FOTO: RAPHAEL VILLAR
Entenda porque grupos, como o Crítica Radical, são contrários ao processo eleitoral e veja quais soluções eles propõem para superar a forma de fazer política no Brasil. Página 3
Saiba como o Ceará conseguiu diminuir o índice de acidentes com os carteiros e tornou-se exemplo de segurança. Página 10
JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE DE FORTALEZA
SETEMBRO/OUTUBRO DE 2008
FOTO: DIVULGAÇÃO
SOBPRESSÃO ANO 5 N° 16
Reciclagem de lixo na Capital é insuficiente
Desperdício: quase a totalidade das 3.500 toneladas de resíduos sólidos produzida na cidade diariamente não é reaproveitada
Na quinta metrópole em população do país, a reciclagem do lixo está concentrada basicamente na iniciativa pontual de algumas empresas e catadores Exemplo
Casa ecológica: economia e praticidade Inventada pelo engenheiro civil cearense Joaquim Caracas, a residência é feita de material reciclado e leva somente um dia para ser montada. A sua principal matéria-prima é o plástico. Essa alternativa imobiliária une praticidade e economia, aliada à preservação dos recursos naturais. Quem estiver interessado em adquirir esse imóvel inovador, irá desembolsar de 10 mil a 12 mil reais. Página 7
Enquanto ações em todo o mundo ressaltam a importância da sustentabilidade, segundo os dados mais recentes da Emlurb, referentes ao ano de 2005, a maior parte do lixo de Fortaleza permanece sem
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ser reciclado. Nesta edição do Sobpressão, você conhecerá alguns projetos pioneiros realizados pela iniciativa privada e por organizações do Terceiro Setor para tentar amenizar esse problema. Páginas 6 e 7
Aids
Música
Início da Bossa Nova cearense Em 1964, surge no cenário musical fortalezense Os Bossa Norte (foto). O grupo pioneiro ajudou a consolidar a harmonia de Tom, a melodia de João e as letras de Vinícius no
96%
Ceará. O novo ritmo, mesmo causando estranhamento entre algumas pessoas, ganhou uma roupagem local e conseguiu conquistar a simpatia do público. Página11
Esse é o percentual do lixo da nossa cidade que não passa por nenhum processo de reciclagem Sobreviventes
Crianças ainda sofrem preconceito
Eles vivem com menos de meio salário mínimo
No Ceará, nos últimos dois anos, houve uma redução no número de crianças soropositivas. Mas o preconceito ainda persiste na sociedade e dentro da própria família dos portadores do HIV. Uma parcela da população ainda não sabe como a doença pode ser transmitida. Conheça as histórias de pais e filhos que aprenderam a conviver com a enfermidade e tentam superar a discriminação. Páginas 8 e 9
Cinquenta milhões de brasileiros vivem com uma renda mensal inferior a R$80. Destes, cerca de dois milhões são cearenses. Considerados indigentes, sobrevivem de pequenos bicos. Esta realidade está presente na vida de pessoas como “Caroço”, Cristiane e Sandra, cujas histórias de vida, o Sobpressão conta nesta edição. Relatos que revelam fé, superação e esperança em melhorar de vida. Páginas 4 e 5
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Opinião
SOBPRESSÃO SETEMBRO / OUTUBRO DE 2008
Editorial
Crônica
Questão de vida ou morte O cuidado com o meio ambiente deixou de ser exclusivo de quem gosta de passear nos parques e de fazer trilhas ecológicas e se tornou um imperativo à sobrevivência humana. Enquanto há uma preocupação mundial em produzir mais para acelerar a economia e, assim, criar mais empregos, a instabilidade dessa lógica pode afetar a preservação do meio ambiente. Nenhuma teoria econômica é tão forte para se contrapor ao capitalismo “selvagem” quanto à necessidade de sobrevivência. Na verdade, não é necessário ser revolucionário nem mesmo ser contra a economia tal qual ela é para se perceber que há algo de errado. Dentro do país ícone do capitalismo internacional, o ex-candidato à presidência dos Estados Unidos Al Gore cunhou a expressão “uma verdade inconveniente”, para se referir ao fenômeno do aquecimento global. Indiferente aos problemas do meio ambiente, o homem se desenvolveu juntamente com a sua economia até encontrar em sua próprio corpo os limites para busca desenfreada pelo
crescimento a qualquer custo. O preço a ser pago parece alto. A natureza vem avisando há algum tempo que não irá perdoar a ignorância humana. Doenças como câncer de pele e enfermidades transmitidas pelo ar poluído e por água contaminada são reflexos da degradação ambiental. Aliás, é fato que 70% das doenças humanas são derivadas de água poluída. Mas, ninguém parece pensar nisso antes de jogar aquela latinha de refrigerante no rio da sua cidade. Simples atitudes de descaso com a questão da natureza que atemorizam os ativistas ambientais. Medo sim, o estágio da “preocupação” já foi ultrapassado. Al Gore fala que os impactos da ação do homem sobre o mundo são irreversíveis. O que se pode fazer é tentar mudar o que vai acontecer daqui para frente. Cuidar do lixo é um importante ponto de partida. É difícil calcular quantas árvores seriam poupadas se todo o papel usado fosse reciclado. Certamente a exploração predatória da natureza seria, pelo menos, minimizada.
Para ter êxito na tentativa de salvar o meio ambiente é necessário que o homem, de uma vez por todas, perceba fazer parte da natureza. Assim, saberá que, ao degradá-la, estará cometendo suicídio. As ações para salvar o meio ambiente, quer dizer, para o homem se salvar, ainda são incipientes. Se fala muito, e o que se faz ainda é muito pouco. Quem imaginaria que numa cidade com a quinta população do país, apenas 4% do lixo é reciclado? E o que se pode fazer para tentar mudar essa situação? Poucos fazem algo. A coleta seletiva do lixo domiciliar está longe de ser uma prática cotidiana. Afinal, pouca gente se preocupa com isso. Negar a sua responsabilidade sempre foi o passo seguinte mesmo quando não há mais como ignorar o problema. Precisa-se reconhecer: todos têm uma parcela de culpa no aquecimento global, na poluição dos mananciais, na extinção das espécies da fauna e flora. Por isso, todos devem atuar em conjunto para salvar a nossa casa, o planeta Terra.
Íkara Rodrigues
O dia em que comecei a amar Coração apertado. Eram milhares de bocas falando ao mesmo tempo. Não se entendia nada, a não ser alguns gritos. Tentava, em meio à multidão, enxergar alguma coisa, mas minha baixa estatura, de 1,35 m, não me permitia. Aquela sensação de ansiedade era intensificada a cada segundo, a cada pulinho que eu dava, a cada palavrão que ouvia. - Poxa, queria ver! Disse, em meio àquelas pessoas que pareciam hipnotizadas com algo. Agarrei a camisa de meu pai e a puxei com toda minha força. Ele me olhou aparentemente zangado. Sorri e pedi para que me colocasse no colo. Ele virou o rosto como se não tivesse me ouvido. Minha vontade era subir em algo, mas não havia um lugar. De repente, um barulho abafado surgiu. Era assustadora a sensação de que seria engolida por aquele som. Agarrei a perna de meu pai, fechei os olhos e comecei a imaginar minha mãezinha, que havia me dito: “não saia de perto de seu pai!”. Já começava a sentir as lágrimas que iriam escorrer pelo meu rosto, quando de repente, alguém me pegou com força pelo braço e me jogou para cima. Gritei em disparada com medo de abrir os olhos. Só consegui parar quando senti meu pai me abraçando com força e dizendo: “foi gol, minha filha, foi goool!” Ao abrir os olhos, vi que as pessoas pareciam felizes. Comecei a entender onde estava. Lembrei da televisão de minha casa, que nas tardes de domingo era sintonizada num canal onde passava aquele tapete verde com pessoas correndo atrás da bola, parecida com aquela que meu pai havia me dado. Já havia perguntado ao meu pai o que era aquilo, mas ele sempre me dizia: “depois filhinha, depois!” Perguntei novamente e ele disse: “isto é FUTEBOL, minha filha!” Eu mal sabia, na inocência dos meus 7 anos, que a partir daquele dia viveria uma relação de amor com aquele esporte tão fascinante, que consegue nos deixar 90 minutos em um estado de pleno envolvimento. Estudante do 7º semestre de Jornalismo
Artigo
Livino Neto
Reflexão sobre os desafios da juventude Em pesquisa do instituto DataFolha, foi traçado um perfil da juventude brasileira, perfil este assustador para quem defende uma sociedade livre e igualitária. Para realização da pesquisa, foram entrevistados 1541 jovens de 16 a 25 anos em 168 cidades. Entre outros pontos, o estudo revela que 34% dos jovens se intitulam de direita e conservadores. A pesquisa revela também que a juventude não tem grandes interesses em participar de organizações ou movimento sociais, sonha com conquistas materiais e defende a pena de morte. Tenho 22 anos e discordo das posições apresentadas pela maioria dos jovens entrevistados. Questiono até que ponto esta pesquisa é realmente o perfil da juventude. Não se quer de forma alguma acusar o instituto de conspiração ou algo do gênero, só tenho estas pesquisas como um tanto irreais. Por exemplo: como pedir para um jovem definir sua posição política entre direita, centro e esquerda, se na sociedade como um todo compreender este espaço de circulação se tornou uma interrogação? Sendo mais pragmático, o que podemos chamar de direita, centro e esquerda, de acordo com a pesquisa? Mas a pesquisa não deve ser rotulada como irrelevante. Pelo contrário, ela traz, aos que se consideram lutadores do povo, alguns desafios. Três deles, na minha opinião, são centrais: como dialogar com essa juventude numa lógica emancipatória? Como organizar a juventude? E de que forma podemos nos relacionar com os espaços que já concentram uma grande quantidade de jovens? Os desafios estão lançados aos que querem mudar o mundo. Assim como a juventude do MST e da Via Campesina, devemos erguer o braço esquerdo de punho fechado e gritar: juventude que ousa lutar, constrói o poder popular! Estudante do 7º semestre de Jornalismo
Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor) Fundação Edson Queiroz - Diretora do Centro de Ciências Humanas: Profª Erotilde Honório - Coordenador do Curso de Jornalismo: Professor Eduardo Freire - Disciplina: Projeto Experimental em Jornalismo Impresso (semestre 2008.2) - Reportagem: Bruno Anderson, Dely Sátiro, Evellyne Matos, Íkara Rodrigues, Jéssica Pretucci, Kelvia Alves, Livino Neto, Luziane Freire, Rachel Lorrayne, Thiago Barros, Vicky Nóbrega - Projeto gráfico: Prof. Eduardo Freire - Diagramação: Aldeci Tomaz - Orientação: Professor Antônio Simões - Supervisão gráfica: Francisco Roberto - Impressão: Gráfica Unifor - Tiragem: 500 exemplares - Auxiliares de Edição: Bruno Anderson, Camila Marcelo, Ivana Moreira, Lucas Abreu e Viviane Sobral - Colaboração: Professor Júlio Alcântara
Sugestões, comentários e críticas: jornalsobpressão@gmail.com
