A ponte 18

Comunicação Social Jornalismo Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz CEP 60.811-905 - Fortaleza - CE, Brasil.

Fone 55 (85) 3477.3105 equipelabjor@gmail.com

Capa_Aponte18_1.indd 1

ANO VII

Nº 18

Revista do Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza Semestre 2012.1 Dezembro 2012

16/05/2013 15:46:53

ILUSTRAÇÃO: THIAGO TEIXEIRA

HISTÓRIAS DE TRANCOSO Criar lendas é uma antiga tradição do povo do interior

04

FUTEBOL PAI D´EGUA Os jogadores cearenses têm estrutura física e estilo próprios

ANTÔNIO GONÇALVES DA SILVA

12

22

Conhecido como Patativa do Assaré, o poeta popular que encantou a nossa terra

REPENTISTA Cantar de improviso versos ritmados é uma das artes do Ceará

42

CAJU Fruto típico da região, gera renda para muitas famílias

47

PROGRAMAS DE AUDITÓRIOS Sábado Alegre, uma das atrações televisivas com a marca do estado

58

HUMOR Ceará é terra de humoristas conhecidos em todo o Brasil

63

EMPREENDERORAS

CAPA

Determinação e perseverança são traços das nossas mulheres

CARTAS

EDITORIAL

ENSAIO

ENTREVISTA

>>> P.2

>>> P.34

>>> P.3

>>> P.52

68

2 Dezembro 2012

CARTAS

>>> EDIÇÃO ANTERIOR

EXPEDIENTE

EDIÇÃO N° 18

N° 17

REVISTA-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ - CENTRO DE

” Me impressionou a capa (bem como todo o projeto gráfico) da pe-

COMUNICAÇÃO E GESTÃO (CCG)

núltima edição da revista A Ponte (“Invisíveis”). Mais surpreso ainda (e

DIRETORA DO CENTRO DE COMUNICAÇÃO E GESTÃO: Maria Clara Bugarim

feliz) fiquei ao encontrar uma matéria-homenagem ao poeta Marce-

COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO: Wagner Borges

lo Bittencourt,meu amigo, feita pela Erika Zaituni. Já na última edição

COODENADORA DO NÚCLEO INTEGRADO DE COMUNICAÇÃO (NIC) :

(“Rumos”), fiquei feliz em ver uma excelente reportagem sobre o ato de

Alessandra Oliveira Araújo

viajar como forma de aprendizado (algo em que sempre acreditei)

CONSELHO EDITORIAL: Alejandro Sepúlveda,Wagner Borges e Maria

e também o tema geral da revista, sobre os nem sempre esperados

Clara Bugarim

rumos que a vida nos dá. Lembro de uma crônica de Stanislaw Ponte

COORDENAÇÃO EDITORIAL E DE PRODUÇÃO: Alejandro Sepúlveda

Preta sobre a ausência de poesia nas redações jornalísticas. Felizmen-

GERENTE DO LABORATÓRIO DE JORNALISMO: Joana Dutra

te vocês a têm de sobra. Parabéns!”.

SUPERVISÃO DE PRODUÇÃO GRÁFICA: Eduardo Nunes Freire

Nilbio The

SUPORTE TÉCNICO: Aldeci Tomaz

Professor da Unifor

SUPERVISÃO DE FOTOGRAFIA: Júlio Alcântara e Jari Vieira COORDENAÇÃO AGÊNCIA DE PUBLICIDADE - NIC : Alberto Gadanha Junior PROJETO GRÁFICO: Felipe Goes DIAGRAMAÇÃO: Aldeci Tomaz e Mahamed Prata (bolsista NIC) EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA: Aldeci Tomaz e Marina Duarte (bolsista NIC)

Não conhecia a revista. Ela é simplismente fantástica. Incrível como eu, leitora, sinto o prazer que os estudantes devem ter

ANÚNCIOS: André Dias, Caio Farias, Emanuel Victor, Ivna Freire, Marina

tido ao escreverem essas matérias. Imagino o corpo a corpo

Frota, Marlyson Costa, Sabrina Mesquita, Thiago Teixeira

com a notícia, os laboratórios que foram feitos etc. Muito baca-

REVISÃO: Antônio Celiomar Pinto de Lima

na. Parabéns aos responsáveis pelo produto.

SUPERVISOR DA GRÁFICA: Francisco Roberto

Teresinha Cruz

IMPRESSÃO: Gráfica da UNIFOR

Servidora Pública

ESTUDANTES DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - UNIFOR EDITOR-ASSISTENTE: Manoel Cruz (bolsista NIC) CAPA: Equipe de criação da Agência de Publicidade do NIC (Emanuel

Sou leitor da revista há algum tempo e esta é a quarta edição que

Victor, Luan Pimentel, Marina Frota, Marlyson Costa, Nelson Oliveira,

acompanho. O que mais me impressiona nas edições é o projeto

Sabrina Mesquita, Thiago Teixeira)

gráfico da revista que, a cada semestre, se aprimora. Os temas são

REDAÇÃO: Disciplina Pricípios e Técnicas de Jornalismo Impresso II (Bruna

bastantes expressivos, e isso faz com que a leitura não seja chata.

Salmito Felizola, Cibele Juliana Lima Farias, Farley Aguiar, Guilherme

Realmente, a revista está de parabéns.

Custódio, Hamlet Victor, Hyana Rocha, Iago Fechine, Izabel Oliveira, Juliana Ordeas, Lise Ane Alves, Luana Maria de Matos Pessoa, Luiza Costa, Natanna Oliveira, Ravena Sombra Martins da Silva, Rayla Vidal, Vinícius Moreira) FOTOGRAFIAS DAS REPORTAGENS: Bruna Salmito Felizola, Cibele Juliana

Lima Farias, Hamlet Victor, Hyana Rocha, Izabel Oliveira, Juliana Ordeas, Luiza Costa, Ravena Sombra Martins da Silva

Marcelo Duailibe Publicitário e estudante de Direito

3

EDITORIAL

Dezembro 2012

Nosso jeito de ser Caro leitor(a),

Mais uma vez A Ponte fecha o ano com o prêmio de melhor revista laboratorial do País. Grandes reportagens, matérias extensas e intensas, o corpo a corpo com a notícia, o repórter no desafio da exploração. São estes os caminhos traçados para se chegar ao resultado final.

Nesta edição, com o tema Cearensidade, a revista tem o desafio de explorar os modos e costumes do povo do Ceará. A sua cultura, hábitos, prazeres, sotaques, manias, gostos e, como destaque, a revista explora o universo do poeta e escritor, Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido por Patativa do Assaré. A reportagem relata a vida desse artista cearense que fez história por onde passou.

A cearensidade também está nas telas do cinema.

Uma entrevista com o cineasta Francis Gomes mostra que histórias populares rendem boas tramas para a chamada sétima arte. Um exemplo é o Festival de Cinema de Jericoacoara, onde são apresentados sucessos locais como Dom Fragoso, Bezerra de Menezes e Mães de Chico Xavier.

A força da mulher cearense é outro assunto a ser tratado nessa edição. Histórias de vida, como as de Celma e Normânia, mostram que nunca devemos desistir dos nossos objetivos. Crescer na vida é uma questão de personalidade e perseverança. As personagens mostram, por meio de relatos em primeira pessoa, como conseguiram chegar ao topo da carreira profissional.

Cearense é assim, “arretado” em tudo que faz, até na hora de contar “causo”. Afinal, qual cearense nunca ouviu uma História de Trancoso? É comum no estado, principalmente no interior, ouvir falar sobre histórias relacionadas à região e aos personagens locais. A Ponte vai mostrar alguns desses contos (ou lendas) e

enfatizar a inventividade do povo, comuns em todas as épocas do ano.

E no futebol? Cearense tem ginga no pé? Tem, sim senhor. A Ponte também mostra que futebol não é só talento. As características físicas e o estilo dos atletas da caatinga os diferenciam de outros jogadores. Nomes de craques como Paulinho, Babá, Zé Gato e outros cearenses são lembrados nesta edição. Em entrevista, o comentarista Alan Neto afirma que jogador da terra é jogador “mirrado”.

A Ponte não esqueceu dos frutos do Ceará. O caju, por exemplo, é fonte de renda para muitas famílias no interior do estado, além de ser uma fruta típica do nordeste. Em uma reportagem feita na comunidade de Patos dos Liberatos, que fica na região metropolitana de Fortaleza, a revista mostra o processo de beneficiamento, desde a colheita do caju e da castanha, até chegar às mãos do consumidor. Curiosidades sobre as diversas utilidades desse produto serão tratadas na reportagem, com destaque para o seu uso medicinal.

Além de explorar todo esse universo, a revista traz uma reportagem sobre uma arte muito peculiar do povo cearense: o repente ou, se preferir, os poetas de improviso. Estes homens talentosos improvisam versos ritmados, criam cantigas que animam as serestas, as mesas de botecos e as rodas de amigos.

Enfim, A Ponte tem o compromisso de, mais uma vez, chamar a atenção do leitor, por meio de um universo cearense que remonta a vários caminhos e pensamentos.

Mergulhe de cabeça nessa viagem. Até breve.

Manoel Cruz Estudante bolsista do Laboratório de Jornalismo/NIC

4 Dezembro Deze Dez D emb mbro bro 2012 20 201 2012 12 2

C

CULTURA

“Um cabra de Lampião por nome Pilão-Deitado que morreu numa trincheira um certo tempo passado agora pelo sertão anda correndo visão fazendo mal-assombrado...”

(Extraído de “A chegada de Lampião no inferno”, de José Pacheco)

Histórias de Trancoso TEXTO E FOTOS Cibele Juliana Lima Farias

Entre as muitas características que definem a essência do nordestino, a habilidade em criar lendas é um dos traços mais marcantes da nossa gente. Nas histórias folclóricas, os heróis são protagonizados pelos seus próprios narradores, que juram, de “pé junto”, a veracidade dos fatos.

Eles ajeitam, incrementam detalhes, chamam a atenção e encantam. O texto que segue, em primeira pessoa, tem caráter intimista, remete a passagens vivenciadas pela própria autora quando era criança. O cenário é o distrito da cidade de Ipueiras, Riacho da Lapa, localizado aproximadamente a 320 km da capital do Ceará. Essas lendas são conhecidas como “Histórias de Trancoso”, relatos com raízes interioranas e que perduram até os dias de hoje.

5 Dezembro Deze eze z mb mbro m ro o 2012

Igreja da história da Mulher de Branco, na localidade de Ipusinho

O

ano era 1994. Nessa época, eu ainda

lobisomem anda rondando...”, e assim aden-

frequentava regularmente a fazenda

trávamos a madrugada. Cresci ouvindo essas

Riacho da Lapa e recordo nitidamente

estórias e, até hoje, nunca tive certeza de sua

as estórias que marcaram minha infância e a

veracidade. Trancoso ou não, o costume per-

de meu irmão Pedro, na casa de nossos avós

dura. E dito pelos mesmos contadores e seus

maternos. Naquele tempo, a luz elétrica ain-

descendentes.

da era novidade na região interiorana e, para utilizar as lamparinas ou geradores de energia,

A BOTIJA DE OURO DO SEU CHIQUINHO

quando não somente o brilho da lua. Na calçada

Antônio Amâncio Bezerra, O Gaspira, apelido

da grande casa amarela, cadeiras de balanço

pela qual atendia desde a infância, era um dos

eram devidamente arranjadas e delegadas aos

fiéis trabalhadores da fazenda e um grande

narradores dos causos, enquanto as crianças

contador de Histórias de Trancoso. Com o braço

acomodavam-se ao redor com seus olhos e ou-

encostado no parapeito da casa amarela, quan-

vidos vidrados à espera da carochinha. Vô Luiz,

do começava a enrolar seu primeiro cigarro de

o Patriarca da família Lima, era o condutor da

fumo, já sabíamos que uma nova história esta-

maioria das Histórias de Trancoso que povoa-

va para começar. E a encantar.

iluminar a “boquinha da noite”, costumava-se

vam nossas mentes fantasiosas. “Dizem que, lá

A História da Botija de Ouro é a bem dizer a

pelas bandas da casa do compadre Chico, um

mais afamada daquela região. Dos mais novos

6 Dezembro 2012

C

“Lembro que meu finado pai dizia que, numa das alcovas da casa do Seu Chiquinho, pai do Seu Luiz, havia uma botija de ouro enterrada pelo próprio”

A Botija de Ouro do Seu Chiquinho

aos mais velhos, todos conheciam a história da botija enterrada do Seu Chiquinho. E o herói da história é quem vos conta.

“Sou morador da fazenda Riacho da Lapa, desde que me entendo por gente. Antes de mim, meu pai e meu avô também serviram os membros da família Lima e, desse tempo para cá, ouvimos todos os tipos de histórias. Lembro que meu finado pai dizia que, numa das alcovas da casa do Seu Chiquinho, pai do Seu Luiz, havia uma botija de ouro enterrada pelo próprio.

Nesse tempo, não tinha esse negócio de banco, não. Cada qual guardava sua dinheirama por conta própria, bem escondidinha. Reza a lenda que, para desenterrar um desses potes de ouro, que os senhores ricos guardam debaixo do chão, o cabra tem que ser macho e não ter medo de coisa ruim.

Para começo de conversa, não bastaria sair escavando em busca do tesouro encovado. O indivíduo teria que ser escolhido. E, através de sonhos e sinais, que somente o dono da botija poderia determinar. Uma vez concedido o privilégio, o caboclo teria que enfrentar mulas sem cabeça, cobras, escorpiões e lutar com o próprio

logo após a morte de sua esposa. Por conta

te de seu Chiquinho, acordei atordoado por um

Satanás. Ninguém se atreveria. Além disso, Seu

disso, a casa definhava aos poucos. Uma pare-

pesadelo que mais parecia realidade. E olha que

Chiquinho também teria que ‘bater as botas’.

de caída ali, uma porta desgastada acolá, um

não sou frouxo. No sonho, seu Chiquinho sentava

Afinal, nenhum caboclo se meteria a besta de

matinho crescido sem poda... E, assim, a bonita

à beira da minha cama e dizia baixinho: ‘Gaspi-

tentar roubar o ouro do senhor mais poderoso

vivenda dos Limas transformou-se numa casa

ra, acorde, homem! A botija é tua. Vá buscar no

das redondezas. Caso contrário, levaria tiro de

triste, sem vida e, segundo muitos moradores

quarto de farinha e só cave depois da meia noite.

espingarda no meio das fuças.

locais, mal assombrada também.

Não conte a ninguém!’. Com um grito desespe-

Seu Chiquinho morreu na década de 70,

Certa noite, uns cinco anos depois da mor-

rado acordei, tremendo feito uma vara verde.

7 Dezembro 2012

Casa onde

Trancoso

a botija foi supostamente encontrada

Lúcia, minha mulher, despertou logo em seguida e perguntou o que havia acontecido. ‘Diacho, homem! O que foi dessa vez?’. Não contei a ela.

Estava espantado demais para isso.

No dia seguinte, eu não pensava em outra coisa. Arrancar a botija de ouro do rico e poderoso Seu Chiquinho significava que eu poderia ser rico e poderoso também. Para um pai de 12

por Ana Carolline A. L. de Macedo Quem é do interior, ou tem as raízes familiares por lá fincadas, provavelmente já ouviu uma História de Trancoso. Quem é da cidade grande já deve ter escutado a expressão, geralmente ao final de histórias que suscitam dúvidas, quando o interlocutor pergunta – categoricamente – “isso não é História de Trancoso?”.

A expressão faz alusão a Gonçalo Fernandes Trancoso, contista português do século XVI que passou para o papel as narrativas lusitanas e ibéricas que circulavam de boca em boca na Idade Média. Apesar do pouco que se sabe sobre ele, sua religiosidade, seu comportamento moralista e gosto pela superstição influenciaram a obra – escreveu cerca de 38 estórias – ricas em elementos da narrativa popular. São relatos de casos extraordinários, com elementos fantásticos.

A origem dessas estórias pode estar relacionada aos mitos e às lendas que buscavam explicar eventos que não tinham como ser comprovados naquela época, mas que também tinham um pé na moral religiosa. E, de boca em boca, as estórias iam tomando outras formas, sendo vividas por diferentes personagens. E ai de quem não acreditasse!

Apesar de remontar a um tempo tão distante, esses “causos” passaram a fazer parte do imaginário popular do homem do Sertão. Em uma época em que a população era predominantemente rural, em que as noites não eram preenchidas pelas novelas da televisão, as famílias reuniam-se e passavam as estórias adiante. Fosse pra passar o tempo, fosse para botar medo nas crianças.

“Histórias de Trancoso” passou a ser uma expressão que se refere a histórias fantasiosas. Alguns chamam de Histórias da Carochinha, outros de lendas. Mas, no sertão cearense – e nordestino –, é assim que o matuto fala. E, de contador em contador, “os causos” não perdem seu encantamento.

