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Jun/Jul - 2007

ANO 4 - Nº 13

FOTO: RAPHAEL VILLAR

Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza

Messejana: um olhar sobre o bairro-cidade Nesta edição do Sopbressão, você faz um passeio a uma verdadeira cidade dentro de Fortaleza, conhecendo as histórias e peculiaridades de um bairro que mantém sua personalidade, apesar de possuir inúmeros problemas.

Feira movimenta o bairro Saiba porque até a concorrência elogia e reconhece a importância da Feira de Messejana (páginas 22 e 23)

Coração artificial Hospital de Messejana busca ser referência em implantes e tenta implementar programa para abreviar a espera dos pacientes (página 6)

Memória ameaçada Os riscos que rondam o patrimônio histórico do tradicional bairro e o que fazer para preservá-lo (página 10)


Editorial

CRÔNICA

A Grande Messejana

FOTO: RAPHAEL VILLAR

Igreja matriz de Messejana

Emersomar Rodrigues da Silva

A melhor negociadora da feira Todos os domingos o ritual lá em casa era sempre o mesmo. Domingo era dia de feira. Minha mãe me acordava às 6 horas da manhã. Com muito sacrifício, eu levantava e tomava café, revoltado por ter que acordar cedo no domingo. Caminhávamos cerca de 1 quilômetro e às 7 já estávamos dentro da feira, à procura de banana, laranja, chuchu, coentro, cebolinha e o artigo que ela me deixava escolher e que, por sinal, era o meu favorito: rapadura de coco. Era a minha alegria, a recompensa por todo o sacrifício de “perder” a manhã de domingo para estar ali. Carregava as sacolas cheias de compras com minha mãe, serpenteando pelos caminhos estreitos das ruas improvisadas da feira com uma raiva de menino levado, mas com os olhos atentos a tudo, logo se alegravando com os gritos e chamamentos para os produtos, que depois gostava de imitar. Com as imitações, conseguia arrancar sorrisos de minha mãe, o que fazia com que esquecesse tudo o que antes parecera ruim. Eu reclamava de ir à feira, praguejava, queria dormir mais aos domingos, mas minha mãe adorava aquilo. Ela tinha uma habilidade tão grande em negociar com os vendedores que me impressionava. Nunca comprava pelo preço pedido, sempre pechinchava e ganhava desconto. Ao final de mais um domingo, voltávamos para casa

com pelo menos duas sacolas cheias de verduras, frutas e rapadura, é claro. A volta era “pesada”, pois as sacolas, ora cheias, faziam minha mãos de menino ficarem vermelhas, quase com bolhas. Quando fui ficando mais velho, ia de bicicleta para carregar minha mãe e as compras. Virei adulto, a feira mudou, mas minha mãe, no auge dos seus 65 anos, ainda ia todos os domingos para lá. Já não a acompanhava até as barracas, ficava esperando fora das ruas cheias da feira. Uma outra irmã ia com ela e trazia as compras até o carro. A quantidade já não era a mesma, a família estava diminuindo, mas o ritual permanecia. Passados alguns anos, minha mãe já não faz mais feira “nesse mundo”. Eu mudei. Também já não moro em Messejana. A feira livre também mudou, mas continua despertando o mesmo sentimento em mim. Ao voltar à feira e sentir o calor humano, sons e cheiros de minha infância e adolescência, confesso que senti um misto de saudade e raiva. Saudade por tudo de bom que aqueles momentos representavam, e raiva por não ter curtido mais aqueles domingos. Contudo, raiva não é um sentimento bom para se ter. Pensando bem, vivi intensamente aqueles dias, fui feliz e acho que minha mãe também, a melhor negociadora da Feira de Livre de Messejana.

Você conhece a Casa José de Alencar? Dei por visto apenas. Lá não tem nenhum elemento arquitetônico interessante. Fui só pela curiosidade de ter visto a casa de um escritor. Não é só importante ter a Casa José de Alencar. A gente não tem um museu, as faculdades e as escolas não têm uma valorização do nosso escritor maior. Não tem uma praça, ou um percurso mostrando onde ele estudou. Talvez fosse mais interessante se tivesse o circuito José de Alencar, como algumas cidades já fazem com seus escritores de origem. Ney Filho, 32 anos, estudante de Arquitetura da Unifor

A Casa José de Alencar é um ícone da nossa cultura. Ela é super importante para o Estado, para a História e principalmente para quem já leu o autor, que é um dos melhores do Ceará. Infelizmente a nossa cultura não é divulgada. As pessoas ainda preferem o que vem de fora. A Casa José de Alencar poderia ser um point de cultura, de seminário e de cursos. Infelizmente, o poder público não investe nisso. Ednea Miranda, 40 anos, funcionária da Secretaria Executiva Regional V

Eu já ouvi falar. Me disseram que lá é muito bonito. É a nossa história, não é? Alguns colégios reúnem os estudantes para esse tipo de passeio, fretam um ônibus. Eu não tive a chance de participar de uma excursão como essa. Eu nunca tive a oportunidade conhecer a Casa José de Alencar. Curiosidade de ir lá eu até tenho. José Alberto Jr., 19 anos, vendedor ambulante

Eu já ouvi falar. Nunca fui lá por falta de oportunidade e de tempo. Tenho curiosidade de ir. Acho muito chato o fato de os cearenses não visitarem a Casa José de Alencar, até porque é uma casa nossa. Acho que deveria ter bem mais visitação. Há pessoas que têm oportunidade e não vão. No meu caso, eu quero ir e não tenho oportunidade, por causa do meu tempo. Meu tempo é ouro. Eudes Gomes, 33 anos, segurança

FOTOS: RAPHAEL VILLAR

Para muitos, Messejana não é apenas mais um bairro de Fortaleza. Há quem pense que se trata de uma cidade contígua à região Metropolitana da capital cearense. De fato, já foi independente, sendo anexada como bairro no século passado. Em Messejana – Miss Jane, para deleite dos mais gaiatos – há muitos elementos que podem perfeitamente ajudar a constituir uma cidade, ainda que de interior, mas já bastante desenvolvida, com fortes traços de desenvolvimento urbano. A “cidade” onde nasceu José de Alencar revela facetas muito interessantes. Como qualquer localidade de interior, tem igreja matriz, com suas tradicionais missas aos domingos. Do lado de fora, na praça principal, há uma grande feira, que acaba por movimentar o bairro inteiro, servindo como chamariz até mesmo para clientes dos supermercados nas redondezas. Tem o velho hábito das pessoas em se distrair sentando-se às calçadas para conversar. Até este ponto, Messejana se revela uma típica cidadezinha do interior. Para além do prosaico, Messejana exibe sua identidade de diversas formas. O bairro possui um portal na Internet – que oferece uma gama variada de serviços – conta com uma revista que o tem como destaque principal e, além disso, ainda possui uma premiação anual que laureia as empresas com melhor desempenho por aquelas bandas. Não podemos esquecer dos pontos turísticos de Messejana, como a Casa José de Alencar, local onde nasceu o famoso escritor e hoje é um memorial, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a Lagoa e sua estátua de Iracema, além da noite do bairro, com seus bares repletos de personagens e histórias pitorescas. Além dos pontos turísticos, destaca-se ainda o Hospital de Messejana, que é campeão nacional em número de transplantes de coração. Enfim, elementos para produzir pautas, tivemos de sobra desde que Messejana foi escolhida como tema central para esta edição do nosso jornal. E todos esses elementos citados acima vão estar presentes nas reportagens que virão a seguir. E, quem sabe, não ajudam a demonstrar porque este jamais será apenas um bairro, e tampouco uma mera cidadezinha de interior. Grande Messejana talvez fosse a alcunha mais adequada.

Expediente Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor) - Disciplina: Projeto Experimental em Jornalismo Impresso - Fundação Edson Queiroz - Universidade de Fortaleza (Unifor) - Diretor do Centro de Ciências Humanas: José Batista de Lima - Coordenadora do Curso de Jornalismo: Erotilde Honório - Reportagem e Edição: Ana Júlia de Alencar, Ana Paula Almeida, Carolina Fernandes, Dahiana Araújo, Elisa Parente, Emersomar Rodrigues, Gabriella Antunes, Juliana Lôbo, Lilian Amaral, Martha dos Martins, Mirela Filgueiras, Rafaele Esmeraldo, Thiago Mena - Projeto gráfico: Eduardo Freire - Diagramação: Aldeci Tomaz - Professor orientador: Antonio Simões - Conselho Editorial: Adriana Santiago, Geísa Mattos e Erotilde Honório - Supervisão gráfica: Francisco Roberto - Impressão: Gráfica Unifor - Tiragem: 3.000 exemplares - Estagiário de Produção Gráfica: Anne Nogueira, Caio Castelo e Eduardo Viana - Estagiários de Redação: Elisa Parente, Maria Isabel Medal, Pery Negreiros - Revisão: Profa. Claudia Matos - Primeira página: Aldeci Tomaz - Editorialista: Pery Negreiros

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Campanha estimula doação de órgãos no Ceará A opinião pública, os profissionais da área da saúde e a imprensa se reúnem uma vez por ano em prol da doação de órgãos no estado. É a campanha “Doe de Coração”, que desde 2003 incentiva esse ato de solidariedade entre os cearenses Maria Isabel Medal

Conscientizar sobre a importância da doação de órgãos e fomentar a discussão da temática nos vários setores da sociedade. Esses são os principais objetivos da campanha “Doe de Coração”, ação idealizada há quatro anos pela Fundação Edson Queiroz, que conta também com a parceria do Sistema Verdes Mares. Uma vez por ano, a campanha “Doe de Coração” mobiliza a população por meio de doação de camisetas e adesivos, veiculação de propagandas nos principais meios de comunicação e distribuição de cartazes e folders nos pontos de maior concentração de pessoas em Fortaleza. Palestras com profissionais da área de saúde também são realizadas com a finalidade de sensibilizar a classe médica e os cearenses em geral para a necessidade da doação de órgãos no Estado. De acordo com a diretora de comunicação e marketing da Unifor, Valéria Abreu, a campanha superou todas as expectativas. Ela afirma que hoje a população está mais informada sobre todo o processo que envolve a doação de órgãos e a sua importância, além de diminuir o preconceito e o receio que algumas pessoas têm em relação ao transplante. A Fundação Edson Queiroz disponibilizou no primeiro ano 10 mil ca-

misas, que foram distribuídas em hospitais, escolas e shoppings, dentre outros locais. Apesar do pouco tempo, os resultados da Campanha já são evidentes. Em 2002, a Central de Transplantes do Estado do Ceará registrou 297 doações. Já em 2003, primeiro ano da campanha, esse número subiu para 420. Em 2006, foram realizados 446 transplantes. Entretanto, mesmo com o aumento significativo, o número de doações