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Grupos defendem o fim das eleições e da política tradicional Com o avanço do marketing eleitoral e com a “redução” do debate político, o “Crítica Radical” e o coletivo “Resistência Libertária” propõem outras formas de participação como alternativa às eleições Livino Neto
Desta vez não foi preciso nem de segundo turno, a candidata do Partido dos Trabalhadores, Luiziane Lins, foi reeleita com 50,15% dos votos válidos de Fortaleza. Para alguns grupos, como o Crítica Radical e o Resistência Libertária, o resultado não foi satisfatório. Não porque queriam outro candidato na Prefeitura e sim porque, para eles, nenhum seria a solução. Conforme os grupos, o próprio processo eleitoral significou a derrocada do povo, pois a população foi bombardeada por marketing político e todo o debate saiu pela tangente. Mais uma vez, montou-se um verdadeiro circo eleitoral, que, para estes, já deveria ter tido as lonas retiradas há muito tempo. Diante de tanta cor, foi preciso ter um olhar mais perceptivo para notar o preto e branco de um cartaz pregado na parede com os dizeres “Fora política! Não Vote! Alternativa Já!” e curiosidade para ir a um cortejo contra as eleições, promovido pelo grupo Crítica Radical. Um discurso que vai
além do fatalismo e que traz, na perspectiva do grupo, uma problematização concreta não só das eleições, mas também da sociedade capitalista, atrelado a um convite para se pensar outra relação social. Segundo Célia Zanetti, integrante do Crítica Radical, a política é subalterna da economia . Com a crise da economia, a política apenas administra o que já está em crise, para ela não existe solução na política, que está diretamente atrelada ao capital. “A política, tornouse um balcão de negócios. O estado está a serviço do capital”, diz. O grupo diz que a morte da política já foi anunciada, mas ainda não sepultada, que a persistência do seu cadáver produz um projeto de fim de mundo, que restringe a luta por uma alternativa à sociedade produtora de mercadorias. Para tal é preciso enterrar a política que, segundo Célia, significa defender uma relação social em que não exista intermediação do Estado, estabelecida por uma relação de rede, sem base, direção ou quadro – todos no mesmo grau de igualdade. Mas como pensar essa sociedade na prática? Para a militante não existe uma receita pronta para tal. O Crítica Radical deu início à campanha pelo não voto nas eleições de 98, sofrendo com uma reação pública bastante forte, que, segundo os mili-
Protesto: ato de rua do Crítica Radical tenta persuadir a população FOTO: DIVULGAÇÃO
tantes do grupo, foi provocada pela onda Lula-lá. Para eles o voto nulo se caracteriza como uma forma de protesto. No entanto, é um protesto parcial, já que se torna uma alternativa proposta pelo próprio processo político. Já o coletivo Resistência Libertária defende o voto nulo. Pedro Henrique, mais conhecido como Macarrão, membro do coletivo, define que a forma ideal de manifestação seria o
Saiba mais...
Conheça os vários tipos de votos Toda eleição é sempre a mesma história. São muitas opções e poucas explicações. Como se diz que cidadania se faz pelas urnas, aconselhamos que se guarde este quadro para eleições futuras. Saiba mais sobre cada tipo de voto e tire suas dúvidas: VOTO NULO: O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não parece muito simpático ao voto nulo. É desta forma que o TSE descreve o ato de votar nulo: “Cuidado! Se você digitar um número de candidato ou partido inexistentes e depois apertar a tecla verde confirma, seu voto será contabilizado como voto nulo.” Apesar do pedido de cuidado, pela lei eleitoral, votar nulo significa afirmar que o eleitor discorda de todas as propostas colocadas no processo e isso tem efeito nas próprias eleições. Caso o percentual de votantes nulos signifique 50% mais 1 do total do eleitorado, fica obrigada a realização de novas eleições. O voto nulo para os anarquistas significa um voto de protesto, assim como o ato de não votar é dizer que discorda com o próprio sistema de representatividade.
VOTO BRANCO: Muita gente pensa que votar branco é semelhante a anular o voto, mas não se confunda, o voto branco é como um cheque em branco já assinado, no qual qualquer um pode colocar o valor. Quando se vota branco, o voto será contabilizado para a coligação com maior número de votos. Para se votar em branco basta apertar a tecla branco e apertar confirma. NÃO VOTAR: O voto nas eleições é obrigatório, no entanto a ausência do eleitor pode ser justificada por meio de um formulário. O documento está disponível gratuitamente nos cartórios eleitorais, nos postos de atendimento ao eleitor e nos Tribunais Eleitorais Regionais de cada Estado da federação. Após a data das eleições, o eleitor tem 60 dias para explicar sua ausência no pleito. Pode-se justificar a ausência quantas vezes for necessário. Caso a falta não seja justificada, o eleitor terá o titulo suspenso e para liberá-lo pagará multa, em torno de R$ 3,50.
não voto, no entanto devido às limitações impostas pelo próprio sistema, como a impossibilidade de prestar concurso público, o voto nulo se torna a alternativa mais viável. Macarrão explica que a proposta do coletivo se dá no seguinte tripé: não voto ou voto nulo, pela não obrigatoriedade de participação no processo eleitoral e por uma sociedade autogerida. Assim como o Crítica Radical, o Resistência Libertária também
defende a superação do capitalismo. No entanto, propõe como modelo as cidades autônomas de Chiapas (estado do México), onde as relações sociais se dão de forma direta, com a livre participação popular. Macarrão ainda alerta: “política não acontece de quatro em quatros anos e sim todo dia. Nas eleições se tem um esvaziamento dos processos reais de luta social e de debate político”.
Voto nulo tornou-se alternativa para jovem obrigado a votar André Araujo é um jovem de 22 anos que não participa de grupo organizado contrário às eleições. Mas não nega seu descontentamento com o processo eleitoral e também defende que é preciso pensar uma outra sociedade com outras relações sociais. Em 2002, ano em que o presidente Lula foi eleito, tinha dezesseis anos e teve a oportunidade de tirar seu título de eleitor (de forma não obrigatória). Naquele momento, chegou bem perto de votar pela primeira vez. Contudo, um cansaço, mais físico que ideológico, o impediu de concretizar o ato. A fila para tirar o título de eleitor no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) estava imensa, e ele preferiu desistir. Em 2004, com as eleições municipais, não teve jeito. Com dezoito anos, teve que superar o cansaço, já que agora era maior de idade e consequente-
mente obrigado a votar, e duas vezes, afinal aquele foi um ano com segundo turno. Nas eleições seguintes, para presidente, não teve dúvidas: anulou o seu voto e não se arrepende. Neste ano, para as eleições municipais, a ação foi a mesma. Como forma de demonstrar seu descontentamento com este modelo de representatividade, votou nulo. “Não vale a pena (votar), através das eleições não vai mudar nada” diz André. Ele ressalta que só vota porque é obrigado. Caso contrário, passaria longe das urnas.
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Mais de 2 milhões de cearenses são indigentes O Sobpressão mostra o cotidiano de pessoas que sonham em ganhar um salário mínimo. Gente como Iraci Teixeira, que há 41 anos sobrevive coletando lixo Jéssica Petrucci e Vicky Nóbrega
O forte odor do lixo se prolifera na região e se funde ao cheiro das pessoas, dando a elas um “perfume” impregnante. Plásticos, papéis, latas, urubus, animais e sobras de comida compõem o cenário e se tornam os principais personagens do aterro do Jangurussu, o maior destino dos restos de Fortaleza. Maria Iraci Teixeira, a Caroço, aos 48 anos, já toma o lixão como um lugar que faz parte da sua vida, a qual deve a ele. Aos sete anos, já catava materiais recicláveis no lixão e, por muitas vezes, teve a sorte de achar comidas e roupas. “Eu já comi muita galinha do lixo, pão era minha especialidade”, se “gaba” do feito impossível, para parte da população, de encontrar algo útil no meio do lixo. Para ela, esse lugar é lucrativo, apesar de render cerca de R$80 mensais, pois o que encontrar no local passa a lhe pertencer. “Praticamente, quase tudo que eu tenho é do lixo. Esse lixão é muito rico, minha filha, tudo a gente aproveita e transforma em alguma coisa”, explica. Caroço trabalhou 29 anos em aterros. Passou pela Barra do Ceará, Morro da Jia, Henrique Jorge, além de outros. Construiu uma família independente que, entre filhos e netos, representam “doze bocas” para alimentar. No início, quando os filhos eram mais novos, passava o dia tomando conta deles e, à noite, trabalhava. Hoje, sua vida não mudou muito. Há dois anos, Caroço participa da coleta seletiva na Associação dos Catadores do Jangurussu. A única mudança se deve à percepção de que é preciso dividir os lucros, já que o dinheiro na associação é repartido entre as pessoas que a compõe. Mas a vontade de sair daquela situação permanece. “A gente (do lixão) é um disputando com o outro, e ainda disputa lixo com trator, com urubu, levando sol, chuva e lama”, afirma. Com
Desempregada sustenta seis pessoas A pipoqueira, lavadeira e vendedora Cristiane de Mendes Sousa, aos 42 anos de idade, tem muita história para contar. Cristiane foi abandonada pelo marido, com o qual vivia há 18 anos e teve três filhos. Mas, atualmente, a família cresceu, já que sua filha de 15 anos casou e lhe deu um neto. Todos moram juntos em sua casa no Conjunto Ceará. O que restou do ex-marido foi a pipoca, a qual ela tem como negócio de família. Depois dessa grande mudança, para sustentar as seis pessoas que moram em sua casa, Cristiane manteve seu “bico” de lavadeira e adquiriu mais outras ocupações como pipoqueira e vendedora de produtos de beleza. Seu dia é cheio. “Acordo bem cedo e já começo lavando roupa nas casas. Depois, umas três horas (da tarde), eu chego aqui (na Avenida Beira-Mar) com as minhas pipocas”, diz. Durante seis horas, Cristiane vende os produtos. O marido da filha é flanelinha e, segundo Cristiane, sua ajuda é insuficiente para as despesas da casa. Com a ajuda de R$102 do Bolsa Família, Cristiane acumula uma renda oscilante entre R$300 e R$400 por mês. De acordo com a vendedora, “é osso! Fal-
Cristiane tem a pipoca como uma fonte de renda. FOTO: MARÍLIA CAMELO
ta tudo, mas Deus vai melhorar minha vida”. O dinheiro adquirido é investido primeiramente na compra de produtos para manter o negócio. Em seguida, ela garante comida e estudo para os filhos. Todos vão à escola, com exceção da filha que teve bebê recentemente. Quando perguntada sobre um sonho ou desejo, é enfática: “tenho fé em Deus que ainda vou arrumar um emprego pra poder ganhar um salário mínimo e sair disso aqui”. Ela ainda conta que gostaria de ajudar os outros com seu trabalho.