8 Dezembro 2012

C

Casa abandonada

“Numa noite fria de quinta-feira, lá estava eu, defronte à casa abandonada, com os pés e as mãos geladas e um medo que me embrulhava o estômago. Você pode não acreditar, mas não demorou cinco minutos até aparecer a primeira marmota”

A Botija de Ouro do Seu Chiquinho

meninas, a ideia de melhorar de vida era muito mais que tentadora: era necessária. Estávamos na época da estiagem e faltava comida no prato. Até o feijão.

Enquanto caminhava em direção à casa de Seu Luiz, onde eu consertaria umas portas e janelas a fim de ganhar algum trocado, encontro o compadre Procópio, na estrada, e resolvi contar a ele. Sim, é verdade que eu tinha o aviso de não falar sobre o sonho, mas era seguro que alguém soubesse onde eu estaria me metendo.

E foi para ele que confiei o meu segredo. Achei que não teria problema, afinal, de onde Seu Chiquinho estivesse, certamente ele assistia meu aperreio de vida.

Numa noite fria de quinta-feira, lá estava eu, defronte à casa abandonada, com os pés e as mãos geladas e um medo que me embrulhava o estômago. Sem pensar muito, entrei sem olhar para os lados e fui direto ao quarto de farinha, o último dos aposentos. Você pode não acreditar, mas não demorou cinco minutos até aparecer a primeira marmota.

Enquanto eu fincava a alavanca no chão, uma velha vestida de branco gargalhava e dizia umas coisas que eu não conseguia compreender. É claro que não olhei. Muito pelo contrário. O desespero me fez cavar cada vez mais rápido e, de repente, começo a avistar

de onde surge a mulher de branco

9 Dezembro 2012

os primeiros sinais da botija. Nesse momento, a velha bradou um grito estridente e sumiu como um redemoinho.

Decepção. O Pote estava cheio de areia

Antônio Amâncio Bezerra

barrenta e não tinha ouro nenhum. Sem mais delongas, minha boca furada me fez perder a botija e eu não devia ter confidenciado ao compadre Procópio.

E continuo comendo o meu feijãozinho com farinha de sempre”. (Relato de Antônio Amâncio Bezerra – 61 anos)

A MULHER DE BRANCO “Sou uma pessoa que nunca acreditou muito em alma penada. Quer dizer, não acreditei porque, até então, nunca tinha encarado uma de perto e as histórias que eu ouvia eram sempre contadas por pessoas distantes, sem muitos créditos de verdade. Pois bem. Como diz o ditado, mordi a própria língua.

O primeiro caso de aparição da mulher de branco aconteceu na cidade de Ipueiras. A própria vítima do caso foi entrevistada pelo radialista Edilson Soares, da rádio Macambira, e relatou todo o acontecido. Pronto. Foi o suficiente para bulir com a paz dos moradores de Ipuzinho, região distrital.

Expedita, minha mulher e medrosa que só ela, se me visse saindo depois que escurecia, tratava logo de me amedrontar. ‘Ô Procópio, tu não se exempla, homem! Não sabe que a mulher de branco anda rondando as estradas? Cruz credo! Isso é obra do coisa ruim!’. Eu achava graça. Para mim era História de Trancoso.

A alma penada, ou simplesmente a mulher

Um belo dia, enquanto eu e Ditinha almo-

de branco, surgia como uma faísca fluorescen-

çávamos tranquilamente, um novo fato sobre a

te por detrás das igrejas, sempre com a cabeça

assombração era anunciado no rádio. ‘Não per-

baixa e como se vagasse pela terra em busca

ca mais uma edição do programa Fatos e Verda-

do perdão de Deus. Não tinha um cristão que se

des! Na sequência, ouviremos os depoimentos

aproximasse da capela depois que o boato se

de mais três vítimas desse fantasma que aterro-

espalhou e até o vigário se manifestou. ‘Irmãos,

riza a comunidade local: a mulher de branco!’.

eu vos peço! Não abandonem a casa de Deus!’.

Ditinha, de tão nervosa, quase derruba o prato

As missas de domingo já não eram as mesmas

de comida. ‘Ave, meu véi! Deus me livre e guar-

e as pessoas temiam que, ao frequentar o cul-

de de andar sozinha! É arriscado eu morrer de

to religioso, a mulher de branco marcaria seus

um infarto, se essa marmota cruza comigo!’.

rostos para, em seguida, amedrontá-las.

“Eu não sei descrever a sensação que tive nesse momento. Não em palavras. O barulho do vento gelado que vinha contra mim era suficiente para aumentar ainda mais o temor que eu sentia”

A Mulher de Branco

10 Dezembro 2012

C

Lembro como se fosse hoje. Numa quarta- feira, eu havia recebido uma quantia em

Ditinha feliz tenha me incentivado a escolher

podia ficar ali parado esperando o socorro cair

o caminho laborioso e eu simplesmente fui.

do céu. Eu tinha que improvisar qualquer coisa, menos alimentar minha fraqueza diante

dinheiro por um serviço que eu havia feito

Com um medo inexplicável e que me es-

nas terras de um senhor da capital e, logo em

friava a espinha, montei na minha magrela

seguida, corri para a mercearia da vila para

Barra Circular e pedalei com uma rapidez tão

Verifiquei o estado do pneu para saber

comprar os mantimentos do mês. Isso devia

grande que, ao chocar o pneu da bicicleta con-

se tinha condições de mais algumas pedala-

ser umas 7, 8 horas da noite e eu rumava por

tra uma pedra na piçarra, acabei furando-o e

das e, nesse momento, surgiu um clarão da

uma estrada mais curta até a venda. Eram

tombei em frente uma casa de pau-a-pique

janela da casinha desabitada. Desse clarão,

duas estradas. A mais longa e também a mais

abandonada. Eu não sei descrever a sensação

surgiu a mulher de branco. Em forma huma-

habitada, e, a outra, cheia de atalhos, entre

que tive nesse momento. Não em palavras.

na, de cabeça abaixada e vindo em minha di-

um matagal. Não sei o que me deu na cabeça

O barulho do vento gelado que vinha contra

reção. Abandonei a bicicleta no próprio local

em escolher a mais inacessível. Talvez a pres-

mim era suficiente para aumentar ainda mais

e corri apressando o passo como nunca na

sa de chegar logo com as compras e fazer a

o temor que eu sentia. E era óbvio que eu não

vida. Incrivelmente, quanto mais rápido eu

do pânico que me consumia.

ia, mais ela parecia me alcançar, e eu já estava esgotado de tão cansado. Por um

“Por um milagre de Deus, de longe avistei uma luz acesa. Uma luz fraquinha, amarelada, mas que, para mim, mais parecia a porta do céu.”

milagre de Deus, de longe avistei uma luz acesa. Uma luz fraquinha,

amarelada,

mas que, para mim,

A Mulher de Branco

mais parecia a porta do céu. Era a casa do compadre Olavo, um velho ranzinza que

morava sozinho por aquelas bandas.

Desesperado, adentrei a casa de compadre Olavo e ele prontamente apontou a espingarda em minha direção. Engraçado... Neste instante, um filme rápido passou pela minha cabeça e pensei que levar uns tiros de bacamarte, parecia muito mais agradável do que repetir a situação de encarar a mulher de branco mais uma vez. ‘Tu quer me matar de susto, Procópio? Tem juízo, homem! Por muito pouco não estouro teus miolos!’, disse o velho Olavo.

Expliquei todo o acontecido e, é claro que ele não acreditou. Disse que era coisa da minha cabeça e que eu estava ficando louco. ‘Deixa de ser frouxo, Procópio! Nunca se ouviu dizer que alma penada anda matando Luiz Procópio da

ninguém!’. De susto, sim. De susto ela quase

Silva

me matou.

12 Dezembro 2012

E

ESPORTE

Machorréi,

*

nossos jogadores são

pai d’égua!

*

TEXTO

Guilherme Custódio e Iago Fechine

FOTOS

Divulgação

Quando um jogador de futebol entra em campo, não representa apenas o seu time, mas também as suas origens. A sua estrutura física e o seu estilo de lidar com a bola revelam muitos dos traços que permitem diferenciar jogadores europeus, asiáticos ou latino-americanos. Da mesma forma, o jogador cearense também tem suas próprias características físicas e seu estilo, se comparado aos jogadores paulistas, mineiros ou gaúchos, por exemplo.

Para tratar do assunto, A Ponte conversou com três ex-jogadores cearenses, ídolos no seu tempo, como Paulinho, o craque que enfrentou o Flamengo, Jardel, o jogador que se considera melhor que Ronaldo, e Babá, um campeão que honrou o nome do futebol cearense. Também entrevistamos Alan Neto, jornalista esportivo com quase meio século dedicado ao futebol do nosso Estado, para saber a sua opinião sobre o tema.

1. Jardel (Sporting Portugal) 2. Jardel na sua rápida passagem pela seleção brasileira .

3. Babá, bicampeão pelo Ceará em 1942 4. Alan Neto, radialista e

*Machorréi - é um interjeição que corresponde a macho, cara e amigo. *Pai d’égua - muito bom, bacana.

comentarista esportivo

13 Dezembro 2012

1

2 “Atacante do tipo bananeira, paradinho dentro da área”

Jardel Ex-jogador de futebol

3

E

stilos e características físicas particulares dos jogadores de diferentes origens podem trazer vantagens ou

desvantagens, na hora de disputar a bola no gramado. Mas isso não quer dizer que, por si só, sejam suficientes para decidir os resultados de uma partida de futebol. Para o antropólogo Roberto da Matta, “a construção do estilo de jogo e mesmo sua reprodução foram um meio de consolidar nossa identidade, que simbolicamente convencionou-se chamar de futebol-arte”. Já o “futebol-força” é identificado mais com o futebol europeu.

Porém, não se pode encarar os estilos “futebol-arte” e “futebol-força” como uma opo-

4

sição, pois o futebol brasileiro apresenta os dois tipos, e o europeu também. E qual seria o estilo do jogador cearense?

Nascido em Fortaleza, no dia 18 de setembro de 1973, Mário Jardel Almeida Ribeiro, mais conhecido no Ceará como Jardel, foi um dos jogadores cearenses de maior destaque no futebol mundial, nos últimos tempos. Ele chegou a jogar 10 partidas oficias pela Seleção Brasileira principal, tendo marcado 1 gol.

Revelado nas escolinhas do Ferroviário Atlético Clube, ele teve passagens por grandes clubes nacionais, como Vasco da Gama

14 Dezembro 2012

E

e Grêmio. Na Europa, atuou com destaque

Jardel é dono de frases folclóricas do fu-

no Porto e no Sporting, ambos de Portugal, e

tebol brasileiro, como: ”Quando o jogo está a mil, minha naftalina sobe”, “Clássico é clás-

no Galatasaray, da Turquia. O “Super Mário”, como é conhecido no futebol português, chegou a jogar em países com pouca tradição

“No seu tempo, meia-cancha de respeito tinha de ter Babá”

sico e vice-versa” e “Eu, o Paulo Nunes e o Dinho vamos fazer uma dupla sertaneja”. Sobre as criticas que recebia em relação a sua

no futebol, como Chipre (Anorthosis) e Arábia Saudita (Al-Taawon).

No Velho Continente, ganhou cinco tro-

Airton Fontenele

lentidão em campo, ele afirma que “precisa-

Escritor e pesquisador

va correr não, cara. Resolvia dentro da área!

féus Bola de Prata de maior artilheiro do

Dentro dela, fui um matador, um leão. Fora

Campeonato Português e duas Chuteiras de

da área, sou um gatinho”. Ao se aposentar, ele pensa em fazer um curso para ser treina-

Ouro (maior artilheiro da Europa).

dor ou empresário de futebol.

Do alto dos seus 1,88 metros de altura,

treinador Felipão, em um bom momento de

o jogador ficou famoso pela boa impulsão e

sua carreira, e não foi convocado para a

por ser um grande marcador de gols de ca-

Copa do Mundo de 2002, onde o País se sa-

UM CRAQUE FORA DOS PADRÕES

beça, fugindo ao padrão físico e técnico do

graria campeão pela quinta vez.

“Forte e vigoroso, jogou com destaque no

O polêmico jogador se define como um

Fortaleza, Ferroviário e Ceará. Integrou o se-

Ele reconhece que não foi um jogador ha-

atacante do “tipo bananeira, paradinho den-

lecionado cearense sete vezes”. É assim que

bilidoso, pois afirma que “não jogava porra

tro da área. Dentro dela, eu fui melhor do

o saudoso historiador do futebol cearense, Al-

nenhuma, mas sabia fazer gol”. Por proble-

que o Ronaldo (Fenômeno). Não tenho dúvi-

fredo Sampaio (1926-2005), definia Sebastião

mas de saúde, o jogador foi preterido pelo

da nenhuma, não”.

Medeiros de Brito, ou simplesmente Babá.

jogador de futebol nascido no Ceará.

15 Dezembro 2012

Súmula

Baixo e magro

do esporte no Ceará, em 1939, era comum

Luiz Viana e

os jogadores de futebol exercerem também

Arrupiado;

outra profissão. No Ferrão, grande parte

Jombrega,

dos jogadores eram funcionários da antiga

Paulinho, França,

“Sou jogador de futebol profissional e persigo o meu sonho, apesar dos preconceitos que já sofri.

Devido ao meu porte físico, olheiros e empresários me disseram que eu não poderia ser jogador de campo e deveria permanecer no Futsal. Com 1,67m e 58 kg, jogo hoje pelo time Verdes Mares, contrariando aqueles que tentaram me fazer acreditar que eu não conseguiria. Já joguei em times como o Maranguape Futebol Clube e o Fortaleza Esporte Clube.

Represento o futebol local e tenho o perfil do jogador cearense: baixo e magro. Alguns podem até entender essas duas características como deficiências. Tenho algumas dificuldades com as bolas aéreas, é verdade, mas não se deve subestimar o típico jogador do Ceará.

Sou franzino, calço 38 e visto uniforme P, mas é a minha leveza que me permite driblar os marcadores e surpreender a defesa atacando acando com velocidade, sendo parado apenas com falta, na maioria aioria das vezes. A habilidade,, os dribles curtos, a visão de jogo, a velocidade e as boas assistências são minhas principais qualidades como jogador e acredito que são essas mesmas qualidaidades que tornam o jogador dor cearense especial e fazem em ele se destacar”.

Rede de Viação Cearense (RVC), onde Babá

Piupiu e Piolho.

(Yago de Lima Mascarenhas, 20 anos)

Amistoso 11/04/48 Flamengo 3 x 2 Fortaleza.

Local Estádio Presidente Vargas Juiz: Rolinha Gols: Zizinho (2) e Tião, para o Flamengo; Paulinho e Piolho Classico, Fortaleza

Nascido na capital cearense, no dia 05

x Ceará no estádio

de novembro de 1916, ele faleceu aos 82

Castelão

anos, na mesma cidade. Babá era lateral e

Flamengo:

foi um dos grandes ídolos do Fortaleza Es-

Doly; Miguel e

porte Clube nos anos 40, inclusive do time

Serafim;

campeão estadual e do Norte-Nordeste em

Vaguinho,Bria

1946. No Ceará Sporting Club foi bicampeão

e Jaime; Jacy

(1941 e 1942) com o meio campo formado

(Luizinho),

por Torres, Zuza e Babá. Ele encerrou a car-

Zizinho,Gringo,

reira após problemas no menisco do joelho

Durval e Tião.

esquerdo. Como treinador, foi campeão ce-

Fortaleza:

arense pelo proletário Ferroviário Atlético

Rodrigues; Zé

Clube, em 1950.

Sérgio e Stenio

Na época, anos após a profissionalização

trabalhava na marcenaria. Outros exemplos

para o Fortaleza.

(Deim); Natal,

16 Dezembro 2012

E

“Era baixinho, muito feio, branco e com vasta cabeleira sustentada por uma boina”

Por jornais que falam sobre o jogador, Babá

1947, trazendo o Sapenha de “contrapeso”.

era descrito como “duro, sem ser desleal.

Era baixinho, muito feio, branco e com vas-

Dono de um físico avantajado tinha, porém,

ta cabeleira sustentada por uma boina. Tipo

muita velocidade, a que aliava um senso per-

do matuto, mas que a todos encantou com

feito de colocação em campo”.

seu futebol fulgurante. Chegou aqui aproxi-

Para o escritor e pesquisador Airton Fon-

madamente com 22 anos, embora parecesse

tenele, “no seu tempo, meia-cancha de res-

mais, com aquela “cara de gato”. Aliás, ele

Paulinho

peito tinha de ter Babá”. Para o jornalista

tinha um irmão mais velho conhecido como

Ex-jogador de futebol

Tom Barros, Babá “deixou o seu nome no

Zé Gato, que andou aqui pelo Volante (antigo

futebol cearense”. Enfim, como diria o tre-

clube da segunda divisão) e chegou a fazer

cho do recorte de um jornal, guardado em

testes no Ceará, mas logo voltou.

uma velha caixa por sua filha caçula, Maria

Os que viram Paulinho jogar no Fortale-

de equipes de origem proletária do futebol

Júlia Medeiros de Brito, ele foi “um craque

za, aproximadamente por três anos, ficaram

brasileiro são o Bangu (RJ) e o Criciúma (SC).

do passado, que soube honrar o nome do

encantados com seu futebol. Era veloz, bom

futebol cearense”.

driblador, raciocínio rápido e com ampla vi-

Sobre a sua troca de clube, entre os rivais

são de jogo, principalmente do meio para

Fortaleza e Ceará, jornais do período relatam que “do Fortaleza, Babá se transferiu para o

O “PEQUENO GRANDE” PAULINHO

a frente, pois era meia-direita. Em abril de

Ceará e não foi menor, talvez até maior a sua

Ele passou no futebol cearense, como um

1948, na gestão Belém de Figueiredo, o For-

projeção vestindo a camiseta alvinegra, for-

meteoro, mas deixou seu brilho incandescen-

taleza patrocinou uma “temporada” de qua-

mando com outros talentosos jogadores uma

te. O Paulinho veio de Aracati pelas mãos do

tro jogos do Flamengo, que aqui viria pela

intermediária célebre dos nossos gramados”.

tricolor Amaury Gurgel, mais ou menos em

primeira vez.

