A pirataria de softwares é uma realidade em Fortaleza, sustentada pelo alto preço dos produtos. Classificado dá Notícia Página 6
Confira a entrevista com Rosa da Fonseca, que foi vereadora de Fortaleza e lutou contra a ditadura. Ela relata sua experiência na militância política durante os anos de chumbo. Coletivo Página 6
Conheça as mulheres da única Toca de Assis feminina de Fortaleza. Elas deixaram pais e amigos para seguir uma vida missionária. Páginas 10, 11 e 12
JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE DE FORTALEZA
NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2009
ANO 6
FoTo: oTáVio nogueira
SOBPRESSÃO N° 21
A monografia tem o seu preço Estudantes dos cursos de graduação e de especialização às vezes recorrem a “profissionais da monografia” a fim de garantir o trabalho de conclusão pronto no prazo estipulado. A falta de tempo ou de compromisso são
razões que motivam muitas pessoas a procurarem esse serviço. Trata-se de violação das normas administrativas das instituições, além de ser crime com pena de prisão prevista no Código Penal de um ano a três anos e multa.
Apesar de antiético, não é difícil achar quem faça. Nos classificados de jornais e nos sites da Internet são oferecidos os serviços por preços que podem chegar até mais de mil reais. Classificado dá Notícia Página 5
Sucata tecnológica
Lingerie
CE é 2º maior pólo de moda íntima O mercado das lingeries está em constante crescimento em todo o Brasil. O Ceará acompanhou esse desenvolvimento e está atrás apenas de Santa Catarina no ranking brasileiro de moda íntima. Em 2008, o Estado exportou mais de U$ 2,06 milhões para outros países. Do total da produção local, 80% é destinada ao mercado nacional. Página 3
Especulação
FoTo: WaleSka SanTiago
Copa de 2014 já traz mudanças
Brasil produz 50 mi de toneladas de lixo eletrônico O ritmo do consumo das novas tecnologias é frenético e a conta do descarte dos produtos defasados é gigantesca. É um problema mundial e também faltam ações efetivas para a gestão correta do lixo eletrônico na maior parte do país. Entretanto, organizações civis, empresas e alguns Estados desenvolveram projetos nessa área e já obtiveram resultados significativos. Páginas 6 e 7
Transporte
Campeã
Laboratório de Jornalismo cria mais um impresso: o Coletivo
De Fortaleza a Cearense vence em Paraolimpíada apenas 16 anos, Pâmela Caucaia de trem Com de Souza conseguiu um fei-
Confira o novo caderno produzido pelo Laboratório de Jornalismo da Unifor (Labjor). Desenvolvido pelos estagiários do laboratório, tem como objetivo mostrar a política que é feita fora dos ambientes tradicionais - das instituições governamentais, dos partidos políticos e da própria mídia. O Coletivo mostra a iniciativa de algumas pessoas anônimas que procuram fazer a sua parte e melhorar a sociedade, por meio de ações humanas e sociais.
O Sobpressão percorreu os 18 quilômetros da linha oeste que liga a Estação João Felipe, no Centro da capital, a Caucaia. Cerca de 10 mil passageiros utilizam os trens diariamente, segundo a Companhia de Transporte Metropolitano de Fortaleza (Metrofor). A maior parte é composta por pessoas humildes. Apesar da lotação nos horários de pico, muitos não trocam esse meio de transporte por nada. Conheça os principais transtornos e vantagens de se fazer essa viagem que dura em média 45 minutos. Páginas 8 e 9
to inédito na história do esporte ao se tornar a primeira representante do Ceará a ganhar medalha de ouro nos Jogos Paraolímpicos Juvenis. Na competição, realizada na Colômbia, Pâmela participou na modalidade de salto em distância e superou as americanas e cubanas, favoritas ao título. A atleta, que treina na Universidade de Fortaleza, é considerada uma promessa do esporte para as próximas paraolimpíadas. Confira a conversa de Pâmela com a equipe do Fôlego. Fôlego Página 1
FoTo: WaleSka SanTiago
Novo caderno
O bairro do Castelão se valorizou significativamente após a confirmação da cidade de Fortaleza como sede dos jogos da Copa. Devido às modificações infraestruturais previstas pelo Plano de Investimentos da Copa do Mundo, os preços dos imóveis tanto nesse bairro como nas proximidades estão aumentando. O metro quadrado do terreno, que custava, em média, R$ 50,00, já quadruplicou o seu valor. Classificado dá Notícia Página 8
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Opinião
SOBPRESSÃO NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 2009
Editorial
Crônica
