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A Ponte inaugura nova fase na produção laboratorial da Unifor Com o clima de passagem e travessia para uma nova fase do Curso, estudantes e professores de Jornalismo da Unifor lançaram a primeira edição da revista A Ponte, no dia 16 de agosto. Produto da disciplina Princípios e Técnicas de Jornalismo Impresso II, a revista foi concebida ainda no ano passado, contando com os esforços dos alunos na produção e dos professores Geísa Mattos, Tânia Furtado e Eduardo Freire na revisão dos textos, diagramação e, finalmente, na festa de lançamento. “É sempre necessário fechar os ciclos. E A Ponte representa isso”, diz Geísa Mattos, professora da disciplina. Lina Moscoso, estudante do sétimo semestre e repórter da revista, acredita ser importante fechar o processo de elaboração da revista, com sucesso, “depois de escrever, editar e publicar, temos de celebrar o resultado do nosso trabalho. Além de ser bom pra reunir todo mundo e divulgar nosso produto”.

A publicação propõe, no espaço laboratorial da universidade, a afirmação de uma nova concepção: o fazer jornalístico humanitário, valorizando as histórias e os problemas da população cearense. Como todo exercício pedagógico, a publicação traz alguns problemas a serem resolvidos pelas turmas posteriores. “O cuidado com as fotos, o envolvimento dos estudantes na produção deve ser avaliado. O jornalismo não se acaba quando se escreve a matéria, existem processos importantes depois da escrita”, ressalta Eduardo Freire, professor da disciplina Produção Gráfica, que dedicou seu tempo extraclasse para finalização da revista. A segunda edição de A Ponte, a ser publicada

em outubro, está sendo finalizada e esses problemas já vêm sendo resolvidos pela própria turma. Alguns avanços foram alcançados e a temática gira em torno dos problemas sociais da cidade como a prostituição, o trabalho informal, a situação dos idosos do Lar Torres de Melo. “Cada turma dá à revista a sua cara, e as conversas sobre o jornalismo voltado para o ser humano têm sido discutido em sala de aula constantemente”, afirma Geísa Mattos. Erotilde Honório, coordenadora do Curso, acrescenta que os produtos

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza

desenvolvidos pelos alunos cada vez mais conquistam credibilidade na Universidade e adianta que, além dos produtos impressos, o Jornalismo da Unifor vai agora ocupar a telinha da TV Universitária. Com isso, os estudantes devem caprichar mais ainda nas próximas produções audiovisuais. (Uyara B. de Sena)

Reciclagem de lixo muda vida de moradores do Pirambu (página 3)

Parque Itapuí capacita jovens de Aquiraz para mercado de trabalho (páginas 4 e 5)

Bandas independentes discutem autonomia (páginas 6 e 7)

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O Banco Palmas, criado em 1998, contribui ativamente para o desenvolvimento do Conjunto Palmeira, comunidade localizada a 20 quilômetros do centro de Fortaleza. Com a implantação da moeda local, o Palma, o cartão de crédito PalmaCard e os projetos PalmaFashion, PalmaArt, PalmaLimpe, PalmaTech e Incubadora Feminina, os moradores optaram por um modelo de economia solidária que criou oportunidades de trabalho e melhorou a auto-estima da população, paralisando um movimento de “fuga” para outras áreas da cidade. (páginas 8 a 11)

Voluntários sustentam atendimento a portadores de HIV (páginas 12 e 13)

Centro apóia mães de portadores de deficiência (página 14)

Voluntários do Conjunto Ceará criam centro cultural (página 15)


Fotos: Juliano Cordeiro

Uma cidade carente

Editorial

O Estado, interlocutor oficial da sociedade, é responsável, em tese, pela regulamentação dos direitos e deveres dos cidadãos. Dessa forma, as políticas públicas são competência do próprio Estado que, por sua vez, prefere aliar-se ao grande capital, não cumprindo aquilo que prometeu outrora. Daí, nascem certas iniciativas de autogestão, como as associações de moradores de bairros e movimentos culturais, que tentam suprir aquilo em que o Estado falhou: educação, saúde, cultura, lazer, direitos sociais e humanos. O quarto número do Sobpressão destaca algumas iniciativas concebidas pelas comunidades ditas autônomas, discute seus an-seios, conquistas e dificuldades. Todavia, cabe perguntar: será que muitas organizações realmente agem independentemente do Estado? Por outro lado, não é o mesmo Estado que tem obrigação de garantir direitos sociais aos cidadãos? O que seria mais interessante às iniciativas de auto-gestão: tentar melhorar a atual conjuntura ou superá-la? Uma reportagem, nesta edição, aborda a implantação do sistema de microcrédito, Banco Palmas, na comunidade do Conjunto Palmeira. Esse sistema objetiva criar uma rede de solidariedade de empréstimo, produção e consumo, gerando renda, emprego e desenvolvimento local sustentável. Para isso, há uma moeda local, o “Palma”, e o próprio cartão de crédito, o “PalmCard”. Outra reportagem diz respeito à Sociedade de Reciclagem de Lixo formada por moradores do Pirambu, que, além

de gerar emprego na comunidade, desenvolve cursos de profissionalização através de parcerias, visando garantir o acesso dos jovens do bairro ao mercado de trabalho. Há também o Centro de Apoio às Mães de Portadores de Eficiência – CAMPE que recebe portadores de deficiência rejeitados em escolas públicas e privadas. Com dinheiro de rifas e doações, cinco mães alugaram casa e iniciaram o projeto. Para o sociólogo alemão Robert Kurz, as atividades autônomas têm que superar as formas de produção para além do mercado e do Estado. Na área cultural, setor tão dependente de verbas públicas, já há tentativas que driblam o caráter lógico do dinheiro e da mercadoria. Neste número, temos ainda o exemplo de algumas bandas de rock que disponibilizam em seus sites, gratuitamente, músicas em formato MP3, circu-lantes em rede mundial. Para Kurz, diversos movimentos alternativos ainda estão presos de algum modo ao quadro referencial trabalho-dinheiromercadoria, inclusive com o uso do dinheiro do Estado. Diante disso, o Sobpressão coloca ao leitor a reflexão sobre a responsabilidade do Estado brasileiro em garantir direitos humanos universais aos seus cidadãos. A situação caótica da cidade e o desrespeito às condições mínimas de sobrevivência mostram o quanto o sistema capitalista neoliberal não efetiva os direitos fundamanentais e a valorização do ser humano para o exercício da cidadania.

Fortaleza, a quinta metrópole brasileira, me parece uma cidade acolhedora, pronta a receber de braços abertos gente de todo lugar. Os braços se abrem bem aos que são de fora, mas para quem habita a bela capital muitas vezes não há lugar. É aí que a Fortaleza “hospitaleira” e turística mostra o outro lado da moeda: desigualdade na concentração de renda, violência, miséria e desemprego. Revelando uma cidade carente tanto em termos de infra-estrutura quanto à disponibilidade de serviços públicos e bens necessários ao exercício da cidadania. Desprovido dos direitos básicos de cidadão, o fortalezense busca soluções factíveis para as necessidades individuais e coletivas, na forma de organizações não-governamentais, associações comunitárias ou iniciativas particulares. Assim, as pessoas assumem para si as responsabilidades que deveriam ser do Estado, mas que devido à ineficiência e falência deste não são atendidas. Esses movimentos locais mais conscientizados vão além das questões pontuais de educação, saúde, energia, comunicações, moradia e transporte. Pretendem criar também novas formas de relações sociais, econômicas e políticas que respeitem as particularidades locais. No entanto, desagrada-me, porém não me surpreende, o fato dessas iniciativas se individualizarem demais, tornando-se egoístas à medida que pretendem responder apenas aos anseios da demanda local (bairro, grupo, comunidade). Porém, acredito que seria exigir muito que eles solucionassem ainda os problemas alheios (de outros bairros, comunidades), se muitas vezes não conseguem nem superar os próprios.

Todos esses movimentos têm sobrevivido aos “trancos e barrancos”, independente do apoio governamental. Em geral, o governo só dá uma “mãozinha” depois que tudo está dando certo; enquanto não, as portas permanecem fechadas. O governo não deve investir em toda organização e associação que surgem pela cidade, mas precisa valorizá-las.

