Revista A Ponte # 6

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Cartas Prêmio: A Ponte na Expocom Cultura Anos 80: a volta dos que não foram Ecologia Árvores: a falta que elas fazem Economia Tecnologia: perfumes, milhas, telefonia Capa Futebol: arte do subúrbio Nossas Pontes Do outro lado: vida atravessada Ensaio Centro: beleza inesperada Comportamento Gordinhas: elas estão com tudo Cultura Resistência: herança negra no Ceará Comportamento Bórdeis: histórias do desejo Saúde Compulsão: insatisfação que gera doença Cultura Couro: a arte de Espedito Seleiro Saúde Acupuntura: a disputa de quem pode praticar Cultura Rendeiros: homens quebram tabu Perfil Cy Vila Nova: a saga de um andarilho Crônica Estréia: novo espaço para a literatura Artes Cordel: a história de Ismália Opinião Escola da Ponte: pois, pois... cá como lá

Editorial Estamos com fôlego renovado: premiados na última Expocom, animamo-nos a novas experimentações na Ponte. Agora o que nos move são as possibilidades de aproximação entre Jornalismo e Literatura. A subjetividade e o olhar literário ganharam espaço nas reportagens e em duas novas seções: Nossas Pontes e Crônica. No ensaio fotográfico, as imagens do Centro de Fortaleza, assinadas por Raphael Villar, revelam uma beleza da qual a “objetividade” não dá conta. Nesta travessia, inventamos, ousamos crescer e nos unir a outros em renovadas parcerias. A vida nos instiga. Geísa Mattos e Antônio Simões, coordenação editorial Revista do Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza Centro de Ciências Humanas - Universidade de Fortaleza - Fundação Edson Queiroz Diretor do Centro de Ciências Humanas: José Batista de Lima / Coordenadora do Curso de Jornalismo: Erotilde Honório / Conselho Editorial: Erotilde Honório, Adriana Santiago e Jocélio Leal/ Coordenação Editorial: Geísa Mattos e Antônio Simões / Auxiliares de Edição: André Luiz Britto, Cristina Yolanda, Rebecca Collares e Saulo Rêgo / Editor de Crônica: Batista de Lima / Coordenação de Produção Gráfica: Aderson Sampaio / Supervisão de Fotografia: Marcelo Barbalho / Supervisão Gráfica: Francisco Roberto / Impressão: Gráfica da UNIFOR / Foto de Capa: João Luís / Capa: Eduardo Martins / 2ª Capa: Agência de Publicidade - NIC / 3ª Capa: Anne Nogueira / Brígia Amaro / Projeto Gráfico: Eduardo Martins / Diagramação: Eduardo Martins e Paulo Victor / Redação: Alunos da disciplina Princípios e Técnicas de Jornalismo Impresso II (2006.1) / Revisão: Cláudia Matos / Suporte Técnico: Aldeci Tomaz.


Prêmio

Completa

A PONTE transportou-nos ao pódio da EXPOCOM. Estamos fazendo o certo. Contamos com uma equipe que tem sabido lapidar a matéria-prima. É clara a importância de termos um Laboratório estruturado, onde alunos produzem um jornalismo responsável. O terceiro lugar tem significado inquestionável. Fomos, vimos e vencemos. Temos consciência de que devemos nos empenhar em crescer em número e excelência, abrindo as portas do ensino de qualidade, cidadão e responsável a quem deseje compartilhar o conhecimento. Que possamos construir novas pontes, em todos os sentidos e direções, que nos aproximem e nos tornem mais dignos e felizes.

É com muita admiração que falo d’A Ponte. Meus colegas de curso se mostram cada vez mais ousados, fazendo um trabalho de qualidade, que vai desde o belo projeto gráfico, passando pela escolha das pautas, indo até a produção das reportagens. É o tipo de revista que dá prazer ler da primeira à última página. E nessa edição de nº. 5, entre todas as ótimas matérias, uma atenção para a reportagem sobre o universo da umbanda, um relato esclarecedor e sem preconceitos. Parabéns a todos os que estão por trás desse maravilhoso produto. Essa revista é, sem dúvidas, motivo de orgulho para o curso de Jornalismo da Unifor.

Erotilde Honório, coordenadora do Curso de Jornalismo da Unifor

Luiza Holanda, estudante de Jornalismo Unifor (8º semestre)

Evolução

Orgulho

Crescimento

A Ponte é uma revista pênsil, suspensa no espaço entre a teoria e a prática. Permite que os alunos simulem os desafios da produção sem que as limitações características do mercado interfiram no processo criativo. O resultado da iniciativa é uma evolução a cada número lançado: na abordagem de temas interessantes e controversos e uma série de melhoras na diagramação. Os esforços investidos na edição passada (Nº. 5) resultaram na classificação da revista na 13ª EXPOCOM.

Olá, equipe do Labjor! Escrevo para elogiar o trabalho feito pelos alunos, professores e colaboradores na realização da revista A Ponte. Uma publicação acadêmica de excelente qualidade que é ao mesmo tempo informativa e agradável, sempre trazendo aos seus leitores a pesquisa e discussão de temas atuais e de grande relevância. Tudo feito com muito primor e dedicação; um orgulho para os alunos do curso de Comunicação Social da Universidade de Fortaleza. Abraços!

Parabenizo a toda a equipe da Revista A Ponte, alunos e professores do Curso de Jornalismo da Unifor, pelo alto nível dessa publicação. Destaco não apenas o belíssimo projeto gráfico mas, sobretudo, o ótimo conteúdo. Pude ler matérias sobre temas atuais com uma abordagem bem interessante. Fico feliz em saber que o mercado da comunicação terá, em breve, outros profissionais bem qualificados para ocupar espaços nas redações.

Daniel Cavalcante, estudante de Jornalismo Unifor (2º semestre)

Elisiane Campos, estudante de Jornalismo Unifor (2º semestre)

Chagas Vieira, diretor de Jornalismo TV Jangadeiro

Ajude a construir A Ponte: escreva para equipelabjor@yahoo.com.br


O arraso dos ANOS 80 · texto · isabel bessa · martha dos martins · isabel medal ·

Gabriela tem 36 anos. Aos 12, ouvia Balão Mágico e sonhava em ser a Sheera, irmã de He-Man. Aos 14, brincava com seu Pogobol e mascava muitos chicletes Ploc. Aos 16, descobriu o underground e virou fã do Barão Vermelho. Gabi lembra do arraso, gíria para sucesso dos anos 80, uma época chocante, sinônimo de legal naquela década.


Apesar de ser uma personagem fictícia, Gabriela se parece com muitos cearenses que viveram intensamente a década de 80. Eles trazem na memória fatos e ideologias de uma época que, apesar de passada, teima em voltar. Em pleno 2006, as invenções tecnológicas e facilidades da vida moderna não conseguiram apagar da memória das pessoas os anos 80. Computadores, videogames e outros jogos de última geração disputam a atenção das crianças com o Autorama, o Forte Apache ou as Fofoletes, brinquedos comuns da infância daquela época que voltaram a ser vendidos recentemente. E, a despeito dos desenhos animados computadorizados que a televisão exibe hoje, os personagens dos anos 80, como os Ursinhos Carinhosos e a Hello Kitty, também fazem o maior sucesso: o He-Man até já ganhou uma versão atualizada. Mas é mesmo entre os jovens que viveram a infância nos anos 80 que a década está mais presente: o desenho da Moranguinho estampa os cadernos das universitárias, enquanto boates e as modernas raves são constantemente trocadas por festas com temáticas daquele tem-

po, onde as pessoas se divertem ao som de grupos infanto-juvenis da época, como “Balão Mágico”, “Trem da Alegria” e “Dominó”. Segundo o estudante de Direito Anderson Veras, 22 anos, os anos 80 são inesquecíveis porque trouxeram elementos que perderam a força nos dias de hoje, como os programas infantis, desenhos animados e brinquedos de ação. Para ele, os desenhos, os programas e os brinquedos eram melhores. Anderson também lembra que naquela época todas as crianças assistiam o programa da Xuxa e brincavam de Playmobil, enquanto hoje as crianças só brincam de videogame e na Internet. Ele acredita que talvez não tenha havido infância melhor do que a da década de 80. “Foi uma época muito saudável para as crianças. Nós brincávamos com os primeiros videogames, mas também jogávamos futebol de botão, carimba e futebol, experimentamos brincadeiras de rua e brinquedos eletrônicos”, analisa. Para Anderson, a infância atual não será tão marcante quanto a dos anos 80 porque não existe nenhum brinquedo realmente popular, nenhum desenho ou programa infantil de muito sucesso. Ele acredita que, da-


qui a 20 anos, as crianças de agora não terão muitas coisas para lembrar.

Gloriosos anos 80 A estudante de jornalismo, Julyanna Albuquerque, 23 anos, é uma das pessoas que continuam escutando músicas que surgiram na década de 80. Ela nasceu no começo dos anos 80, mas acha que aproveitou, musicalmente, muitas coisas da década. Ela ressalta que a sua mãe escutava muito A-Ha e Men at Work. Isso, segundo Julyanna, contribuiu para o fato de ela também gostar dessas músicas. “Eu continuo escutando por conta da efervescência cultural da década de 80 e tudo o mais”, afirma. Atribui-se também a esta década o nascimento do rock brasileiro, movimento que surgiu para aproveitar a onda do estilo musical que já havia se consagrado mundialmente nos anos 70. Bandas como o Ultraje a Rigor e Ira! permanecem ativas até hoje, fazendo apresentações por todo o Brasil. Outras bandas e artistas da época, como Legião Urbana e Renato Russo, foram imortalizados e tocam nas rádios atualmente, devido ao grande sucesso entre o público, principalmente adolescentes.

A psicóloga Isabel Coelho, 32 anos, foi uma das adolescentes que acompanharam esse nascimento do rock brasileiro. Isabel adorava, e ainda adora, Legião Urbana e Capital Inicial. Para ela, essa década foi marcante por conta da “bagunça cultural” e pelo rompimento com o convencional. De acordo com Isabel, os jovens dos anos 80 eram muito diferentes dos de hoje. Para ela, naquela época existia uma revolta adolescente, mas com muita ingenuidade. Além disso, Isabel acredita que tudo era muito mais espontâneo. Ela também assume sentir muitas saudades daquela década. “Foi a melhor época de todas, por isso todo mundo quer revivê-la”, opina. Engana-se quem acha que a década de 80 só está em alta entre os saudosistas. Pessoas que nasceram nos anos 90 também “relembram” a época, indo a festas e ouvindo músicas de mais de 20 anos atrás. É o caso do estudante Daniel Couto, 17 anos. Ele nasceu em junho de 1988, mas mesmo assim gosta das bandas que surgiram nessa década, como o Lobão e o Barão Vermelho. O que agrada mais nesses cantores, segundo Daniel, são as letras,


pois elas são mais profundas, mais reflexivas. Um exemplo é o caso do Biquini Cavadão. Aqui no Ceará, a banda era mais conhecida pelos jovens que viveram na década de 80. Contudo, depois de uma série de shows em um festival local, os rapazes deslancharam de vez, principalmente entre os adolescentes que ainda nem eram nascidos quando a banda começou a gravar suas primeiras músicas. O vocalista do Bíquini Cavadão, Bruno Gouveia, acredita que as pessoas mais novas sofreram influência dos pais, tios, primos, amigos mais velhos. Ele explica que viveu algo parecido na década de 80, quando ouvia músicas e discos antigos de Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Mutantes. Para ele, quando uma música é boa, as pessoas curtem independentemente do tempo. Uma prova disso, segundo Bruno, é o surgimento de novos fãs dos Beatles todos os anos. Já para Léo Jaime, ex-vocalista da extinta banda “João Penca & Seus Miquinhos Amestrados”, a década de 80 foi revolucionária e coloriu o País, por isso desperta tanto interesse. De acordo com ele, o sucesso atingiu um espectro único, mistu-

rando todas as classes e faixas etárias, e isso foi um momento colorido e divertido. O cantor também acredita que as pessoas tendem a rejeitar a década que passou e a pesquisar a anterior. “Assim como é mais fácil se dar bem com os avós do que com os pais”, compara.

“Não agüento mais anos 80” Simultaneamente ao movimento pró-anos 80, há também quem não agüente mais ouvir falar da comentada década. Para a dona da comunidade virtual que questiona a volta dos anos 80, Emília Aes, o movimento já chegou onde deveria. “Não é que eu não goste dos anos 80, mas essa confusão está de bom tamanho”, diz a descrição da comunidade. A estudante Marília Melo, 17 anos, concorda com Emília. Para ela, os anos 80 são sinônimo de calças acima do umbigo, cabelos armados e muitas cores. Marília alega que naquela época todo mundo era feio, cafona e sem noção. Apesar das críticas, a estudante revela que gosta de músicas da época. “Algumas são bem legais, mas a maioria é muito brega”, ressalta.


Para a estudante de Medicina Stephanie Bachi, 21 anos, a década de 80 teve seus méritos e por isso não pode ser esquecida. Ela, que também é professora de piano, acredita que as pessoas não devem ficar olhando para o que já passou. “Essa década deve ser lembrada, mas também não podemos ficar sempre olhando para o passado. Ainda tem muita coisa boa para ser feita na música, por exemplo, além do que já foi feito nos anos 80”, afirma.

Nem tudo é “nostálgico” Para o doutor em Sociologia e professor dos departamentos de Ciências da Informação e Comunicação Social da UFC, Tadeu Feitosa, a volta aos anos 80 não é questão de nostalgia. Ele afirma que pelo fato de a cultura ser um processo ininterrupto, nós não revivemos algo porque é nostálgico, mas porque somos seres culturais e da tradição, e a cultura e a tradição são eminentemente retroativas. Segundo Tadeu, o resgate da cultura da época está estritamente ligado a levar ao conhecimento dos jovens da década 2000 uma tradição com a qual eles cresceram. “Acho esse resgate uma forma de fazer com que os jovens, que não viveram o

mesmo passado que nós mas têm esse passado escrito neles pela formação cultural de seus pais, bebam um pouco na fonte patricial”, enfatiza. De acordo com a mestra em Sociologia e professora do Centro de Ciências Humanas da Unifor, Rejane Reinaldo, a década de 80 é especial porque era o momento em que as pessoas estavam apreciando as conquistas obtidas nos anos 60 e 70, como a liberação sexual e a pílula anticoncepcional. As pessoas que viveram na década de 80, de acordo com Rejane, estavam desfrutando o produto de quase duas décadas de desejos, de afetos, de lutas. Para ela, isso faz com que os anos 80 sempre retornem, principalmente na música e na moda. A professora pensa que é um equívoco caracterizar a década de 80 como “perdida” ou “vazia”. “Isso acontece porque comparam a juventude dos anos 80 com os revolucionários dos anos 60, o que não tem nada a ver. Pelo contrário, a juventude dos anos 80 tem muito maior clareza do que quer e está desfrutando, lutando por algo mais e sendo mais revolucionária ainda”, explica ela, que acredita que os anos 80 trouxeram uma revolução no campo dos afetos.


O TESTEMUNHO das árvores · texto e fotos · lina de carvalho ·

As árvores de Fortaleza estão pedindo socorro. Não é difícil vermos periodicamente, nas páginas dos jornais, mais uma antiga árvore que desabou por falta de cuidados ou percebermos, dia após dia, que a área verde de nossa cidade diminuiu. Diante disso, buscamos avaliar nesta reportagem o quanto faz falta valorizarmos nossas árvores, suas histórias, suas necessidades e os benefícios que elas trazem para a qualidade de vida dos habitantes da cidade.


As árvores são fáceis de achar, ficam plantadas no chão. Mamam do céu pelas folhas E pela terra Bebem água Cantam no vento E recebem a chuva de galhos abertos (...) [As árvores, Arnaldo Antunes]

Umbuzeiro, mangaba, cajazeira, murici, xixá... Dá para imaginar que Fortaleza já foi repleta dessas árvores? Que na Praça do Ferreira já teve até mangueira e que as árvores centenárias da Avenida Santos Dumont iam até a Tibúrcio Cavalcante, começando no bosque da atual Praça da Bandeira, em frente ao Colégio Militar? É, além dos verdes (ainda mais verdes) dos vales do Rio Cocó e Ceará, as próprias praças, ruas e avenidas tinham ao longo de sua área exemplares e mais exemplares, principalmente de oitizeiros e benjamins (principal espécie botânica a ornamentar as ruas da capital há 40 anos), que nos davam a sombra nossa de cada dia. Além das espécies presentes nos logradouros públicos, uma boa parte da arborização da cidade era representada pelas árvores de fundo de quintal, a chamada arborização remanescente. Como lembra seu João Alencar, 79 anos, funcionário aposentado do Exército, que sempre esteve atento à problemática da arborização da cidade e já possuiu um quintal diversificado de espécies arbóreas: “todo mundo que se prezava em Fortaleza tinha um pezinho de sapoti no quintal, uma mangueira, um pé de sirigüela”. Recorda que a rica arborização da cidade, na década de 1950, tinha grande influência no clima da cidade, quando seus filhos tinham que dormir bem agasalhados devido ao ar fresco. Nessa época avenidas como a São Gerardo eram um corredor de árvores. “De um lado da avenida passavam os bondes, mas praticamente dois terços da avenida eram árvores que formavam

um túnel e você andava quarteirões e mais quarteirões na sombra do benjamim, era a coisa mais linda.” Seu João cita um curioso episódio na década de 1970 em que ele e mais quatro moradores da região próxima ao Hospital Militar cuidaram e aguaram durante anos as árvores presentes no bosque General Eudoro Corrêa, em frente ao Hospital. Ainda hoje existem lá três pés da espécie rara de nome xixá (um tipo de castanhola, antes presente em bairros como a Cidade 2000 e o Parque do Cocó) graças ao seu João Alencar, que as plantou e cuidou.