Falta de doações preocupa o Hospital de Messejana

Passo a Passo

Como uma doação de coração é efetivada

em universidades, em colégios e a própria mídia nos ajuda publicando matérias sobre o assunto. Além da campanha direta com folders e propagandas ser mais cara, nós acreditamos que a indireta sensibiliza muito mais”, destaca. A médica também diz que não há como saber porque existem oscilações no número de doadores. FOTO: DIVULGAÇÃO

O coração artificial é uma medida emergencial para aqueles pacientes que não têm mais condições físicas de esperar por um transplante. Mas, segundo o doutor Juan Mejía, o ideal seria que o número de doações aumentasse. “Mesmo porque não há DAV para todos. É preocupante a falta de doação”, lamenta. Em janeiro deste ano, foram feitas quatro operações, mas depois disso não foi realizada mais nenhuma. “Acho que devem ser feitas campanhas para estimular a doação de órgãos”, acredita. A coordenadora da Central de Transplantes do Ceará, doutora Eliana Régia de Almeida, afirma que houve uma diminuição no número de doações de órgãos no Brasil e também no Estado, mas que as campanhas são feitas regularmente. “Nossas campanhas são contínuas: palestras

no Estado ainda é pequeno. Contribuição positiva - Por causa da Campanha, muitos cearenses já estão adquirindo a consciência de que um gesto como esse pode salvar vidas. O estudante de Direito, Mauro Sales Filho, afirma que soube da campanha “Doe de Coração” por meio da televisão e de adesivos. “Quanto mais iniciativas como essas forem tomadas, mais as pessoas terão conhecimento sobre

o assunto, o que acarretará no fim do tabu da doação de órgãos”, diz. A estudante de Comércio Exterior, Manuela Sales, também considera a campanha Doe de Coração importante porque o número de pessoas que esperam na fila por um transplante é enorme. Entretanto, Manuela ressalta que o ato de doar os órgãos é uma opção de cada um. “Todo mundo tem o direito de escolha. Vai depender muito da consciência da pessoa”, explica. “Em abril, uns 15 dias antes dele falecer, apareceram dois corações compatíveis, mas os parentes não quiseram doar de modo algum. Uma das famílias disse depois que se arrependeu por não ter doado, mas já era tarde demais”. Esse é o desabafo da estudante de jornalismo, Kelvia Alves, que perdeu um primo enquanto ele esperava por um coração. Para ela, as campanhas que incentivam a doação de órgãos são importantes, apesar de achar que muitas pessoas só mudam de opinião em relação a esse assunto quando alguém próximo enfrenta uma situação em que só uma doação pode salvar. “ Do que adianta tanto avanço na medicina se o que realmente tem que avançar – a consciência do homem – parece retroceder?”, questiona. De acordo com os dados levantados pela Central de Captação de Órgãos, até o mês de agosto, 1088 pessoas estão na fila de espera por um novo órgão.

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A morte cerebral do paciente é diagnosticada. Depois de seis horas, outra avaliação é feita.

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Se a morte encefálica for confirmada pela avaliação, os médicos consultam a família do potencial doador, que autoriza ou não a doação.

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Durante todo este tempo, o médico deve manter a pressão e a freqüência cardíaca do doador, mesmo sem o cérebro para coordenar tudo. A função de cada órgão não pode se alterar.

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É feita uma série de exames no doador. Ele não pode ter Aids, sífilis, hepatite, toxoplasmose, entre outras doenças. Estes exames levam entre quatro e seis horas.

O coração é o órgão mais sensível à morte cerebral, por isso o transplante cardíaco é um dos mais difíceis de ser realizado. Quando o coração pára, só se pode doar os tecidos como a pele, cujo transplante não é feito no Ceará, e as córneas. Fonte: Dra. Eliana Régia de Almeida/Central de Tranplantes do Ceará

Hospital do Coração de Messejana Jun/Jul - 2007

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Coração artificial salva vidas FOTOS: RAPHAEL VILLAR

O Hospital de Messejana busca ser o primeiro do Brasil a implantar o Programa do Coração Artificial, que promete melhorar a vida daqueles que enfrentam a longa fila à espera de um transplante Martha Dos Martins

Há 10 anos, o Hospital de Messejana (HM), que está entre os cinco mais importantes centros cardíacos do Brasil, realiza transplantes de coração. Em 2006, ele fez 16 transplantes cardíacos, o maior número do País no ano passado. Mesmo assim, muitas pessoas acabam morrendo enquanto aguardam uma doação. No Ceará, a espera por um novo coração dura, em média, de seis a 10 meses. O Programa do Coração Artificial do HM promete aumentar a sobrevida dessas pessoas que esperam por um transplante. Mas, apesar deste Programa ter sido anunciado há um ano, nunca foi feita uma cirurgia de implantação do aparelho no Hospital. Cientificamente chamado de Dispositivo de Assistência Ventricular (DAV), o coração artificial é uma máquina que ajuda o coração natural a manter um fluxo adequado de sangue para todo o corpo. “É uma espécie de moleta que exerce a função do coração humano”, exemplifica o coordenador cirúrgico do HM, doutor Juan Mejía. Segundo Juan Mejía, o DAV é indicado em três situações. A primeira e principal indicação é a chamada ponte para o transplante, quando o estado do paciente que espera o órgão piora e ele tem de ir para a UTI. Estas pessoas tomam drogas infundidas pelas veias para estimular a circulação do sangue. “Mas chega uma hora que não dá mais. O paciente se torna refratário aos remédios, o seu sistema circulatório entra em colapso e os tecidos começam a morrer por falta de irrigação. Com o passar do tempo, órgãos como os rins e o fígado param de funcionar e o paciente mor-

re”, explica Juan Mejía. O coração artificial, então, impulsionaria o sangue, melhorando a condição clínica do doente e fazendo com que ele agüente esperar mais seis meses, em média, por uma doação. A segunda é a ponte para a recuperação. Esta indicação acontece quando, depois de uma cirurgia cardíaca complexa, como uma ponte de safena, o coração fica tão fraco que não consegue se desconectar da máquina circular extracorpórea que é utilizada para auxiliar o seu funcionamento. Este paciente pode morrer na mesa de cirurgia, então, o DAV ajudaria este coração a se desligar do aparelho. “Neste caso, com o passar das semanas, o dispositivo pode ser retirado do paciente e ele ficar com o próprio coração ou já se pensa em colocá-lo na lista de transplante se este coração artificial tiver complicações. É uma ponte para a recuperação que pode virar ponte para o transplante”, afirma Mejía. A terceira indicação, que foi descoberta há oito anos e é a mais recente, é para aqueles que não têm mais condições de aguardar um coração. “Se é pela idade, se tem critérios de expulsão muito fortes, se são diabéticos, ou uma série de critérios que não permitem que estes pacientes entrem numa lista de transplantes”, ressalta doutor Juan. Nestes casos, o coração artificial é implantado e o paciente fica com ele definitivamente, o que se chama ponte como destino final. O coração artificial é feito especialmente para cada paciente e tem, aproximadamente, o tamanho de uma bola de tênis. “Mas quanto mais avançada é a tecnologia, menor é o DAV”, destaca Mejía. Feito de um plástico especial, poliuretana, existem vários tipos deste apare-

Coração artificial, que ajuda a salvar vidas lho, que podem ficar dentro ou fora do corpo. O escolhido pelo HM é um modelo americano fabricado no Brasil, que fica dentro do corpo. Isso possibilita que o paciente saia do hospital. Cada uma das máquinas, que são as mais baratas, custa US$ 16 mil, cerca de R$ 32 mil. Apesar de já terem sido feitas implantações do DAV em São Paulo e no Rio Grande

Mecanismo

Entenda o funcionamento do aparelho O coração humano é uma bomba que empurra o sangue, por uma série de tubulações, para o resto do organismo. Existem dois tipos de circulação: a maior e a menor. A circulação maior acontece por meio das artérias e a circulação menor pelas veias, As duas circulações são impulsionadas por câmaras, que são os ventrículos direito e esquerdo. Quando um dos ventrículos está doente, o fluxo de sangue se torna insuficiente. Neste caso, o paciente deve tomar drogas injetáveis na veia para aumentar a pressão circulatória. Mas, com o tempo, o organismo da pessoa não responde mais aos remédios e os tecidos morrem por falta de irrigação. Então, órgãos como o fígado e os rins param de funcionar e o paciente morre. O coração artificial seria um aparelho que ajudaria o ventrículo doente, que pode ser

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o direito, o esquerdo ou os dois, a impulsionar o sangue. “Essa tecnologia precisa de muito detalhe, muito refinamento, o DAV precisa ser muito sincronizado com os batimentos do coração doente”, afirma doutor Juan Mejía.

Juan Mejía: sincronia necessária

Segundo o médico, com a normalização do fluxo de sangue, todos os órgãos passam a funcionar melhor. “O coração, que está distendido, na hora que for colocada essa máquina ficará menor, então terá um repouso e permitirá que vários outros órgãos comecem a trabalhar de uma forma melhor. A situação clínica do paciente melhorará e ele terá condição de aguardar transplante por mais tempo”, explica. O modelo de DAV escolhido pelo HM tem uma válvula de entrada e outra de saída. O aparelho precisa de um apoio que empurre a corrente de sangue, o que simula um sistema pulsante. Este apoio pode ser dado por duas fontes de energia: sistema pneumático ou sistema eletromecânico. O DAV tem vida útil de até seis meses. O coração nativo da pessoa não é retirado com a implantação do artificial.

do Sul, o HM seria a primeira instituição brasileira a introduzir um programa efetivo de cirurgias deste tipo. Para isto, o Governo do Cearé garantiu R$ 150 mil para o início do projeto. Além disso, a empresa americana Biomedic doou US$ 140 mil em instrumentos especiais para a fabricação do aparelho. A associação internacional de ajuda comunitária, Lions Clube do Ceará, ajudou com a doação de dez DAVs. Entretanto, segundo a assessoria da Secretaria de Saúde do Ceará, não há financiamento definido para o futuro do programa. Ainda de acordo com a assessoria, o Governo deve ir buscar mais recursos junto ao Ministério da Saúde. O diretor médico do HM, doutor João David de Souza Neto, lembra que o Programa do Coração Artificial é uma experiência inovadora e por isso requer muitos estudos e cuidados. “O projeto será implantado assim que o aparelho for aprovado pelo Ministério da Saúde e que terminar de ser analisado pela Comissão Ética do Hospital”, garante. De acordo com Juan Mejía, o coração artificial beneficiará não somente aqueles que precisam de um transplante cardíaco, mas também as pessoas que sofreram algum dano no coração. “Praticamente todos os enfartados do Ceará vêm para o HM e uma quantidade expressiva deles tem choque cardigênico ou teve grande perda de massa ventricular. São enfartes grandes, importantes. Todas essas pessoas seriam beneficiadas com o DAV”.