O governo não deve investir em toda organização e associação que surge pela cidade, mas deve valorizá-las. Muitos defendem que o ideal é o governo atender à demanda da população a tal ponto de não haver necessidade de surgimento desses movimentos. Concordo plenamente que o Estado cumpra com suas obrigações, porém, afirmar que as organizações deixariam de surgir é ingenuidade, tendo em vista que o governo nunca corresponderá completamente aos anseios da sociedade e esta sempre exigirá melhorias. Então, não devemos apenas ver essas iniciativas como algo “lindo”, mas entender que elas espelham o “feio”, ou seja, também são o retrato da ineficiência do Estado e da sociedade, que precisa lutar mais para a efetivação dos seus direitos. (Juliana de Fátima Alves)

Costureiras do projeto desenvolvido no Conjunto Palmeira.

Local de shows do PRODECOM

Comunidade cria centro cultural No Conjunto Ceará, voluntários desenvolvem atividades artísticas através de um centro cultural, com o propósito de entreter a comunidade. Mesmo com o descaso do poder público, O Projeto de Desenvolvimento Comunitário (Prodecom) contribui para a sociabilidade do bairro Juliano Cordeiro

É de um dos maiores bairros da América Latina que surgiu o Projeto de Desenvolvimento Comunitário do Conjunto Ceará (Prodecom), localizado num terreno doado pela antiga Companhia de Habitação do Ceará ( Cohab). Segundo Henrique Lima, um dos secretários da entidade, o projeto tem como objetivo promover, por meio de atividades artísticas como dança, teatro, música, aulas de judô, entre outras, o entretenimento social da comunidade. “A arte é a ferramenta mais sadia para a socialização do jovem. Toda a comunidade é beneficiada com isso”, afirma. O Prodecom é também sede do movimento das bandas de rock do Conjunto Ceará. Henrique, ativista do movimento roquei-

ro e organizador de shows, diz que cobra um preço simbólico de R$4,00 como ajuda de custo, pois a organização, segundo ele, não tem fins lucrativos. Plínio Leitão, presidente da entidade, e Lindalva Teixeira, vice, foram os idealizadores do projeto, iniciado em 1982. “Eu e o Plínio queríamos fazer um centro cultural que realizasse a peça Paixão de Cristo, um trabalho que a população gostasse e atuasse junto. Percebíamos que as pessoas eram carentes de eventos dessa natureza. O bairro não é apenas para o setor público cuidar, mas também a comunidade ”, explica Lindalva. Ela ressalta que o Prodecom foi o primeiro centro cultural do Conjunto Ceará. Além de Lindalva e Plínio, a equipe coordenadora é formada por mais três secretários:

Uma cidade dentro de Fortaleza

Expediente Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor) - Disciplina: Projeto Experimental em Jornalismo Impresso - Fundação Edson Queiroz - Universidade de Fortaleza (Unifor) - Centro de Ciências Humanas - Diretor do Centro de Ciências Humanas: José Batista de Lima - Coordenadora do Curso de Jornalismo: Erotilde Honório - Reportagem e Edição: Juliano Cordeiro, Juliana de Fátima Alves, Renata Benevides e Uyara B. de Sena - Fotógrafos: Juliano Cordeiro, Juliana de Fátima Alves, Renata Benevides e Uyara B. de Sena - Projeto Gráfico: Eduardo Freire - Diagramação: Aldeci Tomaz - Professor orientador: Nilton Melo Almeida - Conselho Editorial: Eduardo Freire, Geísa Matos, Jocélio Leal, Nilton Melo Almeida e Paulo Ernesto Serpa - Impressão: Gráfica Unifor - Tiragem: 1000 exemplares Colaboraram nesta edição: Silvia Maria Alves e Sheila Vidal. Os organizadores Lindalva, Henrique e a jovem escritora Rachel Sá

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Henrique Lima, Gleiciane Freitas e Daniel Maia. “Qualquer pessoa é bem vinda, nós queremos gente para trabalhar”, diz Lindalva. O Prodecom, conforme Lindalva, disponibiliza o espaço para aqueles que pretendem realizar as atividades, sendo eles próprios os responsáveis pelos gastos envolvidos. No entanto, o carro-chefe das manifestações é o espetáculo da Paixão de Cristo, encenado desde 1984, ao ar livre, no Pólo de Lazer do bairro. Foi a partir dele que outras atividades artísticas foram desenvolvidas ao longo do tempo, já que de início a finalidade era apenas realizar a Paixão de Cristo e criar um centro cultural exclusivo para o evento. A peça tem participação de 50 atores e conta aproximadamente com público de 4.000 pessoas todos os anos. De todas as manifestações culturais, a Paixão de Cristo, devido ao alto custo para a

montagem do espetáculo (R$ 3.000,00) é a única que recebe apoio de instituições públicas, que financiam algo em torno de R$1.500,00. “O resto vem da própria comunidade e pessoas amigas. Mas achamos que o governo tem obrigação de ajudar na parte social. Entre luz, água e limpeza, tiramos do próprio bolso R$ 600,00 por ano”, diz Lindalva. Henrique antecipa que um dos projetos do Prodecom é criação de um grupo literário até o próximo ano. “Vamos estudar as mais diversas escolas literárias e ter palestras com escritores, vai ser algo muito importante para a arte literária do bairro”. Além de Henrique, a proposta é encabeçada pela jovem escritora da própria comunidade, Rachel Sá, de 22 anos. “Sempre li desde criança, principalmente escritores como Machado de Assis, Moreira Campos, Rachel de Queiroz e José Lins do Rego”, conclui. Rachel escreveu três romances ainda não publicados, dentre eles “Candura” e “Maria José”. Para auxiliar tal atividade, o Prodecom possui uma biblioteca com acervo de cem livros, todos doados.

Conjunto Ceará Foto: Juliana de Fátima

Uma Fortaleza autônoma

Com cerca de 65 mil habitantes, o Conjunto Ceará é considerado um dos maiores bairros da América Latina. Na década de 70, o governo federal imple-mentava a política habitacional com recursos do extinto Banco Nacional de Habitação (BNH). Era época de seca. Famílias vindas do interior migravam para Fortaleza em busca de melhor condição de vida. Mas a cidade não tinha estrutura e os refugiados da seca se abrigavam em áreas isoladas ou procuravam lugares em comu-

nidades sem condições de recebê-los. A solução encontrada foi construir casas populares nas proximidades do rio Siqueira e da linha férrea Fortaleza – Caucaia: nasce, então, um grande conjunto habitacional dividido em quatro etapas. A primeira delas foi inaugurada no dia 10 de novembro de 1977. Um ano antes, 966 unidades já estavam construídas e ocupadas. A segunda etapa veio em 1978, com 2516 unidades habitacionais. Em 1979, inaugurou-se a terceira; em 1981, a quarta.

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Foto: CAMPE

Reciclagem de lixo emprega 56 moradores no Pirambu

Mães resgatam a “eficiência” dos seus filhos

Fotos: José Leomar

Inconformados com a situação em que vivem e cansados de esperar por providências dos governantes, moradores do Pirambu se uniram na Sociedade de Reciclagem de Lixo. Além de gerar emprego, o projeto forma parcerias para garantir o acesso dos jovens do bairro a cursos de profissionalização e, posteriormente, a uma vaga no mercado de trabalho. É inevitável, contudo, que as medidas imediatas tenham caráter assistencialista, diante da realidade repleta de pobreza da comunidade.

“Eu acredito que meu filho e de outras mães precisam de outras crianças. Elas aprendem entre si e a gente também aprende um bocado.”