Corredor de árvores do Passeio Público


Marcelo Silva, presidente do Partido Verde e diretor da SER III

O ambiente na cidade É impossível falar em arborização urbana sem levar em consideração o modelo de cidade em que vivemos, que privilegia as ruas e avenidas aos lugares de encontro, como as praças e suas árvores. Embora sabendo que todo processo de urbanização causa agressões ao ecossistema, isso não pode se tornar uma desculpa para o descuido com relação ao verde. O biólogo e professor aposentado de Ecologia da UFC, Roberval Oliveira, defende a tese de que faz parte da essência do homem moderno, habitante das cidades, a velocidade e o desapego ao que é estático e necessita de atenção e cuidados mais demorados como, por exemplo, as árvores. “Parece proposital que o homem moderno não arborize as gran-

des metrópoles em virtude de estar sempre em fuga”, constata. O intenso processo de concentração humana nas urbes e o abandono do campo causam prejuízos irreversíveis. Torna-se ainda mais urgente uma revisão desse modelo de cidade. A cidade precisa ser vista como parte integrante da natureza, é preciso manter o máximo de equilíbrio nessa relação. De acordo com o biólogo Fábio Angeolleto, em artigo publicado no Jornal “O Povo” do dia 05 de fevereiro de 2006, “cabe aos ecólogos compreender o funcionamento dos ecossistemas urbanos, para propor formas de diminuição dos impactos ambientais causados por eles. Uma tarefa hercúlea, uma vez que não apenas dinâmicas ambientais comandam estes sistemas, mas também dinâmicas sociais, econômicas, culturais e políticas.” Segundo Angeolleto, uma maior atenção para com a vegetação pode diminuir o gasto com o consumo de energia elétrica. “Uma única árvore, se bem abastecida de água do subsolo, pode liberar 400 litros de água por dia/m2 de área, equivalente ao efeito produzido por cinco condicionadores de ar”, revela. Aliada à questão do resfriamento do ar, as árvores contribuem para a proteção dos solos contra a erosão, diminuem a poluição sonora, do ar, e criam uma maior ambiência para os pássaros. Um outro fator inerente ao desequilíbrio do micro clima urbano, provocado pela destruição da arborização, é a pavimentação ace-

(...) árvore da vida, Árvore querida Perdão pelo coração Que eu desenhei em você Com o nome do meu amor. [As árvores, Arnaldo Antunes]


que em Fortaleza (que já foi enviado para Brasília) e irá abranger a área que vai desde a lagoa do Porangabussu até o rio Maranguapinho. O parque será batizado com o nome da escritora cearense Raquel de Queiroz.

Nativas ou exóticas? O cuidado em relação à arborização de Fortaleza deve ser pensado não só em função da quantidade de árvores e no aumento de seu número, mas também em função das características específicas de cada espécie, de quais são as mais adequadas para o plantio

Rua Major Facundo e suas árvores na década de 1930

Museu da Imagem e do Som/Arquivo Nirez

lerada das ruas de Fortaleza. De acordo com o professor Roberval Oliveira, isso pode ser considerado um duplo crime, pois a água da chuva deixa de alimentar os lençóis freáticos por conta da impermeabilização do solo, e acaba sendo canalizada para o mar. A impermeabilização do solo, dessa maneira, impede as árvores de diminuírem o impacto do efeito estufa, visto que ocorre uma redução crescente desses lençóis. Enquanto isso, Fortaleza vai se tornando uma cidade cada vez mais quente. A respeito da existência de uma política pública voltada para uma prática da arborização adequada ao contexto urbano de Fortaleza, o presidente do Partido Verde e diretor da Secretaria Executiva Regional III (SER III), Marcelo Silva, afirma que se trata de um desafio e que o projeto de reforma está em fase de elaboração pela Prefeitura. Para ele as Regionais (órgãos submetidos à Prefeitura de Fortaleza) deveriam ter mais liberdade para interferir na questão ambiental. “Não existe, em nível administrativo, um órgão à altura das necessidades de se gerenciar ou manter as áreas verdes da cidade. Existe um departamento, mas é muito reduzido”, revela. Ele defende ainda a criação de um órgão ou secretaria que cuide especificamente disso, e cita, como exemplo, a Fundação de Parques e Jardins do Rio de Janeiro e a Secretaria do Verde, de São Paulo. Também fala sobre o projeto de criação de um grande par-


Gentilezas Urbanas Paola Braga busca parcerias para a associação

No bairro do Cocó, abraçado por um quadrilátero de altos prédios residenciais, pode-se encontrar um verdadeiro jardim urbano: a praça Martins Dourado que é fruto da colaboração de moradores locais e dos integrantes da Associação dos Amigos da Praça (Associamigos). A associação ganhou o prêmio Gentileza Urbana (fornecido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil), pelo trabalho de arborização e conservação desenvolvido na praça, construída efetivamente em 1991. O trabalho de cuidado com o local começou em 1984, por iniciativa dos antigos moradores, que aterraram e cercaram o terreno baldio que existia no local da praça, onde começaram também a plantar vários tipos de árvores. Já aconteceu um caso em que uma moradora pediu a permissão da assossiação para transplantar um pé de jasmim de sua casa para a praça, pois sua casa iria ser derrubada e com ela a árvore. Segundo Paola Braga, relações públicas da Associamigos, isso acontece porque as pessoas criaram uma relação de afetividade com o lugar e suas árvores e sentem-se incentivadas a ajudá-los. Todas as pessoas desse trabalho são pagas com a contribuição dos moradores, porém a Associamigos já conseguiu parcerias com a Prefeitura (que fornece os policiais da segurança pública e a água da Cagece para irrigar as plantas) e com algumas empresas que, em troca do trabalho oferecido, anunciam no jornalzinho da praça, de periodicidade bimestral e com tiragem de 2.500 exemplares. A associação está com vários projetos como, por exemplo, um plano de irrigação subterrânea da praça a partir de um poço profundo que está desativado. Além disso, querem desenvolver oficinas de futebol no campo de areia para as crianças que moram na região, tanto as que vivem nos prédios próximos como as das comunidades carentes vizinhas. A julgar pelo trabalho desenvolvido até hoje, essa próxima empreitada também será bem sucedida.

num ambiente urbano, se são árvores nativas ou exóticas... como afirma o estudante de Biologia, Marcelo Moro. “As árvores nativas, para se ter uma idéia, dificilmente são reconhecidas pela população e geralmente espécies estrangeiras são vistas como nativas. As “nossas” mangueiras e fícus benjamim são de fato espécies asiáticas”. Segundo o estudante, que está concluindo uma monografia sobre o tema e fazendo um levantamento das árvores presentes em bairros como Jardim América e Benfica, as árvores mais comuns em Fortaleza são quase todas exóticas. Ele afirma que essa exacerbação no plantio de árvores não-nativas acarreta problemas para

o meio ambiente da cidade como, por exemplo, a homogeneidade da paisagem, a redução da biodiversidade (prejudicando a fauna que depende das espécies nativas). A arborização fica mais suscetível a um ataque pela ocorrência de pragas, como a que aconteceu na década de 1960 com o aparecimento do inseto “lacerdinha”, que afetou um grande número de espécimes do fícus benjamim que existiam nas principais ruas da cidade. “O mais recomendável é que existam poucos indivíduos (espécimes) de cada espécie de árvore e muitas espécies representadas”, afirma. Segundo Marcelo, as espécies de árvores nativas que poderiam ser mais planta-


das em Fortaleza seriam o ipê amarelo e o roxo, o pau branco (muito comum no interior), a oiticica, o juazeiro (podemos encontrar alguns espécimes em frente ao Hospital Universitário do Porangabussu). O estudante atenta ainda para a problemática da relação da população de Fortaleza com as árvores, pois a poda feita sem critérios geralmente prejudica o crescimento das árvores e as impedem de cumprir sua função ecológica. De acordo com ele, deveria haver meios eficientes para denunciar as podas feitas irregularmente e a Prefeitura teria de possuir instrumentos para fazer as avaliações necessárias das árvores que realmente necessitam ser podadas. “As pessoas têm a cultura de que ‘a calçada é minha’ e conseqüentemente as árvores presentes nela também. Na verdade, a calçada e suas árvores pertencem à coletividade”, alerta.

As árvores e sua história Além do impacto ambiental que a redução da reserva de árvores pode causar, deve-se considerar também sua importância enquanto testemunhas da história viva de nossa cidade e como instrumentos de caracterização da própria identidade paisagística de Fortaleza. Testemunhas como o pau-brasil e o baobá (um dos únicos presentes em logradouro público, foi trazido da África e plantado por Senador Pompeu em meados do século XIX) plantados no centro do Passeio Público, antiga Praça dos Mártires. Testemunhas como o centenário fícus benjamim que desabou na Praça dos Leões no dia seis de abril de 2006, um local, assim como o Passeio Público, muito representativo da história fortalezense. Não podemos esquecer também da preservação e conservação dos nossos resistentes bosques (como o bosque General Eudoro Corrêa) e parques (como o Parque do Cocó, cada vez mais invadido pela especulação imobiliária, e o Adahil Barreto). “Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores”, Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. Se não foi suficiente não sermos cegos para perceber e valorizar as árvores que aqui existiam, que daqui pra frente saibamos enxergar as que ainda nos restam.

Árvores da Praça dos Leões


Tecnologia VOIP encurta distâncias

Provocando uma redução brutal de gastos com ligações, a tecnologia de se enviar pacotes de voz em redes de dados sobre o protocolo da internet está se popularizando cada vez mais entre os internautas e o meio corporativo · texto · lisiane linhares · tiago barreira · foto · tiago barreira ·

Em 2005, a estudante Rafaela Lima, de 17 anos, viajou para fazer intercâmbio na pequena cidade de Rathdrum, no estado americano de Idaho. Lá, ficou hospedada em uma casa em que o acesso à internet para conversar com parentes e amigos era raro. Diante dessa situação Regina, mãe da adolescente viu-se obrigada a buscar uma solução que possibilitasse uma comunicação freqüente e sem trazer grandes gastos. A saída encontrada foi a mesma que muitas pessoas estão utilizando mundo afora, a tecnologia VoIP, ou Voz por Protocolo da Internet (em inglês, Voice over Internet Protocol). No caso de Regina, o programa utilizado foi o Skype, que já atingiu cerca de cem milhões de usuários em todo o mundo. O software foi desenvolvido em 2003 pelo sueco Niklas Zennström em parceria com o dinamarquês Janus Friis (os mesmos criadores do Kazaa, programa de troca de arquivos pela internet).A tecnologia VoIP é utilizada para efe-

tuar chamadas telefônicas de um computador conectado à internet para outro (também conectado) ou para telefones convencionais e celulares, por um preço consideravelmente menor que os cobrados pelas operadoras de telefonia. Para se ter uma idéia, em uma chamada de 30 minutos de duração para a cidade de Rathdrum, a mãe da adolescente pagaria algo em torno de R$29,00, pela tarifa normal. Mesmo através do sistema de tarifas reduzidas de DDI de uma operadora local, por exemplo, a ligação ainda custaria aproximadamente R$20,00, levando em conta os impostos. Essa mesma chamada com a tecnologia VoIP custaria R$1,40. Para Regina, “a maior vantagem do Skype é mesmo a economia. Além disso, o programa é de fácil manuseio, mesmo para pessoas com pouco conhecimento em informática, como se julga Regina. “É só clicar e já estou falando”, comenta a mãe da adolescente, que beneficiase também do fato de que o site do Skype e o software estão disponíveis em português.

Regina utilizando a tecnologia VoIP


Expansão dos SIMILARES · texto · luzia rolim · aline romero ·

fotos

· jefferson chaves ·

Os perfumes similares prometem a mesma qualidade e aroma dos originais, entretanto, com um preço mais acessível, é o que afirma o coordenador de consultoria da loja Wu Cosméticos, Jaime Lessa. “O cosmético similar oferece um benefício em todas as cadeias, levando vantagem ao consumidor, em que o diferencial está na qualidade aliada ao preço”. Essa linha alternativa possui embalagens simples, diferente dos originais, o que visa baratear a produção e mostrar ao público-alvo que é uma inspiração, e não falsificação. Esse tipo de produto pode ser fabricado legalmente, desde que tenha inscrição na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para Sônia Amaral, assistente social, o fator que atrai na hora da escolha desse tipo de produto é o preço aliado à qualidade. É por essa linha que a estudante Marcela Santos orienta-se na hora da compra de perfu-

mes, “Gastava muito dinheiro com perfumes originais, e com esse mercado alternativo estou recebendo a mesma qualidade e gastando menos”, afirma. Apesar do aumento de mercado em relação aos perfumes similares, a venda dos originais não caiu. Um exemplo está no ramo de perfumes importados. Segundo Selena Santos, gerente da loja América News, loja de artigos originais que trabalha com o segmento de importados, a classe que compra esse tipo de produto não é a mesma que consome os similares. Similares e seus correspondentes originais (América News) WU COSMÉTICOS (SIMILAR) Eclipse R$ 39,70 Komand R$ 39,70 Extreme R$ 39,70 Pair R$ 39,70 Enigme R$ 39,70

PERFUMES ORIGINAIS Dolce e Gabbana F. R$328,00 Azarro R$ 500,00 Carolina Herrera R$ 256,00 Angel Inn R$ 189,00 Gabriela Sabatini R$ 250,00

MILHAS preocupam aviação · texto · igor farias · catharina moura ·

A compra e a venda de milhas aéreas está crescendo a cada dia e essa prática não é ilegal. Na Internet ou até mesmo nos classificados dos jornais já é possível encontrar pessoas à procura de negociar viagens com milhas. O que à primeira vista seria uma estratégia para fidelizar os clientes de empresas de aviação, em alguns casos, está tomando um rumo não desejado por essas organizações. Isso porque não é do interesse da companhia aérea que um cliente, ao adquirir pontos por meio de programas de milhas negocie esse beneficio, uma vez que essa milhagem é creditada gratuitamente no cartão fidelidade do passageiro. O interesse de pessoas por viajar através do programa só aumenta, devido ao baixo pre-

ço revendido pelos clientes beneficiados. Cada 10 mil milhas é um trecho para qualquer parte da América Latina e o preço de cada trecho varia de R$ 400 a R$ 600. Empresas como a TAM incentivam clientes cadastrados a viajarem com milhagem. O passageiro pode adquirir os pontos por meio de viagens feitas pela companhia que incentiva esse tipo de operação, ou usando o cartão de crédito que acumule pontos em qualquer estabelecimento comercial associado ao programa de milhagem.


SHOW

no SUBÚRBIO · texto · emersonmar silva · marcelo sales · fotos · jefferson chaves ·

Se na Copa do Mundo de 2006 o futebol-arte da seleção brasileira não apareceu, nos subúrbios de grandes cidades, como Fortaleza, o brilho e a habilidade dos jogadores nos tratos à bola empolgam entusiasmadas torcidas.


