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Entrevista. A jornalista Adriana Santiago conta como organizou o livro “Haiti por si: a reconquista da independência perdida”. JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIFOR

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“Olha a sopa, olha a sopa!” Crianças são maioria nas filas de distribuição da sopa.

Foto: Manoela cavalcanti

Em noites de quarta-feira, voluntários da Sociedade Espírita Caridade e Esperança (SECE) vão até comunidades carentes, em bairros como Papicu e Centro, para distribuir cerca de 120 litros de sopa.

Manoela Cavalcanti

A frase anunciada ecoa pela subida da estrada de terra. Na noite de poucos e precários postes de luz, gargantas anônimas reproduzem o primeiro aviso sobre a chegada da comida, e como um rastilho de pólvora, a notícia se espalha. No trecho periférico e mais alto da comunidade conhecida como “Favela do Pau Finin”, próxima ao bairro Papicu, o carro de porta-malas amplo estaciona. Em segundos, surgem de várias direções pessoas com recipientes vazios, em geral daqueles de sorvete ou margarina. A maioria é criança. “Acho que eles têm vergonha [os adultos], por isso enviam os filhos”, explica a voluntária Célida Socorro, que há cinco anos participa da distribuição de sopa para comunidades po-

bres e no Centro, em Fortaleza, em noites de quarta-feira. Célida participa da distribuição, mas há muitas outras etapas que precedem esta, como a arrecadação de suprimentos, a preparação dos 120 litros de sopa e, por fim, a lavagem das grandes panelas de metal onde o alimento é preparado. Cada etapa requer colaboradores e, além da intenção de ajudar, o que todos têm em comum é que fazem parte da Sociedade Espírita Caridade e Esperança (SECE). Através de trabalhos voluntários, os participantes buscam fazer jus ao sentido que nomeia a instituição, sediada no bairro Cidade 2000. À frente dessa atividade, o servidor público Antônio Maxmiliano Santiago Lopes, o Max, explica que a distribuição da sopa “vira um hábito”. Ele con-

ta que a motivação para realizar esse trabalho voluntário, há mais de 15 anos, vem do espiritismo. “Temos que fazer a caridade, é um dos ensinamentos da doutrina espírita. Me sinto bem em ajudar. Sei que não vai resolver o problema do mundo. Mas hoje, quem não tinha comida, vai comer”. Imersos na comunidade A distribuição acontece às quartas-feiras, em locais que costumam ser notícia nos programas policiais, como as comunidades “Areias” e “Barreiras”, ambas próximas à Cidade 2000. Na primeira quarta-feira do mês, os voluntários fazem a distribuição no Centro. “Tem muita gente interessante, com histórias diferentes. Notamos que eles se sensibilizam. Antes tinha muitas crianças cheirando cola. Quando íamos, fazíamos uma prece e elas deixavam de cheirar para comer”, conta Max. Quanto ao perigo, os colaboradores dizem não senti-lo. Com uma exceção. “Sempre dizem que é perigoso, mas só

“Temos que fazer a caridade, é um dos ensinamentos da doutrina espírita. Me sinto bem em ajudar. Sei que não vai resolver o problema do mundo, mas hoje, quem não tinha comida vai comer” Antônio Maxmiliano Santiago Lopes

uma vez teve uma situação complicada. Um cara armado queria fazer confusão, levar os recipientes das sopas, mas a própria comunidade o cercou e nos protegeu. Sinto isso como um reconhecimento”, diz Max. Em geral, quem vai até as comunidades não participa da feitura da sopa, que começa às 6h30 da manhã. Atualmente, ela é preparada por três pessoas. As compras são feitas no dia anterior à distribuição. O

dinheiro e os alimentos são doações da instituição espírita e, em sua maioria, dos próprios voluntários. “Cada um ajuda com o que pode”, diz a autônoma Maria da Conceição Lourenço, que ajuda cozinhando e com doações. Ela conta que o número de integrantes na cozinha já foi maior, mas que é algo instável. Maria da Conceição admite que, às vezes, acaba se sobrecarregando [ela faz parte de outros grupos voluntários], mas que sempre teve vontade de ajudar. “Acho que rodei todas as comunidades católicas por aqui, mas não consegui encontrar nenhuma onde eu pudesse fazer um trabalho social. Entrei na comunidade espírita pra ajudar na sopa, mas acabei me empolgando e gostando do espiritismo”, conta ela. Indagada sobre a motivação, se emociona. “Quando a gente vê a pessoa chegar e dizer: ‘Graças a Deus hoje tem, não tinha nada pra comer em casa’, ou ‘Muito obrigada, Deus te abençoe!’, dá vontade da gente chorar”.