Renata Benevides Uyara B. de Sena

Uma casa alugada com quatro salas, piscina, área descoberta, alguns materiais educativos, paredes coloridas pra estimular a criatividade, uma cozinha e muito amor de mães é o suficiente para atender a 16 crianças portadoras de “eficiência” – uma reafirmação das potencialidades de crianças que necessitam de cuidado especial e foram rejeitados em escolas públicas e particulares. Muitas das mães, sofreram bastante por não poderem matricular seus filhos nas escolas, com o argumento de que os estabelecimentos não estavam preparados para recebê-los. Por isso, elas uniram suas forças para não deixarem seus filhos enclausurados, já que se viam sem alternativas. As portas do Centro de Apoio às Mães de Portadores de Eficiência – CAMPE, localizado no Henrique Jorge, foram abertas no segundo dia do mês de fevereiro deste. Isso, depois de muito esforço de cinco mães que alugaram uma casa com o dinheiro de rifas e de doações da comunidade. “Mas o sonho vinha desde outubro do ano passado, até que a casa ficou disponível na hora certa”, afirma uma das fundadoras, Keila Chaves. Naquele espaço tudo se troca. As mães, juntas, conseguiram ajeitar a piscina. Um bombeiro se ofereceu para dar aulas pagas de natação à comunidade e, aos sábados, dá aulas de natação e hidroginástica às crianças atendidas pelo Centro. O mesmo aconteceu com a professora Helena Alencar, ela solicitou o espaço para ministrar aulas de reforço a alguns estudantes do bairro, e em troca, dá aulas às crianças do CAMPE, seguindo as orientações de pedagogia especial. “O conteúdo é o mesmo das aulas regulares, mas é preciso dar atenção às dificuldades específicas: leitura, concentração, coordenação motora e outras”, afirma Helena, única professora do Centro. O CAMPE recebe portadores de deficiência, sem limite de idade, de várias comunidades da cidade, independente do tipo de problema. A intenção das mães é a de conscientizar a sociedade sobre os direitos desses cidadãos, dar oportunidade de viverem com qualidade de vida, inserir essas pes-

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soas no ensino regular e, após as reformas necessárias, servir como modelo de escola pública ou particular. De acordo com o MEC, de 96 a 2003, quando foi realizado o último censo, a matrícula na educação especial cresceu 59,80%, sendo esses dados gerais e independente do problema da criança e da dependência administrativa da escola. O ministério da Educação e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançaram em novembro do ano passado o programa “Educação Inclusiva: Direito à Diversidade” que prevê que os portadores de necessidades especiais sejam incluídas em escolas tradicionais. No entanto, os equipamentos físicos e pedagógicos da maioria das escolas a quase um ano do lançamento do Programa ainda não acompanham esta indicação do Ministério. Em Fortaleza, apenas 3938 pessoas são atendidas, de acordo com o Censo Escolar, incluindo escolas estaduais, municipais e privadas. As condições ideais, de acordo com o Programa do MEC e do Unicef, são um am-

“eficiência” é uma reafirmação das potencialidades de crianças que necessitam de cuidado especial biente de natureza pedagógica, orientado por professor especializado, que suplementa (no caso dos superdotados) e complementa (para os demais alunos) o atendimento educacional realizado em classes comuns da rede regular de ensino, um local dotado de equipamentos e recursos pedagógicos adequados às necessidades educacionais especiais dos alunos. As aulas podem ser realizadas individualmente ou em pequenos grupos, para alunos que apresentem necessidades educacionais es-

Crianças exigem direito de estudar peciais, em horário diferente daquele em que freqüentam a classe comum. No Centro, é adotado o método da inclusão “invertida”. Essa pedagogia consiste em por as crianças em contato com a sociedade por meio de passeios culturais e conscientizar as mães dos direitos de seus filhos, bem como a de fazê-los conviver com outros que participam das aulas de reforço. “Aqui a gente ainda enfrenta o preconceito. O espaço é deles, mas algumas vezes os pais dizem que não querem que os filhos ditos ‘normais’ estejam na mesma sala. Mas nós queremos estimular o contato para se chegar à aceitação”, lamenta Keila. As atividades são realizadas por voluntários que se revezam, disponibilizando quatro horas semanais. Seis adolescentes e duas senhoras ajudam no que podem, seja para acompanhar e brincar, ou até limpar e cozinhar. O CAMPE conta com duas terapeutas. Há ainda uma socióloga que dá palestras de auto-estima. “Uma psicóloga para conversar com as mães que ainda estão naquela do filho dentro de casa, sem vida que não tem informação, não tem direito a nada. Porque a mãe também se tranca, se a gente trabalha a mãe, melhora em 90% a vida da criança pelo incentivo que dão a seus filhos”, ressalta a coordenadora. Semanalmente, elas fazem uma série de conversas sobre os valores humanos: a obediência, o abraço, a alegria, o compartilhar, a amizade, o amor entre outros. Os meninos e

meninas do CAMPE estão elaborando um livro, expressando em cada página o que aprenderam dos valores estudados. No final do ano, presentearão seus pais, com o livro de pano para facilitar o manuseio e diversificado pela liberdade criadora. A educação não é voltada somente para a educação formal, mas para propiciar a convivência, a independência, porque a maioria estava dentro de casa e sem tratamento. “Embora sejam poucos, alguns freqüentam a escola e alguns resultados já são visíveis. Quando Leonardo (nome fictício), 30, começou a freqüentar o centro, andava de braços cruzados, não deixava ninguém chegar perto dele, não dividia nada, era sempre resguardado. Com as atividades ele já se habituou melhor aos trabalhos em grupo, a cantar, a brincar”, comemora Chaves. Nos últimos meses, o CAMPE tem realizado várias atividades, com a intenção de expor a questão à sociedade, por meio de panfletagens em terminais e passeatas. No sete de setembro, elas realizaram um desfile cívico, recebido pelos moradores do bairro com muita alegria e emoção.

Serviço Para conhecer ou fazer doações ligue: 85.4965877, visite a CAMPE na Rua Luciano de Queirós, 390 – (Henrique Jorge).

Na tentativa de sobreviver às dificuldades de um bairro pobre e com oportunidades escassas, os moradores do Pirambu, em Fortaleza, criaram a Sociedade Comunitária de Reciclagem de Lixo do Pirambu (Socrelp). A iniciativa surgiu a partir de cursos ministrados no local por representantes do Projeto Sanear, do Governo do Estado, em 1994. Entretanto, a Socrelp só começou a ser lucrativa quando o governo abandonou a idéia e parou de intervir na administração. A comunidade não se limitou a assistir às aulas, decidiu pôr em prática o que aprendeu. Os fundadores da Sociedade, Francinete Cabral e Antônio Lopes , perceberam que havia uma maneira de gerar renda para a comunidade e manter o local mais limpo, preservando assim o meio ambiente. A Socrelp ocupa, hoje, a quadra desativada do Centro Comunitário do Pirambu e gera renda para 56 pessoas. São 16 trabalhadores internos lotados na separação do material, prensa, venda e parte burocrática, e 40 catadores nas ruas. Nos dois primeiros anos, o Governo do Estado abraçou o projeto e colocou um administrador para gerenciar a Sociedade. Mas, a experiência não deu certo. Logo a Socrelp foi à falência e as verbas, suspensas. Os membros da Socrelp não se conformaram e buscaram ajuda de voluntários

junto a profissionais da área. Desta vez, a atuação de pessoas de fora da comunidade se restringiu a consultorias. Assim, a Socrelp conseguiu se recuperar e aumentar o volume de resíduos recicláveis. O pagamento dos funcionários e agregados passou a ser proporcional à produção individual. De acordo com o presidente da Socrelp, Antônio Lopes, os funcionários recebem 75% de um salário, mais a produção. O resultado quase sempre é um valor superior a um salário mínimo. Diariamente, chega à Socrelp uma tonelada de material reciclável. Por mês, o volume comercializado varia entre 40 e 60 toneladas, dependendo do período do ano. A estrutura atual conta com máquinas, carrinhos, prensas e balanças. Tudo foi conseguido através de parcerias com colégios, empresas, ONGs ou esforços da própria comunidade. Antônio conta que várias gincanas foram organizadas no bairro para arrecadar verba para a implementação do projeto. Atualmente, a principal dificuldade enfrentada é a concorrência com outros catadores. O presidente explica que, muitas vezes, o lixo já chega “pobre” de materiais recicláveis. A solução é a formação de novas parcerias com condomínios e shoppings para que o lixo chegue direto à Sociedade. A própria Socrelp se dispõe a pegar os resíduos nos locais de origem. Para isso, a Sociedade utiliza um caminhão cedido pela