Família não recebe ajuda do governo Iraci explica como sobrevive com R$80. FOTO: MARÍLIA CAMELO
um lucro quinzenal que oscila em torno de R$40. Quando perguntada se é possível viver com essa renda, Caroço responde otimista: “dá... Almoçando e não jantando, comendo de manhã e só merendando à noite”. Com o tempo, Caroço percebeu que “é muito importante a pessoa ter consciência do pensamento solidário”. Ainda assim, questiona-se sobre ser possível conscientizar a população a respeito da existência de 78 famílias da associação que sobrevivem com o resto dos outros. Contudo, independente da realidade precária em que vive, ela ainda possui “grandes” ambições. “Nessa altura do campeonato, eu só quero duas coisas: saúde e aprender a ler. Assim eu podia arranjar um emprego melhor e ganhar um salário mínimo”. Essa realidade é vivida por muitos na capital cearense. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do ano pas-
sado, 471.744 mil famílias no Ceará têm ganho per capita de R$95. Com isso, o contingente que está na linha de indigência representa 2,2 milhões de cearenses. Dentro deste quadro, o “Diagnóstico socioeconômico e cultural do(a) catador(a) de materiais recicláveis de Fortaleza”, realizado no ano de 2006, pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Energias Renováveis, revela que há oito mil catadores de material reciclável na capital. Eles vivem com uma renda mensal de apenas R$ 60. Parte da população gasta a quantia equivalente ou superior em uma refeição, enquanto outros fazem mágica para sobreviver com esse valor durante o mês.
Com seis filhos para criar e na companhia de seu marido, Sandra do Nascimento Silva, aos 38 anos, coleta material reciclável para sustentar a família. Há 18 anos, o seu local de trabalho é a praça do Lago Jacarey. Como flanelinha e faxineiro na churrascaria da praça, o marido acrescenta a renda que Sandra acumula como catadora de material reciclável. A soma não dá mais de R$400, com o que, segundo conta, “dá pra escapar”. Além do marido, os dois filhos mais velhos (de 15 e 12 anos) também ajudam na vigilância dos carros.
Serviço Para doação de material reciclável. Associação dos Catadores do Jangurussu (representante Flávio da Silva): 3289.2189
Sandra recolhendo lixo para reciclar. FOTO: VICKY NÓBREGA
O casal e os dois filhos vão à praça toda quinta-feira quando intensifica o movimento no local. À noite, as crianças retornam ao lar, mas os pais permanecem e se acomodam em um colchão improvisado. Ficam naquelas imediações até a manhã de segunda-feira. “Os dois meninos voltam pra casa, porque têm aula, mas duas horas da tarde eles vêm trabalhar. Eu e o Edivaldo (marido) ficamos mais tempo para ganhar mais dinheiro”, afirma. Sandra revela que não recebe ajuda do governo. “Nunca recebemos Bolsa-Família. Mesmo eu tendo seis filhos na escola, nenhum recebe (o BolsaFamília)”. Para o casal, o esforço é necessário, já que, segundo o marido, “quando as duas pequenas (filhas de 4 e 5 anos) acordam com fome, elas não querem saber se tem ou não comida. A gente tem que ralar muito pra dá de comer aos meninos”. E Sandra complementa o marido ao afirmar que vive de doação. Mas, apesar das dificuldades, ainda sonha com mudanças: “espero um dia ainda trabalhar em uma casa de família. Hoje é dia das crianças e meus filhos estão trabalhando. Se eu pudesse, eu tirava eles daqui”.
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Indigentes: moradores de rua sobrevivem com menos de meio salário mínimo mensais . FOTO: KELVIA SOUZA
43% dos nordestinos ganham até R$207 Sobreviver com uma renda abaixo de um salário mínimo não é uma realidade só para os cearenses. De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais 2008, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 1997 e 2007, 23,5% dos brasileiros viviam com um rendimento familiar per capita de até meio salário mínimo, na ordem de R$207. No Nordeste, a porcentagem de famílias nessa situação é de 43,1%. Segundo uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, 50 milhões de brasileiros vivem com uma renda mensal inferior a R$80. A maioria das pessoas que está nessa situação considera o Bolsa Família, Programa do Governo Federal, como uma grande ajuda na renda familiar. André Menezes, coordenador municipal do cadastro único e do programa Bolsa Família de Fortaleza, afirma que o be-
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Números oficiais
* O Ceará é o segundo Estado brasileiro a precisar de mais investimentos para erradicar a miséria, cerca de R$ 163 milhões. * Em Fortaleza, 149 mil famílias recebem Bolsa Família. * A capital cearense recebe mais de R$ 11,1 milhões por mês para o Programa. * Os benefícios vão de R$20,00 a R$ 182,00.
Salário vigente X necessário Baseado no Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o gráfico abaixo aborda as mudanças salariais sofridas ao longo de 2008, destacando o valor do salário mínimo nominal e do salário mínimo necessário. O primeiro significa o valor vigente, já o segundo representa, conforme a Constituição Brasileira, o salário capaz de atender às necessidades vitais básicas, como moradia, alimentação, educa-
ção, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Para a construção do gráfico, em cada mês, foi considerado o maior valor do custo essencial para as localidades pesquisadas. Na pesquisa, a família considerada é composta por dois adultos e duas crianças, sendo que estas consomem o equivalente a um adulto. Com isso, ponderandose o gasto familiar, chegamos ao salário mínimo necessário.
GRÁFICO SALARIAL CONFORME DIEESE 2008
Salário Nominal*
Salário Necessário**
Janeiro
R$ 380,00
R$ 1.924,59
Fevereiro
R$ 380,00
R$ 1.900,31
Março
R$ 415,00
R$ 1.881,32
Abril
R$ 415,00
R$ 1.918,12
Maio
R$ 415,00
R$ 1.987,51
Junho
R$ 415,00
R$ 2.072,70
Julho
R$ 415,00
R$ 2.178,30
Agosto
R$ 415,00
R$ 2.025,99
nefício é um incremento no orçamento familiar e na economia local. Só em Fortaleza, são mais de R$11,1 milhões por mês transferidos pelo Governo Federal e injetados na economia da capital, sendo 149 mil famílias atendidas pelo programa. De acordo com ele, “os valores dos benefícios variam de R$ 20,00 a R$ 182,00 que são usados essencialmente para a subsistência familiar, predominantemente para a compra de alimentos que garantem as três refeições diárias, além do cumprimento da agenda de saúde e da garantia da ida de crianças e adolescentes à escola. Ou seja, o Bolsa Família reforça, complementa ou garante renda às famílias em situação de pobreza ou de extrema pobreza”. Menezes destaca que o Programa não tem intenção de solucionar os históricos problemas sociais e econômicos que atingem grande parcela da
população. Mas, sim, de gerar oportunidades, junto com outras políticas públicas, priorizando famílias com baixa renda de melhorar a qualidade de vida dessas pessoas. “Os três eixos do programa: alívio imediato da fome - com a compra de alimentos; acesso aos serviços básicos de saúde e de educação; e disponibilização de programas/ações complementares têm objetivos bastantes claros”, afirma Menezes. O coordenador adianta que o Governo Federal lançará ainda este ano o PLANSEQ Bolsa Família, que por meio da capacitação e do ingresso no mercado de trabalho, beneficiará cerca de 4.500 famílias em Fortaleza. Ações da Prefeitura A assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) afirma que “tem como públicoalvo indivíduos e famílias em
situação de vulnerabilidade social, ou seja, atendemos especialmente aquelas pessoas que possuem uma renda baixa ou renda nenhuma”. A Secretaria garante ter soluções para melhorar a vida desses cearenses que vivem na indigência. Com esse objetivo, o órgão foi dividido em três coordenadorias: Proteção Social Básica, Proteção Social Especial e Gestão do Sistema Único da Assistência Social. Elas realizam ações para amenizar essa situação, como oficinas e cursos que promovem a cidadania e a inserção social e atividades socioeducativas, esportivas e culturais para dois mil jovens que se encontram em situação de risco social. Muitas dessas ações estão concentradas nos vinte Centros de Referência da Assistência Social (Cras) existentes em bairros pobres de Fortaleza. (JP / VN)
Opinião
Há solução para a indigência? “Dentro dos marcos do capitalismo, esse é um problema que não apresenta soluções. A fome reclama medidas urgentes e se responsabiliza pela morte de cerca de 100 mil pessoas diariamente. Isso porque, com o crescimento gradativo da desigualdade social, o capitalismo se fortalece e exclui grande parcela da população. Então, em vez de se dedicar à caridade pública, é preciso que o governo crie um novo padrão de desenvolvimento, proporcionando condições para que as pessoas consigam viver do próprio trabalho. Ou seja, esse problema só será resolvido se o capitalismo acabar”.
