A Unifor é a segunda área de soltura de animais silvestres de Fortaleza. Assim aumenta sua contribuição para preservação ambiental Página 3
Gestos obscenos são considerados crime perante a Lei. Saiba, nesta edição do Sobpressão, porque raramente alguém é punido Página 27
Dançarinos profissionais agitam as noites de Fortaleza. Eles são a opção certa para quem quer companhia e diversão Páginas 16 e 17
FOTO: RAPHAEL VILLAR
JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE DE FORTALEZA
MAIO / JUNHO DE 2008
FOTO: VLADIMIR MARQUES
SOBPRESSÃO ANO 5 N° 15
Cultura indígena resiste Silenciados pelas classes dominantes praticamente ignorados pela história oficial. Entenda como os povos indígenas perpetuaram sua cultura ao longo dos séculos
Exemplo
O Toré é um ritual sagrado para várias etnias indígenas, como os Tapeba de Caucaia, que demonstram a manifestação cultural para o público FOTO: RAPHEL VILLAR
Lúdico
Comunicação e educação
FOTO: VLADIMIR MARQUES
O projeto Primeiras Letras, da ONG Comunicação e Cultura, incentiva a expressividade e participação cidadã de alunos do Ensino Fundamental I de escolas do Ceará. A iniciativa está em expansão pelo Nordeste. Páginas12 e 13
Picadeiro é escola de valores O circo realiza um espetáculo em diversas comunidades de Fortaleza ao ensinar crianças e adolescentes a arte circense e seu valor social e cultural. A tradição milenar exerce fascínio no público jovem e inspira a sociedade civil e órgãos governamentais que, por meio dessa arte, desenvolvem projetos voltados à educação lúdica e à proteção da infância marginalizada na cidade. O Sobpressão percorreu as periferias e encontrou recantos de magia e cores por baixo da lona. Páginas 4 e 5
Magros recorrem às academias para fazer as pazes com o espelho e a balança. Veja como ganhar peso de forma saudável Páginas 8 e 9 FOTO: RAPHAEL VILLAR
Dependência
Palhaço Trepinha .
FOTO: DIVULGAÇÃO
Projetos sociais de instituições religiosas recebem apoio financeiro de fiéis, enquanto o poder público se esconde por trás da burocracia Página 10 e 11
Comportamento
Alcoolismo na adolescência
Em busca de mudanças
Jovens iniciam-se cada vez mais cedo no vício. Em média, começam a beber com apenas 13 anos de idade, representando 24% dos jovens no Brasil. A bebida alcóolica, adquirida facilmente em qualquer ponto de venda, é a droga mais consumida no país. A fiscalização é insuficiente e ineficaz. As medidas educativas ou preventivas, previstas em pelos menos dois projetos de lei, não conseguem frear o alcoolismo entre os adolescentes. O problema é banalizado e ignorado pela sociedade. Páginas 24 e 25
O que leva alguém largar tudo na vida para procurar um novo destino? Deixar o passado de lado e construir o futuro parece ser fácil para algumas pessoas. Mudar de cidade, procurar liberdade, viver um grande amor e sair da rotina são alguns dos motivos que podem levar esses sonhadores a uma nova vida. Conheça histórias interessantes de pessoas ousadas que arriscaram scaram tudo para enconncontrar sua realizaealização pessoal. Páginas 20 a 22
Sex shops, cinemas pornôs e festas de swing, entre outras opções, oferecem satisfação para seus consumidores ao mesmo tempo em que tentam preserva a identidade dos mais envergonhados Páginas 14 e 15
FOTO: WWW.SXC.HU
Os indígenas, assim como todos os outros povos e etnias que ocuparam o Brasil ao longo da História, tiveram uma participação fundamental na construção do país e de sua identidade. No entanto, a História oficial parece não reconhecer essa importância e dificilmente os índios são citados nos livros de forma positiva, a não ser como sujeitos passivos e inertes. Reflexo disso está na História que é ensinada nas escolas. Nenhum índio em particular é lembrado ou mencionado. A ausência dessas memórias causa até hoje muita discriminação e estereótipos quanto à cultura indígena, que não parou de evoluir desde então. Após um longo período de silenciamento, os índios hoje lutam para serem reconhecidos. Páginas 6 e 7
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Opinião
SOBPRESSÃO MAIO / JUNHO DE 2008
Editorial
Artigo
Rumo a convergência midiática O jornal Sobpressão foi assim batizado pela primeira turma de Projeto Experimental em Jornalismo Impresso dado ao ritmo de trabalho da produção do jornal. E foi sob esta inspiração que se deu também a reforma gráfica que agora apresentamos para você. Os alunos adoraram a idéia de modernizar o projeto gráfico e aprimorar a linha editorial do Sobpressão. Perceberam que vivenciariam dias de intensos debates e semanas de muito trabalho para tornar o jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Unifor ainda mais atrativo. A missão não era impossível, mas difícil. Afinal, ao longo de quatro anos de existência, a excelência do periódico foi atestada até pela Associação Cearense de Imprensa (ACI). Em 2006, a entidade o elegeu como melhor projeto experimental do nosso Estado naquele ano. Contudo, era o momento de mudar. O Sobpressão precisava assumir uma “cara de jornal”. Para isso nos baseamos nos jornais europeus em formato tablóide, com mais notícias numa mesma página, com matérias fragmentadas com peças
explicativas e opinativas, como determina o design de notícias atual. Com isso os conteúdos do jornal ganham mais visibilidade. A hierarquia das matérias também ficaram mais nítidas pelo tamanho diferenciado das matérias, mas também pelo esquema tipográfico adotado. A tipografia possibilitou uma melhor legibilidade, e uma melhor definição de identidade entre as peças que formam o conjunto do jornal. O Sobpressão também resolveu investir em uma linha editorial mais voltada para atender as necessidades dos seus leitores. Com esse objetivo, os estudantes resolveram apostar no jornalismo de serviço, e em histórias inéditas ou, pelo menos, com angulações esquecidas pela grande imprensa. O novo Sobpressão reflete uma reivindicação dos próprios alunos. Quem faz o jornal-laboratório está no último ano do curso e busca praticar uma linguagem mais próxima do mercado. O desafio é seguir as tendências da grande imprensa sem esquecer de experimentar. Com esse espírito surgiu, nesta edição, uma série de reportagens sobre
as leis brasileiras. Ela apresenta “crimes” que, provavelmente, milhares de pessoas cometem cotidianamente. A partir de agora, o leitor ajudará a produzir o Sobpressão. Em busca de uma maior interação com o público-alvo, a publicação disponibiliza o email jornalsobpressão@gmail. com. Ele será o canal para sugestão de novas reportagens e também para críticas, elogios e comentários sobre as matérias publicadas. Outra novidade é a periodicidade semestral. Além disso, uma edição especial temática será produzida todo semestre. Assim, você continuará a ler duas edições diferentes do jornal a cada seis meses. A reforma que iniciamos agora não é definitiva. Ao longo do tempo iremos fazendo as modificações necessárias, as adaptações requeridas pelos conteúdos e as correções de rumo naturais de todo jornal impresso. Além disso pretendemos seguir a tendência da imprensa atual: a convergência midiática, procurando ligar o jornal aos futuros produtos em web que estão sendo gestados neste exato momento. Aguarde.
Ana Cecília Soares
Olha a Urbecamaaaa ! O movimento é constante e a pressa é inebriante. Em meio aos pisares frenéticos de calcanhares das gentes multicoloridas, o pulsar do entrançado de carros, a timidez da flor que insiste em nascer por entre o concreto e até o chiclete velho jogado na calçada; a cidade suspira. Presos em seus próprios mundos, os indivíduos deixam de olhar uns aos outros. E aqueles que têm a rua como sua casa, simplesmente, desaparecem aos olhos dos afobados transeuntes. É desse cenário denso e cinzento, que surge a arte de Júnior Pimenta. Por meio do trabalho Urbecama, o artista conjetura a funcionalidade social da arte, retratando ângulos esquecidos e maltratados da cidade. Urbecama é uma intervenção que se destaca e ganha força por seu posicionamento crítico e corajoso. Consistindo em pensar a malha urbana, como um local de confluências de pessoas e lugares, onde somos mais um ser invisível, perdido na multidão caótica que compõe o corpo cidatino. O trabalho se presta a levantar o ponto da expansão publicitária na cidade,“sem pedir licença”. Pensando, sobretudo, a relação consumidor-produto-classe, juntamente, com a exclusão social vivenciada pelo morador de rua. A Urbecama segue os moldes de uma campanha publicitária. Nela se divulga um produto homônimo, composto por um colchonete e um travesseiro. Nos cartazes encontramos uma seqüência de fotos do próprio artista, demonstrando as funções do “produto”. Elas são: pontocama, chãocama, escadocama e bancocama. Ressaltamos que os cartazes estão em formato de lambe-lambe, o que dá ao trabalho um teor, ao mesmo tempo, varejista e marginal. A Urbecama é a arte desconstruindo a publicidade, fazendo desta seu suporte artístico. O olhar de Pimenta faz lembrar de Claes Oldenburg:“Sou a favor de uma arte que tome suas formas das linhas da própria vida, que gire e se estenda e acumule e cuspa e goteje, e seja densa e tosca e franca e doce e estúpida como a própria vida”. Estudante do 7º semestre de Jornalismo
Artigo
Caio Castelo
O conteúdo na forma Além da orientação editorial, do teor dos textos e das fotografias, existem ainda outras formas de linguagem que um jornal utiliza para se comunicar com seus leitores. A função do projeto gráfico editorial é justamente apresentar todos esses tipos de informação da forma mais agradável e funcional possível. Elementos como tipografia, imagens, boxes, selos e infografia, dentre outros são, não apenas expressões visuais da informação, como também do próprio jornal, mostrando sua cara. O projeto gráfico editorial determina em grande parte seu êxito, pois ele pode (e deve) estabelecer um canal com determinados públicos, além de conferir consistência e coerência ao conteúdo veiculado. É comum alguns produtos impressos deixarem de lado vários princípios da apresentação visual. No entanto, é uma ingenuidade ignorar o diálogo que esses dois fatores estabelecem entre si e com os leitores. Existe conteúdo na forma e forma no conteúdo, desde que saibamos relacioná-los adequadamente. Para que um jornal seja assimilado por seu público, ele deve estabelecer um canal de comunicação com a proximidade necessária para cativar o leitor e o distanciamento característico do discurso jornalístico. O novo projeto gráfico do Sobpressão busca privilegiar as potencialidades informativas que o suporte impresso oferece. Sabemos que o design da notícia tem como função se comunicar, atrair e informar. É hora de quebrar o mito de que o bom leitor é aquele que prefere se informar por meio de leituras complexas. Esse leitor não existe, ele só faz esforços para provar para si e para os demais uma erudição literária que disfarça um analfabetismo visual. Nesta edição, mais que nas anteriores, as linguagens e significados utilizados compõem um suporte que busca respeitar a percepção de quem lê o jornal, oferecendo clareza e legibilidade. Estudante do 7º semestre de Jornalismo
Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor) Fundação Edson Queiroz - Diretora do Centro de Ciências Humanas: Profª Erotilde Honório - Coordenador do Curso de Jornalismo: Prof. Eduardo Freire - Disciplina: Projeto Experimental em Jornalismo Impresso (semestres 2007.2 e 2008.1) - Reportagem: Ana Cacília Soares, Bruno Anderson, Caio Castelo, Clarissa Diógenes, Daniel Santos, Diego Benevides, Jackson de Moura, Janaína Holanda, Karla Camila, Juliana Silveira, Larissa Teixeira, Lisiane Linhares, Luciana Vasconcelos, Marcelo Bloc, Maria Isabel Bessa, Maria Isabel Medal, Marina Mamede, Monique Linhares, Monisa Muniz, Pery Negreiros, Raquel Maia, Sâmia Vale, Talita dos Santos, Vitor Perez e Vladmir Marques - Projeto gráfico: Prof. Eduardo Freire - Diagramação: Aldeci Tomaz - Professor orientador: Antonio Simões - Conselho Editorial: Professores Beth Jaguaribe, Anderson Sandes e Eduardo Freire - Supervisão gráfica: Francisco Roberto - Impressão: Gráfica Unifor Tiragem: 500 exemplares - Estagiários de Produção Gráfica: Caio Castelo, Diego Herminio e Felipe Goes - Estagiários de Redação: Bruno Anderson, Diego Benevides, Maria Isabel Medal, Monique Linhares, Pery Negreiros e Tatiana Marques - Colaboração: Aderson Sampaio, Jocélio Leal e Carlos Normando
Sugestões, comentários e críticas: jornalsobpressão@gmail.com
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Animais silvestres são soltos na Unifor A universidade é a segunda área de soltura de animais silvestres em Fortaleza. O campus se transforma num espaço de convivência entre a natureza e as pessoas Monique Linhares
Em uma área de 720 mil metros quadrados, a Unifor se divide em prédios, quadras poliesportivas, vias de trânsito e um amplo espaço dedicado a fauna e flora. Com o privilégio de sua estrutura física e organizacional, além da proximidade com o Parque Ecológico do Rio Cocó, a universidade dispõe de um ambiente favorável para receber e abrigar animais silvestres. Desde setembro de 2007, a universidade é cadastrada como Área de Soltura de Animais Silvestres (ASAS), com o certificado do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). O campus e a Reserva Ecológica da Sapiranga, esta sustentada pela Fundação Maria Nilva Alves, são as únicas áreas de soltura particulares em Fortaleza. Esses espaços, ao se assumirem como ASAS, estimulam a preservação de áreas como pontua Francisco Antônio de Brito, professor universitário aposentado e coordenador do Núcleo de Fauna do IBAMA. “Está se iniciando uma nova fase em áreas de soltura no Ceará, não tínhamos antes, o que está servindo de estímulo para abertura de outros espaços na região metropolitana”, diz o professor. Adaptação Até o ano passado com a implantação do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), o Instituto contava com poucos criadouros para reabilitação de animais, quando apreendidos no tráfico ou em denúncias de maus tratos. Para abrigar algumas espécies recuperadas no Cetas do Ceará, a Unifor “precisou se cadastrar como área de soltura e se adequar para a readaptação desses animais ao seu habitat natural”, de acordo com Lívio Moreira, analista ambiental do IBAMA. A universidade contempla uma
das etapas do processo de recuperação, iniciado pelo Cetas com a quarentena ou cuidados emergenciais a espécies capturadas. Depois os animais são encaminhados para soltura em ambientes sustentáveis. Em casos mais avançados, há o monitoramento de animais para diversas pesquisas. Abundância em recursos hídricos, boa variedade de plantas frutíferas, bosques e vegetação colorida são condições básicas para alimentação, abrigo e atração de animais que estão de volta ao seu ambiente. Para isso, o prefeito da universidade, Júlio César Magalhães, capricha na área verde da Unifor. “Plantei uns 200 pés de frutas para tentar atrair o ano inteiro diversas espécies de pássaros”, diz. Isso garante a fixação e o retorno de aves e outros animais à área da universidade a cada estação do ano. Acaba também se tornando um trabalho de reflorestamento, pois os pássaros são reflorestadores natos. Presença segura Quase 80 animais, de mais de 10 espécies, foram doados à universidade pelo IBAMA. A maioria são aves, entre pássaros raros e de grande porte como as emas, que já demarcaram seu território em praticamente toda a extensão do campus. Macacos Soin também passeiam livremente por árvores e blocos, provavelmente vindos do parque do Cocó ou da reserva da Sapiranga. Como eles transitam com tanta naturalidade em um espaço cercado de prédios, carros, pessoas e movimentação urbana? Brito responde: “os animais silvestres já estão adaptados à ‘selva de pedra’ de nossas cidades urbanas.” Uma das principais exigências do IBAMA é se existe um forte sistema de segurança no local de soltura. É imprenscindível para o monitoramento e preservação da fauna, contra violações de terceiros e capturas de traficantes de animais. Para o coordenador Brito, foi importante a Unifor ter sido a “primeira universidade a abrir seu espaço e ter coragem de se cadastrar como área de soltura”.
As emas são uma das espécies da fauna que passeiam livremente pelo campus da universidade
FOTO: HAROLDO SABÓIA
Reforço à política ambiental Nos últimos anos, a sociedade e as organizações têm intensificado as ações em prol do desenvolvimento sustentável do meio ambiente. O objetivo é corrigir erros passados e contribuir para qualidade de vida agora e para o futuro. A Unifor está trabalhando para melhorar o bom aproveitamento de seu espaço, preservando uma área rica em fauna e flora e promovendo os recursos da gestão ambiental. O prefeito da universidade, Júlio César Magalhães, trabalha, atualmente, no processo de coleta seletiva de lixo de resíduos sólidos e químicos. “Pretendemos diminuir a quantidade de containers de lixo que saem da Unifor e conveniar uma associação de reciclagem para utilizar da melhor forma o que é jogado fora”, afirma o prefeito. Além disso, reaproveita-se água e energia. O grupo Edson Queiroz realiza, ainda, campanha eficaz contra a dengue. A campanha ocorre através da divulgação e de car-
Verde: variedade de espécies espalhadas entre os blocos do campus
ros que, duas vezes por semana, pulverizam químicos para aniquilar focos de reprodução do mosquito transmissor da doença. Isso tudo, e mais o espaço cedido às espécies de animais, reforça a política de responsabilidade social e ambiental, interligando projetos e fazendo com que se crie um núcleo específico, chamado pelo prefeito
FOTO: RAPHAEL VILLAR
de Sistema de Gestão Ambiental. A divulgação e participação dos alunos nesse processo é essencial, para propagação da conscientização ecológica e para educação ambiental de todos. Para o professor Francisco Antônio de Brito, o importante é “utilizar os meios de comunicação para um programa permanente de divulgação da iniciativa”.
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Educação e Cultura no Sociedade civil e instituições gorvernamentais lançam projetos e lutam juntas para tentar recuperar crianças e adolescentes em situação de risco em Fortaleza Daniel Santos e Karla Camila
Quando o pano do circo cai, após curta temporada numa pequena cidade do interior na bagagem, os artistas circenses transferem a cultura e a educação para outra praça. O picadeiro é a própria sala de aula, o palco de grandes emoções onde se pratica arte brincando, sorrindo e, acima de tudo, aprendem-se noções de solidariedade, cidadania e respeito, preenchendo o vazio cultural de povos e cidades. O sonho, a magia e o encanto do circo movem a vida de jovens e adultos da periferia, que não permitem que essa arte tão antiga perca o brilho e a alegria. Porém, com o avanço tecnológico, a mídia televisiva e os brinquedos eletrônicos, o circo, uma tradição milenar, por pouco, não baixou a sua lona para sempre. Para resgatar o valor cultural do circo e garantir vida longa aos espetáculos, a sociedade civil e órgãos governamentais lançam projetos para atrair os jovens e adolescentes à arte, cultura e educação. Seria uma troca benéfica: o jovem deixaria de perambular pelas ruas, se afastaria do fantasma da droga para
ganhar a escola da vida, e aprenderia que trapézios e malabares são mais úteis. A Organização Não Governamental (ONG) Associação Barraca da Amizade (Mondubim) é um exemplo do resgate de crianças e adolescentes em situação de risco e/ou de rua por meio da cultura circense. O objetivo da ONG, que atua em Fortaleza há vinte anos, é a proteção integral de adolescentes, que participam do programa pedagógico de arte e educação e assistência psíquico-social. A Associação Barraca da Amizade visa também devolver a eles o direito à convivência familiar e comunitária, procurando propiciar a profissionalização e permitir a inclusão social. A arte circense foi o alicerce da criação do trabalho, que
Íris Batista
Atualmente, estamos com 22 moradores na casa. Nossa capacidade é de 30 moradores, mas também atendemos os meninos das comunidades mais próximas, como Pantanal e José Walter. Coordenadora da ONG Barraca da Amizade
Crianças e adolescentes saem das ruas e se preparam para mostar ao público a importância do restage do circo
até hoje se perpetua como atrativo da meninada. O circo trabalha junto à equipe técnica da entidade na construção do projeto de vida dos jovens de 12 a 18 anos, que tem seu apogeu na montagem de espetáculos anuais e nas apresentações realizadas. Íris Batista, uma das coor-
denadoras da instituição, explica como funciona o resgate desses meninos pela ONG. “Atualmente, estamos com 22 moradores na casa. Nossa capacidade é de 30 moradores, mas nós também atendemos os meninos das comunidades mais próximas, como Pantanal e José Walter. Eles vêm, fazem
FOTO: ARQUIVO PESSOAL
diversas atividades, lancham e retornam pra casa.” Artur Silva (nome fictício) foi um dos acolhidos pela Associação. “Estou aqui há dois anos, faço malabares que é muito difícil, mas tudo aqui é muito bom também.” A Associação Barraca da Amizade recebe ajuda finan-
Uma arte popular que encanta há milênios O circo possui uma variedade de atrações que encanta crianças, jovens, adultos e idosos ao redor do mundo. O circo surgiu há milhares de anos, faz parte da cultura das pessoas e sua tradição se mantém até hoje. Existem vários tipos de circo: circo de rua, circo tradicional, circo chinês, circo russo, entre outros. O universo circense é na verdade um conjunto de diversas artes: malabarismo, acrobacia, adestramento de animais, equilibrismo, ilusionismo, entre outras. Há cerca de cinco mil anos, pinturas onde aparecem acrobatas, contorcionistas e equilibristas, foram descobertas na China, partindo daí uma hipótese do surgimento da arte circense. Naquela época, a acrobacia era utilizada como forma de treinamento para os guerreiros, pois gerava agilidade, flexibilidade e força. Em 108 a.C., o imperador da China
resolveu promover uma série de apresentações acrobáticas para homenagear visitantes estrangeiros. A encenação evoluiu e tomou a forma de espetáculos anuais, conhecidos como o Festival da Primeira Lua. Com o passar do tempo, novos números foram agregados ao festival. Até hoje, os aldeões chineses praticam malabarismo com espigas de milho e brincam de saltar e equilibrar imensos vasos nos pés. Após a China, foi a vez de Roma ajudar a desenvolver a história da arte circense e fundar a base do circo como se conhece no Ocidente. O Circo Máximo de Roma apareceu em seguida, mas foi destruído em um incêndio. Em 40 a.C., no mesmo local, foi iniciada a construção do Coliseu, onde cabiam 87 mil espectadores. Lá eram apresentadas excentricidades como homens louros nórdicos, animais exóticos,
Malabarismos: jovem da ONG Associação Barraca da Amizade
FOTO: RAPHAEL VILLAR
engolidores de fogo e gladiadores, entre outros. Durante séculos, em feiras populares, barracas exibiram fenômenos, habilidades incomuns, truques mágicos e malabarismo. Naquela época, a feira consistia em uma área dividida em pista, arquibancada e cavalarias onde ocorriam corridas de cavalos, combate de gladiadores, brigas entre homens e animais e duelos entre bichos. Por isso o local recebeu o nome “circus”, que quer dizer “lugar em que competições acontecem”. Desde seu surgimento até os dias atuais, o circo manteve sua força. Hoje ele exerce fascínio sobre as crianças. Mágicos, malabares, palhaços e todos que fazem parte do espetáculo alegram as crianças e as deixam sem palavras. O olhar e a felicidade das crianças e de muitas pessoas após uma grande apresentação é algo que só o circo consegue passar.
