário em Luanda capital do País, onde passo muito tempo também. Mas a convivência com este meio extra interior, ou melhor, “o choque de culturas” não deve deixar-me desenraizado dos meus princípios, valores, reflexões, formas de pensar e pontos de vistas, interpretar e entender a estruturação e estratificação dos meios urbanos e rurais, pois as raízes de um povo constituem a herança e o património sagrado que cada indivíduo e cada comunidade recebem dos antepassados, contextualizando este mesmo testemunho para ser o seu alimento e razão profunda da sua existência. Isso tem influenciado na sua carreira literária e dos outros poetas do Namibe? R: Não, eu encaro o país no seu todo, transmito valores, desperto consciências, critico, e deixo-me criticar, sou forjado por outros e muitos forjam-se da minha poesia. Penso que o ser social pressupõe-nos deveres/ obrigações e direitos. Relativamente a poesia de outros poetas do Namibe, julgo que não foge muito da realidade geral, embora a forma de pensar e trabalhar a poesia varia de poeta para poeta. O que Namibe significa para si? R: Risos…o Namibe é o meu ponto de partida, onde um dia encontrei o sentido das almas na teimosia das paragens impacientes, sem que a virgindade do vasto deserto do Kalahari e a impressão do gesto firme na fineza dos actos tivesse-me negado o alcance do que pretendia. O Namibe enquanto interior é excessivamente denso na sua vastidão de arte, ternura, adágios, contos e saberes. E fica-se com a sensação de que a corrente fria de Benguela ainda nada levou e por desbravar é do que há de mais, pois a mobilidade do espaço-temposer aguarda-nos na continuidade de outros partos. Sempre que vou ao Namibe, ao regressar volto com visões reelaboradas, comprometido com o seguimento do querer que nos consome na azáfama da seiva do verbo. O Namibe aguarda-me sempre guardando as mais belas notas para serem cantadas em forma de poesia. Como disse, no princípio da minha entrevista, foi ali onde comecei com as minhas profissões e conheci o Mestre Ruy Duarte de Carvalho, que me apelou a riqueza do solo, falou-me da expressão do sapatear na dança Kuvale, afinou-me a sensibilidade para as diversas formas e mensagens vindas do som do batuque, mostrou-me a legenda das ondas do mar e descreveu-me o interior até a fronteira com a vizinha República da Namíbia. Qual tem sido o movimento da literatura nessa região?


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R: O movimento literário nesta região tem sido mais baseado da gente que vem de fora, digo de autores que socorrendo-se da frescura, da beleza da pequena cidade, vão até lá com finalidade de apresentação pública das suas obras. Existe um pequeno núcleo da brigada jovem de literatura, onde com alguma periodicidade, realizam-se encontros, palestras e debates a volta de um dado tema literário, e assim vai indo a vida literária por aquelas paragens. Poetas como Aires de Almeida Santos e Ana Paula Tavares o que lhe dizem? Aliás, acho a sua poesia um pouco semelhante á de Aires de Almeida Santos, onde o povo é objecto da vossa criação. Comenta. R: São poetas de grande dimensão, sobretudo a poesia da Paula Tavares, aquém eu mais leio, já que tenho lido muito pouco a poesia de Aires de Almeida Santos. Leio muito também a poesia do Lopito Feijóo, José Luís Mendonça, João Maimona, Luís Kandjimbo, Frederico Ningi, António Panguila e outros mais, todos poetas de grande valor e julgo que conquistam o seu espaço, cada um tem a sua forma de encarar e elaboração poética. Todavia, o povo está sempre presente na poesia, não só na minha, mas como na de todos autores, pois quando escrevemos não só estamos a exercitar a nossa capacidade intelectual, mas também nos comunicando com outros através do texto. Isto pressupõe a existência de dois pólos de comunicação, onde o emissor transmite a mensagem para o receptor ou até viceversa, como muitas vezes acontece na minha poesia, em que recebo, concebo, reelaboro e volto a transmitir. As suas duas últimas obras: “GRAVURAS D’OUTRO SENTIDO” e “TIPO-GRAFIA LAVRADA” são no meu entender, um símbolo da qualidade da sua poesia, mas no entanto, nelas há sinais de transformação da sua escrita poética, quando comparado com a obra “VOZES AMBÍGUAS”. Comente esta interpretação, tecendo igualmente, comentários sobre o que norteia a escrita dessas obras? R: Eu estruturo a minha poesia da seguinte maneira: 1 – compasso da reelaboração da alma, onde incluo as obras “Planta da sede, O enigma da Welwitschia, Rugir do crivo”, 2 – compasso da travessia, onde incluo as obras “Vozes ambíguas e Acordanua”, 3 – compasso do silêncio e tacto, onde incluo as três últimas obras, neste caso, “Gravuras d`outro sentido, Tipo-grafia lavrada e Véu do Vento”, esta última que vamos apresentar ao público no

