O INTERVIR FEMININO

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I N T E R V I R

feminino guia prático de intervenção urbana

BAURU 2021



À minha mãe, que todos os dias me inspira com seus exemplos de garra. Aos meus irmãos pelo companheirismo incondicional. Ao "mozão", que nunca desistiu de mim e por isso nunca me deixou desistir. À minha orientadora, Tatiana Ribeiro de Carvalho, que sutilmente me lembrou o caminho que quero seguir, abrindo as portas. Por sua paciência, aconselhamentos e direção. À Vanessa Ramos com sua incansável atuação no Projeto de Trabalho Social - Minha Casa Minha Vida da Prefeitura Municipal de Bauru. À todos os discentes do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Sagrado Coração, que por aqui me guiaram. À Jaqueline por caminhar ao meu lado. À todos os meus amigos que estiveram ao meu lado. À todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram que este trabalho fosse possível.

Obrigada!



CONTEÚDO

apresentação conceitos engajamento planejamento e implantação algumas ideias e a pandemia? bibliografia

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Apresentação

Uma cidade para todas - e todos Do anseio de explorar as possibilidades oferecidas pelas formas de atuação do Urbanismo Tático na busca por uma cidade mais justa, segura e democraticamente construída por cidadãs emancipadas, nasce este projeto. Embora as mulheres tenham conquistado direitos ao longo da história, nota-se uma discrepância em como elas utilizam o espaço urbano, se comparado aos homens. A escassez de produções específicas que abordem recortes de gênero se materializa no tecido urbano, em seus equipamentos e serviços públicos de má qualidade. As altas taxas de violência doméstica e feminicídio no Brasil denunciam o cenário de medo vivido pelas mulheres, cerceando-as da liberdade de ir e vir. Com a produção deste guia, espera-se que mulheres possam se dar conta de sua potencial e, enfim, tomar o espaço que lhes é de direito. “As cidades têm capacidade de oferecer algo a todos, mas só porque e quando são criadas por todos.” (Jane Jacobs).



CONCEITOS




em•poder•amento

TOMAR PODER SOBRE SI "É um processo pelo qual as pessoas aumentam a força espiritual, social, política ou econômica de indivíduos carentes das comunidades, a fim de promover mudanças positivas nas situações em que vivem. Implica um processo de redução da vulnerabilidade e do aumento das próprias capacidades dos setores pobres e marginalizados da sociedade e tem por objetivo promover entre eles um índice de desenvolvimento humano sustentável e a possibilidade de realização plena dos direitos individuais.”


direito à cidade

Direito à cidade é um conceito utilizado por muitos teóricos e movimentos sociais. É a ideia de que todas as pessoas têm direito de habitar, usar, ocupar, produzir, governar e desfrutar das cidades de forma igualitária. É o direito de mudar a nós mesmos, mudando a cidade.

urbanismo tático

Táticas de intervenção urbanas de caratér temporário que permitem experimentar mudanças na cidade e seus impactos. Com táticas de baixa complexidade e baixo custo, permite que as pessoas construam espaços ideais. Pode ser usado para resolver alguma questão técnica pontual ou para ativar um espaço público a partir de uma abordagem colaborativa que incentiva a participação cidadã.



ENGAJAMENTO



• grupos de debate

Grupos de debate tem como objetivo a interação entre os participantes para levantamento de demandas e direcionamento do projeto de intervenção. Sua função inclui o levantamento de demandas, planejamento da proposta e, após, acompanhar a execução e manutenção da intervenção. DICA: Agende reuniões com frequência determinada para que o projeto não perca força; Esses espaços podem ser conduzidos por um moderador para discutir e/ou conscientizar sobre temas específicos. Por isso, sugere-se que a primeira reunião seja exclusiva para mulheres que residem no entorno do local que receberá a intervenção. Interessa convidar mulheres de diferentes idades, raças, sexualidades e classes sociais que frequentemente utilizam os espaços urbanos.