Política além dos Três Poderes Quando se pensa em política, é comum logo vir à mente políticos em palanques, os intermináveis discursos no plenário das duas casas do Congresso, as siglas dos partidos, as campanhas eleitorais e as promessas de campanha. Fazer diretamente essa referência é algo a que estamos acostumados, e os meios de comunicação têm profunda interferência nisso. A imprensa, em especial os telejornais, passa a imagem de que a política se restringe às ações do governo, às decisões dos agentes do Estado. Mostram a política oficial, partidária, institucional, quando o campo da ação política, na verdade, é muito mais amplo. Debates de cidadãos, manifestações de rua, atitudes políticas solidárias e conscientes de indivíduos anônimos e grupos organizados da sociedade quase sempre passam despercebidas para a grande imprensa. Há cidadãos anônimos que participam do mundo político e exercem sua cidadania longe da Praça dos Três Poderes. Suas ações não têm uma agenda por trás, não buscam visibilidade pública, nem conquistar os holofotes da mídia. Todo o
seu trabalho é feito longe das lentes da imprensa. Pensando nisso, o Laboratório de Jornalismo da Unifor (Labjor) publica, a partir dessa edição do Sobpressão, o caderno Coletivo. Ele surge com a proposta de abordar a política que é feita pelos cidadãos à margem dos poderes da República. A política que está nas pequenas atitudes e iniciativas, na esfera do bairro, no ambiente de trabalho e de casa, onde menos se espera. Em matérias, artigos e resenhas, o seu conteúdo, nesse seu primeiro número, informa sobre os movimentos e ações de pessoas que, desvinculadas de partidos políticos e da vida pública, procuram participar da construção de uma sociedade mais justa e democrática. Os textos versam sobre variadas ações, nos diferentes campos da sociedade. Há reportagens, por exemplo, que trazem informações sobre as conquistas do movimento GLBTT e sobre a atuação de ONGs no combate à corrupção e na ajuda a crianças carentes. O jornal procurou incluir também temáticas de interesse
do público universitário, como a atuação dos movimentos estudantis e a opinião de uma estudante sobre as cotas raciais nas universidades. Esse caderno tem como objetivo mostrar para os estudantes que eles também podem participar, fazer a diferença e exercer seu direito de cidadãos. Em poucas palavras, mostram com exemplos que é possível fazer política longe da politicagem. Pode-se fazer sua parte cedendo apenas algumas horas de seu fim de semana para acessar a internet, discutir e procurar soluções em qualquer veículo. Há movimentos que se formaram, inclusive no Orkut, para interferir na política oficial. Dessa forma, não é preciso muito para poder participar. Há uma possibilidade de pensar um mundo diferente se todos fizerem a sua parte. Esta edição foi produzida integralmente no Labjor, mas a intenção é ter a co-participação dos leitores. Refletir, sugerir pautas e comentar também é uma ação política. Então, sintam-se motivados e inspirados a agir e encontrar a política diária e humana.
Cláudio de Paula
Imundo É manhã de sol na cidade que chega a ser cinza de tanta poluição. Em domingos assim é quase obrigação sair de casa, já que o frio é bem mais presente que o calor na rotina dos habitantes. Parece que todos os moradores da rua B resolveram almoçar aqui. No restaurante, o parque é arborizado e a maioria prefere sentar às mesas que estão do lado de fora da elegante casa de massas. A velha mendiga espera, pacientemente, que os fregueses terminem de comer. Se tiver sorte, consegue o resto da porção de fritas e algum pedaço já frio da torta de frango. Carrega, com dificuldade, o saco preto nas costas, cheio de latinhas de refrigerante e de cerveja. Ela faz esforço, retira o saco enorme do ombro e o encosta na própria perna, enquanto cata mais latas bem do fundo da lixeira que mede quase o seu tamanho. A velha cansada e suja consegue arrancar quatro novas latinhas que ainda guardam uma quantidade insignificante da bebida. A mendiga, então, entorna o conteúdo até as últimas gotas. Depois enfia tudo no saco preto, enorme. Uma das crianças sentadas à mesa chama a atenção da mãe, aponta o dedo indicador para a mendiga e comenta, cheia de surpresa: – Olha, mãe. A mulher é doida! – É, filha, ela é doida. Mas não fique olhando porque é feio. - Responde a mãe sem muito entusiasmo. A garota de uns seis anos, no máximo, levanta da cadeira e começa a brincar com um punhado de folhas secas que achou no chão até ouvir a voz de repressão da mãe: – Juju, não pega no chão. Tá sujo. - A menina permanece indiferente. Com um tom quase ameaçador, a mãe torna a advertir: – Julieta, não toca. Larga isso, tá sujo. - Com expressão de repulsa, a mãe repete: – É imundo! A mendiga passa pela mesa, dá mais um gole na lata de suco de laranja artificial, quente, abandonada por algum cliente, limpa a boca com a mão e sai carregando o enorme saco de latinhas nas costas, esperando, ansiosamente, a primeira mesa a pedir a conta. Estudante do 8º semestre de Jornalismo