Atualmente, a Socrelp gera renda para 56 pessoas da comunidade do Pirambu Secretaria de Ação Social. Como “pagamento”, eles fornecem envelopes, pastas e caixas de papelão fabricados nas oficinas do projeto nas escolas da comunidade. Essa relação a Socrelp denomina “troca solidária”. Além das aulas de reciclagem, a Socrelp organiza cursos de informática. Duzentos e oitenta alunos já foram beneficiados com a iniciativa. Além disso, através de uma parceria com o Corpo de Bombeiros, cursos de torneiro mecânico, eletricista predial e soldador também são oferecidos. Os custos são reduzidos, somente R$ 5,00 por mês para pagar despesas com material didático. “Há uma superpopulação no Pirambu. As pessoas não têm condição de entrar no mercado de trabalho. Nosso objetivo é criar alternativas com a capacitação de jovens”. Outra parceria que tem contribuído bastante com a comunidade foi conseguida

com o Sesc. De segunda a sexta-feira, 200 pratos de sopa são distribuídos aos moradores carentes do Pirambu. Francinete, a tesoureira da Socrelp, explica que muitas vezes esse é o único alimento do jantar das famílias. Para Antônio, a presença do projeto no bairro também contribuiu para conscientizar as pessoas sobre a necessidade da coleta seletiva. “Agora as pessoas já sabem o que fazer com os resíduos e como ganhar dinheiro com eles”, comemora. É o caso de Antônia Ecília, de 33 anos. Há cinco anos, a Socrelp é fonte do sustento dos seus cinco filhos. Ela conta que nunca tinha conseguido emprego antes. “Acho que ainda não teria um trabalho se não estivesse aqui”, revela. Antônia levou os ensinamentos do projeto para casa. Por costume, também faz a separação do lixo em casa. Maria Rita da Silva, de 61 anos, já está engajada na Sociedade há dez anos e afirma gostar do que faz porque pode ajudar no sustento da casa. “A Socrelp gerou emprego para muitas pessoas necessitadas. Muitos que não têm trabalho, conseguem sobreviver coletando material. Isso ajuda até na limpeza do bairro e cuidado com a natureza”, diz. Além de gerar renda, a Socrelp estimula uma forma de arte. Janete Cabral é responsável pela fabricação de produtos a partir de material reciclável. Ela faz desde cartões a caixas para presentes. Tudo é vendido na lojinha da Socrelp ou em feiras. Os preços variam de R$ 0,50 A R$ 4,00. A artesã explica que tudo deve ser feito de maneira meticulosa e a mão. Esse foi o trabalho encontrado por Janete após perder o emprego de auxiliar de escritório, há cinco anos.

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A precariedade do ensino nas escolas estaduais e municipais dificulta o ingresso dos estudantes de baixa renda nas universidade públicas e, portanto, a inserção no mercado de trabalho. Ante essa realidade, um projeto social vem tentando melhorar o futuro dos jovens de Aquiraz. O resultado é considerado satisfatório pelos moradores da região. Muitos adolescentes conseguiram em vaga em universidades, ou alcançaram a profissionalização através de cursos e estágios. Renata Benevides

Francisco Leandro de Lima Nobre, 21 anos, antes de se integrar ao Parque. “Eu passava a tarde em casa, sem fazer nada. O projeto foi bom porque nos deu oportunidade de conhecer outros mundos”, diz. No caso de Leandro, o universo descoberto foi o da internet. O rapaz começou assistindo às aulas de dança e logo passou a frequentar o curso informática. Leandro revelou tanto talento e intimidade com os computadores que logo tornou-se monitor da turma. Para ele, a internet serve para fazer pesquisas, informar-se sobre o mundo, ouvir músicas e conhecer lugares que, por enquanto, não pode visitar. A “Sala da Imaginação”, como é chamado o laboratório de informática, transformou-se em lugar preferido do rapaz. Outros jovens estão seguindo seu exemplo e desenvolvendo aptidões com a informática.

Foto: Renata Benevides

Jovens de Aquiraz sem perspectivas de futuro profissional estão tendo a oportunidade de mudar de vida participando de um projeto social. O Parque de Informação Itapuí é uma organização não governamental criada pelo sociólogo André Haguete há quatro anos para ajudar na educação e profissionalização de jovens carentes. Crianças e adolescentes freqüentam o local de segunda a sexta-feira, nos horários em que não estão na escola. No município, muitos jovens podem ser vistos nas ruas, sem oportunidade de trabalho ou lazer. O ócio, comum entre os moradores da região, não é verificado dentro do Parque de Informação. Diversas atividades educativas preenchem o tempo livre das crianças e adolescentes do projeto. Muitos participam também como monitores, transmitindo o que aprenderam aos mais novos. Era entediante o dia-a-dia de

do Ceará. “Atualmente, os produtos são comercializados podendo ser levados a escolas, universidades, mostrando à sociedade que o portador é capaz de produzir”, comemora Valdeiza. Para ser voluntário, existe um processo sério. Depois do cadastro realizado por telefone, as pessoas são chamadas para treinamento com aulas de bio-seguranca, relações inter-pessoais; entre outras. “Não é uma tarefa fácil, porque precisa estar disposto a trabalhar e ter estrutura para lidar com a morte. Hoje uma paciente está aqui, mas

Muita vida, várias histórias Leandro Nobre começou como aluno do projeto. Hoje é monitor da turma de informática

Noções de higiene apredidas pelas crianças do projeto são exemplo em casa

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amanhã pode não estar”, diz Viviane Mayves, assistente social da entidade. Um projeto importante desenvolvido pela Associação é o de apadrinhamento, no qual se garantem cestas básicas aos portadores acometidos por tuberculose e precisam se alimentar de forma saudável para realizarem o tratamento. O projeto de apadri-nhamento atende a 55 pessoas mensalmente, sendo a demanda de 180 portadores e mais 60 crianças. Para se tornar um padrinho, basta ligar e cadastrarse para doar a partir de R$ 10 ou mesmo o valor da cesta (R$ 66). Mesmo com problemas no financiamento, a AVHSJ mantém-se com doações de gincanas e outras iniciativas da sociedade.

Cíntia Rodrigues, 20 anos, também começou tendo aulas de dança no Parque há quantro anos. Hoje, a jovem é professora das turma de balé, axé, pop e forró, para crianças de oito a 11 anos. Além de dança, dá aulas de reforço para crianças e, à noite, ensina uma turma de alfabetização de adultos. Cíntia participa ainda do curso pré-vestibular oferecido aos jovens da comunidade que estejam terminando ensino médio. “Eu me descobri aqui. Somente depois de começar a dar aulas é que percebi que tenho vocação para pedagogia”, afirma Cíntia, explicando o motivo da opção para o vestibular. Para ela, ser professora ultrapassa os limites da sala de aula. A jovem conta que muitas vezes sente necessidade de ajudar os alunos a resolverem problemas em casa. As crianças demonstram confiar na professora conversando sobre assuntos que não tem coragem de falar

com os pais. Percebendo a dedicação da professora, os alunos retribuem com elogios e constantes demonstrações de carinho durante as aulas. Para valorizar o talento de Cíntia, a diretoria do Parque decidiu patrocinar a formação profissional da jovem. Atualmente, ela está matriculada em um curso de auxiliar de dentista. A intenção é que ela tenha uma fonte de renda suficiente para garantir seu sustento quando estiver na faculdade, explica. Por enquanto, recebe uma ajuda de custo de R$100,00 pelas aulas ministradas. “Se não tivesse vindo para o Parque, eu nem teria um trabalho ainda”, diz. Depois de tirar as dúvidas da escola, as crianças participam das aulas de dança e teatro na “Sala da Sensibilidade” ou ocupam o campo e a quadra praticando os esportes preferidos. Gabriela Sousa dos Santos,14 anos, escolheu o teatro como diversão, mas acabou levan-

Lourdes (nome fictício) está na Asociação dos Voluntários do Hospital São José há oito anos. Ela se descobriu soropositiva há doze, mas vive cada minuto de sua vida como se fossem horas. “Eu vou morrer na data certa, depois de viver todo o tempo necessário”, afirma. Essa mulher tão cheia de vida viaja o país afora dividindo a sua experiência na cooperativa, onde confecciona trabalhos manuais junto a outras companheiras. A experiência da Coopvida já foi apresentada em alguns estados, para mostrar exemplos de vida que reúnem as forças de mulheres como alternativa para gerar emprego e renda. “Eu acho que encarei bem essa historia de ser portadora de HIV na minha vida, levantei a cabeça, achei que tinha que trabalhar, que tinha que viver”, ressalta Lourdes. Mas as histórias da AVHSJ são muitas. Dentre as alegrias de conhecer outras pessoas e trocar experiências, há recordações intrigantes como a história de Luiza e Louise (nomes fictícios), duas mulheres que passaram pouco tempo na casa, mas que deixaram boas lembranças. Luiza tinha sido abandonada pela família e já estava muito debilitada. Apesar de fazer as atividades com dificuldade, tentava se dedicar à recuperação. Já Louise era mais depressiva e rebelde. Com as oficinas sócio-educativas, Louise já conversava mais e uma ajudava a outra, estimulava. Louise começou a cuidar da Luiza, tentando trazer alegria aos seus últimos dias. No entanto, com ela não podia ser assim, nada tinha graça, nem valia a pena. As duas já faleceram. Mesmo sem se conhecer anteriormente, cultivaram entre si uma solidariedade enorme, cada uma com suas circunstâncias.