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Livro
picadeiro
ceira de diversas entidades, como o Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (COMDICA), a Secretaria de Ação Social e doações da Alemanha. Este ano, o espetáculo foi elaborado com o apoio do projeto Criança Esperança, evento que incentiva o debate sobre políticas públicas
e garante os direitos de mais de três milhões de crianças e adolescentes. A magia do circo permite que esses meninos, que antes não tinham esperança de um futuro melhor, possam usufruir situações pouco vivenciadas pela maioria das pessoas. O tema do espetáculo deste ano recebeu o nome de “Chamas” e retrata a ligação do homem com o fogo. Com o roteiro original de Francisco de Assis Lopes da Silva, um ex-morador da Associação, o elenco foi composto pelos adolescentes em situação de exclusão social. Eles fizeram uso de técnicas de circo e teatro para levar o público ao universo que marca a história da humanidade. O instrutor Assis Lopes trabalha na casa há doze anos. Ressalta que a importância da cultura circense no resgate desses meninos é transmitir alegria e amenizar a agressividade adquirida na sofrida realidade da rua. Para ele, entre malabares, monociclos e pernas de pau, esses jovens desenvolvem o raciocínio, a concentração e o equilíbrio psíquico. Francisco de Assis foi acolhido pela Associação Barraca da Amizade aos 11 anos de idade. Desde então se apaixonou pela arte circense. “Hoje em dia o circo atual não tem o mesmo glamour. Antigamente, era familiar, a criança via e gostava de fato. Havia muita magia. Eu sou a favor do resgate do circo tradicional”, declara.
A história da arte circense no Brasil
Encenação: jovens se apresentam no espetáculo circense
FOTO: DIVULGAÇÃO
A Escola Nacional de Circo em ação A Fundação Nacional de Artes (Funarte) atua em apoio às artes circenses através de programas como o Cadastro de Profissionais e Grupos Circenses; de projetos de informação às prefeituras sobre como acolher o circo que chega à cidade; da realização e divulgação de cursos e oficinas; da realização de concursos e prêmios; e do apoio a festivais no Brasil e no exterior. Olhando para o futuro, a Funarte viabiliza a formação de novos profissionais por meio da Escola Nacional de Circo, única instituição de ensino diretamente administrada pelo Ministério da Cultura. O corpo docente é composto por profissionais circenses, todos com mais de trinta anos de atividade artística e alguns oriundos da equipe que inaugurou a escola. A Escola Nacional de Circo permite novos alunos através de provas de seleção, nas datas previamente divulgadas em edital. O público-alvo são os jovens a partir dos 14 anos, com maior concentração entre os 14 e os 26 anos. Nas ativida-
des complementares com a comunidade circense, participam estudantes de escolas públicas, universidades, além de outras comunidades. Os objetivos da Escola Nacional de Circo são: formar o artista circense através do domínio de habilidades e técnicas, elaboração e execução de números com excelência; organização do espaço cênico circense; domínio dos fatores técnicos que interferem na realização dos espetáculos; reciclagem e especialização de profissionais circenses do Brasil e do exterior. A Escola Nacional de Circo ocupa um local muito querido aos circenses: a Praça da Bandeira, no Rio de Janeiro, um tradicional ponto de armação de circos no século XIX e início do século XX. O terreno de 7.000 m² abriga um moderno circo completo de quatro mastros, permanentemente armado, com capacidade para 3.000 espectadores. O espaço possui ainda salas de aula, dança e musculação, fisioterapia, refeitório, e oficinas para confecção e conserto de aparelhos.
Projeto democratiza apresentações Dirigentes municipais procuram formas alternativas para fazer valer a arte circense. Em Fortaleza, a Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) deu a sua contribuição para preservar a cultura do circo a partir de julho de 2006, quando lançou o projeto Circo de Todas as Artes.
O projeto é desenvolvido por meio da ocupação de 15 lonas em 15 bairros da capital cearense, sempre no último domingo de cada mês. São desenvolvidos programas sócioculturais e educativos, junto aos artistas circenses e a comunidade do entorno: oficinas, palestras, debates, exposições,
performances, intervenções, falas (diálogos, palestras), exibição de filmes, sempre valorizando o cinema nacional, entre outros. Um mergulho em arte e cultura promovendo, no seu contexto de realização, ações de cidadania e de formação nos circos instalados na cidade. Segundo o coordenador de artes cênicas da então FUNCET, José Alves Netto, o projeto tem grande aceitação por parte das comunidades e dos artistas de circo, teatro e dança e já faz parte do calendário cultural de Fortaleza. “O Circo de Todas as Artes é uma das mais importantes ações da Prefeitura na área da cultura, pois promove o acesso gratuito da população a programações artísticas de qualidade nos bairros onde há maior ca-
Serviço Respeitável Público: projeto da Secultfor pretende ocupar a lona
ONG Barraca da Amizade Contato Íris Batista: (85) 3291.5187 FOTO: DIVULGAÇÃO
rência nessa área”, detalha. A programação semanal estimula a circulação e a difusão de artistas das mais diferentes linguagens integradas à comunidade, à sociedade civil organizada e órgãos municipais como meio de democratizar e descentralizar suas ações e programas. O projeto recebe, em média, seis mil pessoas nos 15 espetáculos promovidos em Fortaleza semanalmente. “A partir do projeto, os artistas circenses passaram a organizar-se em torno de uma associação e vêm melhorando sua infra-estrutura. Todos são unânimes em afirmar que, até então, jamais haviam conseguido qualquer apoio de ordem governamental. Com pouco, eles já fazem muito. E só avançam”, ressalta José Alves Netto.
No Brasil, a história do circo remonta ao século XIX com os ciganos que aqui aportaram. Entre suas especialidades incluíam-se a doma de ursos, o ilusionismo e as exibições com cavalo. Eles viajavam de cidade em cidade, e adaptavam seus espetáculos ao gosto da população local. Instalando-se na periferia das grandes cidades e voltado para as classes populares, sua modernização não se deu em termos de espaços e equipamentos, e sim ao investimento no elemento humano, suas destrezas, habilidades e criatividade. Por isso, os palhaços são as figuras centrais, dependendo deles o sucesso do circo tradicionalmente ocidental. Particularidades Com o passar do tempo, o circo brasileiro tropicalizou algumas atrações. O palhaço brasileiro falava muito, ao contrário do europeu, que era mais mímico. Era mais conquistador e malandro, seresteiro, tocador de violão, com um humor picante. O público também apresentava características diferentes: os europeus iam ao circo apreciar a arte; no Brasil, os números perigosos eram as atrações: trapézio, animais selvagens e ferozes. Famílias circenses estrangeiras acabaram por incentivar a arte no Brasil. A parceria teatro e circo A partir da década de 40, o teatro buscou espaço no circo. Era uma oportunidade de os artistas se apresentarem usando uma montagem ágil e simples. Grande Otelo e Dercy Gonçalves foram atores que participaram do circo-teatro e fizeram sucesso com as obras “Coração materno” e “O colar perdido”, por exemplo. A Escola Nacional de Circo do Brasil foi criada oficialmente em 1982. Fonte: livro “O Circo no Brasil”, de Antônio Torres
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Onde a História Apesar de genuinamente brasileira, a cultura indígena foi mutilada na História oficial e até hoje espera ser devidamente reconhecida Caio Castelo e Raquel Maia
Nomes como José de Alencar, Tristão Gonçalves e Adolfo Bezerra de Menezes, entre outros, são lembrados até hoje como ilustres personalidades cearenses por suas contribuições nas mais diversas áreas. No entanto, os relatos oficiais não incluem nenhum índio entre os grandes homens de nossa história, negando a memória dos povos indígenas como participantes ativos na construção da sociedade cearense. Alexandre Gomes, historiador do Museu do Ceará, conta que vários eventos mostram como o índio foi importante na formação do estado. “Desde o primeiro momento em que houve o contato das tribos indígenas com o homem branco, o índio foi sujeito da História”, diz ele. A questão da mestiçagem, por exemplo, foi uma das construções feitas com a intenção de dissociar as etnias indígenas do povo cearense. O casamento entre índios e brancos foi estimulado e, com o tempo, usado como pretexto para o argumento de que os índios haviam desaparecido, pois um mestiço não podia ser considerado índio. Os índios também foram, por diversas vezes, utilizados como força militar pelo governo, mesmo que coagidos a lutar por causas que não eram deles. No artigo “De arco, frecha e surrão: o índio do Ceará na Revolução Pernambucana de 1817”, o estudioso João Paulo Peixoto toma como exemplo dessa participação o conflito de razões econômicas entre a região Nordeste e a Corte, então instalada no Rio de Janeiro. Ele observa que “a participação indígena dificilmente é mencionada na bibliografia sobre o tema, tratando a utilização forçada de índios em um conflito de importância nacional como algo irrelevante, a ponto de ser praticamente esquecida”. Ao desarticular vários povos indígenas impondo sua cultura e costumes, os colonizadores europeus ignoraram as tradições dos nativos para adaptálos às suas próprias. Os relatos que encontramos hoje na maioria dos livros didáticos de História fazem o mesmo: nada mais são que o ponto de vista europeu dos acontecimentos. Como pontua João Paulo Viei-
Ao longo de gerações, tapebas mantém suas tradições ao mesmo tempo em que dialogam com outras culturas
ra, outro historiador do Museu do Ceará, “existe uma diferença entre fato e memória. A História oficial é apenas uma versão que depende de quem conta”. Mas, de acordo com o pesquisador de História André Frota, aqueles que se apropriam dos mecanismos através dos quais a História é contada não o fazem por acaso. Para ele, devido à injustiça cometida há séculos
com os índios e outras minorias, sente-se hoje uma necessidade de compensá-la mostrando que a cultura indígena foi importante para o desenvolvimento da identidade cearense. André argumenta que, apesar disso, a única contribuição do índio para a construção de nossa sociedade foi na miscigenação do povo. “Não há nada além disso. Hoje não existe mais cultura
Saiba mais...
Contando a própria história O Centro de Produção Cultural de índios tapebas existe desde 22 de janeiro de 2005 e tem como principal função preservar a cultura da etnia encorajando e expondo sua produção artística. Lá funciona o Memorial Cacique Perna-de-Pau, um pequeno museu onde estão expostos diversos registros da história da Centro Cultural Tapeba FOTO: RAPHAEL VILLAR tribo, como fotografias, adereços, livros, etc. Além deste, existem outros centros que preservam e valorizam a cultura dos mais de 17 mil índios espalhados pelo território cearense em 15 tribos distintas. As mais numerosas são as etnias Jenipapo-Kanindé, de Aquiraz; Pitaguarys, da região de Maracanaú; Tremembés, de Itauma; Kariris e Potiguaras de Crateús.
FOTOS: RAPHAEL VILLAR
indígena, o que há são ‘facções’ que tentam reavivar de forma forçada algo que não pode mais existir”, defende. André acredita, ainda, que existem culturas superiores às demais e que conservar determinados valores “inferiores” representa um atraso à humanidade. “Não é só por produzir cultura que os índios têm valor para mim. Se esse aspecto for visto como uma ascensão do homem a níveis cada vez mais elevados, vejo que existe uma escala de culturas superiores”, define o pesquisador. Assim como muitas outras pessoas, ele acredita que o descaso da História oficial para com a participação indígena na construção do país é um reflexo de sua irrelevância nos dias atuais. Silêncio Pontos de vista semelhantes há muito são perpetuados e já chegaram a fazer a própria figura do índio correr o risco de ser oficialmente excluída. Em 1863, a Assembléia Legislativa Provincial determinou que não existiam mais índios no Ceará, tomando para a Província os territórios indígenas.
Apesar de o século XIX ter sido a época em que o processo de destruição da memória desses povos foi mais intenso, a chefe da Fundação Nacional do Índio (Funai) no Ceará, Evanir Rolon, conta que “até a década de 1980 os registros da Funai ainda diziam que não havia índios no estado”. Porém, a cultura, os ritos e as oralidades continuaram sendo praticados e passados de geração para geração, independentemente da cor da pele. Prova disso são duas tribos do município de Monsenhor Tabosa: Gavião, composta em grande parte por negros, e os TubibaTapuia, que são quase todos eles índios brancos. “Havia silenciamento étnico para proteção da identidade. Com medo do preconceito e das perseguições, era comum que os pais dissessem para o filho coisas como ‘olha, a gente é índio, mas não é pra contar pra ninguém’, e assim a cultura era passada adiante”, explica Alexandre. O índio Aluiso Tapeba completa com seu próprio testemunho: “os mais velhos contam que, no seu tempo, não
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é oca
podiam se identificar como índios porque chegaram até a ser ameaçados”. Se antes o índio buscava se resguardar negando quem era, hoje ele ainda muda seu proceder para poder ser considerado como tal. Nemias Teixeira, artesão tapeba, lembra que o índio, assim como qualquer pessoa, não pode se excluir ou dissociar sua cultura das demais com as quais convive. “Existe sempre aquela idéia de que o índio deve viver isolado. Atualmente, nós temos celular e sabemos mexer com informática, pois não podemos ficar para trás. Se não tivéssemos certos conhecimentos, seria ainda mais difícil perpetuar e defender nosso estilo de vida”, defende. Aluiso complementa explicando que “nenhum povo, indígena ou não, permanece da mesma maneira que vivia há 500 anos. Hoje, é impossível para um índio andar nu por aí. Se ele fizer isso, ou vai ser preso ou vai ser chamado de doido”. Afirmação Foi a partir dos anos 1980 que o silêncio foi quebrado
e começou a ser substituído por um discurso de afirmação étnica. “Com a ajuda da Arquidiocese de Fortaleza e das Pastorais, finalmente conseguimos o reconhecimento da Funai e da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), além de algumas ONGs que vieram fazer trabalhos na comunidade”, explica Aluiso. Só então, com uma aceitação ainda longe do ideal, mas maior por parte da sociedade, os povos indígenas começaram a ser notados pela História. Segundo João Paulo Vieira, são várias as formas que o índio usa para contar sua história. Dessa forma a cultura indígena vem buscando espaços para ganhar visibilidade fora das comunidades. Um exemplo disso é o Centro de Produção Cultural Tapeba, onde Aluiso e Nemias trabalham (ver quadro). A educação também é um aspecto essencial nesse sentido. A Escola Índio Tapeba, pioneira na educação diferenciada no Ceará, ensina as crianças indígenas a conhecer, valorizar e defender seus costumes. “É importante passar nossa cultura aos curumins para mantê-la viva. Eles estão tendo a oportunidade de crescer assumindo sua identidade e sua origem, diferente de gerações anteriores”, salienta Nemias. Entretanto, apesar do que vem sendo conquistado nos últimos anos, a causa indígena ainda sofre constantemente com o preconceito cultural e questões relativas a território e preservação ambiental, em boa parte resultado da maneira que a História os tem retratado. Mas ainda restam esperanças, pois só agora essa história está começando a ser escrita.
Danças, canções e oralidades foram conservadas entre as tribos, apesar do mito do desaparecimento FOTO: RAPHAEL VILLAR
Conheça a tribo dos “pedra-chata” O nome “Tapeba” vem da língua tupi-guarani e significa “pedra chata”. A referência vem de uma grande pedra sagrada localizada na Lagoa do Tapeba. “A nossa luta vem desde o século XVII. As etnias Tremembé, Kariri, Potiguara e Jucá tiveram que se refugiar dos colonizadores onde hoje é o centro de Caucaia e deram origem a uma nova, que é a dos índios Tapeba”, relata Aluiso. A tribo constitui uma das 12 etnias indígenas presentes no Ceará e foi a primeira a quebrar o silêncio étnico e assumir sua identida-
Aluiso Tapeba usa as vestes tradicionais apenas em ocasiões como rituais sagrados FOTO: RAPHAEL VILLAR
Serviço Centro de Produção Cultural Tapeba: Rodovia BR-222 - km 07 - Caucaia CE / tel: (85) 3342.1485 - http://www.tapeba.com.br Museu do Ceará: Rua São Paulo, 51 – Centro / tel: (85) 3101.2611
de. Como resultado, teve suas terras identificadas e delimitadas oficialmente pela Funai em 1993, embora a demarcação de fato só fosse ocorrer quatro anos depois. Evanir explica que “atualmente, os tapebas aguardam a homologação e registro das terras em cartório”. A proximidade geográfica que os tapebas de Caucaia têm com a cultura ocidental se reflete também numa proximidade cultural. Dessa forma, sua organização política se estende para além dos moldes tribais, chegando a assumir a forma chegan Exemplos disde associações. ass
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so são a Associação das Comunidades dos Índios Tapeba de Caucaia (ACITA), a Associação dos Professores Indígenas Tapeba (APROINT) e a Associação Indígena Tapeba de Cultura e Esporte (AINTACE). A tribo vive de atividades extrativistas para produzir alimentação, artesanato e bebidas. Assim como outras etnias cearenses, praticam o Toré, ritual sagrado no qual usam as vestes tradicionais e celebram a vida e a natureza cantando, dançando e bebendo uma bebida fermentada de caju chamada mocororó. Lígio Maia
Do vazio insignificante à afirrmação identitária O pro propalado “desaparecimento” do índio na historiografia, paradoxalmente, ocorreu com seu surgimento na literatura. Basta radox lembrar do indianismo de José de Alencar, base ideológica do lemb nascimento do Brasil no século XIX. O índio, neste caso, era o nasci índio passivo, sem vontade própria, o arquétipo figurado no mito da cé célebre expressão do Bon Sauvage (bom selvagem), de Rousseau e dos filósofos do século XVIII. A questão da “emergência” ou do “ressurgimento” dos índios contemporâneos é um “soco no estômago” dos intelectuais, afinal, conte como pôde a história - e as ciências sociais - determinar o “vazio” da existência dos índios se, eles, sem pedir licença, continuam afirexistê mando:“estamos aqui, somos índios e exigimos nossos direitos!”? mand Independentemente dos teóricos e das teorias, os povos indíInd genas compreenderam que esse era o momento de aparecerem, gena saírem do refúgio ideológico e discriminador ao qual estiveram saí condenados por décadas. Escolheram, neste sentido, reafirmar co sua própria identidade e construir sua própria história. Não é su que num passado recente eles tenham deixado de ser índios, qu aparecendo agora como sujeitos donos das terras de antigas apar áreas de missões religiosas. Os índios estavam lá, continuavam sendo o que sempre foram, mas inexistiam condições sociais para send manterem sua distinção étnica. Assim, termos como tapuio (no mant Pará) Pará), curiboca (Amazonas) e “caboco” ou caboclo (no Nordeste) eram usados para referir-se aos mestiços. Porém, os índios também se apropriaram desses designativos por julgarem imprescindívei díveis para manterem sua existência. Ho Hoje, estamos diante de um fenômeno social da maior relevânci vância: a afirmação de um modo de vida que, apesar de ter sido transformado com o tempo e não ser mais o mesmo, continua tendo um valor social e simbólico distintivo. Lígio de Oliveira Maia é Mestre em História Social (UFC) e doutorando em história pela Universidade Federal Fluminense, com pesquisa sobre os índios coloniais nas Serras de Ibiapaba.