O craque Babá brilhou pelo Ferroviário.

17 Dezembro 2012

Perfis dos jogadores citados

Francisco Clodoaldo Chagas Ferreira

(Eusébio) José Jefferson R. de Oliveira

Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro

Posição: Atacante

Posição: Lateral esquerdo

Posição: Atacante

Nascimento: 28/12/1978

Nascimento: 22/09/1985

Nascimento: 05/02/1985

Naturalidade: Ipu/CE

Naturalidade: Eusébio/CE

Naturalidade: Funchal/Portugal

Altura: 1,61 m

Altura: 1,68 m

Altura: 1,85 m

Peso: 57 Kg

Peso: 63 Kg

Peso: 80 Kg

Clube atual: Horizonte Futebol Clube (CE)

Clube atual: Ceará Sporting Club

Clube atual: Real Madrid FC

Romário Marques Rodrigues

Lionel Andrés Messi

Jefferson Carlos Carvalhal da Silva

Posição: Atacante

Posição: Meia

Posição: Goleiro

Nascimento: 27/10/1992

Nascimento: 24/06/1987

Nascimento: 04/06/1975

Naturalidade: Fortaleza/CE

Naturalidade: Rosário/Argentina

Naturalidade: Fortaleza/CE

Altura: 1,86 m

Altura: 1,69 m

Altura: 1,82 m

Peso: 85 Kg

Peso: 67 Kg

Peso: 77 Kg

Clube atual: Ceará Sporting Club

Clube atual: Barcelona FC

Clube atual: Aposentado

Neymar da Silva Santos Júnior

(Pelé) Edson Arantes do Nascimento

Ronaldo Luís Nazário de Lima

Posição: Atacante

Posição: Atacante

Posição: Atacante

Nascimento: 05/02/1992

Nascimento: 21/10/1940

Nascimento: 22/09/1976

Naturalidade: Mogi das Cruzes/São Paulo

Naturalidade: Três Corações/MG

Naturalidade: Rio de Janeiro/RJ

Altura: 1,74 m

Altura: 1,71 m

Altura: 1,83 m

Peso: 64 Kg

Peso:

Peso:

Clube atual: Santos FC

Clube atual: Aposentado. “O Rei do Futebol”

Clube atual: Aposentado

18 Dezembro 2012

E

O empreendimento era caro e precisava de uma boa campanha publicitária. E todos os órgãos colaboraram, mas a Gazeta de Notícias destacou-se dos demais. Todos os dias, a manchete da primeira página anun-

O Babá, bicampeão pelo Ceará em 1942

Perfis Jogador brasileiro (e cearense)

ciava: ”Faltam sete dias para a estreia do Flamengo”. Ou seja, fazia contagem

Artístico

regressiva. Até que, no dia D, con-

Espetáculo

clamou: “O Flamengo chega hoje”.

Dionisíaco

E, no outro dia: “O Flamengo es-

Barroco

treia hoje”. Eram coisas da cacho-

Intuitivo

la privilegiada do Arabá Matos. A

Natureza

rua Guilherme Rocha ficou lotada

Dom

com a delegação do Flamengo no

Rua

Excelsior Hotel.

Jogo

Na primeira peleja, venceu fa-

Individual

cilmente o Ceará por 3 x 0. Depois

Agilidade

goleou o Ferroviário por 5 x 2. Final-

Habilidade

mente chegou o dia do Fortaleza, que

Malandro

estava com um grande time. O ata-

Candomblé/Umbandismo

que Jombrega, Paulinho, França, Piu-

Futebol-arte

piu e Piolho eram o que existia de melhor na praça. O jogo realizou-se num domingo, 11 de abril de 1948, com a direção do Rolinha. Os olhos

Jogador europeu

de todos se voltavam para Zizinho e Paulinho, inegavelmente as duas maiores

Competitivo

estrelas do espetáculo.

Eficiência

O primeiro tempo terminou com 2 x 1

Apolíneo

para o “Mengo”, com dois gols de Zizinho e

Clássico

um de Paulinho. No segundo tempo, Piolho

Racional

empatou para o tricolor e Tião fez o terceiro

Cultura

gol do Flamengo, o gol da vitória: 3 x 2 para

Aprendizado

o Flamengo.

Clube/escola

E o espetáculo agradou, mesmo porque o

Esporte

Fortaleza não decepcionou, muito pelo con-

Coletivo

trário, valorizou a vitória do time carioca. O

Rigidez

Paulinho pontificou como o melhor de todos.

Força

No dia seguinte, a Gazeta de Notícias desta-

Caxias

cou assim o jogo: “Quem foi ver Zizinho viu o

Catolicismo/Protestantismo ismo

Paulinho”. Talvez um exagero do nosso sau-

Futebol-força

doso Arabá. O craque morreu aos 41 anos de idade.

(De acordo com o antropólogo Arlei Sander Damo)

19 Dezembro 2012

“O jogador cearense é mais mirrado” Um dos mais conhecidos comentaristas de futebol do Ceará, Manoel Simplício de Barros Neto, popularmente conhecido por Alan Neto, nasceu em Senador Pompeu (275,1 quilômetros de Fortaleza), no Ceará. Torcedor do Ferroviário, com mais de seis décadas de vida e quase 50 anos no jornalismo cearense, fala, na entrevista a seguir, um pouco sobre o perfil do jogador cearense e as atuais revelações.

A Ponte - Como é o jogador de futebol nascido no Ceará?

Alan Neto - Nós temos um nicho de

dor cearense de uma região do Estado para o de outra?

AN - Não tem um jogador que vem de

Alan Neto

Radialista

AN - Nós temos um jogador aqui extraordinário que é o Clodoaldo, mas ele perdeu o trem da história. Na minha

boas revelações, mas, pela nossa forma-

fora, que venha do Cariri, que vem de

função, há mais de 40 anos, eu só vi

ção cearense, você dificilmente pega

outro interior e que seja diferente. São

três jogadores cearenses que realmen-

um jogador com as características do jo-

todos eles mirrados. São jogadores com o

te eram grandes jogadores, grandes

gador do Sul do País. O jogador cearen-

mesmo perfil, com a mesma estatura.

craques: o Amilton Melo, o Mozarzinho e o Clodoaldo. Então, para o Clodoaldo

se é mais mirrado e subdesenvolvido, o que não anula a qualidade técnica.

Isso influencia preponderantemente quando você vai negociar um jogador

AP – O jogador cearense é comunicativo?

AN - Eu tenho uma dificuldade muito

(1,61m), não importava a estatura dele e a de quem ia marcar. Ele tinha uma habilidade incrível. Ele estaria hoje

com esse perfil. Essa aí é a nossa maior

grande de encontrar um jogador para

milionário se tivesse regrado mais a sua

dificuldade.

uma entrevista porque ele fala muito

vida extra-campo.

pouco, ele é muito contido. Eles adoram AP - Então, pode-se dizer que o “futebolforça” se opõe ao futebol cearense?

AN - O “futebol-força” foi rebocado da

clichês. O grau de escolaridade deles é bem limitado. É triste você pegar uma entrevista com o Ronaldo Fenômeno.

AP – E quem são os novos jogadores do futebol local?

AN - O Eusébio (lateral esquerdo do

Europa, onde os jogadores são altos e for-

Mas se você vir uma entrevista do Messi

Ceará) tem pouca técnica, ele é joga-

tes. O jogador europeu tem o porte físico

e do Cristiano Ronaldo, ela também é re-

dor de “técnico de prancheta”. Como

avantajado, é muito bem tratado. Foi isso

cheada de lugares comuns. Eu entrevis-

ele é um jogador de muito fôlego, ele

que acabou com a beleza do futebol. É

tei o Pelé três vezes, ele vai até um deter-

marca, não para, mas a técnica dele

o chamado “futebol de brucutu”. Aquele

minado ponto, depois ele recua. Quando

é limitada. O Romário (atacante do

onde se procura primeiro o jogador, para

você começa a acelerar um pouco mais,

Ceará), para mim, é uma “gratíssima”

depois procurar a bola.

ele diz: “Tá bom, tá bom, chega de entre-

revelação. Ele é um atacante referência,

vista”. Em qualquer entrevista, eles não

tem que ser servido. Ele leva vantagem

passam daquele limite. Nós sofremos

porque tem um corpanzil, com 1,91. Na

cionais que você enxerga no jogador

isso, mas não é só aqui, no Ceará, é em

minha impressão, se o meu olho clínico

cearense?

qualquer lugar do mundo. Agora, tem

não falhar, o Romário vai ser a nossa

uns que fazem diferente, como o Jeffer-

maior revelação dos últimos tempos,

o que é uma característica nossa. O

son (goleiro cearense recém aposentado

depois do Clodoaldo. Quando ele entra,

cearense é aquele que você pede a rua

e estudante de Economia).

incendeia o time, ele tem essa caracte-

AP – Quais as características emo-

AN - O jogador cearense é emotivo,

rística da força, do vigor, é um jogador

onde mora “fulano de tal” e ele vai deixar você lá. O cearense é muito emotivo..

AP – Existem diferenças entre o joga-

AP – Quem são os maiores represen-

que não teme zagueiro. Mas ele é um

tantes do futebol cearense que você

jogador também de característica técni-

acompanhou?

ca limitada.

22 Dezembro 2012

C

CULTURA

Nordestino sim, TEXTO

Luana Maria de Matos Pessoa

FOTOS

Arquivo pessoal

Cearensidade. Seria impossível falar do Ceará e não falar de um dos nomes mais ilustres da poesia popular cearense, Antônio Gonçalves da Silva, que carinhosamente ganhou o apelido de Patativa do Assaré, pois a sua poesia era comparada à beleza do canto desta ave do sertão. Filho do Ceará, ninguém representou melhor do que ele, em sua poesia, as dificuldades da vida no sertão, o dia a dia do povo sertanejo, o seu descontentamento com as injustiças tanto naturais quanto sociais enfrentadas por seu povo e, é claro, a natureza característica da localidade de Assaré.

Patativa do Assaré foi um dos únicos poetas populares que representaram o povo na sua essência.

Retratou em seus poemas, através de uma linguagem simples, porém poética, a sofrida vida do homem do campo, além do seu incorrigível, inegável e inquestionável amor pelo sertão. Convido os nossos leitores e leitoras a conhecerem um pouco mais da vida e da obra desse grande poeta que foi e continuará sendo Patativa do Assaré.

Com vocês, Patativa do Assaré

Eu, Antônio Gonçalves da Silva, filho de Pedro Gonçalves da Silva e de Maria Pereira da Silva, nasci aqui, no Sítio denominado Serra de Santana, que dista três léguas da cidade de Assaré. Meu pai, agricultor muito pobre, era possuidor de uma pequena parte de terra, a qual depois de sua morte, foi dividida entre cinco filhos que ficaram, quatro homens e uma mulher. Eu sou o segundo filho.

Quando completei oito anos, fiquei órfão de pai e tive que trabalhar muito, ao lado de meu irmão mais velho, para sustentar os mais novos, pois ficamos em completa pobreza. Com a idade de doze anos, frequentei uma escola muito atrasada, na qual passei quatro meses, porém sem interromper muito o trabalho de agricultor.

Saí da escola lendo o segundo livro de Felisberto de Carvalho e, daquele tempo para cá, não frequentei mais escola nenhuma, porém sempre lidando com as letras, quando dispunha de tempo para este fim.

23 Dezembro 2012

“Quando completei oito anos, fiquei órfão de pai e tive que trabalhar muito, ao lado de meu irmão mais velho, para sustentar os mais novos, pois ficamos em completa pobreza”.

24 Dezembro 2012

C

Desde muito criança que sou apaixonado pela poesia. Onde alguém lia versos, eu tinha que demorar para ouvi-los. De

Foi em mil e novecentos e nove que eu vim ao mundo.

Meus pais naquele momento tiveram prazer profundo.

Foi na Serra de Santana em uma pobre choupana, humilde e mudesto lar.

Foi ali onde eu nasci e a 5 de março vi o raio da luz solar”.

treze a quatorze anos comecei a fazer versinhos que serviam de graça para os serranos, pois o sentido de tais versos era o seguinte: Brincadeiras de noite de São João, testamento do Juda, ataque aos preguiçosos, que deixavam o mato estragar os plantios das roças etc. Com 16 anos de idade, comprei uma viola e comecei a cantar de improviso, pois naquele tempo eu já improvisava, glosando os motes que os interessados me apresentavam.

Nunca quis fazer profissão de minha musa. Sempre tenho cantado, glosado e recitado, quando alguém me convida para este fim.

25 Dezembro 2012

Quando eu estava nos 20 anos de idade, o nosso parente José Alexandre Montoril, que mora no Estado do Pará, veio visitar o Assaré, que é seu torrão natal, e, ouvindo falar de meus versos, veio à nossa casa e pediu à minha mãe para que ela deixasse eu ir com ele ao Pará, prometendo custear todas as despesas. Minha mãe, embora muito chorosa, confiou-me ao seu primo, o qual fez o que prometeu, tratando-me como se trata um próprio filho.

Chegando ao Pará, aquele parente apresentou-me a José Carvalho, filho de Crato, que era tabelião do 1o. Cartório de Belém. Naquele tempo, José Carvalho estava trabalhando na publicação de seu livro “O matuto Cearense e o Caboclo do Pará”, o qual tem um capítulo referente a minha pessoa e o motivo da viagem ao Pará. Passei naquele Estado apenas cinco meses, durante os quais não fiz outra coisa senão cantar ao som da viola com os cantadores que lá encontrei.

De volta do Ceará, José Carvalho deume uma carta de recomendação, para ser entregue à Dra. Henriqueta Galeno, que, recebendo a carta, acolheu-me com muita atenção em seu Salão, onde cantei os motes que me deram.

Eu nasci ouvindo o canto das aves da minha terra e vendo os belos encantos que a mata bunita encerra.

Foi ali que eu fui crescendo, fui lendo e fui aprendendo no livro da natureza, onde Deus é mais visível, o coração mais sensível e a vida tem mais pureza”.

26 Dezembro 2012

C

P

atativa do Assaré, do povo nasceu e para o povo viveu.

Foi senão o único, um dos raros poetas cearenses e brasileiros que descreveram de maneira tão habilidosa

a realidade do dia a dia do povo sertanejo. Um homem notavelmente apaixonado pelo sertão e que fazia questão de retratá-lo no que ele tinha de mais bonito, mas também no que tinha de mais injusto. O poeta fez ecoar o seu canto a todas as camadas sociais, desde o analfabeto até o doutor.

Patativa apresenta em sua obra características, elementos, traços típicos da cultura cearense. O primeiro deles é a própria linguagem utilizada nos poemas. O poeta não tinha nenhuma preocupação linguística, gramatical ou estilística. Pelo contrário. Ele usava uma linguagem muito simples, regional e popular do sertanejo. Trata-se de uma escrita simples, ritmada, elaborada para os objetivos que se propunha.

Quando cheguei na Serra de Santana,

Escrevia principalmente para as

continuei na mesma vida de pobre

pessoas da sua comunidade. Gente

agricultor; depois casei-me com uma parenta e sou hoje pai de uma numerosa família, para quem trabalho na pequena parte de terra que herdei de meu pai.

Não tenho tendência política, sou apenas revoltado contra as injustiças que venho notando desde que tomei algum conhecimento das coisas, provenientes talvez da política falsa, que continua fora do programa da verdadeira democracia.

Nasci a 5 de março de 1909. Perdi a vista direita, no período da dentição, em consequência da moléstia vulgarmente conhecida por dor-d’olhos.

Quando eu estava nos 20 anos de idade, o nosso parente José Alexandre Montoril, que mora no Estado do Pará, veio visitar o Assaré, que é seu torrão natal, e, ouvindo falar de meus versos, veio à nossa casa e pediu à minha mãe, para que ela deixasse eu ir com ele ao Pará, prometendo custear todas as despesas”.

que não teve muitas oportunidades de educação, pessoas que ocupavam a maior parte do seu tempo trabalhando para o sustento das suas famílias, muitas das quais não sabiam ler, mas se identificavam com o poeta, pois este refletia nas suas composições o dia a dia do povo sertanejo, as dificuldades que enfrentavam como agricultores, as suas aspirações, a “filosofia do sertanejo” que ele soube transmitir em versos, tornando-se um legítimo representante

e porta-voz do povo da sua região.