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Foto: Renata Benevides

sores confiam tanto na gente que passei a acreditar mais em mim”, relata Vânia. A universitária diz que não pensaria sequer em fazer faculdade se não tivesse tido essa oportunidade no Parque. Ela explica que as perspectivas num local como Aquiraz são limitadas, porém, o projeto amplia a visão dos jovens. Demonstrando sua felicidade e gratidão, Vânia vibra a cada conquista de seus alunos e amigos do projeto. “Ano passado, cinco alunos do cursinho passaram no vestibular para UFC”, relata orgulhosa. A expectativa é que, a cada ano, mais jovens cidadãos de Aquiraz tornem-se universitários e, posteriormente, profissionais qualificados para o mercado de trabalho. Como mais uma forma de levar entretenimento, cultura informação à comunidade, o “Cine Parque” atrai a atenção de jovens e adultos. As sessões são feitas separadamente, durante a noite, respei-

“A Associação dos Voluntários do Hospital São José - AVHSJ trouxe para nós uma nova ótica: a ótica do trabalho com o coração. Trouxe, com isso, um novo modo de sentir e trabalhar com a AIDS”. Uyara B. de Sena

Esse é o sentimento expresso nas falas de cada um dos voluntários e funcionários da AVHSJ, que se ajuda portadores do vírus HIV vindos do interior para tratamento e não têm onde ficar. Na casa de passagem não há distinção de idade, nem sexo no atendimento. O tempo máximo previsto para a hospedagem é de dez dias, mas, dependendo do caso, os pacientes ficam até dez meses ou mais. Sem garantia de financiamento estatal, a AVHSJ conta hoje com 61 voluntários que se revesam para cuidar das pessoas, na casa ou no hospital. O trabalho é dividido entre as pessoas com plantões de quatro horas por semana ou 12 horas no período noturno. A Associação foi fundada por Mirtes Brígido, há onze anos, que impulsionou a criação do Grupo Girassol, objetivando acompanhar os pacientes no Hospital São José.

Valdeiza Sampaio, uma das primeiras voluntárias, engajou-se desde o início. Ela acompanhava seu filho que tinha outra doença e conheceu os portadores de HIV, que sempre lamentavam não ter o que fazer ou aprender algum ofício. No incio do grupo Girassol, funcionários, familiares e amigos doavam cestas aos pacientes. Depois, o Grupo se estruturou melhor, e realizam esse acompanhamento no hospital até hoje. “Todos têm um só objetivo - o bem-estar dessas pessoas fragilizadas pela doença, discriminação, falta de recursos financeiros, abandono da família e outros problemas recorrentes”, esclarece Valdeiza Sampaio, atual coordenadora da Cooperativa Coopvida, um dos projetos desenvolvidos pela AVHSJ. Na casa de passagem, as atividades evoluíram de uma simples terapia para o empreendimento de uma cooperativa, com o incentivo da incubadora da Universidade Federal

tando os limites de idade. Muitos que vão ao parque para assistir aos filmes, não teriam a oportunidade de fazê-lo, não fosse a iniciativa da diretoria. Outra atração com sucesso garantido são os campeonatos de futebol entre os times da comunidade, organizados pelo monitores responsáveis pelos esportes no Parque. Pais de alunos também foram beneficiados com o Parque. Alguns descobriram uma profissão e até conseguiram emprego, imple-mentando a renda da família. Eles puderam participar de um curso onde aprenderam a fazer pães e, atualmente, vendem os produtos para a comunidade. O preço é mais acessível que o das padarias, bodegas e mercados da região. Além disso, os pais dos alunos fazem o pão servido no lanche das crianças. O Parque produz ainda ovo caipira, peixe, frango, verdura e legumes. Todo o dinheiro é destinado ao pagamento dos funcionários e investimentos do projeto.

Produtos do Parque Foto: Renata Benevides

Financiamento

Onde está o dinheiro? Apesar de muito esforço, o trabalho da AVHSJ tem sido prejudicado por falta de financiamento. De acordo com Viviane Mayves, assistente social, o abrigo sobrevive apenas de doações, cada vez mais escassas. Sem verba, está difícil manter as atividades como o apoio emocional, por meio de cursos, palestras; promoção sócio-educativa, inclusive com brinquedoteca, fechada por falta de brinquedos e instrutor. Faltam principalmente mantimentos básicos pra quem fica na casa, medicamentos complementares e vales-transportes. “Um projeto vinculado à Secretaria da Saúde teve seus recursos cortados, sem justificativa. Já na

Secretaria da Ação Social, nós estamos aguardando desde abril deste ano a renovação de um convênio”, lamenta Viviane. Funcionários da Secretaria de Saúde não forneceram informações, alegando que “os responsáveis estavam participando de um congresso em Recife”. De acordo com Paulo Pimenta, do setor financeiro da SAS, o convênio não foi renovado devido aos trâmites burocráticos de cadastroda entidade. O valor previsto era de dez mil e oitocentos reais. “Pra muitos dos portadores ficou difícil explicar por que a Secretaria cortou a verba. Eles não compreendem como o problema não é prioridade”, afirma Viviane, que teve de dividir uma cesta básica entre duas pessoas, possibilitando atender minimamente à demanda. As pessoas atendidas sabem da dificuldade, reclamam, segundo a assistente social, ficam mais abaladas emocionalmente por não compreenderem como uma entidade como a AVHSJ não tem apoio. Mas sempre agradecem à sociedade civil que cumpre com seu compromisso social, humanitário.

- Serviço Para fazer doações, ser voluntário ou visitar ligue para a AVHSJ 492.2939, falar com Glória.

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do tão a sério que pensa em seguir carreira profissional. A menina se diz apaixonada pelo que faz. O retorno é o reconhecimento de seu trabalho por amigos e familiares. As peças são um sucesso na comunidade. Gabriela explica que antes de apresentar as esquetes em outros locais, os vizinhos são privilegiados assistindo à estréia. Uma biblioteca com quatro mil exemplares faz parte da estrutura física do Parque. O empréstimo dos livros não se limita aos alunos do projeto, toda a comunidade pode freqüentar o local. Para ter acesso aos livros, basta fazer um cadastro e respeitar os prazos. O tempo máximo de empréstimo é de 15 dias. De acordo com a responsável pela biblioteca, Vânia Miranda, os títulos mais procurados são de literatura e os leitores mais assíduos, os adolescentes. Ela revela satisfação ao ver os jovens do município se interessando por leitura e usu-

fruindo dos benefícios que o contato com os livros proporciona. A maioria dos livros é conseguida através de doações. “Somente quando os alunos precisam de um título que ninguém tenha para dar é que compramos em livrarias”, diz.