Artigo
Gabriela Ribeiro
Não basta passar
Final de tarde em Salvador, alguns jovens se aventuram na Praia do Porto da Barra. Entre vários saltos, um deles pede: “ô tia, prepara aí [a máquina] que eu vou fazer uma pose massa”. A imagem do garoto, involuntariamente, nos dá a sensação de que o nosso personagem caminha pelas famosas águas do litoral baiano. A Praia do Porto da Barra foi eleita, em 2007, pelo jornal britânico The Guardian como a terceira mais bela do mundo. Ela encanta moradores e turistas com a calmaria e clareza de suas águas. Tem também importância histórica, pois lá desembarcou o governador geral Tomé de Sousa, em 1549. Texto: Viviane Sobral e Wolney Batista / Foto: Waleska Santiago
Empregos públicos seduzem porque trazem a promessa de bons salários, estabilidade e horas de trabalho mais justas. No entanto, para assumir um cargo público, é preciso passar por concursos cuja concorrência faz o mais difícil dos vestibulares parecer fácil. O último concurso para técnico do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), aqui no Ceará, tinha 32 vagas e 33 mil inscritos, por exemplo. Os candidatos vêm do Brasil inteiro. Depois de muito esforço e várias tentativas, alguns têm êxito. No entanto, só passar não adianta mais. Diversos são os concursos que, após serem realizados, não nomeiam ninguém. Muitas instituições fazem concurso sem ter as vagas, apenas como cadastro de reservas. Esse foi o caso da Companhia Docas, do Ceará. Em 2007, realizou um concurso apenas com cadastro, com validade de dois anos. Neste ano o prazo foi revalidado, mas ninguém foi chamado.Também há casos de órgãos que disponibilizam vagas e demoram para chamar os aprovados. O Tribunal de Justiça do Ceará, por exemplo, em outubro de 2008, abriu 50 vagas para oficiais de justiça. Em novembro de 2009, chamou metade dos aprovados. O restante continua esperando. A dúvida fica: se havia vagas, por que a demora para as preencher? Se o grupo daqueles que passam é pequeno, o dos que são nomeados para cargos mostra-se ainda menor. Recorrer à Justiça toma muito tempo e dinheiro, mas o Superior Tribunal de Justiça já deferiu uma decisão que obriga que os órgãos chamem os candidatos que passaram dentro das vagas. A sociedade civil organizada tem força, também, para cobrar, por meio de manifestações ou se utilizando dos mecanismos democráticos. Só assim é possível pensar em uma sociedade mais justa. Estudante do 5º semestre de Jornalismo
Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor) Fundação Edson Queiroz - Diretora do Centro de Ciências Humanas: Profª Erotilde Honório - Coordenador do Curso de Jornalismo: Prof. Eduardo Freire - Disciplina: Projeto Experimental em Jornalismo Impresso (semestre 2009.2) - Reportagem: Ana Carla Calvet, Cleidinaldia Maia, Lucas Benedecti, Mariana Fontenele, Mirtila Facó, Monique Linhares, Nathália Bernardo, Otávio Nogueira, Raphael Barros, Roberta Arrais, Tamires Santos, Thalyta Vasconcelos - Projeto gráfico: Prof. Eduardo Freire - Arte final: Aldeci Tomaz - Professores orientadores: Antonio Simões, Eduardo Freire - Coordenação de Fotografia - Júlio Alcântara - Conselho Editorial: Antonio Simões, Eduardo Freire, Alejandro Sepulveda Supervisão gráfica: Francisco Roberto - Impressão: Gráfica Unifor - Tiragem: 500 exemplares - Estagiário de Produção Gráfica: Katryne Rabelo - Estagiários de Redação: Cláudio de Paula, Elaine Quinderé, Viviane Sobral, Wolney Batista - Revisão: Profa. Solange Maria Morais Teles
Sugestões, comentários e críticas: jornalsobpressao@gmail.com
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Ceará é o segundo maior pólo no ranking brasileiro de moda íntima A qualidade e os preços competitivos da produção local tornam o Estado vice-líder nacional no setor de moda íntima, atrás apenas de Santa Catarina Roberta Arrais, Tamires Santos e Thalyta Vasconcelos
Produção cearense: maior parte do que é fabricado será exportada
O empresário cearense Davi Gonçalves foi um dos que investiu no mercado. Segundo ele, “a moda íntima está em ascensão e isso deve ser aproveitado”. Gonçalves é dono de uma marca de lingerie e possui três lojas no Estado: uma em Fortaleza, uma em Sobral e outra em Itapipoca. São fabricadas cerca de 250 mil peças por ano pela empresa, além de serem gerados cerca de 30 empregos diretos. O produto mais fabricado é a calcinha, representando 50% da produção anual. A outra metade da produção é destinada a sutiãs e pijamas. “Somente 20% do que é fabricado fica no Estado. Nosso produto vai para o Brasil inteiro especialmente para o Pará, Bahia e Amazonas”, afirma o empresário. Outra empresa cearense
Foto: Tamires Santos
Saiba mais...