Em seus poemas, ele ecoa a voz do sertanejo. O mais interessante é que, do seu cotidiano de agricultor, tece sofisti-

Desde que comecei a trabalhar na

cados pensamentos filosóficos, uma ética não ensinada nas

agricultura, até hoje, nunca passei um

escolas, mas oriunda da própria cultura sertaneja.

ano sem botar a minha rocinha. Só não plantei roça, no ano em que fui ao Pará.

Para Patativa, ser nordestino não quer dizer que se esteja destinado ou condenado a sofrer, a suportar a miséria, a fome, a privação, que deva se contentar e aceitar pacientemente essas injustiças. Na sua visão, nascer em um ambiente de condições climáticas desfavoráveis não é sinônimo de destino, e que as pessoas não possam fazer absolutamente nada para mudar de vida, a não ser aceitar essa condição de existência.

O Nordeste, para o poeta, não tem esse destino.

A qualidade da sua poesia impressiona muitas pessoas até hoje. Mesmo com pouco estudo, foi capaz de compor versos

27 Dezembro 2012

28 Dezembro 2012

C

Nunca diga nordestino Que Deus lhe deu um destino Causador do padecer Nunca diga que é o pecado Que lhe deixa fracassado Sem condições de viver Não guarde no pensamento Que estamos no sofrimento É pagando o que devemos A Providência Divina Não nos deu a triste sina De sofrer o que sofremos Deus, o Autor da Criação, Nos dotou com a Razão, Bem livres de preconceitos.

Mas os ingratos da terra, Com opressão e com guerra, Negam os nossos direitos!

Não é Deus Quem nos castiga, Nem é a seca que obriga Sofrermos dura sentença!

Não somos nordestinados Nós somos injustiçados Tratados com indiferença!

com tanta facilidade, às vezes até de improviso e que tinham uma das metrificações e

(Trecho do poema “Nordestino sim,

sextilhas mais perfeitas que se tem conheci-

Nordestinado não!”)

mento. O que muitos escritores, doutores e acadêmicos passam horas tentando desenvolver uma única estrofe, Patativa conseguia elaborar com tanta habilidade e facilidade.

Patativa ficou conhecido nacionalmente com a gravação da canção “A triste partida” toada de um retirante pelo Rei do Baião, Luiz Gonzaga, em 1964. Ele também se preocupava com a situação política do País. Criticava os militares e chegou a ser perseguido.

Bom camponês e operaro A vida tá de amargá O nosso estado precaro Não há quem possa aguentá Neste espaço dos vinte ano Que a gente entrou pelo cano A confusão tá compreta Mode a coisa miorá Nós vamo bradá e gritá Pela inleição direta

29 Dezembro 2012

Assaré, berço do poeta Assaré é um pequeno município do Ceará, a 623 km de distância da capital, Fortaleza. Sua população, em 2006, era de aproximadamente 21.822 habitantes. Ficou conhecida em todo o Brasil por ser o berço do poeta popular Patativa do Assaré. É uma cidade localizada onde antigamente viviam os índios Jucá, Caryri, Inhamum e Cariú.

A divulgação de que existia ouro em abundância nos sertões brasileiros desencadeou, no século XVIII, uma enorme emigração de famílias vindas de todos os cantos do País, algumas oriundas de Portugal, trazendo colonização para a região do Sertão do Cariri. Depois vieram as sesmarias, o que deu origem a lugarejos e vilas, que logo evoluiriam para cidades.

Também se envolveu na campanha pelas “Diretas já”, em 1984. Fracassada a campanha, publicou o poema “Inleição Direta 84”.

O poeta teve sua obra registrada em inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais. Entre as suas principais obras estão, “Inspiração nordestina” (1956), “Inspiração nordestina: Cantos do Patativa” (1967),” Cante lá que eu canto cá” (1978), “Ispinho e fulô” (1988), “Balseiro 1. Patativa e outros Poetas de Assaré” (1991), “Cordéis” (1993), “Aqui tem coisa” (1994), “Biblioteca de Cordel, Patativa do As-

A cidade localiza-se em uma região de clima tropical quente com chuvas concentradas nos meses de janeiro a abril. A vegetação é representada pelo cerradão (tipo predominante), a caatinga e o cerrado.

Suas terras são banhas pelos riachos dos Bastiões, São Miguel e Quincoré, Barragem de Canoas e Açude de Canoas.

As principais fontes de receita do município se originam da pecuária e da monocultura do algodão.

Uma nova fonte de riqueza que tem crescido nos últimos anos e o turismo.

A cidade costuma ser visitada por aqueles que conhecem e admiram a obra do poeta, e também em virtude da riqueza das tradições culturais da região. .

ASSARÉ

30 Dezembro 2012

C

Eu sou filho do nordeste, não nego o meu naturá Mas uma seca medonha me tangeu de lá pra cá Lá eu tinha meu gadinho, num é bom nem imaginar Minha linda Vaca Estrela e meu belo Boi Fubá Quando era de tardezinha, eu começava a aboiar”.

saré” (2000), “Balseiro 2. Patativa e outros Poetas de Assaré” (2001), “Ao pé da mesa” (2001). Gravou seu primeiro LP “Poemas e Canções”, em 1979, em uma produção do cantor e compositor cearense Raimundo Fagner. Dois anos depois, gravou seu segundo LP, “A Terra é Naturá”. Apresentou-se com o cantor Fagner no Festival de Verão do Guarujá, em 1981.

A cantiga-aboio “Vaca Estrela e Boi Fubá” fala da saudade da terra natal e do gado. Foi um sucesso do disco em versão gravada por Fagner, no LP “Raimundo Fagner”, em 80.

Em “A Terra é Naturá”, uma poesia que teve um grande sucesso foi “Antônio Conselheiro”, que conta a saga do beato Antônio Conselheiro, desde os dias iniciais em Quixeramobim, no Ceará, até o combate final no Arraial de Belo Monte, na fazenda Canudos, em 1897.

Patativa, assim como muitos cantadores, registrou na memória as histórias que fazem parte da tradição oral, reproduzidas pelos violeiros e cordéis. “A Terra é Naturá” contou com a colaboração e produção do cantor Fagner, além do cineasta Rosemberg Cariri, que contribuiu como assistente de produção artística. Além deles, teve o acompanhamento

31 Dezembro 2012

Cada um na vida tem seu o direito de julgar.

Como tenho o meu também, com razão quero falar Nestes meus verso singelos, mas de sentimentos belos Sobre um grande brasileiro, cearense, meu conterrâneo.

Líder sensato, espontâneo, nosso Antônio Conselheiro

Patativa do Assaré Um metro e meio de altura media um dos maiores poetas de poesia popular brasileira. Pequeno apenas na estatura, mas grandioso intelectualmente. Faleceu em 2002, aos 93 anos de idade, cego e quase sem audição, desde o final dos anos 90. Morreu vítima de falência múltipla de órgãos, em decorrência de uma pneumonia dupla, além de uma infecção na vesícula e de problemas renais. Foi sepultado no cemitério São João Batista, na sua cidade natal. No dia 05 de março de 2009, a cidade comemorou o centenário de seu filho mais ilustre.

Este cearense nasceu lá em Quixeramobim.

Se eu sei como ele viveu, sei como foi o seu fim.

Quando em Canudos chegou, com amor organizou Um ambiente comum, sem enredos nem engodos, Ali era um por todos e eram todos por um.

de Manassés, com o violonista Nonato Luiz e

sucesso promocional e muito menos mani-

a presença do rebequeiro Cego Oliveira.

festava interesse em melhorar a sua conta

O poeta foi considerado um fenômeno

bancária. Sua principal preocupação esta-

da poesia popular nordestina, com a sua va-

va muito além disso. Com os seus poemas

riedade de temas que vão desde o homem

queria transmitir a importância do sertanejo

sertanejo à luta pela vida. Seus livros foram

para o Nordeste, que os agricultores são os

traduzidos em diversos idiomas e tornaram-

principais responsáveis por colocar comida

-se temas de estudo na Sorbonne, na cadeira

na mesa das pessoas dos grandes centros

de Literatura Popular Universal, coordenada

urbanos. Registrou em poesia como é difícil

pelo professor Raymond Cantel.

sobreviver no campo e conta com humor as

Ele poderia ter usado o seu dom para

tradições culturais da cidade. Em seus poe-

obter vantagens, conseguir fama e dinheiro,

mas afirma que o sertanejo, apesar de todas

porém, não aceitou nenhuma das propostas

as dificuldades, não reclama da vida. Pelo

que chegaram até ele. Ele gostava da vida

contrário, vive feliz, alegre e satisfeito com o

simples que levava no sertão, gostava de ser

pouco que tem. Patativa se orgulhava de cui-

o porta-voz de um povo esquecido, carente

dar da sua “roçazinha” todos os anos. Nunca

de recursos, oprimido e injustiçado por mui-

deixou de plantar, a não ser no ano em que

tos. A sua preocupação não era com o seu

foi para o Pará.

32 Dezembro 2012

C

Memorial Patativa do Assaré De acordo com informações contidas no portal da Secretaria de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer, o prédio onde hoje funciona o Memorial Patativa do Assaré foi construído no final do século XIX por Antônio Pereira Anselmo, que investiu 500 mil réis na construção da edificação.

Antes de ser tornar o museu do poeta, a casa foi residência, sede de sindicato, cadeia pública, hotel, clube social e escola. Em 1993, o imóvel passou a sediar a Fundação Memorial Patativa do Assaré. A ideia partiu de artistas assarenses que viram a necessidade de preservar, valorizar e difundir a vida e a obra do poeta e filho mais ilustre de Assaré. A entidade promovia eventos e cursos em vários municípios e, no mesmo ano, foi reconhecida como entidade de utilidade pública pelo poder executivo.

No ano de 1998, a entidade fechou uma parceria com os governos municipal e estadual para comprar e reformar um sobrado do século XVII, que passaria a abrigar um museu que expusesse a vida e a obra do poeta. Em 1999 foi inaugurado o Memorial Patativa do Assaré, que hoje conta com um acervo de mais de 1.200 peças doadas pela família, tais como títulos, troféus, manuscritos, objetos de uso pessoal e material da casa onde o poeta nasceu, além de as instituições apoiadoras terem doado toda a mobília e o material de multimídia de última geração.

O local se tornou um dos principais atrativos turísticos, atraindo visitantes de todos os estados brasileiros, além de pesquisadores de outros países. Nos últimos dois anos, o memorial recebeu nada menos que 19.986 visitantes.

Serviço Museu Memorial Patativa do Assaré Aberto de 2a. a sábado, das 8h às 16h30 e aos domingos das 8h às 12h.

Maiores informações: (88) 3535.1742

33 Dezembro 2012

Cabra da Peste (Patativa do Assaré) Eu sou de uma terra que o povo padece Mas nunca esmorece, procura vencê, Da terra querida, que a bela cabôca Com riso na bôca zomba no sofrê.

“Patativa é a voz do Ceará, é a voz do sertão”

José Batista de Lima Professor e poeta

Não nego meu sangue, não nego meu nome, Olho para a fome e pergunto: o que há?

Eu sou brasilêro fio do Nordeste, Sou Cabra da Peste, sou do Ceará.

Tem muita beleza minha boa terra, Derne o vale à serra, da serra ao sertão.

Por ela eu me acabo, dou a prope vida, É terra querida do meu coração.

Meu berço adorado tem bravo vaquêro E tem jangadêro que domina o má.

Eu sou brasilêro fio do Nordeste, Sou Cabra da Peste fio do Ceará.

Ceará valente que foi muito franco Ao guerrêro branco Soares Moreno, Terra estremecida, terra predileta Do grande poeta Juvená Galeno.

Sou dos verde mare da cô da esperança, Qui as água balança pra lá e pra cá.

Eu sou brasilêro fio do Nordeste, Sou Cabra da Peste, sou do Ceará.

Ninguém me desmente, pois é com certeza Quem qué vê beleza vem ao Cariri, Minha terra amada pissui mais ainda, A muié mais linda que tem o Brasi.

Terra da jandaia, berço de Iracema, Dona do poema de Zé de Alencá Eu sou brasilêro fio do Nordeste, Sou Cabra da Peste, sou do Ceará.

A Ponte – Quais traços de cearensidade destacaria na obra de Patativa do Assaré?

José Batista de Lima – A natureza.

Ele coloca muito elemento da natureza dentro da obra dele. Ele coloca a fala do sertanejo. Utiliza uma linguagem popular, que é uma linguagem própria do sertanejo. Talvez o mais interessante é a filosofia do sertanejo.

Existe uma filosofia do sertanejo, uma ética sertaneja que o Patativa coloca na sua obra, que não é uma ética ensinada nas escolas. É uma ética oriunda da própria cultura sertaneja. Então são esses três elementos que marcam a cearensidade. Patativa é a voz do Ceará, é a voz do sertão. É uma espécie de cronista principal daqueles que não sabem ler. Ele faz uma poesia ritmada, popular, exatamente para as pessoas que são analfabetas e, aí, ele alcança o objetivo da obra dele.

AP – Qual é a importância do poeta Patativa do Assaré para o Ceará?

JBL – A poesia popular existe em todo canto, mas um porta-voz dessa poesia popular do nível do Patativa não existe e é exatamente no Ceará onde ele está. Quer dizer, ele é um porta-voz de toda uma população sertaneja que podia estar na Paraíba, em Pernambuco, em qualquer parte do Nordeste ou do Norte, ou até mesmo no

Sul do País, mas ele está exatamente no Ceará, exatamente em Assaré. Ele poderia, inclusive, ter outro nome. Ele poderia cantar o Amazonas, onde ele morou, mas ele cantou foi o retirante do Ceará para São Paulo, mesmo ele não tendo sido esse retirante. Ele foi retirante para a Amazônia, ele se preocupou em cantar o povo à imagem e semelhança dele próprio.

AP – Como autor de livros e conhecedor da literatura, qual avaliação faz da obra Patativa do Assaré?

JBL – Como uma obra que, apesar de ter uma linguagem popular, de usar termos de domínio do povo, sem a preocupação linguística, ele é, ao mesmo tempo, o poeta que utiliza o ritmo, é o poeta que utiliza a metrificação perfeita, a sextilha mais perfeita popular que eu conheço, então é um homem que tem o domínio da poética sem ter estudado a poética nas escolas. Ele tem um domínio da arte de elaboração poética que muitos doutores em poesia não sabem fazer e, o mais interessante, é que ele também improvisa. Ele faz na hora aquela poesia ritmada, aquela poesia metrificada. Coisa que nós, que estudamos e conhecemos a literatura, passamos horas e horas para elaborar uma estrofe, ele faz isso de improviso.

Pelos interiores Resolvi viajar pelo interior do Ceará e fazer fotos no caminho. Visitei algumas pequenas cidades e vilarejos, Nova Olinda, Assaré, Vila Euzébio. Quis mostrar para mim o que acontece um pouco mais distante da capital, como vivem os interioranos cearenses, sob que condições sociais, culturais e ambientais. Este é um projeto a longo prazo. Essas fotos são o começo desse projeto de pesquisa e conhecimento.

Txai Costa Edição e Supervisão Fotográfica

42 Dezembro 2012

C

CULTURA

Poetas do

improviso TEXTO

Natanna Oliveira e Rayla Vidal

O Repente, também chamado de Desafio, consiste em improvisar versos ritmados, a partir de qualquer tema. Trata-se de um gênero de poesia que se insere na literatura oral. A origem do repente no Brasil não é totalmente certa, mas se acredita que seja de origem árabe e que tenha chegado ao Brasil com os portugueses, como um resquício da cultura trovadoresca europeia medieval. Dá-se o nome de repentista ao profissional que exerce essa arte.

No Nordeste, eles costumam proclamar os versos acompanhados pelos sons de uma viola. Muitos deles ganham a vida improvisando versos engraçados ou irônicos sobre os atributos físicos dos turistas que visitam nossas praias. A Ponte acompanhou o trabalho de quatro repentistas que circulam entre as mesas das barracas da Praia do Futuro para ganhar o sustento com a sua arte.

Azulão do Nordeste te e Gonzaga da Viola fazendo um m repente para uma ma família do Mato to Grosso do Sul ul

43 Dezembro 2012

C

arros aproximam-se do calçadão arro da Praia do Futuro e estacionam.

Turistas dirigem-se à praia para se Turi

refrescar e ccontemplar o horizonte. Vendedores ambulantes vão ocupando o calçadão, ambul expondo seus seu produtos.

- “Troca?”“Troca? pergunta um dos tantos vendedores que querendo trocar notas de R$ 50.

- “Vou mandar tirar tudo daqui, não quema ro nada disso diss aqui”, diz um senhor de barba longa e branca, vestindo bermuda e camisebran ta, ao passa passar em direção à praia, zangado pelas muitas muita mercadorias dos vendedores ambulantes ocupando a calçada.

A cena é observada pelos repentistas Paulo Pereira, Pereira Azulão do Nordeste, Gonzaga da Viola e Ribamar.