Falta na entrada da área. Keké ajeita a bola com carinho, a barreira está posicionada, a torcida atenta. O juiz autoriza a cobrança, Keké corre pra bola e chuta no ângulo, golaço. Esse lance poderia ter acontecido em qualquer lugar do mundo e o jogador poderia ser um rico e famoso ídolo de qualquer torcida. Contudo, a realidade é bem diferente. O lance aconteceu num campo de terra batida na grande Messejana, cerca de 15 quilômetros do centro de Fortaleza, e Keké é mais um que todos os domingos engrossa uma legião de atletas anônimos disputando animadas partidas de futebol de várzea pelos quatro cantos da cidade. Todos os domingos, o ritual é quase sempre o mesmo. O motorista Cleilson Rosa da Silva, 27, ou simplesmente Keké, como é mais conhecido na várzea, acorda 7h da manhã, toma café e vai à praia com sua namorada. Às 12h em ponto está de volta, um banho rápido, almoço e parte para o campo do Farias Lemos Futebol Clube, onde joga há cinco anos. O trajeto até o campo (um terreno situado no bairro Cambeba em Messejana) é curto, apenas um quilômetro separa o campo de sua casa. É lá que ele se encontra com a paixão que cultiva desde menino, a bola. Quando chega ao campo ele cumprimenta os amigos, fala com o dono do time, senta no chão embaixo do cajueiro que serve de vestiário e começa a se preparar para mais um amistoso. O jogo desse domingo é contra o IX de Julho do Pirambu. O local de onde o time é originário gera controvérsias sobre uma possível partida violen-

ta, pois o bairro do Pirambu, que está localizado na zona oeste da capital do Estado do Ceará, tem o estigma de ser associado à violência. Mesmo assim, o clima antes da partida é tranqüilo. O amigo e companheiro de time Adolfo Alison, 21, brinca com Keké, “hoje tem show hein?”. Cleilson calça o meião, põe sua chuteira e vai para o aquecimento. Na verdade não é bem um aquecimento, é só um bate-bola entre os jogadores, pois o sol das duas da tarde aquece até o cérebro. “Às vezes fico com dor de cabeça devido ao sol”, afirma Keké. Sujeito tímido fora de campo, dentro das quatro linhas Keké é falante: “As pessoas dizem que eu me transformo quando tou jogando”, afirma. Ele comanda o time. “Vamo marcá! Não dá moleza não!” Os gritos de Keké são somados aos gritos de alguns torcedores do time, como o vendedor Célio Vieira, 46, que todos os domingos não troca por nada um jogo do Farias Lemos. “Eu deixo de sair pros meus cantos pra vir pra cá, pra curtir, incentivar o time”. Segundo ele, vale tudo para prestigiar a equipe do coração. Sentado num tronco de carnaúba que serve de arquibancada e com uma lata de cerveja na mão, Célio parece inspirado pela bandeira vermelha e branca do seu time que, fincada no chão ao lado do campo, tremula ao sabor do vento.

Abaixo, Keké, o craque do Farias Lemos, um dos times do bairro Cambeba


O mapa do futebol amador em Fortaleza 01 Liga Esportiva Bom Jardim 02 Liga Esportiva Rodolfo Teófilo 03 Liga Desp. da Tríplice Aliança do Bom Jardim 04 Liga Desportiva da Maraponga 05 Liga Esportiva do Grande Serviluz 06 Liga Desportiva Alvorada Sapiranga 07 Liga Desportiva do Conj. São Miguel 08 Liga Esportiva Cultural Benef. do José Walter 09 Liga Centro Poliesportivo Tocantins 10 Liga Desportiva do Henrique Jorge 11 Liga Esportiva Cultural Benef. Sítio Córrego 12 Liga Unidos Pelo Esporte da Serrinha 13 Liga Esportiva do Grande Mucuripe 14 Associação da Liga do Planalto Airton Sena 15 Liga Cultural e Benef. dos Desp. da G. Portugal 16 Liga Wespc de Futebol do Conj. Esperança 17 Liga Desportiva do Conj. Ceará - LINDESC 18 União das Equipes Organizadas do Castelão 19 Liga Desp. do Parque Água Fria e Adjacências 20 Liga Esp. Integrada da Praia do Futuro e Luxou 21 Liga Esp. Benef. e Cultural do Parque Genibaú 22 Liga Esp. Cult Benef. da Vila Manoel Sátiro 23 Liga Esportiva do Grande Pirambu 24 Liga Esp. das Escolinhas de Futebol de Fortaleza 25 Liga Com. e Benef. dos Desp. do José Walter 26 Liga Com. Benef. dos Desp. da Granja Lisboa 27 Associação da Liga da Serrinha 28 Liga Esportiva Cultural Benef. Conj. Palmeiras 29 Liga Desportiva do Conjunto Esperança 30 Liga Esportiva Cultural e Beneficente Passaré 31 Super Liga Messejana de Desporto 32 Associação da Liga da Vila Betania 33 Liga Esportiva do Parque Dois Irmãos 34 Liga Esportiva do Conjunto Ceará 35 Liga Desportiva do Canidezinho 36 Liga Desportiva do Pici 37 Liga Esportiva do Quintino Cunha 38 Liga de Futebol e Futsal da Barra do Ceará 39 Liga Esportiva das Goiabeiras 40 Liga Esportiva do Vila Velha 41 Liga Esportiva Messejanense 42 Associação da Liga do Grande Mondubim

As ligas Em Fortaleza, existem 42 ligas de futebol amador cadastradas pela Secretaria do Esporte e Juventude do Ceará – SEJUV. Estas ligas estão espalhadas pelos mais diversos bairros, às vezes num mesmo bairro há mais de uma liga. Renato, dono do time Farias Lemos, é descrente com as ligas, segundo ele, as pessoas envolvidas só estão interessadas em ganhar dinheiro para si e não para os clubes. Já o Sr. José Alberto, 59, que é estatístico do IBGE e Relações Públicas do Messejana e da Super Liga enaltece as qualidades da liga. “O nosso lema é que, se prometer, vamos cumprir. Prometeu X recebe X, terminou o jogo foi decidido o campeão, recebe o troféu e o dinheiro”, afirmou. A SEJUV realizou a I Copa Popular de Futebol Suburbano de outubro de 2005 a março de 2006 e no segundo semestre desse ano terá a segunda edição. O campeonato contou com a participação das 42 ligas de Fortaleza. Foram disputadas 320 partidas e o campeão da categoria aspirante foi o São Raimundo, da Liga Rodolfo Teófilo, e como campeão da categoria titular, o Levive, da Liga de Vila Velha.


Dados obtidos à época da apuração da matéria, cedidos pela Secretaria de Esporte e Juventude - SEJUV


Farias Lemos, é conhecido como “clube de amigos”: amizade e baixos recursos

O time do tostão e o do milhão O Farias Lemos Futebol Clube foi fundado no dia 25 de março de 1997 pelo pedreiro Renato Lima, 60. A equipe nem sempre teve esse nome, no início era Cambeba, mas teve que mudar. “O time era muito discriminado quando chegava nos cantos, porque Cambeba era conhecido por ter times brigão. A gente ia jogar nos cantos assim e o pessoal dizia, ihhh rapaz é do Cambeba? Então tome sola, peia, às vezes até briga dava, aí eu pensei: rapaz, isso não dá certo não. Então em homenagem a um amigo já falecido que tinha um time chamado Farias Lemos, mudei o nome do time”, afirma Renato. Farias Lemos é o nome de uma rua no bairro onde ele mora. Normalmente, as equipes de futebol amador são formadas por familiares e amigos. Renato é o dono, sua mulher a torcedora modelo, seu filho joga no time, seu sobrinho é o goleiro e muitos amigos do bairro também fazem parte do Farias Lemos. Não é de surpreender que o slogan seja “Um clube de amigos”. Renato, fundador do Farias Lemos, fala com saudade do tempo em que jogava bola e diz que formou o time para não esquecer o futebol. Segundo ele, não ganha nada com o futebol, pelo contrário, tem é prejuízo. Pergunto por que então ele ainda persiste? Ele responde resignado: “Às vezes eu falo em acabar o time, mas aí o pessoal diz, não, rapaz, acabe não, que é a diversão da gente dia de domingo esse time aí, se acabar... fica um cemitério aqui dia de domingo sem jogo”. Ali mesmo em Messejana, encontramos outro time, o Messejana Esporte Clube. Fundado em 28

de setembro de 1938, com mais tradição e dinheiro o Messejana como é mais conhecido na região tem estádio (atualmente fechado para reforma) com capacidade para quase duas mil pessoas e torres de iluminação. O time tem até relações públicas, o funcionário do IBGE, José Alberto, 59, que fala entusiasmado da paixão pelo futebol amador. “É uma coisa que tá no sangue, que a gente não sabe deixar de vir, às vezes a gente diz, domingo eu não vou não, e é o primeiro a chegar”. Ele afirma ainda que nos finais de semana, dedica 70% do seu tempo para o futebol e 30% para a família. Renato não tem problema, já que sua mulher, a dona de casa Irinéia Lima, 59, vai com ele todos os domingos ao jogo e é uma das principais torcedoras do time. Separadas por apenas um quilômetro, a diferença entre as duas equipes é grande. O Farias Lemos tem um dono, o Messejana tem uma diretoria. O campo do Farias Lemos é um terreno doado por um amigo do time e é um misto de mato, areia e capim, sem demarcação nenhuma. O campo do Messejana é gramado, tem iluminação e


arquibancada. O Farias Lemos não participa de nenhuma liga de clubes, o Messejana praticamente comanda a Super Liga Messejana de Desporto, atualmente formada por vinte equipes. Alguns jogadores do Farias Lemos recebem de “torcedores-amigos” do time, uma “ajuda de custo” que não passa de R$ 20,00, de acordo com o dono do time, Renato. Ele é contra o pagamento. Para Renato, “o torcedor que faz isso não está ajudando o time, mas sim o jogador”. Já a “folha de pagamento” do Messejana segundo José Alberto varia entre R$ 700,00 e R$ 800,00. “Alguns jogadores do Messejana chegam a receber cerca de R$ 150,00 por jogo como pagamento”. “São jogadores profissionais que estão sem jogar pelos seus clubes e que vêm trazer sua experiência para o futebol suburbano”, afirmou. Muitos dos jogadores jogam a cada domingo por gostarem do esporte e têm esse dia da semana como momento de lazer e descontração entre amigos. Mas, para alguns outros, é uma forma de ganhar algum dinheiro extra. O Farias Lemos, por não participar de nenhuma liga, só joga amistosos. Para marcar os jogos,

utiliza a Central Suburbana de Futebol Amador, onde o empresário suburbano marca as partidas entre os mais variados times da cidade. Hoje, são aproximadamente dez os empresários envolvidos na marcação dos jogos. Eles são responsáveis pela visibilidade dos times bem como pelo congraçamento entre os mais diversos bairros. Um time de um determinado bairro pode jogar contra times dos mais variados bairros. O próprio Farias Lemos, da Grande Messejana, jogou, dentro do intervalo de um mês, contra o Milan do Pio XII e o IX de Julho do Pirambu. O time visitante recebe uma taxa que varia entre R$ 50,00 e R$ 60,00, dependendo da equipe e da distância do campo. O empresário suburbano recebe R$ 5,00 para marcar os jogos, pagamento esse feito pelo time visitante, que é quem recebe a taxa, mais conhecida no futebol amador como “cota”. O dono do time faz um grande esforço para pagá-la. Já a equipe do Messejana não precisa pagar esta “cota” mas paga a “folha de pagamento” do time, além de contar com o dinheiro dos ingressos cobrados na bilheteria (R$ 1,00 meia e R$ 2,00 inteira) e também conta com uma diretoria que “banca” o time. Por mais precária que seja a realidade do time existe toda uma organização para que aconteçam as partidas. Marcação de jogos, pagamento de cotas, busca de patrocínio e até mesmo de atletas, tudo isso para que no próximo domingo esteja tudo pronto para o jogo. E que tudo isso se resolva mesmo, porque domingo que não tem jogo, é tristeza para muitos.

Com mais tradição e dinheiro, o Messejana é o time do milhão


O sol nasce pra todos

A torcida comparece em peso aos jogos

Não existem só diferenças entre os times, um dos pontos em comum entre essas equipes é a motivação das torcidas. Para entrar em campo a torcida do Farias Lemos precisa apenas passar por uma entrada aberta no muro, já a torcida do Messejana precisa desembolsar R$ 2,00 (inteira) e R$ 1,00 (meia) para assistir aos jogos. No Farias Lemos os torcedores vão chegando aos poucos, de carro, moto, de bicicleta e a pé. Não são muitos, mas são fiéis ao time, têm em Célio e Irinéia seus principais torcedores. A alegria dos torcedores é contagiante. Rever os amigos, beber cachaça, ver um bom jogo de futebol, enfim, se divertir. Essas são as principais motivações dos torcedores que freqüentam os campos de futebol amador aos domingos. A expectativa para o início do jogo também é grande. Enquanto ele não começa, só resta esperar, conversando e bebendo

um trago para “espantar ” os problemas da semana. O jogo dos aspirantes ou primeiro quadro começa às 14h30, é um “aperitivo” para o jogo dos titulares ou segundo quadro. Muita gente já chegou para o jogo dos aspirantes, mas muitos ainda estão por chegar para o jogo principal. A emoção das torcidas é a mesma nos dois jogos, o que importa é incentivar o seu time e aproveitar o final do domingo da melhor forma possível. No Messejana, há pais trazendo seus filhos para assistir ao jogo, mulheres e crianças torcendo e torcedores apostadores na beira do campo. No futebol suburbano também há apostas, não são grandes somas ,é verdade, mas acirram ainda mais os ânimos antes das partidas. O sol, porém, nasce pra todos. Nos dois campos um artigo de luxo é a sombra. Os torcedores do Farias Lemos levam vantagem por terem ao redor do campo várias árvores, entre mangueiras e cajueiros que servem de abrigo do sol, já os torcedores do Messejana tem arquibancada, mas sob o calor do astro-rei. A inspiração de Célio e Irinéia, torcedores-símbolos, do Farias Lemos, é a bandeira vermelha e branca


fincada no chão na beira do campo, já a torcida do Messejana, mais numerosa, estende a bandeira azul e branca na arquibancada e grita: “Uh é Messejana, uh é Messejana.” A torcida do Messejana não está em “casa” (seu estádio está em reformas), mesmo assim, nas arquibancadas do Estádio João Ferreira (pertencente ao time de futebol amador de Messejana, Salgado da Gama), há bebidas para todos os gostos. Cachaça, cerveja, rum. Um torcedor diz: - Ei bandeirinha, quando terminar aí vai tomar uma Ypioca né? – Ele responde: Na hora! – O torcedor retruca: A cara não nega. Todos bebem e parece que o mais importante é isso, o jogo fica em segundo plano. Alguns torcedores com rádios no ouvido dividem a atenção entre o jogo no rádio (final do Campeonato Cearense) e o jogo ao vivo (Salgado da Gama contra Messejana Esporte Clube). O cheiro de milho verde e pastel toma conta das arquibancadas. O preço é um só, R$ 1,00. As crianças comem, brincam e esquecem do jogo.

O entorno do jogo: torcida se diverte antes e durante a partida

Renato, o dono do time Com seu jeito simples, ele cativa as pessoas logo no primeiro encontro. A luta diária endureceu um pouco esse trabalhador da construção civil, mas basta uma conversa rápida para percebermos seu lado tímido e humano. Ao lado de sua mulher Irinéia, ele comanda o time Farias Lemos Futebol Clube há quase 10 anos. Ele é responsável pelo material, pela arrecadação e pelo pagamento dos jogadores e até mesmo pela lavagem dos uniformes. Mesmo com todas as dificuldades, tem como maior paixão o time. Ele e a mulher são os responsáveis por fazê-lo “entrar em campo” a cada domingo. E que ele coloque o time para jogar mesmo, porque a sede do time, sua casa, fica desolada nos domingos em que não há jogo. Renato já sonhou em fazer com que o time crescesse mais, mas o pensamento atual é que ele deva acabar logo, porque os gastos hoje para jogar acabam sempre sendo resolvidos por ele. De qualquer forma, enquanto mantém a paixão, Renato continua a cada domingo colocando o material em cima do carrinho de mão, saindo uma hora da tarde de casa para que o time do Farias Lemos continue alegrando a todos.

Renato cuida de todos os detalhes para seu time entrar em campo


O negócio

· texto · kelvia alves · monisa muniz · fotos · raphael villar ·

do viaduto Lanchonete, bar e estacionamento. Mas não é uma uma praça ou shopping. Na verdade, trata-se do espaço embaixo do viaduto da avenida 13 de maio, no bairro de Fátima. Esperar o ônibus, atravessar a avenida, ir até o hospital, são atividades rotineiras, que podem se tornar uma experiência diferente, se observarmos o movimento que existe no local. Pretende ir até lá de carro? Sérgio Cavalcante tem a solução: ele dispõe de 35 vagas em uma área de 150 m2, e cobra R$ 1,00 por hora. O estacionamento fica embaixo do viaduto, ao lado do hospital Antônio Prudente. Sérgio tem um acordo com a Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização (Emlurb) e paga uma mensalidade. É disso que ele sobrevive há quase 15 anos. Ao atravessar a Aguanambi, no sentido AldeotaBenfica, encontramos um ponto de táxi, lanchonetes e um bar. Até 2005, os estabelecimentos não tinham alvará de funcionamento da Prefeitura, apenas uma autorização policial. A comerciante Ana Valéria conta que todos já conseguiram autorização, e, ao contrário do que alguns dizem sobre o possível dano visual que os pequenos comércios causam à arquitetura da cidade, a vendedora rebate: "Algumas pessoas fazem é elogiar a gente, já que com o comércio sempre tem movimento, isso espanta a malandragem". Todo esse movimento, faz com que outro tipo de negócio exista por lá: a boa ação. Segundo depoimentos de freqüentadores e dos donos dos estabelecimentos, algumas vezes no mês um grupo voluntário vai até o posto, ao lado do viaduto, e distribui um sopão aos mais necessitados. Essa é a prova de que é possível transformar um ambiente tradicionalmente conhecido nas grandes cidades como perigoso e não freqüentado, em um local diferente.


uma ponte · texto · carlos felipe · foto · raphael villar ·

uma tribo

- Você mora aqui? Ele sorri e leva as mãos à boca. Olha curioso como se estivesse procurando alguém. - Quantos anos ... antes mesmo que eu termine ele sai correndo pela margem do rio até a ponte. Atravessa a pista sem intimidar-se com os carros. - Precisamos de uma passarela – diz uma senhora de cócoras fazendo um entrançado de palhas. Dona Raimunda, 62, há 35 anos mora na comunidade indígena Tapeba, às margens do rio Ceará, no município de Caucaia, na BR-222. Mãe de oito filhos e avó de 30, atualmente é a pajé da tribo. “Moiá” - diz acenando com a mão ao se levantar. Apresento-me e descubro que “moiá” é a maneira de cumprimentar da tribo. Depois a sigo até a casa de seu filho. Ela pára na soleira da porta e se encosta. Sinto um cheiro forte de fumaça. Uma espécie de fogueira no chão da casa. No fogo uma panela velha. Há duas pessoas na sala. Uma é Marcelo, filho de Dona Raimunda, e a outra é sua esposa. Os Tapebas sempre estiveram presentes na região que no passado era habitada por três povos: os Kiriris, os Tapuias e os Potiguaras. Desses últimos os Tapebas descenderam. Hoje, cerca de 80 famílias moram no local. Antes da construção da ponte, somente nadando ou utilizando pequenas embarcações era possível atravessar até a outra margem do rio. É o desenvolvimento que chegou ao local e também às regiões vizinhas, ocasionando a perda de identidade da tribo. A presença de fábricas e a poluição tem prejudicado a pesca, principal meio de vida dos Tapebas. Mais do que contestar a degradação desse povo e de sua cultura é preciso reconhecer que ele tem uma história. Os índios lutam contra o tempo, os atrativos do mundo que levam seus filhos a partirem sem se darem conta de que muito em breve não restará nada, além de um rio sujo sob uma ponte.