Profissionalização Vânia é um dos membros mais antigos do projeto. A jovem também começou como aluna do reforço e se descobriu profissionalmente colaborando com o mais novos. Hoje, ela é estudante do curso de matemática da U n i v e r s i d a d e d o Va l e d o A c a r a ú (UVA) e pretende ainda conseguir uma vaga no curso de Química da Universidade Federal do ceará (UFC). Para alcançar esse objetivo, continua freqüentando o cursinho pré-vestibular na “Sala do Futuro e Sabedoria”. “Depois que vim para o Parque, minha auto-estima melhorou. Os profes-

Opção de emprego Inicialmente, a horta foi criada com o objetivo de abastacer somente o Parque de Informação. Com a fartura da produção, o cultivo se transformou numa opção de trabalho para Carlos Alberto Dantas de Araújo, 34, e Francisco Wagner da Silva, 21. “Se nós não trabalhássemos aqui, não teríamos outra oportunidade de emprego” afirma Carlos, responsável pelo plantio e cuidados com a horta há mais de dois anos. Antes disso, ele nunca havia trabalhado formalmente. Outra vantagem para os funcionários é a realização que sentem por estarem colaborando com um projeto que ajuda à comunidade em que nasceram e seus familiares. “Fico muito satisfeito de estar

ajudando as crianças e adolescentes do Parque”, diz Wagner, explicando o motivo da alegria com a qual cuida da horta. E o comércio dos produtos do sítio não pára de crescer. Um galpão para criação e manejo de frango de corte está sendo construído. Em breve, mais pessoas estarão ocupando as vagas surgidas com a venda de aves. Os benefícios da produção não se limitam aos jovens do projeto. Todos os moradores de Aquiraz podem comprar os produtos. Além dos preços mais baixos que a concorrência, a vantagem é que cada pessoa pode colaborar para a prosperidade do Parque e, portanto, das crianças de Aquiraz.

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Grife PalmaFashion modifica vida de costureiras Movidos à criatividade e incentivados pelos empréstimos do Banco Palmas, moradores do Conjunto Palmeira, a cada dia, criam novas estratégias para desenvolver o bairro e melhorar suas vidas. Em meio a tantas invenções, a costureira da grife PalmaFashion Maria Daciria, 49 anos, deu sua contribuição. Daciria mora no conjunto há 26 anos e trabalha na PalmaFashion há três. Trabalhar com costura, e em especial jeans, sempre

Juliano Cordeiro

O som pesado, sujo e barulhento que emana das guitarras e amplificadores parece o mesmo quando o assunto é autonomia musical e, em especial, no rock cearense. São grupos, em sua maioria, desconhecidos do grande público, mas que desenvolvem, por razões muitas vezes diversas, um trabalho musical, artístico e cultural, que difere daquele que a grande indústria produz. “Ser autônomo, para mim, é ter controle total sobre a própria música, é não ter que dar satisfação a ninguém”, explica João Batista, vocalista do Mercado Negro, grupo criado em 1998 e que mistura hardcore + hip hop + metal. Ari Saldanha, guitarrista da banda Diagnose, formada em 1997 e que toca o estilo crust, concorda com Batista. “Autonomia significa ser responsável por tudo que faz: produção, composição, lançamento e distribuição da própria obra”. “É ser auto-suficiente em termos artísticos, musicais e financeiros”, completa Éden Barbosa, guitarrista do Quarto 237. A polêmica ganha vez quando se rotula algo como sendo independente, prática tão comum no meio artístico, mas as verbas são buscadas através de leis

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de incentivo à cultura. No Ceará, por exemplo, há a Lei Jereissati, criada em 29 de junho de 1995 e que, segundo a Secretaria da Cultura (Secult), tem beneficiado, por meio de renúncia fiscal, projetos culturais nas áreas de música, fotografia, artes plásticas, literatura, entre outras. Assim, é possível encontrar bandas que, por questões ideológicas, recusam qualquer “apoio” governamental financeiro ou de instituições, chegando até mesmo a excluir alguma possibilidade de assinar contrato com uma grande gravadora ou tocar em festivais que tenham apelo comercial. Por outro lado, existem grupos que almejam um lugar ao sol fora do circuito independente, afastando-se, de certo modo, de uma postura totalmente autônoma (não vem ao caso se é algo bom ou ruim). “Quanto mais festivais aparecerem, desde que sejam coerentes com nosso estilo, não vejo problemas em participar. Afinal, não adianta uma banda se apresentar em lugares onde as pessoas esperam ouvir algo oposto. Nós queremos viver de música sem ter que fazer o som da última moda. Ser autônomo é o destino certo de toda banda iniciante, não há outra forma de começar senão esta. Nosso maior objetivo é conseguir um bom contrato com alguma gravadora e, a partir disso, escrever um novo capítulo na história da banda”, destaca Delano Lima, líder e baixista do Somberlain, grupo de death metal formado em 2002. Ele ainda argumenta que uma gravadora facilita a divulgação do trabalho produzido, seja realizando festivais ou vendendo cópias do Cd. “É tudo uma questão de alcance maior em termos de divulgação. Como autônomo, ou se tem muita grana e bastante tempo para isso, ou uma divulgação restrita”. Batista diz que seria uma espécie de traição se o Mercado Negro assinasse contrato com uma grande gravadora. “Pretendemos sempre trabalhar de forma independente. Nossa banda luta contra a exploração humana, a indústria do capitalismo e a sociedade do consumo. Atualmente, todos querem ser um CPM 22 (grupo paulista que faz sucesso entre o público adolescente), uma banda plástica, vazia e sem conteúdo”, dispara. Mesmo que os grupos possam discordar entre si em relação a uma possível inserção no grande mercado musical, as dificuldades para se manter uma banda são as mesmas. Sem receber cachê, tiram dinheiro do próprio bolso para viagens, ensaios, manutenção de instrumentos, gravações, entre outras despesas. “Aqui em Fortaleza, apesar

Banda Diagnose em apresentação ao vivo da existência de bons grupos, o público não compra material e nem vai aos shows. Na verdade, não há retorno financeiro, é tudo feito por amor à música”, lamenta Ari. Éden, por sua vez, diz que o propósito do Quarto 237 é pelo menos sair no “zero a zero”, ou seja, não perder dinheiro, haja vista que as

Nossa banda luta contra a exploração humana, a indústria do capitalismo e a sociedade do consumo. Atualmente, todos querem ser um CPM 22. bandas acabam gastando muito mais do que recebendo em troca. O Diagnose, por exemplo, desembolsou R$ 400,00 na gravação da demo “Organicamente” e R$ 120,00 na promo Cd “Colapso Vermelho”. O Somberlain teve despesas, na promo

O empréstimo melhorou muito minha vida, pois agora posso administrar meu próprio dinheiro, sei como ele está sendo gerido.” Hoje, Daciria trabalha na grife PalmaFashion com mais 13 mulheres. Elas costuram, principalmente jeans e brins, sob encomenda para empresas privadas. Por semana, há uma produção de 800 peças, entre calças, shorts para crianças e bermudas. O lucro do trabalho é dividido em partes iguais entre as 14 costureiras. A grife fica na sede da Associação do Conjunto Palmeira e tem cerca de 12 máquinas de costura. As 14 costureiras pagam juntas R$ 60,00 mensais, para as despesas, como manutenção de máquinas e conta de energia. A PalmaFashion foi criada por um grupo de mulheres que se reuniram e conseguiram o empréstimo no Banco.

A força dessa união mantém a grife em pé, demonstrando que a comunidade com criatividade, auto-estima, organização, ousadia e investimento, consegue encontrar soluções reais para melhorar a situação em que vive. Costureiras da grife PalmaFashion coordenadas por Maria Dacíria produzem 800 peças por semana

Fotos: Juliana de Fátima

Época em que verbas governamentais ou de instituições são cada vez mais buscadas no meio cultural, bandas discutem possível inserção no mercado musical e as possibilidades de autonomia artística fora das engrenagens da indústria cultural

foi sua grande paixão. No começo ela costurava algumas poucas peças sob encomenda, mas quando a PalmaFashion iniciou a costura de jeans, Daciria não pensou duas vezes: “Agora, sim, é com jeans que vou trabalhar”, comenta. A costureira, então, procurou o financiamento no Banco Palmas. Daciria lembra que o primeiro empréstimo foi baixo, R$ 525,00. O dinheiro serviu para comprar tecidos, jeans, aviamentos, botões, linhas e pagamento da “lavagem”. Para a felicidade dela o lucro veio logo, R$ 470,00. Maria fez ainda mais dois investimentos, chegando até R$ 1.000,00. Depois dos financiamentos, as mudanças na vida da costureira são visíveis, demonstra Daciria com entusiasmo: “antes de pedir o empréstimo era muito difícil comercializar, não conseguia ir para frente.