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A busca pelos quilinhos a mais Eles vivem uma realidade que para muitos seria um sonho: são magros mas insatisfeitos com o corpo, eles enfrentam desafios para ganhar peso Clarissa Diógenes e Lisiane Linhares
Magricelo, Olívia Palito, Varapau, Esqueleto, Cambito... Familiar para muitos, esses apelidos acompanharam a infância e adolescência de magrinhos que até hoje sofrem para alcançar o peso ideal. No supermercado, a tabela de calorias sempre passa despercebida e as prateleiras de lights e diets são lugares raramente freqüentados por essas pessoas. Nas refeições, massas, doces e guloseimas à vontade. Come, come e nada de gordurinhas a mais. Mas afinal, para onde vai tanta comida? O que os magrinhos têm que o restante da população inveja é um metabolismo acelerado. “Normalmente, as pessoas mais magras têm um maior consumo de energia. Ou seja, a ingestão calórica é menor que o gasto físico”, explica a nutricionista Sônia Carvalho. Outros fatores que também influenciam é o excesso de atividades diárias e o estresse, que acabam contribuindo para uma má alimentação. A jornalista Ticiana Lima, 1.60 de altura e 43 kg, sempre encarou com muito bom humor o pouco peso. Ela garante que a vontade de ganhar mais uns quilinhos vai além da estética. “Quero engordar para evitar problemas futuros de saúde. Nunca levei a sério nenhum tratamento médico, mas hoje tento fazer uma alimentação equilibrada, escolhendo corretamente o que irei comer”. Na correria do dia-a-dia, o tempo fica cada vez mais curto e as refeições são trocadas por lanches rápidos em fast-foods ou até mesmo esquecidas. Mas, cuidado! Comer muito não é sinônimo de engordar. A endocrinologista Ana Rosa Quidute alerta que o importante é a qualidade e o tempo entre as refeições. “O ideal é comer seis vezes ao dia, no intervalo de
três horas, procurando aumentar a quantidade de alimentos lentamente”, afirma. Em uma rotina repleta de atividades, a professora Soloneide Saldanha, 33 anos, com 48 kg e 1.52 de altura, se diz vítima de seu próprio ritmo. “Acho que sou magra assim por causa da correria do diaa-dia, das preocupações da vida e da minha ansiedade”, destaca. Ao contrário da maioria das mulheres, a professora começou a perder peso depois da gravidez. “Antes, eu tinha o peso normal, mas agora não consigo engordar. Se ganho peso, em pouco tempo depois já emagreço de novo”. Os especialistas afirmam ainda que a maioria dos magros que procura os consultórios para ganhar peso não está desnutrida. O principal objetivo para aumentar os números na balança é o desejo estético e a busca da boa forma. Por isso, antes de tomar decisões mais sérias e correr atrás dos tão desejados quilinhos, vale a pena parar e refletir sobre o peso da vaidade. “Magreza não é sinal de doença, o mais importante é a pessoa estar nutricionalmente bem”, afirma a nutricionista Sônia Carvalho. Há quatro meses, o estudante Allison de Oliveira Maia, de 20 anos, com 1,93 de altura e 82 kg, pesava nove quilos a menos. Para ganhar peso, resolveu ir a uma nutricionista. “Não estava satisfeito com o meu corpo e resolvi engordar por pura vaidade”, enfatiza. Mesmo depois de conseguir aumentar os números na balança, ele ainda pretende ganhar mais cinco quilos para ficar no peso desejado. “Faço uma dieta com alimentos que já fazem parte do meu cardápio e diariamente tomo suplementos alimentares indicados pela minha médica”, diz. Com uma visão holística do organismo, a homeopatia defende que o ideal é procurar o equilíbrio corporal, contemplando o paciente em toda sua constituição interior e exterior. “Comer de tudo para engordar não é aconselhável. É preciso pensar no resto da saúde”, acrescenta a médica homeopata Erotilde Honório.
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Você está realmente magro? Para saber se uma pessoa está com o peso adequado em relação a sua altura, calcula-se o Índice de Massa Corporal (IMC), através da seguinte fórmula:
IMC =
IMC
Classificação
Menor que 18,5
Magreza
Entre 18,5 e 24,9
Normal
Entre 25,9 e 29,9
Sobrepeso I
Entre 30,0 e 39,9
Obesidade II
Maior que 40
Obesidade Grave
peso (altura)²
Comer bem: Ticiana quer ficar de bem com a balança FOTOS: RAPHAEL VILLAR
Como alcançar o peso desejado No meio desse verdadeiro “paraíso” de opções, aparentemente sem restrições no cardápio, comer tudo o que vier pela a frente pode não ser o melhor caminho. De acordo com os especialistas, o ato de ganhar peso deve ser realizado com responsabilidade. “O importante não é apenas engordar ao acaso, mas buscar uma reeducação alimentar”, destaca a endocrinologista Ana Rosa Quidute. O estudante de jornalismo Marcelo Oliveira, 23 anos, 1.71 de altura e 67 quilos conhece bem essa realidade. Aos 19 anos e com quase 20 quilos a menos, Marcelo resolveu que iria engordar a qualquer custo. “Fiz uma dieta sozinho. Saí de férias e ganhei nove quilos em um mês”, conta. Mas a maneira escolhida pelo universitário não foi exemplo para ninguém. No cardápio, calorias, gorduras, refrigerantes e uma alimentação totalmente desregrada. Por trás da rápida mudança, as facilidades para engordar se transformam em verdadeiras vilãs da saúde em geral. “Ganhar peso de qualquer forma, sem uma preocupação maior com a qualidade do que se está ingerindo, pode ocasionar
Saudável: após dietas malucas, Marcelo tem uma alimentação nutritiva FOTO: RAPHAEL VILLAR
uma série de efeitos colaterais danosos ao organismo”, acrescenta Quidute. Para ajudar na decisão, a nutricionista Auristela Magalhães dá a dica. No topo da lista, devem ser priorizados os alimentos sem muita gordura, além de carboidratos complexos, como cereais e massas. “Doce, sorvete, mousse, chocolate, geléia e açúcar podem entrar no cardápio, mas sem excesso”, acrescenta. Entre os vilões, estão os alimentos gordurosos, os com proteínas em excesso, as frituras e as substâncias artificiais.
Mesmo sabendo quais alimentos contribuem para ganhar peso, não há uma fórmula mágica para chegar ao corpo ideal. Antes de partir para uma dieta nova e revolucionária ou fazer um mês de exercícios físicos intensivos na academia, é importante procurar um profissional especializado. “O ideal é consultar um médico para saber se existe alguma patologia que esteja causando distúrbios no organismo, além de buscar um tratamento em conjunto com um nutricionista e um educador físico”, diz Quidute.
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Academia é a opção mais procurada pelos rapazes Sinônimo de beleza para uns, incômodo para outros. Segundo os especialistas, os grandes insatisfeitos com o pouco peso são os garotos mais jovens. Na busca de todos, um objetivo em comum: ganhar massa muscular. Ansiosos por ficar mais ‘fortes’, para eles, quanto mais massa muscular, melhor. “Normalmente as pessoas entram na academia e, se não notarem resultados em até dois meses, saem logo”, afirma o educador físico Délcio Gonçalves. Nesse caso, a pressa pode não ser uma boa aliada. É preciso ter paciência, pois o ganho de massa muscular é algo que ocorre de forma progressiva no desenvolvimento de cada um. “Além de uma boa dieta alimentar, é imprescindível a assiduidade aos treinos e uma periodização do treinamento. Isso funciona como uma corrente, caso algum elo seja quebrado, ela não terá a sua força total”, acrescenta o educador. O estudante Thiago Mena, 22 anos, 60 kg, 1,74 de altura, buscou na musculação a solução não apenas para uma questão estética. “Cheguei a sentir dores na coluna por falta de massa muscular. Fui à alguns médicos e desde então comecei a malhar, mas acabei descobrindo outro problema, o meu índice de massa corpórea estava abaixo do normal”, afirma Thiago, acrescentando que isso impedia que ele alcansasse os resultados desejados pois, na falta de tecido adiposo, seu organismo queimava massa muscular. A solução foi resolvida depois de um acompanhamento com a nutricionista e uma mudança na sua alimentação
Ficar forte: Thiago sua a camisa para adquirir massa muscular
e atividades físicas. “Agora, eu pratico musculação três vezes por semana, cerca de uma hora por dia. Também passei a evitar refrigerante na semana, frituras pela manhã e à noite, além de beber muita água e comer de três em três horas”, diz. Outro fator importante nessa corrida é a genética. Segundo Délcio Gonçalves, se a pessoa traz consigo uma carga genética disposta à hipertrofia, os ganhos de massa acontecem rapidamente. “Em um iniciante que nunca malhou antes, por exemplo, em dois meses já dá para notar uma boa diferença, mas depois a velocidade dos resultados diminui e tudo acontece mais lentamente”, afirma. No meio de tanta ansiedade para alcançar a forma desejada a qualquer custo, é necessário ainda tomar cuidado com as medicações que prometem soluções imediatas. A busca por hormônios somente deve ser feita por
FOTO: RAPHAEL VILLAR
aqueles que têm uma deficiência dos mesmos no organismo. “O uso indevido dessas substâncias pode trazer sérias conseqüências como hipertensão, a alteração no desempenho sexual e até o câncer”, acrescenta a endocrinologista Ana Rosa Quidute. O segredo não está em fórmulas milagrosas, mas na alimentação correta, acompanhada de atividades físicas. Entre os alimentos mais indicados estão os mais ricos em proteínas, como frango, carne, ovos, feijão e o leite e seus derivados. Consciente disso, o estudante Dênis Façanha mudou sua alimentação controlando a quantidade de carboidratos, proteínas e evitando a ingestão de alimentos gordurosos. Em quase um ano e meio ele conseguiu aumentar de 57 para 70 quilos. “Como me alimentava bem e malhava bastante, ganhei muita massa muscular e pouca gordura”, afirma o estudante.
Enquete
O que você faz quando quer engordar? Em primeiro lugar, regulo o tempo de refeição. Tento não passar mais de duas horas sem comer nada, preenchendo esse tempo com barras de cereal ou alguma fruta bem calórica, como banana. Depois exagero nos pratos de refeições. Antes do jantar, sempre como um sanduíche e antes de dormir como mais uma besteirinha. Nunca cheguei a me consultar com médico, mas já conversei com alguns nutricionistas. Na época em que fazia musculação, consegui ganhar mais quilos, além de ter uma refeição altamente calórica, nutritiva e regular.
Como não tenho paciência para ir ao médico, abro a boca, passo a comer de tudo, invisto nas porcarias e aumento a quantidade de comida, principalmente no café da manhã. Como perco e ganho peso muito rápido, com uma semana e meia fico um pouco mais corpulento. Porém, quando você engorda um pouco mais a disposição da gordura no seu corpo não é igualitária. Acho que o mais saudável seria procurar um médico e ter um processo sem tanta agressão. Agora basta uma rotina exaustiva de trabalho e aula pra ficar sem tempo de comer e voltar a magreza natural!
Sempre fui magra e nunca tive tendência para engordar. Já fui para nutricionista e fiz alguns regimes de engorda, mas o que eu seguia mesmo era as dicas das minhas amigas. Comer creme de leite puro depois do almoço, tomar bananada todos os dias de manhã, ir para rodízios. Tudo isso e muito mais eu já fiz, mas nunca obtinha resultado. Fiz academia, mas não era perseverante. Com o tempo fui notando que não tinha estrutura para ser cheinha e que era bom ser magra. Hoje, continuo magra, mas sou muito feliz assim, e não quero engordar de jeito nenhum.
Michel Renan de Andrade Estudante de jornalismo 24 anos, 1,86 m e 76 kg
Albanir Américo Assistente de planejamento 24 anos, 1,74m e 71 kg
Patrízia D’ella Guardiã Publicitária 25 anos
Opinião
Dr. L. Wagner Gonzaga
Como ganhar peso sem perder a saúde No dia 22 de maio de 2008, às 18h, no servidor de busca Google, na Internet, encontramos 1.390.000 referências sobre como perder peso; enquanto que sobre como ganhar peso, foram encontradas apenas 69.200 referências. Como se vê, o interesse em se ganhar alguns quilinhos é buscado por uma minoria. Mas nem por isso este assunto tem menos importância quando se trata de nutrição. Evite o engano de tentar ganhar peso comendo muito, sem selecionar a qualidade, preocupado só com a quantidade a ser ingerida. Evite, também, supervalorizar o que diz a balança. Esta é burra. Suba na balança depois de malhar bastante na academia e ela vai mostrar ganho de peso, sem especificar que o ganho foi de massa muscular e não gordura. Em nutrição, como em qualquer outro aspecto de nossas vidas, as exigências e as necessidades são individuais. Cabe ao especialista, de modo minucioso, compreender o que você deseja e ajudá-lo no que for possível. Interessa saber até se você não estaria dividido entre querer ganhar peso, mas ter medo de ficar com uma imagem pessoal pouco aceitável. Até a maneira como sua mãe se alimentou antes de concebê-lo e durante a sua gestação pode influenciar na sua saúde. Não se ganha peso comendo muito e sim comendo de modo equilibrado. São necessários macro e micro-nutrientes: proteínas, carboidratos, gorduras, vitaminas e sais minerais. Os hábitos alimentares contemporâneos são uma violação daquilo que a Natureza programou para os seres humanos. Comemos na contramão das necessidades biológicas. Observa-se em populações que comem de modo natural (dieta do mediterrâneo, por exemplo) sem o exagero dos alimentos processados, uma longevidade e vitalidade marcantes. Termino lembrando que seu corpo vai acompanhá-lo por toda sua vida. Mas quem vai decidir se terá uma longevidade saudável são seus hábitos de vida e, principalmente, sua alimentação. Depois de buscar e obter orientação especializada, você precisará apenas ser persistente e ter bom senso para usufruir longamente de tudo isso. Médico Nutrólogo
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Sônia Carvalho
Receitas para uma nutrição equilibrada A nutricionista Sônia Carvalho indicou uma receita para as pessoas que querem ganhar uns quilinhos a mais! Mas vale a pena lembrar que para engordar com saúde, é essencial que a pessoa procure um especialista da área da saúde. Assim saberá a melhor forma de obter o corpo ideal. Desjejum: 1. Leite (200ml) 2. Ensure pó (02 colheres) 3. Pão integral (02 fatias) 4. Queijo Branco (01 fatia) 5. Suco de laranja lima (200ml)
3. Macarrão ou purê (02 colheres) 4. Legumes cozidos no vapor (cenoura, beterraba, brócolis, chuchu, maxixe) e colocar 01 colherinha de azeite de oliva extra-virgem 5. Carnes cozidas ou grelhadas 6. Sobremesa (Salada de Frutas)
Lanche: 1. Iorgurte (01 unidade) ou 2. Caldo de feijão verde (200ml) ou 3. Caldo de carne (200ml) ou 4. Suco de maça + ensure pó (200ml) ou 5. Leite + pêra + ensure pó (200 ml)
Lanche: 1. Mingau de aveia (200ml) ou 2. Leite + ensure pó (200ml) ou 3. Sorvete de fruta (01 taça)
Almoço: 1. Arroz (02 colheres) 2. Feijão (02 colheres)
Jantar: 1. Canja ou 2. Sopa de feijão ou 3. Caldo de carne ou 4. Sopa de legumes Ceia: Mesmo do lanche
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Ajudando sem receber ajuda Na Capital, a maioria dos projetos sociais ligados a instituições religiosas não recebe nenhum tipo de apoio da Secretaria Municipal de Assistência Social de Fortaleza Marcelo Bloc
Quem está envolvido com algum tipo de ação social realizada por instituição religiosa sabe: raramente as atividades desenvolvidas recebem apoio de Prefeituras. “Já tentamos uma parceria com o poder público, mas é muita burocracia”, lamenta Francisco Ferreira, coordenador da Pastoral dos Idosos Carentes. Ele não leva muita fé que seu projeto possa receber ajuda de alguma instituição pública. O descrédito com os órgãos públicos faz com que os organizadores de projetos sociais sequer busquem algum tipo de parceria. “Nunca fomos atrás da Prefeitura ou do Estado. É complicado, muita burocracia”, lamenta o diácono Abraão, que coordena algumas ações beneficentes na Igreja Presbiteriana Central de Fortaleza. Mas a ausência de apoio municipal, estadual ou federal, não impede que esses projetos sigam adiante. Dois exemplos disso acontecem na Paróquia São Vicente de Paulo e na Igreja Presbiteriana Central de Fortaleza. A paróquia, localizada na Aldeota, organiza diversos tipos de trabalhos sociais. Um deles é a Pastoral dos Idosos Carentes, que existe há cinco anos. Atualmente, 43 idosos estão inscritos. “Mas sempre aparece mais gente, cerca de 60 ou 70”, explica Francisco. Organizado e financiado pelos próprios freqüentadores da paróquia - a quem chama de provedores - o projeto busca melhorar a autoestima dessas pessoas através de conversa e evangelização. Também é oferecido um lanche após as reuniões semanais e uma cesta de alimentos nãoperecíveis. Tudo que é ofertado aos idosos é arrecadado pelos próprios freqüentadores das missas. “Eu gosto demais daqui, além da ajuda com comida, eles nos trazem a palavra de Deus”, diz Dona Edite, que participa dos encontros desde o início do projeto. As reuniões acontecem às terças-feiras, após a missa das 6h30min. Providência da Igreja Outro trabalho de sucesso que não recebe apoio algum do poder público é o realizado pela Igreja Presbiteriana Central, no Centro de Fortaleza. Todo domingo pela manhã, pessoas carentes, a maioria freqüentadora da igreja, recebem ajuda de uma junta diaconal, organizada pelo Diácono Abraão. Nesses encontros, são distri-
Dona Edite recebe cesta de alimentos após a reunião semanal da Pastoral dos Idosos Carentes
buídas cestas básicas (pouco mais de 50 por semana), além de medicamentos e roupas. Organizam-se até reformas de casas e o que mais for necessário. “Já pagamos cursos de informática, gás e até passagem para quem queria voltar para o Interior. Há um controle, para que não haja má-fé. Por isso, conversamos e geralmente visitamos a residência das pessoas antes de ajudá-las”, explica Abraão. A verba do projeto provém da igreja e de doações dos fiéis. Parceria Mas há também exemplos de que pode haver uma relação de reciprocidade entre projetos sociais e órgãos públicos. É o caso do Lar Beneficente Clara de Assis, na praia de Iparana, em Caucaia. A instituição assiste à toda a comunidade, com orientações religiosa e pedagógica, e conta com a parceria do Grupo Espírita Paz e Bem e da Prefeitura de Caucaia, que cede profissionais. “Sem essa ajuda, o projeto não seria possível, não teríamos material humano”, acredita Liz Timbó, uma das coordenadoras do lar.
Serviço Paróquia de S. Vicente de Paula Fone (85) 3224.6489 Igreja Presbiteriana Central Fone (85) 3052.2525 Lar Beneficente Clara de Assis Fone (85) 3318.9508
FOTO: MARCELO BLOC
Leis para uso de dinheiro público geram burocracia A reclamação a respeito das dificuldades de se obter apoio de órgãos públicos para projetos sociais parece ter sentido. “Existe realmente uma série de regras, por se tratar de dinheiro público. Há diversos requisitos, determinados por lei”, explica a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas). A Semas coordena a Política Municipal de Assistência Social, através da implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). O objetivo é formular políticas, elaborar diretrizes gerais e identificar prioridades que deverão nortear ações visando o desenvolvimento social e a melhoria das condições de vida da população. Essas prioridades são avaliadas por uma equipe especializada, em parceria com a sociedade. A secretaria tem mais de 230 mil famílias cadastradas, somente em Fortaleza, no Cadúnico, o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. Destas, 145.932 são agraciadas pelo Bolsa Família. A Semas realiza também assessorias técnicas a entidades que solicitam a formalização de convênios. Hoje, 108 são as-
sessoradas. Há dois caminhos possíveis para que um projeto seja incluído entre os que são apoiados pela secretaria. O primeiro é através de uma emenda parlamentar apresentada por um vereador. A Semas garante não haver necessidade de algum “intermediário” com
Erlon Alves
A secretaria pode ajudar uma organização ligada à Igreja, mas que funcione de forma independente. Assessor Político da Semas
influência política para que um projeto seja agraciado. O argumento é que os vereadores têm, sim, o poder de mexer com o orçamento das secretarias, mas é a própria Semas que dá o aval final para que uma entidade seja, ou não, escolhida. O segundo caminho é a sociedade apresentar um projeto que seja julgado relevante para a comunidade. Mas não basta ter
relevância. Para que um projeto seja aprovado, além de estar regularmente escrito no Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), ele precisa preencher uma série de requisitos. O assessor político da Semas, Erlon Alves, explica que a secretaria não pode, por lei, dar apoio direto a uma instituição religiosa. Poderá apenas ajudar uma organização ligada à Igreja, mas que funcione de forma independente. Nesse sentido, a Pastoral dos Idosos Carentes se encaixaria nesse perfil, diferente do trabalho realizado pela Igreja Presbiteriana Central. Para ser contemplada, a entidade tem que ser comprovadamente sem fins lucrativos, ter CNPJ e ser uma organização não-governamental. A burocracia é tanta que a Secretaria de Assistência Social tenta descomplicar um pouco, oferecendo um serviço de assessoria técnica para ajudar as pessoas. O objetivo dessa ação é ensinar os cidadãos para efetuarem a adaptação de seus projetos para as exigências do município. Essa ajuda é oferecida pelos telefones 3105.3448 e 3105.3712.