“Esse é um problema difícil na sociedade capitalista onde muitos estão em situação de extrema pobreza e poucos gozam de um luxo incomensurável, existente devido à desigualdade atroz e a exploração do trabalho de muitos por uma elite. Por enquanto, não vejo solução para a miséria. A fome tem crescido no mundo. No Brasil, os programas sociais do Governo Lula, como o Bolsa Família, apesar de paliativos, são necessários para resolver o problema imediato. Para médio e longo prazo, a solução é educação de qualidade, que faria com que as pessoas tivessem melhores condições de empregabilidade”.
“No curto prazo, para melhorar mais rapidamente as estatísticas, o Estado tem como opção focar em programas de transferência de renda; porém sem esquecer capacitação profissional, para dotar os mais pobres de um ofício; e ainda de acesso ao crédito e melhoria das condições de saúde. Saudáveis as pessoas têm mais condições de trabalhar. Dotar as crianças de hoje de educação vai transformá-las em pessoal capacitado quando elas estiverem com 18 anos de idade , na época de entrar no mercado de trabalho. Ou o governo dá atenção direta ao indivíduo e à questão da desigualdade ou os dados não vão mudar”.
Francisco Teixeira Professor e Doutor em Educação
Geísa Mattos Professora e doutora em sociologia
Flávio Ataliba Pós-doutor em Economia
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Apenas 4% do lixo de Fortaleza são reaproveitados A reciclagem está longe de ser a ideal na Capital cearense. Para completar, a coleta seletiva ainda é desconhecida pela maioria da população Thiago Barros
O ano de 2050 terá pouco mais de nove bilhões de pessoas, 70% das quais residentes na zona urbana. Essa é a realidade que projeta o Population Reference Bureau (PBR), entidade americana que estuda questões relacionadas à população, à saúde e ao meio ambiente, em pesquisa publicada em agosto deste ano. Com toda essa gente, o meio ambiente, que já sofre com a ação do homem, pode ficar em uma situação mais delicada. Uma das razões para essa preocupação é o grande aumento na produção de lixo, já considerado um dos principais problemas das grandes cidades do mundo. Em Fortaleza, o processo de reciclagem do lixo é protagonizado por catadores. Estima-se que entre dezembro de 2005 e junho de 2006 existiam cerca de 8 mil catadores na cidade, segundo pesquisa do Instituto Municipal de Pesquisas, Administração e Recursos (Imparh). Alguns deles estão organizados em cooperativas, e um total de 116 trabalha em parceria com a Empresa Municipal de Limpeza Urbana (Emlurb), no Complexo Jangurussu. No entanto, uma média de 3.500 toneladas de lixo vai por dia para o Aterro Sanitário Oeste de Caucaia, que está a margem da ação desses catadores/recicladores, resultante da coleta domiciliar. Coincidência ou não, os dados da Emlurb indicam para um índice de apenas 3% a 4% de reciclagem do lixo de Fortaleza. No resto do Brasil, os números também não são animadores. Segundo dados do Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos/2006, elaborado pelo Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS), um brasileiro produz em média 335 mil quilos de lixo sólido por ano, dos quais apenas 2,8 kg são recuperados para reciclagem. Coleta Seletiva Os números baixos de reciclagem são, em parte, consequência da falta de coleta seletiva, já que é prática comum no Brasil a dispensa de todo o lixo
Quando reclicar vira um bom negócio Utilizar a rádio-escola como um instrumento de mobilização comunitária para promover a cidadania ambiental. Num primeiro momento, esse é o objetivo do projeto “Catadores de Sonhos”, desenvolvido pela ONG Catavento. Mas a intenção é mais que isso. Além de promover a conscientização, a ONG pretende criar uma alternativa para o aumento da renda dos moradores, através da coleta seletiva. O projeto, vencedor do concurso Fundo Itaú Excelência Social (FIES), é um bom exemplo de como se pode aliar cidadania ambiental e geração de renda, numa cidade onde a reciclagem está nas mãos dos catadores. O setor privado, por sua vez, também parece ter visto na causa ambiental uma oportunidade. Numa sociedade cada vez mais esclarecida e exigente, o marketing ambiental se tornou um item de diferenciação no mercado. É o que sugere o professor Takeshy Tachizawa, na apresentação do seu livro “Gestão Ambiental e Responsabilidade Social Corporativa”. “Estes tempos em que afloram significativas mudanças de paradigmas podem estar sinalizando para um novo contexto empresarial, que poderia perfeitamente ser caracterizado como gestão de negócios de
Coleta Seletiva: lixeiras individualizadas facilitam a reciclagem FOTO: THIAGO BARROS
forma socialmente responsável e ecologicamente correta”, diz. Para ele, a expansão da consciência coletiva com relação ao meio ambiente induz as empresas a um novo posicionamento. E é por meio de um projeto de coleta seletiva que uma grande rede de supermercados está aproveitando para incrementar sua imagem. Ela instalou lixeiras individualizadas para cada tipo de dejeto na frente de suas lojas. Se depender da estudante Cecília Braz, 21, a estratégia funcionou: “acho uma ótima iniciativa ter essas lixeiras aqui. Seria bom se mais gente tivesse essa consciência de que é preciso reciclar”, afirma.
Opinião
Wilca Hempel
Por um crescimento mais ordenado O Aumento da produção de resíduos sólidos pode causar efeitos desastrosos ao meio ambiente caso não haja reciclagem FOTO: MARÍLIA CAMELO
em um só volume. Conforme o IBGE, em 2004, o indicador “Coleta seletiva de lixo” mostrava números incipientes no país. Somente 2% do lixo produzido no Brasil eram coletados seletivamente. Apenas 6% das residências eram atendidas por serviços de coleta seletiva, que existiam em apenas 8,2% dos municípios brasileiros. Para transformar essa situação, uma idéia ganhou força neste começo de século. Tratam-se dos “3 Rs”. A expressão, que é uma abreviação das palavras reduzir, reutilizar e reciclar, ampliou o escopo da problemática do lixo e a deu um enfoque sistemático. O seu alcance é tamanho que serviu de tema para os vídeos apresentados no Live Earth, evento que reuniu bandas internacionais em prol da conservação do meio ambiente em 2007. De fato, hoje, muitas empresas e organizações não-governamentais (ONG) estão se equipando por conta própria para agir de acordo com os 3 Rs e
estabelecendo medidas pioneiras na busca do Desenvolvimento Sustentável. Uma delas é a ONG Catavento, que atua na área de comunicação, percebendo como estratégia de mobilização social, compreensão e transformação de realidades. A ONG está ligada desde seu início com a questão ambiental. Sua história começou em 1991, quando um grupo de jovens estudantes lançou, nos estúdios da Rádio Universitária FM, um programa denominado “Catavento”, que tinha como objetivo discutir assuntos relativos à ecologia. Em 1995, a ONG propriamente dita era criada, guardando no seu nome (ONG Catavento Comunicação e Educação Ambiental) a preocupação ambiental. Hoje, a Catavento conta com o projeto “Catadores de Sonhos”, que consiste na realização de rádio-escolas em comunidades, com o intuito de mobilizá-las para os benefícios da coleta seletiva.
Quando falamos em Desenvolvimento Sustentável, devemos inicialmente levar em consideração a distinção entre crescimento econômico e desenvolvimento. “Crescimento econômico” somente considera a acumulação de riquezas, não levando em consideração nenhum outro aspecto da qualidade de vida que induza à igualdade nem à justiça social. O desenvolvimento, por sua vez, além da preocupação com a riqueza, objetiva distribuí-la buscando melhorar a qualidade de vida da população e a consequente qualidade ambiental do planeta. Entendo que desenvolvimento sustentável é qualquer modelo de desenvolvimento que promova geração de riqueza sustentável, busque a justiça social e tenha uma atuação ambientalmente responsável; esses são os três pilares em que se fundamenta teoricamente o desenvolvimento sustentável: o econômico, o social e o ambiental. O termo “desenvolvimento sustentável” mais do que nunca está na moda; raros são os discursos que a ele não façam referência. Isso se deve à gradativa complexidade e freqüência com que os impactos ambientais vêm surgindo, provocando discussões e debates em torno da problemática ambiental. Lamentavelmente, no entanto, o desenvolvimento sustentável ainda não é uma realidade no mundo, de uma forma geral. Muitas pessoas ainda associam a palavra “desenvolvimento” somente à idéia de crescimento econômico. O atual modelo econômico, adotado no mundo inteiro de forma generalizada, encontra-se absolutamente esgotado. A construção da sustentabilidade não pode ser realizada por meio de medidas pontuais e fragmentadas e exige uma profunda mudança no modelo de desenvolvimento hoje existente, rico em desigualdade e indutor de tanta degradação do meio ambiente, na contramão da justiça e da sustentabilidade. Wilca Hempel é mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
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Entrevista com Joaquim Caracas
Casa ecológica já se tornou realidade no cenário nacional O engenheiro civil cearense, Joaquim Caracas, 52 anos, é inventor da casa ecológicamente correta. Feita a partir de material reciclado, a invenção já figura no hall de alternativas para o desenvolvimento sustentável. O imóvel custa de 10 mil a 12 mil reais e pode ser adquirido em qualquer região do país Evellyne Matos
Sobpressão - Quando surgiu a idéia de fazer uma casa como essa? Joaquim Caracas - A idéia tem, aproximadamente, um ano e pouco. Eu sou engenheiro civil, faço a parte de estrutura de concreto nas obras e bolei a placa plástica para substituir a madeira nas obras, nós a chamamos de plasterite. Um dia, há um pouco mais de um ano, eu estava nas praias de Aracaju e vi um painel de madeira com as casas pintadas, fiquei com aquilo na cabeça e resolvi fazer uma de plástico. Em uma quinta-feira feriado, cheguei no escritório, como sexta-feira não tinha nada planejado, decidi fazer uma casa. Aí fizemos a primeira casa e nosso projeto foi dando certo. SP - Quando a casa foi lançada no mercado? JC - Ela foi lançada em outubro de 2006 na Feira do Empreendedor, aqui no Centro de Convenções de Fortaleza. SP - Que tipo de repercussão teve o lançamento da casa? JC - Alguns me chamaram de doido, mas agora já tem essas casas que fiz para a Coelce e hoje é uma realidade. Agora tem essa que estou fazendo para Casa Cor. Estou esperando ainda a repercussão que vai dar. Eles acham que vai ser a vedete da Casa Cor. Tem somente dois dias que montei essa casa e eles já querem que em toda Casa Cor tenha uma casa dessa. SP - Então a casa já é está sendo comercializada? JC - Sim. Hoje nós temos 60 casas dessas presente na periferia de Fortaleza e que são alugadas para a Coelce. Esta tem um projeto de trocar lixo por energia, que hoje está presente em toda periferia. Você chega com o resíduo sólido nos postos de coleta. Ela (a Coelce) pesa e on-line já registra isso na máquina. Assim, quando você receber a conta de luz , já vem com o desconto. A Coelce
começou a montar postos de captação desses materiais na Washington Soares, mas estava com dificuldade de criar o espaço físico desses locais de captação desses materiais. Então a Coelce me procurou. Como eu já tinha a primeira casa construída, aí comecei a fazer residências semelhantes para a Coelce. Já faz uns oito meses que eu faço e alugo para essa empresa. Construi também uma casa para o Chalé das Montanhas em Guaramiranga.