“Humanity’s Funeral”, de R$ 800,00 entre gravações, mixagem, masterização e arte gráfica. O Mercado Negro gastou R$ 300,00 na sua “Guerra de Classes”. Em relação às viagens, Ari conta que quando vão tocar em uma cidade próxima, como Sobral, o promotor do evento paga transporte e alimentação. Mas quando vão para fora do estado, o dinheiro das passagens vem da própria banda, pois, segundo ele, o organizador não tem condições financeiras de arcar com todos os gastos envolvidos num show (aluguel de som, segurança etc). “Pagamos nossa própria passagem, enquanto o realizador do evento fornece estadia e comida”. Mesmo com todas essas dificuldades, as bandas também têm o que comemorar. O Somberlain chegou a dividir o palco com dois dos principais grupos de death metal mundial: os brasileiros do Krisiun e os americanos do Canibal Corpse. O Diagnose, segundo Ari, possui nome bem consolidado na cena crust, recebendo mais cartas do sul do País do que do nordeste. Batista, do Mercado Negro, diz que a principal conquista é a amizade de um público fiel que prestigia os festivais e acredita na seriedade do trabalho. Éden Barbosa, do Quarto 237, conta que sua banda obteve várias críticas favoráveis na mídia especializada.

Iniciativa popular

Projetos Desenvolvidos

Moradores compram produtos da grife PalmArte e PalmaFashion

PalmaLimpe cria oportunidade de emprego para os jovens do bairro

O PalmaFashion e PalmArt - Formados por grupo de mulheres que se reuniram para criar uma grife e um grupo de produção de artesanato com a ajuda do Banco Palmas, que viabilizou o crédito e capacitação. A PalmaLimpe - Fabricar produtos de limpeza foi a solução encontrada pelos jovens do bairro para enfrentar o problema do primeiro emprego. Com ajuda do Sebrae, os jovens contrataram um químico e criaram os produtos de limpeza - água sanitária, amaciante e detergente. Todos são distribuídos e vendidos nos comércios do Conjunto Palmeira. O PalmaTech Escola comunitária de sócioeconomia soli-

dária para formação de instrutores, técnicos, empreendedores, produtores e consumidores, a fim de difundir instrumentos alternativos adotados pelo Banco. A Incubadora feminina - Durante seis meses, o Banco acompanha um grupo de aproximadamente 30 mulheres, para retirálas da situação de risco em que se encontram. São mulheres, geralmente, abandonadas pelos maridos, e que vivem de esmola e estão em estágio de desnutrição. Quatro horas diárias são divididas entre

acompanhamento nutricional, acompanhamento psicológico, capacitação técnica e gerencial. O objetivo é integrar essas mulheres ao ciclo econômico local através das diversas oficinas e, posteriormente, ao crédito.

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Financiamentos priorizam projetos coletivos Os financiamentos do Banco Palmas variam de R$ 300,00 a R$ 1.000,00 e têm juros evolutivos. Por exemplo, R$ 300,00, juros de 2% a.m ; R$ 500,00, 2,5%; e R$ 1.000,00, 3%. O Banco não cobra taxa administrativa, o cliente diz quando pode pagar obedecendo ao número máximo de seis parcelas. A liberação do financiamento ocorre após visitas dos analistas de crédito e conversas com os vizinhos. Para fazer empréstimo no Palmas, basta ser morador do bairro e sócio da Associação. O Banco não recorre a consultas ao Serviço de Prestação de Crédito (SPC) e ao Serasa. O índice de inadimplência gira em torno de 1% a 3%, considerado normal comparado aos 0,49% atingidos no mês de julho deste ano no Banco do Nordeste (BNB), que também utiliza o sistema de microcrédito. A fim de reduzir o número de devedores,o Palmas divulga o nome do inadimplente na rádio comunitária. Esses empréstimos priorizam projetos coletivos em detrimento dos individuais, gerando emprego e renda para os costureiras, artesãos e comerciantes. “Tudo o que fazemos aqui visa a estimular atividades lo-

cais. As grandes empresas enricaram, porque compramos delas, as grandes marcas dificilmente saem do mercado, pois somos influenciados a consumir. E nós não vemos que o consumo está diretamente ligado ao desenvolvimento local”, explica Socorro Alves. Partindo dessa visão o Banco incentiva empreendimentos na comunidade, como a grife PalmaFashion, PalmArt, Palma Limpe, PalmaTech e a Incubadora Feminina. (veja boxe). Essa experiência econômica, aos poucos, modifica o perfil dos moradores. Transformações percebidas nas atitudes dos comerciantes, costureiras e vendedores. Francisco Erisvaldo Bezerra, proprietário do mercadinho Bezerra, morador do conjunto Palmeira há nove anos, retrata bem a filosofia da economia solidária adotada pelo Banco Palmas. Ele lembra do primeiro empréstimo, R$ 500,00 que fez há seis anos. O resultado deixou o comerciante surpreso, pois houve aumento de 40% no fundo de caixa em um mês. Com o sucesso, Bezerra pagou tudo ao Banco de uma só vez, e não em seis parcelas como havia previsto. Desde então, o comerciante contribui ativamente para desenvolver e melhorar a situação de seu bairro. “ Eu quero que o meu bairro seja um referencial, não que-

ro ser discriminado porque moro no Palmeira, mas quero mostrar o contrário, por isso que eu luto”, afirma Bezerra. O grande desafio do dono do mercadinho é fazer a moeda “palma” circular. Moeda e cartão de crédito locais O mercadinho Bezerra aceita a moeda local, o Palma. A moeda pretende fazer circular o dinheiro no Conjunto Palmeira. Cada palma equivale a R$ 1,00. Os moradores conseguem a moeda com o próprio trabalho ou com empréstimo. O processo ocorre da seguinte forma, de acordo com Bezerra: a mulher que vende pastelzinho na esquina aceita a moeda local, depois vai ao mercadinho e compra os ingredientes para fazer pastel, então o dinheiro percorre em todo bairro. O mercadinho Bezerra contabiliza 20% do lucro em Palma. Outro meio de compra utilizado, o cartão de crédito PalmaCard, também facilita a compra dos moradores. Há 94 pontos comerciais cadastrados à Associação, mercadinhos, lojas de material de construção, lanchonetes e farmácias, que aceitam o cartão. O crédito oferecido varia de R$ 20,00 a R$ 100,00.

Como defende Socorro Alves, para alcançar o desenvolvimento local, é necessário união, força de vontade, determinação e amor. “O Banco não dá certo só aqui, em qualquer lugar com as mesmas características e objetivos pode-se estruturar o sistema de microcrédito. Nós pretendemos desenvolver o BancoPar, em Paracuru, interior do Ceará”, afirma Socorro. O BancoPar foi inaugurado no último dia 17 de setembro com uma carteira de crédito de R$ 20.000,00. No Bom Jardim há um sistema semelhante ao utilizado no Palmeira. A Agencia de Desenvolvimento Local e Economia Solidária (Fundesol) atua na região deste 2000 fazendo pequenos empréstimos a baixos juros e emissão de cartão de crédito (Credsol). O Conjunto Palmeira e essas outras experiências econômicas demonstram ser possível diante da economia capitalista construir novas alternativas, que priorizam melhorias na comunidade, soluções para os problemas coletivos, valorização do ser humano e inclusão das classes mais necessitadas.

Fotos: Divulgação

Resistência ou inclusão à Indústria Cultural?