• mapeamento colaborativo

Essa etapa é muito importe! Faça um levantamento dos espaços públicos e a condição em que eles se encontram. Esses dados vão ser importantes para decidir como e onde intervir, a partir das necessidades do grupo. Os dados registrados podem ser organizados por escrito ou indicados em um mapa. Pode-se utilizar o Google Maps ou a ferramenta Google My Maps para isso. O levantamento precisa incluir: Tipo de espaço (rua, calçada, praças, vazios urbanos, etc); Registro fotográfico da condição atual; Contexto no qual ele está inserido (ruas, tipos de edificação no entorno, vegetação, etc.) Como é feito o acesso ao local; Pontos de água e energia elétrica; Instalações que precisam de uma atenção especial; Tipos de atividades que já acontecem no local; É local de permanência ou passagem? É palco de eventos e/ou práticas esportivas?


ouça as mulheres!

A ONU-Habitat, através do Programa Cidades Mais Seguras, adaptou uma metodologia de mapeamento colaborativo chamada Auditoria de Segurança das Mulheres. O instrumento propõe que o diagnóstico do local seja feito por mulheres, em grupos diversos, caminhando pelo espaço. Durante a caminhada, as mulheres identificam e dialogam sobre os elementos (ou a falta deles) que contribuem - ou não para sua segurança. Etapas: Formação de um grupo diverso de mulheres que conhecem os espaços; Produção de um mapa do percurso; Produção de um check-list para auxiliar a avaliação dos espaços (segure-se que este checklist já seja organizado por tipo de espaço e crie símbolos para representar a condição atual). Caminhada Reunião para deliberar as demandas identificadas.


Busque parcerias!

Parcerias são importantes para garantir a viabilidade do projeto. Os acordos podem oferecer financiamento, doações, permuta de serviços. ASSISTÊNCIA TÉCNICA

Parceria com organizações, programas e/ou parcerias através de assistência técnica, subsídio de serviços - ou os dois; Distribuir as obrigações de cada parte envolvida reduz os encargos para cada um; Podem abordar questões de igualdade social; Cria caminhos para que agentes se tornem autossuficientes em áreas estratégicas; Projetos podem se tornar difíceis de gerenciar porque dependem da disponibilidade dos envolvidos. PARCERIAS POPULAR

Parceria com pequenas organizações, lideradas por voluntários, que Desempenham papéis de liderança na gestão, melhoria e gerenciamento do espaço público; Pequenos grupos que podem ser fortes parceiros para ativação/programação, manutenção leve e até financiamento; Agilidade e flexibilidade nas respostas às necessidades da comunidade; Fortalece a estrutura social;


PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS

Parceria com uma entidade governamental e/ou uma ou mais empresas privadas, inclusive pequenos comércios; Possibilidade real de concretização de projetos de ativação e manutenção da intervenção a partir de financiamentos; papéis bem definidos e níveis altos de responsabilidade; Diretrizes rígias podem limitar a criatividade dos membros do grupo LEGISLAÇÃO, INICIATIVAS E POLÍTICAS PÚBLICAS

Faça uma pesquisa sobre as políticas públicas, a legislação federal e municipal e das iniciativas que tratam sobre a questão da mulher e do planejamento do espaço público! Isso ajuda a evitar problemas jurídico e também pode facilitar a viabilização do projeto através de editais ou iniciativas de assistência técnica.

Com esse monte de informação, tá na hora de começar a por a mão

na

massa!

Mas

se

ainda

restam

dúvidas

de

qual

a

melhor

maneira ou melhor material para a intervenção, transforme a cidade em laboratório urbano. Fazer isso auxilia o processo de compreensão espacial do objeto com o espaço e com as pessoas. Os testes também permitem definir os níveis de uso e o tipo de manutenção que será necessária para diferentes materiais.



IMPLANTAÇÃO



Defina um programa

A partir das demandas levantadas e das possibilidades, defina qual a intenção da sua intervenção e, disso, descreva como ela vai se materializar. Tenha em mente que, qualquer que seja a intervenção, deve-se considerar sempre a segurança de todos! SOCIALIZAÇÃO

Instalação de mobiliários que estimulam a relação entre usuários e de usuários com o espaço. Mobiliário portátil cria espaços para interação social, permanência, leitura, algum nível de trabalho, contemplação. Mobiliários portáteis possibilitam que o usuário transforme o espaço de acordo com sua necessidade naquele momento. Permite que o usuário utilize o espaço sozinho ou em grupo o espaço; Instalações temporárias ativam espaços adicionando novos usos ou atividades momentâneas. Pode ser exposições ou intervenções artísticas, trailers de comida de rua ou feiras locais. Esse tipo de instalação deixa o espaço mais seguro e pode fornecer uma fonte de renda para moradores locais; Mobiliário lúdico atrai a presença de crianças e pode criar uma rede de segurança entre as mães. Devem permitir a convivência de pessoas de todas as idades, oferecendo atividades diversas.