Pacientes do Interior do Ceará superlotam Hospital FOTO: RAPHAEL VILLAR

O Hospital de Messejana, que é especializado em doenças do coração e do pulmão, tem os serviços comprometidos devido ao grande número de pacientes vindos do Interior do Ceará e outros Estados Gabriella Antunes, Rafaele Esmeraldo e Regina Almeida

Segundo dados da Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa), divulgados no ano passado, 58% dos pacientes internados em hospitais de Fortaleza são oriundos da Região Metropolitana e interior do Estado. Isto acaba comprometendo o atendimento aos fortalezenses. A situação é ainda mais grave no Hospital de Messejana. De acordo com a Chefe do Serviço de Enfermagem da Unidade “C” do Hospital, Maria Neule Cruz Azevedo, “uma média de 70% a 80% dos pacientes internados nesta unidade são do interior do Ceará e outros Estados”. A enfermeira reconhece que esse alto índice acaba tirando a vaga de pacientes da capital. “Em Sobral, tem um Hospital do Coração, que acaba desafogando em relação a pacientes da Região Norte do Estado, mas dependendo da gravidade da doença, eles são encaminhados para Fortaleza”, diz Neule. Pacientes chegam a relatar que tentam atendimento em seus Municípios, mas como não têm hospitais especializados, eles são transferidos para a capital cearense. Muitos chegam em ambulâncias ou outros veículos da própria cidade. Como acontece com Francisca Adriana Fonseca, 30 anos. Desde 2002, vem trimestralmente ao hospital de Messejana para tratar de uma arritmia. Adriana mora em Tibaúba, interior de Russas, cidade localizada a 170 Km de Fortaleza. A paciente diz que até agora não teve dificuldade com o tratamento, nem com relação ao transporte que é disponibilizado pela Prefeitura do município. Quanto ao atendimento, diz estar satisfeita. No início, veio encaminhada pelo hospital de Russas e agora, por já ser paciente há quatro anos, consegue consulta sem problemas. “Gosto demais dos médicos residentes que tratam a gente muito bem e os exames são fáceis de fazer”, relata a paciente. Já o aposentado José Aquiles Filho, 54 anos, morador de Fortaleza, não teve a mesma sorte de Adriana. Esperou mais de um ano para conseguir atendimento. Ele sofria de cansaços e dores fortes no peito. Passou por vários hospitais até conseguir uma vaga no Hospital de Messejana. Com o diagnóstico de miocardiopatia dilatada, conhecido popularmente como coração crescido, o paciente precisava de transplante cardíaco e aguardou a cirurgia por mais um ano. José Aquiles observou que na Unidade pós-cirúrgica, a maioria dos pacientes transplantados era de outros municípios, o que acredita ser a causa de tanta demora.

Grande procura dos pacientes do interior prejudica o atendimento

Crianças também à espera Na unidade de cardiopediatria, a situação não é diferente. De acordo com a assistente social, Fátima Coelho, uma média de 60% a 70% das crianças internadas ali chegam encaminhadas de outras cidades. As internações são realizadas tanto para cirurgias cardíacas como para cirurgias laboratoriais (cateterismo), que seguem uma lista de espera ou, em casos mais urgentes, o hospital do interior faz contato por telefone solicitando uma vaga. A unidade de cardiopediatria funciona com o apoio de uma equipe interdisciplinar formada por médicos cardiologistas, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, assistente social, fonoaudiólogo entre outros profissionais, possui 20 leitos de enfermaria e 12 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Sendo que estes, de acordo com a assistente social, sempre estão todos ocupados. Em março deste ano, dos 27 internamentos, 18 eram crianças do interior e três de outros Estados (uma do Maranhão e duas do Piauí). “Nós temos uma lista de espera. Em abril deste ano, 125 crianças esperavam por vaga para cirurgia do coração”, acrescenta. Antônia Bezerra Carneiro, de Jaguaribe, distante 300 km da Capital, é mãe de uma das pacientes que estava na lista de espera por cirurgia cardíaca, mas pela gravidade da doença, passou na frente. Antônia demonstra satisfação com o atendimento recebido no hospital. “Foi muito bom, a gente não precisou esperar muito pela cirurgia”, relata a mãe. “Quando um paciente recebe alta, já fazemos o contato para a próxima internação, de acordo com a fila. Mas se uma criança está mais grave e chega depois, ela tem prioridade”, informa Fátima Coelho.

Conforme a assessoria de comunicação da Secretaria de Saúde do Ceará, é proposta do atual governo a construção de dois grandes hospitais regionais: um na Região Norte (a cidade ainda não foi definida) e outro na Região do Cariri, em Juazeiro do Norte (a construção deve começar até o final do primeiro semestre deste ano). As obras têm data prevista para conclusão até o final de 2010. Além disso, a

assessoria informou que serão equipados os 21 centros de especialidades médicas, centros de especialidades odontológicas e laboratórios para exames, dando maior atenção ao atendimento primário. A idéia da Secretaria de Saúde é descentralizar os atendimentos, reduzindo custos e diminuindo a gravidade dos quadros clínicos ocasionados pela demora até chegar a Fortaleza.

Memória

De Sanatório a Hospital de Messejana O atual Hospital de Messejana foi fundado em 1º de Maio de 1933 por três médicos - João Otávio Lobo, Lineu de Queiroz Jucá e Pedro Augusto Sampaio - e tinha o nome de Sanatório de Messejana por tratar de doentes com tuberculose (doença discriminada na época). Em 1968, passou da condição de sanatório para hospital, realizando o tratamento de tuberculosos em um laboratório instalado no local. Era uma instituição privada, mas em 1990 integrou-se ao Sistema Único de Saúde (SUS). Através de projeto aprovado pela Assembléia Legislativa do Ceará passou a se chamar Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes, e tornou-se um Centro de Atenção a Doenças do Coração e Pulmão. O médico homenageado, que deu o nome ao Hospital, foi diretor da Unidade durante 39 anos, de 1944 a 1983. Ele residiu onde hoje funciona a emergência e dedicou toda a sua vida ao trabalho no local. O Hospital de Messejana atende a pacientes de todo o Ceará e parte do Norte e Nordeste do Brasil. Hoje já são mais de 3.500 funcionários. Em 2006, o Hospital se destacou nacionalmente como o campeão em número de cirurgias cardíacas. Foram 17, de acordo com a Associação Brasileira de Tecidos e Órgãos (ABTO). Conforme o diretor geral, Petrônio Leitão, nos últimos quatro anos, o Hospital vem se destacando no incremento dos atendimentos. Nesse período, houve um aumento de 20% nas cirurgias cardíacas em adultos e 400% nas torácicas e procedimentos de hemodinâmica. Os leitos de UTI também cresceram de 31 para 64, aumentando em 40% as internações. Além de serviços médico-hospitalares, o Hospital de Messejana desenvolve diversos projetos, programas sociais, eventos científicos, oferece estágios de graduação, além de manter uma biblioteca.

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Ponte da Sabiaguaba: solução virou problema O caso é antigo e talvez muitos até já tenham esquecido. Porém, para os moradores do bairro Sabiaguaba, em Fortaleza, a problemática que envolve o projeto da Ponte da Sabiaguaba, além de ainda não ter sido solucionada, só vem piorando cada vez mais as condições de vida no local FOTO: NATÁLIA KATAOKA

Ana Júlia Cysne

A construção da Ponte da Sabiaguaba, sobre o Rio Cocó, em Fortaleza, foi iniciada em 2002, ainda na gestão do ex-prefeito de Fortaleza, Juraci Magalhães. Desde então, muitos embates ocorreram até a paralisação das obras em agosto de 2004. Quem mais sofre com esta situação são os moradores do bairro Sabiaguaba, que após a desativação das obras da Ponte passaram a enfrentar vários outros problemas. Ao chegar a Sabiaguaba, a primeira impressão que temos é a de abandono. O acesso é difícil, em certos trechos o asfalto já não existe e quando chove a situação só piora, chegando até a interromper o tráfego dos ônibus. Os moradores da região relatam que se sentem “ilhados”. “No inverno a gente sofreu amargamente, a estrada ficou uma lama só. A gente queria que refizessem pelo menos a estradinha que tinha e que agora é de barro. Antes era pista, estreita, mas era. Daí, tiraram para fazer a pista maior e deixaram essa de barro”, queixa-se Maria da Paz, 43 anos, proprietária da barraca Canto do Sabiá, localizada à beira da praia da Sabiaguaba.

O projeto No projeto do Governo Municipal estão inclusas a edificação da Ponte da Sabiaguaba e a ampliação das vias de acesso. Ainda na época de atividade dos serviços, para que a reforma e a ampliação fossem realizadas, o asfalto da pista antiga foi retirado. Quando aconteceu a suspensão das obras, essa reforma não havia sido terminada, deixando a população apenas com a estrada ainda em areia. De acordo com os planos do projeto, a Ponte e suas vias têm o objetivo de facilitar o acesso a Sabiaguaba e a outras praias do litoral Leste do Ceará, além de integrar esta área à zona urbana de Fortaleza. A Ponte deveria fazer a ligação direta entre os bairros Sabiaguaba e Caça & Pesca, reduzindo o atual e único trajeto através da Lagoa Redonda, que é de 20 Km para apenas 325 metros.

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Ponte da Sabiaguaba: obras paralisadas desde 2004 O órgão financiador do projeto é o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit), que executará a construção sob o acompanhamento da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Infra-Estrutura (Seinf). Segundo dados da Assessoria de Comunicação da Seinf, o custo total da construção é de R$ 14.928.982,12. Desse orçamento, cerca de 7 milhões já foram utilizados edificando até agora 80% do projeto total. Para a conclusão da obra está faltando a pista. Em agosto de 2004, devido a uma ação civil pública, a construção foi embargada

pelo Procurador da República no Estado do Ceará, Alessander Sales. O motivo alegado foi a modificação do projeto original sem o consentimento do Ibama e do Dnit. A mudança tratava-se da duplicação da pista da obra. Segundo Alessander Sales, atualmente, esta ação civil encontra-se suspensa, pois o Ministério Público Federal, o Dnit e a Prefeitura Municipal de Fortaleza estão tentando viabilizar um Termo de Ajustamento de Conduta para que o projeto retorne à atividade. Para normalizar a situação, em novembro de 2006, a Prefeitura Municipal de Fortaleza, por meio da Seinf, enviou

ao Ministério Público um relatório com a liberação do Dnit e o cronograma de obras. Por enquanto, o Governo Municipal ainda aguarda o parecer positivo. “A Prefeitura quer tocar a obra, mas agora está nas mãos do Ministério Público”, declara a assessoria de comunicação da Seinf. O Procurador da República, Alessander Sales, afirmou que a resolução do caso está dependendo da análise pericial de questões de cunho patrimonial e ambiental feita por um perito do Ministério Público. Mas, avisa: “não temos prazo certo para finalizarmos a análise técnica do perito”.