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Fé auxilia o tratamento de jovens A religião tem sido bastante utilizada por instituições que realizam tratamento de dependentes químicos. O indíce de conversão religiosa após o tratamento chega a 10% Bruno Anderson
A religião pode ajudar no tratamento de pessoas envolvidas com drogas. Essa foi a conclusão de uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), divulgada no início de 2008. Em Fortaleza, o projeto Desafio Jovem é uma das entidades que utiliza a educação religiosa como um dos pilares para o tratamento de dependentes químicos. O projeto atende cerca de 120 jovens em dois setores: o ambulatório, que tem capacidade para 80 recuperandos, e o Núcleo de Tratamento Intensivo, que assiste em média 40 jovens. Segundo a direção do projeto, o número de pessoas que deixa de consumir drogas após o tratamento é de 30%. O indíce de conversão religiosa também é expressivo. Cerca de 10% dos pacientes voltam a freqüentar igrejas ou buscam uma nova religião. No Desafio Jovem, essas atividades são conduzidas por pastores. Os jovens internados participam, diariamente, de grupos temáticos, onde discutem valores como solidariedade, honestidade, fraternidade e tolerância. Gilberto Rebouças, coordenador do Núcleo de Tratamento Intensivo do projeto, afirma
que os temas são discutidos a partir de trechos bíblicos relacionados à vida de cada paciente. “Temos um texto da Bíblia que fala de determinado tema e fazemos uma reflexão. Começamos a perguntar o que aquele tema tem a ver com a vida dele (jovem). Trabalhamos com o livro dos Êxodos (da Bíblia), que fala da escravidão, já que eles foram escravos das drogas”, explica. Para ele, a preparação espiritual na recuperação dos jovens é importante para revigorar a fé, que muitas vezes está abalada no início do tratamento. “Ele (jovem) chega quase sem nenhuma fé, ou até mesmo sem fé em Deus. Quando ele descobre que Deus o ama, apesar de todos os problemas, percebe que ele quer ajudá-lo e, daí em diante, a parte espiritual funciona muito bem”, garante. Durante o tratamento, várias igrejas, de todos os credos, visitam os jovens, que são convidados a participar de missas, cultos e celebrações. “No final do tratamento eles podem escolher a igreja que eles desejam freqüentar”, ressalta Gilberto, que afirma que muitos dos jovens tratados hoje são pastores evangélicos. O presidente do projeto, médico Silas Munguba ressalta que, apesar de o tratamento oferecer formação cristã evangélica, os pacientes não são obrigados a se tornarem adeptos dessa religião. “Sou evangélico, mas nós não forçamos a religião, tanto que a maioria das pessoas que traba-
Opinião
A educação religiosa é uma das prioridades durante o tratamento dos internos no Projeto Desafio Jovem
lham aqui não são evangélicas. Damos a orientação religiosa, mas ninguém é obrigado a se tornar evangélico”, explica. A instituição conta com dois núcleos de tratamento: o de assistência ambulatorial, onde os dependentes participam de atividades de psicoterapia, recebem orientação cristã, freqüentam grupos nas áreas de terapia ocupacional e de temas relacionados ao cotidiano da recuperação, e o de internamento, onde são realizadas atividades de tratamento intensivo com os pacientes. Método comportamental Em Fortaleza, o Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS), mantido pela Prefeitura, também trata jovens que têm problemas com drogas. Ao contrário do Desafio Jovem, o CAPS não trabalha com educação religiosa e baseia a metodologia do tratamento em abordagens comportamentais. “Acredito que a melhor forma de tratar jovens com problemas de drogas seja com o estímulo à mudança de comportamento. Por isso, fazemos acompanhamentos e oficinas terapêuticas e abordagem comportamental. Tudo isso, com a participação da família dessas pessoas”, explica Socorro Oliveira, coordenadora do CAPS da Regional
FOTO: RAPHAEL VILLAR
III de Fortaleza. Ao longo de dois anos de trabalho, segundo afirma a coordenadora, bons resultados foram obtidos, já que muitos conseguem trabalho e voltam a estudar após o tratamento. “Muitos que terminam o tratamento são encaminhados para realizar cursos de capacitação. Atualmente, oferecemos cursos, como o de pedreiro e de cozinheiro”, diz. Além dos grupos comportamentais, atividades chefiadas por profissionais de diversas áreas da Saúde, o tratamento inclui a participação de artistas plásticos e músicos, que oferecem oficinas de arte e atividades de musicoterapia.
Recuperando a auto-estima de um dependente químico
Internação prepara para a reinserção social
O resgate das vidas de quem sofre de dependência química começa pelo próprio resgate da história de vida desse paciente. O que quer dizer isso? Simplesmente conhecer a história dessa pessoa, seus vínculos, sejam eles pessoais ou não, para que em seguida possamos trabalhar dentro dessa linha de resgate ou de construção de auto-estima. É assim que desenvolvo minha linha de trabalho quando abordo pacientes que enfrentam problemas de dependência química. Tendo como base que auto-estima nada mais é que a opinião e o sentimento que cada um tem por si mesmo, em outras palavras, é a confiança, respeito e consciência do valor que cada um tem de si, buscamos, no projeto Desafio Jovem, fazer uma reconstrução dessa confiança, desse respeito, principalmente desse amor próprio, já que quem faz uso de substâncias psicoativas, tem um comportamento suicida, que é extremamente auto-destrutivo. Muitas vezes essa auto-estima está ligada à imagem que eles têm de si, que é uma auto-imagem negativa que acaba necessitando de um grupo para-familiar que amenize sua sensação intrínseca de solidão e desamparo, pois percebemos que a prática do uso de drogas solitária não é tão comum quanto parece. Isso explica a força e influência que tem a “turma”, que passa a ser a
Na primeira fase do tratamento no Desafio Jovem, os jovens passam três meses conhecendo a doença, seus sintomas e são alertados para os riscos que ela pode causar. Na segunda fase, que dura dois meses, os internos fazem uma reflexão sobre si, para verificar os problemas que as drogas causaram em suas vidas. Na etapa final os internos são avaliados, e começam a ser preparados para a reinserção social. “Orientamos os internos no sentido de procurar empregos, fazer currículos e eleger quais suas prioridades fora do projeto. Aí ele começa a se ver mais fora da instituição”, afirma o coordenador, ressaltando que ao fim dessa etapa a equipe de profissionais se reúne para decidir se o interno está pronto para ser entregue à família. Os resultados dos tratamentos já podem ser observados, garante Silas Munguba. Ele
Jardel Santos Albuquerque
família paralela na sua vida. Entendo toda a dinâmica da personalidade de um recuperando, de alguém que teve a figura paterna ausente ou frágil, onde a falta de limites, da força de um não está totalmente ausente. Tentamos através da psicoterapia grupal e individual auxiliar o trabalho desta redescoberta, em muitos casos descoberta de o paciente adicto pode ter laços/relações saudáveis, que não somente a droga possa servir de dique de contenção para todo o seu sofrimento psíquico, pois muitas vezes é esse sofrimento que leva ao uso de drogas. Fugir da realidade passa a ser a melhor maneira de se esconder de si, para não sentir as dores que estão entranhadas na vida dessas pessoas. O resgate dessa vida perpassa pelo resgate da espontaneidade, da criatividade, de como esse recuperando possa caminhar sem as muletas das drogas. Não devemos deixar de lado o enfoque na negação e onipotência, tão característicos da “drogadição”. A psicoterapia profunda objetiva restaurar essa identidade destruída e fazer com que a família como um todo possa assumir suas dores, seus problemas, pois sem um trabalho feito juntamente com a família não podemos recuperar essas vidas. Psicólogo do Projeto Desafio Jovem
Gilberto Rebouças, coordenador do internato do Desafio Jovem FOTO: RAPHAEL VILLAR
conta casos de pessoas que hoje estão reabilitados e que ainda mantém contato com a instituição. “Tenho casos de pessoas que já foram internos e que hoje trabalham comigo, ajudando a tomar de conta dos meninos (internos)”, diz.
Serviço Projeto Desafio Jovem Av. Dede Brasil, 565 - Parangaba Fone (85) 3052.7230
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Aprendizado: os alunos aprendem a ler, escrever e corrigem textos através do jornal escolar
FOTOS: VLADIMIR MARQUES
Projeto forma jovens cidadãos O projeto Primeiras Letras, que publica jornais escolares produzidos por alunos do Ensino Fundamental I, melhora a produção textual de crianças por meio da comunicação Ana Cecília Soares e Vladimir Marques
“Você também faz parte do nosso jornal escolar”. A mensagem, endereçada aos alunos, está no mural da escola Irene de Souza Pereira, localizada no Planalto Airton Sena, em Fortaleza. A iniciativa busca o despertar dos estudantes, ao verem os textos, desenhos e poesias dos primeiros participantes, a colaborarem com a próxima edição do jornal, criado através do projeto Primeiras Letras, da ONG Comunicação e Cultura. Para isso, a primeira edição do jornal, intitulado “Diário das Letras”, está sendo distribuída em todas as séries, para que as crianças conheçam o trabalho feito na escola. “Aqueles que ainda não colaboraram de alguma forma com o jornal, esperam por isso. Eles vêem a produção dos colegas e querem fa-
zer o mesmo, pois se sentem importantes”, afirma a professora Ana Izabel Oliveira. O jornal escolar é uma oportunidade para o despertar da criatividade das crianças, como ressalta a professora Villalba Oliveira. “Para estas crianças que estão sendo alfabetizadas, entrar no mundo letrado através de seus textos no jornal é muito importante. A produção faz com que a criança organize melhor as idéias, melhore na escrita”. Participação A avidez por participar é tanta que o diretor da escola, Wallace de Oliveira, afirmou que teria material para cinco edições do jornal escolar: “O jornal é uma ferramenta de aprendizado maravilhosa. É uma pena possuir apenas quatro páginas. Recebemos tanto material que poderíamos produzir cinco edições”. Cada escola produz seu próprio jornal, que circula várias vezes ao ano. A vice-diretora Marilac Soares informa que ao dia 10 de cada mês a escola precisa entregar textos para a produção de uma nova edição: “A meta é produzir
quatro jornais por ano. Esperamos conseguir essa meta. É importante para a escola esta participação. Já estamos selecionando textos para a edição seguinte”. A ONG Comunicação e Cultura, que criou a iniciativa, é também local onde são feitas as impressões, em papel jornal, que podem variar em número de páginas (ofício, duplo ofício ou meio ofício). Interação O sorriso no rosto das crianças é visto quando perguntadas sobre sua futura participação no jornal da escola. Em turmas de 35 alunos, praticamente todas as crianças querem escrever textos, poesias e desenhar no jornal escolar. A aluna Amanda Lemos, de sete anos, diz que sua escola anterior não tinha o jornal, portanto, é uma novidade e importante participar. Alex Morais, de sete anos, ainda está aprendendo a ler, mas seus pais lêem os textos para ele. “Ele gosta muito dos desenhos, pois entende”, afirma a coordenadora do projeto na escola, Cinara Pinheiro. Ela afirma que as famílias aco-
lhem a escola e os pais valorizam muito o jornal escolar. “Com trabalhos como estes, a escola se torna bem vista pelos pais, pela comunidade, pois o primeiro número do nosso jornal retrata temas como a dengue, que está virando uma epidemia no país”. Cinara relata com orgulho a participação da escola na gincana entre as escolas estaduais sobre a dengue. Os relatos foram publicados no jornal escolar, quando os alunos visitaram 40 casas na vizinhança. “A escola ficou em terceiro lugar em sua primeira participa-
ção, os alunos informaram de casa em casa a importância e cuidados sobre a dengue, pois o bairro é pobre e o risco de casos da doença é maior”. A violência também foi tema retratado no jornal escolar. Um aluno desenhou um assalto à escola, e em seu texto diz que há muita morte no bairro. Cinara afirma que a escola foi assaltada pelo menos seis vezes ano passado. “O jornal retrata a realidade das crianças, de suas famílias, é um jornal feito para a comunidade, para a formação delas como cidadãos”.
Enquete
Como foi participar do jornal ? “É muito importante participar da edição do jornal, porque trata de diversos assuntos. Nos informamos através dele e aprendemos sobre a realidade da comunidade. É legal ver nosso texto e ser reconhecida pela participação. Ana Jéssica 14 anos, 8º ano
“O jornal nos inspira a estarmos mais informados para podermos participar. É um meio de nos informar, estudar e produzir textos. É legal ver seu nome no jornal e se tornar conhecido na escola. Espero participar da próxima edição”. Caike Martins 14 anos, 8º ano
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Comunicação e Cultura em defesa da educação participativa Fundada em 1988, pelo sociólogo Daniel Raviolo, a Organização Não-Governamental (ONG) Comunicação e Cultura tem o objetivo de desenvolver atividades e projetos junto às escolas (principalmente públicas), para melhorar a qualidade de vida de crianças e adolescentes. Assim, contribui com a formação cidadã dos futuros adultos. A sua história se cruza com a da Associação de Moradores do Bairro Mucuripe. Em 1987, a associação solicitou a ajuda da ONG para colaborar na publicação do jornal da comunidade. Este fato levou a Comunicação e Cultura realizar uma série de pesquisas e ações envolvendo mídia impressa popular. Em junho de 1991, foi lançado o projeto Jornais Comunitários Associados, com o intuito de facilitar a publicação de jornais populares editados nos bairros da Região Metropolitana de Fortaleza. A partir daí, pode-se dizer que nasceu oficialmente a ONG Comunicação e Cultura. Três anos depois, a instituição passou a priorizar o traba-
Capacitação realizada com professores do Ensino Fundamental I
lho no contexto escolar, considerando a comunicação e a liberdade de expressão como ferramentas importantes para o aprimoramento dos processos pedagógicos e para a própria mudança institucional da escola pública. A ONG é declarada de Utilidade Pública Municipal (For-
FOTO: ARQUIVO DA ONG
taleza), Estadual (Ceará) e Federal. Para desenvolver seus projetos, conta com o apoio da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Instituto C&A, Unesco, Unicef, Oi Futuro, BNB, BNDES. Além disso, está ligada às redes e articulações de ONG’s, como a Rede Jornal Escola;
Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG); Fórum Cearense pelos Direitos da Criança e do Adolescente; Fórum ONG’s AIDS Ceará; Campanha Nacional pelo Direito à Educação; Fórum de Enfrentamento à Violência contra a criança e o Adolescente. Atualmente, desenvolve os projetos: Clube do Jornal, Primeiras Letras e Jornais Juvenis Associados. O primeiro apóia a publicação de impressos estudantis editados com autonomia por adolescentes do Ensino Médio. Já o segundo publica jornais escolares produzidos por crianças do Ensino Fundamental I. O projeto Jornais Juvenis Associados é o mais recente de todos, foi criado em 2007. Ele tem o intuito de difundir o jornal juvenil pela cidade e democratizar os meios de comunicação em Fortaleza. A iniciativa promove a formação de 20 grupos de jovens dispostos a criar e produzir jornais comunitários como instrumentos de expressão e de mobilização social.
Jornal une escola e comunidade Em 1998, a Comunicação e Cultura pôs em prática o projeto Primeiras Letras. Por meio dele, crianças da 1ª à 5ª série do Ensino Fundamental I passaram a ter seus textos e ilustrações publicadas nos jornais de suas escolas. Cada uma delas tem seu próprio impresso, que circula várias vezes ao ano. A reprodução em papel jornal é realizada pela própria ONG. Segundo Maria Fátima Barbosa, Coordenadora Pedagógica do Município de São Gonçalo do Amarante e Membro da Equipe de Disseminação do projeto, o jornal escolar é um instrumento importante que une escola e comunidade. “O jornal faz a convivência e o cotidiano da escola penetrar na comunidade. Quando esta conhece o que a escola está fazendo, acontece a participação e, portanto, fortalecem-se laços”. Em 2007, o projeto beneficiou 448 escolas públicas de Ensino Fundamental no Ceará. Ao todo, foram 366 títulos diferentes e 1.058 edições, com 694.457 exemplares de tiragem total. Ele está presente em 24 municípios do Ceará (incluindo Fortaleza) e outros 16 no Rio Grande do Norte. Desde o final do ano passado, o Primeiras Letras se encontra em processo de expansão por todo o Nordeste.
As Secretarias Municipais de Educação recebem apoio para implantar o projeto em suas escolas. A ONG Comunicação e Cultura oferece além do co-
financiamento do projeto, a capacitação, a impressão dos jornais, o material pedagógico e a monitoria do andamento em cada escola. A contrapar-
tida financeira das Secretarias pode variar entre R$ 1,30 a 3,00 por aluno/ano, de acordo com o número de escolas e tiragens dos jornais.
Saiba mais...
Municípios e escolas parceiras do primeiras letras Ceará 24 Municípios
Nº de escolas Total: 512
Seridó – RN 16 Municípios
Nº de escola Total: 57
Entrevista
Educador destaca importância do Projeto
Professor Ivanilo: “jornal escolar é importante para melhorar a auto-estima das crianças” FOTO: ARQUIVO DA ONG
Desde 2002 no projeto, o professor Ivanilo de Oliveira, da Escola Antonio Luiz Coelho, na localidade de Amanari em Maranguape, conta como o jornal escolar amplifica os debates da sala de aula. Jornal Sobpressão - Que importância você atribui ao Projeto Primeiras Letras? Ivanilo de Oliveira - Ele é importante porque serve de auxílio ao trabalho de ensinoaprendizagem do professor, além de propiciar a integração da escola com a comunidade local. JS - Como é o processo de elaboração do jornal? IO - O jornal inicia com a discussão dos professores e coordenação pedagógica da escola, dos assuntos que serão trabalhados com os alunos. Esse é o momento de definir a pauta da edição. Em seguida, os alunos iniciam a escrita das matérias, com o apoio dos professores. Depois, é feita a seleção dos melhores textos para serem diagramados. JS - Participar do projeto mudou alguma coisa na sua maneira de ensinar? IO - Para mim, o jornal representa “esse apoio” no sentido de que algo que aconteça dentro da sala de aula pode ultrapassar os muros da escola e contribuir para informar e formar a qualquer pessoa que o leia. JS - O que o jornal representa para as crianças? IO - Melhora a auto-estima dos alunos ao verem seus textos publicados. Aos que apresentam mais dificuldade de aprendizado, percebo que a publicação de seus textos funciona como um prêmio conquistado.