Números do mercado cearense Foto: Tamires Santos
A moda íntima em todo o Brasil está em constante mudança. As peças passaram de simples “roupas de baixo” para aprimorados acessórios no vestuário. Essa mudança de comportamento fez crescer a procura e as vendas, proporcionando aos empresários cearenses condições de investir cada vez mais no ramo. Somente no Ceará são mais de duas mil empresas formais desse segmento, segundo a Associação de Moda Íntima do Estado (Amic). Para cada uma delas estima-se que existam 3 informais. Além disso, cerca de 80 mil empregos diretos e indiretos são gerados. O Ceará é o segundo maior pólo de moda íntima do Brasil, segundo informações dos fabricantes de lingerie, ficando atrás de Santa Catarina. Em média, U$ 2,06 milhões são exportados para outros países anualmente pelas empresas cearenses, segundo dados da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec). Isso representa cerca de 20% do total exportado em confecções no Ceará em 2008. Entre as exportações, o país que mais importa o produto cearense é a Argentina, representando 28,2% do total exportado. Entretanto, a maioria de tudo que é produzido por empresas cearenses fica no Brasil, sendo destinada para outros Estados como Maranhão e Pará.
600 2 192 80 15%
milhões de peças são produzidas por ano nessas indústrias.
mil empresas regularizadas existem hoje no Estado. Para cada formal existem três informais. mihões de reais é a média de faturamento anual nas fábricas, entre R$15 e 18 milhões mensais.
mil empregos, entre diretos e indiretos, são gerados no mercado de moda íntima da produção, em média, é consumida no Ceará, os 85% restantes vão para outros estados e países. Fonte: Associação de Moda Íntima do Ceará (Amic)
também exporta para vários Estados brasileiros. O diferencial dessa é que aposta principalmente em cuecas. Nela são fabricadas anualmente cerca de 1 milhão e 80 mil peças. “Uma média de 2550 cuecas são produzidas por dia contra somente 1600 calcinhas e sutiãs”, afirma a chefe de produção da empresa, Socorro Ribeiro. Mais de 90% da produção da empresa é levada para outros Estados, principalmente para o Pará, local onde a marca escolheu para investir em mais três lojas. “Além da de Belém, existem mais duas: uma aqui em Fortaleza e outra em São Luiz”, informou a chefe de produção. Contudo, algumas fábricas cearenses preferem investir no mercado local. É o caso de Francisco Rocha, que começou vendendo em feirinhas de Brasília até que decidiu criar sua própria empresa. Inicialmente, fazia vendas indiretas, através de revendedores, mas “a marca conquistou tanto os lojistas quanto consumidores, o que possibilitou a expansão”, afirma Rocha. 60% dos produtos fabricados ficam em Fortaleza e 40% vão para o resto do Brasil. São Paulo é o principal Estado onde a marca é revendida. Os donos e funcionários das empresas de moda íntima acreditam que o ramo está em ascensão no Ceará, por conta do constante crescimento nas exportações realizadas. De acordo com os dados da Fiec, do total de confecções produzidas no Ceará em 1998, somente 17% era exportado, tendo crescido esse número para 20% em 2008. Acreditase que esse aumento nas exportações se deve à qualidade do produto cearense.