Passarela que

· texto · vitor peres · fotos · raphael villar ·

Passarela: de acordo com o Minidicionário Aurélio, é uma ponte para pedestres construída sobre ruas ou estradas. A pergunta é: por que alguns alunos da Unifor, apesar da passarela sobre a Avenida Washington Soares, ainda preferem arriscar suas vidas em meio ao trânsito? Seria preguiça? Falta de tempo? Suicidismo? (Tá bom, essa palavra não existe), ou apenas o “jeitinho brasileiro”? Conversei com alguns estudantes que não gostam da passarela e obtive várias respostas. Mal sabia que até foi criada uma comunidade (“Eu odeio a passarela da Unifor”) no Orkut só para falar mal dela. A fundadora da comunidade e estudante de Educação Física, Karoline Duarte, 21 anos, disse que a passarela é um “bem que faz mal” e que deviam colocar um sinal na frente da Universidade. “Dá preguiça atravessar aquilo tudo”, conta (com isso eu concordo). Já a estudante de Jornalismo Ana Cíntia Gondim não gosta da passarela porque é muito quente. Já o estudante de Publicidade e Propaganda, Thiago Igor, acredita que “se não existisse a passarela, o povo ia reclamar do mesmo jeito”. Realmente, a gente nunca se contenta com o que tem. O engraçado disso tudo são as coisas inusitadas que descobri. Muitos dizem que ela treme (é verdade, ela treme!) e que qualquer dia ela vai cair (espero que sim!). Minha opinião sobre a passarela está com a minoria que acredita que ela é uma perda de tempo, pois subir e descer aquilo tudo, só com muito saco e boa vontade. Por isso eu vou criar a campanha, “Diga não ao passarelismo!” para derrotar qualquer tipo de forma que queira manipular o meu andar pela cidade! E tenho dito.

divide


O descaso e a ressaca

· texto · julyana souza · fotos · raphael villar ·

Localizada na Praia de Iracema, a Ponte dos Ingleses, mais conhecida como Ponte Metálica, começou a ser construída em dezembro de 1902. Durante 40 anos serviu de porto marítimo, só desativado com a construção do Porto do Mucuripe. Na década de 40, o ambiente passou a servir como local de encontro para os jovens e artistas, tornando-se ponto turístico. Hoje, depois de reestruturada, conta apenas com 80 metros da estrutura original. O nome Ponte dos Ingleses deve-se ao fato da estrutura ter sido desenhada por engenheiros da empresa Britânica Nastor Griffts, que mantinha negócios no Ceará. Com a desvalorização da Praia de Iracema, o espaço vem sendo degradado, servindo até de moradia para famílias desabrigadas. É o caso da família do ex-vigilante Antônio Ferreira Lima, 81 anos, que vive com a esposa, Maria do Livramento, 60 anos e uma filha de 30 anos. Segundo a professora Silvia Helena, que há 30 anos mora na Praia de Iracema, é necessário que a Prefeitura de Fortaleza olhe para o que vem acontecendo com a Ponte Metálica e a Praia de Iracema. “Antes podíamos visitar o local com tranqüilidade, apreciar a beleza do local, trazer nossos filhos, agora a Ponte Metálica virou um local para a marginalização e prostituição”, comenta. Outra dificuldade enfrentada é a ressaca do mar, que acaba deteriorando a Ponte devido a erosão. Por causa disso, a Secretaria Regional II (SER II), responsável pela área, está trabalhando em parceria com a Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb) com o intuito de solucionar o problema.


Beleza INESPERADA · ensaio · raphael villar · A cidade, poesia do dia a dia, pessoas que caminham sem parar, pra lá e pra cá, em ritmos frenéticos e intermináveis, sempre com algo a fazer, uma conta a pagar, alguém para cobrar, um dinheiro para ganhar. A idéia era fazer um ensaio fotográfico sobre o centro da cidade, mas acabou passando disso. Este é um registro de um povo, de alguns dias na vida da cidade. O centro, assim como outras partes da nossa cidade, tem a sua beleza, energia e tranqüilidade e foi com essa idéia que fui lá, registrar Fortaleza como eu vejo, ou como a maioria de nós gostaria de ver, com seus prédios velhos, charmosos e incansáveis, o povo alegre e trabalhador, as ruas tomadas por pessoas que passam o dia se virando como dá, sempre de sorriso no rosto, olhando o dia de amanhã como se fosse algo mais do que só o amanhã. É a Fortaleza que anda, que corre e que vive, que pulsa. Registros.



V達o da galeria Pedro Jorge


O sorriso da mãe para sua filha na Praça do Ferreira

Bilheteria do Centro Cultural Sesc Luiz Severiano Ribeiro


Procissão de Páscoa na rua Major Facundo

Círculo de olhares atentos para Ananias


Pombos ao fim da tarde no centro da cidade

Prova de força na Praça do Theatro José de Alencar


detonando!!! Cansadas de serem o principal alvo da imposição de um corpo perfeito, as gordinhas mostram a que vieram, embora muitas ainda insistam em travar uma luta de sumô contra seu próprio peso. Do outro lado do arco-íris não tem pote de moedas de ouro, mas um pacote de bolachas recheadas com muito valor calórico · texto · luciene lacerda ·

ilustrações ·

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) há, no mundo, 27 milhões de gordinhos, cerca de 20% do total da população. Para o Dicionário Aurélio, o gordo é aquele que é bem nutrido ou tem excesso de tecido adiposo; vultoso; enorme; formado de gordura ou matéria untuosa. As gordinhas não estão de brincadeira quando se trata de saúde e de aproveitar a vida, seja ela virtual ou real. Apresento as mulheres fofinhas: mulheres-maravilha, mais voluptuosas, roliças, cheinhas, gorduchinhas, rechonchudas, com excessiva gostosura. Acima do peso e do preconceito, encontrei numa imobiliária camuflada, fachada azul e discreta, que não denunciava o seu funcionamento, uma mulher eloqüente, de cabelos encaracolados, sorriso metálico, vestindo trajes colados, provocando os olhares às suas formas bem nutridas. Ela trabalha há pouco tempo lá. A maior parte dos funcionários são homens, e, coincidência ou não, todos eles parecem subordinados a ela.

richell martins ·

Seu porte deve causar imponência e poder, demonstrando que quem manda é ela, embora não seja a chefe, pelo menos por enquanto. Chamam-na de Daniely, há 27 anos é gorda e já perdeu namorado durante a adolescência por conta disso. Mas você acha que ela se importa? Como ela disse: “tudo é uma questão da mulher se aceitar, e então, qualquer padrão de beleza se torna insignificante para garantir felicidade”.

Espaço reduzido Porém, se a gordinha não quiser mais estar acima do peso, poderá recorrer a gastroplastia. Uma cirurgia que consiste em grampear o estômago de uma pessoa para que caiba menos comida. Recomenda-se essa cirurgia quando todos os tratamentos clínicos, incluindo dietas, exercícios físicos, psicoterapia, promessas, “Jurema trás a pessoa amada” ou qualquer outra mandinga já foram tentados sem sucesso. Já me disseram que quando alguma fofinha faz essa cirurgia, ela se torna magra, entretanto pensa como gorda. Mas como assim? Ao que


tudo indica, a gordinha continua com as mesmas relações pessoais, geralmente ligadas à baixa auto-estima, e iguais hábitos alimentares precedente à gastroplastia. Segundo a psicóloga Lidiane Lacerda, para fazer essa cirurgia é preciso ter consciência da mudança em sua vida. O ideal é um acompanhamento psicológico anteriormente à realização da gastroplastia. “O fato de se alimentar em excesso e sofrer uma cirurgia como essa equivale à recuperação de um viciado, onde cada dia é um enorme passo rumo às suas reabilitações mentais, físicas e sociais”. Dani me contou que para ela “não tem cabeça de magra, não tem cabeça de gordo. Existe é gente com opinião própria”.

Mundo real x virtual Cinqüenta por cento da população brasileira, segundo dados da OMS, luta contra a gordura, essa substância esbranquiçada ou amarelada que transita nos corpos através de um tecido chamado adiposo, ou para alguns, aquela barriguinha ou pneuzinhos salientes. Como uma

camada de lipídios pode causar tanto mal estar? A resposta está na sociedade, já que nenhum indivíduo quer ser diferente da maioria, pois assim ele se socializa e vive bem e feliz com seu corpinho em forma, expondo a todos que o importante é a sua beleza interior. Para a jovem de 43 anos, Dona Flor (nome fictício), uma senhora com tudo em cima, inclusive os seios, o cotidiano de ser gordinha é bastante habitual, sem grandes atrações ou aventuras. Ela mora num município distante do centro de Fortaleza, parecendo até uma cidade do interior, mas não posso revelar o nome já que a Florzinha pediu pra mim. Lá é bem corriqueiro, com pessoas andando de bicicleta sem perceber o tempo passar, trabalhadores com suas ferramentas barulhentas reformando o asfalto que parece novinho. O local é um brinco e tranqüilo, ao encontro da personalidade calma de Dona Flor, até o momento em que ela, casada há quatro anos e mãe de três filhos, transforma-se quando ingressa no mundo virtual.


Dona Flor me confessou alguns segredinhos. Inicialmente, era uma ignorante da rede mundial de computadores, Internet, mas com a ajuda de sua filha, penetrou de cabeça para esse mundo de prazeres infinitos. No principiar de sua existência virtual, ela conectava-se e fingia ser pessoas diferentes, mentia dizendo ser magra, alta, dizia até ser a nossa querida vereadora, Deborah Soft, pois não tinha confiança em si, sentia-se chateada por ser gorda. Com o advento do Orkut, - novamente, para os leigos, uma rede de comunidades e amigos conectados pela Internet – Dona Flor se tornou, fazendo uma paródia com o nome do romance de Jorge Amado, Dona Flor e seus vários maridos, namorados, amantes, casos, como você quiser chamar... Junto com a Dani, citada no começo, Dona Flor é mais uma mulher conectada na Internet para fins amorosos, embora Dani diga que não busca relacionamentos pessoais na rede, mas somente um espaço para conversar e desabafar seus conflitos com estranhos. Dona Flor também não quer conseguir um namorado, ela quer um relacionamento virtual, algo românti-

co, com troca de palavras carinhosas, declarações apaixonantes, mas sem nenhum contato físico, isso porque Dona Flor estaria, ao seu modo de ver, traindo seu marido. Segundo ela, a descoberta das comunidades de gordinhas a fez enxergar que havia centenas de homens loucos por mulheres gordas e se viu desejada e cobiçada, com sua auto-estima nas nuvens, algo que não sentia há muito tempo em seu mundo real. Assim, envolvida por aquelas pessoas que nunca vai conhecer, já que ela ignora aqueles que a querem encontrar pessoalmente, Dona Flor mente deliciosamente para suas paixões virtuais, dizendo a eles o que eles querem ouvir, ou seja, que ela é solteira, disponível amorosamente, cheia de tesão para distribuir...“É como se fosse uma novela e eu fosse a atriz”, explica, sorridente, como se sente quando entra na Internet, mas hoje nunca mente sobre sua aparência física. O marido real de Dona Flor nem desconfia de suas escapadas virtuais, como ela mesma disse: “meu marido é o chamado corno virtual”. Ele é acomodado com os carinhos para com sua mulher, para ele não importa como ela se veste, seu peso, seu cabelo, etc. então o agrado afetivo que ela não tem com seu marido ela busca virtualmente com outros, que até mesmo ligam para ela. Inclusive fui testemunha desse fato, pois enquanto estava conversando seu celular tocou e quem era? Seu admirador virtual baiano implorando para que ela vá morar com ele na Bahia, mas de acordo com Dona Flor, seu caso com o baiano está com os dias contados, uma vez que ele estava interferindo em sua vida real, e é nessa hora que a paixão virtual acaba com um final nada feliz. Para ele, é claro, porque Dona Flor está amorosamente estável com seu amado corno virtual marido. Assim como Dona Flor descobriu uma rede quase misteriosa e sombria de homens que acham gordinhas sexy, na nossa realidade pífia


esses homens, muitos não revelam, adoram mulheres rechonchudas, cheias de carne para apertar, isso os atrai. Porém, nem todos eles admitem essa queda por gordinhas. Já que estes sabem que todos os seus amigos vão desaprovar sua namorada ou esposa obesa, então as gordinhas tornam-se amantes por anos a fio, esperançosas que seus amados possam finalmente descobri-las e por fim serem vistas ao lado do homem que elas amam.

O devorador de gordinhas Citando clichês, toda regra tem exceção, sendo assim, é claro que há homens que não têm o menor problema de expressar seus sentimentos e dizer para todo o mundo o quanto ama sua fofinha e não a troca por meia dúzia de magrinhas. E esse é o caso do Paulo, que se apresenta como um carioca saradão que mora há apenas três meses aqui em Fortaleza, mas que já faz o maior sucesso entre as gordinhas. Segundo ele, bom mesmo é ter “carne” para pegar. Encontrei o Paulo através de um batepapo bem conhecido que, inclusive, foi a própria Dona Flor que me recomendou. É uma sala só para gordinhas e gordinhos, no site da UOL (www.uol.com.br/batepapo/encontros). Lá, pensei, só deve ter gente gorda,né!?.. Que nada, tem gente pra todos os gostos, mas é claro, as gordinhas são evidência. Entrei disfarçada com o apelido ou nickname: Gordinha Procura. A sala estava cheia de apelidos parecidos com o meu, sempre seguindo o estilo gordinha gostosa, gordinha carinhosa, gordinha sexy,...Conversei com homens e mulheres. A maioria homem. Reparei que ansiavam realmente por uma conversa afável enquanto outros estavam mais preocupados em saber o tamanho da minha bunda gorda. Algo até compreensível pelo atrevimento do apelido que escolhi. Mas o interessante foi o fato de eu ser tão

requisitada no meio virtual, nem mesmo entrando em bate-papos em que não havia nenhuma denominação física fui desejada tanto e não demorou nem 60 segundos. Quero ser gordinha! Foi o que pensei quando vi como as gordinhas e gordinhos se sentiam ao entrar naquela sala de bate papo. E logo eu, uma magrela convicta. Esses gordinhos são muito importantes, têm até sala exclusiva para eles. Não há uma sala de bate-papo específica para magrinhas, e, no Orkut, eu nunca vi tantas comunidades relacionadas a gordinhos: “As gordinhas são as melhores”; “Gordinhos unidos”; “Adoro Gordinhas”; “Namorando Gordinhas”; “É das gordinhas que eles gostam mais”; “Gorda sim e daí”; “Amamos gordinhos e gordinhas”; “Yes, somos gordos”; entre milhares de outras. Agora, você já viu esse mundo de comunidades pra magrinhas? É como se no mundo virtual, ao contrário do real, essas fofinhas e fofinhos imperassem, não havendo como competir.