Serviço Comunicação e Cultura Fone: (85) 3455-2150 www.jornalescolar.org.br
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Sexo sem vergonha Fantasias e desejos se misturam quando o assunto é sexo. No entanto, apesar de toda atenção que o assunto atrai, um fator é revelado quando o erotismo está em pauta: a timidez Larissa Teixeira e Talita dos Santos
A maior abertura para falar sobre sexo e fantasias sexuais conquistada ao longo dos últimos anos ainda não foi o suficiente para garantir a superação da vergonha de muitos. Elisabeth Andrade, proprietária do sex shop Via Libido, diz que isso se deve ao preconceito que ainda hoje é grande. “Há toda uma mística em torno do sex shop. Tem pessoas que pensam que ao entrar aqui tem que tirar a roupa ou que aqui vende droga.” Segundo os vendedores do sex shop Anjo Sado, os freqüentadores em sua maioria são mulheres. Elas driblam a vergonha e procuram, entre as novidades que as lojas oferecem, um artigo especial para apimentar ou até salvar a relação. Os vendedores e gerentes das lojas empenhamse em ajudá-las nessa empreitada. “A gente tenta tirar (saber) do cliente o que ele precisa, o produto que vai ser melhor indicado para sua necessidade”, declara Elisabeth. Privacidades Para não expor o cliente, muitos sex shops desenvolvem meios de atendimento mais discretos, que “poupam” a imagem dos compradores. Há venda através do site, que garante a entrega dos produtos em casa. Porém, os vendedores em geral aconselham que a compra seja feita pessoalmente, para que o produto seja melhor avaliado. Para aqueles que têm receio de serem encontrados no local, também existe a possibilidade da loja ser fechada temporariamente para atendimento exclusivo. Outra forma de satisfazer o consumidor é o atendimento delivery, no qual o produto é escolhido através de catálogos e entregue para aqueles que preferem esperar em casa ou próximo a loja. Entre essas tentativas de aproximar os clientes e o anseio por soluções para o relacionamento, acaba-se criando
uma amizade entre vendedores e consumidoras. Segundo Leidson Bandeira, 23, Gerente Administrativo do sex shop Anjo Sado, as clientes que procuram a loja acabam ficando amigas dos vendedores. “Elas se abrem (conversando sobre suas relações). Falam o que está acontecendo e perguntam o que podem fazer para melhorar.” Além dos sex shop existem outros lugares procurados por pessoas que desejam “liberar suas fantasias”, como os cinemas pornôs. A maior parte deles funciona no centro de Fortaleza e ao contrário do que muitos pensam não é uma atividade noturna. Segundo o jornalista Raimundo Madeira, que estudou o tema dos cinemas pornôs para sua monografia, o funcionamento das salas era predominantemente diurno, chegando a funcionar no máximo até as 21 horas. Não é possível informar com precisão a quantidade de cinemas pornôs existentes em Fortaleza, pois o Departamento de Fiscalização, órgão responsável pelo fornecimento desses dados, não possui controle sobre esses números. No ambiente do cinema pornô não existe sessão, o filme é transmitido de maneira ininterrupta, afirma Madeira. A película é apenas um detalhe, num local onde as pessoas vão para estabelecer
Fantasias: os sex shops oferecem diferentes artigos para satisfazer os desejos dos clientes
Depoimento
O desejo do prazer ajuda a superar a vergonha Fui ao sex shop por curiosidade. Tinha vontade de conhecer o local, os produtos e, apesar da vergonha, eu queria arrumar meios de melhorar a relação. Meu namorado mora fora e viria me visitar. Então eu pensei em fazer uma surpresa e decidi comprar uma lingerie diferente. Lembro que, nas primeiras vezes que fui a uma loja assim, eu entrava de cabeça baixa, não chegava nem a olhar para o rosto da vendedora de tanta vergonha. Era constrangedor saber que havia pessoas me vendo entrar e sair daquele local. Depois de algumas visitas a sex shops diferentes, eu acabei perdendo a vergonha. Fiz até amizade com alguns vendedores. Eles me ajudaram muito. Eu falava minhas curiosidades e logo eles arrumavam a solução para tudo. Foi assim que indiquei essas visitas para todas as minhas amigas. E foi assim também que a relação delas com seus respectivos namorados melhorou. A melhor parte foi quando comecei a freqüentar esses locais com meu namorado. Nós decidíamos juntos o que iríamos comprar. O que posso dizer é que valeu a pena. E o bom é que esse mercado não tem fim, sempre tem algo novo para vender. E desse jeito se perde a vergonha e se descobre como viver melhor uma das coisas mais prazerosas da vida. Amanda, 22 anos (nome fictício)
vínculos com desconhecidos. O público gay é predominante, entretanto, os filmes exibidos são de caráter heterossexual, para que as pessoas que entrem no local não sejam imediatamente taxadas como homossexuais. Além dos filmes, os cinemas eróticos também oferecem serviço de bar e cabines para práticas sexuais. Segundo o jornalista, a presença feminina é rara, e quando ocorre é acompanhada de uma figura masculina, por isso, torna-se difícil reconhecer os casos de prostituição. Para quem teme a exposição ou sente vergonha de ser visto em locais como sex shop ou cinemas pornôs, há a possibilidade de alimentar suas fantasias através de revistas de conteúdo adulto. É o caso de Marcos Aurélio, 26, que compra revistas mensalmente. Segundo ele, a privacidade é um fator que o faz
FOTO: RAPHAEL VILLAR
optar pelas publicações. De acordo com Moacir Rocha, funcionário da Banca Iguatemi, a venda desse tipo de publicação é responsável por 20% do faturamento do comércio. Dentre essas revistas, as de maior saída são Playboy e Sexy. Conforme a revista Playboy, esses produtos apresentam conteúdo voltado ao público masculino, atrai principalmente faixa etária que varia de 20 a 39 anos e tratam de temas diversos incluindo sexo. Sex shop, cinemas pornôs, revistas eróticas, festas hedonistas (que estimulam a busca pelo prazer): cada vez mais surgem novas formas de se obter prazer. Entretanto, a sociedade contemporânea ainda trata o sexo como um tabu. Porém, o interesse pelo sexo estimula uma procura crescente pelas mercadorias eróticas, mesmo que isso signifique uma busca de forma sigilosa.
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Fortaleza, a segunda capital do swing Na busca pelo prazer, muitos procuram inovar. Direcionadas a esse público são realizadas as festas de swing, onde casais trocam de parceiros para apimentar a relação. A procura pelas festas de swing é grande, sendo Fortaleza a segunda capital do Brasil mais procurada pelos casais liberais, afirma Tom Heffner, promotor deste tipo de festa. Em Fortaleza, essas festas ocorrem nas boates Babilônia, Kubalada e Mansão Heffner. Idealizadores desses eventos, o casal de promoteres Tom e Kátia Heffner afirma que esses locais são voltados para “casais bonitos, inteligentes e com uma faixa etária que varia de 24 a 45 anos.” O casal organiza festas de swing há nove anos. Os eventos acontecem de quinta-feira a sábado, todas as semanas com uma média de freqüentadores de 60 a 250 casais por festa. Os preços dos ingressos variam de acordo com o local de realização dos mesmos e podem custar de R$ 20,00 a R$ 250,00 por casal. Segundo Heffner, a maioria dos casais participantes são casados ou possuem uma re-
quem é prostituta ou não, mas quem tem experiência nesse meio sabe reconhecer”. A exigência por discrição não tem sido um empecilho para o crescimento do mercado das festas de swing, que de acordo com o promoter tem sido um segmento bastante rentável tanto que ele tem como meta a construção de um Grande Hotel Hedonista na praia do Icaraí e de uma Lounge House no Eusébio para que haja o desenvolvimento ainda maior desse tipo de evento. (Larissa Teixeira, Talita dos Santos)
Serviço Tom e Kátia Heffner www.swingceara.com.br www.privefest.com.br Prazer intenso: compartilhando fantasias em grupo com discrição
lação afetiva estável, sendo altamente discretos e sigilosos. Não é permitida a presença de homossexuais e prostitutas. Segundo Eliana Souza, 29 anos, o swing chega a salvar alguns casamentos. “Muitas vezes a mulher tem fantasias com esse tipo de festa e o homem a leva para satisfazê-la, assim a paixão reacende”, afir-
FOTO: DIVULGAÇÃO
ma a freqüentadora. Em contrapartida, Eliana, que é veterana nesse tipo de evento diz: “são pessoas bonitas e bem vestidas, mas sempre há prostituição nesse tipo de local. Lá, de 50 pessoas, 20 são casadas, 10 são curiosos e 20 se dividem entre mixês e garotas de programa. Não tem como uma pessoa leiga saber
Playboy www.playboy.abril.com.br Locadora King Vídeo Av. Bezerra de Menezes, 1606 Fone: (85) 3281.0031 Distrivídeo Av. Washigton Soares, 4000-A, loja 7 Fone: (85) 3273.2788 Anjo Sado Avenida Barão de Studart, 165 Fone: (85) 32486112 Via Libido Sex Shop Avenida Abolição, 2427 Fone (85) 32429595
Desejo insaciável e transtorno sexual Impulsividade, obsessão, insegurança, dependência, abstinência. Geralmente associa-se esses sintomas à dependência química de drogas, sejam lícitas ou não. Mas esses estados físicos e psíquicos do ser humano também estão ligados a um distúrbio grave, o Impulso Sexual Excessivo, ou Dependência Sexual Hiperativa. Homens e mulheres podem sofrer do transtorno, caracterizado por forte compulsão pelo ato sexual e pela inconstância e alta rotatividade dos relacionamentos amorosos de dependentes. As conseqüências desse distúrbio podem se tornar graves, como um grande risco de se contrair Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). Ao tentar reprimir o desejo, o dependente pode ficar tenso, depressivo e até agressivo. Além da possibilidade de se apresentar diferentes níveis da hiperatividade sexual, como masturbação excessiva e prostituição, e o comportamento perverso, como exibicionismo, voyeurismo, pedofilia e estupro. Popularmente conhecido como ninfomania, o termo remete ao transtorno sexual compulsivo apresentado por mulheres. Nos homens, o transtorno se denomina donjuanismo. Segundo o psicoterapeuta Ciro Goiana Memória, atualmente não há tanta diferença de comportamento da ninfa para o donjuan. Ambos
Locação de filmes pornôs leva clientela às locadoras
são caracterizados pela compulsão sexual que visa o relaxamento, como se fosse um cigarro ou drogas. Sexo como afirmação Memória contou que as ninfas se utilizam do sexo mais como fonte de abastecer a auto-estima do que em busca do próprio prazer. “Elas raramente tem tanto prazer quanto anunciam, mas utilizam-se do sexo como forma de ser reconhecida dentro de um ciclo e faz isso para se manter bem”, completou o psicoterapeuta. “Se o homem não diz que a mulher faz um bom sexo, ela não fica satisfeita e sai a procura de parceiros para provar o seu potencial”, diz Memória. Nos homens, o prognóstico é o mesmo. Eles buscam ser bons no sexo em busca de reconhecimento, o que algumas vezes acaba sendo valorizado por amigos ou familiares. Memória relatou que muitos pais valorizam os filhos que possuem muitas mulheres, o que acaba dando a idéia de que o donjuanismo é normal ou até mesmo banalizando o que na realidade realmente é um transtorno. Auto-controle Por mais que a ninfa ou o donjuan tomem medicamentos para controlar a compulsão, Memória registrou que o melhor a se fazer nesses casos é procurar um terapeuta que consiga
Ninfomania: as ninfas representavam a luxúria na mitologia grega
mudar a rotina do dependente, para que canalize suas energias em outra coisa e não sofra tanto com o transtorno. Uma alternativa para a terapia do distúrbio sexual é freqüentar grupos que discutem e tratam coletivamente o vício. Similar ao Alcoólicos Anônimos (AA), existe a Irmandade Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (DASA), que utiliza
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os mesmos princípios de recuperação do AA, a prática dos 12 Passos para a sobriedade pessoal. Fundada em 1976 nos Estados Unidos, a Irmandade recebe pessoas de qualquer idade e orientação sexual que apresentem algum comportamento obsessivo/compulsivo, tanto sexual quanto emocional. (Diego Benevides e Monique Linhares)
A seção erótica garante a atenção dos clientes nas locadoras FOTO: DIVULGAÇÃO
Quando o assunto é sexo existem diversas maneiras de liberar suas fantasias. Uma forma bastante convencional é a locação de vídeos pornôs. Para isso, as locadoras fornecem as mais diversas opções para satisfação dos seus clientes. Segundo Vanessa Bruno, atendente da locadora Distrivídeo, a procura pelos filmes eróticos varia de acordo com o dia e com o perfil do próprio cliente. “A procura é equilibrada, tanto homens quanto mulheres procuram esse tipo de filme”, declara. E quem pensa que o expectador dessas produções não é exigente, se engana. A atendente afirma que existem clientes que buscam novidades no mercado do cinema pornô e que muitas vezes procuram filmes de um determinado diretor porque gostaram do trabalho dele. Por isso, a importância de uma seção desse tipo ser mantida pela locadora. Discrição Mas há lojas que criam espaços exclusivos para esse público. Na locadora King Vídeo, por exemplo, existe uma sala reservada para as películas de conteúdo erótico. A sala serve como uma “proteção” para o público que procura a seção, pois é possível escolher os filmes com maior privacidade e ainda evita o contato de menores de idade com as películas de conteúdo erótico. De acordo com José Augusto, gerente do local, além da discrição há uma grande preocupação por parte da locadora em manter distância entre a seção de filmes pornôs e o público menor de idade que freqüenta o estabelecimento. Segundo o gerente, os clientes que buscam esse conteúdo variam entre 18 a 40 anos de idade e em sua maioria é do sexo masculino, declara. Em relação à locação de vídeos pornôs, o gerente afirma que a procura já foi maior, talvez o crescimento do número de locadoras nos bairros e o fácil acesso a esse tipo de filme tenha diminuído a procura.
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Já pensou em ter alguém para te acompanhar nas melhores festas, jogar conversa fora e até te ensinar a dançar? O personal dancer pode ser a sua companhia Marina Mamede e Janaína Holanda
O
nome pode soar estranho, personal dancer. Em bom português, seria dançarino particular. Relativamente recente, a atividade ganha impulso nas noites cearenses. Personal dancer é o dançarino ou a dançarina, de qualquer idade, que conhece bem todos (ou quase todos) os ritmos e que é pago para acompanhar clientes em uma festa. Pode ser em um baile, boate e até mesmo em uma festa fechada. Em alguns casos, o profissional é contratado pela própria casa noturna para dançar com os freqüentadores. Mas os notívagos também podem contratar esses profissionais. O valor do serviço pode variar de 60 reais a 150 reais por noite, além do transporte, consumação e couvert artístico. No momento em que o dançarino quer pedir algo para comer ou beber, ele fala discretamente para sua dama. O contrato pode ser acertado numa academia, se for cadastrado, ou via particular, direto com o profissional. Uma opção para quem está com pouco dinheiro, mas não
Sempre cheio: dançarinos e damas lotam o salão. Elas não perdem tempo, dançar é o que importa
FOTO: LAURÊNCIO LIMA
Profissão para os aman quer deixar de dançar ou quer dançar apenas alguns ritmos, é a ficha. Com ela, a dama combina com o personal dancer o ritmo que ela quer dançar, ou convida-o para a dança no momento oportuno. Cada ficha custa um real e dá direito a uma música. Para amantes da dança de salão, contratar um profissional pode ser a única garantia de ter alguém para dançar o tempo inteiro. A advogada Ceiça Fiuza, 60 anos, é freqüentadora dos bailes mais conhecidos de Fortaleza. Sempre gostou de trabalhar com o corpo, desde pequena foi esportista e gostava de dançar. “Eu esperava a hora da troca de pares no São João para poder dançar com outras pessoas [já que sua mãe só a deixava dançar com o pai]. A dança sempre foi minha válvula de escape”. Ceiça faz todo o circuito da dança, indo para os clubes mais conhecidos. Segundo ela, não são todos os dançarinos que conseguem segui-la, afirmação feita também por alguns deles. Outra participante ativa do circuito da dança de salão de Fortaleza é a dona de casa Fátima Bonfim, 55 anos. “Dançar pra mim
A animação é garantida por Fonseca Jr e Banda
é um orgasmo! Um orgasmo longo!”, revela. A socióloga Monalisa Dias, que tem como objeto de estudo da sua pesquisa de mestrado a dança de salão, explica que o dançarino Carlinhos Araújo foi o primeiro a disponibilizar os dançarinos para o contrato. Somente depois é que eles começaram a abandonar o vínculo com a academia e tornaramse autônomos. Segundo Monalisa, o perfil deles é de rapazes de vinte, trinta anos, a maioria possui Ensino Médio. Quando fazem faculdade tendem a escolher o curso de Educação Física para
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dar continuidade ao trabalho ou fazer algo relacionado com a dança. Alguns atributos são importantes para que uma dama se interesse por eles. Geralmente já são da personalidade dos dançarinos, como a simpatia, vaidade e bom gosto ao se vestir. Melhor idade Samba de gafieira, pagode, samba-rock, bolero, salsa, mambo, merengue, fox, tango, valsa, soltinho e o tradicional forró pé-de-serra são os ritmos que embalam os bailes da melhor idade. Essas músicas são divididas em blocos, para que
cada um possa dançar o ritmo que mais lhe agrada. No salão não se vê brigas nem bêbados. O Ceará oferece bailes de terça a domingo em diversas casas de shows e restaurantes. Os mais conhecidos são o Alpendre da Vila, Círculo Militar, Oásis, BNB Club e Mandacaru. A terça-feira é o dia mais movimentado no Alpendre da Vila, restaurante visitado pela reportagem do Sobpressão. O clima de aconchego quando se entra no restaurante Alpendre da Villa começa a se delinear assim que avistamos a fachada. Uma casa de madeira com decorações de pratos de porcelana, localizada ao lado de um grande moinho. Você se sente numa fazenda. Ao entrar, mesas são dispostas embaixo de quiosques de palha. Do lado esquerdo, há um salão de dança com um chão de granito e um gramado. Alguns espaços são cobertos, outros abertos. Os muros estão decorados com trepadeiras criando um clima de natureza. O barulho exterior não entra, o único som é da música que embala os dançarinos e das risadas alegres de quem está desfrutando o momento. O salão fica cheio
e mesmo quem não está dançando se imagina no clima de dança e diversão do ambiente. É costume ver as mulheres deixando suas bolsas nas mesas para se deliciarem com o prazer que a dança proporciona. O baile começa às 20h30 e vai até 23h30. Às 8 horas fica praticamente impossível pegar uma mesa na parte coberta, já que a maioria delas é reservada Os dançarinos e suas damas chegam cedo. As senhoras de 80, 90 anos costumam contratar os mesmos profissionais, e ao contrário do que alguns podem imaginar, elas são umas das mais agitadas na pista. Os dançarinos de ficha, assim que chegam, vão falar com as damas que estão disponíveis e oferecem, de uma forma sutil, seu trabalho. Durante a festa, eles ficam do lado da pista esperando ser contratados para uma dança ou para a noite toda. De vez em quando eles voltam a falar com as damas, sempre de uma forma brincalhona e respeitadora. A banda ajuda os dançarinos que ainda não foram contratados, anunciando a presença deles. Os freqüentadores são quase sempre os mesmos. Assim,
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Personal Ruy conduz a dama pelo salão do restaurante Alpendre
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Serviço personalizado
ntes da dança
No salão: personal dancer garante diversão para muitas mulheres
criar amizade entre eles é fácil. Na pista de dança é normal que ao se cruzarem, mesmo que estejam dançando, os casais falem uns com os outros. O espaço entre as mesas também é usado para dançar, já que o salão principal tornou-se pequeno para o público que é grande. Existem também os homens desacompanhados, senhores de terceira idade que não têm uma acompanhante fixa. Quando estão sem dama, eles andam pelo salão atrás de um par, o convite é logo aceito por elas. Pessoas casadas, mesmo em número menor que as solteiras, comparecem para pas-
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sar uma noite agradável e se mostram boas dançarinas. Festa particular O público e os dançarinos costumam comemorar seus aniversários lá. A equipe presenciou seis aniversários na terça-feira em que compareceu. Na hora do intervalo do Fonseca Jr e Banda, por volta das 22h30, é anunciado o nome dos aniversariantes. Nesse momento, os convidados de cada mesa fazem uma festa com direito a aplausos e até mesmo grito de guerra. Cada aniversariante leva bolo, sopra as velinhas e divide com todos.
Segundo Stenio Ferreira Marinho, dono do Alpende da Vila, a dança transformou o restaurante dele em um baile. “Nós estávamos procurando uma coisa pra movimentar mais a casa, e aí chegamos à idéia que a dança poderia atrair um público bom pra cá. A dança começou devagarzinho e a história foi se espalhando, um dizendo pro outro. Nunca fizemos propaganda”, explica. Antes eram disponibilizados dois salões cobertos, depois que o público da dança chegou, uma reforma foi feita para que ficasse apenas um salão central. Segundo Stendio, não existe nenhum vínculo dos dançarinos com a casa, basta chegar e começar a fazer seu trabalho. A casa os deixa à vontade. O sábado é o dia do Dança Comigo no Círculo Militar, tradicional festa de Fortaleza há mais de dez anos. Segundo a administradora de eventos do Círculo Militar, Giovana de Lima, o local é muito freqüentado pelo público da terceira idade, que capricha no visual para as festas promovidas pela casa. As atrações já são conhecidas dos clientes: Orquestra Os Brasas e Fonseca Jr. e Banda.
Cresce a tendência para serviços exclusivos, apontando novas oportunidades para diversas especializações O termo personal significa na sua tradução para o português algo pessoal, individual, particular. No Brasil, o profissional que faz esse tipo de serviço, personalizado, ainda continua com o nome de origem, em inglês. O trabalho personal surgiu nos Estados Unidos com o intuito de possibilitar maior privacidade às estrelas hollywoodyanas. No entanto, há registros históricos de que esse tipo de trabalho existe desde a Grécia Antiga. Consistia em auxílio a soldados, ajudando-os a torná-los aptos a tarefas de guerras. Esse novo mercado aberto pelo personal se deve à crescente conscientização de empreendedorismo da população brasileira, ou seja, os profissionais não querem mais ficar vinculados e depender de alguma empresa para fornecer seu
trabalho. Junto a isso, o mercado de trabalho já não estava conseguindo absorver os profissionais especializados. O desejo das pessoas de chegarem à perfeição abriu espaço para esse novo tipo de profissional. Se não se sabe fazer alguma coisa, é só contratá-lo para ensinar ou até mesmo fazer, como por exemplo, um jantar romântico. Como é um profissional especializado e seu tempo é dedicado a poucas pessoas, seu serviço é mais caro. No entanto, a lei da oferta e da procura é a que rege esse mercado. O termo e sua idéia se espalharam rápido. Hoje se pode encontrar vários serviços de personal, dentre eles: personal diet, nutricionistas que criam dietas personalizadas; personal stylist, ajuda a você escolher seu figurino de acordo com a sua personalidade com o auxílio da moda; personal friend para aquelas pessoas que não têm alguém para ouvi-las.
Dicas
Dance bem sem exigir xigir muito do seu parceito eito Respeite quem já está na pistaa e ocupe um espaço disponível na mesma; Não repouse o corpo sobre o parceiro; Não mexa excessivamente os ombros; Durante a dança, não execute movimentos em que as pernas se abram excessivamente; Não deixe os braços muito abaixados nem acima dos ombros; Alguns ritmos exigem uma ginga maior, no entanto os movimentos com um requebrado mais acentuado, na maioria das vezes, devem ser executados pela dama; Não dance com as mãos, esquerda (o cavalheiro) e direita (a dama) abertas, nem com os dedos entrelaçados; Não olhe para os pés enquanto estiver dançando.