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Membros nomeados e Dilma Rousseff durante cerimônia de lançamento da Comissão Nacional da Verdade.

Foto: Divulgação

Comissão da Verdade finaliza etapa de atividades Após um ano de instalada, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) conclui sua primeira fase de trabalhos, após muitas pesquisas, reuniões, visitas e críticas. Lígia Costa

A procura por esclarecimentos com relação às violações aos direitos humanos praticados durante o período de 1946 a 1988, o que inclui o Regime Militar, tem mobilizado não apenas a CNV durante este período ininterrupto de atividades, mas também outros diferentes grupos da sociedade contrários à sua atuação. Alexandre Mourão, por exemplo, psicólogo e membro do coletivo Aparecidos Políticos, declara-se insatisfeito com os resultados alcançados. “Achamos que o desempenho da CNV tem sido de regular a ruim. Como alerta uma avaliação da CNV, elaborada por movimentos sociais, o número de militares chamados para depor até agora é irrisório. Há indicações de que documentos continuam, de maneira ilegal e

antidemocrática, a ser sonegados à CNV. Não se avançou na identificação de restos mortais de pessoas assassinadas pela Ditadura, nem dos locais onde se encontrem corpos de desaparecidos, assim como não se produziu novidade na investigação de casos como da Guerrilha do Araguaia, do atentado ao Riocentro e do Para-Sar”. Mário Albuquerque, Presidente da Comissão Especial de Anistia Wanda Sidou (Estado do Ceará) e Conselheiro da Comissão Nacional de Anistia/Ministério da Justiça, por sua vez, defende que a Comissão vem cumprindo uma função essencial no que diz respeito à memória histórica do Brasil. “A CV é um passo extraordinário, pois assinala um rompimento com a velha tradição de jogar prá debaixo do tapete aquilo que nos envergonha, quando não simplesmente destruir, como aconteceu com os arquivos da escravidão”. O advogado criminalista Pádua Barroso, responsável por defender o primeiro e outros vários civis levados a julgamento pelo Regime Militar, no Ceará, reitera o caráter não jurisdicional da CNV. “A Comissão da Verda-

“O escopo da Comissão é intrépido, é um ato corajoso do país, embora o que esses militares fizeram, ficará sempre como uma ‘nódoa’ na história do Brasil”. Pádua Barroso, advogado, defensor de presos políticos no Ceará.

de não tem poder de apenação, ela tem o dever de investigar. Nem tem, nem pode ter apenação porque os culpados foram beneficiados por uma anistia ampla, geral e irrestrita; é um perdão total, que impõe um esquecimento”. O advogado elogia o propósito da Comissão, mas enfatiza algo que nunca poderá ser mudado. “O escopo da Comissão é intrépido, é um ato corajoso do país, embora o que esses militares fizeram, ficará sempre como uma ‘nódoa’ na história do Brasil”. Já a socióloga e professora universitária

Ângela Julita atenta para a significância de o governo tentar desmascarar o Regime Militar. “Um dos avanços conseguidos é mostrar que o que aconteceu de perseguição, de torturas nesse período não foram apenas ações isoladas, não foi, como disseram alguns jornalistas, por conta de um comportamento exacerbado de um ou outro agente, mas foi uma iniciativa, uma política do próprio Estado”. Em contrapartida, a professora ressalta que, apesar dos avanços, o desempenho da CNV poderia ser melhor. “Em face ao que aconteceu em outros países, isso é considerado muito pouco porque a Anistia, aqui no Brasil, já nasceu capenga. Foram anistiados os presos políticos, que mereciam, e foram anistiados também os responsáveis pelas torturas e pelos crimes. Enquanto Argentina e Chile já conseguiram punir os responsáveis, aqui não se consegue”. Alexandre Mourão compartilha das mesmas críticas da professora. “Todos os países da América Latina que passaram por ditaduras militares levaram seus ditadores para a cadeia ou passaram de uma fase para além das ‘comissões

da verdade’. Estamos atrelados ainda a uma capenga Lei da Anistia criada ainda dentro de um Parlamento formado de 2/3 de parlamentares biônicos que autoanistia os próprios perpetradores de crimes de lesa humanidade, crimes que não prescrevem”. Mário Albuquerque, entretanto, se posiciona contrário à ideia de equiparar o Brasil a outros países. “As nossas expectativas e nossas ações devem tomar como referências, para efeito de comparação, a nossa própria história e experiência e não as dos outros, como por exemplo, os casos chilenos e argentinos, de formações históricas e culturas distintas, bem como processos de transição política diferentes”. Para o jornalista Fernando Maia – filho de Edmundo Maia, na época correspondente do jornal A Última Hora e que foi preso por diversas vezes durante o Regime Militar – a punição no Brasil é difícil de ocorrer. “A Comissão da Verdade possivelmente não vai dar em punição, a não ser em algum caso excepcional. Para fazer como alguns setores desejam, de ir mais a fundo e até com a punição dos

Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor) Fundação Edson Queiroz - Diretor do Centro de Comunicação e Gestão: Prof. Maria Clara Bugarim - Coordenador do Curso de Jornalismo: Prof. Wagner Borges - Professor orientador: Alejandro Sepúlveda - Diagramação: Aldeci Tomaz e Mahamed Prata - Edição: Lígia Costa e Thaís Praciano - Redação: Érika Neves, Isabel Lima, Janine Nogueira, Lígia Costa, Manoela Cavalcanti, Mariane Dantas, Thaís Barbosa e Thaís Praciano - Revisão: Antônio Celiomar.


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responsáveis, teria que se mexer na legislação atual, não sei se numa proposta de Emenda Constitucional ou alguma coisa neste sentido. Acho que teria que haver essa mudança, e hoje não temos clima pra isso, até mesmo porque o Congresso Nacional hoje é muito conservador e não se proporia a mexer numa coisa dessas”, avalia. Enquanto uns exigem punições e a divulgação dos nomes dos torturadores e/ou responsáveis pelas mortes, os setores militares também cobram por investigações que não se limitem aos agentes do Estado, mas que incluam também militantes de esquerda que tenham se envolvido na guerrilha armada, praticado assaltos ou sequestros. Acima dos problemas de diversas ordens que a CV vem enfrentando, Albuquerque ressalta a necessidade de conscientizar e mobilizar os “amplos setores da sociedade, deixando bem sinalizado que isso é do interesse geral e não de pequenos grupos, e que o objetivo buscado é o de fortalecer cada vez mais o Estado Democrático”.

Espaço para elucidações Em audiência pública realizada em março, no Rio Grande do Sul, a Comissão recebeu da família de João Goulart – “Jango”, como era chamado o ex-presidente do Brasil, foi deposto pelos militares em 1964 – o pedido para a exumação de seu corpo. “Jango” era tido como uma ameaça aos conservadores por apoiar manifestações sociais e, desde a sua morte, ocorrida em 1976, na Argentina, há a suspeita de que ele tenha sido vítima de envenenamento e não de um ataque cardíaco, como aponta o laudo oficial. Dias depois do pedido, a Comissão, em conjunto com o Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul, decidiu que o corpo do ex-presidente será exumado para que a causa de sua morte se esclareça finalmente. A família do jornalista Vlademir Herzog, por sua vez, não aguardava por esclarecimentos, mas pela simples mudança no seu atestado de óbito. Na época, segundo a versão do Exército, o jornalista teria se suicidado por asfixia mecânica, mas a família nunca aceitou essa versão. Em março deste ano, um novo atestado foi entregue pela Comissão à família de Herzog, constando como causa da morte as lesões e maus tratos decorridos da tortura sofrida durante um interrogatório no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna), órgão de inteligência e repressão do governo militar. A CNV, ao examinar casos de torturas, mortes, sequestros e supostos desaparecimentos, incluiu nas investigações não apenas casos de militantes de esquerda, mas também de militares que foram perseguidos por também se oporem à Ditadura, como foi o caso do brigadeiro Rui Moreira Lima,

Rosa Cardoso em renião com representantes de centrais sindicais.

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Foto: Divulgação

A Comissão anunciou que pretende estreitar laços com a sociedade civil, colhendo mais depoimentos para compor o relatório e se comprometeu a promover mais eventos públicos.

falecido em agosto de 2013. Ele, assim como outros colegas de farda, foi demitido, sofreu com processos e permaneceu preso por mais de 200 dias.