Uma cheinha anônima Nem todas as rechonchudas são tão confiantes quanto as que citei, e na busca por mais gordinhas descobri por acaso uma cheinha inominada, que não aceitou meu convite a uma boa conversa ou mesmo falar comigo ao telefone. Somente aceitou responder ao meu e-mail. Assim, deixo os leitores à vontade para arrancar suas próprias conclusões, lembrando ou mesmo alertando que estigmatizar as gordinhas é muito fácil. Aproveitando para adotar como referência a singela história do pequeno príncipe, em que “o essencial é invisível aos olhos”. Como as pessoas que não estão no padrão estético imposto pela mídia se “sentem? Me sinto meio que "excluída", Você sente essa imposição? De que forma? Sim, algumas lojas não vendem roupas com um número um pouco maior. Ser diferente do padrão causa algum problema ou preconceito? Em alguns casos sim, você pede roupa de número maior e a loja nao tem. Você faz dietas, regimes? Sente vontade de emagrecer? Sim, também faço hidroginástica e aos poucos vou perdendo os quilinhos indesejáveis. Já pensou em fazer uma gastroplastia? Não,é uma cirurgia muito complicada e tenho até um pouco de medo. Você gosta de sair? Como são seus relacionamentos? Adoro sair, alguns comentam sobre meu corpo. Você costuma se conectar na internet para conversar em bate-papos? Se a resposta for “sim”, por que você utiliza a rede e para qual finalidade que você a utiliza? Adoro internet, faço amigos, converso, pesquiso. Costuma ter encontro através da internet? Sim, mas não valem a pena. O que você acha desses tipos de denominações: gordinha, cheinha, forte, “excesso de gostosura”, etc.? Acho isso totalmente ridículo, me sinto um pouco inferior. Quando você se olha no espelho, o que vê? Ah, não gosto de me olhar muito no espelho, não.

ONDE ENCONTRAR GORDINHAS Comunidades do Orkut Gordinhos unidos; Adoro gordinhas; Namorando gordinhas; É das gordinhas que eles gostam mais; gorda sim e daí?; Amamos gordinhos e gordinhas; Yes, somos gordinhas; As gordinhas são as melhores; Gordinhas mais feliz; Sites www.findefatwoman.com www.bbwdate.com www.uol.com.br/batepapo/encontros/ gordinhosegordinhas


A Província do Ceará foi pioneira na libertação dos escravos, em 25 de março de 1884, já que a Lei Áurea foi assinada em 13 de maio de 1888. Contudo, hoje, comunidades quilombolas do Estado ainda sofrem para manter o que restou de suas tradições e vencer problemas estruturais

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CAETANOS

A luta quilombola continua


Dona Bibio é a líder da comunidade quilombola

No Ceará, de acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), existem 70 comunidades quilombolas. Cinco destas já possuem o Certificado de Auto Reconhecimento como Comunidade Quilombola, expedido pelo Ministério da Cultura, através da Fundação Palmares. São elas: Queimadas, em Crateús; Conceição dos Caetanos, juntamente com a comunidade de Águas Pretas, no Tururu; Alto Alegre, em Horizonte; Bastiões, em Iracema; Base, Retiro e Caetanas, que se uniram para formar uma só comunidade, localizada em Pacajus. Com o objetivo de conhecer a realidade dos descendentes quilombolas, a equipe da revista A Ponte visitou a comunidade quilombola Conceição dos Caetanos, no município de Tururu, a 114 km de Fortaleza. Depois de duas horas de viagem, partindo de Fortaleza, percorrendo uma distância de 127 quilômetros; 114 de asfalto e 13 de estrada de terra – a popular e arredia piçarra – esburacada, sem sinalização, repleta de atoleiros e tomada por animais, a equipe de reportagem d’A Ponte chega à Comunidade Quilombola Conceição dos Caetanos. Ela foi formada no ano de 1884, por Caetano José da Costa – o Paizinho, como ficou mais conhecido – escravo forro que comprou as terras depois de uma vida inteira de muito trabalho e suor. Lá, criou os seus filhos e, ao seu modo, os protegia de todo o tipo de perseguição ou discriminação racial, nem que para isso tivesse que fazer com que eles se isolassem das comunidades à sua volta.

Atualmente a principal atividade econômica da comunidade é o cultivo da mandioca e do caju. Uma frágil agricultura de subsistência que, na ausência do caju são levados a depender unicamente da venda da farinha-de-mandioca. Segundo um relatório do Incra expedido em 2003, a comunidade reconhecida como quilombola há três anos possui 381,662 hectares, sendo que hoje não se sabe mais o tamanho exato dela. Maria Caetano de Oliveira, Dona Bibio, ou simplesmente Bio, como é conhecida, 66 anos, é bisneta de Paizinho e atual líder comunitária da localidade. Ela conta que com o passar do tempo, algumas pessoas da comunidade foram, gradativamente, vendendo pequenos lotes de terra e novos moradores, que não são afrodescendentes, foram se integrando à comunidade. Hoje ela não sabe dizer de quanto está essa medida exatamente e afirma ter suas dúvidas com relação a essa demarcação das terras. Mas este é apenas um entre vários problemas enfrentados pelos Caetanos. Falta de saneamento básico, de um posto de saúde, de escolas de ensino médio, transportes públicos, pavimentação da estrada e distribuição gratuita de remédios são as maiores reivindicações dos moradores. Em toda a comunidade não há uma só casa com saneamento básico. E a população faz uso de fossas domésticas, quando não, os dejetos são lançados a céu aberto. Fazem uso também do fogão a lenha. Em praticamente todas as casas da comunidade ainda se preserva esse costume. Algumas poucas casas até possuem o fogão mais moderno, entretanto, segundo relato de dona Bio, apesar de mais demorado para o preparo, a comida feita no fogão a lenha tem um sabor muito mais gostoso. As ruas são de terra-batida, desgastadas e esburacadas. Os 13 quilômetros de estrada que dão acesso à comunidade transformam a viagem em uma verdadeira aventura. Quem se arrisca por este caminho tem que estar disposto a tudo e ficar rezando para que não chova, porque se chover é um verdadeiro desafio escapar dos atoleiros, Segundo os moradores, a Prefeitura de Tururu não disponibiliza nenhuma forma de transporte para que estes possam sair da comunidade e dirigir-se à cidade de Tururu, onde muitos trabalham ou estudam.


A única forma de chegar lá, que não seja a pé ou de bicicleta, é submetendo-se a um transporte alternativo inadequado e, mesmo assim, o serviço, além de ser pago, é disponibilizado apenas duas vezes ao dia. Francisco Luciano Moreira Barbosa é, segundo o prefeito de Tururu José Galdino Albuquerque, o responsável por transportar os moradores. Ele passa de manhã bem cedo, por volta das cinco da manhã, e no final da tarde. Já o posto de saúde mais próximo fica na localidade de Cemoaba, a seis quilômetros da comunidade, mas, embora esteja mais próximo, o transporte nesse caso fica ainda mais complicado. O motorista Luciano Moreira Barbosa não faz esse trajeto, o que obriga os moradores a encontrarem outra forma de chegarem ao seu destino. “Não tem transporte até o posto, se precisar, aluga uma moto. Se não for caso de doença grave, eu vou de bicicleta”, reclama Maria Josineide Gonçalves Barbosa, 20 anos, cantora do grupo coral da comunidade, é uma das duas pessoas da comunidade que faz um curso de ensino superior.

Para diminuir o problema da falta de postos de saúde, os moradores contam com visitas bimestrais de alguns agentes de saúde, normalmente três ou quatro. “Eles já recebem ajuda demais, é cesta básica, é bolsa do governo, tudo só porque são quilombolas”, diz José Galdino, que perde a calma ao ser questionado sobre as denúncias. “Ela não tem o que fazer”, continua o prefeito ao se referir à líder comunitária Dona Bibio. Segundo ele, a Prefeitura já desenvolve vários trabalhos sociais junto à comunidade e não haveria razão para reclamarem de coisa alguma. Sobre o problema do saneamento básico, o prefeito culpa o Governo Federal por ter extinguido o Projeto Alvorada. Este programa teria como objetivo o fornecimento de verbas destinadas a este serviço. Caetanos é um exemplo de uma outra forma de resistência dos negros-escravos no Ceará. As terras não foram usurpadas, foram compradas. A família foi mantida e preservada e se buscou, a duras penas, conquistar o respeito da sociedade a sua volta. Eles buscam nas menores coisas a alegria de viver.

Claudiane Holanda Bezerra, tem como objetivo graduar-se em Pedagogia. Para ela, o curso universitário é apenas o primeiro passo para um projeto de vida maior. Como fruto da carreira na área de pedagogia a jovem pretende financiar outra profissão. A única dúvida é a profissão a seguir, se a de aeromoça ou de secretária-executiva. Apesar disso, Claudiane teme não poder realizar o sonho. Por enquanto, ela pretende vir para Fortaleza, mas o maior obstáculo é a locomoção para a Capital. Outro obstáculo é com relação a emprego, em que a única alternativa que percebe é ser doméstica, mas isso ela não quer, uma vez que confessa não suportar abuso de ninguém. Esse é o perfil dessa brasileira que se considera negra.

Maria Josineide Gonçalves Barbosa, neta de Dona Bibio e integrante do grupo de dança Gangazumba - em homenagem a Zumbi dos Palmares. Atualmente cursa pedagogia em Amontada, pela Universidade Estadual do Ceará UECE, em parceria com o Pronera e com o Incra. Josineide afirma que não pretende sair do local em que foi criada. Após concluir a faculdade tem como plano trabalhar para a comunidade, porque é lá que nasceu, Lá ela tem a oportunidade de conviver com seus conterrâneos, e sobretudo ela gosta do lugar.


A música e a dança do Grupo Gangazumba A comunidade quilombola de Caetanos, no Município de Tururu (CE), conta há cinco anos com o grupo de apresentação Gangazumba, que, anteriormente, foi liderado pela líder comunitária, dona Bibio. O Gangazumba é composto por algumas jovens da comunidade. Dependendo do local onde o grupo se apresenta, o número de componentes pode variar de 8 a 12 integrantes. Entre as participantes estão as jovens Maria Josineide, neta de dona Bio e Claudiane Holanda, também moradora da comunidade. Os ensaios do grupo acontecem na igreja, onde podem se preparar para realizarem apresentações em outras cidades como: Itapipoca, Tururu e Fortaleza . As letras das músicas são de autoria das próprias jovens e falam da beleza da pele do negro, da sua libertação e luta ,como também do lugar das mulheres.

Filhos da África (Maria Josineide)

Memórias da mãe É a pele É preciso que a gente revele A beleza que tem Capoeira de coração É o valor ... Conceição dos Caetanos Já pertence a essa nação E hoje festeja sua libertação ... Le le le ô Lá vem África povo Nagô ... É Macumba Axé (3x) O grito do negro que luta É Macumba Axé(3x) E é por isso que no cativeiro negro cantou Cantou O grito do negro que luta É Macumba Axé(3x) ... Olé marie Olé mará Mulher tu sai da cozinha E ocupa teu lugar Estão te discriminando (3x) E tu só protestar Olé marie Olé mará


Descobertas em um território noturno, iluminado à luz negra, encontros com estranhos, conversas abafadas por música alta, shows de strip tease, mulheres nuas, homens encobertos pelo escuro, curiosidade e receio, histórias do desejo, tudo colocado em branco no preto.

Pelos bordéis do centro de

FORTALEZA · texto · mirela filgueiras · fotos · patrícia raposo ·


Valéria, stripper do Motel 90.

Durante o dia o Centro de Fortaleza está sempre cheio de pessoas apressadas, lojas lotadas, muito barulho e trânsito complicado. Mas à noite todo esse cotidiano comum e suas relações sociais transformam-se. Os personagens agora são outros: catadores de lixo, prostitutas, travestis, ladrões e bêbados. Sem falsa moral e com a intenção de apresentar os bordéis do Centro de Fortaleza, lugares que condensam as principais características da vida noturna, que o Centro da nossa capital abriga. Sabendo que a situação era delicada me senti bastante receosa por estar à noite no Centro da cidade, onde o perigo está presente, por entrar em lugares estranhos e onde também era uma estranha, uma forasteira, deslocada do meu habitual círculo social, frágil pelo medo do desconhecido.

Motel 90 Comecei minha empreitada, acompanhada de colegas da faculdade, pela “Boate e Motel 90”, localizada na Tristão Gonçalves, N° 90. O “Motel 90”, como é mais conhecido, apesar de estar quase em frente a uma igreja evangélica e ao lado da maçonaria, ostenta em sua estreita fachada de paredes pretas uma placa de néon com o nome da casa. Logo após a entrada, encontra-se à direita uma saleta onde só cabem uma mesa redonda e quatro cadeiras ao seu redor. Aí vêm o corredor, espremido por paredes de azulejos brancos, muito escuro e a iluminação toda com luz negra. Do lado direito do corredor os banheiros masculino e feminino, logo depois o caixa, com bombons, chicletes e o preço dos quartos e do programa. R$ 10,00 o aluguel do quarto e R$ 30,00 o da garota (negociável com a mesma). Do lado uma escada que leva aos quartos. Três passos adiante e as costas do bar, geladeiras de cervejas e a cozinha. Fim do corredor, agora estou no salão do “Motel 90”. De tamanho médio, preenchido por mesas e cadeiras de plástico, paredes na cor preta, globo espelhado no teto, ventiladores fixos na junção entre o teto e a parede, uma placa de néon na parede com o cardápio, acima da frente do bar uma televisão que exibe filmes pornôs continuamente. O ambiente é escuro. Ao lado do bar uma juke box de onde provém a música em alto volume, forçando uma


aproximação e a fala ao pé do ouvido entre os clientes e as garotas. No fim do salão está o palco, pintado de vermelho e com uma barra de ferro no meio, onde os shows de strip tease são feitos. O cliente paga R$ 10, a garota dança enquanto tira a roupa no palco e depois vai até a mesa do pagante e faz um showzinho “particular” no colo do mesmo. Do lado do palco um espelho e uma escada de ferro em caracol que leva a mais quatro quartos bem pequenos e modestos. Uma cama de casal, um ventilador de teto, e alguns, com um pequeno banheiro sem porta, apenas um lavabo e o vaso sanitário. Familiarizada com o ambiente, sentei e pedi uma cerveja, observando os altos preços do cardápio. Tratei de contar o dinheiro para poder pagá-la. Fiquei observando o lugar, as pessoas, seu funcionamento, suas características, ainda bastante apreensiva; mas só depois chamei o garçom novamente, vestido com o uniforme da casa, e lhe falei que estava ali numa pesquisa para uma reportagem jornalística e pedi para falar com o dono do estabelecimento. Este chegou logo depois, Gean, por volta dos seus 40 anos, calça jeans e camiseta deixando os braços musculosos à mostra, sentou-se à minha frente. Apresentei-me e disse o porquê da minha presença lá. Gean foi muito gentil, de conversa franca e liberou todos os meus pedidos. Começamos a conversar e ele me contou sua história e a do “Motel 90”. Falou que antes a boate pertencia à sua mãe e que ele a ajudava nos negócios. De três anos para cá passou a cuidar da casa com a esposa, ela no período da tarde, das 13h até às 22h, na parte administrativa, e ele das 22 horas até às 4 ou 5 horas da manhã. “Ao chegar eu vou fazer a prestação de contas do pessoal do dia, faço todo o levantamento, fechamento de caixa e verifico as tarefas, se foram cumpridas ou não, o que falta concluir... e deixo o que faltou para o pessoal da manhã executar e depois assumo a recepção, onde é feita a cobrança dos quartos. E fico circulando na casa pra ver se tá todo mundo trabalhando direitinho.” Explica assim seu cotidiano na boate. A vinda de novas garotas de programa é geralmente por indicação de outras prostitutas e por anúncios em jornal. Algumas mo -


ram na própria boate, mas a maioria “vêm das suas casas, passam um tempo e quando acham que devem ir embora vão, umas ficam até de manhã, outras não”. Gean ressalta que não trabalha com sistema de porcentagem com as garotas. O lucro da casa vem das vendas do bar e do aluguel dos quartos. E quando ocorre batida de polícia apresenta a documentação exigida. “A gente tem toda a documentação. Alvará de funcionamento, CNPJ, alvará de polícia. Temos todos os alvarás. Tudo pra evitar problemas. Agora o problema maior é quando vem a blitz que traz vários órgãos: Polícia Federal, Civil... essa blitz é sempre um problema porque eles procuram alguma coisa na casa pra fechar. O objetivo é fechar. (...) O Governo do Ceará hoje em dia está combatendo muito a prostituição, né? Com o objetivo de acabar, mas não é tão fácil”.

As garotas Passei a conversar com as garotas. Estas ficam sentadas pelas mesas do salão à espera da abordagem, ou vão até os clientes puxar assunto. Cerca de seis garotas trabalham no “Motel 90”, um tanto gordinhas, vestidas à caráter, com saias curtas, tops deixando a barriga à mostra, decotes, sandálias de salto, maquiagem carregada, de cabelos longos, cacheados e pretos, quando não pintados de loiro, todas são taxativas ao afirmarem o desgosto que sentem na profissão e o desejo de saírem dessa vida. Algumas já enfrentaram as ruas, mas trabalhar num estabelecimento é mais seguro. Além de não sofrerem agiotagem do que ganham e poderem sair quando quiserem. Foi então que começou o show de strip tease de uma delas. Corri para falar com o Gean para pedir autorização e fotografar, ele liberou, mas disse que só se a garota também permitisse. Tarde demais, o show já havia começado. Pergunto para o garçom quem será a próxima, ele me leva até Valéria. Muito bonita, simpática e sorrindo sempre, responde que adoraria ser fotografada, que só estava esperando alguém pagar os R$ 10 pelo show dela. Pagamos e então ela começa a dançar e tirar a roupa, fazendo caras e poses lascivas. Sem a menor inibição e transparecendo satisfação por cada foto tirada. Depois peço para entrevistá-la. Vamos até um dos quartos, ligo o gravador e se inicia uma conversa ágil e sem rodeios.