Serviço Boate Oásis: Av. Santos Dumont, 6.061. (85) 3234-4970 Restaurante Alpendre da Villa: Rua Armando Monteiro, 555. (85) 3272-3555 / Círculo Militar: Rua Canuto de Aguiar, 425. (85) 3242-3442 BNB Clube: Av. Santos Dumont, 3646. (85) 4006-7200
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Quando dirigir é um problema Tirar a carteira de motorista nem sempre é garantia de dirigir bem. Para alguns, estar no trânsito é sinônimo de insegurança e até pânico. A solução é buscar tratamento Jackson de Moura e Talita dos Santos
O coração acelera, a boca fica seca, as pernas tremem, as mãos começam a suar. Esses são os sintomas mais comuns das pessoas que sofrem de pânico de dirigir. Surpreende o fato da maioria delas já possuir a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Em 2003, a psicóloga Cecília Bellina realizou uma pesquisa com duas mil pessoas para traçar o perfil dos motoristas com o pânico, desses apenas 100 não possuíam a CNH. A pesquisa foi realizada em São Paulo, onde a psicóloga desenvolve um trabalho terapêutico e prático com condutores que apresentam pânico de dirigir. Os resultados também mostraram que 95% dos motoristas com a fobia eram do sexo feminino, 85% tinham veículo próprio e 50% possuíam alguma graduação. Segundo Bellina, a personalidade do indivíduo está diretamente ligada ao desenvolvimento da fobia num condutor. “São pessoas perfeccionistas, que não gostam de ser criticadas, nem de errar na frente dos outros”, afirma a psicóloga. A realidade do condutor cearense com a fobia equipara-se aos dados de São Paulo. Segundo Altamir Aires, idealizador do curso Pânico de Dirigir, das quarenta e duas pessoas que fazem o curso apenas quatro são homens e todas têm CNH. Medo A fobia ou pânico de dirigir é um medo desmedido, irracional, provocado antes mesmo da pessoa estar ao volante. Mas “o medo gradativo nos faz bons motoristas, nos tornando mais prudentes no trânsito. Já o pânico causa ansiedade num grau elevadíssimo, é um medo exagerado e fantasioso”, distingue José Wagner de Paiva, presidente da Associação dos Psicólogos de Trânsito do Ceará. Paiva afirma que as pessoas com a fobia encontram-se com baixa auto-estima e num estado de insegurança. Para ele, a primeira coisa a ser trabalhada é levantar auto-estima da pessoa, mostrando a capacidade que ela tem de dirigir assim como ela desempenha suas outras atividades. Insegurança é o sentimento de Adriana Silva (nome fictício), de 20 anos. Ela passou na primeira vez no exame para
Pânico de dirigir é um problema grave para algumas pessoas que precisam se deslocar no trânsito
tirar a CNH, mas não se sente à vontade para dirigir. “Achava que era medo de principiante e que, com a prática, eu ia me sentir mais tranqüila. O fato é que eu não tenho coragem nem para praticar”, conta. A impressão de que uma tragédia vai acontecer acompanha a mente de Adriana cada vez que ela se propõe a voltar ao volante. Ela teme ocasionar um acidente de trânsito. Apesar de há um ano conviver
com a fobia de dirigir e sofrer por ser dependente dos outros para se locomover, ainda não procurou tratamento. “Talvez uma terapia, num divã, um negócio mais tradicional, funcionasse melhor. É terrível ter o carro, ter a carteira e não ter a coragem de dirigir. Você se sente um inútil, um incapaz!”, afirma Adriana. Altamir Aires ressalta que as pessoas com o pânico que conseguem tirar a CNH apren-
FOTO: RAPHAEL VILLAR
deram só o básico e atribui isso às auto-escolas. “Eu acho que a fobia é gerada pelo sistema que é falho, que é obsoleto, com instrutores mal-preparados. Se você aprende mal, você vai se desenvolver mal”, garante. Para Clayton Batista, presidente do Sindicato das Auto-escolas do Ceará, “não é missão da auto-escola, nem de nenhuma pessoa não reconhecida pelo conselho regional de psicologia analisar, como psicólogo,
a situação do aluno”, afirma. Ele reforça que a pessoa que sofre de pânico de dirigir deve procurar, primeiramente, um psicólogo. Ainda para Altamir, as 15 aulas exigidas na auto-escola são poucas e contribuem para que o aluno aprenda a dirigir com limitações. Para Batista, “falta mais rigor na legislação de trânsito, e algumas coisas precisam ser revistas e aplicadas”.
Dicas
Como perder o medo do volante A fobia de dirigir afasta muitas pessoas do volante. Porém, as técnicas que propõem tratar a fobia no volante diferem quanto à relação entre o aluno e o veículo. A psicóloga Cecília Bellina faz uso da psicologia comportamental, utiliza a técnica de enfrentamento, ou seja, o aluno enfrenta a situação que gera desconforto, no caso, o ato de dirigir. Mas para isso são necessárias algumas sessões de terapia (conversa) para diagnosticar qual o motivo que gera inse-
gurança. “Em alguns casos, a existência de outras doenças pode fazer o tratamento da fobia de dirigir se estender por mais tempo”, esclarece. Já Altamir Aires faz uso da prática do volante durante quase todo tempo das aulas ministradas em seu curso, que é destinado a pessoas habilitadas, mas que não conseguem dirigir. Segundo ele, é feito primeiro uma entrevista a fim de avaliar o grau de pânico do aluno. “O aluno chega com limitações. Mas, o método é uma exposi-
ção gradativa. É um passo a passo. Depende de cada aluno. Mas a teoria sem a prática é morta”, ressalta. O instrutor afirma já ter sido criticado pela rapidez do método utilizado por ele. Mas garante que funciona. Quando o aluno se permite dirigir, o trabalho do instrutor começa. É nesse conceito que se baseia o curso de Altamir e a quantidade de aulas é definida de acordo com as necessidades de cada pessoa que procura o curso.
Altamir Aires FOTO: JACKSON DE MOURA
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Histórias de quem superou a fobia O maior medo da secretária Marcela Cavalcante, 25 anos, era sair dirigindo e que outros veículos atrás dela buzinassem. “Os carros pra mim eram horríveis”. A vontade de aprender a dirigir não era maior que o medo de enfrentar o volante. Marcela não procurou ajuda de imediato, pelo contrário, quem o fez foi o pai dela que procurou o curso de Altamir Aires. Segundo a secretária, foi difícil ir ao primeiro dia de aula. O curso é essencialmente prático e ela desmarcava sempre que seu pai reservava uma aula. “A primeira aula foi horrível. Para mim, o carro era um bicho”, rememora. Há um ano sem a fobia, Marcela consegue guiar seu carro e afirma que o curso valeu a pena. Com a jornalista Luana Amorim, 25 anos, não foi diferente. Ela também tinha veículo próprio e achava que aprender a dirigir iria facilitar muito a sua vida. Mas o que deveria ser uma atitude rotineira de quem havia tirado a CNH tornara-se para Luana uma tortura. “Passei no teste na primeira vez e não dirigia, enquanto meus amigos que fizeram (o teste de CNH) quatro, cinco vezes para passar já saíam dirigindo”, comparava. O medo de guiar o veículo era tamanho que só o fato de pensar em dirigir já fazia a jornalista perder o sono. Além disso, ela conta que inventava desculpas para não pegar no carro. “Dizia que não tinha onde estacionar, que dirigindo eu iria gastar muito mais dinheiro”, lembra. Após conviver quatro anos com a fobia, a jornalista resolveu procurar ajuda porque
Teste sua coragem 1) Você é muito autocrítico e se incomoda quando fica exposto à observação dos outros? ( ) Sim ( ) Não 2)Você se preocupa com o que os outros motoristas pensam de você? ( ) Sim ( ) Não 3)Deixar o carro desligar num semáforo lhe parece ameaçador? ( ) Sim ( ) Não
Luana Amorim superou a fobia do volante há um ano
FOTO: RAPHAEL VILLAR
4) Você evita sair com o carro mesmo em casos de emergência? ( ) Sim ( ) Não 5)Você fica imaginando os percursos que precisaria fazer para fugir de ladeiras, cruzamentos com semáforos ou ainda estacionar? ( ) Sim ( ) Não 6 )Você apresenta alguma reação física como taquicardia, tensão muscular, sudorese ou tremor quando dirige? ( ) Sim ( ) Não 7 ) Quando você está como passageiro costuma se preocupar com as atitudes dos motoristas ou com acontecimentos no trânsito? ( ) Sim ( ) Não
Marcela Cavalcante: ”Para mim, o carro era um bicho”
o transporte coletivo, que era visto como uma saída para não dirigir, gerou o pânico de multidão. “Se o ônibus estivesse muito lotado e eu não respirasse direito, eu me desesperava. Eu tinha então pânico de andar de ônibus e de dirigir.” Luana só se sentiu segura para enfrentar o volante após tratamento com uma especialista em terapia holística, bastaram cinco sessões para ela dirigir sozinha. “Percebi que poderia ter resolvido o
FOTO: JACKSON DE MOURA
problema que sofri por quatro anos em muito menos tempo”, ressalta. Luana, recuperada da fobia há um ano, diz não saber o motivo que a levou a ter o pânico. Ela contou que perdeu o pai em um acidente de carro quando tinha quatro anos e diz que era muito pressionada pelo instrutor na auto-escola. “Eu fiz 25 aulas porque o instrutor dizia que eu era uma negação e não podia fazer o teste porque não iria passar”, aponta.
Uma aula especial para relaxar Maquete, música e palavras de conforto são os métodos do instrutor Kenilson Araújo para aliviar a tensão e a ansiedade dos alunos que procuram o Aulão de Maquete. “A música é para que o aluno fique mais tranqüilo para realizar o exame da CNH, para que ele se sinta confiante para a aprovação e que aceite a possibilidade de ser reprovado”, argumenta Araújo. “A aula é animada, ele canta e tranqüiliza a gente bastante”, afirma Mariana, 22 anos, que estava a duas horas da realização da prova de CNH. O “aulão” é destinado aos alunos que já fizeram as 15 aulas exigidas na auto-escola e falta apenas realizar a prova parar tirar o CNH. “Esse aulão era uma necessidade dos próprios alunos. Nem no vestibular o clima é tão tenso e preocupante que nem tirar a carteira de habilitação”, afirma Araújo. Muitos desses alunos vão
Questionário
8 )Você tende sempre a achar que vai acontecer alguma coisa ruim no próximo instante? ( ) Sim ( ) Não 9 )Você acha que o carro domina a situação como se fosse sair do controle do motorista? ( ) Sim ( ) Não 10 ) Você considera menos incômodo ficar no ponto esperando um ônibus do que fazer o trajeto dirigindo? ( ) Sim ( ) Não 11) Você já sofreu algum acidente automobilístico ou perdeu alguém importante desse modo? ( ) Sim ( ) Não Resultado Se você respondeu SIM para a maioria das perguntas, é possível que você tenha medo de dirigir. Contudo, só um profissional pode ajudar. Caso as respostas sejam em maior parte NÃO, pode significar apenas uma leve insegurança. Fonte: Clínica Cecília Bellina
Dicas Curso Pânico de Dirigir 1600 pessoas já fizeram o curso; Investimento: R$ 40 cada aula; Um aluno faz, em média, 24 aulas; Investimento médio: R$ 960 Perfil do motorista com fobia Perfeccionista Autocrítico Auto-estima baixa
Instrutor tranqüiliza os alunos através da música FOTO: JACKSON DE MOURA
para a aula e logo em seguida dirigem-se ao Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN - CE) para realizar o exame. Esse é o caso da Givanilda Ferreira, de 29 anos. “Depois da aula você tem um pouco mais de noção de como vai ser o exame, até então tudo é muito escuro”, afirma. As normas
da legislação de trânsito são reforçadas de maneira descontraída. O instrutor apresenta as possibilidades do exame e dá algumas orientações. Após isso, é a hora dos alunos irem até a maquete e manipular os carrinhos, apontando, oralmente, a sinalização e a orientação das placas.
Sintomas da fobia Medo excessivo Sensação de perigo/tragédia Taquicardia Tensão muscular Tremor Sudorese
Serviço Curso Pânico de Dirigir: Telefone: 8800.2575 Auto-Escola Cidade: Rua Eduardo Porto, 151; Telefone: 3274.1954 Instrutor: Kenilson Araújo: kenilsonaraujo@yahoo.com.br Psicóloga Cecília Bellina: www.ceciliabellina.com.br
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Histórias de pessoas Um bancário que largou tudo em busca de liberdade. Loucura? Coragem ou covardia? Atire a primeira pedra quem nunca pensou em fazer isso! Ana Cecília Soares e Larissa Teixeira
Vez em quando, escutamos histórias de alguém que saiu de casa, por exemplo, para comprar cigarros e nunca mais voltou. Passados muitos anos, um belo dia, descobre-se que a “tal pessoa” (em certos casos já até dada como morta), está vivendo muito feliz numa comunidade hippie nas entranhas da Chapada dos Guimarães, interior do Mato Grosso. O desejo de liberdade; a fuga da rotina caótica da cidade grande; a busca por condição financeira favorável; o prazer de viver uma linda história de amor e o despertar para a vida religiosa, são alguns dos motivos que podem levar à quebra do cotidiano e o recomeço de um outro mais empolgante. Ou, ao menos, a experiência de ter vivido algo que se acredita valer a pena. Para a psicóloga Raquel Costa de Alencar, a sociedade contemporânea é caracterizada pela cultura do “ter e ser sempre o melhor. Vivemos numa freqüência caótica e deixamos o lado espiritual para último plano”. Espírito aventureiro Por seguir mais o coração do que a razão, José Gomes Neto, 48 anos, é tachado como o “aventureiro” da família. Ele era concursado e trabalhava como subtesoureiro de um banco. Havia, também, passado no vestibular para o curso de Direito e tinha esposa e dois filhos. Porém, estava insatisfeito com a vida que levava. Sentia que era preciso fazer algo urgente, pois uma sensação de vazio lhe consumia. “A vida de bancário não me atraía. O trabalho era escravo e o dinheiro que se ganhava, não compensava todo o esforço. Além disso, não gosto do dia a dia da cidade grande e, tão pouco, consigo me fixar num único lugar”, conta ele. Neto, portanto, tomou uma decisão que mudaria radicalmente a sua vida. Em nome da liberdade e a procura de ganhar mais dinheiro, largou tudo: família, emprego e estudo. “Pedi minhas contas no banco e com a grana recebida, comprei dois caminhões. Viajei pelo Brasil inteiro”. Mas algumas adversidades cruzaram o seu caminho, e a empreitada com os veículos não lhe trouxe o retorno financei-
ro almejado. Em vez de lucro, teve prejuízo. Embora chateado com a circunstância, o aquariano, bem-humorado, tratou de vender os caminhões e partiu em rumo à nova aventura. Foi para a cidade de Porto Velho/RO, trabalhar num comércio com amigos. Mal tinha acabado de se instalar, soube, por intermédio de um conhecido, que muita gente estava enriquecendo no garimpo chamado “Vai quem quer” ou “Palmeiral”, localizado às margens do Rio Madeira, no interior de Rondônia. Sem pensar duas vezes, mudou-se para a região mineradora. Lá montou seu próprio comércio, onde vendia mantimentos e roupas, em troca de ouro (considerado a moeda local). Com o que ia recebendo, comprou um posto de gasolina no lugar. O que lhe rendeu muitos lucros. Em poucos meses, Neto estava com a vida que pedira a Deus. Possuía fazenda, casas, três carros e vinha sempre passar o carnaval em Fortaleza. Contudo, o destino mais uma vez lhe pregaria uma peça. Com a chegada do governo Collor, houve o bloqueio dos depósitos bancários, o confisco de dinheiro e títulos públicos. Ações que promoveram a desvalorização do ouro. Na época, muita gente foi à falência, contraindo dívidas altíssimas. Neto era um deles. “Abandonei o ouro, já não dava mais. Fui trabalhar com compra e venda de gado”. A experiência no comércio do “boi gordo”, também, não foi frutífera. O mercado sofreu uma queda brusca. Existia produção, mas não havia comprador. Apesar dos percalços, a sina aventureira e o espírito andarilho falaram mais alto. Neto estava pronto para outra peripécia. Com nova idéia na cabeça, tratou de agir rapidamente. Resolveu ir para Coari, zona petrolífera, localizada no Amazonas. Junto com alguns empregados, passou a comercializar confecções dentro dos barcos, que percorriam a rota Rio Madeira, Purues, Juruá, Solimões e Rio Negro. Neste período, realizou pesquisas sobre qual local da região seria mais propício para fixar comércio. São Gabriel da Cachoeira foi o destino escolhido. A cidade é uma tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Venezuela. Nela funciona uma base militar brasileira. Há oitos anos na cidade, Neto acredita que já é tempo de voltar ao Ceará: “São Gabriel da Cachoeira já foi um lugar muito bom para morar. Ultimamente, tem havido muitos conflitos entre os grupos
Rumo ao Garimpo: Neto (á esquerda), acompanhado de seu irmão e um amigono momento da partida
FOTO: ARQUIVO PESSOAL DE NETO
Música
“Por quê você não pára um pouco de fingir?” É sempre importante reservar um momento para si, pensar sobre o que se tem feito, será que tudo está valendo a pena? Abaixo segue a letra da música Você, de Raul Seixas. Nela encontramos perguntas interessantes que nos ajuda a refletir um pouco mais sobre a vida.
VOCÊ (Raul Santos Seixas / Cláudio Roberto Andrade de Azevedo)
Você alguma vez se perguntou porquê Faz sempre aquelas mesmas coisas sem gostar, mas você faz? Sem saber porquê Você faz e a vida é curta! Por quê deixar que o mundo lhe acorrente os pés Finge que é normal estar insatisfeito Será direito, o que você faz com você Por quê você faz isso porquê? Detesta o patrão no emprego em ver que o patrão sempre esteve em você e dorme com a esposa Por quem já não sente amor
Será que é medo Porque. Você faz isso com você Por quê você não para um pouco de fingir? e rasga esse uniforme que você não quer mas você não quer Prefere dormir e não vê Porque você faz isso! Porquê será que é medo? Porque você faz isso com você.
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que ousaram vencer
Na Cratera: onde se exploram ouro no garimpo “Palmeiral” ou “Vai quem quer”
FOTO: ARQUIVO PESSOAL DE NETO
Extração de ouro: barco trabalhando no rio Madeira - Rondônia, agosto de 1989
dominantes da localidade: militares e índios. Quero retornar a minha terra e ficar junto ao meu povo”. Mesmo expressando o desejo de voltar, ele ressalta: “sou uma pessoa muito feliz e não me arrependo em nenhum momento de nada que fiz. Hoje, tenho a minha liberdade e uma boa condição financeira, conquistadas a muito custo. Consegui unir o útil ao agradável”. Saindo do caos São Paulo, terra da garoa. Metrópole brasileira, adornada por grandes arranha-céus e envolvida pelo fluxo intenso de transeuntes apressados. Poluição constante, trânsito desenfreado, estresse e muito estresse permeiam a “paulicéia desvairada”. Buscando sair desse caos, inerente a toda cidade grande, o educador Rodrigo Oliveira, 30 anos, abandonou emprego e namorada, para trabalhar num projeto social na cidade de San-
tana do Acaraú-CE. “Eu tinha tudo nas mãos: um bom emprego, moradia própria e uma boa companheira. Mas estava cansado daquela rotina corrida e barulhenta de São Paulo, procurava por um lugar mais calmo”, afirma ele. Rodrigo foi convidado para trabalhar no Instituto Sertão. Mas antes, teria que ficar um período de teste. Nada estava garantido. “Era uma coisa incerta. O cara ligou para mim e perguntou quando poderia vir. Respondi que agora. No mesmo dia peguei o avião e fui para o Ceará”. Hoje, ele é casado, tem um filho, o pequeno Uirá de três anos, e vive em Fortaleza. Trabalha numa Ong e criou o site Tembiú, que tem o objetivo de estimular a produção de comunicação e arte no Estado. Como forma de expressar o que sentia na época, Rodrigo compôs a música “Bloco de gente”. “A repetição e entrelaçamento dos versos oferecem
à canção um ar claustrofóbico e de muita tensão”, ressalta ele. A letra diz o seguinte: “Bloco de carne e cabelo caminha contra mim. Bloco de gente devidamente esparramada sobre bloco de gente”. Após esses relatos, voltemos às indagações lá do início: “Loucura? Coragem ou covardia?” Fiquemos com as palavras da psicóloga Raquel e, depois, tirem suas próprias conclusões: “Qual é a verdadeira loucura? Loucura é essa violência toda que vivemos! A gente está sempre em piloto automático, procurando fazer tudo certinho, mas se sentido angustiado. Loucura é fazer o que o outro quer. O ego quer seguir sempre o mesmo ritmo, quer agradar. O nosso lado racional não tem todas as respostas, é preciso seguir o coração também! Agora, a mudança de vida consiste em todo um processo, pois a mudança repentina pode ser uma forma de fugir dos problemas.”