Feira da Moda Íntima Ceará chega a terceira edição Um dos maiores eventos de moda íntima do Brasil é realizado no Estado. Trata-se da Moda Íntima Ceará (MIC), que esteve, no ano de 2009, em sua terceira edição. Organizada pela Associação de Moda Íntima do Ceará (AMIC), a feira acontece uma vez por ano. O volume de negócios gerados pela feira vem crescendo a cada ano. Em 2007, cerca de 6.000 pessoas passaram pelo evento. No ano de 2008, foram, em média, 9.000 visitantes, dentre empresários, fabricantes e fornecedores do
Ceará, de outros Estados e até do exterior, além do público em geral. Em 2009, o número de estandes foi mais que o dobro de 2007, e contou com o desfile de 12 marcas, três a mais que a edição anterior. O evento foi realizado em junho deste ano. Pela proximidade do evento ainda não foi feito o levantamento do número de visitantes. A repercussão da Feira de 2008 estimulou negócios que renderam aos empresários cerca de R$ 8 milhões nos meses seguintes à sua realização.
Estima-se que os números da Feira de 2009 sejam consideravelmente maiores. O objetivo da feira é de “reunir todos os elos da cadeia de fabricação de lingerie num ambiente glamouroso e altamente favorável para os negócios”, segundo a organização do evento. Complementando ainda que “no evento os empresários têm a oportunidade de conferir as novas tendências e lançamentos da moda íntima na região, avaliar as oportunidades de investimentos que o mercado oferece, e outras oportunidades”.
O evento apresenta aos visitantes as novas tendências e os lançamentos dos fabricantes desse setor Fotos: Lucas Menezes
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Ancorando com arte, cidadania e esperança
Oficina de capoeira: apesar da proposta de acolher moradores de rua, a coordenação do projeto abre o espaço para a participação de qualquer pessoa Foto: Divulgação
Com projetos de arte e de economia solidária, o Ancorando no Poço da Draga Ubuntu trabalha com pessoas em situação de rua e dependentes químicos Ana Carla Calvet, Cleidinaldia Maia e Mirtila Facó
Certo dia, o amazonense Antônio Vidal, 24 anos, precisou tomar um banho e foi até o Centro de Atendimento à População de Rua (CAPR), órgão ligado à Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas), na rua Rodrigues Júnior, no Centro de Fortaleza. Chegando lá, ficou sabendo da existência de um projeto do qual o CAPR era parceiro desde 2007, que ensinava artes e cultura à população em situação de rua da capital. Era o Ancorando no Poço da Draga Ubuntu. Vidal, que é artesão e sempre gostou de ter contato com dança e artes, viu no Ubuntu (como é conhecido o projeto) uma oportunidade de estar próximo do que gosta. A criação do Ancorando no Poço da Draga Ubuntu é parte da história de vida da coreógrafa Valéria Pinheiro. Nascida em Juazeiro do Norte, chegou a cidade de Fortaleza no ano de 2002. Em março de 2006, por meio do Edital Ponto de Cultura (veja matéria ao lado), promovido pelo Ministério da Cultura, ela criou o projeto que atende pessoas em situação de rua e dependentes químicos
Conheça
Alguns participantes O fortalezense Flávio dos Santos, 22 anos, um dos primeiros a chegar ao projeto, cursa a oficina de circo e capoeira. Um dos principais objetivos de participar do Ubuntu é ter a oportunidade de ensinar a capoeira aos meninos de rua, já que, de acordo com ele, “capoeira é coisa do Brasil e ajuda a afastar da rua”. Railton dos Santos tem 19 anos e há três meses faz todas as oficinas que o Ubuntu oferece. Ele conta que já se afastou do projeto algumas vezes, mas que sempre retorna porque quer aprender a cantar. Railton participa, também, da banda do Ubuntu, chamada de Manhã de Terça. “Eu até já canto em algumas festas que vou”. O amazonense Antônio Vidal, 24 anos, é artesão e filho de artesãos. Ele conta que sempre esteve ligado às artes e por isso mesmo se interessou em participar do projeto. O rapaz participa das oficinas de circo, dança e capoeira. “Estou aqui porque gosto, e é isso que não me faz querer sair de jeito nenhum”.