SP - Quanto custa para adquirir essa casa? E para alugar? JC - O aluguel de cada unidade custa R$ 400,00. Caso fossemos vender uma casa plástico com as mesmas medidas de uma casa popular de alvenaria, ela iria custar hoje, de 10 mil a 12 mil reais. SP - E como fica as instalações de energia e água? JC - Essa parte de energia e água é convencional, e já está incluso no “Kit” (peças para montar a casa). A nossa idéia é vender o Kit e mostrar para a pessoa o que é necessário para terminar a casa, com relação ao quantitativo e o preço. Nós já estamos com um projeto, em que a placa plástica já vem
Joaquim Caracas aposta no lixo reciclado como matéria-prima para a realização da casa ecológica. FOTO: REBECCA CARACAS
com o interruptor e os eletrodutos. Para cada necessidade desse tipo existirá uma placa correspondente. Por exemplo, placa A para interruptor e tomada, placa B para água. Tudo isso com intuito de facilitar a montagem.
SP - Por que essa casa pode ser considerada como uma casa ecologicamente correta? JC - Ela é feita de material reciclado. Garrafinhas de água, bacias quebradas, enfim, todo esse plástico que está jogado na natureza, e que é reciclável. Por isso, ela é ecologicamente correta. Nós estamos limpando a natureza. SP - Além das garafas plásti-
cas, é utilizado outro tipo de material na estrutura da casa? JC - Essa casa tem em sua composição 80 % de material reciclado e 20% de perfis metálicos, que são peças que podem ser feitas a partir de sucata e são utilizadas para estruturar a casa. SP - Quais são os planos futuros para a casa? JC - A idéia é que, futuramente, as partes da casa sejam comercializadas separadamente, nos supermercados. Por exemplo, a pessoas vai poder adquirir um perfil metálico (objetos responsáveis pelos encaixes e estrutura da casa), placas de plástico, enfim, todos os tipos de pedaços da casa, para que
Saiba mais...
Por quê investir nessa alternativa • Tempo - para se montar a casa ecologica é necessário somente um dia. • Economia - não requer mão-de-obra especializada e economiza-se também em recursos como, água, cimento, tijolo, areia. • Praticidade - pode ser montada e desmontada a qualquer hora, uma vez que a casa é feita de peças de encaixe e, inclusive, pode ser facilmente transportada. • Espaço - por ter paredes mais finas que as da casa convecional, a casa ecológica tem um ganho de 12% no espaço total. • Durabilidade - 100 anos ou mais.
ele possa, de acordo com sua vontade, aumentá-la ou reformá-la. Ressaltando que dessa forma, o indivíduo reaproveita 100% do material de demolição, ampliando a sua casa sem muito estresse. Isso porque não é necessário quebrar nada. Algo que seria praticamente inviável, quando se trata de uma casa de alvenaria. Esse tipo de procedimento, além de tudo, é economicamente vantajoso para o indivíduo. Além do mais, conta com a vantagem de não ser necessária a utilização de recursos naturais na hora da montagem.
SP - Quais são suas outras invenções? JC - Hoje eu tenho 11 pedidos de patente e 3 deles eu já consegui. Todas as onze soluções que eu inventei e que dei entrada no processo de requerimento de patente já estão sendo usadas. Entre as onze patentes requeridas estão a caixa de plástico recuperável, a caixa de plástico para laje nervurada, o fixador de cordoalha, a treliça no sentido contrário, cimbramento, plasterite, casa de plástico e o manzuá de plástico reciclado. A maioria das minhas invenções utiliza o plástico reciclado. Hoje eu digo que sou o engenheiro do plástico reciclado.
Serviço Impacto Protensão Fortaleza - CE - (Matriz) Rua Mário Guedes, 340 - Salinas Fone: (85) 3273.7676 Email: impactoprotende@secrel. com.br
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A AIDS Em pleno século XXI, crianças e adultos soropositivos ainda enfrentam o preconceito da sociedade e da própria família, que parecem desconhecer a Aids Dely Sátiro e Luziane Freire
Antes mesmo de o sol levantar, às 4h30min, Gabriel*, de três anos, já está de farda e mochila nas costas para aprender as primeiras letras na creche. Querido entre os coleguinhas, o pequeno se diverte durante as aulas e nas brincadeiras sugeridas pela professora. Agitado como qualquer criança de sua idade, ele aproveita a tão esperada recreação para correr, pular e brincar com carrinhos na areia. Mas, em meio à fantasia e ao encanto da infância, na qual tudo parece ser perfeito, algumas obrigações, impostas pelas circunstâncias da vida, o desanimam. O fato de ter que tomar remédios todos os dias e submeter-se a consultas médicas a cada três meses incomodam. Filho de soropositiva, Gabriel precisa de determinados cuidados para não desenvolver o vírus da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). “Não sabemos ao certo se ele tem a doença. O resultado dos exames indica: indetectável”, conta Maria*, mãe do garoto. Entre lágrimas, a moça, de 29 anos, diz que reza, diariamente, em busca de proteção. “Espero que Deus salve, pelo menos, o meu filho”, desabafa. Como sua mãe não tomou as devidas prevenções durante
dentro do univer
a gestação, o menino pode carregar em seu pequeno corpo o HIV. “Não cuidei e nem tive acompanhamento médico. Só fiquei sabendo que era soropositiva no momento do parto”, explica. Cerca de 90% dos casos de AIDS em crianças estão relacionados à transmissão vertical, quando o vírus é passado de mãe para filho. “O uso de anti-retrovirais durante a gravidez, no parto e nas primeiras seis semanas de vida do recémnascido é capaz de reduzir em até 98% a transmissão do vírus para a criança. Caso nada disso
Ana
Ela toma os remédios na hora certa e briga comigo se eu não tomar. Quando eu esqueço, ela pergunta se quero morrer Mãe soropositiva
seja feito, o risco de contágio é de 15% a 45%”, afirma o especialista em infectologia pediátrica, Robério Leite. Neste ano, seis crianças com idades que variam entre zero e 13 anos foram infectadas pelo HIV no Ceará, segundo boletim divulgado pela Secretariade Saúde do Estado (Sesa).
Os dados são referentes de janeiro até agosto e revelam que o número de portadores não diminuiu nem aumentou, quando comparado ao mesmo período do ano passado. Convivência Para alertar e propor um maior esclarecimento sobre a AIDS, o Núcleo de Prevenção e Controle de Doenças e Agravos (Nuprev) da Sesa promove programas educativos. “Distribuímos material informativo para a população em geral, mulheres, GLBTT e homens. Além disso, fazemos um trabalho de orientação acerca dos modos de contaminação”, explica Telma Martins, coordenadora do Nuprev. Ao nascer com AIDS, a criança pode e deve viver normalmente, desde que seja acompanhada por um médico. De acordo com Robério Leite, está comprovado, por meio de pesquisas, que várias crianças portadoras do HIV chegam à adolescência e à idade adulta de forma produtiva. “A sobrevida é variável, dependendo de adesão apropriada ao tratamento e de fatores
individuais do sistema imunológico de cada uma delas”, explica. Embora não seja possível prever quantos anos ela viverá, a expectativa de vida aumenta conforme o avanço da Medicina. Carolina*, que convive com a doença desde que veio ao mundo, há dez anos, não deixa o vírus
destruir o seu sonho de ser professora. Disciplinada e excelente aluna, já sabe ler, escrever e colorir. Sua matéria preferida? Matemática. “Adoro ir ao colégio fazer cálculos e pintar”, conta, deixando transparecer o sorriso na face. A menina só deixa de lado as tarefas escolares e as brincadeiras com as bonecas para cuidar da saúde. Como “gente grande”, compreende o que é a AIDS e tem consciência de que deve se medicar corretamente. Além dos cuidados com a sua saúde, Carolina toma conta da mãe, Ana*, que também tem AIDS. “Ela toma os remédios na hora certa e briga comigo se eu não tomar. Quando eu esqueço, ela pergunta se quero morrer”, relata Ana.
Há cinco anos, mãe e filha descobriram a doença. Por causa de uma pneumonia, Ana foi internada e, após realizar exames, constatou o vírus existente no sangue. Como não se podia fazer mais nada, restou o sentimento de culpa. “Era bem danada. Brinquei muito”, reconhece. Apesar do baque inicial, a rotina continuou sem maiores mudanças. Hoje, as duas se divertem, sem medo do dia de amanhã. “Eu vou é viver! Espero ainda ver meus netos”, acrescenta Ana.