Em nome da verdade A CNV conta, atualmente, com um quadro que reúne mais de 70 pessoas, sempre se reestruturando e focando em novas apurações. Nos primeiros dias de maio deste ano (2013), estavam previstos para entrar no curso das investigações alguns casos como os de desaparecidos políticos no Exterior, de violações dos direitos humanos contra os povos indígenas e de invasões a uma série de organizações sindicais. Ao final do prazo estabelecido, 16 de maio de 2014, a Comissão Nacional da Verdade deverá entregar à presidente Dilma Rousseff um relatório contendo tudo o que foi recolhido e descoberto em todas as apurações. Porém, os próprios membros da Comissão acreditam que será necessária uma prorrogação do prazo para o final de 2014. Durante um encontro com comitês estaduais pela memória, verdade e justiça de todo o Brasil, a Comissão anunciou que pretende estreitar laços com a sociedade civil, colhendo mais depoimentos para compor o relatório, e se comprometeu a promover mais eventos públicos. No dia 16 de maio de 2012, quando foi instalada a Comissão da Verdade, no Brasil, a presidente deixou claro em seu discurso emocio-

Encontro com representantes de comitês pela memória, verdade e justiça.

nado que a CNV não seria movida por ódio, por revanchismo ou pela vontade de reescrever uma história inventada, mas pela necessidade de conhecer a verdade integralmente, sem camuflagens e sem proibições.

Comissões no Ceará Em 27 de fevereiro de 2013 ocorreu, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, a solenidade de instalação da Comissão da Verdade dos Jornalistas do Ceará. O grupo, que atua em parceria com o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Ceará (Sindjorce), foi criado para averiguar as possíveis violações dos direitos humanos praticadas contra membros da categoria, entre os anos de 1964 e 1988. A comissão é integrada pelos jornalistas Messias Pontes, Iracema Sales, Eliézer Rodrigues, Marilena Lima e Nazareno Albuquerque. Há ainda a proposta de criação de uma nova Comissão da Verdade na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no Ceará. O objetivo, segundo o idealizador e advogado, Sabino Henrique, é levantar casos de violações de direitos humanos contra advogados cearenses que foram perseguidos e presos durante a ditadura ou que atuaram na defesa de presos políticos.

Foto: Divulgação

Saiba mais...

A Comissão Nacional da Verdade (CNV), instalada em 16 de maio de 2012, tem por finalidade examinar graves violações aos direitos humanos praticadas entre os anos de 1946 e 1988, incluindo o período da ditadura militar, que se estendeu por 21 anos (19641985). A Comissão foi criada para levar ao conhecimento de todos os brasileiros esta parte da história nacional, focando principalmente na apuração de casos de desaparecidos políticos. Em cerimônia ocorrida em Brasília, a presidente Dilma Rousseff nomeou sete membros para integrar a comissão, formada por Gilson Dipp, vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça; José Paulo Cavalcanti Filho, advogado, Consultor da Unesco e do Banco Mundial; Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada e professora universitária; Cláudio Fonteles, professor de Teologia e ex-procurador geral da República, que anunciou recentemente, 18 de junho de 2013, a sua saída da CNV; Maria Rita Kehl, psicanalista, ensaísta e cronista; Paulo Sérgio Pinheiro, doutor em Ciência Política e atual presidente da Comissão Internacional de Investigação para a Síria; e o atual coordenador da CNV, José Carlos

Dias, advogado criminalista e conselheiro da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo. As pesquisas realizadas estão divididas em 12 grupos de trabalhos (GT’s) relacionados à repressão praticada pelo Governo militar. Ainda que assegurado a todo cidadão o acesso às informações divulgadas pela comissão, a mesma deve resguardar, caso haja relevância, o sigilo das fontes, de informações ou de documentos fornecidos. Por este motivo, alguns grupos se dizem céticos e atacam a lei que criou a Comissão, visto que a mesma também não detém poder para punir os responsáveis pelos crimes, assim como não pode obrigar vítimas e acusados a comparecerem em convocações.


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Ciberativismo: do virtual para as ruas

Direito do consumidor

CARTÃO DE CRÉDITO

Pode exigir valor mínimo de compra? Não, não pode. A prática é considerada ilegal. “Esta conduta de condicionar o fornecimento de serviços a limites quantitativos é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao qualificá-la como prática abusiva (art. 39)”, explica o advogado Paulo André Aguiar. Se o lojista escolhe adotar o cartão como forma de pagamento, então qualquer valor, mesmo pequeno, deve ser aceito para as compras à vista. “O consumidor deve exercer o direito de pagar somente aquilo que consumiu e questionar perante o gerente da loja. Caso o estabelecimento se recuse, poderá o consumidor denunciar esta conduta abusiva ao DECON”, orienta Aguiar. Os comerciantes alegam que as taxas cobradas pelas operadoras de cartões são elevadas (custos com aluguel das maquinetas, mais percentual incidente sobre cada transação realizada), e há, portanto, prejuízo quando operam com pequenos valores. Mas é bom lembrar: o consumidor, para manter o uso do cartão, também paga tarifa à administradora. O lojista, se respeita a legislação, evita multa e, mais importante, pode ganhar a credibilidade do comprador. SERVIÇO Procon Fortaleza Rua Major Facundo, 869, Centro (85) 3105 1136

Manifestantes reunidos no centro de Curitiba para protestar contra Marcos Feliciano.