oferecendo diariamente diversas oficinas, entre as quais: canto-coral, linguagens circenses, percussão e capoeira. O início De acordo com Pinheiro, o começo foi muito complicado, já que a sede do projeto está localizada no Café Teatro das Marias, na Rua Senador Almino 233, Praia de Iracema lugar em cujas proximidades existiam diversos usuários de entorpecentes e onde os assaltos eram quase diários. Segundo ela, quanto mais os queria invisíveis, mais eles se mostravam assaltando e roubando. A coreógrafa afirma que a ideia de colocar essas pessoas para dentro do Café Teatro – que também é sua residência, – surgiu como uma forma de proteção. “No início da abordagem, eu me sentava no chão com eles e começava longas conversas. Foram cerca de seis meses para conseguir a amizade deles”, conta a coreógrafa. Ainda conforme Pinheiro, outro fato que a levou a inserir essas pessoas em seu projeto foi a percepção de uma carência nessa parcela da população no que diz respeito às artes em geral. O projeto, que beneficia cerca de 30 pessoas diariamente, busca descobrir novos talentos e despertar nos participantes uma nova visão de si mesmos, uma nova percepção e consciência do corpo. Esse trabalho, conforme a coreógrafa, possibilita mudanças nos participantes, assim como o agencia-
Ubuntu
O termo tem sua origem nas línguas do grupo Bantu da África do Sul. A palavra remete à ideia de tratar aos outros com humanidade, pois “eu sou o que sou por causa do que somos todos juntos”, segundo o site da Comunidade Ubuntu- Pt. mento de encontro destes com o mundo lúdico das artes. Railton dos Santos, 19 anos, é um dos talentos do Ubuntu. Participante das oficinas há três meses, ele afirma que uma de suas grandes paixões é a música. “Aqui eu aprendi a cantar e, por conta disso, faço parte de uma banda de percussão e já participei até de eventos musi-
cais”, informa. Seu colega, Flávio dos Santos, diz que o projeto é uma maneira excelente de afastar as pessoas da rua e, até mesmo, da marginalidade. Eles também podem fazer a oficina de introdução à informática e universo digital, beneficiada pelo Ministério da Cultura com um kit multimídia composto por computador, DVD, câmera filmadora, câmera digital fotográfica e caixas de som – previsto no edital do Ponto de Cultura. Valéria reparou que os participantess sabem da existência de algumas ferramentas, mas não possuem conhecimento da utilização de muitos outros serviços de que o computador dispõe. Conforme explica a presidente do Ubuntu, para que os participantes deixem de ser “analfabytes”, o núcleo de audiovisuais ministra aulas básicas de informática que lhes possibilitem familiarizar-se com os equipamentos. Após ensinar o uso das máquinas, Valéria tem outro objetivo. “Mais para a frente queremos fazer um documentário sobre o olhar deles. Ainda precisamos ver de que maneira eles trabalharão com os equipamentos. Afinal, sabemos que não é um trabalho tão simples. Como um jovem usuário de entorpecentes utilizará uma câmera de R$ 8 mil?”, questiona Valéria. Recursos O governo federal disponibiliza R$ 60 mil por ano para o pagamento dos oficineiros e materiais utilizados nas atividades. As outras despesas do lugar, como aluguel, luz e água, são pagas com ações de autosustentabilidade, entre as quais o aluguel do espaço. Edmar Cândido, que, atualmente, ministra a oficina de circo no Ubuntu, explica que a educação com esse público, que possui uma energia bastante vigorosa, tem de começar internamente, para, só então, passar a exercitar o corpo propriamente dito. “Trabalhar aqui é um grande desafio. Os participantes já vêm com muitas informações. No começo, eles eram muito dispersos. No entanto, atualmente, tenho mais jogo de cintura para enfrentar isso. E, além do mais, eles são muito mais atenciosos hoje”. Os frutos dessa oficina circense são percebidos pelo instrutor, que afirma escutar com frequência dos alunos a respeito de treinos externos, ou seja, em locais e horários fora de aula.
Oficinas Durante a semana, os participantes do Ubuntu realizam diversas atividades artísticas, das 9h30min às 11 horas: Segunda-feira: Dança e informática Terça-feira: Percussão e lutheria (construção de instrumentos) Quarta-feira: Capoeira, construção de berimbau e informática Quinta-feira: Canto-coral e introdução ao teclado Sexta-feira: Circo e informática
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Ubuntu é opção de crédito mútuo e solidário Com a intenção de construir uma economia solidária, Valéria Pinheiro criou, há nove meses, a Moeda Ubuntu. A circulação desse dinheiro é baseada no escambo de fazeres e serviços culturais. De acordo com Valéria, o mecanismo é simples. A moeda paga, por exemplo, o aluguel de um contra-baixo, uma aula de canto ou outra atividade cultural existente nos coletivos - movimentos sociais - do Teatro das Marias. Para que a pessoa consiga um Ubuntu e realize esse escambo, ela deve prestar um serviço para um dos sete grupos que habitam o Café Teatro. Por exemplo, lavando o banheiro do Teatro, a pessoa consegue um determinado valor de Ubuntu para adquirir a atividade cultural desejada. Mas a coreógrafa assevera: “essa moeda compra somente serviços culturais. Ela não compra, por exemplo, uma coca-cola”. O uso da Ubuntu ainda está sendo estimulado e os parceiros estão em fase de seleção.