Os quatro estão sentados Rib em cadeiras de plástico emprestadas de uma das barracas. barracas Eles se protegem do forte calor refugiando-se refugiando-s embaixo de uns coqueiros que balançam sem se parar com o vento, antes de iniciar mais u um dia de trabalho.

Concorrendo com vendedores ambulanConcorre tes de toalh toalhas, redes, biquínis, camarão, lagosta e uma um infinidade de outros comerciantes, os repentistas tentam ganhar o seu sustento do riso que arrancam das pessoas. Paulo Pereira é morador de Caucaia, região metr metropolitana de Fortaleza. Aos 68 anos de idade, percorre diariamente uma ida média de 16 km sobre a areia para ganhar o pão de cada cad dia.

44 Dezembro 2012

C DIFICULDADES E DESAFIOS

ânimo e inspiração, principalmente quando

tanto, devido à concorrência de outros repen-

Para o repentista, a improvisação é um dom.

saem pelas barracas apresentando-se sozi-

tistas que chegam à praia mais cedo para

Não tem explicação. No entanto, a apresen-

nhos, sem dupla. Porque até as duplas são

garantir sua clientela, Paulo tem procurado

tação varia de acordo com o estado de espí-

montadas por improviso. Chegando à praia,

chegar um pouco antes. Vestindo uma calça

rito de cada um. Ou seja, existem ocasiões

buscam um parceiro e saem os dois juntos

afivelada com cinto, blusa e sapato social,

em que os repentistas estão mais ou menos

fazendo versos.

peregrina de barraca em barraca, alegrando

inspirados. Sendo assim, é grande o desafio

Paulo Pereira conta que nem sempre se

os turistas com seus versos engraçados. Para

diário para esses profissionais que vivem

apresenta em dupla. Assim, tem de superar

por volta das 14h, quando então se desloca

dessa arte, pois o seu sustento depende de

uma falha que afirma ter a ver com a sua

Seu trabalho se inicia ao meio dia, entre-

para as barracas da Av. Beira Mar, onde fica até as 17h. Trabalha todos os dias, com eventuais folgas escolhidas por ele mesmo.

Pereira é cearense de Granja (a 300 km de Fortaleza). Antes dos 38 anos, quando se tornou repentista, exercia a profissão de carpinteiro. Diz ter tido um sonho, no qual aparecia um vulto dizendo-lhe que seria poeta. Ao acordar, sabia improvisar e tocar viola, sem nunca antes ter tido contato com esse ramo. Conta que já viajou muito, principalmente de bicicleta, por entre os interiores cearenses, cantando para ganhar uns trocados, até chegar à Capital em busca de melhores condições.

Casado há 22 anos, ele tem quatro filhos, todos formados. Um deles seguiu seus passos na arte do improviso, mas tem como profissão a de escrivão da polícia. Pereira diz ser analfabeto. Nunca foi a escola e garante que ninguém lhe ensinou o “bê-a-bá”. Aprendeu apenas de ouvir as pessoas conversando.

Aprendeu

tam-

bém a improvisar na prática do dia a dia.

Sobre a viola que o acompanha, afirma que “é um privilégio

Seu Paulo com sua

da natureza; sem o instrumento

companheira

não estaria nesse ramo”.

de ganha pão

45 Dezembro 2012

O repentista declara-se analfabeto, todavia sabe ler e escrever. Nunca foi a escola e afirma que ninguém nunca lhe ensinou o “bê-a-ba”

Sextilha improvisada para as repórteres Aquela atriz de novela Já começou a me filmar Pode tirar meu retrato E se quiser pode levar Foto de cantor bonito É caro pra revelar.

memória, o que o deixa apreensivo. Ele não consegue, às vezes, lembrar de palavras de

Pode fotografar o poeta e o repente

elogio ou qualidades para atribuir à sua “pla-

Sei que o celular não queima

teia”, por isso carrega dentro do bolso de

Que a dona é experiente

sua camisa um caderninho com os nomes de

E vou pedir à fotógrafa

países, estados, atrizes de novela e outros.

Não queime o filme da gente.

Além dos desafios da memória, ainda precisam ter coragem para encarar face a

Cantei com simplicidade

face o público que, muitas vezes, os recebe

Ela fotografou os três

com arrogância, pelo fato de eles já chega-

Nosso trabalho é bem feito

rem improvisando sem antes pedir permis-

Que é feito com rapidez

são. Um exemplo desse tipo foi

Como nós se animamos

um turista do Mato Grosso do

Também anima vocês.

Sul, que desprezou um dos artistas. Enquanto ele se apresentava, o turista fazia carranca e desviava o olhar para outros

De poeta tem mais de três Tem mais de três rainhas Eu vim aqui ganhar a grana

lugares que não fosse para o artista.

Pra comprar minha vaquinha

No final, advertiu a uma das repórteres que

Que passou o ladrão de bois

os profissionais, antes de iniciar a apresen-

E roubou lá em casa a vaca minha.

tação, deveriam perguntar se as pessoas querem ouvir um improviso antes de eles já

Nossa festa continua

chegarem cantando.

E eu vou dizer a verdade

O repentista Azulão do Nordeste, cearen-

Fui cantador do sertão

se de Sobral (a 235 km de Fortaleza), viaja

E depois migrei pra cidade

pelos estados brasileiros mostrando sua arte

Hoje vai chegar a foto lá na universidade.

de improvisar. Quando está em Fortaleza, também trabalha na Praia do Futuro fazen-

Já dei a entrevista

do parceria com Paulo Pereira. Ele conta que

Pra cada moça dessa

muitas pessoas discriminam seu trabalho,

Agora vou ganhar meu pão

alegando que ganham dinheiro fácil. “É me-

Que sem dinheiro não presta.

lhor trabalhar, ganhar o pão, do que ficar em casa mendigando o pão”, desabafa.

Nem sempre, quando se apresentam, re-

46 Dezembro 2012

cebem algum retorno financeiro. “Se a pessoa não tem dinheiro, paciência. Ela não me chamou para fazer esse tipo de trabalho”, justifica Azulão. Já outro repentista, Gonza-

Casa do Cantador

ga da Viola, cearense de Aracoiaba (a 83 km de Fortaleza), que ingressou na profissão aos 26 anos de idade, lembra, um pouco tímido, que, certa vez, no Aeroporto Pinto Martins, em Fortaleza, após cantar para alguns turistas, quando pediam uma “graninha”, os turistas disseram que iam pegar “ali” e que já voltavam. Não retornaram.

Azulão já participou de uns 120 festivais de repente. As apresentações são feitas em duplas e o tema é sorteado na hora. Consta de três etapas: na primeira, discorrem sobre o tema sorteado; na segunda, de mote (estrofe de 10 versos); e, na terceira, de um tema escolhido pelos próprios artistas. Quando o festival é patrocinado por alguma prefeitura, a entrada é gratuita. Se for privado, a entrada custa R$ 10.

Ribamar, outro repentista, também trabalha na Praia do Futuro. Muito simpático, educado e carismático, enquanto toca a sua viola nos conta como ingressou na arte de improvisar. Trabalhava como agricultor, mas foi por influência de um irmão cantador que se tornou repentista.

Diz ser um aventureiro, pois gosta de viajar. No entanto, prefere Fortaleza para desenvolver o seu trabalho, já que o local lhe traz um ótimo retorno em recursos financeiros, diferente das outras cidades. Mas reclama que os cearenses não valorizam a sua cultura e que, muitas vezes, são repudiados pela mídia, que cobra um absurdo para a exibição de uma apresentação em rádio ou TV, enquanto que em outros Estados recebem apoio.

“A Casa do cantador, a primeira associação de repentistas do Brasil localizada no bairro Carlito Pamplona, em Fortaleza, foi fundada em 21 de setembro de 1951 por Domingos Fonseca. Seu objetivo é hospedar cantadores que vêm de longe, por exemplo, do interior do Ceará. Além dos repentistas, a entidade também integra os cordelistas. Atualmente,a instituição possui aproximadamente 400 cantadores cadastrados no Nordeste e 180 no Ceará. A nova geração de repentistas começa nessa área com 20 a 30 anos e a geração veterana tem de 50 a 68 anos. Os atuais presidentes são Sr. Dimas Mateus e sua esposa Lúcia Mateus, que residem no local há 27 anos. A casa não tem ajuda alguma do Governo, e sobrevive de eventos que acontecem no local, como casamentos e aniversários. Seu Dimas afirma não cobrar quando se trata de velórios. No piso inferior da Associação encontra-se uma biblioteca, com um pátio onde está localizada a estátua do fundador da casa, e no piso superior situam-se a sala, cozinha e quartos. Todas as primeiras segundas-feiras de cada mês é realizado na associação um evento existente no local há 35 anos, a “Noite da Viola”. Como é realizado todos os meses, a presidente Lúcia Mateus procura fazer sempre um “remanejamento”, ou seja, colocar para participar do festival os repentistas que ainda não participaram, dando oportunidade para que todos os cantadores cadastrados participem do evento, divertindo-se e cantando seus versos improvisados. Aberto ao público e com entrada franca, o festival começa a partir das 19h.

D

47

DIVERSOS

Cajueiro, caju e cajuína TEXTO E FOTOS: Luiza Costa e Izabel Oliveira

Uma planta tropical típica da paisagem nordestina é a Anacardium occidentale, mais popularmente conhecida pelo nome de cajueiro. Dela se extrai um pseudofruto que é todo um símbolo no Ceará, o caju.

Nativo do Brasil, o caju que em tupi significa noz, tem grande importância para o semiárido em função dos empregos que gera nas entressafras como as do feijão, milho e algodão. Ofertado nas prateleiras das barracas e feiras da Cidade, a castanha de caju é produto obrigatório na bagagem dos turistas. O caju também pode ser consumido na forma de suco, mel, doce e rapadura. A Ponte foi até Patos dos Liberatos, distrito de Chorozinho (a 60 km de Fortaleza pela BR-116) para encontrar uma família que trabalha com o beneficiamento do caju. Várias famílias se sustentam com a compra e venda dos derivados do cajueiro (castanhas, casca, caule e o caju). O nome Liberatos faz referência a uma família tradicional que chegou por lá há muitos anos e que ainda vive dessa atividade transmitida de geração em geração.

Dezembro 2012

Dezembro 2012

Q

D uando a reportagem chegou em Patos dos Liberatos, o relógio marcava 9 horas . O sol escaldante

aumentava o desejo de encontrar logo a casa do cajucultor Antônio Daniel para se refrescar.

O primeiro que nos chamou a atenção foi a simplicidade deste homem e também de seu filho Bruno. Sempre atenciosos, como é o costume no Sertão, mostraram disposição

Caju em números

48

para nos explicar sobre o beneficiamento do caju, que até então só conhecíamos como consumidores. Não imaginávamos que das mãos calejadas desses homens saiam essas delícias que encantam nosso paladar.

Antônio iniciou contando da sua lida diária

Empregos - 35 mil no campo - 15 mil na indústria - 250 mil indiretos

e da sua superação para sustentar sua família. Pai e filho trabalham juntos no beneficiamento. O que é produzido de castanha de caju em sua propriedade não atende a demanda para revendê-las para as fábricas maiores.

Sendo assim, ele compra a castanha in natura de outros agricultores, vizinhos e parentes.

A sua fabriqueta funciona no quintal da casa com equipamentos artesanais.

Quando a castanha chega às mãos de seu Daniel, o trabalho dele é limpá-las e colocá-las em uma quadra, nos fundos da casa, para secar. Depois são cozidas e, em seguida, são retiradas as cascas na máquina de cortar. Seguem para a estufa por 24 horas, que é aquecida com a lenha do cajueiro (legalizada pelo Ibama, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e a própria casca da castanha. Em seguida, ficam em banho-maria por 12 horas, retornando mais uma vez à estufa para facilitar a retirada da película. A película é retirada com a faca, por mulheres que são chamadas de “peladeiras”. Somente depois de limpas é que ele as vende para as indústrias de beneficiamento, que as torram.

Durante todo esse processo, vários serviços são terceirizados, o que gera distribuição de renda na comunidade. Seu Daniel explica que existe toda uma cadeia produtiva que

Principais estados produtores - Ceará - Piauí - Rio Gde do Norte - Bahia Principais países consumidores - Estados Unidos - Canadá Divisas US$150 milhões 100 ml de suco contêm - 156 mg a 387 mg de vitamina C - 14,70 mg de cálcio - 32,55 mg de fósforo - 0,575 mg de ferro

O cajucultor Antonio Daniel mostra a produção

49 49 Dezembro D Dez ze z em mb bro ro 2012 20 2 01 12 2

Lincoln e família

não só beneficia a sua família, mas também

se. Essa situação não afeta somente a sua

gera renda para outras, pois os ganhos são

família, mas a todas as famílias que vivem

de acordo com as atividades. Ganha quem

do caju.

planta o cajueiro, quem cuida e colhe, quem

Ele conta que foi seu pai quem come-

separa a castanha do pedúnculo, quem cozi-

çou com o negócio. Depois que retornou

nha, descasca e assim vai passando de mão

de São Paulo, percebendo que a safra do

em mão.

caju estava em alta, decidiu criar a fábri-

Eles chamam o cajueiro de árvore da

ca, que hoje é tocada por Lincoln, seus fi-

vida, “pois dele tudo se aproveita”, afirma

lhos e parentes. Lincoln produz e também

o agricultor. A casca da castanha e o caule

compra dos agricultores da região o caju

do cajueiro são usados como combustível.

(pedúnculo), que depois é selecionado, la-

O pseudofruto (pedúnculo) é usado para

vado, triturado e prensado.

fazer polpas, doces caseiros, sorvetes, bo-

O caldo (sumo) proveniente do proces-

los, farofas, almôndegas, refrigerantes e a

so é “deslatado”, ou seja, é coado em um

cajuína artesanal.

pano para separar a fibra do líquido. De-

Bruno, que não tinha saído do lado do pai

pois de escoado e separado o líquido da

durante toda a conversa, diz que não tem

borra, adiciona a gelatina, que é respon-

pretensão de seguir nesta atividade. Prefere

sável por tirar o gosto de trava do caju. O

ter um emprego formal e a certeza de rece-

líquido é engarrafado e passa pelo proces-

ber o salário todo final do mês, pois, quan-

so de cozimento dentro da própria garrafa

do chega o período de estiagem, o trabalho

lacrada, momento em que ela fica com a

complica para a vida dos agricultores.

cor amarelo-âmbar. Não é fermentado e tão pouco contém teor alcoólico, nem glú-

CAJUÍNA

ten. A validade é de 12 meses.

O sol ainda não tinha dado trégua e já

A safra do caju é no segundo semes-

era hora do almoço. As famílias estavam

tre do ano, nos meses de setembro, ou-

recolhidas e as crianças saíam da escola,

tubro, novembro, período em que todos

eufóricas para irem para suas casas. Sa-

trabalham intensamente para garantir a

ímos da casa de Antônio Daniel e fomos

entressafra, ou seja, poder abastecer os

até a casa de Lincoln Carvalho, fabricante

mercados com os produtos durante todo

da cajuína Guarani. No caminho, aprovei-

o ano. Lincoln diz que o sucesso do em-

tamos para fazer algumas fotos. Já próxi-

preendimento está na administração, na

mos, vimos a marca Guarani pintada nos

qualidade do produto e no empenho da

muros das bodegas.

família que participa desde a extração do

Não foi preciso bater palmas e nem

sumo até o envasamento. A organização

gritar “oh! de casa”, como é costume no

é um dos critérios importantes na sua

sertão. Tocamos a campainha e logo apa-

gestão, pois produz em um trimestre para

receu Lincoln, que nos convidou a entrar,

atender a demanda de todo o ano.

salvando-nos do calor que fazia lá fora. Ele

Ao deixarmos a família de Lincoln, an-

é pai de dois rapazes. Um deles veio até a

tes de chegarmos à rodovia para tomar-

sala, acompanhado da mãe. Lincoln expli-

mos o caminho para Fortaleza, vimos di-

cou que não estavam produzindo a cajuí-

versos fachos de lenha dos cajueiros nos

na no momento. Estava preocupado com

terreiros de algumas casas. A lenha tam-

a seca que assola o sertão e sua região.

bém é vendida e levada por caminhões

“Isso é ruim para a produção do caju”, dis-

que passam ali na estrada.

50 Dezembro 2012

D

Curiosidades do caju BOTAR A JANGADA NO MAR Os pescadores usam os rolos dos caules do cajueiro para levar a jangada da praia para o mar.

IMPERMEABILIZAR A ROUPA DO PESCADOR A casca do cajueiro azedo é retirada.

Cortados os pedaços, são colocados imediatamente num caldeirão com bastante água e não se pode deixar para cozinhar no dia seguinte porque a casca fica dura. Coloca-se a roupa do pescador (tecido de morim branco) e deixa-se cozinhar por bastante tempo. Depois de cozida, a roupa já está preparada para ser usada por ele, que sai nas madrugadas para pescar e está protegido do frio do mar, pois a roupa está impermeabilizada e também conserva mais o tecido da roupa.