MOBILIÁRIO URBANO

Reconhecimento de pertencimento do usuário com o espaço. Mobiliários que visam o zelo e a interação com o espaço. Lixeiras promovem um espaço mais limpo e, portanto, mais saudável. Elementos verdes, tais como vasos, jardins ou até mesmo jardins verticais contribuem para um espaço saudável e confortável para todos. Totem informativo proporciona uma interface de comunicação entre moradores locais e usuários; Nem sempre é possível executar todo o projeto de uma praça, por exemplo, e o parque de bolso é uma alternativa para qualificar pequenos espaços, lotes ou vagas de estacionamento - de forma temporária ou permanente. SEGURANÇA

Inserção de elementos com potencial de causar grande impacto positivo em comunidades. Balizadores e elementos de sinalização vertical e horizontal podem ser utilizados para definir espaços de uso restrito ou compartilhado de pedestres e veículos motorizados ou não, dando sempre preferência ao pedestre; Elementos de iluminação pública também contribuem para a sensação de segurança de todos os usuários e podem ser aplicados de diversas formas - inclusive considerando uma intervenção artística.


CAIXA DE FERRAMENTAS

ATIVAÇÃO DE ESPAÇOS

A ativação de espaços pode prever usos específicos: esportes e exercícios físicos, jogos, arte, música, cultura em geral, eventos, ou simples qualificação do espaço para permitir a permanência para contemplação, relaxamento ou lazer (tal qual uma praça). TRATAMENTO DE SUPERFÍCIES

Podem incluir tratamento de pisos, paredes, mobiliários e equipamentos urbanos. Sua função transita entre melhorias estéticas e funcionais dos espaços públicos. Em ambos os casos a estética é importante. SINALIZAÇÃO

Placas de sinalização servem a diversos propósitos e são fáceis de serem executadas. Podem contribuir para segurança dos usuários, educar e, quando necessário, indicar os usos previstos. A estética pode variar de acordo com a intenção. Em alguns casos, a mensagem é mais importante que a estética. PAISAGISMO

Benefícios estéticos, ambientais Hortas urbanas também são promovem a relação das pessoas além de ser um possível gerador de

e terapêuticos. elementos que com o espaço renda.


faça um plano de manutenção!

É necessário desenvolver um plano de cooperação para gestão compartilhada da intervenção, possibilitando a manutenção do produto criado. Preveja o tipo de manutenção que cada produto/material pede; Estabeleça a frequência que a manutenção deve acontecer; Determine um cronograma conectando os serviços necessários e os responsáveis; Avalie constantemente os resultados. compartilhe seu processo

Registre e compartilhe os saberes, adquiridos, projetos e processos desenvolvidos durante seu percurso, a fim de incentivar e orientar futuras intervenções urbanas. A documentação pode incluir fotos, modelagem 3D, croquis, diagramas, descrição textual e até vídeos. O objetivo é disponibilizar o conteúdo de tal forma que qualquer pessoa, em qualquer lugar, possa replicar ou reprogramar o projeto.




ALGUMAS IDEIAS


deck + horta ou jardim

MATERIAIS NECESSÁRIOS -

PALETES BLOCOS DE CONCRETO 14X19X29 TÁBUAS DE MADEIRA DE DEMOLIÇÃO SERROTE OU SERRA ELÉTRICA PARAFUSOS OU MARTELO E PREGOS LIXA ACABAMENTO OPCIONAL

EXECUÇÃO 1. POSICIONE OS BLOCOS NO SOLO, AFUNDADOS APROXIMADAMENTE 16cm; 2. INSTALE OS PALETES SOBRE OS BLOCOS SE ACHAR NECESSÁRIO, PRENDA OS PALETES NO BLOCO COM ABRAÇADEIRA PLÁSTICA; 3. COM O MESMO MATERIAL, PRENDA OS PALETES UNS NOS OUTROS; 4. FECHE AS BORDAS COM TÁBUAS DE MADEIRA DE DEMOLIÇÃO

Para transformar o deck em uma horta ou jardim, é só prever espaços vazios entre os paletes! A altura que posicionamentos os paletes já permite o cultivo de hortaliças. Sugere-se vãos livres de pelo menos dois paletes - para melhor aproveitamento do espaço de cultivo. Os canteiros devem estar cercados por pelo menos um palete de cada lado, para facilitar o acesso à eles.