O que vale mais: a voz dos que reivindicam na Internet ou as que vão para as ruas? Redes sociais e sites de petições cumprem a função de difusores e fazem com que internautas mobilizem-se para conquistarem seu espaço em debater pautas de interesse público. Erika Neves

Em tempos de “Feliciano não me representa”, bordão utilizado nas redes sociais desde março deste ano, resta a dúvida: qual a força do ativismo online? A frase diz respeito à eleição do deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), que certa vez admitiu, em alto e bom tom, sua aversão a negros e homossexuais, na Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Tanta algazarra nas redes sociais e mobilização virtual adianta alguma coisa? Muitos protestos saíram das ruas e se encontram enjaulados em meios virtuais e muitos usuários da Internet, que acreditam na força do ativismo digital, estão esperançosos, esperando que, a partir dessas mobilizações, o mundo realmente mude e seja um lugar melhor. O grito virtual é real? Em 2007, foi criado o site de petições virtuais Avaaz, com a missão de mobilizar pessoas para construir uma ponte entre o mundo em que vivemos e o mundo que a maioria das pessoas querem. Desde conflitos no Oriente Médio a mudanças climáticas, o site recolhe assi-

naturas e está disponível para todos aqueles que querem garantir que os valores e visões da sociedade civil participem das decisões governamentais que afetam toda a população. O site funciona financiando campanhas de anúncios, enviando e-mails e telefonando para governos, organizando protestos e eventos nas ruas. “Participei do segundo ato ‘Eu vou tirar você desse lugar, Feliciano!’, em Fortaleza. Sua mola mestra foi o Facebook para gerar um ‘buzz’ virtual e, a partir disso, o ato foi para o mundo real”, conta a webativista e estudante Raquel Duarte. Ela acredita na força das mobilizações online, mas duvida da eficácia do Avaaz. “Já ouvi falar que o site é uma farsa. Claro que pode ser, mas acreditar que tudo é falso é tão negativo”. E diz ainda que, até que provem o contrário, continuará participando dele e também de grupos como Greenpeace e World Wide Fund for Nature (WWF), que são organizações que atuam na defesa do meio ambiente, inspirando novos comportamentos. A voz do povo O ativismo digital é entendido como um movimento que utiliza a Internet para engajar a população a expressar suas opiniões e criticas. “Trata-se de uma forma de ação política organizada que utiliza a Internet como veículo de propagação de ideologias e informações, buscando a transformação da realidade”, explica Raquel. A historiadora Andrea Saraiva crê que nenhum movimento se faz somente na web. “A Internet é um instrumento

Foto: Marcelo Andrade

valioso como mobilizador e difusor de ideias e reivindicações. No entanto, o contraponto fundamental para ações em rede é que tenha materialidade tanto virtual como presencial. O ideal é sempre linkar as ações.” Andrea é idealizadora do movimento “Quem Dera Ser um Peixe”, grupo que questiona a construção do Acquario de Fortaleza, obra do Governador Cid Gomes. “O trabalho feito com utilização de tecnologia e da web foi além de mobilização. Fizemos pesquisas nos portais de transparência, que serviram de justificativa para vários questionamentos sobre a obra do Acquario e levamos aos Ministérios Públicos”, conta. A historiadora diz que as ferramentas de abaixo-assinado no Brasil cumprem a função de difusão e mobilização, e já em outros países é aceito como peça de controle social. “Os sites têm o seu papel, embora simbólico. No entanto, uma ação ou campanha vão além de coletar assinatura, pois elas têm que vir somada a ações de mobilização e de formação de opinião”. É importante entender que o ciberativismo não pretende e não pode substituir os movimentos tradicionais, afirma Andrea. “Ele apenas utiliza a Internet e a tecnologia como ferramentas de suporte. Pode, por exemplo, dar subsídios para o jornalismo investigativo e para uma peça de denúncia.” E, portanto, a voz do povo que circula na Internet deve ecoar também nas ruas com o intuito de gerar cada vez mais forças em mobilizações.