MEDICINA CASEIRA Para cicatrizar um ferimento deixa-se a casca do cajueiro de molho e coloca-se sobre o ferimento.

RODOLPHO TEÓFILO Foi ele o criador da cajuína em 1900, com a ideia de acabar com o alcoolismo.

CAJU E CASTANHA É nome de uma dupla de repentistas que cantam emboladas e forró.

NA LITERATURA O caju também é citado no livro Iracema, do escritor José de Alencar [...] A virgem aponta para o estrangeiro e diz: — Ele veio, pai.

— Veio bem. É Tupã que traz o hóspede à cabana de Araquém.

Assim dizendo, o pajé passou o cachimbo ao estrangeiro; e entraram ambos na cabana.

O mancebo sentou-se na rede principal, suspensa no centro da habitação.

Iracema acendeu o fogo da hospitalidade; e trouxe o que havia de provisões para satisfazer a fome e a sede: trouxe o resto da caça, a farinha-d’água, os frutos silvestres, os favos de mel e o vinho de caju e ananás.

Depois a virgem entrou com a igaçaba, que enchera na fonte próxima de água fresca para lavar o rosto e as mãos do estrangeiro. ÁGUA COLADA No processo de preparo da cajuína, depois de prensado o caju e separados a fibra e o sumo, resta o líquido que é chamado de água colada, bebida muito apreciada pelo cajucultor.

MOCORORÓ Para preparar essa bebida, precisa-se apenas colocar em uma vasilha fechada o suco

puro do caju e enterrar no chão por aproximadamente 3 a 4 dias. Quando retirado, ele está fermentado e com teor alcoólico. Algumas pessoas dizem que é como uma aguardente, um vinho de caju ou licor.

ALUÁ DE CAJU Coloca-se num pote de barro o suco do caju com miolo de pão.

Deixa-se por 3 dias, escorre-se e pode ser adoçado com rapadura ou açúcar.

DOCE DE CAJU Ingredientes: 20 cajus maduros; 1 litro de água para cozinhar; 2 xícaras (chá) de açúcar; 2 xícaras (chá) de água; 1 Xícara (chá) de suco de limão; Biscoitos doces à vontade.

Com uma faca afiada, retire a castanha dos cajus e corte uma fatia de 1 cm da parte inferior (onde fica a castanha). Descasque as frutas, faça pequenos furos na polpa usando um palito. Esprema-as ligeiramente e reserve. Coloque 1 litro de água em uma panela grande, acrescente os cajus, suco de limão. Deixe cozinhar por 10 minutos em fogo alto. Retire e escorra.

Em uma panela média, coloque o açúcar e a água, leve ao fogo alto, mexendo até que o açúcar se dissolva por completo. Junte os cajus e cozinhe até ferver. Abaixe o fogo e cozinhe por 1 hora até os cajus ficarem cozidos e a calda ficar ligeiramente grossa. Sirva com alguns biscoitos no prato.

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ENTREVISTA

“Não tenho orgasmo pelicular” TEXTO E FOTOS

Q

Hamlet Victor

uem escuta o cineasta e roteirista Francis Gomes Vale contar como aconteceu seu primeiro contato com o cinema vai se lembrar do filme “Cinema Paradiso”, um clássico em homenagem à sétima arte dirigido por Giuseppe Tornatore, em 1988. Tal

qual na ficção, Vale passou uma boa parte de sua infância dentro das salas do Cine Teatro Poty, comprado por seu pai no início dos anos 50. Desde então, a paixão pelo cinema não parou mais, nem a admiração pelos seus ídolos dos antigos faroestes americanos.

Mas não parece ser um saudosista. No seu escritório, onde ele recebeu a reportagem d’A Ponte para uma entrevista, em um sala do Shopping Avenida, no bairro Aldeota, não se veem fotografias que registrem o passado ou esboços de algum antigo trabalho. Apenas as paredes aparecem emolduradas com alguns pôsteres de filmes nacionais, do início dos anos 2000. Em uma prateleira, podem ser vistos troféus de festivais de anos anteriores e alguns cópias de DVDs com seu mais novo filme, intitulado “Dom Fragoso”.

Ele presenteia a reportagem com uma dessas cópias explicando que é dessa forma que está fazendo a divulgação do filme, distribuindo cópias pessoalmente. Diz que foi a saída que encontrou para não ter de pagar milhares de reais em divulgação. Aliás, ele não poupa críticas aos editais de cinema lançados pelo Governo Federal, que incentivam a produção de filmes em película. Para o diretor, uma câmera e uma boa ideia bastam para a produção de filmes de qualquer natureza. Também não se cansa de criticar os barões da comunicação, que monopolizam as produções e destinam mais espaço para filmes estrangeiros, ignorando os produtos nacionais e estaduais. Confira as ideias e aspirações futuras desse cearense nascido em Crateús (a 350 Km de Fortaleza, Ceará), em 1945.

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Vale, no seu escrit贸rio, onde concedeu a entrevista

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A Ponte: onte: As histórias cearenses rendem m boas tramas no cinema?

Francis ncis Vale: O ceará é riquíssimo em histórias. stórias. Contos, crônicas, são tantas histórias boas que eu não quero criar nenhuma história. Os filmes de ficção que eu fiz, dois curtas, são de histórias as daqui, melhores que as de TV. Então elas foram adaptadas. Em uma não, nessa essa eu intervi, criei os diálogos, mexendo ndo aqui e ali, mas as histórias estão aí.

AP: Dos filmes realizados por você, qual possui mais caráter cearense?

FV: Bom, “Carnaúba, a árvore da vida” da” foi uma primeira experiência, ência, que tinha a ver com a terra, com o Ceará, né? Essa sa árvore-símbolo, que era ra adorada pelos índios, era utilizada para tudo. Até a raiz dela eles queimavam ueimavam pra tirar o sal e temperar a comida. ida. Aquela arvore e é um símbolo do Ceará. ará. Além de ser belíssima, líssima, possui a característica acterística de produzir duzir cera.

Essa coisa oisa toda era fantástica tica pra mim, era grandiosa. iosa. Mas o que eu considero nsidero que vá ter a maior or importância é esse daí [aponta ponta para o DVD de “Dom Fragoso”]. so”]. Não por causa de mim, mas por or causa dele, do que ele fez, do resultado ultado do trabalho dele na cabeça a das pessoas. De antemão, pra mim, im, ele já é um filme bem sucedido. ido. Não em relação a dinheiro, iro, mas vou fazer exibições gratuitas tas e vou levar o DVD para

PERFIL Francis Gomes Vale NACIONALIDADE Brasileira IDADE 67 ATIVIDADES Cineastra, roterista e advogado

55 Dezembro 2012

A maioria dos que vivem de audiovisual, no Ceará vivem da publicidade. De cinema independente não tem condições.

O mercado não permite”

quem quiser comprar.

AP: Qual filme representa melhor o caráter do povo cearense?

FV: Depende muito de como você olhar. O filme do Halder Gomes, “Cine Holiúdy”, um curta, tem muito do espírito moleque cearense. Então, eu acho que é o filme que mais representa o Ceará.

AP: Como foi o lançamento do seu novo filme “Dom Fragoso”?

FV: A minha ideia era fazer um média-metragem. Daí fui cortando, mas acabou ficando com 71 minutos, um longa. Aí, eu fui procurar saber quanto custaria lançar o filme nas salas da cidade. De cara, eu tinha que conseguir um mínimo de R$150 mil pra fazer o lançamento, pra dar pra grande mídia.

Sei de gente que investiu 60, 70 mil e recebeu retorno de R$7 mil, do que sobrou da bilheteria. Mandei fazer mil DVDs e comecei a vender e distribuir.

Em Crateús deixei 400, já foram vendidos mais de 200.

AP: Como está o cenário para o cinema no Ceará?

FV: Hoje, a democracia cinematográfica está vindo através do digital, né? Câmeras cada vez mais acessíveis. O grande problema da gente era câmera, na época. Houve até uma inversão daquela frase “uma

câmera na mão e uma ideia na cabeça”. A gente passa o tempo com uma “ideia na mão e uma câmera na cabeça”. Essa era a nossa dificuldade, tecnológica.

AP: A produção de um filme, atualmente, é muito cara?

FV: É nada, rapaz! Hoje, você pega uma câmera, um fotógrafo, assistente, alguém pra cuidar do som e pronto.

Com uma equipe de três pessoas você faz um documentário. Realizei um com eu, um câmera e meu filho cuidando do som. Com R$5 mil você faz. Claro que faz na camaradagem. Esse não é o preço mesmo. Mas faz!

AP: Na sua opinião, qual seria o grande triunfo do nosso cinema?

FV: É difícil a gente medir assim.

Eu acho que um grande triunfo que nós tivemos foi abrir caminho para o “Bezerra de Menezes”, do Glauber Filho e do Joe Pimentel. Que é um trabalho meritório do Luíz Eduardo Girão, que há algum tempo fazia o Festival de Teatro Transcendental. Ele viu um mercado para esse tipo de cinema. Então, pegou um personagem cearense, importante no mundo do espiritismo, além de político e um grande intelectual, e produziu esse filme, que teve um público de mais de 600 mil pessoas.

Agora, ao lado desse, temos aí a vitória de muitos filmes, muitos curtas cearenses premiados em festivais internacionais. É porque ninguém ainda se deu ao trabalho de catalogar.

AP: Mas, no caso dos curtasmetragens, eles são pouco vistos na televisão.

FV: Os curta-metragens do cinema do nosso Estado fazem o maior sucesso.

Festival Digital O Festival de Jericoacoara Cinema Digital é organizado pela Anhamum Produções Audiovisual Ltda., da qual Francis Vale é sócio-gerente. A primeira edição do Festival foi realizada pelo cineasta a pedido de um amigo pessoal, que já conhecia a experiência do diretor na organização de eventos voltados para a área do audiovisual.

Desde a sua criação, presta pelo modo digital de produção de filmes, deixando a película de lado. O festival realizou, em 2012, a sua terceira edição. Dentro da programação do Festival são oferecidas oficinas para que o público tenha contato com as câmeras, aparelhos de som e outros objetos que fazem parte da produção de um filme. Além disso, há também espaço para debates e discussões em torno da cultura brasileira. Todos os filmes exibidos, durante o Festival, são produções nacionais.

Troféus do Festival de Jericoacoara

56 Dezembro 2012

pessoas se encontram e conversam nas mesas dos restaurantes e bares. E também nos seminários e debates que acontecem nos festivais. Então o futuro dos cinemas brasileiros tá aí, nesses lugares.

É pouco divulgado porque ainda tem jornalista que acha que cinema é só longa-metragem, ainda tem jornalista que inventa isso. Porque o mercado impõe nas salas isso. As televisões impõem isso. Você vê um curta, percebe que o pessoal é mais solto. Não tá preocupado em alimentar o mercado.

Infelizmente, o mercado ainda não se abriu pra eles. Mas vai se abrir.

AP: O Festival de Cinema de Jericoacoara, produzido por você, dá recursos para novos diretores?

FV: Sim, a garotada de lá, das escolas públicas. Nós selecionamos 12 estudantes, ensinamos o “bé-abá” ali e partimos pra fazer o vídeo.

Eles dizem como querem e o nosso pessoal vai operando. Nos outros dias, a gente pega esses garotos e faz com que peguem na câmera, usem a ilha de edição. Também ensinamos noções de animação para eles.

Ao lado da animação, mostramos também a trilha sonora, como a coloca, se usa música já feita ou não, criamos a própria trilha, mostramos como deve ser em um momento dramático ou no alegre. No festival, a gente também traz uma galera mais antiga, pra dar seminários, falar sobre cinema independente, de sustentabilidade. Mostramos como nossa região tem história e dizemos: “Olha, molecada, tá aí, tudo pronto para cinema digital”.

AP: Você sempre apoiou a inserção do cinema dentro das escolas, como forma de ampliar o conhecimento dos alunos, apesar de isso não ter se concretizado. Como isso poderia ser feito hoje, além do que você já faz durante o Festival?

FV: Rapaz, é questão de vontade política. O negócio é levar para as escolas esses filmes educativos. Pegar um curta de um conto do Moreira Campos e levar. Aí você pode mandar o pessoal ler o conto, comparar com o curta, olhar a composição visual, perceber as diferenças, entendeu? O problema é que os administradores ainda não entenderam a importância do audiovisual. Seria até uma chance de a gente vender nossas produções, ao invés de consumir só o que vem de fora.

AP: Qual é a sua opinião sobre os cineclubes do Estado?

FV: O cineclube está voltando.

E vai ficar. É dos cineclubes que vai sair a turma. O conhecimento técnico aprendido na escola junto das discussões do cineclube gera um grande aprendizado. Grandes diretores brasileiros saíram dos cineclubes. Eu acredito neles e nos pequenos festivais.

Os grandes só têm vaidade, o pessoal todo engomado. E não acontece nada.

Acontece nos pequenos, quando as

Ano passado, lá em Jericoacoara, tinha filme, curta cearense digital de seis ou sete municípios, fora Fortaleza. Tinha de Acaraú, Quixeré, Limoeiro... E estes filmes do interior foram premiados lá”

AP: Está mais fácil conseguir auxílio financeiro para a realização dos filmes?

FV: Tem um edital da Prefeitura que dá R$ 300 mil por ano para várias coisas. Também tem um edital anual do governo do estado que dá direito a várias categorias. Mas tem burocracia demais para as produções. Os filmes são feitos, mas não tem onde serem exibidos!

57 Dezembro 2012

Mostramos como nossa região tem história e dizemos: ‘Olha, molecada, tá aí, tudo pronto para o cinema digital’”

AP: No Ceará, é possível ganhar a vida sendo somente diretor de cinema?

FV: É difícil. Não sobrevive. Sobrevive se for fazer publicidade, vídeos institucionais. Aí abre o mercado. A maioria dos que vivem de audiovisual no Ceará vivem da publicidade.

De cinema independente, não tem condições. O mercado não permite.

AP: E já houve, para o nosso cinema, alguma “era de ouro”?

FV: Não acho que tenha havido, não.

Acho que a “era de ouro” é hoje, visto que tem muita gente fazendo [filme].

Vai melhorar a questão da quantidade e da qualidade. Quando se tem muita gente produzindo, quantidade e qualidade melhoram. Por isso muitas vezes o cinema do Rio e São Paulo é melhor que o nosso, em qualidade técnica. Em criatividade, nem tanto. É como na música: um cara pega um violão, começa a tocar sozinho e aprende. Daqui a pouco tá compondo.

Com o cinema é a mesma coisa.

AP: É possível acreditar que, no futuro, o Ceará possa ser um pólo produtor de cinema, como São Paulo?

FV: Olha, eu vejo que no Ceará estão acontecendo muitas coisas boas. Ano passado, lá em Jericoacoara [Festival de Cinema de Jericoacoara], tinha filme, curta cearense digital de seis ou sete municípios, fora Fortaleza. Tinha

de Acaraú, Quixeré, Limoeiro... E estes filmes do interior foram premiados lá. Vai acontecer alguma coisa, se ninguém derrubar a gente na área.

Gastando dinheiro com equipamento, os equipamentos estão aí! Ao invés de fazer construções faraônicas, deveriam aumentar os prêmios para o (cinema) digital, para curtas, para filmes pequenos, porque o mercado vai se abrir pra eles. Não vai ser pro longametragem.

AP: E os saudosistas da película, como se sentem em relação ao digital?

FV: Eles vem com: “Ah, tem que fazer um longa, em 35mm...”. Há um bom tempo que eu brinco, dizendo que é o

pessoal do “orgasmo pelicular”. Não é isso. Cinema é imagem em movimento.

A fotografia já passou por isso. Antes era a película, hoje é o cartão de memória.

AP: E você sente falta dos tempos de filmagem usando a Super-8?

FV: [Responde balançando a cabeça negativamente] A minha forma de cinema é essa daqui, com monitor, controlando a câmera à distância, dizendo: “Olha, enquadra melhor isso, puxa mais pra direita essa daqui”. E a melhor imagem é a digital, fica cada vez mais nítida. Eu não sou saudosista da película, não. Não tenho orgasmo pelicular.

58 Dezembro 2012

D

DIVERSOS

Programas

“Bom que nem presta” TEXTO

Lise Ane Alves e Hyana Rocha

FOTOS

Hyana Rocha

O cearense é dono de linguagens e personalidades únicas. Nos meios de comunicação mais populares no Estado, a rádio e a televisão, destacam-se programas como Sábado Alegre, apresentado por Will Nogueira, às 20h30. E o João Inácio Show, na rádio 810 AM, que vai ao ar de segunda a sexta-feira, das 13h às 16h.