Preconceito Apesar do olhar inocente, que não compreende direito o que acontece ao seu redor, Gabriel é vítima da discriminação. Ainda sem entender certos comentários e gestos maldosos, leva a vida na maior
Entrevista
“Só cabe aos pais contar” A psicóloga Karlla Carvalho, que trabalha com crianças soropositivas, explica ser aos sete anos a idade apropriada para contar sobre a doença Dely Sátiro e Luziane Freire
Sobpressão: Como funciona a cabeça de uma pessoa que convive com a AIDS? Karlla Carvalho: Elas passam pelo estágio da negação, da agressividade e, por último, da aceitação. Há pessoas que, com um ano de HVI, estão conformadas. Já outras, com seis, ainda choram todos os dias. O desconhecimento da doença leva a pensar na morte instantânea. O fato de não ter cura piora ainda mais o estado dos pacientes.
deve saber. Vem a menstruação, o namoro... É fundamental que a criança saiba como agir. No entanto, o momento certo de dizer só cabe aos pais.
JS: E no caso das crianças que já nascem com o vírus? KC: É mais fácil. Ela já nasceu assim e nunca viveu de outra forma. Neste caso, o mais difícil é para o adulto que traz o sentimento de culpa: “eu deveria não ter feito”, “o que foi que eu fiz com meu filho?”. Aconselhamos à mãe a contar a verdade, mas muitas não têm coragem. JS: Com quantos anos uma criança deve saber que é portadora do vírus? KC: A partir dos sete anos acredito ser a idade adequada para saber da doença. Ela já compreende. Mas, antes de contar, trabalha-se de uma forma indireta, com livros e filmes. Na adolescência já se
JS: O que é mais difícil ser enfrentado para os adultos? KC: A perda do senso de utilidade. Antes, eles possuíam um emprego, uma vida sexual ativa, sentiam-se capazes de desempenhar suas atividades. Ao descobrir a doença, tudo isso fica perdido.
Karla Carvalho relata situações de crianças com AIDS FOTO: LUZIANE FREIRE
JS: E para as crianças, qual é o maior sacrifício? KC: Com certeza, tomar os remédios. Porém, mesmo sem gostar, elas entendem que, se não forem medicadas corretamente, podem adoecer.
AIDS no Ceará Conforme os números abaixo, verifica-se uma diminuição nos casos de AIDS na infância. Nos últimos dois anos, 2006 e 2007, houve redução da doença em crianças. nº Crianças < 13 anos
2002 19
Casos gerais
612
2003 30
688
2004 21
757
2005 17
641
2006 19
531
2007 12 2008* 6
559 146
*Dados referente até agosto de 2008 Fonte: Secretaria de Saúde do Estado
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Preconceito ainda não foi eliminado
so infantil alegria. Sua mãe, Maria, é quem fica magoada ao perceber a indiferença de algumas pessoas. Sem ter onde morar, ela e o filho são abrigados na casa da avó, que, apesar de admitir sentir pena da neta, deixa nítido o preconceito. “As nossas roupas são lavadas separadamente. Escaldo os copos e colheres que eles usam”, conta a senhora , de 81 anos. Desde que foi infectada pelo HIV, Maria vem sendo discriminada, inclusive, pela própria família. “Todos olham para mim de uma forma estranha. Minha mãe não me deixa construir um quarto no terreno dela. A verdade é que ela não entende a doença. Nunca estudou ou quis se informar”, desabafa. Para falar sobre a AIDS na
comunidade em que vivem, só de maneira baixa, quase sussurrando. “As paredes são de papel”, avisa, apreensiva. Mágoa Embora já tenha aprendido a lidar com a doença, Maria carrega muito rancor do exmarido. “Enquanto eu trabalhava e cuidava dos filhos, ele me traía com outros homens. Resultado: contagiou-me com o vírus. Ele morreu, mas eu jamais o perdoei”, confessa. Situação semelhante é a da mãe de Carolina. “Não tenho amigos. Minha família me expulsou de casa”, desabafa Ana, que mora, atualmente , com o namorado. Após ser abandonada pelos parentes e amigos, ela encontrou a felicidade ao se relacionar com José*.
Diferente dos outros homens com quem namorou, ele foi o único que, além de apoiála nos momentos difíceis, não se importou pelo fato de a mulher ser soropositiva. “Expliquei a doença, nunca menti. Provavelmente, ele agora também tenha AIDS. Deve ter pegado de mim”, revela. Os dois, que demonstram ser apaixonados um pelo outro, fazem sexo sem o uso de preservativos. “Ele não gosta de colocar camisinha, nem se preocupa com isso. Diz que vai morrer de qualquer jeito”, faz questão de ressaltar. Assim como 33 milhões de pessoas que são infectadas pelo vírus da AIDS em todo o mundo, as famílias de Gabriel e Carolina cultivam o desejo de ser feliz. Na esperança de um futuro igualitário, sonham... Mas, enquanto o amanhã não chega, vão vivendo na eterna magia de ser criança. * Pseudônimos
Crianças soropositivas sofrem discriminação nas escolas FOTO: WWW.SXC.HU
A falta de esclarecimento ainda é o maior obstáculo enfrentado por portadores do HIV. Segundo o infectologista Robério Leite, a sociedade continua desinformada acerca da doença. “Parece absurdo, mas há relatos inaceitáveis, como recusa de matrícula em escolas”, revela o médico. Como toda criança tem direito à educação, conforme a lei número 8.069/90, as soropositivas não podem ser barradas em colégios. Elas devem estudar, praticar esportes, constuir amizades e viver normalmente. Os cuidados diferenciados estão relacionados à necessidade de tratar rapidamente as infecções, receber vacinas especiais e no contato com o sangue em caso de, por exemplo, acidentes, que são comuns na infância. Robério Leite lembra algumas formas de transmissão da AIDS como contato sexual, exposição a fluidos ou tecidos
corporais contaminados e de mãe para feto durante o período perinatal. Ao contrair o vírus, as crianças iniciam um tratamento que lhe acompanha durante toda a vida. “Os remédios são utilizados para inibir a replicação do HIV, atuando em diversas etapas do ciclo vital no ser humano. Há necessidade da combinação de anti-retrovirais, pois cada um atua em etapas diferentes desse processo”, informa. Infelizmente, alguns medicamentos podem causar reações alérgicas, como vômitos, diarréia e alterações nas taxas de colesterol. Portanto, é fundamental que as crianças soropositivas sejam devidamente acompanhadas por um pediatra. “A infecção pelo HIV é considerada uma doença crônica, com a qual se pode conviver por muitos anos. Se não tratada corretamente, pode levar à morte”, finaliza Leitte.
Reforço das ações de combate e prevenção à doença Para tentar evitar o surgimento de novos casos em crianças, a Coordenação Municipal de DST/Aids, área técnica da Célula de Atenção Básica da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza, prioriza este ano o fortalecimento das ações voltadas à redução da transmissão vertical do HIV a partir do diagnóstico precoce. Como método preventivo, estão sendo reorganizados os serviços ambulatoriais nos hospitais Nossa Senhora da Conceição, Gonzaga Mota da Barra do Ceará, Gonzaguinha do José Walter, entre outros. Por intermédio de uma melhora no atendimento, as gestantes podem realizar testes gratuitos de HIV e, desse modo, evitar que o vírus contagie o feto. Além de consultas médicas, destacam-se outras atividades realizadas para prestar esclarecimento à população, como
Serviço Hospital e Maternidade Nossa Senhora da Conceição: Rua 1018, 148. Conjunto Ceará - Fortaleza/ Tel: (85) 3452-6700 Hospital Gonzaga Mota de Messejana: Av Washington Soares, 7700. Messejana - Fortaleza/ Tel: (85) 3488-3313 Hospital Gonzaga Mota do José Walter: Av D, 440. Conjunto Prefeito José Walter - Fortaleza Tel: (85) 3452-9391
Programa educativo realizado na Praça do Ferreira pela Secretaria de Saúde do Município
distribuição de preservativos, folders e materiais educativos para escolas. O trabalho de prevenção também é desempenhado pela Secre-
taria do Estado do Ceará (Sesa), que destina recursos para os principais hospitais do Estado. O envio de verbas é utilizado a fim de que mulheres e crian-
FOTO: DIVULGAÇÃO
ças portadoras do HIV possam ser adequadamente acompanhadas com auxílio de psicólogos, médicos e terapeutas. “Quando mãe e filho saem do
hospital, elas são acompanhadas por serviços de referências ambulatoriais”, diz Regina Freire, técnica do Núcleo de Prevenção e Controle de Doenças (Nuprev). A cada 1º de dezembro, Dia Mundial de Luta Contra a AIDS, a Sesa faz esclarecimento à população na Praça do Ferreira de como prevenir a doença. O objetivo é alertar os jovens, de maneira lúdica, sobre as formas de transmissão do vírus HIV.
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Os Correios do Ceará são exemplo nacional
Estatísticas
Principais acidentes de trabalho Anualmente, o setor de Segurança e Medicina do Trabalho dos Correios faz um levantamento dos acidentes com seus profissionais. Abaixo, segue o ranking dos principais acidentes ocorridos desde o início deste ano.