Procon Estadual (DECON-CE) Rua Barão de Aratanha, 100, Centro. 0800 275 8001 www.decon.ce.gov.br

COMPRAS COLETIVAS

O que fazer quando o produto não chega? O problema mais comum é o que envolve a falta de compromisso com a entrega dos produtos adquiridos. O consumidor se vê desassistido, sobretudo, por desconhecer de quem é a responsabilidade pelo transtorno, já que não sabe quem deve ser acionado na maioria das vezes. Embora não existam ainda leis que tratem precisamente sobre a matéria, podemos aplicar o CDC (Código de Defesa do Consumidor), que é a lei 8.078. É necessário, portanto, ficarmos antenados e desconfiar de propostas e anúncios que veiculam produtos com preços excessivamente vantajosos ou discrepantes daqueles praticados no mercado. A minha orientação é que se procure o Procon ou os juizados especiais cíveis, acionando judicialmente todos os possiveis responsaveis, através da busca ao CNPJ dessas empresas. Raíssa Teles Duarte, advogada

PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE

Quem fiscaliza? As empresas de planos de saúde estão em meio às que mais recebem reclamações dos consumidores. Além de altas mensalidades, os usuários também reclamam da dificuldade em agendar consultas, realizar exames e internações. A regularização dos planos de saúde, a partir de 1998, foi dada pela Lei 9.656, que tem como finalidade o cumprimento das normas exigidas por esse tipo de empresa. Além disso, os usuários poderão contar com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), através da atuação da justiça e a participação de Procons. A fiscalização dessas empresas é dada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Porém, por ter sido criada recentemente, ano 2000, e conhecida por apenas uma pequena parcela da população, esse órgão recebe poucas reclamações. Vale ressaltar, que a ANS também atua quando existe controvérsia da cobertura de procedimentos, como cirurgias, a partir da Notificação de Investigação Preliminar (NIP). Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) Telefone: 0800-700-9656  Site: www.ans.gov.br


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Associação defende direitos de autistas A ABRAÇA e suas ações cuidam para que o autista seja tratado e respeitado como cidadão. Janine Nogueira e Mariane Dantas

O transtorno do espectro autista, ou autismo, consiste em uma disfunção global do desenvolvimento, ou seja, uma alteração que afeta a comunicação do individuo com o meio em que vive. O diagnóstico, ainda que tardio, quase sempre é dado na infância. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), são 70 milhões de autistas em todo o mundo. Estima-se que, no Brasil, esse número gire em torno de 2 milhões. Diante das dificuldades enfrentadas pelas famílias de autistas e da falta de políticas públicas mais eficientes, é compreensível a necessidade de buscar melhorias por parte do governo e da sociedade para a vida dessas pessoas. É com o intuito de atuar nessa busca que foi fundada, em 2008, a Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo (ABRAÇA). Trata-se de uma organização nacional formada por doze outras organizações com núcleos em quase todos os estados do Brasil, cuja finalidade é promover a cidadania e defender os direitos de pessoas com autismo, baseando-se nos princípios universais dos direitos humanos. Sediada em Fortaleza, a ABRAÇA reúne familiares, profissionais e autistas que se comprometem diariamente em agir pela inclusão social, fortalecimento dos laços familiares, combate a tratamentos aversivos ou que firam a dignidade da pessoa autista. As ações da Associação envolvem desde palestras, manifestos a audiências públicas e atos de conscientização, o que tem atraído cada vez mais atenção da mídia e da sociedade para a causa. Dia azul Todo dia 2 de abril, a ABRAÇA,

“Autistaço”. Passeata reuniu centenas de pessoas na Praça do Ferreira, no dia 5 de abril.

em parceira com a Casa da Esperança e outras instituições, comemora o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo e incentiva a reunião de diversas partes em prol da discussão do tema. A cor azul, utilizada no movimento, tem o intuito de representar simbolicamente a probabilidade de os meninos terem quatro vezes mais chance de serem diagnosticados com autismo do que as meninas. Por causa disso, nos dias 2 a 7 de abril, em Fortaleza, o Parque das Crianças, o Paço Municipal, a Estátua de Iracema, a Ponte dos Ingleses e a Coluna da Hora foram iluminados com a cor azul em comemoração ao Dia Mundial. Outro ato é o “Autistaço”, passeata realizada na Praça do Ferreira no dia 5 de abril, que carrega como bandeira o título “Sou Autista, Tenho Direitos! Diga Sim à Inclusão!”. O evento reuniu centenas de pessoas, que caminharam e panfletaram buscando contato direto com o