Valéria tem 20 anos, noiva de Adriano, 19. Segundo grau completo em escola particular de Fortaleza. Disse que antes era modelo, está nessa vida há 1 ano e 4 meses, garantiu que não faz programa, apenas shows de strip tease no “Motel 90”. Veio da Amazônia, com a mãe, aos 13 anos e 3 irmãos quando os pais se separaram. “Eu trabalhava numa agência de modelos. Aí eu vi num jornal que uma amiga me mostrou... conheço ela do colégio, lá do Lourenço Filho... vim pra ver como era essa vida”, explica Valéria. Disse que apesar de não gostar de viver às custas da mãe, não foi tanto pela questão financeira “eu queria conhecer. Como todas temos direito de conhecer, entendeu?” Então fala do namorado “Ele ficava aqui do lado de fora. Ele mora por aqui. (...) Ele me levou para a parada de ônibus me deu um beijo e do beijo foi um namoro do namoro um noivado”. Pergunto se ela sente algum trauma em relação à sua profissão e a resposta me surpreende “Por não estar com o meu pai. Porque eu acharia que se a minha família fosse realmente unida eu não estaria nessa vida”. Valéria sente a necessidade da companhia do pai que não sabe da sua profissão, justamente porque não procura manter contato com a filha. O pai não queria sequer que sua família atual soubesse da sua existência, segundo o que ela me revelou.

Os clientes Os bordéis do Centro começam seu funcionamento entre 16h e 19h, antes de abrirem para o seu público. A maioria das garotas de programa já se encontram presentes à espera dos clientes, que vão chegando com o cair da noite. Estes chegam muitas vezes sozinhos ou acompanhados por um amigo e também cliente. Sentam-se, começam a beber e ficam observando as garotas até elegerem a de sua preferência. A grande maioria é discreta, sem maiores chamativos (salvo os que já chegam bêbados, falando alto e dançando de forma desengonçada). São homens fugindo de suas realidades entediantes, ávidos por diversão, que encontram abrigo num ambiente onde não se sentem deslocados; pelo contrário, tudo é para eles, as bebidas, a música e as garotas que lhes oferecem a “satisfação” momentânea, sem julgamentos ou cobranças sentimentais.

Enquanto bebíamos uma cerveja no salão do “Motel 90” percebi que o homem sentado na mesa ao lado olhava muito para nós, foi a deixa para eu puxar conversa. Chamei-o para sentar-se comigo, conversamos e depois falei que era estudante de jornalismo e estava fazendo uma matéria sobre os bordéis do Centro de Fortaleza e perguntei se ele topava dar uma entrevista. Aceitou, saímos do salão e fomos para a entrada da casa por causa do barulho.


Maria e seu irmão

Cartaz do festival de rock feito pelo Motel 90

Antônio, 39, segundo grau completo, casado, tem dois filhos com a ex-mulher, morador do Carlito Pamplona. Salário de R$ 1000,00, informa. Relatou que visita os bordéis do Centro, principalmente o “90” há mais de cinco anos. Começou a freqüentá-lo porque já morou no Centro e fez amizades lá. “Faz é tempo que eu comecei a andar aqui e conheço uma moça dentro do ‘90’. Chama-se Maria. Antônio conta que morou junto com essa mulher por mais de dois anos e depois decidiram ir para casas separadas. Apesar desse fato, mantém com ela uma relação extraconjugal de mais de quatro anos.

Pergunto se a esposa atual sabe da sua relação com Maria. Ele responde que não e que se ela descobrir e largá-lo vai morar com a Maria. “Eu gosto é dela”, ressalta. Então pergunto por que ele não fica de vez só com ela. Ele desabafa: “Eu vou dizer pra você... eu conheci essa Maria, ela disse que tinha um irmão... só que ela é uma menina morena e o irmão dela era branco... não podia ser irmão... eu inocentemente... tava muito doido por ela... aluguei um apartamento aqui na José de Alencar, morei com ela e esse irmão dela. Um dia estourou a bomba e eu saí fora. Um tempo ela disse que deixou ele e veio atrás de mim. Aí fiquei com ela até hoje. Mas morar não, me enganou muito. Não posso deixar minha mulher que é boa pra mim por ela.” Maria continua garota de programa, recebe os clientes no seu apartamento, e Antônio continua apaixonado por ela.

K Drink’s e Casa Nossa Por indicação do próprio Gean, dono do “Motel 90”, fomos ao “K Drinks”, na Av. Imperador, 842, cujo dono, José Alberto Markes, também foi muito acessível e gentil na facilitação de informações e realização do meu trabalho. Fomos também ao “Motel Casa Nossa”, na 24 de Maio, de propriedade da Dona Fátima, esta já se mostrou avessa, mas não impediu o acesso ao lugar. As diferenças entre os bordéis estão restritas à estrutura física de suas construções. O “K Drink’s” e o “Casa Nossa” com o salão descoberto e mais amplo. No mais, a mesma música alta vinda da juke box, a pouca iluminação da luz negra, o palco vermelho com a barra de ferro, as mesas e cadeiras de plástico, o globo espelhado, o alto preço nos cardápios, os clientes procurando companhia e as garotas procurando dinheiro.

Tolerância para as diferenças Após os meus dias de desbravamento pelos bordéis do Centro de Fortaleza, percebi que já não me sentia apreensiva quando retornei aos mesmos lugares para concluir a matéria. O medo e a visão preconceituosa de algo que eu ainda nem conhecia cedeu à mudança de conceitos, visões e conhecimento adquirido.


· texto · ana júlia cysne · gabriela mendes ·


Algumas pessoas compram demais, outras comem em excesso, ainda tem aquelas que trabalham sem limites. Essas pessoas podem estar com uma doença chamada compulsividade. Um transtorno para o qual a ciência ainda não encontrou cura, mas que precisa ser diagnosticado e tratado. Ao mesmo tempo que a doença impulsiona uma ação contínua e exagerada, ela provoca angústia e culpa em quem sofre desse mal. De acordo com pesquisa da Organização Mundial de Saúde (OMS) cerca de 30% da população mundial sofre de um tipo de compulsão em algum período da vida. “O consumo exagerado de algo dá ao indivíduo a falsa sensação de prazer. Essa compulsão provoca oscilações na mente, na personalidade e no espírito da pessoa e geralmente se transforma em depressão, uma doença que pode limitar as atividades físicas, emocionais e profissionais do indivíduo”, afirma a psicóloga Luiza Portela. Status, carência, prazer, sedução, vaidade, impulso... muitas são as justificativas quando se tem uma dependência. O indivíduo que so-

fre desse mal geralmente não percebe e demora para procurar ajuda profissional. A fase da adolescência é um período crítico para a eclosão de uma compulsão devido a mudanças fisiológicas, hormonais e emocionais que a menina passa ao se tornar adolescente. Quando se somam a essas mudanças, uma pressão cultural por beleza, transtornos como divórcio, abuso sexual, fracassos profissionais, discussões familiares ou com amigos, aparece uma pessoa com personalidade insegura, baixa auto-estima, ansiedade e depressão, ou seja, ingredientes certos para a formação de um transtorno compulsivo alimentar. A compulsão por comida atinge o emocional e o espiritual e resulta em muitos males, como hipertensão, obesidade, bulimia, etc. De acordo com a nutricionista Raíssa Dias, esse tipo de compulsão mexe com a saúde do paciente e provoca grandes traumas estéticos e biológicos. “O ideal seria que essas pessoas cumprissem rigorosamente um programa alimentar e evitassem comer fora de hora alimentos viciosos como chocolate e outros que fogem do controle dos pacientes, além de procurar fazer atividades que geram prazer, como a leitura, ou a conversa com amigas” acrescenta. Lúcia, 30 anos, uma comedora compulsiva em tratamento, descobriu sua compulsão por comida quando teve um problema de saúde e foi obrigada a emagrecer. Depois de mui-


fotos: stock.xchng

tas dietas e programas alimentares sem resultados, ela percebeu que não conseguia parar de comer, e demorou a acreditar e a aceitar que sofria dessa compulsão. “Quando estava angustiada ou tensa não parava de comer doces, era um vício. Se eu ganhasse uma caixa de chocolate, eu não conseguia comer um só, comia a caixa toda de uma vez”, comenta. Lúcia procurou ajuda no Comedores Compulsivos Anônimos (CCA), grupo de ajuda com reuniões periódicas onde são feitas terapias de auto-conhecimento. A entidade existe no Ceará há 16 anos, não tem crença especial, não cobra taxas. Lá as pessoas afetadas por essa doença encontram força, esperança e trocam experiências. “Aqui nós aprendemos uns com os outros, compartilhamos esperanças e experiências, ninguém critica ninguém. Nós damos forças umas as outras”, acrescenta Lúcia. Já Norma conseguiu perder 18 quilos desde que começou a comparecer às reuniões do CCA, mas diz que “o grupo não é um programa de emagrecer, é uma troca de experiências. Vimos que não somos únicas. A experiência do outro é como um espelho. Primeiro vem a obsessão por comer,

depois a compulsão. Então prefiro evitar o primeiro pedaço”. Os principais sintomas apontados pelos médicos como início de um transtorno alimentar são: a baixa auto-estima, a insatisfação, comer sem estar com fome, sensação de falta de controle, comer várias vezes num breve período de tempo uma quantidade de comida considerada grande, sentir-se decepcionada, deprimida, provocando uma sensação de culpa após a ingestão. Uma boa notícia para quem sofre desse mal é que o impulso de comer tem tratamento, e é feito à base de medicação e acompanhamento psicológico, desde que o paciente reconheça que está doente, que precisa de ajuda e esteja disposto a seguir os conselhos dos profissionais. Foi comprovado que após a retirada de antidepressivos, o quadro de transtorno alimentar retorna, diante disso, estudiosos afirmam que é preciso um tratamento mais intensivo e individual para cada paciente. De acordo com a psicóloga Luiza Portela o comedor compulsivo sofre por problemas emocionais, e mesmo quando tratados com medicamentos eles ainda podem ter impulsos e quando se recuperam, podem passar por crises de abstinência, tratamento parecido com o de usuários de drogas pesadas. “A principal causa dessa deficiência é o desequilíbrio da serotonina, substância responsável pelo humor e a libido no organismo e esse desequilíbrio é o principal causador dessa compulsão”.


A ditadura da beleza faz com que muitas mulheres sofram de transtorno compulsivo alimentar devido ao culto à magreza. O mais triste dessa história é que a sociedade não está distante de abolir esse império da beleza magra. No Brasil, o índice de obesidade está aumentando nas classes populares e a classe C endividando-se pelo consumo de produtos relacionados à beleza. Então, enquanto 13 mi-

lhões de brasileiros lutam contra a desnutrição, outros 27 milhões têm que lidar com os problemas decorrentes do excesso de peso. Stenzel, no livro Transtornos Alimentares e Obsesidade, escreve a respeito: “As representações sociais da obesidade e da magreza se fundamentam em valores sociais vigentes, tais como o individualismo. Somos estimulados a atingir a perfeição corporal individual (no caso o corpo magro) ao invés de estarmos almejando uma sociedade melhor, mais solidária, mais igualitária. No universo adolescente, os objetivos individuais se sobrepõem aos coletivos; a maioria das adolescentes está voltada para a felicidade própria, e valores como solidariedade e cooperação não são compatíveis com valores de competitividade e sucesso individual”.

SERVIÇO O grupo de ajuda, CCA – Comedores Compulsivos Anônimos se reúne semanalmente aos sábados das 17 às 19h na Associação dos Ex- combatentes, no bairro Benfica.

Fome de Vida J.G., 29 anos, é advogada, tem dois irmãos mais novos, mora com eles e com a mãe. Aos 15 começou a desenvolver uma compulsão por estudo, era a melhor da sala. Até então, ninguém percebia a gravidade do problema. A crise no casamento de seus pais desencadeou uma série de problemas. Seu pai, alcoólatra, morreu quando ela tinha apenas 18 anos. Revoltada, ela se entregou ao álcool. Um namoro a ajudou a superar a dependência por bebida. E foi nesse período que conseguiu ficar magra por cinco anos. Acabado o namoro, se viu atolada em dívidas, devido ao alto consumo de produtos estéticos. Foi a psiquiatras, psicólogos, buscou religiões, fez todo tipo de tratamento para curar sua dependência por consumo. “Já gastei muito dinheiro, mas não via retorno”. Devido às críticas da família, a compulsão foi mudando. Toda vez que sentia raiva, tristeza ou decepção comia mais. “A minha carência emocional era tão grande que supria com a comida. Sempre precisei de outra pessoa para me ajudar, sempre elegendo algo como meu poder superior. Não tinha autonomia, amor próprio. Eu aprendi no CCA que um lar disfuncional, cheio de brigas e problemas, afeta a criança, tanto que meus irmãos também são compulsivos”. J.G. entrou no CCA há menos de um ano e já se sente melhor e com sua doença controlada. “Depois que entrei no CCA, estou em processo de recuperação, começando a me amar. Hoje eu aprendi que não adianta mais culpar ninguém, que a responsabilidade é minha. Pioro quando falto uma reunião.”


À moda do SERTÃO · texto · ana júlia cysne · gabriela mendes · fotos · ana júlia cysne ·

Que Lampião era valente, todo mundo sabe. Porém, poucos ouviram falar de sua habilidade em inventar e embelezar a vestimenta do cangaço. Uma de suas criações, a sandália de sola retangular, ainda hoje é usada no sertão. O calçado servia para confundir os destacamentos policiais quanto ao paradeiro do cangaceiro mais famoso do sertão. O responsável pelo resgate e conservação deste estilo é o mestre em couro, Espedito Veloso de Carvalho, mais conhecido como seu Espedito Seleiro.


O Mestre Espedito representa a quarta geração de uma família tradicional na arte de trabalhar com o couro. Os filhos e netos do artesão também já estão atuando em sua oficina, a Artencouro, que fica na cidade de Nova Olinda, a 552Km de Fortaleza, no Ceará. Ele é chamado de Espedito “Seleiro”, pois quando ainda criança já ajudava o pai na fabricação de selas. Há mais de 50 anos na profissão, seu Espedito começou produzindo gibão, manta, sela, ou seja, utensílios para vaqueiros e pessoas do campo. De acordo com ele, em 1971, esses produtos já não eram tão procurados. A partir daí, iniciou a confecção de calçados e bolsas, que, a princípio, não foram bem aceitos pela clientela.

Estilo “cangaceiro” Nessa época, Espedito, ao observar os rascunhos dos moldes das alpercatas que seu pai produzira para o famoso cangaceiro Virgulino Lampião, decidiu inspirar-se no cangaço, experimentando um novo estilo. Relembrando o que seu pai dizia, o mestre descreve que as sandálias eram idealizadas e desenhadas pelo próprio Lampião e possuíam sola em formato retangular, com o intuito de que durante as perseguições, os policiais não soubessem para qual lado o cangaceiro estava seguindo. O artesão conta também que a primeira sandália usada por Lampião chamavase “cobertão”, pois era fechada e protegia todo o pé. Este modelo tinha apenas uma correia que era presa ao calcanhar. Certa vez, “quando ele deu uma brigada mais a Polícia, acertaram um tiro no pé dele e ele ficou pisando de banda”, afirma seu Espedito. Então, “ele foi

na casa do sapateiro, que eu não sei se foi meu pai, e mandou botar mais uma correia na parte de cima do pé pra prender mais e evitar da sandália cair ”. Segundo o mestre, “essa era a sandália original do cangaço”, e que ainda hoje é produzida em sua oficina. O modelo com sola retangular e baseado no “cobertão” foi batizado por “sandália de Lampião”. Não demorou muito para que fizesse su-

Lampião inventou o molde Que até na passarela já sobe É a alpercata de fôrma quadrada Que agora é moda da rapaziada. Do jeitim de seu pai, Hoje seu Espedito também faz Só que as sandáia tão mais enfeitada Prumode agradar também a muierada. Do tempo de Lampião Ana Júlia Cysne


cesso e ficasse conhecida por toda a região. Logo no início, eram vendidos de 30 a 40 pares de sandálias por mês e em um ano esses números triplicaram. Para atingir o público feminino, há 18 anos, seu Espedito criou o modelo “Maria Bonita”, que apesar de seguir também o estilo cangaceiro, não apresenta solado retangular e é mais colorido. Atualmente, a “Maria Bonita” é a mais vendida na Artencouro.