Há uma pendência existente ainda com o Ibama, que precisa renovar a licença ambiental da obra, vencida em 2004. Entretanto, isso só poderá acontecer após a liberação do Ministério Público. “Ninguém informa nada. Não dão nenhuma assistência”, queixa-se da Prefeitura, Salomão Maciel, 28 anos, morador da Sabiaguaba. A falta de notícias e a paralisação da obra estão fazendo com que os moradores fiquem revoltados. A descrença com relação à conclusão da obra também já tomou conta de alguns, como é o caso de Salomão. “Eu não acredito que vão concluir essa obra. Só vou acreditar no dia que eu ver eles trabalhando, aí eu acredito”, afirma. A população da Sabiaguaba também denuncia o descaso com os bens públicos. Parte da Ponte que já está edificada no local vem sofrendo deterioração, que pode ser vista nas hastes de ferro enferrujadas. Além disso, os sinais de abandono são percebidos por meio de várias pichações feitas nas placas de concreto da construção da Ponte. O problema não pára por aqui. Maria de Fátima Fonteles, 51, reside na Sabiaguaba há cinco anos e afirma que nos tempos de atividade da obra, o material reservado para a construção ficava ao alcance de todos, facilitando a apropriação indevida por parte de alguns moradores do bairro. “Roubaram

FOTO: ANA JÚLIA CYSNE

Abandono das obras causa transtornos aos moradores

Maria de Fátima: expectativas frustradas e prejuízo muito material da obra que ficava acessível a qualquer um. Cansei de ver gente tirando coisa do material e levando pra construir suas casas”. Assim como a maioria da população da Sabiaguaba, em 2002, Maria de Fátima Fonteles depositou boa parte de sua esperança por dias melhores na obra Municipal.

Danos ambientais No início de sua construção, a Ponte da Sabiaguaba sobre o Rio Cocó foi bastante questionada por aqueles que temiam a geração de grandes impactos ambientais. Políticos e entidades alertavam para o desequilíbrio ambiental que seria causado com a destruição de 3.540 metros quadrados de manguezal, tipo de ecossistema dos mais importantes. Pela Lei 4771 do Novo Código Florestal do Brasil, os mangues devem ser áreas de preservação permanente. Mas, não é bem o que se vê na prática. Os pilares da Ponte localizados dentro do rio prejudicam a reprodução dos peixes, interferem no contato entre o mar e o Rio, além de contribuir para a retenção das areias. Este fator afetou inclusive aqueles que obtinham sua renda através da pesca e do caranguejo. “O manguezal daqui já não oferece mais tanta coisa. O nosso rio de pesca está interditado por um monte de pilar (a ponte) no meio do rio que fez foi nos prejudicar mais”, constatou Maria da Paz, que costumava pescar e catar caranguejo na região. Em 2002, a Doutoranda em Arqueologia pela Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), Verônica Viana, coordenou um estudo referente à prospecção arqueológica na área de intervenção do projeto da ponte sobre o Rio Cocó e a Avenida de ligação. Como resultado, Verônica apresentou um Parecer Técnico, que mostrava a Pilares da ponte causam desequilíbrio descoberta de dois sítios arqueológinatural cos no local. Contraditoriamente, em fevereiro de 2006, a Prefeitura Municipal de Fortaleza criou a Área de Preservação Ambiental (APA) e o Parque Natural das Dunas de Sabiaguaba com o objetivo de preservar os ecossistemas naturais existentes. Só resta provar se este intuito realmente é exercido.

Arrependida, ela conta que se mudou de sua antiga casa, no bairro Edson Queiroz, para a Sabiaguaba para abrir um pequeno restaurante a fim de atender a uma suposta clientela de turistas que surgiria com o fácil acesso da Ponte. Todavia, com a nãoconclusão da obra, suas expectativas foram frustradas: “Eu só vim embora pra cá porque

prometeram fazer essa ponte, mas até hoje, nada. Vendi minha casa, investi tudo o que tinha aqui. Eu abri um ponto pra vender comida e bebida, mas tive foi prejuízo, pois não vem ninguém pra cá. Daí eu tive que fechar”. Atualmente, Maria de Fátima e o marido sobrevivem com a renda de uma borracharia, na avenida Washington Soares. O maior desejo dela é que a Ponte seja logo concluída para assim trazer um maior fluxo de pessoas a Sabiaguaba. Outro fato que vem tirando a paz dos habitantes da área é a falta de segurança pública. Os habitantes do bairro revelam uma realidade de insegurança e medo. Muitos afirmam que os pilares da Ponte ainda não-concluída vêm servindo como “esconderijos” para assaltantes. “Eles ficam atrás das colunas só esperando alguém parar ou passar para eles roubarem”, disse Maria da Paz. Por causa da insegurança, muitos moradores até estão abandonando a Sabiaguaba. De acordo com as informações do Major Marden Oliveira, comandante do 5º Batalhão da Polícia Militar do Ceará, a segurança da região da Sabiaguaba é feita por oito policiais. “Uma viatura e três motos fazem a ronda no local até às 23 horas, após esse horário, fica apenas a viatura”, disse o comandante.

Histórico

Relembrando o caso Dez/ 2002

A Prefeitura Municipal de Fortaleza, ainda na gestão do ex-prefeito Juraci Magalhães, inicia a construção da Ponte da Sabiaguaba.

Mar/ 2003

Políticos e entidades ambientais solicitam junto ao Ministério Público Federal o embargo da obra.

Ago/ 2003

O procurador da República, Alessander Sales, embarga a obra. Entretanto, no mesmo dia em que ocorre a paralisação, o Tribunal Regional Federal (TRF) - 5ª Região concede uma liminar permitindo a continuidade da construção da Ponte.

Abr/ 2004

Mudança no projeto da obra. É publicada uma Ordem de Serviço da construção incluindo a reforma das vias de acesso à ponte e a duplicação da pista.

Ago/ 2004

Mais um embargo. Por causa das mudanças no projeto original sem comunicar ao Dnit e ao Ibama, a Prefeitura é obrigada a suspender as obras mais uma vez.

Nov/ 2006

A Seinf envia relatórios ao Ministério Público Federal a fim de obter a assinatura do Termo de Ajuste de Conduta para a regularização das obras.

Mai/ 2007

A situação ainda continua a mesma. As obras permanecem paralisadas e sem previsão para retorno, enquanto a Prefeitura Municipal de Fortaleza aguarda a resposta do Ministério Público Federal.

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Educação, arte e esporte no quintal de casa Projeto social oferece um novo horizonte às crianças carentes de Messejana por meio de esporte e cultura, tirando-as da rua e da marginalidade Julyana Silveira de Sousa

FOTO: JULYANA SILVEIRA DE SOUSA

Em outubro de 1997, o Governo estadual lançava mais um projeto social que priorizava o atendimento educacional aos jovens de comunidades carentes de Fortaleza com a criação das Vilas Olímpicas. Assim, crianças e adolescentes do Castelão, Conjunto Ceará, Genibaú e Messejana passariam a ter um espaço onde eles tivessem acesso à prática do esporte, arte e lazer. Hoje, passados quase dez anos, a realidade das Vilas continua mantendo sua proposta de beneficiar os jovens desses bairros. Foi um projeto que deu certo? A resposta para Marcos Robério, diretor administrativo da sede da Messejana, é sim. Segundo ele, a Vila da Messejana é um grande exemplo. Atendendo a mais de 250 jovens e crianças, o local serve como uma extensão da casa dos beneficiados. Usando o linguajar da garotada, é o “quintal” da casa deles. E é lá que muitos têm a possibilidade de brincar de uma forma segura, diferente do que se estivessem nas ruas.

A afirmação vem dos próprios alunos, como Michael Jerson, que há seis anos mantém sua rotina semanal. Todas as tardes, o garoto atravessa a Avenida Washington Soares e se dirige a Vila. “Aqui eu encontro muita coisa que me leva para frente e me tira da favela. Fujo dos tiros”, diz Michael. A violência que o garoto vivencia diariamente onde mora, no Alagadiço Novo, uma das localidades que compõem a Grande Messejana, como é denominada pelos moradores, é a realidade dos alunos do projeto. Ali é mais do que um espaço para se divertir e uma fuga de um dia-a-dia cruel. E assim como Michael, que se destaca no futsal, mas também pratica vôlei e futebol de campo, a grande maioria desses alunos passa a tarde no local treinando mais de uma atividade entre as 13 que a Vila oferece. Cada aluno pode praticar até três atividades, entre recreação, futebol, futsal, voleibol, basquete, handebol, dança, atletismo, karatê, ginástica, ginástica rítmica, arteeducação e violão. Vale lembrar que todas as modalidades atendem tanto os meninos como as meninas. Terminada a aula, as crianças recebem uma merenda que também se tornou um dos grandes atrativos da casa. “A cada hora oferecemos esse lanche, isso funciona porque muitos aqui mal tem o que comer em casa”, comenta o diretor Marcos.

Espaço para bons alunos

Michael Jerson, 11 anos, aluno de futebol de campo, futsal e vôlei

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Para participar de tudo isso, o jovem tem que estar dentro da faixa etária exigida pela administração, que é de sete a 17 anos. Além de apresentar uma declaração de que está estudando. Quem está fora da escola significa fora da Vila também! “Isso funciona como uma forma de incentivo também para os estudos”, explica Marcos. Tanta preocupação com a formação escolar desses meninos não se restringe apenas na hora da matrícula na Vila não. A garotada, que tem entre sete e dez anos, pode levar suas atividades escolares para serem feitas lá mesmo. Para isso, eles contam com a orientação da coordenadora pedagógica Aldeci Firmino Siqueira, ou como é carinhosamente chamada, a tia. “Não funcionamos como um reforço. Só que muitos apresentam di-

Crianças e adolescentes podem escolher até três atividades diferentes na Vila Olímpic ficuldades em alguns trabalhos e com minha ajuda e de uma estagiária, nós os orientamos quando necessário”, explica a coordenadora. E assim como no colégio, aluno mal comportado ou que não comparece às atividades leva suspensão. “Os alunos muito indisciplinados são suspensos e, para voltar, precisa que o responsável compareça no local. Já os faltosos saem da lista para dá disponibilidade aos outros. Com a possibilidade de voltar dependendo da disponibilidade de vagas”, comenta Marcos. Cada escolinha chega a matricular até 30 alunos. E se tem suspensão para o mau comportamento tem prêmio para os destaques. Como é o caso da aluna de ginástica rítmica e educação, Neiriane da Silva. A menina foi reconhecida pela coordenação como destaque da Vila, junto com mais quatro alunos. Tanto empenho rendeu a eles a Bolsa Atleta, que funciona como uma ajuda de

custo para quem se destaca nas atividades e também no comportamento. Depois da visita, conclui que além do professor Eduardo Elerry, coordenador do Curso de Educação Física da Universidade Estadual do Ceará (UECE), que em parceria com o Governo Estadual administra a Vila Olímpica da Messejana, merece ainda destaque os dois coordenadores, os 10 professores e os quatro funcionários responsáveis pela manutenção do espaço, em fazer da “Vila” um projeto que dá certo! Entre o bom comportamento de uns e o corre-corre de outros, o universitário Wendel Lima, que estagia no local dando aulas de futsal, se sente um privilegiado em participar do projeto. “Eles ganham porque saem das ruas, aprendem a conviver e compartilhar com os amigos. E nós aprendemos a lidar com diferentes personalidades além de ser uma prática incrível para nossa formação”, comenta Lima.