público a fim de gerar debates sobre a inclusão do autista na sociedade. Manutenção dos Vetos Uma das recentes metas alcançadas pela ABRAÇA foi a manutenção dos vetos ao artigo 2º e 7º da Constituição brasileira, que estabeleciam “a inclusão dos estudantes com transtorno do espectro autista nas classes comuns de ensino regular e a garantia de atendimento educacional especializado gratuito a esses educandos, quando apresentarem necessidades especiais e sempre que, em função de condições específicas, não for possível a sua inserção nas classes comuns de ensino regular”. Também está incluso que “ficam ressalvados os casos em que, comprovadamente, e somente em função das especificidades do aluno, o serviço educacional fora da rede regular de ensino for mais benéfico ao aluno com transtor-

Azul foi definida a cor símbolo do autismo, pois a síndrome acomete, em maior proporção, pessoas do gênero masculino.

Foto: Arlete Rebouças

no do espectro autista.” Em entrevista para o blog Lagarta Vira Pupa, o presidente da associação, Alexandre Mapurunga, defende que o veto do artigo sétimo impede que a escola negue vagas em função de o indivíduo ser autista, independentemente de grau, nível ou qualquer classificação que se use. O veto do artigo 2º, parágrafo IV, ainda de acordo com ele, retiraria do projeto a visão equivocada de que o atendimento especializado só poderia ser oferecido para quem não estivesse na escola regular, e que “condições específicas do aluno” poderiam justificar a exclusão. Mapurunga acredita que o argumento para que se derrube o veto é inconsistente, ao alegar que elimina o direito à escola especial. “Foram corrigidas distorções e foi sustada qualquer possibilidade de discriminação baseada na deficiência de pessoas com autismo ressalvada em lei. A

Foto: Arlete Rebouças

possibilidade de manutenção das escolas especiais não foi vetada. Inclusive, existem leis e decretos governamentais que garantem o convênio com instituições filantrópicas para atenção especializada.” O presidente da associação esteve em reunião, no dia 26 de abril, com a deputada Mara Gabrilli, membro da Frente Parlamentar dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que elaborou o artigo sétimo e se manisfestava favorável à queda dos vetos. Ele contou para o Coletivo que “a deputada reconsiderou sua posição e desistiu de lutar contra o Veto Presidencial”. Segundo Mapurunga, durante a reunião, a deputada enfatizou que nunca quis trazer aflição para as famílias de pessoas com autismo que desejam inclusão e que promoverá uma audiência pública para discutir a educação de pessoas com autismo e avançar na implementação da Lei Nº. 12.764.


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Entrevista

Livro mostra o Haiti além da tragédia “Haiti por si: a reconquista da independência roubada” propõe um novo olhar sobre o país, transpassando todos os seus problemas de pobreza e infraestrutura causados pelos duros anos de escravidão, ditadura e pelo terremoto que o devastou em 2010. O livro é um projeto da Adital (Agência de Informação Frei Tito) e lançado esse ano. A organizadora Adriana Santiago, jornalista, mestre em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professora de Jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor), passou cerca de 15 dias no Haiti coletando informações em dezembro de 2011.

Queríamos mostrar que não é só desgraça, não é só prédio caído (...) A gente começou a tentar ver pelo lado que a grande imprensa não via.

casse com a reconstrução do seu próprio país, porque as pessoas estavam desestimuladas de fazer isso. Nós contratamos jornalistas que tivessem vínculos, apontadas por pessoas que tivessem a ver com os direitos humanos, que tentassem ter uma percepção menos mercadológica das coisas.