FOTO: ARQUIVO PESSOAL DE NETO
Enquete
Largaria tudo por...? “Ser hippie? Me desapegar de todo tipo de bem material? Viver o hoje sem a mínima noção do amanhã? Pronto, acho que esse tipo de vida me faria sim, deixar tudo para trás. A existência é curta demais para que fiquemos nos questionando sobre até que ponto determinada atitude é certa ou errada. Conheço pessoas que deixaram uma vida totalmente estabilizada para trás e decidiram se aventurar pelo mundo como hippies. E o mais incrível nessa história é que todas elas disseram que nunca se arrependeram e, mais ainda, se questionam o porquê de não ter feito isso antes”. Mirtila Facó, 23 anos Estudante de Jornalismo
“Eu sempre adorei dançar. Desde criancinha sempre ficava em frente ao espelho dançando, inventando o que eu chamava de passos de ballet. Assim que entrei na escola, comecei a freqüentar as aulas de ballet e logo depois saí. Fui crescendo e enveredando por esportes: vôlei, basquete... Mas a paixão pela dança ficou. Um olho no treino de basquete, um olho no ensaio de ginástica aeróbica. Amo o que faço atualmente. O jornalismo é minha vida, mas se pudesse escolher entre a faculdade e dançar, acho que escolheria dançar. Eu seria muito mais feliz dançando.” Thaís Carvalho , 21 anos Estudante de Jornalismo
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Entrevista
“Deus pediu minha vida” Rosemary Lengruber é carioca, solteira, tem 35 anos e, como a maioria das mulheres, sonhou em casar e ter filhos. No entanto, ao sentir Deus em seu coração, deparou-se com uma nova realidade e descobriu também seu chamado de vida. Hoje consagrada há quatro anos na Comunidade de Vida Shalom, ela mora em Fortaleza, fez votos de pobreza, optou livremente pelo celibato e vive a experiência de “se dispor a serviço da Igreja e dos homens”. Rosemary entregou “seus sonhos a Deus e hoje sonha os sonhos do seu Senhor” Ana Cecília Soares e Larissa Teixeira
Sobpressão: Como era a sua vida antes de ter uma experiência com Deus? Rosemary Lengruber: Quando eu tinha treze anos, meus pais se separaram e, por rebeldia, eu decidi viver tudo o que o mundo tinha de mais sórdido para me oferecer: drogas, bebidas, prostituição. Eu experimentei durante a minha juventude a degradação humana. Eu não sabia o que queria e perdi totalmente o sentido da minha vida. Meus tios me recriminavam, meus primos diziam que eu não tinha mais jeito. Minha condição de vida financeira era boa. Com a separação fui morar com meu pai. Ele me garantia o que eu precisava e zelava por mim, mas eu era apaixonada pela minha mãe e, de repente, ela se ausentou da minha vida. O amor dela que foi tirado de mim gerou um vazio enorme e eu tentei suprir esse espaço com coisas ruins. JS: Como aconteceu esse “encontro” com Deus? RL: Aos 22 anos fui convidada para participar de um acampamento de jovens e esse acampamento foi um divisor de águas na minha vida. Lá eu me descobri amada por Deus, percebi que independente de tudo o que eu já tinha feito e do fato da minha família ter deixado de me amar por causa das escolhas ruins que eu fazia, o Senhor me amava e esteve comigo em todas as situações que vivi. Eu experimentei o amor incondicional de Deus e me senti preenchida. JS: Que mudanças seu encontro com Deus trouxe para sua vida? RL: Eu rompi com a aquela vida que tinha, que não era vida. Eu vivia em condição de morte. Eu me excedia nas bebidas e nas drogas, parecia que meu objetivo era realmente não viver e depois do meu encontro com a pessoa de Jesus tudo isso
foi rompido. Outra mudança concreta foi o ato do perdão. Em Deus eu perdoei os meus pais pela separação e entendi que isso era algo que poderia mesmo acontecer quando se vive um casamento forçado. Eu me descobri capaz de amar e aos poucos eu fui aderindo à pessoa de Jesus e fui também aceitando as coisas novas que Ele tinha para me oferecer. JS: Você optou pelo celibato. Mas em algum momento da sua vida, você viveu uma paixão? RL: Eu fui para o acampamento de jovens namorando um rapaz. Lá conheci outro que foi se tornando um grande amigo ao longo do tempo. Eu me apaixonei por esse segundo rapaz, nós namoramos e quando eu tinha 25 anos noivamos. Nosso noivado era muito concreto, nós já tínhamos escolhido até os nomes dos nossos três filhos. Todos os esforços dele eram em prol do nosso casamento, mas os meus eram destinados às coisas de Deus. Nós crescemos juntos na fé, mas acabamos seguindo caminhos diferentes. Eu o amava muito, queria estar com ele e por isso não entendia porque nossas escolhas eram tão diferentes, apesar do amor recíproco. A partir daí, fui me dispondo a ouvir o que Deus queria pra mim.
JS: Como foi a descoberta da sua vocação? RL: Vendo essas diferenças entre as minhas escolhas e as do meu noivo, parei para pensar na minha vida. Eu não conseguia levar a faculdade direito, porque a maior parte do meu tempo era destinada a evangelização; meus domingos eram todos ocupados com a catequese das crianças, com os jovens. Eu olhava para tudo isso e me perguntava o que mais Deus queria de mim. Até que um dia eu tive coragem de perguntar ao próprio Deus o que Ele queria e a resposta foi bem clara: Deus pediu minha vida. Eu terminei meu noivado, o que foi muito difícil, pois eu era uma pessoa apaixonada, e fui procurar a vontade do Senhor na minha vida. Foi aí que eu conheci o Shalom que veio
Felicidade: Rosemary descobriu sua vocação ao se dedicar à religião
em resposta para os anseios de Deus na minha história. JS: De que maneira a sua família recebeu a decisão por se consagrar a Comunidade de Vida? RL: Foi muito complicado. Na época eu trabalhava numa multinacional como representante de roupas femininas e tinha acabado de ganhar uma promoção para trabalhar no exterior. Minha condição de vida estava muito boa. As pessoas no meu trabalho diziam que eu estava ficando louca. Quando saí de casa para minha primeira missão, em Salvador, minha família me ligava diariamente me pedindo pra voltar. Foi um choque quando me consagrei, mas acho que o choque maior foi quando optei pelo celibato. JS: Quais eram seus sonhos antes de entrar na Comunidade? RL: Meus maiores sonhos, como o da maioria das mulheres, eram casar, ter filhos, ter uma vida financeira estável. Fui criada para isso e queria muito ter filhos. Eu planejava ter três e quantos mais Deus me permitisse. Eu tinha esco-
FOTO: RAPHAEL VILLAR
lhido a vocação matrimonial para mim, mas Deus queria outra coisa para minha vida. JS: Esse sonho acabou depois da sua consagração? RL: Meu sonho foi o que Deus me deu e foi também o que Ele me pediu. Deus me escolheu e me pediu para ter um coração indiviso, para que eu alcançasse graças maiores e para que outras graças acontecessem com a minha oferta. Eu sou mãe também, mas minha maternidade não é a convencional. Eu não gerei ninguém, mas o chamado do Senhor na minha vida me faz mãe espiritual de vários jovens e adultos, pelos quais eu rezo, aos quais eu sirvo com a doação da minha vida. JS: Você se arrepende de ter optado por se consagrar? RL: Lembro que comecei a arrumar a bagagem uma semana antes de sair de casa. Eu ajeitava as roupas na mala e meus irmãos iam lá e tiravam tudo. Eu posso dizer que com certeza arrumaria todas aquelas malas de novo quantas vezes fossem necessárias, porque hoje eu sou muito feliz.
Perfil
Despertando para a vida Rosemary Lengruber sofreu com a separação dos pais e por isso viveu uma adolescência cheia de complicações. Aos 22 anos participou de um acampamento de jovens promovido pela paróquia da qual participava e depois dessa experiência sua vida mudou. Tentou cursar três faculdades, mas não concluiu nenhuma. Fez vários planos, mas nenhum deu certo. Há quatro anos é consagrada da Comunidade de Vida Shalom. Hoje mora em Fortaleza, coordena um grupo de oração para adultos e trabalha em um setor no Shalom chamado Construtor da Paz. Dorme pouco, trabalha muito e reza o tempo todo. Rosemary Lengruber vive o que pra muitos é loucura, mas que para ela é a felicidade.
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A legislação brasileira tem eficácia? Elas estão presentes por todas as partes. Muitas vezes, nem sabemos de sua existência até recebermos alguma advertência ou, simplesmente, quando somos encarregados de fazer matérias como essas. O fato é que as leis foram criadas para melhorar nossas vidas, garantindo o direito de todos. Mas será que quem as criou pensou mesmo no coletivo?Todos nós somos realmente contemplados pelas leis?
Em meio à profusão de conflitos e as novas vivências pelas quais passa o Brasil contemporâneo, essa série de matérias sobre leis surge para chamar a atenção e promover o debate sobre a validade e a eficácia da legislação brasileira. Cada uma das matérias focou questões que perpassam o nosso dia a dia. O Sobpressão convida, portanto, todos a conhecerem um pouco mais sobre o mundo das leis.
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O vício da velha escola do alcoolismo A venda de bebidas para jovens é um problema antigo. O Sobpressão foi apurar em Fortaleza os motivos de o alcoolismo na juventude ser um mal subestimado pela sociedade Luciana Vasconcelos e Pery Negreiros
Prevista no artigo 63 da Lei das Contravenções Penais e no artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), a proibição da venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos jamais foi seriamente respeitada no Brasil. O primeiro pileque ocorre geralmente muito cedo, por volta ainda dos 13 anos, geralmente entre amigos e muitas vezes com o apoio dos pais. O ritual de iniciação começa como brincadeira, mas pode trazer sérios prejuízos. Poucos atentam
para o fato de que a bebida pode causar dependência química, além de facilitar a exposição a riscos como acidentes (de carro, quedas, atropelamentos e afogamentos), atos violentos (como homicídios, roubo, violência doméstica ou sexual, vandalismo e agressões) ou mesmo a prática do sexo sem camisinha. Facilmente adquirida em supermercados, lojas de conveniência, restaurantes, bares, boates e lanchonetes, a bebida alcoólica é a droga mais consumida no Brasil. Destaca-se, dentre os produtos do gênero, a “cervejinha”, segundo dados do 1º Levantamento Nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira, feito pela Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD). Aos infratores aplicam-se, ou pelo menos deveriam aplicar-se, uma multa que varia
de R$ 500, 00 a R$ 1.500,00. Em caso de reincidência, além da multa estipulada, detenção de 1 a 3 anos. Apesar das sanções, é de fácil verificação que a determinação está longe de ser cumprida. Entre os adolescentes é comum o chamado consumo em binge, o que significa beber de forma abusiva em curto espaço de tempo até ficar embriagado. Os efeitos dessa prática podem ser agravados de acordo com o peso da pessoa, a idade, a rapidez com que consome, o fato de ter-se alimentado ou não e o número de doses que consumiu. Fatores sociais e psíquicos podem contribuir para esse agravamento, como o desemprego, a falta de perspectiva – especialmente entre os mais jovens – e conflitos familiares e de relacionamento. Em quase todos os países onde esse fenômeno foi estudado, o beber em binge,
Consumo abusivo de bebidas alcóolicas é comum entre adolescentes FOTO: LUCIANA VASCONCELOS
mesmo que esporádico, causa maiores custos sociais e de saúde do que o uso contínuo e dependente de álcool. No âmbito da educação, a assistente social Verbena San-
dy aponta falhas, como a inabilidade dos educadores em trabalhar o tema. Para a assistente social, uma boa proposta seria a de abordar a temática a partir de várias áreas pedagó-
Projeto de lei investe em prevenção O projeto de lei n 8.766/03, que ainda aguarda aprovação na Câmara Municipal por ter problemas no texto original, prevê a proibição da venda de bebidas alcoólicas numa área de 300 metros quadrados ao redor de colégios. O vereador Idalmir Feitosa (PSDB), autor do projeto, lamenta a não aprovação na Câmara e diz não ver nenhum trabalho de fiscalização na cidade para coibir o consumo por menores. Feitosa cita a Praça Gustavo Barbosa (do Liceu) e a Praça Rogaciano Leite, no Conjunto José Walter, como pontos críticos de concentração de jovens ingerindo bebidas sem serem incomodados. Indagado sobre o porquê da falta de fiscalização, o vereador afirma: “já denunciei essa situação na tribuna da Câmara, mas não aconteceu absolutamente nada”. Segundo o advogado e professor universitário Felipe Braga, o projeto deve ter o cuidado de não ferir uma outra lei, que é a da Livre Iniciativa. “Se você tem um bar que já funcionava antes da construção de uma determinada escola, você não pode exigir que ele seja fechado de uma hora para outra”, diz. Feitosa defende o projeto e diz que este se baseia na edu-
Solução distante: a fiscalização esbarra na dificuldade da Prefeitura de implementar ações preventivas
cação, não na coerção de donos de bar. A idéia, segundo o vereador, não é fechar os estabelecimentos, mas proibir a venda para menores. O problema seria encontrar uma forma efetiva de fiscalização nesses locais, pois a lei esbarra mais uma vez na dificuldade que a Prefeitura tem em implementar ações como essa por toda a cidade. Ações da Prefeitura Desde julho de 2007, a Prefeitura de Fortaleza vem realizan-
do uma operação surpresa, ao lado do Ministério Público e a Polícia Militar, para fechar bares e lanchonetes, e outros locais dessa natureza, próximos a escolas e que estejam irregulares. A ação baseia-se no fechamento dos locais que não possuam alvará de funcionamento ou permissão para vender bebidas alcoólicas. A medida, que visa diminuir o consumo desses produtos perto de escolas, teria sido motivada por uma denúncia. Um
FOTO: DIVULGAÇÃO
colégio de Fortaleza que estava próximo a um bar teve de fechar suas portas, visto que parte dos alunos chegavam bêbados na aula e agrediam professores e colegas. O processo de fiscalização foi deflagrado a partir da recomendação administrativa nº 01/2007 do Ministério Público para as Regionais, em maio do ano passado, por iniciativa da Promotoria de Justiça de Defesa da Educação. Cleide Guedes, chefe de fiscalização da
Secretaria Executiva Regional (SER) II, reconhece que há falhas na operação que já fez 60 autuações a locais somente na área. Estão sendo notificados e autuados os comerciantes que venderem bebidas perto de escolas e estiverem em desacordo com o alvará de funcionamento – concedido pelo Município – ou mesmo sem licenciamento para a venda. Nos meses de julho e agosto de 2007 foram feitas 205 notificações na Grande Fortaleza a bares que estavam irregulares, mas nenhum foi fechado. As multas dependem da área onde o local está instalado, podendo variar de 1 a 60 unidades fiscais, o que corresponde à faixa entre R$ 44,44 e R$ 2.400. Em caso de reincidência, esse valor pode triplicar. A iniciativa prevê ainda seminários para os proprietários como forma de prevenção e controle e de alerta para os males do uso de bebidas alcoólicas, especialmente para crianças e adolescentes. No caso de ser comprovada a venda indevida, o dono do bar tem que ser encaminhado à delegacia para ser autuado. Para Cleide, o delito fere os princípios da segurança pública. O bar pode ser interditado sumariamente e o alvará pode ser cassado.
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Difícil entrada para uma vida social
gicas, e em disciplinas como biologia, matemática, estatística, ou aplicando ao cotidiano para facilitar a conscientização dos estudantes. “Enquanto estamos multipli-
cando os usuários, estamos apenas somando os recuperados. Os primeiros crescem em progressão geométrica, enquanto os outros, em aritmética”, explica Verbena.
Felipe (pseudônimo), de apenas 15 anos, chegou ao Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) com o interesse em ocupar o tempo para tratar o vício em drogas com os jogos de futebol, que ocorrem num campinho do próprio centro. Ele afirma que quando você começa a beber, fica mais vulnerável a drogas mais pesadas. Morador do Serviluz, bairro conhecido pela violência e pela força do tráfico, ele está constantemente lidando com o fácil acesso a entorpecentes. Pegou o hábito de misturar a bebida com o Rivotril (droga de efeito tranqüilizante, que não deve ser misturada ao álcool), o que o deixava bastante agressivo. “Bastava alguém olhar diferente para mim, eu partia para cima”, afirma. A convite de alguns amigos, foi conhecer uma igreja evangélica. Hoje apega-se à fé e à carta de uma namorada que conheceu na igreja, quando sente-se tentado a recair. Francisco Rocha, 44 anos, é alcoólatra e diz que começou a beber com 13 anos. “O álcool degenera. Você fica desacreditado. Vira um zero à esquerda. O cara que bebe não pode pegar em dinheiro. Você perde a confiança dos outros e o senso de responsabilidade”, afirma. Francisco Rocha diz que o álcool foi a porta de entrada
Dificuldades na fiscalização
Corredor de bares: Centro Cultural é local concentração de jovens
Há locais em Fortaleza onde é visível a ausência do Poder Público no controle da venda de bebidas alcoólicas para adolescentes. Segundo agentes da fiscalização do Serviços Urbanos da Prefeitura que trabalham na região do Dragão do Mar, não é fácil evitar a presença dos ambulantes vendendo todo tipo de bebidas para menores de 18 anos. A única função dos fiscais é pedir a retirada do ambulante quando houver exposição ou venda de bebidas, mas nenhuma norma está estebelecida quanto ao consumo por parte de adolescentes. Outra dificuldade apontada pelos fiscais é a falta de profissionais para
FOTO: DIVULGAÇÃO
suprir a demanda na cidade. Apenas oito deles cobrem a área do Dragão do Mar, onde circulam milhares de pessoa, principalmente durante os sábados. Um dos fiscais afirma: “acabar a gente não vai acabar, mas se a gente puder pelo menos intimidar, já vai ser um grande passo.” Mais do que desrespeito à lei, a venda indiscriminada de bebidas alcoólicas constitui-se um perigo à saúde e à segurança pública. Dados do Centro Integrado de Operações de Segurança (Ciops) apontam uma associação direta entre o consumo de álcool e o aumento da violência. Somente de maio a novembro de 2007, 4.747
ocorrências de embriaguez foram registradas pelo Centro. De acordo com a pesquisa da SENAD, 24% da população menor de 18 anos no Brasil ingere bebidas alcoólicas ao menos uma vez por mês. Para Darival Beserra, juiz da 5º vara da Infância e da Juventude, a maioria das pessoas vê com naturalidade o incentivo explícito ao consumo de bebidas alcoólicas. “A gente vê em todos os lugares esses anúncios de bebidas alcoólicas como se fossem algo ingênuo, mas trata-se de um problema bem mais grave do que as pessoas imaginam”, diz. O magistrado lembra que há um lobby da indústria de bebidas junto ao Poder Público que impossibilita a proibição desse tipo de publicidade. Por ser uma droga lícita, o álcool acaba tornando-se subestimado quanto a seu poder de causar dependência. Verbena Sandy, assistente social e coordenadora técnica do projeto, acredita que a facilidade de acesso incentiva o uso do álcool. “A oferta facilita a busca. A propaganda aqui no Brasil associa a cerveja às mulheres bonitas e à alegria”, afirma.
Facilidade: “quando pedirem identidade, mostro a carteira adulterada”FOTO: LUCIANA VASCONCELOS
para outras drogas. Hoje, ele diz perceber a influência das músicas de forró, por exemplo, que fazem apologia ao sexo e à bebida. “O jovem é muito influenciado por isso. Ele quer se enturmar, fazer parte do grupo e acaba entrando na onda. O grande problema está em reconhecer a necessidade de ajuda. O primeiro passo é aceitar que está doente. Sempre pensava que podia parar na hora que eu quisesse. Percebi que estava doente quando sentia necessidade de beber todos os dias”, conta. Falta de controle Casos como os de Felipe e Francisco retratam que a inexistência ou fracasso de políti-
cas públicas voltadas para uma educação preventiva, especialmente em se tratando da juventude, são problemas antigos. A facilidade de comprar esse tipo de produto em supermercados, bares, por intermédio de vendedores ambulantes e até mesmo bancas de revista é um fator que explica o porquê da dificuldade em se estabelecer uma linha de combate para esse mal. O adolescente Fernando (pseudônimo), de 16 anos, diz que é bastante fácil comprar bebida em qualquer lugar. “Eles nunca pedem identidade”. Mas para quando pedirem, ele já tem a solução: uma carteira de identidade adulterada.
Vontade de ser útil
Recuperação de uma vida que antes era dependente do vício
Sérgio (pseudônimo) começou a beber com 11 anos, e afirma que sempre esteve em contato com as bebidas alcoólicas. “Meu pai era alcoólatra , morreu de câncer no estômago, por conta do álcool e do cigarro. Minha mãe e meus irmãos todos bebem”, diz. Hoje, Sérgio tem 25 anos e internou-se no Desafio Jovem pela segunda vez quando viu que não conseguia passar um dia sequer sem beber. “Tinha mulher e ela me deixou por conta do álcool. Eu já não tinha mais domínio sobre mim”, conta. O interno lembra que apesar dos desentendimentos constantes por causa da bebida, sua mulher usava o vício dele como barganha. “Quando ela queria alguma coisa, me deixava beber”, relembra. Sér-
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gio tentou o suicídio após o fim do relacionamento. O interno se diz satisfeito em poder dar uma contribuição para a vida dos jovens que acompanharem seu relato nessa reportagem. “Pelo menos eu estou fazendo alguma coisa por alguém, alertando para que as pessoas não cheguem aonde estou”, afirma.