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1 iteratas ano

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dia 08 de Junho de 2012. Como dizeres e confirmo, depois de um período de reflexão, análise e maturação dos meus feitos poéticos, neste último compasso tenho procurado manifestar-me na poesia de uma forma mais profunda e interventiva, olhando as questões que desde sempre me preocuparam, procurando aqui e de viva voz, sempre que posso e assim o entender deixar bem patente o dizer da minha gente. Eu me sinto bem representá-los como tenho feito, sobretudo porque eles aceitam-me e cada vez mais inspiram e fornecem-me subsídios para estes feitos. A obra “Gravuras D‟outro sentido, procura” descrever vários estilos e formas de representação poética direccionados ao Namibe, sobretudo, não fugindo a regra de sempre. Já a obra “Tipo- Grafia lavrada, é um pouco mais solta, mais geral, na sua forma de estruturação e apresentação, embora, sejam todas obras de uma mesma linha de orientação e do mesmo autor, com as mesmas pretensões, visões e formas de pensamento. Esta pergunta já lhe tinha feito noutras conversas, mas ela ainda me incomoda a dentro. Qual poderá ser o destino da sua poesia, tendo em conta a distancia que a sociedade vai tendo com as suas raízes identitárias? Teme alguma falta de espaço? R: Pelo contrário, o espaço é conquistado pelo homem e, a poesia tem e terá sempre espaço em qualquer parte do mundo. Um dia o escritor Angolano Abreu Paxe ao ser perguntado sobre a sua forma de fazer poesia, respondeu belamente dizendo, “penso que a poesia, como ato de criação, para mim não deve de forma objectiva nomear as coisas tal qual como elas acontecem no cosmos, tal como se movem, tal como o cosmos as regula, vistas, à vista desarmada ou macroscopicamente. A poesia deve constituir-se no mundo alternativo, este funcionando como mundo não codificado ou convencionado numa visão globalizante, senão como codificação singular do criador e do leitor. Ao serviço da arte, a poesia deve-se construir com certa erudição, ou seja, a partir do que já existe, do que já foi proposto nos matizes artísticos. A poesia deve convidar-nos a mergulhar no escuro, como dizia Gastão Cruz, não para o iluminar, mas para aprender a conhecê-lo, evocando todos os sentidos.” Eu estou perfeitamente de acordo com este poeta, e é nesta forma de encarar os desafios da caminhada poética que o mestre Lopito Feijóo sempre diz, poesia é um mundo onde quando mais se caminha mais caminho há para se fazer, aliais, o poeta, não tem fronteiras e nem se circunscreve só na sua pátria, e assim, mais uma vez voltando ao poeta Lopito Feijóo, dizia: “é sem fronteira a pátria do poeta/ minha pátria é a nossa casa/ É a minha campa (é dizer), m´bila iami! /chamar-se-ia Lucrécia, Mundo/ou poesia, não fosse eu um apátrida!”.

Informar é uma arte

Salão Internacional do Livro do Piaui

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escritora angolana Isabel Ferreira estará presente no Salão Internacional do Livro do Piaui SALIPI) nos dias 10 a 17 de Junho no Complexo C.Praça de Pedro II no Nordeste do Brasil. A escritora Isabel Ferreira levará uma diversidade de material cultural e para além da sua comunicação sobre o percurso do teatro universitário angolano, terá encontros com fundações culturais nordestinas. Isabel Ferreira que é docente da cadeira de Cinema e Literatura no Instituto Superior Metropolitano de Angola estará presente no encontro onde também participaram os escritores brasileiros Adriano Lobão, Antônio Noronha, Bárbara Olímpio, Cineas Santos, Graça Targino, Paulo José Cunha, Arimatan Martins. Os palestrantes brasileiros são Ignácio de Loyola Brandão, Cristovão Tezza, José Castello, Sônia Rodrigues, José de Nicola, Marcelino Freire e Sérgio Sant‟Anna. Outros palestrantes internacionais são, a cubana Roxana Pineda e a portuguesa Ana Luisa Amaral. O evento será em homenagem aos escritores Luiz Gonzaga, Jorge Amado, e o jornalista Nelson Rodrigues Refira-se que a escritora tem tido uma participação cultural muito frequente no exterior do país nomeadamente: Brasil, Canadá, Chile, Portugal, Moçambique, Cabo Verde. Isabel Ferreira é membro da União dos Escritores Angolanos. U.E.A. É Membro da Ordem dos Advogados de Angola (O.A.A.) e da União Nacional dos Artistas e Compositores Angolanos, (U.N.A.P.). É também membro da Sociedade Portuguesa de Autores. (S.P.A.).

Prémio PT de Literatura em Língua Portuguesa Cinco autores portugueses, 54 brasileiros e uma santomense compõem a lista dos 60 nomeados para o Prémio PT de Literatura em Língua Portuguesa.

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ste ano, o prémio conta, pela primeira vez, com três categorias: Poesia, Romance e Conto/Crónica. Nesta fase, estão nomeados os autores portugueses António Cabrita, “A maldição de Ondina” e Valter Hugo Mãe, “A máquina de fazer espanhóis”, na categoria Romace; Alberto Xavier, “O escandinavo deslumbrado”, na categoria Conto/Crónica; Gastão Cruz, “Escarpas”, e João Rasteiro, “Triptico da súplica”, na categoria Poesia. Simultaneamente, os 274 jurados revelaram os nomes dos seis jurados que seleccionarão os 12 finalistas da etapa intermediária e os grandes vencedores, que serão conhecidos em Novembro. Este Júri será formado por: Alcides Villaça, Antonio Carlos Secchin, Benjamin Abdala Júnior, Leyla Perrone Moisés, Manuel da Costa Pinto e Maria Esther Maciel. No ano em que se assinala o 10º aniversário do prémio, a primeira etapa contou com 502 livros inscritos: 165 obras na categoria Poesia, 139 em Conto/Crónica e 198 em Romance. Todas foram publicadas no Brasil, no ano de 2011. Dos três vencedores, um por categoria, será escolhido o vencedor do Grande Prémio de 2012. A edição de 2012 conta com uma curadoria formada pela curadoracoordenadora Selma Caetano, pelos especialistas José Castello (literatura brasileira) e Madalena Vaz Pinto (literatura portuguesa), além da perita em literatura africana Tânia Celestino de Macedo. A curadoria responde pelos resultados de todas as etapas do Prémio e participa da composição de todos os júris.