FOTOS: JULYANA SILVEIRA DE SOUSA

Estrutura Física Todas as Vilas possuem uma quadra poli-esportiva coberta, com arquibancada, campo de futebol, pista de atletismo, quadra de vôlei de areia e campo de futebol society. Além das quadras, o local mantém um salão de recreação e ginástica, refeitório com copa, além da sala de arte-educação e banheiros. Os funcionários dispõem da sala de coordenação e do almoxarifado, onde ficam guardados os materiais utilizados nas atividades.

Atividades das Vilas Olímpicas Os alunos podem praticar recreação, futebol, futsal, voleibol, basquete, handebol, dança, atletismo, karatê, ginástica, ginástica rítmica, arte-educação e violão. Também nos finais de semana, as comunidades podem utilizar as dependências das Vilas para atividades recreativas.

Funcionamento das Vilas Olímpicas As atividades se distribuem de segunda a sexta-feira, no horário de 7h30min às 11h30min e de 13h30min às 17h30min. Aos sábados, as Vilas ficam abertas de 7h30min às 11h30min.

ca de Messejana

Universidades administram as Vilas Criadas em 1997, as Vilas Olímpicas do Ceará fazem parte de um projeto do Governo do Estado sob a administração da Secretaria do Esporte. Neste ano, sob o governo de Cid Gomes, foi assinado um convênio com a Universidade Estadual do Ceará (UECE) e a Universidade Federal do Ceará (UFC) para que as universidades passassem a gerir as quatro vilas olímpicas localizadas nos bairros do Castelão, Conjunto Ceará, Genibaú e Messejana, em Fortaleza. Enquanto a UFC se encarregou de gerir as Vilas do Conjunto Ceará e Genibaú, ficou a cargo da UECE a administração das Vilas do Castelão e de Messejana. As universidades recebem do Instituto de Estudos, Pesquisas e Projetos (IEPRO) a verba para manutenção das Vilas. De acordo com o Governo, o objetivo principal das Vilas é proporcionar às crianças e aos adolescentes o acesso às diversas práticas utilizando o esporte como ferramenta educativa aliadas aos trabalhos com arteeducação, cultura e lazer através das aulas de música, artes plásticas e artes cênicas.

Marília Fiuza (13 anos) - Aluna da Vila Olímpica (Ginástica Rítmica e Recreação) FOTO: JULYANA SILVEIRA

Turma de Dança - Vila Olímpica

FOTO: JULYANA SILVEIRA

Alunos do Reforço - Vila Olímpica FOTO: JULYANA SILVEIRA

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FOTOS: RAPHAEL VILLAR

Feira de Messejana movimenta o bairro Cenas da Feira que movimenta Messejana aos domingos

Os supermercados se espalharam pela cidade nas últimas décadas e passaram a oferecer comodidade de encontrar tudo em um só lugar. Contudo, fazer compras nas feiras livres ainda é um costume de muita gente, principalmente de quem mora na periferia. Em muitos bairros de Fortaleza podemos encontrar os feirões, que oferecem os mais diversos produtos. Em Messejana, não é diferente. A variedade de frutas, verduras, roupas e até mesmo DVDs (piratas) é grande. Os produtos são vendidos ao ar livre, numa mistura de sons e culturas contagiante Emersomar Rodrigues da Silva

A feira livre de Messejana existe há mais de 60 anos. Localizada no coração do bairro, entre as ruas Pergentino Maia, Joaquim Felício, Coronel Francisco Pereira e Joaquim Bento, a feira congestiona essa área aos domingos. Não é fácil estacionar nem entrar nesse grande quadrado humano. Ruas apertadas, barracas por todo lado e gente, muita gente. Segundo informações da Secretaria Executiva Regional (SER) VI, a feira gera cerca de cinco mil empregos diretos e indiretos. São mais de 1.700 feirantes

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e 40% deles, cerca de 700, vendem frutas e verduras, os produtos mais procurados pelos freqüentadores do comércio ao ar livre. A partir de sexta-feira à noite, as barracas começam a ser montadas, e domingo bem cedo já está tudo pronto para mais um dia de feira. Os clientes madrugam por lá. Confiantes em encontrar preços mais acessíveis, os fiéis freqüentadores vão todos os domingos “duelar” com os feirantes por descontos e por melhores produtos. Como faz a dona- de-casa, Maria José Gondim, 56 anos, que há 30 freqüenta a feira. Ela diz que aos domingos já acorda pensando em duas

coisas: na missa e na feira. Maria José compra normalmente frutas e verduras. “Aqui você pode sair procurando o melhor preço e produto, no supermercado não, você chega lá e é só aquilo”, relata. Ela conta, satisfeita, que adora andar pelas ruas da feira. “Depois de comprar as frutas e verduras, vou comprar um pé-de-moleque ali, um peixinho acolá, e o meu domingo já está completo”, diz. Já o auxiliar de produção Odésio Mendes de Sousa, de 24 anos, e sua esposa, a costureira Josiane Silva França, de 29 anos, freqüentam o local a cada 15 dias. Eles

moram no bairro Guajiru, distante cerca de dois quilômetros da feira. A bicicleta volta carregada de frutas e verduras. Sousa não se incomoda em carregar a mulher e as compras. Um produto não pode faltar na sacola, a velha e boa rapadura. “Sempre que a gente vem tem que levar rapadura de coco, ele gosta muito”, diz a sorridente Josiane, lembrando ainda que os produtos são frescos e na maioria das vezes mais baratos do que no supermercado.

No grito Do outro lado do balcão estão os feirantes. Eles pagam uma taxa anual de R$ 10,00 para a Prefeitura de Fortaleza, pelo cadastro que lhes permite atuar na feira. Sebastião Fernandes do Nascimento, 41 anos, deixou a profissão de garçom há dois anos e hoje tem uma banca de verduras, que administra junto com sua mulher, Lauricília Parente do Nascimento, 36 anos. Tião, como é chama-


do na feira, compra a cebolinha, coentro e alface nas hortas da Lagoa Redonda, bairro da grande Messejana e o resto da mercadoria no Mercado São Sebastião. Ele diz que o lucro por cada dia de feira é pequeno, mas dá para viver. “Depois de pagar o carregador, o dono da banca (a estrutura física da banca é alugada por R$ 6,00) e as sacolas, dá pra tirar uns R$ 40,00”, diz. “Aqui, o cliente pode gritar pelo menor preço. No supermercado é tabelado, é aquilo que está ali e pronto”, enaltece Fernandes. É literalmente no grito que Francisco Mike dos Santos Teixeira, 26 anos, ganha e encanta os clientes: “uma lata e meia de acerola por R$ 1,00, mas eu coloco um pouco mais para você, freguesa. Aqui é assim, o cliente é que manda”. Há 15 anos trabalhando na feira em Messejana, ele, seu pai, João Batista Teixeira, 49 anos, e o irmão João Batista Teixeira Filho, 15 anos, trabalham no local que Mike considera como modelo de feira livre. “(A feira de) Messejana é a melhor feira da cidade. Tenho banca em outras feiras, mas como essa daqui não existe”, desafia. Vendendo frutas, ele diz que o seu lucro chega a ser de 75% e aponta o início e final de mês como os melhores dias de feira. “No final do mês é o trabalhador normal que está com dinheiro e no começo é o aposentado, mas aqui é bom de qualquer jeito”, afirma. Mas nem tudo são flores, ou melhor, frutas na feira. O encarregado de fiscalização de feiras livres da Prefeitura, Francisco

Estevão da Silva, relata que recebe muitas reclamações dos freqüentadores do local. Ele considera que os feirantes não zelam pelo espaço cedido a eles. As críticas mais constantes são com relação a sujeira. “Os feirantes encontram tudo limpo quando chegam, mas não conservam o lugar assim. Na segunda-feira, a população quer sua rua limpa e isso muitas vezes não acontece”, diz. Apesar dessas críticas, Estevão enaltece as qualidades da feira, como os empregos gerados e a facilidade de encontrar produtos com preços acessíveis para a maioria. Ele lembra que, além do domingo que é o dia de maior movimento, há uma feira permanente, durante a semana, desses produtos. Segundo Estevão, a feira só acontecia aos domingos. “Foi quase uma exigência dos clientes a implantação do comércio durante a semana”, afirmou.

Feira x Redes Concentrada nas vendas de chuchu, pimentão, batata inglesa e cebola encontramos a feirante Cláudia Cardoso, de 29 anos. Há três na feira, ela saiu de Jaguaruana, cidade do interior do Estado, e do comércio de redes para o negócio de frutas e verduras em feiras livres. Ela afirma que traz suas mercadorias das Centrais de Abastecimento do Ceará S/A (Ceasa-CE) e que seus produtos não têm só bons preços, mas também muita qualidade. A banca de Cláudia, no corredor principal da feira, é muito movimentada. “A gente vende mais barato e

Concorrência

A Feira ajuda supermercados Um supermercado localizado na Rua Padre Pedro de Alencar funciona há cinco anos em Messejana e não reclama da feira, pelo contrário. De acordo com o gerente da loja, Saulo Almeida, a feira aumenta a clientela do supermercado. “Se não tivesse essa feira, esse bairro seria um cemitério. Ela é que traz o nosso movimento do domingo. A feira faz com que o Centro de Messejana seja um point.”, afirma. Ele conta que seu movimento aumenta cerca de 50% por conta da feira. Com relação aos produtos, Almeida confirma que na feira são mais baratos, pois os feirantes não pagam impostos. Mas no quesito qualidade, o supermercado sairia ganhando. Ele ressalta ainda outras vantagens de sua loja, como o atendimento, comodidade, tranqüilidade e facilidades de pagamento, como cartão de crédito, por exemplo. “Aqui não tem ninguém gritando e o ambiente é limpo”, defende. Almeida lembra que nos dias de segunda e terça-feira, o supermercado conta com uma promoção de frutas e verduras. Ele salienta que nesses dias, seus preços chegam a bater os da feira, e com produtos de melhor qualidade. “Nosso maior poder de negociação com os fornecedores faz com que nossos preços sejam melhores”, afirma. Já o gerente de outro supermercado, localizado na mesma rua, José Valmir Lima Silva é mais direto. “Só vai para a feira quem quer pechinchar”. Silva chega a afirmar que essa economia não compensa. “Os produtos passaram em várias mãos, não têm nenhuma qualidade”, diz. De acordo com Silva, o supermercado que gerencia está há 25 anos instalado em Messejana e a feira contribui para o acréscimo das vendas. Ele afirma que há um aumento de 30% nas vendas aos domingos.