Originalidade sempre O segredo e a fama do mestre estão no primor e detalhismo com que ele produz suas peças. As sandálias são todas feitas à mão, com pouquíssimas costuras de máquinas industriais. Dentre suas máquinas de costura, está uma bastante especial, com mais de cem anos, herdada de seu bisavô, e que apesar de ser vagarosa, até hoje é útil à produção do artesão. Para corresponder à procura por seus artefatos, diariamente, ele se levanta às quatro da manhã e começa a desenhar, definir as cores e o número de pares das sandálias a serem manufaturadas. Na fabricação, ele conta com a ajuda de três filhos e três filhas, além de irmãos, sobrinhos e netos. Uma marcante característica do artesão é a busca incessante pela unicidade e inovação em suas criações. Ele se justifica dizendo: “Eu gosto de mudar os modelos porque quando eu faço 8, 10 pares de sapatos do mesmo jeito, eu já me abuso com eles. Pra mim, eu tô começando uma vida nova quando eu começo outra peça. Acho que é por isso que eu tô com 50 e tantos anos de profissão e não me abuso”. Segundo ele, alguns clientes até tentam mostrar outros modelos de sandálias para que ele copie, mas sua preferência é arquitetar criações próprias. Para se adequar aos tempos modernos, seu Espedito teve que atualizar os seus produtos, mas com o cuidado de não perder a originalidade. “O jeito foi misturar a cidade com o sertão”, declara ele. Então, as simples sandálias do cangaço com seus tons de cinza e couro cru ganharam mais vida, com cortes detalhados e cores fortes. Essa estética minuciosa e

Espedito Seleiro e suas famosas sandálias de Lampião


Sandálias inspiradas no cangaço em versão feminina

A máquina mais antiga da oficina: mais de cem anos e ainda útil

vistosa, conforme o próprio artesão, foi retirada das adornadas selas dos ciganos que habitavam o sertão antigamente. Em seus calçados são utilizados dois diferentes tipos de couro: a camurça, vinda de Juazeiro do Norte, no Ceará e a pelica, de Juazeiro, na Bahia. O preço das sandálias varia de R$ 10,00 a R$ 45,00. Esses custos podem até ser considerados baixos ao se ter em conta que uma só sandália leva um dia e meio para ficar totalmente pronta. Ao chegar dos curtumes, o couro é lustrado com óleo de caroço de algodão. Logo após, com o molde da sandália sobre o couro já polido, são recortados pedaços com um estilete seguindo o formato do modelo. Então, as pequenas partes cortadas são coladas e costuradas em cima de um forro. As correias são

furadas com um vazador. E em seguida, a peça colada e costurada parte para a mesa de solamento, onde vai receber a forma e a sola do pé de acordo com a numeração. Para concluir o processo, a sandália é lixada e limpa no acabamento final. Hoje, pessoas de várias partes do Brasil e até do exterior chegam até a Artencouro em busca do respeitado trabalho de Espedito Seleiro. Lojas em Juazeiro do Norte, Fortaleza, Rio de Janeiro e Picos, no Piauí também vendem seus produtos. Mas essa não é a única maneira de encontrar as suas peças artesanais, muitos telefonam para fazer encomendas e o mestre envia pelos Correios.

O Rei do Cangaço calçava Pra despistar a “macacada” E os menino de hoje bota Só porque tá na moda. Mas o importante mermo é perpetuar E não deixar de exaltar A cultura que vei do Sertão E que meus fi também usarão. Do tempo de Lampião Ana Júlia Cysne


O sertão na moda Devido à qualidade de sua famosa arte em couro, em 2005, a grife paulista Cavalera incluiu peças do artesão no desfile da coleção “Guerreiros do Sol” na São Paulo Fashion Week. Entre as peças expostas estavam: uma sela, sandálias, bolsas, botas, calças, tops, cintos, perneiras etc, confeccionadas especialmente para o evento. Os estilistas da Cavalera que visitaram a oficina Artencouro não participaram da criação dos produtos, todas as peças foram originalmente pensadas por seu Espedito Seleiro. O mestre enfatiza que o importante mesmo não foi trazer fama para o seu nome, mas sim, propagar e expor a cultura nordestina. Com o lançamento desta coleção, as vendas aumentaram tanto, que hoje é quase impossível atender à grande demanda dos clientes. Antes do desfile, era vendida uma média de 200 pares de sandálias por mês, após o evento essa quantidade dobrou. O artesão destaca também a crescente valorização de seus artefatos. Uma bota em couro que custa R$ 70,00, em São Paulo é vendida por R$ 900,00. O mesmo aconteceu com a sela adaptada para jaqueta vestida pelo modelo Paulo Zulu durante o desfile, que custava R$ 800,00 e foi vendida por R$ 3.800,00.

Perpetuar é preciso Com o objetivo de dar continuidade a essa arte, seu Espedito já ministrou cursos promovidos pelo Governo Estadual do Ceará com o apoio do Sebrae, em Campos Sales, Crato, Fortaleza e Nova Olinda. Essas oficinas tiveram a duração de 100 horas, o que ele considera pouco para aprender a técnica. A grande preocupação do mestre em couro é sempre recuperar e exaltar a cultura do sertão que em muitos lugares está sendo esquecida. “Então, se alguém como eu que já nasci dentro disso aqui, se eu não segurar, quem é que vai segurar?”. Graças a pessoas como seu Espedito, hoje ainda é possível ter o privilégio de reviver e conhecer uma parte das raízes de um povo. Seus calçados não são apenas uma moda, e sim, símbolos de uma identidade cultural.

SERVIÇO Oficina Artencouro Rua Monsenhor Tavares, 190 CEP: 63165-000 - Nova Olinda - CE Fone: (88) 3546-1432.

Seu Espedito em sua oficina: criatividade e detalhismo nas suas peças


Quem pode realizar a

ACUPUNTURA? · texto · carla siebra · clarissa diógenes · fotos · clarissa diógenes · ilustração · richel martins · arte final · paulo victor

Com o Ato Médico, que pretende regulamentar o exercício da profissão, surgem discussões sobre qual profissional pode aplicar as técnicas de acupuntura. Enquanto não há acordo, a sociedade reflete sobre a questão.


Relaxar, trazer energias positivas, evitar e curar desequilíbrios entre o corpo e a mente. Estes são alguns dos efeitos proporcionados pela acupuntura, uma técnica tradicional chinesa que consiste em aplicar na pele finas agulhas de metal. Tais objetos são colocados no corpo do paciente através de pontos específicos por onde passam os “canais de energia” em que flui o qi (pronuncia-se chi), ou seja, a energia vital do ser humano. A acupuntura veio para o Brasil a partir da década de 50, com a chegada dos imigrantes orientais a São Paulo. Em 1958, surgiu a Sociedade Brasileira de Acupuntura e Medicina Oriental. Hoje chamada de Associação Brasileira de Acupuntura (ABA) que congrega profissionais de todas as áreas que praticam essa técnica. Segundo o Ministério do Trabalho, o exercício da atividade é livre, portanto, todo profissional, independente da área de atuação, pode praticar a acupuntura. Em Fortaleza, há o curso de Terapias Tradicionais Chinesas vinculado à Universidade Estadual do Ceará (Uece). Segundo a coordenadora do curso, Sheila Bombonato, é uma vantagem para quem não trabalha na área da saúde, pois estas pessoas adquirem o conhecimento adequado da medicina oriental, já que a acupuntura obedece a um paradigma diferente da saúde biomédica tradicional do Ocidente. Para a formação de médicos, veterinários e dentistas nesta área, é preciso fazer um curso de Pós-Graduação ligado à Sociedade Médica Brasileira de Acupuntura (SMBA) com duração de 720 horas. A SMBA foi fundada em 1984. A entidade surgiu com o objetivo de compreender a acupuntura dentro dos parâmetros científicos. A partir de 1996, a técnica foi reconhecida como especialidade médica.

Há uma grande discussão entre médicos, demais profissionais da saúde e de outras áreas sobre quem pode realizar a acupuntura. Segundo o médico e membro do Conselho Regional de Medicina do Ceará (Cremec), Lúcio Flávio Gonzaga, o profissional melhor preparado para atuar como acupunturista é o médico, pois é preciso conhecer profundamente o procedimento, seus riscos e conseqüências para saber resolvê-los. Para regulamentar as ações do profissional médico, está no Senado Federal, na Comissão de Assuntos Sociais, o Projeto de Lei do Ato Médico, o PL nº 25/ 02. Este define que são atributos específicos da sua área diagnosticar, prognosticar e tratar doenças, limitando, assim, o exercício da acupuntura aos médicos especializados. Para o médico acupunturista e presidente da SMBA, Agamenon Honório, “enfiar agulhas qualquer um pode aprender. Mas somente o médico sabe porque está aplicando em determinado ponto”. Porém o Ato Médico é contestado em diversas áreas da saúde. O fisioterapeuta e acupunturista, Rildo de Menezes, conta que os médicos até uns 10 anos atrás não tinham o menor interesse na prática da acupuntura e só passaram a ter quando perceberam que os profissionais holísticos estavam ganhando dinheiro. A paciente Virgínia Augusta, 47 anos, utiliza a acupuntura há 15 anos e procura esse tratamento para curar doenças como enxaqueca e Tensão Pré Menstrual (TPM). Para ela, o profissional não necessita ser médico para manusear as agulhas, mas é preciso ter competência. Enquanto não há restrições de quem pode fazer a acupuntura, é preciso que as pessoas procurem bons profissionais. Já que o exercício é livre, há o risco do paciente cair em mãos erradas.

Conheça mais sobre essa técnica A diferença que há entre essa técnica e o método da medicina ocidental é que ele lida com o tratamento de doenças, já a técnica chinesa evita que tais manifestações apareçam. Dentre as pessoas que procuram a medicina oriental, as mulheres são maioria. O tratamento não causa nenhum efeito colateral, qualquer pessoa pode fazê-lo, exceto quem utiliza anticoagulantes e grávidas até os três primeiros meses de gestação. Quando a agulha penetra na pele, a sensação proporcionada ao paciente é de choque, peso e dormência, dependendo do caso. Depois de uma sessão, que dura em média 30 minutos, a sensação é de bem-estar, prazer interno e bom humor, já que libera serotonina. Existem planos de saúde que já oferecem cobertura para serviços de acupuntura. Em Fortaleza e no interior do estado, é possível fazer uma sessão através do Sistema Único de Saúde (SUS) nos ambulatórios de acupuntura do Hospital de Messejana, do Instituto Dr. José Frota de Parangaba, da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza e de Sobral. Esses ambulatórios atendem de 20 a 50 pacientes por semana. Uma sessão particular custa em média de R$10 a R$60 e podem ser feitas em clínicas ou hospitais.


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fazem renda na praia do Iguape · texto · daniel pires · carla virgínia ·

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· daniel pires ·

A habilidade masculina na produção de peças em renda, ponto-de-cruz, bilro e outros trabalhos manuais é conhecida por milhões de cearenses, encantando a quem só conhece a mulher rendeira

Tradição: Francisco José, horas confeccionando em ponto de cruz

Mais jovem, Adriano Costa demonstra habilidade nas rendas de bilro

Gracieldo Dantas trabalha suas toalhas de filé à noite, por medo do preconceito

Das belas águas da praia para o mar de linhas e agulhas. Essa foi a história vivida pelo pescador Francisco José Rufino Rocha, 47 anos, que desde seus 11 anos iniciou o trabalho com a pesca. Como para ele a pesca foi uma maneira de sustentar a família, o próprio trabalho lhe pregou um destino que o fez parar por mais de um ano. Foi no mar que sofreu um acidente, adquirindo uma hérnia de disco na coluna prejudicando seu trabalho. Impossibilitado de se locomover foi a partir daí que conheceu sua habilidade com a renda, o pontode-cruz. Com ajuda da sua esposa uma tradicional rendeira do Centro de artesanato. Muito à vontade entre linhas, pontos e panos, Francisco, que também é filho e neto de rendeira, afirma que não se sente envergonhado e “menos homem” por praticar uma atividade considerada feminina. O preconceito, segundo ele, está dentro de cada um. A produção, além da habilidade e talento, requer paciência. “É um quebracabeça danado, às vezes até mulher não consegue aprender. É um negócio complicado, mas como desde criancinha vi minha mãe trabalhando com a renda, ponto-de-cruz e paletão, facilitou meu aprendizado”. Hoje, já recuperado, Francisco voltou para a pesca, mas não deixa de lado sua outra profissão. O pescador-rendeiro divide seu tempo entre o mar e o Centro de artesanato. Vencendo a cada dia o preconceito, Francisco diz que sente-se importante por ser um representante da classe masculina diante das rendeiras e um privilegiado por tornar-se um símbolo cearense com a fabricação da renda. O pescador-rendeiro apura no mês R$ 80 na renda e R$ 120 (dependendo da época) na pesca. Ao mesmo tempo em que trabalha para sustentar sua família, ensina a pesca e a renda para os cinco filhos, sendo deles três homens e duas mulheres. Afirma que os filhos aprendem as coisas da vida com os pais. Partindo desse ponto, um já o ajuda com a pesca, o outro tentou


Crochê: tecido rendado executado à mão com uma agulha provida de um gancho na extremidade e utilizada na confecção de peças ornamentais, vestuários e artes. Ponto-de-Cruz: o bordado é um ornamento executado sobre tecido, por meio de agulha e linhas coloridas, podendo ser trabalhado com as mãos ou feito em máquinas apropriadas. Os bordados dão acabamento em peças de vestuário, cama, mesa e banho, trabalhando-se os fios do próprio tecido ou fazendo-se apliques. Bilro: peças de madeira compostas de uma haste com a extremidade em forma de bola ou fuso, chamada "cabeça de bilro". Em almofadas redondas, recheadas com palha de bananeira, a rendeira aplica o "molde", riscado e marcado por alfinetes ou espinhos, elaborando um emaranhado de linhas, conduzidas pelos bilros. Macramé: Espécie de passamanaria, tipo de tecido trabalhado entrançado com fio grosso, feita de cordão trançado e com nós. Labirinto: feito sobre tecido, por meio de agulha e linhas coloridas, podendo ser feito com as mãos ou em máquinas apropriadas. A rendeira risca o desenho no tecido e em seguida, desfia e tece com o auxílio de uma lâmina, uma agulha fina, uma tesoura e um bastidor. Filé: Certo trabalho de agulha tecido em rede feita à mão o qual forma desenho e é geralmente usado para fins decorativos. (Fontes: www.valedosaofrancisco.com.br e Dicionário Aurélio da Lingua Portuguesa)

fazer renda, mas não viu habilidade para a coisa, enquanto o terceiro ainda pequeno espera crescer para ver qual das duas profissões vai seguir. É no Centro de Artesanato Miriam Porto Mota na praia do Iguape, localizada no Município de Aquiraz, a 44km de Fortaleza que Francisco trabalha, lá há também rendeiras, mulheres que já são conhecidas pelo talento e criatividade de suas peças em crochê, macramé, labirinto, crivo, pontode-cruz, rendas de bilro, e outros trabalhos de pura habilidade. Neste mesmo Centro encontram-se outros homens-rendeiros que fabricam toalhas, saias, blusas, panos de pratos, expressando habilidade manual nas peças. Adriano Alves da Costa, 20 anos, aprendeu as famosas rendas de bilro há sete anos com uma rendeira do Centro de artesanato do Iguape. Ele começou trabalhando como guia turístico do local, mas acredita que o talento para ser rendeiro falou mais alto. Hoje, também produz peças em paletão e ponto-de-cruz e conta com o total apoio da família. Para o rendeiro, a renda feita ao vivo por mãos masculinas chama muito mais atenção. As rendeiras do Centro comentam que existe preconceito entre os próprios rendeiros e afirmam que a presença entre elas vem diminuindo bastante. Hoje, são 54 rendeiras, e somente sete rendeiros trabalhando no Iguape. Quase a metade do número de rendeiros trabalhando no ano passado. “Eles tem vergonha e medo do preconcei-

to”. Muitos acham que vão “deixar de ser homem”, afirmam as rendeiras. Graciledo Dantas da Silva, 35 anos, fabrica peças em filé, outro trabalho manual em que se é utilizado em rede de pescador com o apoio para que as linhas entrelaçadas formem a renda. Ele diz que quando está desempregado entrega suas peças para a mãe, que é rendeira, vender. “Quando não tem emprego, faço filé para sustentar meus dois filhos. Prefiro fazer em casa para ninguém ver e depois eu entrego para mãe vender”. A mãe de Gracieldo é Aldenora Silva, uma das primeiras rendeiras do Centro de artesanato do Iguape. Como rendeira dona Aldenora avalia o trabalho dos homens bem feito e criativo. “Eles trabalham muito bem. Até melhor que muita mulher”. O Centro de artesanato Miriam Porto Mota funciona diariamente de 8h30min às 18h. No espaço o visitante tem a oportunidade de conferir ao vivo a fabricação das peças, uma tradição que vem sendo passada de mãe para filha, ou melhor, de mãe para filho.