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O passo certo no caminho errado

A oralidade na escrita Nelson Lineu - Maputo

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eio mesmo a calhar a visita da avó Margarida, Eugénio estava empolgado para dar a notícia segundo a qual era o motivo do seu sorriso nos últimos dias, mal entrasse de férias arrumava a mochila e bazava para a localidade onde vivia a avó e nasceram os seus pais, visto que mais tarde migraram para o local onde hoje inventam vidas, para ele era isso e não se discutia mais, tinha como justificação o facto da criatividade africana. Acontecera nas últimas semanas, viu no noticiário a edição de um livro de estórias, as mesmas que ouvia na fogueira da sua avó e deixava-se embalar ou seja futurar nela, o seu maior medo é que elas morressem com o tempo, vendo a sua camada marimbando para elas ou quem de direito, seguir o mesmo itinerário. Com edição desses livros tinha com que se orgulhar, não nos perderíamos num enredo que vem sendo traçado há séculos. Contando a avó sobre a boa nova, respondeu com as seguintes palavras: - Meu neto, eu também gostaria de estar a sorrir como você, fazendo isso parece-me que estaria a rindo-me de mim mesmo. Olha que fiquem bem claro, não me oponho a isso, ainda me chamam de ultrapassada como vocês adoram fazer. Com a edição dessas estórias que não aparecem como iniciativas nossas, como sempre, perderemos o que mais significativo para nós tem nelas. Ora vejamos, elas acompanham-nos há séculos, cada um vai contando a sua maneira adequando-se ao seu tempo e desafios. Com a escrita elas estariam estáticas, contaremos apenas o que estiver lá escrito, estaremos presos as letras e as significações de quem conta. Se queremos preservar essas estórias, não era melhor cada um dar-se a missão de contar passando de geração em geração como temos feito até agora? Mas é esse nosso dilema africano diário conviver com esses dois mundos, mas escolha meu neto, não tem que ser sempre feita a partir de conveniências.

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Filosofonias Marcelo Soriano - Brasil

Quem sabe, "talvez"? - Análise de uma palavra indefinida

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palavra "talvez" é um coringa. Serve como sim, ou como não. Talvez sim; talvez não. É a certeza sem convicção. A afirmação da incerteza. O grande lance da palavra "talvez", é que ela é universal e hipotética, tal como as grandes teorias da humanidade: o BigBang, a Evolução das Espécies, as Leis de Murphy... Ela é o casamento sujeito a divórcio entre o "Tal" (pron. adj. Semelhante, parecido, análogo) e a "Vez" (s. f. Ocasião; ensejo, tempo, época). O "talvez" não assume, em hipótese alguma, a responsabilidade sobre um futuro (breve, óbvio, possível, porém, irrevogavelmente desconhecido). O talvez pode perfeitamente se contradizer. É a dúvida sobre o porvir. Sequer os dicionários são capazes de precisar esta palavra, a colocando como sinônimo de "porventura", "quiçá", "provavelmente"... Pensando nisso, decidi adotar o "talvez" como palavra de ordem. Assim como o "ou não" é o Princípio da Incerteza de Heisenberg (e não do Caetano Veloso - compositor e cantor brasileiro, como muitos gostariam que fosse), o "talvez" pode ser mais abrangente e global, envolvendo, além do "ou não", o "ou sim". Bom, não tenho certeza sobre a validade desta análise da palavra "talvez", mas isto, "talvez" seja algo a ser avaliado mais adiante. Quem sabe valha à pena? Quiçá?! É bem possível. Provavelmente. Quem seria tolo ao ponto de limitar ou pré julgar um "talvez"?! -------------------------------------------------------

De Profundis Velório: momento solene em que, enfim, seremos oferecidos ao povo como um banquete frio, à luz de velas... E seremos gentilmente recusados pelos melancólicos mortos de fome. ------------------------------------

Angélica, minha esposa * duardo Quive, meu confrade que me deu o direito de o chamar simplesmente Quive, jovem de tenra idade que nem chega a minha, jovem das noites de palavras ao som de um cântico de se ouvir. Quive do seu jeito frugal que atrapalhou Angélica, filha do falecido manhembana. Já estou inerte de tanto ler suas prosas e nada poder dizer em oito parágrafos sobre este meu amigo do meio, Xiguiane da Luz. Ou Quive, que apresenta-nos agora o seu inédito, cujo titulo pedi emprestado para este pensamento, e me pergunto com tanta idade, depois de eu ter lido todos os seus escritos, como consegue ele colocarme em sintonia a uma vida de becos e ruelas do antigamente. Será que esta frase celebre ´´Quando a palavra cala-se o silêncio é o meu abrigo preferido. Em mim, um fim, um mundo subjectivo! A Palavra com o poder de dizer o que sinto, o que acho. SOU EU, ESTOU AQUI, CONSIGO E COM NINGUÉM``, dele é suficiente para o conhecermos. Quive vive no Patríce Lumumba como ele descreve em suas prosas e poemas (não sei como consegues fugir da prosa ao poema, fumas mbangue?) mas este Lumumba não viu-o nascer nem ele viu-o crescer, o que Quive faz na sua escrita é a interpretação daquilo que seu pai, seu irmão (que a alma descansa junto dos outros familiares e amigos), sua mãe, e, outras pessoas da minha idade viveram no pós-colonial neste bairro e outros. O Xiguiana da Luz escreve o Lumumba da pós-paz. Quive vive em todos os bairros, Às tardes passava da Escola Industrial primeiro de Maio, na capital de Maputo, não estudava ali, mas gostava daquela esquina, é porreira. Havia um jovem, cujo nome ainda vou consultar, vendia rosas, talvez de todas as cores, será possível? Bem se é possível ou não, deixo de saber ou melhor não dava para perceber, porque sempre que olhava para aquele lado, coincidia com o olhar de uma mulher, bonita e elegante, na verdade parecia uma sereia que um simples peixe, uma mulher que cativa qualquer olhar atento, com uma voz suave, um olhar bastante firme, com um tom de inocência, em fim, um cativeiro que cativa a todos, in a Assassina das Rosas, não só neste, vive, conhece as vicissitudes de cada esquina em