FOTO: RAPHAEL VILLAR

Sebastião Fernandes: “aqui, o cliente pode gritar pelo menor preço produtos de qualidade. É isso que as pessoas procuram aqui”. Sem tempo a perder, ela segue negociando e esquece a entrevista. O vendedor de sacolas José Chaves Aguiar Júnior, 26 anos, tira uma parte do seu sustento na feira. Ele garante que todo domingo sai de lá com cerca de R$ 40,00. Pergunto se não é muita coisa, já que alguns

feirantes afirmaram ganhar mais ou menos isso. Ele pára e faz as contas. “São 80 sacolas, pelo preço de R$ 0,50. É isso mesmo. Uns R$ 40,00, eu acho”, diz ele. Pergunto por quanto ele compra a sacola. Ele diz que por R$ 0,40. Então respondo pra ele, seu lucro é de R$ 8,00 por feira. Ele sorri e concorda. “Mas tá bom, dá para sobreviver”, afirma, confiante.

Domingo é dia de compras Lilian Amaral

O comércio de Messejana durante muito tempo ficou conhecido apenas pela tradicional feira livre, que acontece aos domingos, na praça central do bairro. Atualmente, a feira não é o único atrativo para os visitantes, que vêm até de outros municípios vizinhos. Todo o comércio, inclusive lojas de grandes redes, também abre aos domingos. Na verdade, os comerciantes perceberam o grande movimento da Feira e aproveitaram a oportunidade para promover as vendas em seus estabelecimentos. Por isso, o hábito de abrir o estabelecimento aos domingos, assim como nos shoppings. “Se não fosse pela feira, com certeza não abriríamos aos domingos”, admite Daniel Costa, gerente de uma das lojas de eletrodoméstico. “Domingo é o dia que mais vendemos”, afirma o gerente de uma loja de móveis, Márcio Araújo. Um outro gerente de supermercado, Daniel Costa chega a pedir que a repórter entre em contato durante a semana. “Hoje é muito corrido, talvez não possa atendê-la. Podemos conversar durante a semana?”, pergunta . Esse comércio é variado. Desde incontáveis mercearias, até grandes supermercados, farmácias e a

rede de móveis e eletrodomésticos, que possui presença acentuada e lidera as vendas. Toda essa movimentação aos domingos reflete na geração de empregos diretos e indiretos. Os funcionários, em sua maioria, são do bairro ou de comunidades próximas. “Somos cinco funcionários e todos são de Messejana ou de bairros vizinhos como Aquiraz e José Valter”, explica o gerente Márcio, que considera Aquiraz como um bairro agregado à grande Fortaleza. O gerente Costa confirma a informação: “apenas 10% dos nossos vendedores não são do bairro”, afirma. As grandes redes não esconderam seu interesse no comércio de domingo no bairro e todas, que possuem loja, também abrem as portas nesse dia. Quando interrogado sobre a concorrência das grandes lojas, Márcio Araújo diz que “foi a melhor coisa que aconteceu, porque a briga pelos clientes fez com que o número de vendas crescesse ainda mais. Tive até que contratar mais gente”, diz. Para Glícia Carvalho, decoradora que mora no Lago Jacareí, bairro vizinho, visitar a feira virou uma questão de hábito, especialmente em um lugar tão aprazível. “Vem gente das vizinhanças e para muitos deles as compras viram passeio também”, disse.

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Tudo acontece na noite de “Miss Jane” Um passeio inusitado pelos recantos populares de Messejana. Histórias de diversão, com direito a brigas e strip tease na brincadeirinha, de macho para macho, ao som de muito forró FOTOS: MIRELA FILGUEIRAS

Por Mirela Filgueiras

Bem, minha empreitada começou pegando o Messejana Papicu, no terminal do Papicu, às 8 da noite. Depois de quarenta minutos de viagem, chego ao terminal de Messejana. Vou para perto da saída e ligo para um amigo ir me pegar. Ele chega e fala: - Bem-vinda ao submundo! Exagero. Messejana é uma simpática “cidade do interior”, com direito a cadeiras na calçada e pessoas jogando conversa fora. O Terminal de Messejana fica próximo à casa do meu amigo. Fomos a pé até lá. No caminho, ele me mostra o Banana Café, o primeiro lugar que eu irei visitar na noite de Messsejana.

Banana Café Chego por volta das nove e meia da noite ao Banana Café. Parece um alpendre grande, coberto no teto e aberto nas laterais. Logo, uma faixa na parede me chama atenção com os dizeres: “Voltamos ao funcionamento normal. Abertos até 5 da manhã.” Uhuuu! Puxo uma cadeira e sento. O salão é amplo, cheio de mesas e cadeiras de plástico um tanto velhas e sujas, todas voltadas para o palco. Nele está uma dupla tocando... adivinhem... Forró! Um cara no teclado e outro cantando só sucessos. O Banana Café, “O point que virou mania”, slogan da casa, funciona de quarta a domingo, com música ao vivo a partir das quintas-feiras. A garçonete Virgínia Silva, três anos de casa, uniformizada, como todas as outras – por que no lugar não tem garçom, só garçonete – de calça preta,

Noite de muito forró com uma dupla que só toca sucessos camiseta baby look branca e colete vinho com o nome “Banana Café” do lado direito do peito, vem me atender. Peço o cardápio. Ui! A cerveja custa R$ 2,90! Olho se cobram 10%. Ufa! No rodapé do cardápio tem bem chamativo: “não cobramos 10% nem couvert artístico.” Outra descoberta vasculhando o cardápio: “Banana Café, eleito pela revista Veja como o melhor point de Messejana. Em 11/05/07.” Meu queixo caiu. Pedi logo uma cerveja, fiquei olhando o naipe das personas nativas e curtindo meu forrózinho, no melhor estilo em Roma faça como os romanos. Eis que passa por mim uma moçoila de shortinho preto curtíssimo, top branco e cabelo alisado pintado de loiro. Uau, só gata de cinema! Nisso, todos os “cafuçus do bem” – cafuçus são pessoas feias, bregas, sem refinamento cultural, etc - olham. Além da No Banana, paquera, gracejos inoportunos e confusão

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minha mesa, mais quatro estão ocupadas. Três só de homens, entorno da mesa só de mulheres, quatro ao todo. Duas estão dançando juntas. Percebo que é chegada a hora de aproveitar a deixa e tirar fotos. Chamo a garçonete, digo que estou fazendo uma matéria sobre a noite de Messejana, que não poderia deixar de passar no famoso Banana Café e pergunto quem é o dono. Pergunta simples, mas que rendeu uma confusão. Ela fala que o dono não está, mas que o proprietário está no caixa. ??? Ops! Eu: sim, mas é a mesma coisa. Não é ele o dono do Banana? Ela: não, ele é o proprietário, o dono só chega meia-noite. Ok, melhor não continuar! Pergunto onde o proprietário está, dou um gole de cerveja, apago o meu cigarro e vou até ele. Seu Aloízio está sentado bem à vontade, de pernas abertas, camisa idem e coçando a barriga. Dou aquele sorrisão, aperto a mão dele e me apresento. Falo do porquê da minha presença. Peço pra tirar fotos do lugar e ele, muito simpático, já com a camisa fechada, libera meu pedido. Tiro fotos da dupla de músicos fazendo pose e das clientes Daniele Monique e Lázara Castro. Um cara da mesa ao lado fica soltando piadinhas enquanto tiro fotos delas. Mostro as fotos. Elas aprovam e volto

para beber o resto da minha cerveja e ver se algo mais acontece.

Tinha que ter E não é que acontece! Adivinhem o quê? Briga! O cara que estava soltando piadinhas, com cara de mal-encarado, blusa aberta, short e chinelo deu um murro na cara da mulher de shortinho - estão percebendo que a moda é shortinho jeans, né? - e blusa vermelha, amiga das clientes. Não lembro o nome dela. Morena encorpada de cabelo preto lisinho, do tipo que não leva desaforo pra casa, peitou o cara na maior e sem fraquejar. O outro homem, amigo do brigão, que estava na mesa com ele, tentou apartar a briga. Quando o negócio esquentou, as amigas da morena também. Nada de seguranças da casa. Os outros clientes só olhavam a situação, assim como eu. Depois de um razoável tempo de briga e bate boca, o cara foi levado embora pelo amigo. Nada como uma boa briga para esquentar o clima. A mulher é levada para dentro do caixa. As amigas ficam esperando em pé, ao redor da mesa, nervosas. Depois de um tempo, a tal volta com o rosto marcado, o olho direito vermelho pelo murro e senta à mesa. As outras sentam-se também e permanecem conversando sobre o acontecido.


E assim a noite de Messejana continua... Espero um pouco e vou até lá. Lógico que eu tinha que ir, não ia perder este babado! Logo que chego, as mulheres, com raiva e loucas para extravasar o acontecido, desatam a falar. Disseram que o brigão jogou piadinhas e uma cantada nelas. A morena devolveu falando que ele parasse com aquilo e que as deixassem em paz. O cara retrucou e as chamou de “raparigas”. Pronto, porta aberta para uma confusão. A morena se levantou e disse que nenhuma delas era puta e o cara, mesmo sentado, conseguiu dar um murro na morena, que não se intimidou e foi pra cima. Dou corda para elas falarem mais, como se precisasse. Estão bebendo rum com Coca-cola. Um homem da mesa em frente oferece cigarro para a Daniele. Ela pega a carteira de Derby dele e, sem titubear, tira vários cigarros. Entrega uns para sua companheira de dança guardar para mais tarde e ainda me oferece um. Recuso, porque ainda não é final de noite e não estou na fissura por nicotina para fumar Derby. Daniele fala que é mulher de caminhoneiro, que a Lázara também é casada. A amiga esquentadinha e a outra são “mulheres de coronel”. Dizem também que aqueles homens já as estavam importunando desde cedo na praia. Chega um homem aleijado, de pernas tortas, não totalmente desenvolvidas e de muletas. Ele fala com as mulheres. Parece ser conhecido delas. Avisa que o cara da briga está na esquina. Lembro as mulheres de que ele pode estar de tocaia, para terem cuidado ao sair, que chamem a polícia, pois ele pode ter ido em casa se armar. A morena fala que não tem medo, que podem vir que ela encara. Despeço-me delas e, ao voltar para a mesa, Seu Aloízio interrompe o meu caminho. Ele pede desculpas e lamenta o acontecido. Falo que notei a falta de seguranças no local. Ele argumenta que tem três seguranças, que um ligou avisando que estava doente e não iria e os outros dois não haviam dado notícia. Aviso que o homem está na esquina de tocaia, que ele deveria chamar a polícia. Ele responde que já havia chamado e diz para eu não me preocupar. Quando estou indo embora, chega o amigo do brigão de volta, mas a história vai terminar aqui. Tá na hora de pegar o ônibus e ir ao Tremendão.