Na contra-mão dos índices de sete estados brasileiros, o Ceará comemora a diminuição de acidentes com carteiros e fica fora de campanha educativa nacional Kelvia Alves e Rachel Lorrayne
Enquanto os Correios lançam campanha para redução dos acidentes com os carteiros em sete estados brasileiros, o Ceará comemora o bom desempenho em atividades anteriores que tinham o mesmo objetivo. Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Piauí, São Paulo e Paraná estão na mira da campanha, que vai até janeiro de 2009 e visa, principalmente, reduzir os ataques caninos. Em apenas cinco anos, cerca de cinco mil ataques foram registrados em todo o país. Há algum tempo, os carteiros dos estados listados na campanha estão fazendo um mapeamento das casas que possuem cães e não têm a caixa receptora de caixas e encomendas. Com os dados em mãos, eles orientam os proprietários a adquirir o equipamento. Segundo Jucelino de Faria, chefe de Segurança e Medicina do Trabalho dos Correios do Ceará a ajuda da população é fundamental. Desde 2000, quando houve uma grande incidência de ataque canino no Estado, prevenções a esse tipo e outros acidentes vêm sendo realizadas. Porém, apenas em 2005 a empresa realizou uma campanha de prevenção mais
Assalto - 07
Experiência: com 31 anos de profissão, João Jorge ainda tem cuidados ao entregar correspondências em residências com cães FOTO: RAPHAEL VILLAR
incisiva ao ataque de cães. A atividade foi dividida em dois momentos. No primeiro, o foco foi o carteiro e sua convivência com o cão. Foi trabalhada a psicologia do animal, no sentido de entender suas reações. “Todo mundo sabe que ele é o defensor daquela área. Não só o carteiro, qualquer pessoa que adentra aquele espaço, ele entende como um inimigo e vai atacar”, explica Faria. No segundo momento, considerado por ele o mais importante, aconteceu a sensibilização dos moradores. Os carteiros distribuíram panfletos educativos nas residências onde viam dificuldade em entregar as cartas, indicando a adoção da caixa receptora de correspondências e a tomada de algumas medidas de segurança em relação aos cães. Jucelino vê a campanha como um divisor de águas. Se-
gundo ele, desde seu início até hoje, foi registrada uma queda de oito para quatro acidentes anuais. “Atribuo isso a essa campanha e a sensibilização que os usuários tiveram em colocar a caixinha de coleta”, enfatiza Faria. Mesmo assim, alguns acidentes são imprevisíveis. João Jorge Pereira, 53 anos, carteiro há 31, traz na perna a última marca de ataque. “Fui mordido por um cachorro, por incrível que pareça, desse tamainho”, conta Pereira. Ao entregar a correspondência em uma residência com o portão fechado, teve sua perna mordida pelo cão, que passou a cabeça pelas grades. “O caso do acidente com o cachorro é um acidente entendeu?”, explica. Porém, segundo ele, após a campanha educativa, os moradores estão colaborando para a melhoria da segurança dos carteiros.
Caixa recepectora: simples solução Pode parecer insignificante, mas uma pequena ajuda dos proprietários das residências é essencial na prevenção a acidentes com os carteiros. Trata-se da implantação de caixa receptora com dimensões e localização adequadas. Depois da campanha educativa realizada em 2005, muitas casas já se adaptaram às exigências feitas pelos Correios. As que ainda não estão dentro dos padrões devem se adaptar, para garantir que suas correspondências não sofram nenhum desgaste ocasionado por chuvas, ventos e extravios. No caso de correspondências maiores, como revistas e jornais, o tamanho adequado da caixa é indispensável para
que o carteiro não precise dobrá-las. As caixas podem ser encontradas em depósitos de construções, mas, segundo Jucelino de Faria, chefe de Segurança e Medicina do Trabalho dos Correios do Ceará,
há casos em que os padrões de dimensões não são seguidos pelos fabricantes e os proprietários das residências acabam adquirindo caixas de diferentes tamanhos. Faria explica que a caixa tem vários aspectos muito vantajosos. “Primeiro, vai dar uma agilidade ao carteiro, que chegou ali coloca a cartinha. E até para o próprio usuário (é bom). Quando ele deixa a carta no portão, na porta, muitas vezes é o próprio cão que extravia a carta. (Mas) o principal seria evitar que a pessoa (o carteiro) fosse mordida, atacada pelo cão”, ressalta. Confira as dimensões ideais da caixa receptora na figura.
Mesmo com a redução no número de ataques, existem outros que acontecem com freqüência. O acidente de trajeto é um deles. Pode acontecer no trajeto de casa para o trabalho e vice-versa, desde que não haja interrupção. Acidentes de motocicletas e bicicletas também são comuns, principalmente em época de chuvas. Nesses casos, algumas medidas já foram adotadas. A frota das bicicletas está sempre p em renovação, já nas motocicletas é utilizado um equipaquipamento de proteção que e evita acidentes. De acordo com Jucelino no de Faria, chefe do setor de e Segurança e Medicina do Trabalho, há dez anos, quando ingressou nos Correios, somente acidentes que deixavam feridos eram registrados. Ou seja, mesmo que o número de
Bicicleta – 14 acidentes de hoje sejam maiores que os de 2000, não significa que tenham aumentado os números de acidentes, levando em consideração o fato de que hoje é realizado um levantamento de tudo o que acontece com os carteiros e profissionais que trabalham internamente.
Ataque de cão - 06
Visão do Sindicato
Sintect afirma que as dificuldades de trabalho permanecem Enquanto o setor de Segurança e Medicina do Trabalho dos Correios do Ceará revela os bons resultados atingidos com campanhas anteriores para a segurança dos carteiros, o Sindicato dos Trabalhadores em Correios e Telégrafos e Similares do Estado do Ceará (Sintect) contesta esses dados. Segundo José Veridiano Matos, responsável pelo setor de Segurança no Trabalho do Sintect, a realidade não é bem essa. Veridiano, que foi carteiro durante sete anos, diz nunca ter presenciado nenhuma campanha de prevenção. “Achamos lamentável, porque há muita incidência de acidentes aqui no Ceará. Eles dizem que fazem um trabalho de prevenção, mas no dia a dia não vemos essas ações”, reclama Veridiano ao comentar a exclusão do Ceará na campanha nacional de prevenção de acidentes. As queixas do Sintect são muitas: longas jornadas, triagem de objetos em pé, veículos sem manutenção adequada, assaltos, mordida de cães, atropelamentos, acidentes de trânsito e muitas outras queixas. A partir de reclamações dos próprios sócios, diariamente os sindicalistas visitam as unidades dos Correios na cidade. Para o sindicalista, a solução para os problemas relatados é o cumprimento, por parte da empresa, do acordo coletivo, pois nele está contido diversos parâmetros relacionados à segurança dos trabalhadores, bem como a implantação de segurança nos Centros de Distribuição Domiciliar (CDD) e agências.
Serviço Agência Central dos Correios de Fortaleza Rua Senador Alencar, 38 – Centro / Fone: 85 3255-7232 / 3255-7268 Sindicato dos Trabalhadores em Correios e Telégrafos e Similares do Estado do Ceará – Sintect Av. Duque de Caxias, 1879 – Centro / Fone: 85 3283-4586
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A Bossa Nova na versão alencarina Em1958, o Brasil acompanhou o surgimento da Bossa Nova, no Rio de Janeiro. O cearense não tardou a criar uma versão local para o ritmo tradicionalmente carioca Íkara Rodrigues
Ainda no ano de 58, um grupo de jovens cearenses começava a se reunir semanalmente, na Pracinha da Gentilândia, para aprender a tocar violão. O lançamento do primeiro compacto de João Gilberto, com as músicas Chega de Saudades e Bim Bom, seria o ponta pé inicial para o envolvimento dos rapazes com a bossa. Entre a turma, um garoto chamado Rodger Rogério passaria a cultivar, a partir de então, o novo ritmo. “Nós compramos o compacto e passamos a querer tocar parecido com o João Gilberto. Foi difícil porque fomos aprendendo de ouvido e as harmonias usadas eram diferentes. Foi a partir da bossa que eu comecei a estudar, profundamente, música”, afirma Rodger. O convívio com o padrasto e músico, Emanuel Barreto, facilitou a aproximação de Rodger com profissionais da música cearense. “Comecei a participar de encontros com músicos como: Vavá Moraes, Dudu Vieira, Saci, Édson Távo-
ra e Moreira Filho”, relembra. Segundo Rodger, foi nesse período que ele começou a compor suas primeiras canções. Bossa Norte A influência da bossa sobre os músicos cearenses ganharia força com a chegada dos artistas Ivan Bandeira e Sardinha vindos do Sudeste do país. Eram meados de 1964, quando o grupo de amigos formado por Emanuel Barreto, Orion, Dudu Vieira, Édson Távora e Sanção, juntou-se aos dois experientes músicos e resolveram formar um novo grupo musical que se chamaria Os Bossa Norte. Logo na primeira apresentação, o baixista (Sardinha) faltou. “Eles então resolveram me chamar para tocar”, afirma Rodger, que a partir daquele dia passou a compor o grupo. Os Bossa Norte apresentavam-se em clubes, boates e hotéis de Fortaleza. Era uma novidade para o público acostumado com outros estilos musicais. Segundo o pesquisador de música Dilmar Miranda, no período prébossa, os sucessos tocados no rádio faziam referência à tristeza. Ele explica que esses tipos de música de cantores como Antônio Maria e Fernando
Lobo estavam entre as preferidas pelo público. Rejeição O novo estilo musical causou estranhamento entre algumas pessoas. Aquela simplicidade das letras somada ao jeito manso de se cantar não era aceito por muitos daqueles que estavam acostumados com o estilo musical tradicional da época. Os Bossa Norte sofreram com o preconceito do público. Segundo Rodger, a receptividade não era boa. “As pessoas confundiam João Gilberto com Juca Chaves. A gente se sentia marginalizado por tocar um estilo que ninguém gostava”, revela. Mesmo com o preconceito, o grupo deu continuidade ao trabalho. “A gente queria fazer bossa. Nossas letras eram escritas no diminutivo, imitando o Vinícius (de Moraes)”, lembra Rodger. Mesmo com pouca aceitação, a influência da bossa nas novas gerações de músicos cearenses, aos poucos, foi sendo percebida nas apresentações musicais dos bailes em Fortaleza. Segundo o músico Luciano Franco, no início da década de 1960, a maioria dos conjuntos musicais cearenses já tocava o novo estilo. Fim Mesmo com a rejeição de alguns, Os Bossa Norte ganharam destaque entre o público jovem. Em 1966, o grupo foi convidado para tocar no “Festival da Juventude”, no Clube Maguary, em Fortaleza. Por conta de um mal entendido, a banda não foi avisada de que, no mesmo dia da apresentação no Maguary, teria que tocar no Círculo Militar. Segundo Rodger, um Major ficou irritado e passou a boicotar as apresentações da banda. “O período era de ditadura e não fomos chamados para tocar em mais nenhum canto”. Como não podiam fazer mais shows juntos, os componentes do grupo seguiram em carreira solo. Rodger ainda lembra com saudade do tempo que ficou para trás. “Os Bossa Norte foi uma escola para mim. Mesmo com o preconceito, nós tentamos fazer algo de diferente”, explica.