Thaís Praciano

Coletivo - Como surgiu esse projeto da Adital? Adriana Santiago - Eu trabalhei na Adital de 2003 a 2005 como editora-chefe e lá a gente teve esse trabalho muito bacana com a América Latina. E, aí, nós nunca perdemos o vínculo e, sempre que têm projetos especiais, eles me chamam para executar. O padre Ermanno Allegri, coordenador executivo da agência, tinha essa ideia, ele estava incomodado com a situação do Haiti. Eu fui falar com ele e ele disse: “Adriana, vamos fazer alguma coisa relacionada com o Haiti, vamos fazer um livro”. E eu disse: “olha, vai dar muito trabalho, livro não é uma coisa que se faça daqui pra ali.” Isso era agosto de 2011, o terremoto tinha acontecido em 2010. Eu disse para o padre Ermanno: “vamos fazer um planejamento, eu vou ler tudo o que vocês já publicaram sobre o Haiti e tudo que a imprensa publicou”. Então fiquei nesse trabalho de garimpagem e de recompor a história por 4 meses, só pra montar pautas e a ideia de como seria o livro. São seis vertentes principais: História, Reconstrução, Economia Solidária, Soberania Alimentar, Cultura e Democracia Participativa. Nós fomos ao Haiti perguntar às associações, que ainda têm um movimento social muito pequeno, mas têm: “a gente tá indo no caminho certo? É isso mesmo que é bacana pra vocês?”. Queríamos mostrar que não é só desgraça, não é só prédio caído, porque as imagens que a gente via era só isso, uma cidade cheia de tanques de guerra passando pelas ruas, aquele monte de negro correndo sem roupa, sem nada. A gente começou a tentar ver pelo lado que a grande imprensa não via. C - Quantas pessoas se envolveram com esse trabalho? AS - Eu contratei cinco jornalistas que viraram três no final, porque dois desistiram e um assumiu o trabalho de dois. Então o livro demorou por causa disso, porque tinha que ser jornalista que se identifi-

C - Como foi o contato com os haitianos? AS - A comunicação é muito difícil, eles não acreditam muito em si mesmos. Enfim, existe todo um processo jornalístico que tem que ser feito para que a gente conseguisse ver isso no livro. Eles não veem mais a força e a capacidade deles, por isso que o nome do livro é “Haiti por si”, porque eles não se veem mais. O livro tem o objetivo também de promover a autoestima deles, apontar sugestões que eles mesmos já fazem de experiências positivas, que já existem em pequenas quantidades, pra sugerir que virem politicas públicas para o país inteiro.

Adriana Santiago foi a organizadora do livro “Haiti por si: a reconquista da independência roubada” Foto: Marina duarte

As mulheres de Ennery “Tem uma história de umas mulheres numa cidade chamada Ennery, fica à 180 km de Porto e Príncipe, capital do Haiti. As mulheres fizeram um projeto de beneficiamento de milho, era um lugar que tinha muito milho, aí faz farinha de milho, tira o angu pra não sei o quê. Aí elas começaram a pegar o milho da comunidade e fazer esse beneficiamento pra vender pro comércio. Elas pegaram e começaram a empres-

tar o dinheiro que sobrava. Desse jeito elas salvaram a cidade de Ennery. Elas, além de fazer a produção de milho circular, ainda movimentaram a economia emprestando e uns empréstimos super altos, tipo de $100 dólares. Movimentou a cidade inteira, sem falar que lá tem um problema de gênero terrível. Elas não só fizeram isso como são mulheres, criaram autoestima, elas são as poderosas de Ennery.”

Entenda o Haiti O país é a primeira república negra do mundo, fundada por antigos escravos em 1804 e depois colonizado pela França. Sua extensão territorial é de 27.750 km² com mais de 10 milhões de habitantes e é o país economicamente mais pobre da América. Mais da metade da população vive abaixo da linha de pobreza. Sua história é composta por ditaduras, golpes de estado

e diversos problemas socioeconômicos. No dia 12 de janeiro de 2010, o Haiti foi atingido por um terremoto de magnitude 7,0 na escala Richter. Depois dele, outros dois terremotos aconteceram de magnitude 5,9 e 5,5. Metade das construções foram destruídas, mais de 200 mil pessoas morreram, 250 mil foram feridas e 1,5 milhão desabrigadas.

C - Qual foi a sua primeira impressão ao desembarcar no Haiti? AS - A primeira impressão que eu tive foi que a a gente vive muito bem, que eu sou uma pessoa rica e que eu não tenho nada pra reclamar. Existe uma camada fina de lixo na cidade, é tudo sujo, tudo cinza. Existe uma camada fina de lama e eles comem sobre isso. A cidade é praticamente assim, há muito tempo não tem coleta de lixo, não tem saneamento, eles têm uma espécie de esgoto, umas espécies de canaletas. Então é no meio da merda, porque esse canal é onde passa o lixo, onde passa a merda. Eles vivem na merda, essa foi a minha primeira impressão. C - Qual foi o maior desafio na organização do livro? AS - As pessoas passaram tanto tempo se escondendo, que agora elas não sabem mais aparecer. Agora que elas deviam ir, tomar o poder e dizer “não”. Elas não conseguem dizer, elas fazem a resistência de uma forma paralela, não no afrontamento, porque eles foram tão massacrados. A gente está tentando ajudar não só aqui, mas no mundo todo, porque esse livro não vai ser só em português, vai ser em inglês, espanhol, francês, em crioulo e italiano, a princípio.


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