Por enquanto, a moeda circula apenas dentro do Café Teatro das Marias, por meio dos grupos que utilizam o lugar, entre eles, a Cia.Vatá, Caravana Cultural, Tambor das Marias, Grupo Fusuê e Coletivo Auê. “Nossa ideia é atrair mais parceiros e assim expandirmos nossas conquistas”, afirma. Por enquanto, a Ubuntu ainda não existe no papel, mas Valéria planeja, para 2010, uma forma de materializá-la através da conversão do Real. Cada Ubuntu equivalerá a 60% dele, ou seja, 60 centavos. A moeda será trocada no próprio Teatro das Marias, através de um conselho administrativo eleito pelos coletivos. Ainda de acordo com ela, o princípio da Moeda Ubuntu é o mesmo da Patativa - moeda lançada na Feira da Música 2009. Durante o evento, os parceiros, restaurantes conveniados e casas de show participantes - como o próprio Teatro das Marias e o Hey Ho - trabalharam com Patativas,
através da compra e venda de ingressos, por exemplo. A Ubuntu e a Patativa fazem parte de iniciativas de grupos culturais movidos pela economia solidária, que implementam suas moedas auxiliando um mercado de produtos e serviços dentro da cadeia produtiva das artes como música e dança. Este crédito mútuo ativa a economia de uma determinada comunidade através do fluxo do dinheiro. Além da circulação local, a moeda pode ser utilizada para o pagamento de microcréditos, que são concessões de empréstimos de baixo valor a pequenos empreendedores informais e microempresas. Um dos princípios da economia solidária é a auto-gestão (forma de organização coletiva através da democracia). O Fórum Brasileiro de Economia Solidária acredita que esse mecanismo é uma maneira de “estimular a inclusão social produtiva, apoiando grupos de pessoas a gerarem a sua própria renda”.
O princípio da criação da Ubuntu é o mesmo da Patativa, moeda que circulou durante evento musical em Fortaleza
Foto: Divulgação
Maracatu Estrela e Piaba de Ouro: Ponto de Cultura de Pernambuco
Foto: Divulgação
Cultura regional é valorizada no País O Programa Cultura Viva é uma das iniciativas do Ministério da Cultura (Minc) que tem como função principal a preservação e a promoção da diversidade cultural no Brasil. O objetivo dos Pontos de Cultura, uma das ações prioritárias do Programa, é articular e impulsionar as ações sociais já existentes nas diversas comunidades. O aumento no número de Pontos de Cultura fez com que o Minc criasse a proposta chamada Pontões de Cultura, que são espaços culturais, aproveitados ou construídos, geridos em consórcio quando houver certa “densidade” de Pontos de Cultura em uma localidade. Os recursos de até R$ 500 mil por ano são usados para o desenvolvimento de programação integrada, aquisição de equipamentos e adequação de instalações físicas, cuja missão é a construção de espaços de articulações com os Pontos de Cultura. O financiamento dos espaços se dá através das parcerias com empresas públicas e privadas e governos locais.
Outra preocupação do programa Cultura Viva é como trabalhar a cultura direcionada ao público infantil. Com isso, surgiu o Pontinho de Cultura, que busca assegurar os direitos das crianças. Este incentivo, que consiste em um prêmio em dinheiro, seleciona propostas de projetos sócio-cultural-artísticoeducacionais que garantam os direitos desta parcela da população. Para isso, é preciso que estejam em parceria com escolas, universidades públicas ou demais instituições. O objetivo dos Pontinhos de Cultura é promover uma política nacional de transmissão e preservação da cultura da infância e adolescência. Para ser um Ponto, um Pontinho ou um Pontão deve-se participar do edital de seleção do Ministério da Cultura, enviando projeto para análise da Comissão Nacional de Avaliação, composta por autoridades governamentais e personalidades culturais. Caso a proposta seja aceita, será estabelecido o convênio com o Minc.