Éden é guitarista do Quarto 237

Os filósofos alemães Theodor W.Adorno e Max Horkheimer, pensadores da Escola de Frankfurt que desenvolveram estudos relacionados às artes, no livro “Dialética do Esclarecimento”, afirmavam que aqueles que resistem à Indústria Cultural (fenômeno descrito por Adorno em que a arte teria sido transformada, no século XX, num mero produto trocável por dinheiro, sendo consumida como qualquer outra coisa, e não mais significando um instrumento de livre expressão ou crítica) só poderiam sobreviver caso se integrassem a tal sistema, e quem não se conformasse seria punido com a impotência econômica. No final dos anos 70, o Brasil era o quinto mercado fonográfico do mundo. Fato diretamente relacionado ao crescimento da indústria do disco nos anos 70 – época em que músicas pop nacionais e estrangeiras ganhavam evidência. Nesse mesmo período, os meios de comunicação de massa e as gravadoras, através da implantação das rádios FMs (1973/1974), controlavam todos os mecanismos divulgadores de música, ditando padrões de consumo a ser seguidos. Até que ponto o fenômeno da Indústria Cultural atingiria ou não os grupos que se dizem, atualmente, independentes? É possível desenvolver um trabalho autônomo que não dependa do capital da grande indústria? “Há, hoje em dia, um outro tipo de organização paralela, uma rede mundial de bandas

que não querem se integrar ao mercado. Inclusive, o Diagnose apóia a pirataria como fim contra-cultural. Podem copiar nossas músicas sem nenhum tipo de problema”, declara Ari. “Tudo é mercadoria, até a própria revolta é vendida em prateleiras. O que é viável é se manter o mais distante das grandes gravadoras e empresários, que só querem lucrar em cima da imagem do músico. A cena independente também é um mercado em que é possível você vender seu material e tocar em festivais”, explica Batista. Delano Lima, do Somberlain, diz que apesar de atualmente haver bastante “lixo cultural” de forte caráter de massificação, estilos como o jazz, o heavy metal e a música clássica ainda se mantêm musicalmente e ideologicamente intactos, mesmo quando propagados por grandes gravadoras. “Todos eles prezam pela honestidade em sua elaboração”. A internet, as rádios comunitárias, as revistas especializadas, os zines e o usual “boca a boca” são os principais meios de comunicação dessas bandas, são os porta-vozes de uma cultura alheia aos olhos da maioria. Nunca o velho lema punk “do it yourself” (faça você mesmo, não espere por ninguém) esteve tão vivo. Afinal, a música não pode parar, e se for Rock’n Roll, melhor ainda.

Rocheline é baixista do Mercado Negro

Conheça as bandas entrevistadas

Foto: Juliana de Fátima

Somberlain - O grupo formado em março de 2002 possui 2 trabalhos gravados. O Cd-demo “Awakening in the Darkness” é de junho de 2002 e o Cd-promo “Humanity’s Funeral” é de junho deste ano. Além de Fortaleza, o grupo já se apresentou em outras cidades como Natal, Mossoró, Sobral e Teresina. Diagnose - A banda iniciou em 1997, tendo lançado as demos “Desordem Capital”, de 1998, “Organicamente”, de 1999, e o promo Cd “Qual discurso que mais te

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agrada?”, de 2003. O grupo também está presente nas coletâneas “Atitude VoII”, “Unidos pela causa Underground” e “Crust x Grind”. Mercado Negro - A banda começou suas atividades em julho de 1998 e possui dois trabalhos lançados: a demotaipe “Quanto vale hoje uma vida humana”, de 2000, e “Guerra de Classes”, de 2002. Quarto 237 - O grupo nasceu em 2001 e gravou no final do mesmo ano um Cd-demo que leva o nome da própria banda.

Mundo do Rock

Entenda os estilos O death metal é a vertente mais extrema e a mais pesada do heavy metal, que possui diversas ramificações: thrash metal, heavy metal melódico, heavy metal tradicional, black metal, entre outras. O punk, por sua vez, originou o hardcore, caracterizado como uma versão mais rápida do próprio punk. O hardcore também originou um estilo ainda mais agressivo e pesado, que seria o crust.

Mercadinho Bezerra: lucro após o investimento do Banco Palmas

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Uma idéia que deu certo

Com ousadia, criatividade, união e força de vontade moradores do Conjunto Palmeira reinventam estratégias para desenvolver o bairro, gerando crescimento local. O Banco Palmas contribui ativamente para esse crescimento com a criação da moeda local Palma, o cartão de crédito PalmaCard e os projetos PalmaFashion, PalmaArt, PalmaLimpe, PalmaTech e Incubadora Feminina. Juliana de Fátima Alves

O último século caracterizou-se por avanços nas áreas tecnológicas, econômicas e culturais. Tempo de desbravamento de novas idéias, superação dos limites e crescimento de muitas nações. Mas todo esse desenvolvimento não eliminou as desigualdades sociais e econômicas no mundo. Nesse contexto, o velho dito popular “a união faz a força” torna-se mola propulsora para o surgimento de diversas organizações locais, que buscam formas alternativas visando melhorias na cidade, no bairro e na comunidade. E reinventando a precária condição em que vivem, associações de moradores têm transformado o impossível em realidade. O Conjunto Palmeira localizado na região sul da cidade, a 20 quilômetros do Centro de Fortaleza, já foi uma favela. Mas, hoje atrai o interesse de sociólogos e economistas, graças à implantação do sistema de microcrédito, Banco Palmas. A idéia nasceu em 1997, quando ao realizar pesquisa no bairro, a Associação de Moradores do Conjunto Palmeira (Asmoconp) se deparou com uma situação inusitada: os moradores que lutaram por melhorias no lugar estavam indo embora. Segundo a integrante da Asmoconp, Socorro Alves, eles mudavam-se do Palmeira, porque após o processo de urbanização, morar lá se tornara caro. “Tínhamos que pagar conta de água, luz, esgotamento sanitário”, explica Socorro Alves. Aliado a isso cerca de 90% dos 30.000 habitantes ganhavam até dois salários mínimos, porém utilizavam seu dinheiro nas lojas do Centro, atraídos pela possibilidade de parcelamento. Resultado: o dinheiro não circulava no bairro e o ciclo de pobreza aprofundava. Para enfrentar o problema, a Associação realizou reuniões entre moradores, comerciantes e consumidores, resultando a criação do Banco Palmas, em 1998. Trata-se de um sistema de microcrédito coordenado por Joaquim de Melo com apoio dos líderes comunitários e que teve como referencial o Grammen Bank. (veja texto ao lado). O sistema objetiva criar uma rede de solidariedade de produção e consumo, gerando renda, emprego e desenvolvimento local. “Nós acreditamos que é possível outra economia, que valoriza tanto a produção quanto o ser humano”, enfatiza Socorro Alves. O Banco Palmas iniciou suas atividades com modesto capital de R$ 2.000,00, emprestados pela organização não-governamental Centro de Estudos, Articulações e Referência Sobre Assentamentos Humanos (ONG CEARAH Periferia). Com financiamentos de empresas brasileiras e ONG‘s internacionais, como Oxfam da Inglaterra, o Banco aumentou a carteira de crédito, que hoje gira em torno de R$ 30.000,00. Apesar de 1.200 clientes já terem sido beneficiados, há ainda 500 pessoas esperando por empréstimo.

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O seminarista Joaquim de M e l o , a d e p t o d a Te o l o g i a d a Libertação, vivia em retiros, na cidade de Belém do Pará. Aos 21 anos interessou-se pelo Projeto Seminarista na Periferia, criado por Dom Aloísio, ex-arcebispo de Fortaleza. O projeto propunha a participação de futuros padres nos processos de organização de comunidades de baixa renda. Joaquim se interessou pelo trabalho, mudou-se para Fortaleza e foi designado para atuar no Conjunto Palmeira. Na época, o bairro era uma imensa favela sem nenhuma infraestrutura, mas se iniciavam as lutas por pavimentação, saneamento básico, energia elétrica, água e outros serviços. Durante os anos de 1980 a 1991, houve conquistas significativas no bairro, como água, transporte coletivo e fundação da Associação dos Moradores do Conjunto Palmeira (Asmoconp). Nesse período, Melo termina o curso de Teologia e desiste da vida religiosa e decide dedicar-se ao desenvolvimento do Palmeira. O bairro, aos poucos se urbanizava, porém as melhorias não foram acompanhadas por crescimento econômico local. Os moradores não possuíam condições de pagar as despesas e encontravam dificuldades para continuar no conjunto. O problema: como gerar renda e emprego no local? Então, ganha espaço a idéia do sistema de microcrédito, Banco Palmas. Experiências interna cionais, como o Grammen Bank, criado em 1976 pelo economista Muhamad Yunus, em Bangladesh, na Índia, influenciaram a criação do Banco Palmas.

Moeda local Palma circula em todo Conjunto Palmeira gerando desenvolvimento local

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