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Izidro Dimande - Maputo

cada bairro e de cada pessoa em cada bairro, desculpem a redundância, o Quive percebe. Reconta as pessoas e as acções e constrói-as para nós que nos esquecemos, Quive sai e entra nas Literaturas Africanas Pós-Colonial que Ana Mafalda Leite titularizou para os nossos escritos, do quotidiano. Quive não brinca com as palavras, escreve-as como são no seu verdadeiro sentido e apercebemos que a escrita literária tem vida, tem construção, tem acção, tem moçambicanidade e não tem separação de acção, espaço. Nas suas obras por vezes Quive assusta-me quando entra na rua das miúdas, Era sexta-feira. Dia 13. Dia das bruxas. Bruxas femininas. Os machos são bruxos, por isso aparecerá um só homem. Agora é assim mesmo. É emancipação até na bruxaria. Nos corredores daquela rua, pisavam-se as lágrimas silenciosas da Kotile, circulava com mine saias, cujo tamanho não era digno de se chamar de mine saia. Parecia uma pura roupa interior. Pura porque era mesmo quase que um espelho lambido pelo orvalho. Se via tudo. Tudo mesmo. In O primeiro cliente, a quem disse-me que o escritor escreve o que vive (não vamos confusionar este alguém), deixe-me escrever o que penso desse alguém se fosse para o Quive, que na idade que ele tem seria um atirador das ruas da prostituição, porque Quive vive nestas ruas na sua escrita. Imaginem o Quive, magro, acabado pela escrita no seu escritório do Kuphaluxa, pensando como juntar os seus membros e o povo em geral, sem um tostão porque a escrita não lhe dá dinheiro em Moçambique e sem um almoço energético, para ter de ir a rua das miúdas viver. Não precisa o escritor viver algo para escrever. Basta pensar e juntar o enredo. Ó Quive! O que achas que a sua escrita pode mais ensinar-me. Se já sei como vivíamos no antigamente. Achas que eu sou teu confrade com capacidades de falar de ti. Ou devo ler mais suas obras e viver mais consigo. Aos meus leitores, leiam o Quive sempre que o zénite literário vos chegar. Porque o jornal do Quive é de pouca tiragem para aqui até próxima edição. *Titulo da prosa de Eduardo Quive


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Frederico Ningi

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Ensaio

Breve historial da literatura guineense*

Filomena Embaló FONTE: www.didinho.com.br Nota ao leitor

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ste trabalho não se pretende exaustivo. Ele apenas indica referências que poderão ser o ponto de partida para um estudo mais completo e actualizado, uma vez que se refere unicamente ao panorama literário guineense até 2000. A limitação das fontes que foi possível consultar, explicará a parcialidade da abordagem e desde já as minhas desculpas pelas omissões involuntárias. Com a preocupação de ampliar a estas insuficiências, não deixarei de completar este trabalho à medida que for tendo acesso a mais informações. Por outro lado, o desafio fica aqui lançado a eventuais colaboradores interessados em aprofundar e completar o tema. Introdução Dentre as antigas colónias portuguesas, a Guiné-Bissau é o país onde mais tardiamente a literatura se desenvolveu devido ao atraso do aparecimento de condições socio-culturais propícias ao surgimento de vocações literárias. Esse atraso deveu-se sobretudo ao facto da Guiné ser uma colónia de exploração e não de povoamento, tendo estado por um longo período sob a tutela do governo geral da colónia de Cabo Verde. São vários os elementos que explicam essa situação, dos quais cito alguns. Primeiramente, uma política educativa colonial restritiva e tardia. Com efeito, o primeiro estabelecimento de ensino secundário só foi aberto em 1958, enquanto que, por exemplo, em Cabo Verde o primeiro liceu foi inaugurado na Praia em 1860 [i] O acesso ao ensino era bastante restrito, estando dele excluída a maioria da população (99,7% em 1961) abrangida pelo Estatuto do Indigenato. A imprensa também chegou tardiamente à colónia, em 1879, enquanto que nas demais colónias ela foi instalada entre 1842 e 1857. Os Boletins Oficiais, que possuíam secções reservadas a colaborações literárias, só apareceram em 1880, na medida em que entre 1843 (data em que apareceram os boletins nas outras colónias) e 1879 havia um boletim comum à Guiné e Cabo Verde, editado na Praia. A primeira editora pública, a Editora Nimbo, só aprareceu depois da independência em 1987, tendo tido uma duração efémera, fechando alguns anos depois. A estas causas remotas, associam-se outras mais recentes que têm a ver com o pouco (ou quase nenhum ) apoio que as autoridades do país têm prestado à promoção da cultura nacional em geral e à literatura em particular. A inexistência de bibliotecas, de uma casa de edições, a falta de dinamismo da própria União Nacional de Artistas e Escritores são alguns dos factores que têm travado o desenvolvimento do movimento literário nacional. Abdulai Silá, o primeiro romancista contemporâneo do país, teve que fundar a sua própria casa de edições em 1994... Poderemos distinguir quatro fases na literatura da Guiné em função do seu conteúdo: uma primeira fase anterior a 1945, uma segunda entre 1945 e 1970, uma outra entre 1970 e o fim dos anos 1980 e finalmente a fase iniciada na década de 1990. I. A fase anterior a 1945 Autores marcados pelo cunho colonial

Uma poesia de combate É neste período que surgem os primeiros poetas guineenses: Vasco Cabral e António Baticã Ferreira. Amilcar Cabral, com uma dupla ligação à Guiné e Cabo Verde, faz também parte desta geração de escritores nacionalistas. A literatura deste período caracteriza-se pelo surgimento da poesia de combate que denuncia a dominação, a miséria e o sofrimento, incitando à luta de libertação. Embora os primeiros poemas de Amilcar Cabral revelem um autor cabo-verdiano, a maior parte da sua obra literária é dominada por um cunho universalista, marcada pela contestação e incitação à luta: « Ah meu grito de revolta que percorreu o mundo que não transpôs o mundo o Mundo que sou eu ! Ah ! meu grito de revolta que feneceu lá longe Muito longe Na minha garganta ! Na garganta mundo de todos os Homens »[iii]