Os Bossa Norte trouxeram a nova batida à cena musical cearense. FOTO ARQUIVO
NIREZ
Harmonia de Vinícius, Tom e João no Ceará O rádio ainda era o maior veículo de comunicação de massa no Brasil em 1958. No Ceará, as emissoras faziam sucesso entre o público com os programas musicais e de auditório. Fausto Nilo, um dos grandes letristas cearenses, lembra que as rádios sempre apresentavam cantores locais e atrações de outros estados. “Na época eu tinha 14 anos e sempre que podia ia assistir as atrações do programa de auditório do Augusto Borges”, conta. Em meio às novidades trazidas pelo veículo radiofônico, o público pôde conhecer um novo ritmo musical vindo do Rio de Janeiro, que trazia consigo um inovador estilo de cantar, de tocar e até de vestir. “As pessoas deixaram de usar aquelas roupas coloridas e a moda passou a ser outra. Eu já andava com a minha calça preta, meu sapato engraxado e uma camisa de cor só”, lembra Fausto. O rádio, por ser um veículo de comunicação que tinha grande abrangência sobre o
público, na década de 1950, foi o responsável pelo primeiro contato entre os cearenses e o “estilo bossa de ser”. “No final de 58, a bossa já era um fenômeno entre os ouvintes. Para mim, antes de virar mania entre a elite, a Bossa Nova foi um fenômeno massivo”, afirma Fausto. No final daquele ano, um dos principais nomes da Bossa Nova veio a capital cearense. “Era o João Gilberto que veio apresentar sua nova turnê. Algumas pessoas disseram que quem tinha vindo era o Juca Chaves, mas não, era o João Gilberto. Anos mais tarde tive a oportunidade de conversar com ele por telefone e confirmei sua vinda a Fortaleza”, diz Fausto. “Posso afirmar que, durante estes 50 anos, nunca vivenciei um período tão rico e inovador, onde a simplicidade da bossa podia ser vista em todas as partes. Bastava olhar um disco na vitrine que você já sabia se era bossa ou não”, lembra Fausto.
Opinião
Dilmar Miranda
Surgimento do novo ritmo no Brasil A Bossa Nova foi um movimento de classe média que surgiu na Zona Sul do Rio de Janeiro, entre o final da década de 1950 e início de 1960. O novo estilo musical teve como influência o jazz americano e a música erudita. A palavra “bossa” apareceu pela primeira vez na década de 1930, na letra do samba “Coisas Nossas”, do cantor Noel Rosa. Anos mais tarde, a expressão daria nome a um dos gêneros musicais brasileiros que alcançaria reconhecimento mundial e que teria forte influência sobre as novas gerações de músicos e compositores brasileiros. O encontro entre Tom Jobim, Vinícius de Moraes e João Gilberto foi de fundamental importância para a consolidação do novo ritmo. Cada um trouxe sua contribuição. O Tom com a harmonia, Vinícius com as letras e João Gilberto com sua batida. No período pré-bossa, as músicas tocadas no rádio faziam referência à tristeza, escuridão e a dor-de-cotovelo. Boleros como “Ninguém me ama”, de Antônio Maria e Fernando Lobo, faziam sucesso entre o público. A chegada da bossa trouxe mais leveza às letras das músicas, as ‘noites longas de fracasso’ passaram a dar lugar ao sol, ao amor, ao sorriso e à beleza da mulher. O vozeirão predominante nas interpretações dos cantores deram lugar ao cantar baixinho, quase falado. Dimar Miranda, professor e sociológo
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EPJ amplia acesso à Justiça
Aprendizado garantido FOTOS: CLARA MAGALHÃES
O Escritório de Prática Jurídica (EPJ) da Unifor presta atendimentos gratuitos para a população. Além disso, o local é espaço de aprendizado dos estudantes de Direito
Perfil
Bruno Anderson
Prestar serviços de assistência, consultoria e assessoria no campo jurídico de forma gratuita. Essa é a missão do Escritório de Prática Jurídica (EPJ), localizado no Campus da Universidade de Fortaleza (Unifor). Diariamente, centenas de pessoas passam pelo local com a esperança de resolver impasses e problemas como casos de pensão alimentícia, divórcio ou investigações de paternidade. “Nossa equipe (professores e alunos) tira as dúvidas das pessoas, escuta as partes envolvidas, verifica o diagnóstico da situação e o remédio de ordem jurídica, seja através de requerimentos ou ações”, explica o professor João Monteiro Neto, um dos supervisores do EPJ. Segundo ele, no primeiro semestre deste ano foram realizados 13.522 atendimentos no local. Baseados nos últimos levantamentos feitos pela entidade, o número de atendimentos realizados cresce, semestralmente, de 10 e 15%. Atividades De acordo com Neto, o EPJ trabalha com casos das áreas criminal e cível, utilizando o diálogo e a conciliação como as principais ferramentas para a resolução de conflitos de forma amigável. Entre os projetos desenvolvidos, destaque para o Serviço de Soluções Extrajudiciais de Disputas (Sesed), que, como o próprio nome sugere, realiza atendimentos no sentido de mediar conflitos e buscar soluções consensuais. “Preparamos os alunos e professores para realizar a negociação e a facilitação do diálogo para ter-
No primeiro semestre deste ano, foram realizados 13.522 atendimentos no escritório
mos uma solução mais efetiva. Nossa filosofia é acreditar que as decisões tomadas pelas pessoas, muitas vezes, são mais efetivas do que a tomada por um Juiz”, afirma o supervisor, ao destacar que boa parte dos casos encaminhados ao Sesed resultam em acordos entre as partes envolvidas. “Em cerca de 70% dos casos as partes entram em acordo. Poderia ser mais. No entanto, tem casos, como por exemplo, de violência na família, que, com certeza, é muito difícil ter um acordo fácil”, observa. Formação Para realizar suas atividades, o EPJ conta com o apoio de professores orientadores, advogados, psicólogos, estagiários do curso de Psicologia, assistente social e, principalmente, estudantes do Curso de Direito da Unifor. O local é espaço para atividades práticas de duas disciplinas (Estágio III e IV) da gradua-
Cidadã
Primeira vez
A dona-de-casa Marciane Santiago, 30, chegou ao EPJ logo no início do horário do atendimento pela tarde. Pela primeira vez no local, Marciane foi pedir ajuda do escritório para tentar resolver um impasse familiar, já que ela reivindica o pagamento de pensão alimentícia de seu ex-marido para as suas duas filhas. Para agilizar a resolução de seu problema, Marciane compareceu ao EPJ com a documentação necessária para que o caso seja resolvido o quanto antes. “Tenho a esperança de sair daqui com tudo resolvido”, conta.
FOTO: JORGE RAFAEL
ção. Ao todo, são mais de 600 estudantes deste curso, encarregados de realizar atendimentos jurídicos de natureza geral. “O EPJ é uma ferramenta de formação profissional, pois as pessoas que estão aqui são formadas para serem profissionais melhor qualificados”, destaca João Neto. Antes de realizar os atendimentos jurídicos ao público, os estudantes são capacitados por professores, que repassam noções básicas de como ter segurança para atender às pessoas e como responder às perguntas feitas.
Serviço Escritório de Prática Jurídica > Local: Bloco Z do Campus da Universidade de Fortaleza. >Horário de atendimento: segunda a sexta-feira de 7h30min às 11h; segunda, quarta e sexta-feira de 13h30min às 20h; terça e quinta-feira de 15h às 20h e sábado de 7h30min às 12h. > Agendamento de consultas: (85) 3477.3317. Grátis
Para Rafael Rolim, 24, estudante do último semestre do curso de Direito, o EPJ representou o seu primeiro contato com o público na área jurídica. Lá ele realiza atendimentos e redige petições. “Para mim, este local é mais que um espaço para realizar disciplinas obrigatórias. Aprendi muito”, conta. Rafael diz que a bagagem adquirida no local será fundamental para o seu futuro profissional. “A variação de casos que a gente encontra aqui, já nos deixa preparados para sair do EPJ sabendo o que nós vamos encontrar lá fora (no mercado)”. Ele explica que quando começou a experiência no escritório se sentiu inseguro, mas graças ao apoio prestado pelos professores, as coisas foram melhorando aos poucos. “O professor está aqui para nos ajudar. Quando precisamos de algum auxílio, tirar alguma dúvida sobre uma questão, ele sempre está próximo de nós”, garante. Embora tenha vivenciado – no decorrer de quase seis anos de curso – experiências de estágio na área criminal, seu grande objetivo é seguir carreira na área trabalhista. “Já que estou prestes a me formar, meu grande sonho é ser contratado no escritório de causas trabalhistas que estou estagiando no momento, pois tem sempre a possibilidade de você ficar, após a formatura”, diz.
Labjor firma parceria com curso de turismo da Unifor
Jericoacoara foi um dos locais já visitados este semestre. FOTO: DIEGO BENEVIDES
Neste semestre, o Laboratório de Jornalismo (Labjor) e o curso de Turismo e Hotelaria da Unifor firmaram parceria para a produção de produtos jornalísticos a partir das viagens técnicas realizadas pela Agência de Turismo da instituição de ensino. Elas fazem parte de atividades práticas de duas disciplinas do curso de turismo. Cada viagem apresenta um roteiro específico em cidades com forte potencial turístico da região Nordeste. Os bolsistas do Labjor, que acompanharão as viagens, irão produzir um jornal especial registrando os percursos feitos e as atrações
da visita. Além disso, eles realizarão também postagens em um blog, o Turista Acidental, contendo o diário de bordo da viagem, fotos dos locais visitados e outros detalhes do passeio. Como parte da programação deste ano, foi realizada, entre o final do mês de setembro e o início de outubro, viagem que teve Jericoacoara (Ceará), Lençóis Maranhenses (Maranhão) e Delta do Parnaíba (Piauí) como roteiro. A segunda e última viagem deste semestre visitou os pontos de maior riqueza de patrimônio cultural, arquitetônico e religioso do estado
de Pernambuco. Realizada entre os dias 12 e 15 de novembro, a viagem passou por Garunhuns, Caruaru, Recife e Olinda. Segundo as coordenações dos dois cursos da Unifor, a parceria está mantida para 2009 e, pelo menos, duas viagens devem ser feitas por semestre.
Serviço Acesse o blog Turista Acidental e saiba mais sobre as viagens realizadas: Site: www.turistaacidental. wordpress.com