E

m visita ao Sábado Alegre observa-

Para criar novos quadros, ela está sempre

descreve como muito emocionante por ter

mos que a plateia é bastante hetero-

de olho no que tem de novo nos programas

proporcionado ao campeão a realização de

gênea, unidas somente pela cearen-

nacionais e internacionais. Às vezes, fazem

um sonho.

sidade. O público expressa a sua satisfação

uma readaptação de programas antigos

de estar no programa com gritos, muitas

que não estão mais sendo veiculados. Estes

PERSONAGENS

risadas e o humor que é tão marcante no

são testados a cada quinze dias para ver se

De acordo com a produtora do programa,

nosso Estado. “Ieeii, Cadeê tú, bota fogo ca-

agradam ao público. Melina diz que Will é um

o traço cearense do Sábado Alegre está

baré”, são expressões que ouvimos diversas

apresentador que gosta de mudanças, então

presente no próprio Will, que é uma figura

vezes e a qualquer momento, mas, em espe-

isso ajuda bastante a produção.

bastante caricata, e no linguajar cearense.

cial, no quadro Show da Prancheta. A plateia

Para ela, todo sábado é marcante, por-

é bastante participativa e dá o seu jeito de

que, quando termina, tem a sensação de

representam o Ceará, como o Luiz Cruz e o

aparecer.

Inclusive pelas

presenças de figuras que

dever cumprido. Principalmente porque o

Diassis Martins. Então, o fato de estar fazen-

Melina Menezes, produtora do programa,

programa é ao vivo, ou seja, nada pode sair

do quadros na rua, pegando pessoas para

diz que a maior dificuldade encontrada na

errado. A produtora lembra de um programa

participarem do programa, indo aos lugares

produção de um programa de auditório é sa-

especial em que houve a realização do con-

para saber o que está tocando nos rádios da

ber o que o público quer. Como o programa

curso Novos Cantores, com a banda Mastruz

população cearense, o torna bastante próxi-

é ao vivo, a percepção do público é imedia-

com Leite. Nesse concurso ofereceram um

mo do povo, que é o foco principal, já que

ta. Dá para saber quando o programa está

prêmio que, segundo Melina, nenhum pro-

avaliam o retorno do programa de acordo

agradando e se não há dificuldades técnicas.

grama da televisão local já tinha oferecido

com o público daqui.

Como o Sábado Alegre é um programa de teor

antes, um carro. A questão técnica desse

Os participantes do auditório são perso-

musical, tudo deve estar relacionado com a

concurso foi muito complicada, exigiu bas-

nagens essenciais. Duas delas, a dona Maria

música. Ela diz receber sugestões por e-mail e

tante dedicação. Foram dois meses de pre-

Tereza, que se denomina Maria do Auditório,

de pessoas que ligam para participar.

paração de fase até chegar ao final, que ela

e dona Maria Aurineide, se autodenominam

59 Dezembro 2012

Programa Sรกbado Alegre, com Will Nogueira

60 Dezembro 2012

D

O Sábado Alegre O diretor da FM 93, Will Nogueira, é o apresentador do programa Sábado Alegre, na TV Diário. Sua paixão sempre foi a música. Com isso tornou-se conhecido no País e várias atrações do mundo artístico já apareceram nos palcos comandados por Nogueira. O sotaque cearense é predominante no locutor e nas gravações usadas no programa. “O Sábado Alegre é exatamente a alma do cearense, que gosta de música, de festas, que gosta de humor, de improviso, que gosta de saber das novidades, de notícias. Todos esses ingredientes estão no Sábado Alegre”, diz Nogueira.

O apresentador explica que o seu programa é mais voltado para um segmento específico do público cearense. “Hoje, a televisão no Ceará oferece várias opções com programações voltadas para o público, e ele consegue perceber uma segmentação da programação da TV. No caso do Sábado Alegre, é um programa voltado para as classes C e D, principalmente a classe C, que hoje é a classe dominante no Brasil com um poder de compra muito grande e um número infinito de televisores ligados na TV Diário”.

A reportagem constatou isso ao assistir junto com a plateia a um dos programas. O que varia é a idade. Foi possível observar que as pessoas se sentem bastante à vontade em expressarem suas emoções. Elas se sente em casa, e tem uma relação quase pessoal com todos os que fazem o programa. Uma senhora perguntou para uma dançarina do Mastruz com Leite se ela tinha cortado o cabelo. O clima é de muita animação, uns riem dos outros, em especial, no Show da Prancheta..

Will Nogueira Nasceu em Janeiro de 1979.

Graduado em Educação Física e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará, é fã de artistas como: Roberto Carlos, Marisa Monte e Maria Betânia.

61 Dezembro 2012

as criadoras do programa. Cizinho é outro participante cativo de um dos quadros do programa: o Show da Prancheta. Dona Maria Tereza, que acompanha o Sábado Alegre

João Inácio Show

desde quando era adolescente, diz que adora participar do auditório porque representa para ela uma diversão. Ela considera o programa mais destinado ao público cearense por ter a participação de bandas de Forró, que é considerado o ritmo local.

Dona Maria Aurineide sempre gostou de participar de programa de auditório, considera o Sábado Alegre como sua segunda casa. Diz que já ganhou bastantes brindes no programa. Cizinho, que gosta de banda de forró, encontra no programa uma maneira mais fácil de estar próximo aos seus ídolos.

Ele decidiu participar do Show da Prancheta porque gosta de cantar e, principalmente, aparecer. Considera a audiência do programa relevante e, ao participar, gosta quando as pessoas o reconhecem na rua. Cizinho já ganhou vários brindes do programa..

Já no rádio, o programa João Inácio Show é um destaque para muitos cearenses. Trata-se de um programa de variedades que apresenta desde notícias policiais a fofocas, e que atinge um público das mais diversas classes. O radialista é conhecido por ser uma pessoa comunicativa e que consegue passar simplicidade. De acordo com Cláudia Leite, uma das produtoras do programa, o maior desafio é o de sempre informar o ouvinte. “Eu não sou estrela, o comunicador não é, quem tem que ser a estrela é a informação”, frisa.

Por ser ao vivo, ela explica que é preciso contar com muitas fontes de informação. Precisa ter uma boa lista de contatos e credibilidade. Procuram não passar informações erradas, mas às vezes erram, e quando corrigem, muitos já não estão ouvindo mais. “A gente trabalha com a perspectiva de erro zero, isso é o mais importante”, ressalta Cláudia. É perceptível o envolvimento dela com o programa.

João Inácio Júnior explica que “ao idealizar esse programa, eu procurei ver qual o formato mais próximo das pessoas.

Então a linguagem do programa é bem cearense e bem popular. Pela maneira como expomos a notícia e pelos próprios personagens do programa, ele é muito cearense”. É visível no apresentador o amor pelo que faz. E sabe que conta com uma audiência popular fiel. “Não existe nenhum programa de rádio no Brasil que tenha a cara do nosso. Fazer do jornalismo, das informações, das notícias um espetáculo, em que é misturado o humor com a informação, quando cabe o humor.

Então, os nossos personagens, todos bem cearenses, fazem com que as pessoas façam essa referência. Elas se referem ao programa como um programa do povo, um programa que atinge todas as classes sociais e todas as faixas etárias”.

João Inácio Júnior Iniciou sua carreira em 1976, na Rádio Clube de Fortaleza. Entrou em 1978 na TV Verdes Mares e lá passou 22 anos apresentando telejornais. No início dos anos 80, entrou na Rádio Verdes Mares AM com o programa “João Inácio Show”.

62 Dezembro 2012

63

D

DIVERSOS

Dezembro 2012

Ceará moleque TEXTO

Farley Aguiar e Vinícius Moreira

FOTOS

Arquivo pessoal

“Um ladrão roubou e foi preso. Quando ele chegou na delegacia, seu advogado já estava esperando. Então o ladrão disse: – Doutor, me defenda, que a boca tá quente! A boca tá quente! Olhe, se eu pegar 10 anos de cadeia eu só lhe dou mil reais. Agora, se eu pegar só um ano de cadeia, eu lhe dou 10 mil reais.

O Advogado olhou para o ladrão e disse: – Deixe comigo!

E foi conversar com o delegado. Quando ele voltou, disse para o ladrão: – Você está me devendo 10 mil reais, viu? Pegou só um ano de cadeia.

E olhe que eu trabalhei muito. O delegado queria lhe soltar”.

Não é novidade falar que o Ceará é o celeiro dos humoristas do Brasil. Da região, muitos daqueles que se dispuseram a fazer rir alcançaram grandes destaques pelo País e pelo mundo, inclusive na mídia nacional. Renato Aragão, Tiririca, Falcão, Tom Cavalcante e, claro, Chico Anísio - considerado por muitos brasileiros o mestre do humor nacional - são exemplos do sucesso do humor cearense. Quem nunca riu com Tiririca cantando a música Florentina?

Da esquerda para a direita: Tom Cavalcante, Tiririca e Chico Anysio.

64 Dezembro 2012

D

Tipos de Humor mo or Agregador: É aquela pessoa soa que conta piadas, faz gracinha aeé engraçada com o intuito de unir nir as pessoas e fazê-las se sentirem bem. É o tipo de humor que reduz tensões nsõess num grupo - e, por isso também, m, cos-tuma ser o mais popular de todos. dos.

Agressivo: É o humor usado para ra criticar ou manipular os outros.

Sarcasmo, ironia e provocaçõess são as armas favoritas dessas pessoas, oas, que acham graça em rir dos outros u ros ut para se colocar numa p posição ç maiss bacana. a.

Auto-depreciativo: epreciativo: Conhece algum um gordinho que faz piada da com seu peso para que ue os outros riam?

Pois ele e tem o humor auto-depreciativo, epreciativo, que ri de si mesmo como mecanismo mo de defesa e para arrancar ar gargalhadas alheias. s.

Otimista: a: É a pessoa que e se diverte sozinha, ha, e que mantém m um olhar positivo ositivo mesmo o em momentos ntos de estresse e ou nervosismo. smo. É o humor mor de bem m com a vida, mas que não o necessariamente ente faz os outros rir. ir.

Da a esquerda esquer e da d para ad direita: Lail Lailtinho i tinho h Brega, Bre ega, Ciro Santos.

65 Dezembro 2012

Foto: Farley Aguiar

O

utros exemplos são as trapalhadas utro

na e civilizada”. Com o tempo, a expressão

de Renato Aragão e Cia, que fize-

“Ceará moleque” foi se tornando comum

ram muita gente rir no programa

nas

publicações

Trapalhões ou o bêbado João Canabrava, Os Trapalhõe

da

época.

personagem de Tom Cavalcante, sucesso no

longo do século,

década de 1990, na Escolinha do início da déc

a prática do hu-

ou ainda o bordão: “E o Professor Raimundo, Ra

mor passou a ser

salário, ô...”, quando o Professor Raimundo,

empregada

interpretado por Chico Anísio, simulava uma sala de aula em que outros humoristas faziam o papel de alunos nos fins das tardes da semana.

Ao

Isso não é uma característica exclusiva do cearense. Vários outros povos são sofridos e muitos autores de pas- deles usam humor e outros não usam tanto quins com o intuiMárcio Acselrad por

to de denunciar atitudes

imorais

Desde o século XIX, o

dos cidadãos, chamando a atenção de ma-

Ceará é denominado “Ceará

neira cômica o que se denomina de humor

moleque”, mas, a princípio, a exm

de costumes. Exemplo disso é a publicação

pressão não foi usada para retrap

de uma folha pasquineira, em 2 de maio de

tar um povo alegre e irreverente, ta

1897, que levava o nome de “Ceará Moleque

como conhecemos hoje, e sim com

– Revista Caricata”, e que buscava retratar o

para retratar um povo atrasado, par

cotidiano da Fortaleza do século XIX.

nobreza e canalha. Isso era o que sem n

Hoje, Fortaleza é uma metrópole, a 5ª

muitos intelectuais da época davam a

maior do Brasil, com cerca de 3.232, 000

entender entende em suas publicações, mesmo

habitantes, mas seu povo parece não ter

em um m momento em que o País passa-

perdido a veia humorística. Lugares como a

va por transformações importantes, devido trans

praça José de Alencar e a do Ferreira, além

a sua declaração de independência políticodeclar

do calçadão da Beira-Mar - locais públicos

-administrativa -administrati em 1822. Mas, o que se com-

na capital cearense - tornaram-se palcos

preendia é q que, mesmo com as mudanças

tradicionais de muito riso. No entanto, se-

urbanas que estavam acontecendo, Fortale-

gundo o professor Márcio Acselrad, doutor

za estava longe lon de ser uma cidade “moder-

em Comunicação e Cultura e pesquisador do

O que faz rir? E do que se ri?

Não há uma explicação Nã específica para essas perguntas. A específi diversidade cultural permite diversas diversid interpretações sobre o riso. Segundo interpre o filósofo filósof francês Henri-Louis Berg“para entender o riso é preciso son, “pa recolocá-lo em seu meio natural, que recoloc é preciso determinar é a sociedade; so oci função útil, que é uma função ssua su a fun n social”. so oci cial al”.

Nem sempre se ri das mesmas coisas. Um paulista pode chegar ao Ceará, tentar contar uma piada e não alcançar seu objetivo maior, arrancar o riso de quem a ouve, porque o texto dela pode não estar enquadrado no contexto do humor cearense. Da mesma forma, pode acontecer o contrário. Ou ainda: se o mesmo paulista for contar sua piada

no Rio de Janeiro, talvez ele possa conseguir êxito naquilo que espera.

A palavra riso é originária da palavra latina risus e significa, segundo o Dicionário Aurélio, ato ou efeito de rir; alegria; zombaria e escárnio. Já a palavra humor significa: 1. Qualquer fluido líquido contido nos corpos organizados; 7. Disposição de ânimo; 8. Temperamento e índole.

66 Dezembro 2012

D

Laboratório de Estudos do Humor e do Riso

A galera começava a sacanear e eu chegava,

(Labgraça), da Universidade de Fortaleza, a

fazia a maior graça do mundo e ironizava.

tendência humorística não é algo particular

Todo mundo gosta de um pouco de brega”,

do Ceará, mas do ser humano em geral. En-

lembra.

O público espera ver a Virgínia, que é minha personagem, bonita, gostosa, com brilho, bem vestida, cheirosa. Eu realmente vivo isso

tretanto, reconhece que o cearense possui

Hoje, com mais de 20 anos de carreira,

uma forma própria de fazer humor que não

Lailtinho, que encontrava inspiração nos tra-

tem explicação e que encanta. Mas afirmar

balhos de Chico Anysio e Renato Aragão, viu

que o povo do Ceará é “gaiato” para tentar

a profissionalização do humor se consolidar

se vingar da pobreza ou da fome é ques-

no Ceará. “O boom do humor surgiu e com

tionável, na opinião do professor Acselrad.

ele uma indústria do humor. Hoje, nós temos

“Isso não é uma característica exclusiva do

um público de 2 milhões, estatisticamente

cearense. Vários outros povos são sofridos

falando, de expectadores por ano. Essa in-

ro, volto sempre com três, quatro, cinco, seis,

e muitos deles usam o humor e outros não

dústria movimenta um recurso muito bom.

roupas novas. Vou para São Paulo, compro ma-

usam tanto”. Para alguns estudiosos, como

Hoje o humorista vive com um padrão de

terial. Então, eu estou sempre renovando isso.

Acselrad, humor é a capacidade de transfor-

vida muito bom e, como toda profissão bem

Nós, que vivemos personagens, temos que ter

mar a tragédia em comédia.

sucedida, aparecem outros porque o humor

essa preocupação”, afirma Santos.

tem que dar continuidade”, afirma.

HUMOR A LA CARTE

Ciro Santos

Outro exemplo é Alex Dias. Natural de Mi-

Atualmente, o humor de bar se espalhou

nas Gerais, de família de circo, trabalhou por

No início de 1987, o humor tornou-se atra-

pela Cidade. À noite, lugares como o Beira

10 anos no picadeiro. Às vezes, é contratado

ção em bares e pizzarias da capital cearen-

Mar Grill, na Praia de Iracema, são pontos

para se apresentar em festas de crianças. Ele

se. Eram os festivais bregas, inaugurados

quase que obrigatórios não apenas dos for-

continua fazendo números de circo, porém, no

no Pirata Bar, na Praia de Iracema. Lailtinho

talezenses, mas também dos turistas que vi-

calçadão da Beira-Mar. Quando seu arco, en-

Brega, humorista, foi uma das revelações

sitam Fortaleza. Para Lailtinho Brega, a bes-

volto por facas, está montado, uma multidão

daquele período. “Eu sempre fui criado no

teira é a base do humor. “No meu espetáculo

o rodeia na expectativa de ver seus números.

mundo da MPB, mas tenho uma predestina-

eu tenho uma hora ou uma hora e meia pra

“Eu via uns amigos contando piadas aqui na

ção muito grande ao romântico brega. En-

contar besteira. A besteira é a base da sabe-

Beira-Mar e resolvi passar a contar umas que

tão, quando eu ia fazer meus shows, a galera

doria. O Tiririca não é só para crianças. Ele

eu tinha na minha apresentação e deu certo.

cantava MPB e eu entrava na parte do brega.

também é para adultos, porque é um humor

Então, eu percebi que era mais legal fazer um

tão absurdo, que, quem precisa somos nós,

show com humor também. O povo gosta des-

os adultos. Por que é que você acha que o

sa mistura. Dessa coisa de pular faca, fazer

Chaves é sucesso até hoje? Porque a fórmula

uma mágica e soltar uma piada.

do Chaves é a besteira. De realidade, nós já

Eu sempre fui criado no mundo da MPB, mas eu tenho uma predestinação muito grande ao romântico brega.