Centro Miriam Porto Mota Rua da Praia, s/n - Praia do Iguape - Município de Aquiraz-CE Tel: 3361-6447


ANDARILHO

História de mais um

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Bisneto do mais valente e respeitado jagunço conselheirista, “guerra” é sinônimo de luta para Cy Vila Nova. Depois de percorrer o Brasil em busca de melhores condições de vida, este músico, ao mesmo tempo em que traz no sangue o temperamento do patriarca Honório Vila Nova, demonstra ser uma pessoa bastante sensível.


Ele entra e sai da padaria em que trabalha. Parece nervoso. A sua expressão é de quem acaba de ser traído. Seus colegas de trabalho lhe pedem calma: - Cy, vai dar tudo certo, arrisca um amigo que está no caixa. Ele coça a cabeça. Alguém lhe fez algo muito grave, pensei. Com a coragem de um repórter iniciante, pensei em seguida: vou quebrar o gelo. - Cy, o que é que tá pegando? Perguntei meio que sorrindo. Com uma cara de poucos amigos, ele me responde: - Macho, esses políticos que promete as coisa a gente e num cumpre. Eu fico irado, ó, macho. Então, pensei por um instante e voltei a perguntar: - E o que te prometeram? Desta vez não obtive resposta. - Deixe pra lá, deixe pra lá, resmungou com um olhar de valentia antes de encostar a cabeça no balcão de atendimento da panificadora. Conheci Cy há um ano quando morei quatro meses numa casa de apoio localizada aqui em Fortaleza. O objetivo da casa era dar assistência aos doentes que vinham do interior. Mesmo patrocinada pelo ex-prefeito da cidade de Tarrafas, Tertuliano Cândido (mais conhecido como Terto), para a alegria dos doentes que ali se hospedavam, todas as noites após o expediente na padaria, Cy aparecia por lá. Alegre e sempre trazendo consigo bastante alimento da padaria para distribuir àquelas pessoas, ele era bastante querido. A partir desse gesto de solidariedade, me aproximei dele, e, em pouco tempo, tornei-me seu amigo. Ele está sempre cantando, mesmo que baixinho a música “Realidade de amor”. Esta é uma de suas composições preferidas. Sexta, 31 de março. Combinamos e saímos à noite. Conversamos sobre música. Resolvi dormir onde ele se hospeda. Um vãozinho na parte de cima da padaria. O quartinho é simples. Há dois quadros na parede. Um, do cantor Amado Batista. O outro, do Padre Cícero. Cy está extrovertido. Adormeci. Quatro e meia da manhã de sábado. Ainda está escuro. Quase não se

percebe barulho de trânsito pela cidade. “É hora”; sussurra Cy movendo-se em sua rede. “Hora de trabalhar”, diz ele. “Prazer imenso, pra quem não me conhece eu sou Cy Vila Nova, cantor e compositor vilanovense cem por cento demais”. Acordei ouvindo esse ensaio. Ele irá se apresentar na semana que vem no programa Paulo Oliveira da TV Diário. Cinco horas. Ele sai cantando: “Realidade. Realidade de amor...”.

Mais um andarilho Entretanto, apesar do jeito alegre e ao mesmo tempo carrancudo, a realidade deste cantor sempre foi muito difícil. Ele deixou sua terra natal (uma vilazinha fundada por seu bisavô no interior do Ceará) aos 18 anos para tentar a sorte no Sudeste do país. Em busca de se tornar cantor conhecido e, sobretudo, batalhar por melhores condições de vida, ele afirma já ter percorrido o Brasil. “Macho, eu já sofri batalhando aí afora em tudo quanto é coisa que você possa imaginar, mas eu digo o seguinte: valeu a pena”, afirma, emocionado, quando relata ter conseguido cantar no quadro de calouros do Ratinho no SBT. Continuou. Ele não gosta de ser interrompido. “Em São Paulo, trabalhei lavando defunto num hospital. No Rio, fui servente de pedreiro. Depois fui pra Minas, trabalhei de garçom. Depois fui pra outros cantos e agora estou aqui em Fortaleza, entendeu? Limpo um prédio de dia, trabalho na padaria à noite, mas nunca sem esquecer a música, entendeu”. Parou um pouco, mas eu não interrompi. “De vez em quando eu tou no Paulo Oliveira, já viu?” Me perguntou; então interrompi afirmando que sim. Apesar de nunca ter ganho


Arraial de Canudos, arquivo do Museu Histórico Nacional

“nunca desisti de trabalhar duro e lutar pelo meu sonho de ser um bom músico”, desabafa Cy, hoje com 27 anos.

Coincidências Coincidência ou não, o fato é que a história de Cy confunde-se com a do seu bisavô, Honório Vila Nova. Vamos simplificá-lo ainda mais, e chamá-lo apenas de Vila Nova (assim, este homem é conhecido nos relatos de Euclides da Cunha no livro “Os sertões”). Em 1877, fugindo da grande seca daquele ano, Vila Nova deixou a fazenda Urucu no Cariri cearense (onde tempos depois fundaria no mesmo local uma vila que batizou com seu apelido). Anos mais tade, depois de deixar o Cariri, Vila Nova torna-se “braço direito” de Antônio Conselheiro em Canudos. Já Cy (seu bisneto) deixou a roça em Vila Nova em 1995, aos 18 anos rumo a São Paulo em busca de trabalho e sucesso. Apesar das épocas e das trajetó-rias distintas em que ambos percorreram parte do Brasil, os objetivos se entrelaçam no quesito “luta por melhorias na condições de vida”. Vila Nova, como ficou conhecido seu Honório após ter morado em Vila Nova da Rainha, na Bahia (atual Bonfim), virou no final do século XIX comerciante em Canudos e melhor amigo de Antônio Conselheiro. Cy foi um pouco mais distante pelo menos em termos geo-gráficos. Hoje batalhando em Fortaleza, no final do século XX deixou a vila fundada pelo seu bisavô, para “descobrir” as principais capitais do nosso país.

Um outro fator de semelhança entre bisneto e bisavô encontra-se no quesito temperamento. Para “comprar briga” com Cy, basta falar mal da família Vila Nova (não confundam. Com o passar do tempo, Vila Nova passou a ser uma grande família). Apesar de não assumir seu estilo “pavio curto”, Cy nos conta algumas recentes histórias de seus parentes. “Macho, eu tenho uns primos no interior que a diversão deles é enfrentar os macacos” (termo usado para designar a polícia). E continua relatando um episódio que aconteceu recentemente com um tio: “esse meu tio sempre que ia comer papa pelas beiradas, o prato rodava na mesa. Então o que ele fez? Ele se enraivou e pregou um prego cabral no prato cheio de papa que tá lá até hoje pra todo mundo ver, o prato pregado na mesa”.

Relatos sobre Vila Nova Honório Vila Nova é citado por Euclides da Cunha em “Os Sertões” e, em reportagens de Manuel Benício, enviado especial do “Jornal do Commercio”, do Rio de Janeiro como o mais feroz Jagunço dos combates entre o Exército brasileiro e os homens de Canudos. Segundo relatos de Manuel Benício, que escrevia diretamente da zona de conflito: “a cabeça desse Jagunço vale muito dinheiro”. Cy nos fala que, ao deixar Canudos nos momentos finais da guerra, seu bisavô temia traição até dos próprios companheiros de guerra por causa do preço da sua cabeça.


A fuga e o recomeço “Meu avô fala que o conselheiro gostava tanto do meu bisavô que ordenou que ele saísse do arraial antes da guerra terminar” indaga Cy um pouco agitado na entrevista. Ainda segundo ele: “Tava escrito. O conselheiro já sabia sobre o trágico fim do lugar, mas num queria que seu amigo morresse. Então, ordenou que pegasse toda a sua família já no fim da guerra e se escapulisse mata adentro”. “Era assim, pra chegar de volta a Urucu, meu bisavô com a família – nessa época meu avô que morreu agora há pouco tempo, tinha um ano de idade e viajou dentro de um caçoá (bagageiro feito de cipó usado em animal) - só andava à noite por dentro do mato porque durante o dia tinha soldado em tudo quanto era parte. Então, ele caminhou meses pra chegar de volta à fazenda e fundar a Vila Nova que é onde hoje nóis mora, por isso que a escola, o posto de saúde, tudo lá hoje tem o nome dele” explica Cy.

o único jagunço vivo da ofensiva à Canudos. Hoje, A Ponte nos proporcionou caminhar através dos anos e conhecer um pouco da saga desta família que, apesar de não estar estampada nos livros de história do Brasil, lutou e ainda luta na busca por dias melhores.

Último relato sobre o patriarca

Cy, fatos atuais

A última publicação sobre Honório Vila Nova antes de sua morte em 1972, aconteceu há quase 40 anos, quando em 02 de setembro de 1967, o jornalista José Belém, da extinta revista “O Cruzeiro”, reportou em quatro das grandes páginas dessa publicação, como vivia

Hoje em dia, andarilho e determinado, Cy não perde a esperança de vencer as batalhas da vida. Para ele, “ninguém chega à vitória sem antes passar pela guerra”. Pedi ao encerrar a entrevista, para que deixasse uma frase qualquer. Pensei comigo que depois de falarmos por quase três horas sobre a história de sua família, ele quisesse deixar o telefone para contato. Afinal, ele é músico. Enganei-me mais uma vez. Ele olhou com o mesmo olhar da padaria, piscou os olhos de forma que parecia agitado e finalmente falou: “Cícero Renato, os políticos não enganam a gente não, a gente é quem se engana com eles”. Imaginei que ele estivesse me respondendo à pergunta que lhe tinha feito na padaria, quando ele estava nervoso, mas chega de imaginar.

Cy Vilanova e a família (Revista O Cruzeiro/ 1967)

Seu Honório, avô de Cy (Revista O Cruzeiro/1967)


A velha do vestido

rosa rasgado

Todos os dias, a velha do vestido rosa rasgado regava as plantas de um pequeno jardim que possuía na frente de sua humilde casa. Seu regador era velho, feito de alumínio pouco resistente. A velha tinha o cuidado de pôr pouca água, pois poderia não aguentar o peso que o regador poderia fazer. Mas ela estava lá, todos os dias, pontualmente às seis da manhã, a aguar lindas flores vermelhas e brancas de seu pequeno jardim, gramado em frente à sua humilde casa. Os cabelos brancos denotavam uma tristeza aparente. Seus olhos verdes, com as bordas esbranquiçadas pela velhice, davam-lhe um semblante vivo, de mulher vivida e madura. Os pequenos passos que dava até chegar ao jardim eram cuidadosamente vigiados por si mesma. A mesma distância, as mesmas flores, o mesmo regador, a mesma quantidade de água e o mesmo peso. O mesmo vestido. Rosa. Rasgado. Rasgado bem na frente, na altura do peito, no lado esquerdo. A velha não se preocupava com aparência, muito menos com o pequeno rasgo em seu vestido. As flores de seu humilde jardim valiam-lhe o sabor de estar viva, e de estar tranqüila ao saber que a natureza estava ao seu lado sem-

pre que quisesse. Era um pedacinho do mundo que ela cultivava todos os dias. Um mundo perfeito, sem dores, sem lágrimas. Aquele jardim era um mundo dentro do mundo. Um monopólio natural que a velha, de vestido rosa rasgado cuidava todos os dias. Era uma pequena contribuição dela para o mundo respirar mais bons ares, mais vida e mais pureza. Mas a velha tinha um problema. Seu vestido rosa rasgado estava incomodando-a. O lado esquerdo do peito estava deixando-a apavorada a cada dia que passava. Ao sair de casa todos os dias às seis da manhã, ela tapava o peito esquerdo, escondendo o pequeno rasgo. Ela não regava mais as plantas corretamente, ela não olhava mais para o céu azulado da mesma maneira, ela não respirava os bons ares com entusiasmo como antes. O rasgo no vestido acabou com tudo. Amanheceu, e com a aurora as plantas morreram. A grama transformou-se em amarelo-sujo. As flores brancas murcharam. O regador estava no chão. A velha sentada em sua cadeira de balanço, a olhar, com a mão no queixo, o céu azulado, desejando estar no infinito tempo. · por · thiago jorge · Estudante de Jornalismo da Unifor

Se você é aluno ou funcionário da Unifor envie uma crônica ou arte para A Ponte (equipelabjor@yahoo.com.br), com identificação. Os melhores trabalhos enviados serão expostos, com autorização dos autores, na Mostra de Artes do Laboratório de Jornalismo (Bloco Q, Sala 25) em data a ser divulgada. A seleção dos trabalhos de arte é de responsabilidade da redação. A crônica é selecionada pelo professor Batista de Lima (Curso de Letras, diretor CCH).


A verdadeira história de Ismália,

trecho de

Gadelha do Cordel, (funcionário - Odontologia/ UNIFOR) cordel escrito em oitavas setissilábicas na formação AAABCCCB, adaptado do poema “Ismália”, de Alphonsus de Guimaraens. Ilustração: Besq. 12 págs; 1.000 exemplares; Edição PalavrAndante, Fortaleza, 2005.


Pintura gasta; paredes cheias de cartazes com desenhos e recortes de revistas feitos pelos próprios alunos; playground simples e sem muita cor; refeitório pequeno, mas sempre limpo; nenhum material especial ou computadores de última geração. Esse é o cenário de uma escola da zona rural, em uma cidade de 10 mil habitantes. Embora pareça com uma escola brasileira, a Escola da Ponte está localizada em Portugal, no município de Vila das Aves, a 30 km de Porto. E por mais parecida que seja com as da rede pública no Brasil, há mais ou menos quatro anos vem despertando a curiosidade dos nossos professores. O que ela tem de diferente? O método de ensino, que estimula uma pedagogia livre, em que não existe a figura do professor autoritário e os pais voltam a ter poder decisório na educação dos filhos. A descoberta da escola foi um grande achado para os educadores que acreditam e buscam mudar a forma tradicional de ensinar. Existe uma grande ironia quando falamos dessa descoberta, é que ela ainda não aconteceu no próprio país, já que muitos portugueses não sabem que a escola existe. As visitas são tantas, em média três brasileiros por dia, que os próprios alunos elaboraram uma cartilha com os deveres e direitos do visitante. Como, por exemplo, o direito de ser guiado por um dos estudantes e o dever de fazer o máximo de silêncio possível, para não atrapalhar as atividades. Mas onde está a diferença? Os alunos têm aulas normais? Existem professores? Por que chama tanta atenção? Bom... a Escola, que já existe há 29 anos, desde o começo pretendia uma nova forma de ensino, onde o aluno tivesse mais autonomia e que o ato de estudar não fosse nenhuma obrigação. Para começar, não há divisão por série ou faixa etária, as crianças e adolescentes são divididas de acordo com o desempenho, uma espécie de nível: iniciação, consolidação e aprofundamento. As aulas não são separadas por disciplinas. Os alunos selecionam seus projetos de estudo que devem durar 15 dias, formam um grupo e escolhem um professor para acompanhá-los durante o ano, o tutor. No final da quinzena, reúnem-se, verificam se alcançaram os objetivos e iniciam uma nova quinzena. Quando consideram que sabem o suficiente, pedem que o professor faça uma avaliação; se vão bem, passam para outro assunto, caso contrário, voltam ao tema. Os temas dos projetos são retirados de redações espalhadas nas paredes da Escola, onde estão os conteúdos curriculares de cada disciplina exigidos pelo Ministério de Educação. A escola também recebe alunos com dificuldades de aprendizagem vindos de outros estabelecimentos.

Escola da

PONTE

· por · lílian amaral ·

Estudante de Jornalismo da Unifor

Segundo uma pesquisa realizada entre 1991 e 2001 por três doutores da Universidade de Coimbra, o rendimento escolar de alunos de quinta e sexta séries, comparando a Escola da Ponte com as 20 melhores escolas públicas portuguesas, foi melhor em todas as avaliações. Ainda assim a Escola tem sido alvo de muitas críticas, como por exemplo pelo fato do topo da hierarquia escolar ser formada pelo conselho de pais e não por diretores, coordenadores e professores. Mas como a nova proposta de ensino vem dando certo, muitas instituições no Brasil já desenvolveram modelos semelhantes. É o caso da Escola Lumiar, em São Paulo, criada em 2003 e que é um exemplo dessa nova forma de ensino. Seus espaços não têm lousa nem carteiras e os alunos definem as regras em assembléias. Diante dos novos desafios do mundo globalizado resta sabermos que modelo de escola queremos e qual destes estará mais adequado à realidade brasileira. Será que a nossa jovem democracia está preparada para a escola da “autonomia”? Acreditamos que é preciso experimentar, só assim nossas indagações poderão ser respondidas.

CURIOSIDADE!!

Os alunos da Escola da Ponte produzem um jornal mensal, Dia-a-Dia, que serve como incentivo à escrita, além de facilitar a comunicação com a comunidade. O jornal recebeu duas menções honrosas do concurso do Jornal Público de jornais escolares nos anos 2001/02 e 2002/03.


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