As mesas são voltadas para o palco com iluminação colorida e antes dele há espaço para dançar. Contando o dinheirinho, ouso abrir uma cerveja, peço o cardápio e fico observando o público. Este de classe média, maioria casais, de idades variadas. O som é alto, mesmo assim tem duas televisões ligadas suspensas entre o bar e o salão, uma voltada para cada lado. Percebo três seguranças muito fortes, uniformizados e bem afeiçoados. A banda dá um tempo e sobe ao palco a apresentadora do Tremendão, que também é criadora do slogan “A sua casa fora de casa”, falando dos eventos que acontecerão na semana. Chique, né?! Fico na mesa curtindo o forrozinho, sentada. Claro que não iria dançar. Também ninguém me chamou... logo, identifico o pentelho da noite. Tremendão: só dá forró pé-de-serra nas noites de sexta-feira

Animação de sobra na Lagoa de Messejana

Tremendão de Iracema Cheguei a pé, com meu amigo, acompanhante e guia nativo de “Miss Jane”, no Terminal do bairro, bem pertinho do Banana, por volta das 23 horas e meia. Ele se apressa e pergunta ao caixa do terminal se ainda tem o Messejana Papicu. Ele responde que sim. E lá vamos nós. O Tremendão fica sobre a lagoa de Messejana, bem em frente à estátua de Iracema, próximo também a uma igreja evangélica. Falo para um dos seguranças locais avisar ao dono - e proprietário - que cheguei, para liberar minha entrada e a do meu parceiro sem termos que pagar

Bar no Tremendão: “só paga o que consumir” os R$ 5,00 do ingresso. Liberados, é hora de se jogar no forró pé-de-serra que tem toda sexta. O prédio é coberto no teto, semiaberto nas laterais e grades baixas cercam o local. É bastante ventilado e agradável. As mesas são de madeira e cobertas de uma tolha branca e outra amarelo ouro velho por cima em forma de losango. O espaço para o caixa e as geladeiras com cervejas

é bem amplo e organizado, os banheiros ficam do lado. Até que são bons. Tem papel e detergente para lavar as mãos, além de uma mulher que fica na entrada, tomando conta do lugar. Os garçons são atentos e logo trazem um baldinho com três long necks no gelo. Só paga o que consumir. Ainda bem, porque só tem cerveja a R$ 2,75, incluindo os 10%, sem couvert, já que o ingresso é cobrado.

Brincadeirinha Ele puxa conversa com todo mundo, inclusive comigo que sou monossilábica, mostrando que não quero papo. Está sozinho, calça jeans, camisa de botões verdes e chapéu estilo Felipão do Forró Moral. Não pára sentado. Sua mesa fica de frente para a minha. Nisso chega um cara, Marcos Aroldo Rodrigues, com um capacete na mão, e se dirige para a mesa ao lado da minha, onde um casal mais velho se encontra. Começa a dançar, depois senta. E lá vai o pentelho puxar conversa com ele. Então os dois dançam juntos, conversam, se abraçam, brindam, riem e simulam um strip tease. O pentelho meio que dá uma apalpada nas partes baixas do outro. Este tira o chapéu daquele e põe na cabeça. O pentelho tira uma nota de R$ 20,00 do bolso e dá para o companheiro... estão bem animados. Marcos vai dançar com uma mulher. O outro logo toma o par para si e dança uns minutinhos com ela. Ele chama outra e lá vai o pentelho atrapalhar de novo. Quando os ânimos se acalmam, eu vou discretamente chamar o Marcos, Marquinhos, como se identifica no começo, para conversar. Ele fala que vai muito ao Tremendão, que não se importa com os preços caros. Pelo contrário, prefere porque assim é uma maneira de selecionar os freqüentadores. Pergunto se ele é amigo do cara que lhe deu os 20 reais. Ele fala que não, nunca tinha visto antes, que estavam brincando e que ele gosta de brincar. Então faço a perguntinha chave: Marquinhos, ele dançou contigo, pegou em você, te deu dinheiro do nada, não dança com mulher, só dança com a mulher que você está dançando, você não acha isso meio estranho, não? - Eu não levo pra este outro lado, não. Eu gosto de brincar, me divertir. Só isso, gosto de brincar. Gosto muito de mulher, só isso. Então tá! Pego um táxi, por volta das três da madrugada, com meu fiel companheiro e voltamos para a casa dele.

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FOTO: RAPHAEL VILLAR

Prédio do antigo Cine Messejana: tombamento provisório ainda impede demolição

Memória ameaçada Presente na literatura e na memória da população, o bairro de Messejana abriga marcos da história do povo cearense que datam do início do século XX, mas tudo está ameaçado de desaparecer graças à especulação imobiliária

Thiago Mena e Juliana Lobo

O prédio do Cine Messejana, criado nos anos 30, é um símbolo do aformoseamento da cidade vivida na chamada Belle Epoque de Fortaleza e um dos orgulhos dos moradores do bairro, mas está ameaçado de desaparecer. O pedido de tombamento do prédio, uma iniciativa da população, foi feito há mais de um ano. Atualmente, ele se encontra em “tombamento provisório”. Segundo Eudázio Nobre, líder do movimento artístico que luta pela preservação dos prédios históricos do bairro, houve um pedido de aceleramento do processo de tombamento do Cine Messejana junto à Prefeitura de Fortaleza. Segundo ele, o projeto já teria sido aprovado pelo Orçamento Participativo em 2005, mas ainda não houve uma ação concreta por parte dos órgãos gestores. O cinema, localizado na rua Pe. Pedro Alencar, já serviu de depósito de alimentos na década de oitenta e depois como uma igreja protestante, nos anos noventa. Agora está fora de uso e não se pode promover nenhuma ação de reestruturação ou melhoramento do prédio.

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Esta é a razão que leva muitas pessoas da comunidade a terem dúvidas quanto aos benefícios do tombamento. Para o pároco da Igreja Matriz de Messejana, Pe. Daniel Morais, o tombamento não é garantia de bons resultados para a comunidade. “Eles tombam e depois nem deixam a gente fazer nada e nem eles fazem alguma coisa, então para que esse negócio de tombamento?”. O padre critica o fato de não se poder promover reformas nos prédios tombados, uma vez que essa é uma exigência legal para a manutenção do reconhecimento histórico do objeto a ser preservado. A Igreja Matriz é outro prédio que está em processo de tombamento, mas neste caso o enclave não é uma questão especulativa. Uma parcela da população não aceita o tombamento da Igreja porque acredita que ela pertença a um outro segmento, não devendo assim misturá-la com os interesses políticos ou outros quaisquer. O fato é que o prédio é um símbolo da religião e da fé daquela comunidade e, para estas pessoas, o tombamento representaria a usurpação de algo que mantém com eles uma relação dinâmica e a preservação e futura imuta-

bilidade do prédio caminharia no sentido oposto a esse movimento. A Prefeitura ainda busca meios de contornar o problema, mas a questão parece se agravar a cada dia. Muitas pessoas entendem que as reformas são meios de agressão à identidade do povo. “Fazer tantas mudanças sem nem ao menos uma conversa, sem explicar para que vai servir, o quê que vai ser? Isso está errado. Eles nem perguntaram se a gente queria, a mim eles não perguntaram e não quero não, muito obrigado”, comenta José Inácio, 65 anos. Padre Daniel lembra que a grande maioria das conquistas populares ocorreram por iniciativa da própria população. “Esse calçadão no entorno da igreja foi feito há pouco tempo pelo antigo pároco. A Prefeitura colocou essa pista. Melhor que ela fosse fechada. A gente luta para isso”. A via pública a que o padre se refere é a avenida principal de Messejana que corta a praça ao meio. Lá, há um grande fluxo de veículos, o que causa um certo desconforto e um forte contraste com todo o seu arredor bucólico. A Casa de José de Alencar é o monumento mais antigo já tombado no bairro.

O tombamento foi promovido pela Universidade Federal do Ceará, em 1976. Desde lá a casa, que fica na Avenida Perimetral, no sítio Novo Alagadiço, se tornou um dos pontos turísticos de Fortaleza. A Casa conta com objetos do escritor, guarda um pequeno acervo de livros e quadros e está aberta a visitações de segunda a sexta, das oito às dezessete horas. A Casa de José de Alencar é um exemplo de como a preservação de prédios históricos pode contribuir para conservar a memória do povo, sem contudo perder sua relação com o meio, mantendo assim, seu caráter de dinamicidade com o social. Eudázio Nobre lembra que se movimentos como este não surgirem, a história das pessoas será esquecida. “É preciso preservar e lutar para manter viva essa chama”. De acordo com o assessor de cultura da Regional VI, Paulo Assunção, existem outros seis prédios que provavelmente vão entrar em processo de tombamento. “Só não podemos revelar que prédios são esses devido à especulação imobiliária. Não podemos deixar que outro caso como o do Cine ocorra”, afirmou.


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Seu bairro tem um portal na Internet? Ou uma revista circulando nos diversos pontos comerciais? Messejana tem. O bairro conhecido por ter um movimentado comércio aos domingos também se preocupa com comunicação e dispõe de algumas mídias para representá-lo Ana Paula Almeida, Dahiana Araújo e Carolina Fernandes

Há dois anos, os moradores do bairro contam com o Portal Messejana, contendo informações como a programação da Igreja Matriz. A idéia do casal Aliete Silva e João Ribeiro era tornar Messejana um bairro reconhecido e contar um pouco a história do lugar em que moram há 30 anos. “A mídia escolhida foi a Internet porque é o único veículo que funciona 24 horas, por um custo pequeno, ao contrário de uma revista ou jornal, que logo as pessoas esquecem”, explica Silva. O difícil foi conseguir anunciantes para o portal. Como muitos não possuem poder aquisitivo, desconheciam o funcionamento da rede ou não acreditavam que seria um bom investimento já que seus clientes não tinham acesso ao computador. Mas Aliete Silva foi persistente e hoje o sítio conta com cerca de 40 anunciantes. Além do portal, o casal cuida de uma escola, a Máxi Informática, lugar sede do próprio site. João Ribeiro é analista de Informática, o que facilitou a produção do portal e sua esposa foi professora do Estado. Lembrando a época em que lecionava, Aliete conta que percebia como os alunos sentiam dificuldade em encontrar informações sobre o bairro em suas pesquisas escolares. Por isso, sua preocupação em disponibilizar na página da Internet um breve histórico sobre Messejana e dar destaque a pessoas que lá residiram e fizeram história no Ceará, ou mesmo no Brasil, como o romancista José de Alencar. No Portal, o internauta também encontra eventos, dicas de turismo, galeria de fotos dos principais pontos, além de prestação de serviço à comunidade. A pagina disponibiliza seção de classificados e endereços eletrônicos úteis. Segundo a ex-professora, o portal não gera lucro nenhum, tendo os donos muitas vezes que tirar dinheiro do próprio bolso para pagar gastos extras. Mas cada anunciante paga uma taxa que varia de R$ 200 a R$ 400 para possuir uma homepage dentro do sítio

por seis meses. “Muitas vezes, os comerciantes acham que estão tendo um gasto ao invés de investimento. Chego a ir umas três ou quatro vezes até ele concordar em assinar o contrato”, destaca. E os acessos ultrapassam fronteiras. Segundo Silva, o portal tem parceria com uma Organização Não Governamental (ONG) de uma ex-moradora do bairro, Raquel Sá, que agora mora em Barcelona. Através desse convênio, o Portal cadastra escolas públicas do bairro para participarem de um projeto que cede bolsas de estudo para os alunos de destaque. “Já fui às escolas e eles responderam o primeiro relatório. Depois de mais algumas etapas, os alunos escolhidos serão contemplados com bolsas de informática e na área de saúde” frisa. O primeiro relatório contém perguntas sobre a estrutura das escolas e se possui ambiente físico adequado para a realização das atividades dos alunos. Seis escolas do bairro responderam e o material já foi enviado para a ONG. As bolsas de informática serão na escola Máxi Informática e para as bolsas na área de saúde será realizada uma licitação.