Vasco Cabral é certamente o escritor desta geração com a maior produção poética e o poeta guineense que maior número de temas abordou. A sua pluma passa do oprimido à luta, da miséria à esperança, do amor à paz e à criança.... Inicialmente com uma abordagem universalista, a sua obra se orienta, a partir dos anos 1960 para a realidade guineense [iv]. Em 1981, publicou o seu primeiro livro de poemas intitulado “A luta é a minha primavera”, obra que reúne 23 anos de criação poética entre 1951 e 1974. Esta obra foi ulteriormente publicada pela União Latina numa versão trilingue português, francês e romeno. Citação: « Mãe África Vexada Pisada calcada até às lágrimas confia e luta e um dia a África será nossa… »[v] « …Ah ! Comme il me plairait d’embrasser sur la bouche l’aurore et de promener mes doigts dans la chevelure de l’avenir pour que paix et liberté soient universelles. »[vi]

III. Dos anos 1970 ao fim dos anos 1980 Uma literatura exclusivamente poética: da poesia de combate à poesia intimista Com a independência do país, surge uma vaga de jovens poetas, cujas obras impregnadas de um espírito revolucionário, manifestam um carácter social. Os autores mais representativos são: Agnelo Regalla, António Soares Lopes (Tony Tcheca), José Carlos Schwartz, Helder Proença, Francisco Conduto de Pina, Félix Sigá. O colonialismo, a escravatura e a repressão são denunciados por esses autores que, no pós independência imediato apelam para a construção da Nação e invocam a liberdade e a esperança num futuro melhor. O tema da identidade é abordado através de diferentes situações: a humilhação do colonizado, a alienação ou assimilação e a necessidade de afirmação da identidade nacional. Note-se porém que a questão de identidade não é apresentada como um factor de oposição entre o indivíduo e a sociedade na qual este evolui. Ela é analisada como um conflito pessoal do indivíduo, que consciente do seu desfasamento cultural em relação à sociedade de origem, procura identificar-se com as suas raízes, da qual foi afastado pela assimilação colonial. Por conseguinte, nesta abordagem não se põe em causa a pertença do indivíduo à sociedade em questão. Embora o recurso ao crioulo seja marginal, os autores afirmam-se como cidadãos africanos

Os primeiros escritos no território guineense foram produzidos por escritores estabelecidos ou que viveram muitos anos na Guiné, muitos deles de origem caboverdiana. A maior parte das suas obras têm um caracter histórico, com a excepção da de Fausto Duarte (1903-1955), que se destacou como romancista [ii], Juvenal Cabral e Fernando Pais Figueiredo, ambos ensaístas, Maria Archer, poetisa do exotismo, Fernanda de Castro, cuja obra dá conta das transformações sociais da colónia na época e João Augusto Silva, que recebeu o primeiro prémio de literatura colonial. Porém a maior parte destes autores caracterizam-se por uma abordagem paternalista e/ou próxima do discurso colonial. Durante este período apenas uma figura guineense se destaca : o Cónego Marcelino Marques de Barros que deixou trabalhos no domínio da etnografia, nomeadamente “A literatura dos negros” e uma colaboração com carácter literário dispersa Vejamos : em obras diversas. A ele se deve a recolha e a tradução de contos e canções guineenses em diferentes publicações e numa obra editada em Lisboa em 1900, intitu- Agnelo Regalla (tema do assimilado) lada “Contos, Canções e Parábolas”. II. O período entre 1945 e 1970

Fui levado a conhecer a nona sinfonia Beethoven e Mozart na música


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Dante, Petrarca e Bocácio na literatura … Mas de ti mãe África ? Que conheço eu de ti ? a não ser o que me impingiram o tribalismo, o subdesenvolvimento e a fome e a miséria como complementos…/[vii]

Helder Proença (temas: reconstrução e esperança) « …É assim que vamos tecendo as nossas manhãs de ferro e terra batida são as cores da nossa vida onde a juventude se forja - ardente e gloriosa no peito palpitante do futuro - … »[viii]

As primeiras publicações poéticas surgem em 1977 com a edição da primeira antologia « Mantenhas para quem luta », editada pelo Conselho Nacional da Cultura. No ano seguinte, é publicada a “Antologia dos novos poetas / primeiros momentos da construção”. Estas duas obras consagram uma poesia que instiga à reconstrução do jovem país. Ainda em 1978, Francisco Conduto de Pina publicou o seu primeiro livro de poemas “Garandessa di nô tchon” e Pascoal D‟Artagnan Aurigema editou „Djarama”. Helder Proença publicou em 1982 « Não posso adiar a palavra » com duas obras poéticas. Em 1990, surgiu uma nova colectânea poética, a “Antologia Poética da GuinéBissau” editada em Lisboa pela Editorial Inquérito, reunindo obras de quinze poetas, dos quais a maioria produz ainda uma poesia característica desta época. IV. A partir da década de 1990 Uma poesia mais intimista.