4

3

2

1 PERSPECTIVA EXPLODIDA


cobertura modular

MATERIAIS NECESSÁRIOS -

PALETES SERROTE OU SERRA ELÉTRICA PARAFUSOS OU MARTELO E PREGOS LIXA ACABAMENTO OPCIONAL

TIPOS DE ENCAIXE


PERSPECTIVA EXPLODIDA

EXEMPLO DE USO


sofá de palete

MATERIAIS NECESSÁRIOS -

PALETES SERROTE OU SERRA ELÉTRICA PARAFUSOS OU MARTELO E PREGOS LIXA ACABAMENTO OPCIONAL

EXECUÇÃO 1. SEPARE AS TÁBUAS DE DOIS PALETES 2. DAS BASES QUE SOBRAREM, PRENDA A DOIS PALETES, CONFORME A IMAGEM 3. SERRE DOIS PALETES NO MEIO E PRENDA AS TÁBUAS QUE SOBRARAM DO PRIMEIRO PALETE ENTRE AS RIPAS 4. ENCAIXE O ENCOSTO NA SEGUNDA ABERTURA DAS TÁBUAS 5. USE AS TÁBUAS QUE SOBRARAM PARA PRENDER NAS LATERAIS


geodésica

MATERIAIS NECESSÁRIOS -

TUPOS PVC OU BAMBU SERROTE OU SERRA ELÉTRICA ABRAÇADEIRA PLÁSTICA ACABAMENTO OPCIONAL

EXECUÇÃO



MAS E A PANDEMIA?

Ainda estamos sob protocolo de distanciamento social, mas a triste pandemia que enfrentamos demonstrou o quanto espaços públicos abertos são importantes na nossa sociedade. Se possível, realize as etapas de levantamento de dados virtualmente. Para a execução, priorize técnicas que não demandem um grande número de pessoas para realizar. Use máscara o tempo todo e higienize as mãos.


BIBLIOGRAFIA


EMPODERAMENTO. In: MICHAELIS On-line. Melhoramentos, 2020. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/modernoportugues/busca/portugues-brasileiro/empoderamento/>. Acesso em: 23/11/2020. HARVEY, David. O direito à cidade. Lutas Sociais, São Paulo, ano 2012, n. 29, p. 73-89, julho/dez. 2012. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/272071/mod_resource/content/1/d avid-harvey%20direito%20a%20cidade%20.pdf. Acesso em: 23 nov. 2020. JIMÉNEZ, Alberto Corsín. Open source urbanism after the Pritzker Prize. Disponível em: <http://urbanbetas.cc/open-source-urbanism-after-thepritzker-prize-2/ > Acesso em: 4 jul. 2020. STREET PLANS (Estados Unidos da América). Public Space Stweardship Guide. São Francisco: Street Plans, 2015. 62 p. Disponível em: http://publicspacestewardship.org/wp-content/uploads/docs/Task2_MgmtGuide_FINAL_WEB.pdf. Acesso em: 4 jun. 2020. STREET PLANS (Estados Unidos da América). Tactical Urbanism: Shortterm Action, Long-term Change. Nova York: Street Plans, 2012. 54 p. v. 2. Disponível em: https://issuu.com/streetplanscollaborative/docs/tactical_urbanism_vol_2_f inal. Acesso em: 18 maio 2020. WOMEN IN CITIES INTERNATIONAL (Canadá). Learning from Women to Create Gender Inclusive Cities: Baseline Findings from the Gender Inclusive Cities Programme. Quebec: Valna Inc, 2010. 128 p. Disponível em: https://femmesetvilles.org/downloadable/learningfromwomen.pdf. Acesso em: 2 jul. 2020.



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