Revista Feijão Amigo

Mas o bairro não possui somente o Portal para divulgar suas atividades. Os moradores também contam com a revista Feijão Amigo. Turismo, Política e Entrevista são algumas das seções que os leitores encontram na revista. E todos os assuntos são relacionados ao bairro e pessoas que fazem algo pela comunidade. “É uma ótima idéia. Ter uma revista do próprio bairro ajuda as pessoas a conhecer melhor o que ele tem de bom, principalmente o que tem no comércio!”, afirmou Ana Cláudia, vendedora da loja Gracinha de Bebê, que anuncia na revista há quatro meses. O idealizador e diretor da Feijão Amigo, Márcio Freitas, não é jornalista. Conforme o Sindicato dos Jornalistas no Estado do Ceará (Sindjorce), toda publicação precisa ter um jornalista responsável. Ele é baiano e mora no bairro há cerca de dez anos. Antes de lançar a revista, Freitas já foi editor do jornal Ação Off Board e da revista Ceará Fashion. Segundo Freitas, que também trabalha como promoter, o bairro foi o grande responsável pelo seu sucesso. No início sentiu dificuldades de lançar seu produto, já que em Messejana os comerciantes só apostavam em panfletos de propaganda. “Eram folders extremamente poluídos visualmente e não havia nenhuma cautela em zelar pelo dinheiro que o anunciante pagava”, explica o promoter. A idéia do nome surPágina inicial do Portal FOTO: RAPHAEL VILLAR

giu numa feijoada para a inauguração da Associação da Juventude, da qual Márcio é presidente. “A feijoada é o prato predileto do orixá Ogum que, segundo minha religião, abre caminhos”, destaca. Márcio Freitas, como todo bom baiano, é fiel ao candomblé. A revista já está na quarta edição, com 7.000 exemplares e cerca de 160 anunciantes, sendo distribuída gratuitamente em nove bairros da capital cearense. A partir da idéia da revista, Freitas criou o Oscar Empresarial de Messejana, premiando os empresários de destaque do bairro com a placa José de Alencar. “O Oscar Empresarial serve de incentivo para continuarmos o nosso trabalho com dedicação”, destacou Tatiana Kringüer, proprietária do Stúdio Beleza.

A atuação das duas mídias, Portal Messejana e revista Feijão Amigo, foi algo que deu certo, e por conta do sucesso e do retorno recebido os dois meios de comunicação iniciaram uma parceria. João Ribeiro, um dos idealizadores do Portal, colabora constantemente com a revista produzindo textos sobre a comunidade. O elo dessa parceria é o objetivo em comum de divulgar para toda Região Metropolitana de Fortaleza o que Messejana tem de bom.

Projeto

Rádio Comunitária Desativada Atualmente nenhuma rádio comunitária funciona em Messejana. Em 2003, a última rádio comunitária que funcionava no bairro, a Rádio Cruzada, foi fechada. Artur Pereira, técnico em eletrônica, foi idealizador da Rádio, que pertencia à Associação dos Moradores de Messejana, entidade que Artur também presidia. Segundo ele, foram meses de “perseguição do Governo”, que insistia em afirmar que a Rádio interferia no sinal dos aviões, o que ele nega insistentemente. E depois de funcionar por cinco anos, de 1997 a 2003, Artur afirma que o Governo mandou recolher todo o equipamento comprado pela comunidade. De acordo com Odoríco Patrício, engenheiro elétrico da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), as rádios comunitárias, como todas as outras, precisam estar registradas de acordo com as regras de canal, antena, potência e freqüência, além de possuir um equipamento adequado. “O sinal das rádios realmente são muito próximos do sinal emitidos pelos equipamentos que controlam os vôos e uma interferência pode gerar graves prejuízos”, explica. Entretanto, a Anatel não soube precisar o motivo para o fechamento da Rádio Cruzada. A Rádio tinha uma programação semelhante às demais rádios, programa Gospel matinal, Bom dia Messejana, Notícias do bairro e funcionava com o apoio cultural de algumas empresas do bairro.

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Uma visita à Casa José de Alencar Fora do roteiro turístico do Estado, a Casa do escritor José de Alencar conserva a história de um dos maiores romancistas do país. Localizado no bairro da Messejana, o sítio abriga também alguns dos equipamentos culturais da Universidade Federal do Ceará, mas está esquecido pela população FOTOS: ELISA PARENTE

Elisa Parente e Kelly Gurgel

Na tímida casinha onde nasceu o escritor José de Alencar pode-se desvendar o mundo da linguagem daquele que foi um dos maiores romancistas brasileiros. A casa do escritor, datada do início do século XIX, constitui um patrimônio histórico nacional. O sítio, localizado na avenida Washington Soares, no bairro da Messejana, possui sete hectares e abriga alguns dos equipamentos culturais da Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi adquirido pelo então reitor da universidade, Antônio Martins Filho, em 1965, e é mantido pela instituição. O financiamento do espaço fica por parte do Instituto de Cultura e Arte (ICA) da UFC, fundado em 2003, que coordena também outros espaços culturais como o Museu de Arte da UFC (MAUC), Teatro Universitário Paschoal Carlos Magno e Orquestra de Câmara. A Casa é dirigida pela professora de literatura da UFC Vera Lúcia Albuquerque de Moraes, também coordenadora do curso de Mestrado em Literatura. Patrimônio tombado, a casinha foi restaurada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), com a direção de Romeu Duarte, objetivando “transformá-la em um pólo cultural e artístico, resguardando a memória do escritor cearense”, afirma a diretora. Vera Lúcia esclarece que o espaço não possui autonomia financeira, dependendo assim do apoio de outras instituições, o que dificulta o andamento de alguns projetos. O PRODETUR/NE (Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste), em parceria com o Banco do Nordeste (BNB) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), visa restaurar os patrimônios tombados pelo IPHAN e pretende realizar na casa algumas reformas. O programa prevê a implantação do projeto paisagístico (limpeza do lago artificial), a construção de trilhas para os visitantes, lojas de artesanato, reabertura do Espaço do sítio inspira jovens músicos

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A humilde casa onde o escritor nasceu restaurante, sinalização do sítio e a construção de outro prédio. E ainda a instauração do Arquivo do Escritor Cearense e futuramente a inauguração da biblioteca Braga Montenegro, com acervo de livro raros, ainda com acesso restrito para o público. O prédio que hoje abriga a pinacoteca, os museus, o auditório e a biblioteca foi construído em 1980. Na pinacoteca, encontram-se as pinturas do maranhense Floriano Teixeira (um dos fundadores do MAUC), com exposição permanente. Elas retratam as principais obras de José de Alencar e foram encomendadas pela UFC no intuito de ilustrar as obras alencarinas. No museu do alagoano Artur Ramos encontram-se peças que datam da escravidão do Brasil. Os tambores, as imagens dos deuses, os objetos de tortura dos negros são algumas peças que podem ser vistas. Esses artefatos dão ao visitante uma idéia da diversidade cultural e religiosa brasileira, além da reflexão sobre a época da escravidão dos africanos no país. A Sala Luísa Ramos, esposa do museólogo alagoano, constitui outro compartimento do prédio. Lá se encontra um dos maiores acervos

de rendas do país que recebeu posteriormente um complemento da historiadora e professora cearense Valdelice Girão. O auditório, com capacidade para 150 pessoas, é local de seminários e palestras com o objetivo de estudar e debater os livros do romancista. Em 2004, por exemplo, foi

realizado o I Simpósio Nacional Casa José de Alencar com a presença de dois professores da USP (Universidade de São Paulo). Já a segunda edição do evento, realizada em novembro de 2006, contou com a presença de representantes da Academia Brasileira de Letras, além da inauguração da Sala Iracema, onde há 34 quadros em exposição permanente do artista plástico cearense Descartes Gadelha. As pinturas abordam a temática do livro que intitula o espaço, contando a trajetória da personagem mais famosa do escritor. Segundo a diretora está previsto para agosto deste ano o Seminário “Alencar ao correr dos anos”, em comemoração aos 150 anos do livro “O Guarani” e da peça “O Demônio Familiar”. Com o objetivo de revitalizar o espaço, a UFC deslocou o curso de licenciatura em Educação Musical do bairro universitário para o sítio da Casa de José de Alencar. As duas turmas ocupam as seis salas destinadas para a universidade. “Os estudantes circulam pelo sítio que certamente serve de inspiração para suas produções musicais, trazendo alegria e vida para este espaço tão esquecido pela população”, comenta a diretora.

Sítio arqueológico abandonado Uma das questões preocupantes no sítio é o processo de erosão do solo. Em decorrência das chuvas, peças como cerâmicas, talheres e outros utensílios datados do século passado ainda emergem do solo. Em 2000, o sítio recebeu a visita do arqueólogo Marcos Albuquerque que, em expedição, encontrou as peças. No entanto, não existe um trabalho regular de busca destes materiais. O que foi até então encontrado será, posteriormente, exposto no Museu de Arqueologia, um projeto ainda em andamento. Outro problema é a exposição das ruínas do primeiro engenho de cana-de-açúcar a vapor do Ceará ao sol e às chuvas. Isto provoca um desgaste do instrumento histórico do sítio que, mesmo com

a sinalização proibindo a circulação dos visitantes dentro das ruínas, está tomado pela vegetação.

Peças históricas desgastadas


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