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Finalmente a prosa! Foi apenas em 1993 que a prosa aparece na literatura contemporânea bissauguineense. Foi Domingas Sami que inaugurou este estilo com uma recolha de contos « A escola » sobre a condição feminina na sociedade nacional. Em 1994, surge o primeiro romance de Abdulai Silá, « Eterna Paixão , que publicou outros dois romances: « A última tragédia », traduzido para francês e « Mistida » em 1997. Na sua obra Silá põe em destaque a coabitação na sociedade colonial das duas comunidades presentes, a colonizadora e a colonizada. A transição para uma sociedade pós-colonial onde uma nova elite saída da luta de libertação se instala no poder, fazendo contrastar o seu discurso revolucionário com uma prática desastrosa na governação do país, é visitada pela pluma atenta do escritor. O seu romance “Mistida” publicado um ano antes do início da guerra civil de 1998/1999 é considerada pelos críticos literários como uma obra profética. Em 1997, Carlos Lopes, autor de numerosas obras de caracter histórico, sociológico e político, inaugura a sua incursão na literatura nacional com a publicação de “Corte Geral”, uma recolha de crónicas, na qual, com muito humor, descreve situações reveladoras do surrealismo que caracteriza a sociedade guineense de todos os tempos. Um outro escritor se impõe em 1998 na cena literária : Filinto Barros, com o seu primeiro romance “Kikia Matcho », que mergulha o leitor no mundo mágico e místico africano, abordando a vida decadente da capital nos anos 1990 e o sonho falhado que representa a emigração. Em 1999, Filomena Embaló publicou também o seu primeiro romance, “Tiara”, que levanta o véu do delicado tema da integração familiar e social no seio da própria sociedade africana. Carlos Edmilson Vieira, em 2000, editou « Contos de N‟Nori », uma recolha de contos que evocam lendas e costumes populares, recordações de brincadeiras da juventude e as vicissitudes sociais e políticas da sociedade guineense. Constata-se que a literatura contemporânea bissau-guineense, nas suas diversas formas, tem uma constante : pela pluma dos seus escritores, ela retrata as desilusões, os medos e as aspirações da população perante a situação política, social e económica que prevalece no país.

O desencantamento dos sonhos do pós-independência imediato fez com que a euforia revolucionária desse lugar a uma poesia que se tornou mais pessoal, mais intimista, com a deslocaçao dos temas Povo-Nação para o Indivíduo. Outros temas passaram a inspirar a criação literária, tais como o amor. De entre os seus autores citemos: Helder Proença, Tony Tcheca, Félix Sigá, Carlos Vieira, Odete Semedo.

Notas:

« Quisera nesta vida … afagar teus cabelos sugar o doce dos teus olhos transportar em arco-íris o néctar da tua boca e juntos caminharmos ante a ânsia e o sonho … »[ix]

[iii]

Poema : « Poema », Antologia Poética da Guiné-Bissau, Editorial Inquérito, 1990, pág. 39

[iv]

Fernando J. B. Martinho, no Prefácio da primeira edição de « A luta é a minha primavera »

« A vida nasce de gotas de Amor a morte acontece no tempo entre mim e a vida paira um vácuo com sorriso aguardo o destino[x].

[vii]

Poema : « Poema de um assimilado », Antolologia poética da Guiné-Bissau, op. c. Pág. 118

[viii]

Poema : « Assim respira a minha Pátria » Antologia Poética da Guiné-Bissau, op c. page 84

Embora o português continue a ser a língua dominante na poesia guineense, o recurso ao crioulo tornou-se mais frequente, quer pela escrita em crioulo, quer pela utilização de termos e expressões crioulas em textos em português. Empregando o crioulo, os autores põem em evidencia a riqueza metafórica dessa língua, profundamente enraizada na cultura popular. Odete Semedo, que utiliza tanto o português como o crioulo, reivindica pertencer a duas culturas: « Em que língua escrever as declarações de amor ? em que língua contar as histórias que ouvi contar ? … Falarei em crioulo ? Falarei em crioulo ! mas que sinais deixar aos netos deste século ? ou terei que falar nesta língua lusa e eu sem arte nem musa mas assim terei palavras para deixar.. . »[xi]

Várias são as publicações que dão conta destas inovações na literatura bissau – guineense: « O Eco do Pranto » de Tony Tcheca em 1992, uma antologia temática sobre a criança, editada pela Editorial Inquérito em Lisboa ; « O silêncio das gaivotas » em 1996, o segundo livro de poemas de Francisco Conduto de Pina ; « Kebur – Barkafon di poesia na kriol », uma recolha de poemas em crioulo, editada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP) em 1996 ; « Entre o Ser e o Amar », uma recolha bilingue português-crioulo de poemas de Odete Semedo, publicada também pelo INEP em 1996 « Noites de insónia em terra adormecida », um outro livro de poemas de Tony Tcheka publicado também em 1996 e « Um Cabaz de Amores - Une corbeille d‟amours”, recolha bilingue português-francês de poemas de Carlos Edmilson Vieira, publiacada em 1998 pelas Editions Nouvelles du Sud em Paris. As primeiras bandas desenhadas de Fernando Júlio, exclusivamente em crioulo, apareceram na década de oitenta. Trata-se essencialmente de sátiras sociais que tiveram um grande sucesso. A música, onde a poesia crioula tem quase a exclusividade, foi também marcada pela exultação da reconstrução nacional.

i Aristides Pereira, « Guiné-Bissau e Cabo Verde – Uma Luta, um Partdido, Dois Países », Notícias Editorial, Lisboa, 2002 [ii]

« Aua », 1934 ; « O negro uma alma », 1935 ; « Rumo ao degredo », 1939 e « A revolta », 1945.

[v]

Poema : « África ! Ergue-te e caminha » Antologia Poética da Guiné-Bissau, Lisboa, op. c. pág. 49.

[vi]

Poema « Desabafo » (Confidence), extrait de « A luta é a minha primavera », version trilingue, pág. 236

[ix]

Tony Tcheca, « Ânsia e sonho », 1981, Antologia poética da Guiné-Bissau, op.c. pág. 151 Francisco Conduto de Pina, « A vida », 1996, O Silêncio das Gaivotas, Bissau, Centro Cultural Português, 1996 [x]

[xi]

Odete Semedo, « Em que Língua Escrever ? », Entre o Ser e o Amar, INEP, Bissau 1996, pág. 11

