Entrevista. A jornalista Adriana Santiago conta como organizou o livro “Haiti por si: a reconquista da independência perdida”. JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIFOR
ABRIL/MAIO DE 2013
ANO 4 N° 9
Página 6
“Olha a sopa, olha a sopa!” Crianças são maioria nas filas de distribuição da sopa.
Foto: Manoela cavalcanti
Em noites de quarta-feira, voluntários da Sociedade Espírita Caridade e Esperança (SECE) vão até comunidades carentes, em bairros como Papicu e Centro, para distribuir cerca de 120 litros de sopa.
Manoela Cavalcanti
A frase anunciada ecoa pela subida da estrada de terra. Na noite de poucos e precários postes de luz, gargantas anônimas reproduzem o primeiro aviso sobre a chegada da comida, e como um rastilho de pólvora, a notícia se espalha. No trecho periférico e mais alto da comunidade conhecida como “Favela do Pau Finin”, próxima ao bairro Papicu, o carro de porta-malas amplo estaciona. Em segundos, surgem de várias direções pessoas com recipientes vazios, em geral daqueles de sorvete ou margarina. A maioria é criança. “Acho que eles têm vergonha [os adultos], por isso enviam os filhos”, explica a voluntária Célida Socorro, que há cinco anos participa da distribuição de sopa para comunidades po-
bres e no Centro, em Fortaleza, em noites de quarta-feira. Célida participa da distribuição, mas há muitas outras etapas que precedem esta, como a arrecadação de suprimentos, a preparação dos 120 litros de sopa e, por fim, a lavagem das grandes panelas de metal onde o alimento é preparado. Cada etapa requer colaboradores e, além da intenção de ajudar, o que todos têm em comum é que fazem parte da Sociedade Espírita Caridade e Esperança (SECE). Através de trabalhos voluntários, os participantes buscam fazer jus ao sentido que nomeia a instituição, sediada no bairro Cidade 2000. À frente dessa atividade, o servidor público Antônio Maxmiliano Santiago Lopes, o Max, explica que a distribuição da sopa “vira um hábito”. Ele con-
ta que a motivação para realizar esse trabalho voluntário, há mais de 15 anos, vem do espiritismo. “Temos que fazer a caridade, é um dos ensinamentos da doutrina espírita. Me sinto bem em ajudar. Sei que não vai resolver o problema do mundo. Mas hoje, quem não tinha comida, vai comer”. Imersos na comunidade A distribuição acontece às quartas-feiras, em locais que costumam ser notícia nos programas policiais, como as comunidades “Areias” e “Barreiras”, ambas próximas à Cidade 2000. Na primeira quarta-feira do mês, os voluntários fazem a distribuição no Centro. “Tem muita gente interessante, com histórias diferentes. Notamos que eles se sensibilizam. Antes tinha muitas crianças cheirando cola. Quando íamos, fazíamos uma prece e elas deixavam de cheirar para comer”, conta Max. Quanto ao perigo, os colaboradores dizem não senti-lo. Com uma exceção. “Sempre dizem que é perigoso, mas só
“Temos que fazer a caridade, é um dos ensinamentos da doutrina espírita. Me sinto bem em ajudar. Sei que não vai resolver o problema do mundo, mas hoje, quem não tinha comida vai comer” Antônio Maxmiliano Santiago Lopes
uma vez teve uma situação complicada. Um cara armado queria fazer confusão, levar os recipientes das sopas, mas a própria comunidade o cercou e nos protegeu. Sinto isso como um reconhecimento”, diz Max. Em geral, quem vai até as comunidades não participa da feitura da sopa, que começa às 6h30 da manhã. Atualmente, ela é preparada por três pessoas. As compras são feitas no dia anterior à distribuição. O
dinheiro e os alimentos são doações da instituição espírita e, em sua maioria, dos próprios voluntários. “Cada um ajuda com o que pode”, diz a autônoma Maria da Conceição Lourenço, que ajuda cozinhando e com doações. Ela conta que o número de integrantes na cozinha já foi maior, mas que é algo instável. Maria da Conceição admite que, às vezes, acaba se sobrecarregando [ela faz parte de outros grupos voluntários], mas que sempre teve vontade de ajudar. “Acho que rodei todas as comunidades católicas por aqui, mas não consegui encontrar nenhuma onde eu pudesse fazer um trabalho social. Entrei na comunidade espírita pra ajudar na sopa, mas acabei me empolgando e gostando do espiritismo”, conta ela. Indagada sobre a motivação, se emociona. “Quando a gente vê a pessoa chegar e dizer: ‘Graças a Deus hoje tem, não tinha nada pra comer em casa’, ou ‘Muito obrigada, Deus te abençoe!’, dá vontade da gente chorar”.