Serviço CAPS AD: Rua Manuel Firmino Sampaio, 311, Cocó / fone: 3105-1625 Desafio Jovem: Rua Dedé Brasil, 565, Parangaba / fone: 3225-7230 Juizado de Menores: Rua Senador Pompeu, 1127, Centro fone: 3287-2824 Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA): Rua Deputado João Lopes, 83, Centro fone: 3252-4202
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Mendigar é crime social Mendigos pedem esmolas nas ruas e nos sinais de trânsito da cidade. Os transeuntes se incomodam e poucos sabem que o ato de mendigar é considerado crime Julyana Silveira e Sâmia Vale
Desigualdade na distribuição de renda e elevados níveis de pobreza são adversidades que assolam parte da população brasileira. A única alternativa de sobrevivência para essa parcela exclusa dos seus direitos é pedir esmolas nas ruas. Mas, surpreendentemente, mendigar pode configurar-se em contravenção penal e até mesmo em crime, conforme as circunstâncias praticadas. O relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) 2007/2008, produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), aponta a desigualdade na distribuição de renda como a maior vilã do desenvolvimento humano no Brasil. No país, se comparada ao Vietnã, a renda média é sete vezes maior que lá e os 20% mais pobres daqui têm renda inferior aos do Vietnã. Já a renda média dos mais ricos brasileiros é 21,8 vezes superior à dos mais pobres. Com essa má distribuição das riquezas, a solução para 36,2 milhões de brasileiros, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é recorrer a solidariedade das pessoas para assim se sustentar. Mas o que muitos não têm conhecimento é que pedir dinheiro nas ruas é um delito. Crime Exposto no Código de Processo Penal (art. 323, inciso II) o ato de mendigar é um crime inafiançável, previsto no artigo 60 da Lei das Contravenções Penais, criada em 1941. Conforme o artigo que proíbe a mendicância, “aquele que mendiga por ociosidade ou cupidez (cobiça) está sob pena de prisão simples, de 15 dias a três meses. A pena pode aumentar de um sexto a um terço, se a contravenção é praticada de modo vexatório, ameaçador ou fraudulento, mediante simulação de moléstia ou deformidade e em companhia de pessoa com distúbios mentais ou de menor de 18 anos”. Segundo o advogado Diego Kaur, o decreto, apesar de possuir preceitos vigentes, não é eficaz. “O artigo é letra morta de lei, devido as condições miseráveis em que vivem uma parte da nossa população”. O fato é que grande parte da população brasileira desconhece a lei, como é o caso da pedinte Maria da Consolação, que atualmente reside no Lagamar. Consola, como é chamada, não
Diferenças: pedintes e transeuntes dividem as mesmas calçadas todos os dias e se deparam com as diferenças sociais
Saiba mais...
Proibido a vadiagem
P quem acha Para h que o artigo i 60 da Lei de Contravenções Penais é um absurdo, o Código de Processo Penal, (artigo. 323, inciso II ), ainda prevê a vadiagem como um crime inafiançável, previsto no artigo 59 da Lei das Contravenções Penais, que condena aquele que for flagrado praticando qualquer ato considerado como vadiagem, conforme texto abaixo: Vadiagem Artigo 59 - Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita: Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses. Parágrafo único - A aquisição superveniente (que sobrevém) de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a pena.
sabe ao certo a idade. Acha que tem 40 anos, mendiga nas ruas desde que saiu da casa do pai para viver com um homem. Ela tem a Avenida Beira-Mar como ponto de trabalho. Questionada sobre o artigo 60, Consola diz desconhecer a lei e explica porque está nas ruas pedindo esmolas. “A gente num tem estudo, nem dinheiro, aí só sobra pedir”, revela. E completa: “eu sou da paz, num ataco ninguém e nem digo palavrão com as madame! Vão me prender porque? Tem tanto mala por aí carregando a bolsa dos otário e filando o celular das patrícia (meninas ricas). Eu num gosto disso, só peço! Os cana (policiais) nunca me bateram e até brincam com os minino (dois garotos que a acompanham)”. Os meninos, a quem Consola se refere na entrevista, são os filhos de uma vizinha, que os “emprestou” para facilitar na hora de pedir esmola. Consola têm dois filhos biológicos, mas que moram com a madrinha em São Paulo. “Esses aqui são mesmo que ser meu, a vizinha me empresta, senão nin-
FOTO: RAPAHEL VILLAR
guém tem pena. Mas eu gosto deles”, explica. Diferente de Consola, o pedinte Natalino (que não quis falar o sobrenome) só vai para as ruas algumas vezes na semana, quando fica com fome. Ele mora com uma filha nas proximidades da Lagoa Redonda, porém a garota não garante seu sustento, já que costuma “abandoná-lo” em casa e só retornar após vários dias depois de comprar e usar drogas. Normalmente, a Praça José de Alencar, no Centro da Cidade, serve como seu ponto de trabalho. Uma das táticas de Natalino é chorar para chamar a atenção de quem passa pelo local. “Começo a chorar baixinho, as pessoas se aproximam e peço uma ajuda”, comenta. Assim como Consola, Natalino disse não saber da existência da lei. “Quem disse isso? Eu fico aqui e o pessoal da igreja vem e me dá sopa e pão de noite. Isso é pecado? O povo tem pena e bota uns trocados (dinheiro) no chapéu. De vez em quando eu escondo as esmolas, porque os malandros (ladrões) tomam”, revela.
Enquanto os pedintes desconhecem a contravenção, Marcos Rolim, ex-Deputado Federal do Partido dos Trabalhadores (PT/RS), entrou com um Projeto de Lei (nº. 5.799/01), no ano de 2001, porém arquivado em 31 de janeiro de 2003, nos termos do artigo 105 de Regimento Interno da Câmara dos Deputados, na tentativa de revogar as normas previstas no artigo 60 da Lei das Contravenções Penais. “Parece evidente que a simples pretensão de punir aqueles que a sociedade já condenou à exclusão social, à fome e ao desespero revela uma crueldade talvez insuperável em nosso ordenamento jurídico. De forma que os artigos 59 e 60 expressam a insensibilidade social das elites dominantes”, disse o deputado em entrevista ao site Jus Navigandi. “Não há dúvidas que o que se vê em tal preceito é uma dupla punição ao ser humano que está à procura de emprego e totalmente ineficaz em face da realidade social em que vivemos”, finaliza o deputado.
Leis já existiam no Império O conteúdo dos artigos 59 e 60 da Lei das Contravenções Penais não são recentes, já previstos nos artigos 295 e 296 do Código Criminal do Império de 1930. O artigo 295 descrevia o crime de vadiagem como aquele cometido nas hipóteses em que “não tomar qualquer pessoa uma ocupação honesta e útil de que possa subsistir, depois
de advertida pelo juiz de paz, não tendo renda suficiente”. O artigo 296 previa que praticava mendicância aquele que andasse mendigando: nos lugares em que existem estabelecimentos públicos para os mendigos, ou havendo pessoa que se ofereça a sustentá-los. Quando os que mendigarem estiver em termos de traba-
lhar, ainda que nos lugares não haja os ditos estabelecimentos. Quando fingirem chagas ou outras enfermidades. Quando mesmo inválidos mendigarem em reunião de quatro ou mais, não sendo pai e filhos, e não se incluindo também no número dos quatro as mulheres que acompanharem seus maridos e os moços que guiarem os cegos.
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Costumes interferem na lei O Código Penal tem uma lei que coibe a prática de atos obscenos. Com o tempo, ficou difícil classificar o que é obsceno ou não. E por isso essa lei é tão contraditória e polêmica Maria Isabel Medal e Maria Isabel Bessa
Para muitos brasileiros e, principalmen-te, estrangeiros, o Brasil combina com carnaval, futebol e liberdade de expressão. Num país onde, teoricamente, tudo é permitido, determinados gestos e atitudes passam despercebidos. Mas perante a lei não deveria ser assim. O problema é que normalmente a lei passa a ser ignorada em nome da liberdade de pensamento inerente ao brasileiro. O crime de prática de ato obsceno está previsto no artigo 233 do Código Penal. A pena varia de três meses a um ano de detenção ou multa. Classificar o que é obsceno ou não é uma tarefa controversa, pois não existe no Código nenhuma definição específica. Entretanto, algumas pessoas da área do direito afirmam que obsceno é qualquer ato que tenha característica sexual, como bolinar as partes íntimas, tanto de homens quanto de mulheres, feito em locais públicos, abertos ou expostos ao público. Tirar a roupa e urinar em locais movimentados também são atos considerados obscenos. O estudante João Linhares (nome fictício), 22 anos, afirma que já tocou em público as partes íntimas de garotas quando mais jovem, além de já
Ofensa: a tolerância de gestos obscenos confronta com a lei que visa proibir a prática indevida de comportamento
ter dado uma “leve encostada” em mulheres na fila do ônibus. Para ele, esses gestos não deveriam ser considerados crimes. “Isso já faz parte do cotidiano dos brasileiros, principalmente entre os adolescentes. Na verdade, acho que as mulheres também gostam quando algum homem a apalpa”, diz. A estudante catarinense Samantha Kestring também não vê esse tipo de abordagem masculina como um crime. “Depende muito. Considero um abuso o cara que chega encostando, pegando no cabelo. Não acho normal, mas também acho meio exagerado
isso ser visto como um crime”, afirma. Para ela, a atitude está mais para falta de respeito do que para crime. Samantha também ressalta o fato de que as mulheres ficam mais expostas a esse tipo de situação do que os homens. A questão é que, apesar de ser classificado como crime, a subjetividade prevalece na hora de dizer se um gesto ou ato é obsceno. O diretor teatral Gerald Thomas, por exemplo, foi indiciado em 2003 por praticar ato obsceno. Como forma de protesto pelas vaias do público do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, durante a mon-
O beijo em público era visto como ato obsceno nas décadas de 1940/50
a OAB segue os anseios da sociedade. E, por isso, a instituição entra, em certos casos, com ações de inconstitucionalidade. Isso acontece quando se percebe que a lei fere a Constituição. Além disso, Mauro Sales acredita que a subjetividade ainda é um fator primordial na hora de julgar se determinado ato é obsceno ou não. Indagado sobre o fato de a lei
tagem da ópera Tristão e Isouda, o diretor baixou as calças, exibiu as nádegas e simulou um ato de masturbação. Entretanto, a ação penal contra Gerald Thomas feita pelo Juizado Especial Criminal do Rio de Janeiro foi trancada em agosto de 2004, por meio de um habeas corpus, com a justificativa de que ele não fez aqueles gestos com o objetivo de ofender o pudor público. O então ministro Celso de Melo, que deferiu o pedido de encerramento do processo, afirmou que atitude tomada pelo diretor de teatro em mostrar suas nádegas foi uma maneira, em-
Enquete
Conflito: costumes e leis O advogado e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Mauro Sales, explica que o artigo 233 do Código Penal é caracterizado como Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO). Dessa forma, segundo Sales, quando uma pessoa comete algum tipo de ato obsceno, não existe um inquérito para apurar o caso. Isso acontece porque o artigo 233 é visto como um crime de menor potencial ofensivo. Mauro Sales também acredita que algumas leis são revogadas pelos costumes. “Na década de 1940, 1950, beijar em público era considerado um ato obsceno”, exemplifica. Ele compara o artigo 233 com o jogo do bicho, uma prática que já é costume entre os brasileiros. A questão é que, segundo Sales, para ser considerado um crime, o ato obsceno precisa estar dentro de um contexto. De acordo com o advogado,
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bora que grosseira, de expressar sua liberdade de expressão diante das vaias da platéia. A explicação para as diversas interpretações da Lei 233 está no fato de o Código Penal ter sido criado na década de 1940. Naquela época, muita coisa era considerada obscena, como o famoso gesto do dedo médio. O procurador federal Saulo Queiroz explica que a interpretação de um caso concreto deve levar em conta as mudanças de comportamento que se deram ao longo dos anos que separam o ano em que Código foi lançado para os dias atuais. “Antigamente, um ‘cotoco’ era um gesto extremamente ofensivo. Hoje em dia, dependendo do contexto, pode não ser”, afirma. As tradições do próprio país determinam o que é considerado crime ou não. Essa é a opinião do advogado Felipe Tavares. Ele justifica seu pensamento tomando como base a falta de punição. Um questionamento feito por ele está na punição para os acusados de praticar atos obscenos. Muitos deles não chegam nem a ser presos, o que favorece a continuidade da prática. Felipe Tavares relata que, quando ele era estagiário do Núcleo de Práticas Jurídicas da Unifor, uma senhora da comunidade do Dendê acusou um morador de se exibir de maneira obscena para sua filha. O juiz achou melhor punilo com prestação de serviços à comunidade. Para ele, se a sentença não é severa com o acusado, a prática de atos obscenos se torna algo “banal, corriqueira”.
Existe uma lei que pune gestos obscenos com, entre outras penas, três meses a um ano de cadeia. Você concorda?
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não dizer de forma clara o que pode ser considerado ato obsceno, Mauro Sales afirma que fazer esse tipo de classificação no próprio Código Penal é inviável. “As interpretações são tão variadas e complexas que seria praticamente impossível detalhá-las de forma precisa”, explica. Para Sales, o bom senso é um fator primordial na hora de julgar crimes dessa natureza.
“Não concordo. Se é uma coisa que fica tão aberta, acho que é sem sentido. Se chega um policial e acha que o gesto é obsceno, ele vai achar que pode te repreender porque ele considera o gesto obsceno. Uma coisa que sugere várias percepções diferentes, fica difícil manter como lei quando você não tem um definição clara do que ela é. Talvez se a definição fosse mais clara meu posicionamento fosse diferente.
“Eu concordo, tem que respeitar as pessoas que estão perto de você. O que poderia ser considerado um gesto obsceno entre amigos e pessoas que você conhece? Tem vários gestos que podiam ser obscenos para mim e pra outra pessoa não. Tem que especificar mais quais seriam os gestos obscenos. Na televisão, quando um apresentador faz um gesto obsceno. Em determinados horários aquilo ali não seria bem vindo.
Priscila Lima Estudante de Jornalismo, 7° semestre
Licia Rocha Estudante de Direito, 6° semestre
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SOBPRESSÃO
Leis brasileiras
MAIO / JUNHO DE 2008
Motoristas ignoram leis de trânsito Será que você já cometeu alguma infração de trânsito?! Não é dificil ver motoristas cometendo infrações em nossa cidade, mesmo sem saber que são infratores Monisa Muniz e Vitor Peres
Centro de Fortaleza. Meiodia. O calor insuportável não esconde algo ainda pior: o trânsito. Filas de carros buzinando, enquanto a população tenta atravessar as ruas pequenas. Nesse cenário, às vezes sem saber, motoristas e pedestres desrespeitam o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Papéis sendo jogados no chão por motoristas, pedestres atravessando fora da faixa, buzinas quase estourando os ouvidos das pessoas. Pouca gente sabe é que esses exemplos são infrações de trânsito. Porém poucas delas são coibidas pela Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e de Cidadania (AMC) ou Departamento Estadual de Trânsito do Ceará (DETRAN-CE). Em Fortaleza, conforme convênio de 2003, esses dois órgãos podem fiscalizar as atribuições de ambos.
Infração: agentes da AMC são insuficientes para fiscalização do trânsito de Fortaleza
Fiscalização Para o advogado Renato Soares, especialista em Direito de Trânsito, um dos principais fatores que fazem os motoristas cometerem as mesmas infrações é a falta de educação no trânsito. Quanto à questão de muitas infrações não serem obrigatoriamente fiscalizadas, Renato Soares acredita que nem todas podem ser administradas, pois lotaria o setor público. Se fossem aplicadas todas as multas à risca da lei,
seria um caos administrativo, sobrecarregando a repartição pública responsável, o que poderia acarretar numa grande insatisfação social, desordem e repercussão negativa. Quanto à fiscalização da AMC, o advogado conclui que os agentes agem de forma correta, devido à falta de estrutura do estado. “É fácil constatarmos que não existem agentes suficientes para perceber e autuar os motoristas que infringem estas normas. Muitas des-
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tas infrações são de natureza leve e os agentes apenas advertem e procuram educar, pois, se o motorista inicialmente for advertido, perceberá que a sociedade está de olho e que da próxima vez será punido”. A pensionista Maria de Lourdes Silva Lima de 56 anos pensa diferente sobre a AMC. Para ela, a fiscalização em nossa cidade é irresponsável, faltando respeito aos cidadãos e compromisso com o próprio órgão do qual prestam serviço.
Isso devido às más informações dadas aos condutores a respeito das próprias leis e da atividade de fiscalização de trânsito. De acordo com a Divisão de Operação e Fiscalização da AMC, o número de agentes de trânsito em Fortaleza é reduzido. São 215, quando seriam necessários pelo menos 500 para fiscalizar a quantidade de veículos cadastrados. No Ceará, a frota de veículos é de 1.153.000, dos quais 540.000 são de Fortaleza. Portanto, a fiscalização prioriza e as infrações mais graves, e que causam mais transtornos para o fluxo da cidade, como avanço de sinal vermelho, excesso de velocidade, parada sobre a faixa de pedestres, entre outras. Os agentes da AMC estão distribuídos em postos fixos nas vias, motociclistas e ciclistas operacionais, motorizados em viaturas, atividades administrativas e na central de operações. A educação no trânsito ainda é a melhor forma de prevenir acidentes, é o que afirma Francisco Agesilau Araújo Filho, Gerente do Núcleo de Sinalização do DETRAN-CE. “Sabemos que estamos deficitários em termos de agente de trânsito, o que também iria auxiliar muito na redução dos acidentes”, finalizou.
Desrespeito aos passageiros Certamente todo cidadão que utiliza os transportes coletivos já presenciou alguma irregularidade cometida pelos motoristas, seja de ônibus, vans, táxis ou moto-táxis Diego Benevides
Veículos lotados, motoristas que desobedecem as paradas obrigatórias ou dirigem com as portas abertas, oferecendo perigo aos cidadãos. A intensidade com que carros pequenos e ônibus disputam espaço nas ruas, causa tumulto em Fortaleza. Tudo piora quando os motoristas, apressados para terminar o expediente ou meros infratores despreocupados, tentam tirar vantagem a cada quilômetro rodado. A disputa por passageiros entre as vans e ônibus oferecem perigo também àqueles que estão de carro, que são alvos constantes de ultrapassagens forçadas. Para os usuários de transportes públicos, a situação fica crítica. Muitos motoristas não respeitam o trânsito dos pedestres, partindo em arrancadas bruscas.
Cotidiano: cidadãos disputam espaço nos transportes coletivos
Como essas, várias reclamações surgem. A publicitária Clara Machado contou que o mais frequente nos ônibus é o excesso de velocidade. “Uma vez estava num ônibus bem lotado e o motorista estava veloz e fazendo ultrapassagens inconseqüentes. Um velhinho, que estava em pé na frente, ia caindo e o motorista ainda culpou o velhinho”, comentou. Para a universitária Esthela Viana, o problema é grave nos horários de pico. “Quando eles estão correndo pra cumprir o horário, geralmente deixam a porta aberta e vão saindo assim mesmo”.
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Perante a Lei Em 1992, o prefeito Juraci Magalhães aprovou a a Lei municipal 7.163 sobre a regulamentação do serviço de transporte coletivo em Fortaleza. Só podem conduzir veículos aqueles devidamente cadastrados e avaliados pela Secretaria de Transporte do Município, além de precisarem estar habilitados para trabalhar. A legislação indica que tanto os motoristas quanto os cobradores devem estar de acordo com o que é estabelecido para a preservação da ordem no trânsito. O fumo e o consumo de be-
bida alcoólica por usuários, por exemplo, são proibidos, bem como o transporte de objetos que comprometam a segurança e o conforto do usuário. Estas e outras infrações se cometidas devem ser apenadas de acordo com a natureza da irregularidade causada. Suspensão, recolhimento e apreensão do veículo, cassação de credenciais e intervenção no serviço são algumas das penas a serem aplicadas pela Secretaria de Transportes do Município. O motorista José Marcos (pseudônimo) contou que as infrações são feitas “facilmente”. José disse que os passageiros às vezes reclamam da alta velocidade ou da lotação, mas que muitos não entendem o lado dos profissionais quando estão com o itinerário atrasado. Fiscalização A Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza S/A (ETUFOR) é a responsável por controlar o desempenho dos transportes públicos da cidade. A Unidade de Fiscalização (Difis) conta com uma equipe de 51 agentes que se dividem em três turnos para efetuar as blitze, observando
se a conduta dos motoristas e a qualidade dos serviços estão de acordo com o que é estabelecido pela lei. Em 2005, após o investimento fiscal para a promoção das blitze, o número de carros apreendidos foi de 1.412, entre veículos pequenos, vans e motos. Desde então, o número caiu para 1.110 em 2006 e 885 no ano passado. Até julho deste ano, 267 veículos foram tirados de circulação. Atualmente, mais de oito mil veículos são autorizados a correr na capital cearense. Segundo a assessoria da ETUFOR, as ocorrências mais freqüentes entre veículos pequenos é a desatualização da vistoria que permite a circulação na cidade. No caso dos ônibus, a ETUFOR fiscaliza o que diz respeito a problemas como furto e segurança. Sobre lotação ou excesso de velocidade, é dever do usuário denunciar para que a empresa averigue novas estratégias para evitar lotação nos horários turbulentos ou punir os motoristas.
Serviço ETUFOR: (85) 3452.9301