BIBLIOGRAFIA ―Antologia Poética da Guiné-Bissau‖, Editorial Inquérito, Lisboa, 1990 Carlos Edmilson Vieira, ―Contos de N’Nori‖, Edição do autor, Bissau, 2000 Carlos Edmilson Vieira, ―Um Cabaz de Amores/Une corbeille d’amours‖, Edições Nouvelles Sud, Ivry Sur Seine, 1998. Carlos Lopes, ―Corte Geral‖, Editora Caminho, Lisboa, 1997 Elisabeth Monteiro Rodrigues, ―Guinée-Bissau, une littérature en devenir‖, Africultures n°26, Março de 2000 Francisco Conduto de Pina, ― O Silêncio das Gaivotas‖, Edição do Instituto Camões-Centro Cultural Português de Bissau, 1997 ―Kebur-Barkafon di poesia na kriol‖, INEP, Bissau, 1996 Leopoldo Amado, ―A Literatura Colonial Guineense‖, Revista ICALP, vol.20 e 21, Julho-Outubro de 1990, 160-178 Manuel Ferreira, ―Literatura Africana dos Países de expressao portuguesa I‖, Biblioteca Breve Moema Parente Augel, ―Lembrança e Olvido nas Literaturas Afrobrasileiras e Guineense‖, Universidade de Bielefeld, Alemanha, www.geocities.com Odete Semedo, ―Entre o Ser e o Amar‖, INEP, Colecção Literária Kebur, Bissau, 1996. Russel G. Hamilton, ―A Literatura dos PALOP e a Teoria Pós-colonial‖, Universidade de Vanderbilt, E.U.A., www.geocities.com Vasco Cabral, ―A Luta é a minha Primavera‖, União Latina, Paris 1999.

(*) Título da nossa autoria


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Angélica, minha esposa Eduardo Quive

Para as crianças do Patrice Lumumba, meu bairro e dos suburbanos bairros do meu país.

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ra criança quando nos casamos. Foi no verão de 1999 quando casei-me com Angélica, a filha do tio Fernando, o falecido carpinteiro manhembana da zona, chato que até roía os dentes enquanto raspava a madeira que lhe dava o sustento. Na rua, andava a fama de que tio Fernando era apenas chato para a esposa, tia Isaura, também de Inhambane e filhas, mas de homem não tinha bravura. As grandes bocas espalharam que já entrou um ladrão na sua casa e que para lograrem seus intentos, usavam uma pistola de brinquedo. Conta-se que os mesmos ao invadir a casa que tinha o murro de espinhosas, direccionaram-se ao quarto em que o falecido dormia com a sua esposa. Apercebendo-se da presença dos larápios, levantou-se e abriu a janela dando de caras com os mabandido, estes que com a pistola apontada ao seu rosto, disseram: “não se mexe”. O homem ficou seco. Pegou uma paralisia instantaneamente, dando assim, o acesso livre aos ladrões que foram roubando ao seu bel-prazer. De resto, muito não se falava dele, além do nome que lhe atribuíram de Tchelomba, pelo seu sotaque misturando Changana e Bitonga. Mas tio Fernando era pai da Angélica, a minha esposa de infância. Lembro-me muito bem do dia em que foi o nosso casamento eu com oito anos de idade. A Rassi, filha do tio Jonas e da tia Amélia e irmã de Nando, Pedrito, Ntone, Vitorino e Handzul. Pedrito, depois de ter ficado muito tempo na África do Sul, decidiu voltar ao país e para casa dos pais. Mas como tio Jonas ganhou na rifa, tinha decidido comprar um terreno lá para São Dâmaso e fez uma barraca com o nome “Quinta da Lua”, por onde marrara cuidando dos negócios do pai. Já o Nando ou Nandix como é, em jeito de gozo, tratado, enquanto apostava também pelo djône, investia nas mulheres. Lembro-me daquela que terá sido a sua primeira esposa, a mana Alzira, a vendedora de tomate no bazar do bairro e ainda lobolou depois a Belinha, uma encantadora jovem, com uma cintura conquistadora de olhares nos homens da zona, incluindo as crianças das quais não me excluo. Com a Belinha, pareceu que as coisas seriam boas, mas nada. Voltou da África do Sul num desses natais como era habitual dos madjonidjonis, embebedou-se e encheu de chutes, bofetadas e cabeçadas a Belinha. Rachou-a quase todo o rosto com a porrada começada no quintal de casa para rua sob o olhar de todos. Eu vi cada cacetada que levou a mana Belinha, senti muita pena e muito medo do Nandix, aquele que se parecia mais sério dos filhos do tio Jonas. O pai do Manuelito. E foi sendo assim com a mana Dionora e outras miúdas com que viveu maritalmente. Ntone ou My Bro, como se afamou pela sua mistura do inglês que já tinha habituado pelas andanças pelo djône, é o penúltimo. Esse aventurava-se pelos carros e motos, investia mais na luxúria. Handzul é o que mais fama ganhou pela zona porque era de conduta duvidosa, alguns chamaram-no de ladrão, fumava e bebia, sustentando a vaidade do tempo. São incontáveis as vezes que a polícia fora lá para a rua a sua procura, para leva-lo aos calabouços. Terá até chegado à cadeia de máxima segurança. Este fora o mais problemático entre os sul-africanados filhos do tio Djona. Mas no entanto, o que também se converteu a bom homem. Vitorino também deu alguns problemas. Era amigo do Gabito, o filho da vovó Eva e do vovô Ubisse. Eram verdadeiros amigos, bebiam e fumavam juntos, mas o problema era um e único: quando se embriagavam lutavam entre si. Espancavam-se. Partiam-se. Era uma tremenda violência. Lutavam na rua e se alguém os acudisse, tal como fazia a tia Vitória, a esposa do tio Manhiça, cada um entrava para a sua casa e buscava um instrumento contundente. Tudo servia, afinal, já se viam como inimigos mortais. O Gabito, amavelmente tratado por Mugabe, pela sua mãe, quando entrava para sua casa, saía no mínimo com uma garrava, partia-a na cabeça do Vitorino, este mais raivoso ainda, ganhava forças sobrenaturais, ia para sua casa e levava uma pá bem cumprida e afiadíssima, atirava-a contra Gabito. Instalava-se o pânico total enquanto os menos atrevidos para acudir comentavam “i vangano”, são amigos eis o significado dos dizeres. Depois de acudidos, aceitavam dormir, os pais simulavam uma conversa para apaziguarem-se enquanto os filhos já dormem. Dia seguinte, eram novamente amigos. Eu admirava a tão forte amizade desses dois! Gabito era mesmo um homem do álcool, uma vez, bebeu até às tintas, aze-