Hoje o humorista vive com um padrão de vida muito bom e, como toda profissão bem sucedida, aparecem outros. Porque o humor tem que dar continuidade Lailtinho Brega

estamos cheios”.

Hoje, enquanto executa seu número, ele tira boas gargalhadas das pessoas que lhe assistem. Assim, percebeu a importância do

PERSONAGENS

humor no seu trabalho e na sua vida. Alex

Uma característica marcante no humor cea-

sonha em ter um circo. Enquanto não conse-

rense é a criação de personagens, em geral

gue seu objetivo, vai mostrando seu traba-

femininos, mas interpretados por homens.

lho e divertindo as pessoas que passam pela

É o caso do carioca Ciro Santos, ex-bancá-

Beira-Mar.

rio que hoje atua como humorista e vive a

Com o mercado do humor ascendente, a

personagem Virgínia. “O público espera ver

partir da década de 1990, os humoristas lu-

a Virgínia, que é minha personagem, bonita,

taram para serem reconhecidos como profis-

gostosa, com brilho, bem vestida, cheirosa.

sionais. Assim, se organizaram na Associação

Eu realmente vivo isso. Meu guarda-roupas é

Cearense dos Humoristas, que atualmente é

muito extenso. Quando vou para o Rio de Janei-

presidida por Lailtinho Brega.

67 Dezembro 2012

No Ceará, para rir é só começar UM BREVE HISTÓRICO DOS PRINCIPAIS HUMORISTAS CEA RENSES Em 12 de abril de 1931, nascia na cidade de Maranguape no Ceará, Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho, conhecido no meio artístico como Chico Anysio. Chico trilhou sua carreira humorística exposta nos inúmeros personagens por ele criados, personificando cada um dele com características dis-

tintas e com teor inteligível ou não.

O Ceará, que é nacionalmente conhecido por “Terra do humor”, conta com outros humoristas dos mais diversos tipos. Por onde passam deixam suas marcas de alegria, carregando até mesmo no seu linguajar palavras que despertam a curiosidade de quem não as conhece, causando com isso o riso do ouvinte. “Oh pissite” é com esta e outras que o humorista

Renato Aragão, com seu personagem Didi Mocó Sonrisal Colesterol, vem alegrando durante largos anos o público infantil e também adulto. E o que seria o mocó do pseudônimo dele, se não um pequeno animal em extinção.

No início, em que os shows eram em pizzarias, vimos humoristas como Tom Cavalcante e Tiririca, dando seus primeiros passos. Hoje estão se destacando na televisão e também na política.

68 Dezembro 2012

D

DIVERSOS

“Maria, Maria é um dom, uma certa magia, uma força que nos alerta / Mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre / Quem traz no corpo a marca Maria, Maria mistura a dor e a alegria / Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter sonho sempre / Quem traz na pele essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida”

Determinação e perseverança são traços marcantes da personalidade da mulher cearense na história e na cultura da nossa terra. No passado, nomes como os de Bárbara de Alencar e Jovita Feitosa tornaram-se referência para muitas mulheres. Mais recentemente, Rachel de Queiroz, que fez da seca um romance social e de fundo realista, ou Maria da Penha, que calou as agressões impunes às mulheres brasileiras, servem para ilustrar o seu perfil. Hoje, a personalidade da mulher cearense se faz sentir em todos os segmentos da vida social, política, cultural e econômica. No âmbito do empreendedorismo, A Ponte ouviu a história de duas cearenses de sucesso. O primeiro relato é de Normânia Diniz, 47 anos, dona das lojas Lugage. O segundo é de Celma Prata, 55 anos, diretora e editora do Jornal AgroValor. Elas contam, em primeira pessoa, as vicissitudes que enfrentaram antes de consolidarem seus negócios.

E

u sou filha de pais comerciantes, de

eu vim estudar aqui [em Fortaleza] com 14

avós comerciantes, então não dá pra

anos, dentro da loja, eu servia café, limpava

negar esse bichinho que cutucou. Às

as motos. A coisa que eu tinha mais medo

vezes, eu fico me perguntando: ‘Se eu não

era quando ele me mandava passar ligação,

fosse comerciante, eu seria o quê?’ E, até

porque eu era craque de passar interurbano

como comerciante, eu fico me perguntando

errado, aí levava um carão.

em que é que eu sou boa.

*arretada - pessoa corajosa, valente

TEXTO E FOTOS

Bruna Salmito Felizola e Ravena Sombra Martins da Silva

arretadas

*

Empreendedoras

(Maria, Maria, de Milton Nascimento e Fernando Brant)

Então, desde muito cedo, eu achava aquele

O meu pai era fabricante de cadeiras e

movimento muito interessante. E eu comecei,

móveis de ferro. Eu não tenho como não falar

antes disso mesmo, a fazer coisa na escola pra

de mim, se eu não falar do meu pai, porque,

vender. Quando eu comecei a estudar, aqui,

em alguns momentos, eu fico percebendo

eu comecei a ter algumas vontades de ter um

que estou repetindo a mesma história, os

sapato a mais, porque eu sou louca por sapato.

conflitos que ele viveu de ter que inovar pra

Papai sempre deu dinheiro pra educação, pra

poder se manter.

saúde, mas a gente não tinha aquela facilidade

Ele fez um negócio que não teve muito

de ter as coisas, entendeu? Com 17 anos, eu

sucesso. Foi um momento muito difícil pra

trabalhei em uma creche, pra poder fazer meu

gente. E a gente ficou assim, lá em casa: ‘Quê

dinheiro. Eu comecei a fazer vitrine e bijuteria.

que vai acontecer com a gente?’ O papai pegou

Uma amiga minha disse: ‘Normânia, eu tenho

uma revenda da Honda. Ele é um homem que

uma amiga que mora no Rio. Por que tu não

é autodidata, e botou a revenda da Honda no

pega umas coisas lá?’

interior. Quando eu ia passar férias lá - porque

Aí, mandei um dinheiro emprestado do

69 Dezembro Outubro 2012

Normânia Diniz, 47 anos, dona das lojas Lugage

meu pai e mandei comprar. Só que ela trouxe

levar pra faculdade, todo dia, e fazia bijuteria.

do condomínio’. Eu fui assumindo algumas

[roupa] fitness! E aí?! Eu tinha que pagar

Aí comecei a vender em repartição pública.

despesas de casa. Na sacola, entendeu?

aquela conta, concorda comigo? Eu nunca fui

Tudo na sacola.

Continha no papelzinho, onde as pessoas

macaca de academia. O que é que eu ia fazer

Eu não posso desconsiderar que tive

com aquelas roupas de ginástica, pelo amor de

minhas facilidades na vida, porque eu tinha

Deus? E eu tinha que pagar uma conta, porque

um canto bom pra morar, eu tinha um carro.

meu pai queria receber. A minha irmã tinha

Eu só não tinha grana e a grana era eu que

uma loja e ela me cedeu o fornecedor pra eu

tinha que fazer. Meu pai me colocou assim: ‘Eu

pagar a conta, porque só de bijuteria não dava

te dou educação, te dou saúde e te dou um

pra pagar a dívida. E o que aconteceu? Eu não

transporte, te vira’. Então, com 17, 18 anos

consegui mais largar o fornecedor. Eu comecei

eu já tava me virando. Ao chegar o ponto de

a comprar e comecei a revender. Eu comecei a

dizer: ‘Papai, não precisa mais pagar a conta

Tinha um monte de sapinho subindo na parede, aí o povo gritava: ‘Tu não vai conseguir, tu vai cair, tu vai cair’.

70 Outubro 2012

D

tinham palavra, não precisava: ‘Devo não

morar, eu vou sair daqui. Vou arranjar um

nego, pagarei quando puder’.

canto pra morar, porque eu não ganho dinheiro da minha casa, é da minha loja.

No meu quarto, eu tinha um móvel de aço com duas prateleiras. Eu me lembro, eu olhei uma vez e falei: ‘No dia que esse armário estiver cheio de roupa’. Eu comecei a gostar

Às vezes, eu fico me perguntando: ‘Se eu não fosse comerciante, eu seria o quê?’”.

Comigo aconteceu assim: muito choro por trás. Tem momentos de insucesso, quando a gente perdeu a loja do [Shopping] Aldeota.

O prejuízo que a gente teve lá consumiu as

da história. Resolvi pegar um ônibus, com

outras duas [lojas]. A gente tinha loja no

18 anos, e me mandar pra São Paulo e pra Petrópolis [RJ]. Pensei assim: ‘Se essa mulher

A gente montou uma estrutura simples e,

[Shopping] Avenida, aqui, e no [Shopping]

vai lá e pega, porque que eu não posso pegar

em determinado momento, o que aconteceu

Aldeota. Eu perdi meu ponto, mas foi tudo

isso e algo mais, entendeu?’

foi que o Detran [Departamento Estadual

negociado com todos os fornecedores e a

de Trânsito] começou a multar os carros, lá

gente conseguiu pagar todo mundo.

Eu fiz isso

muitos anos.

Eu morava num apartamento e um

na frente. Aí, eu digo: ‘Só tem uma opção,

Apareceu a oportunidade pra eu ir pra [rua]

movimento maior de gente foi tomando conta

entre alugar outra casa e um canto pra

Barbosa de Feitas. O cara acreditou na gente.

do guarda-roupa e depois de um quarto.

Comecei a receber as pessoas num quarto.

Tinha uma casa na frente [do prédio] e eu pedi ao papai: ‘Papai, aluga aquela casa pra eu testar, pra ver se é isso que eu quero’. E assim ele fez. Eu passei um ano nessa casa. Foi quando eu decidi casar. Aí eu fui de novo pro papai: ‘Papai, a gente tá querendo casar. Eu já fiz uma prova que dá pra gente viver disso, por que o senhor não vende o seu apartamento e me dá essa força?’. Começamos aqui, na Virgílio Távora. Eu digo que, nessa rua, nós somos os pioneiros no comércio. Começou aqui. Na salinha da frente e a gente morava atrás. As pessoas começaram a frequentar mais, eu comecei a ter um estoque maior dentro de casa. Gente, era tão mais fácil, tão mais fácil, vocês não têm noção.

A gente não tinha tanta complicação fiscal.

A gente não tinha tanta contabilidade pra fazer, ou eu não tinha noção disso, porque uma coisa é você fazer uma faculdade de moda, de administração e acontecer. Outra é você ir aprendendo com o tempo, na marra.

Foi a questão de gostar de gente, de gostar do movimento. Quando o Gabriel [filho] nasceu, eu continuava em casa, atendendo clientes.

Então era assim: um peito amamentando e a boca vendendo, literalmente.

Aí apareceu uma oportunidade, na época, de comprar um ponto, aqui na Coronel Jucá.

71

PERFIL

Dezembro Outubro 2012

M

E, menina, a grana apareceu. E eu vou dizer,

eu pai era comerciante, sempre

eu não tinha grana pra fazer aquele ponto. Aí, o

teve seu próprio negócio. ‘Sem-

que foi que aconteceu? Foi um sucesso.

pre foi seu próprio patrão’, como

E, assim, uma gratidão eterna com a minha

se costuma dizer. Os irmãos dele também.

equipe, no sentido de, nos momentos difíceis,

Então, eu sempre convivi com isso, embora

estavam lá pra apoiar.

meu trabalho não tenha qualquer semelhança

Eu fui muito discriminada lá fora. Em São

com o que ele fazia, não houve sucessor. Após

Paulo, teve uma vez que eu cheguei lá, e não

trabalhar anos no serviço público, na área da

me venderam [a crédito], porque eu não tinha

Educação - minha primeira graduação foi em

cara de quem tinha loja. E eu tive que pagar à

Pedagogia eu me preparei para trabalhar com

vista. Mas isso foi só parte da minha história,

Marketing e estruturei o departamento de

entendeu? Não me incomodou ao ponto de

Marketing da empresa do meu marido. Em

fazer com que eu desistisse.

2007, fui estudar Jornalismo para poder assu-

Vocês não têm noção do que é chegar

mir a editoria do jornal fundado em 2006.

a São Paulo, num ônibus daquele. A gente

A ideia do Jornal [AgroValor]partiu do meu

dorme, acorda, dorme, acorda, dorme. Você

marido. Eu e meus filhos apoiamos e colo-

não tem noção, [eram] galinha, rapadura,

camos em prática. Quando começamos a

menino chorando, era o sonho de todo

investir em agronegócio (genética de ovinos

mundo ir pra São Paulo ganhar a vida, há

Dorper), meu marido percebeu a lacuna de

vinte anos.

veículos impressos no setor.

Eu sou uma trabalhadora que ama o que

O mercado é muito exigente e fazer jor-

faz. E que espero viver muito tempo ainda nessa história. Eu não queria parar de trabalhar, porque meu pai, quando parou de trabalhar, morreu. Tá vivo. Mas ele morreu pra ele.

O convívio com as outras pessoas é em total sintonia, cuidamos para que o entusiasmo esteja sempre presente. Somos apaixonados pelo que fazemos”.

A gente tem que amar o que faz. Quando você gosta daquilo, você corre atrás e tenta fazer diferente. Não deu certo aqui, mas vai lá. Eu sou muito teimosa. Uma vez uma irmã minha mandou um e-mail pra mim dizendo: ‘Isso é a tua cara: a história dos sapinhos’.

Tinha um monte de sapinho subindo na parede, aí o povo gritava: ‘Tu não vai conseguir, tu vai

nal é caro, requer grande capital, tanto fi-

cair, tu vai cair’. Aí, o sapo chegou lá em cima.

nanceiro quanto intelectual. Quando se lida

Perguntaram pra ele o segredo. Ele disse:

com a informação e a notícia, e ainda mais

‘Hãn?’ O bicho era surdo. E ele só conseguiu

no nosso caso, com foco no agronegócio –

porque era surdo.

um segmento que vem liderando os núme-

Mas, hoje, a gente tem que saber qual a

ros da economia nacional –, é preciso estar

diferença entre a teimosia e a persistência.

bem preparado para atender as expectativas

Quando você teima muito numa coisa, você

de um público específico, exigente, que são

corre o risco de cair, porque era aquilo que

Celma Prata, 55

os empreendedores do setor. Existem ainda

você queria e você fica cega. Então, talvez eu

anos, diretora e

poucos veículos no Brasil. Na grande mídia

nem seja teimosa. Às vezes, eu sou e quebro a

editora do Jornal

de TV, tem o Globo Rural e os seus regio-

cara, mas eu sou perseverante. Até o dia que

AgroValor

nais, além de alguns canais por assinatura.

Deus permitir que eu seja dessa forma.

No impresso, algumas revistas como a DBO,

72 Outubro 2012

D

a Globo Rural, da Editora Globo, a Dinheiro

No impresso é muito corrido, como em

ras. O cearense, seja homem ou mulher, é

Rural, da Editora 3 e outras de menor porte.

todo veículo de comunicação. Temos periodi-

um povo muito persistente, tem um espírito

Lideramos no formato veículo impresso.

cidade mensal, mas trabalhamos cotidiana-

inovador. A habilidade para o empreendedo-

Algo que aconteceu que mudou minha

mente com o aprofundamento das notícias.

rismo foi uma conquista natural da evolução

vida, primeiro, foi a decisão da minha filha

No portal, operamos com a alimentação

feminina. Talvez a maior de todo o século XX.

largar Direito para fazer Jornalismo. Depois,

constante da notícia pontual. Nossa equipe é

Por sua natureza, e também pela própria cul-

a minha própria decisão de me preparar para

enxuta e muito cuidadosa com o que produz.

tura, a mulher se preocupa mais com o bem-

assumir a editoria do impresso. Isso marcou

Quando perceberam a presença do AgroVa-

-estar das pessoas que estão a sua volta, o

lor nos principais eventos do agronegócio do

que considero muito positivo, pois humaniza

Encaro o destaque como resultado natu-

País, a questão da origem deixou de ser rele-

e suaviza o estresse do ambiente de trabalho.

ral do meu constante esforço para me espe-

vante. Além disso, lançamos o Portal para am-

Somos de um estado considerado pobre,

cializar no setor, pois infelizmente as grades

pliar ainda mais o nosso alcance, eliminando

com muitos problemas sociais, então somos

curriculares dos cursos de Jornalismo não

qualquer barreira regional ou mesmo nacional.

naturalmente ‘treinados’ para lidar com cri-

estão em sintonia com os anseios do merca-

O convívio com as outras pessoas é em

ses, administrando melhor e superando os

do. Senti na própria pele e temos dificuldade

total sintonia, cuidamos para que o entusias-

obstáculos que certamente fazem parte do

de encontrar profissionais para atuar nessa

mo esteja sempre presente. Somos apaixo-

mundo empreendedor e corporativo. Diria

área. No AgroValor, preparamos o repórter

nados pelo que fazemos.

que provavelmente lidamos (nós, mulheres)

nossas vidas e atuais profissões.

para atuar no setor.

Existem muitas iniciativas empreendedo-

melhor com as adversidade”.