dou o cérebro e ficou agressivo. Ninguém segurava-o. Nem ele próprio. Entrou na sua casa gritando e partindo tudo que encontrava a sua frente. Abanou árvores e partiu ramos; Estrangulou a cozinha feita de madeira e zinco; deu o pontapé nas panelas que levaram para o chão o alimento do dia; Esmagou a areia que o sustentava em terra. Entrou para dentro onde descansava a sua mãe, pegou nela e encheu de porrada. Nesse momento todos vizinhos já tinham invadido a casa para acudir, incluindo, a tia Vitória que sempre fez questão de presenciar esses momentos de lufa-lufa. Mas só o meu irmão, o mano Victor, conseguiu derruba-lo e deulhe uma tareia também. Onde já se viu na educação tão suburbana que nós temos, um filho bater na própria mãe? Era o fim do mundo! O meu irmão amarrou-o na árvore por onde repousou a sua fúria até o amanhecer. Por fim, decidiu seguir o caminho do seu irmão Txône, foi para África do Sul, não optando, portanto, em ir a Lesoto onde se encontrava o seu mais velho irmão, o mano Evaristo e pela Suazilândia, por onde andara Lindo, ou Xicadjuana, como eu li tratava, para depois ele me chamar de Xicaroce. Por meio desse cenário consumou-se o meu amor com Angélica, até o anúncio da decisão e da data de casamento às nossas famílias. Já no dia de casamento, estava toda a rua e ruas vizinhas, informados sobre a festa. Tudo era de verdade. A Rassi e Dinoca, esta última filha da tia Sandrinha e neta da vovó Sambo que vivia enfrente da minha casa, foram as que prepararam o bolo do casamento e outros doces. A festa, contrariamente ao que acontece nos tradicionais casamentos, foi apenas na casa da tia Isaura, nessa altura, já viúva do falecido tio Fernando. Tudo esteve lindo até ao mínimo detalhe. As folhas dos coqueiros cortadas e através delas feita a decoração da entrada que usariam os noivos de modo a dar a devida sorte, a farda de capulanas nas mulheres bem ensaiadas nas vozes que entoavam as canções típicas da ocasião. A minha mãe tinha comprado um fatinho de treino novo e sapatilhas para usar no dia do casamento. Comprou-me também uma nova escova de dentes e fez questão de me fiscalizar no banho. Fez os devidos arranjos para que o seu filho não se parecesse marginal diante dos familiares da noiva. E era mesmo um príncipe, Angélica, a princesa. Ela estava linda, de capulana e uma blusa garrida. Uma autêntica noiva como a das novelas com as respectivas biqueiras. Estávamos preparados para nos casar perante os nossos pais e vizinhos. Tudo apostos. Num verdadeiro acto de anunciação desse matrimónio, fizemos um desfile pela rua toda na companhia do corro de homens e mulheres que cantavam na maior emoção. Deliravam de alegria em ver um casamento do príncipe e da princesa. E nós assumindo a postura dos noivos, como os nobres do dia, longe da pobreza e das desigualdades, caminhávamos aos passos lentos. Abraçados entre braços cruzados. Sorriamos civilizadamente, quase sem abrir a boca enquanto todos vinham à nossa trás, os nossos amigos e admiradores provenientes doutras ruas iam estendendo esteiras por onde rigorosamente passávamos. Ah! Angélica, tu és a mulher mais linda do mundo! Amo-te muito. Ah! Dodoca, eu te amo muito, você és amor da minha vida! Eram esses nossos suspiros no silêncio. Chegados à casa da Angélica, onde tudo e mais gente nos esperavam, incluindo as nossas mães que passaram a se chamar de masseves por nossa causa, estavam lá, a espera dos noivos que éramos nós. Fomos recebidos com os devidos nkulunguanas e outros ululus dos presentes. A mutchato i lembe wanê! Cantavam todos. A Marcinha também estava, o Netinho, o Simone. Todos estavam. E eu lindo perante a Angélica que até pintou batom naqueles magros lábios. Com o auxílio das madrinhas, Rassi e Dinoca, cortamos o bolo que nos demos de comer e demos aos presentes. Depois demo-nos de beber a fanta. De seguida, foi o que mais irradiou o momento, o beijo. Todos cantavam o kissananane. E nos beijamos. Demo-nos o beijo de amor, na vontade de imitar os beijos das novelas brasileiras. Ah! O beijo da Angélica era tão doce. Lembrava-me o mel que o meu pai usava para a ferida, das colheradas que dei para me deliciar daquele açúcar natural. Depois foi a vez da festa. Comemos e dançamos os cânticos tradicionais saindo das bocas fartas de alegria que nos iam abraçando. Foi uma festa inesquecível, a do meu casamento. Ao entardecer, nos debatemos com a questão da lua-de-mel. Haverá lua-de-mel como acontece no casamento da novela? Onde seria? Faria eu, sexo com Angélica? Como o faria? E debatíamo-nos cada um no seu habitual silêncio. E nem se quer nos demos tempo do adeus. A Angélica e seus irmãos já com a situação crítica depois do falecimento do seu pai rumaram com a sua mãe par parte incerta. Andaram por um tempo para algures, perto do patrice. Até cheguei a ver a sua mãe e a Cecília, sua irmã por uns tempos. Ah! Sentia muita nostalgia sempre que visse a minha sogra Isaura, sem poder a perguntar sobre a minha esposa, Angélica. Hoje mulher que já deve ser Angélica, se quer lembrar-se-ia de mim, o Dodoca, seu marido de infância. Inédito


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