Entrevista
Pontão de Cultura: uma iniciativa de fortalecimento do semiárido Entre os Pontões do Ceará está o “Rede Boca no Trombone: a cultura do semiárido brasileiro navegando nas ondas do rádio”, da ONG Catavento Comunicação e Educação. Milena de Castro, jornalista e coordenadora do Rede Boca no Trombone, explica o valor desse incentivo. Sobpressão: O que trabalham os Pontos de Cultura e qual o público alvo? Milena: Os Pontos de Cultura trabalham com as manifestações culturais da sua região, valorizando-as e passando-as às novas gerações. Eles são considerados Pontos de Cultura a partir do momento em que participam da seleção de edital público. Mas, para isso, eles já devem desenvolver um trabalho com a cultura local. Então, é um apoio dado a iniciativas que já existem, a
trabalhos que já vem sendo desenvolvidos em uma região que recebem o apoio do Ministério da Cultura (Minc).
SP: Que tipos de atividades são desenvolvidas nos Pontos de Cultura? M: São várias as propostas dos Pontos de Cultura. Tem trabalho com audiovisual, tradições populares, danças, teatro, etc. Depende do projeto que aquela iniciativa enviou para o Minc. Por esse motivo, dependendo da proposta do projeto
desenvolvido, participam desde crianças até idosos.
SP: Em que consiste o projeto Pontão de Cultura da ONG Catavento? M: O Projeto do Pontão de Cultura Rede Boca no Trombone foi aprovado pelo Minc e teve início em junho de 2008. O Rede Boca no Trombone é responsável pela articulação de cerca de 223 produtores culturais de 100 Pontos de Cultura do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba em torno da produção do programa de rádio “Ondas da Cultura”. SP: Qual o objetivo principal desse Pontão? M: A proposta do Pontão é mostrar as diversas manifes-
tações culturais do semiárido através de programas de rádio que são disponibilizados na internet no site da Catavento Comunicação e Educação, na webrádio do Ministério da Cultura e ainda nas rádios dos municípios que têm Pontos de Cultura.
SP: Como você avalia a importância desse tipo de incentivo? M: O Apoio do Minc é importante porque é através dele que iniciativas culturais de muitas regiões podem continuar existindo. Não só continuar, estamos falando também de valorizar a cultura. Milena de Castro considera que os Pontos fortalecem as identidades regionais Foto: Arquivo Pessoal
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Nem “tudo que é sólido se desm Apesar de usada em um outro contexto histórico, a frase de Marx pode ajudar a sociedade contemporânea a refletir sobre uma temática atual: a gestão do lixo eletrônico Mariana Fontenele e Monique Linhares
Você, leitor, deve ter algum equipamento eletroeletrônico esquecido e muito bem guardado em algum cantinho escondido de sua casa. Se não, parabéns! Mas, se sim, leia com atenção esta reportagem e saiba um pouco mais sobre a vida e morte de seus aparelhinhos tecnológicos. Celular, computador (desktop e notebook), televisor, câmera, impressora, baterias (incluindo pilhas) e eletrodomésticos em geral compõem o cenário das maravilhas tecnológicas que, em não mais de seis meses, se reinventam e enchem nossos olhos com as novidades do mercado. Para se ter uma ideia da dimensão do problema da vida útil dos eletrônicos, é preciso destacar alguns números. A indústria brasileira de eletroeletrônicos faturou cerca de R$129 bilhões só no ano passado, de acordo com o balanço da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (ABINEE). Esmiuçando esse saldo, é impressionante o consumo de computadores no Brasil, que, segundo a mesma entidade, chegou a mais de 11 milhões de unidades vendidas só no ano passado. Ultrapassa
Saiba mais...
Com quanto se faz um monitor 1,8 tonelada dos mais diversos tipos de materiais são utilizados para se construir um único computador de mesa, com um monitor CRT de 17 polegadas. São 240 quilos de combustíveis fósseis, 22 quilos de produtos químicos e talvez o dado mais impressionante - 1.500 quilos de água. Fonte: Universidade das Nações Unidas
Processo de fabricação consome mais de 10 vezes o seu próprio peso
Poluição: variedade de materiais encontrados na composição de aparelhos eletroeletrônicos acumulam 50 milhões de toneladas de lixo anualmente no Brasil
os 166 milhões de usuários de celulares, de acordo com pesquisa realizada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), no período de janeiro a setembro deste ano. Este cenário reflete o comportamento do consumidor não só no País, mas no mundo. “Esse consumo desenfreado é uma consequência negativa dos avanços tecnológicos da Sociedade da Informação”, diz Felipe Andueza, colaborador do blog Lixo Eletrônico, criado para publicar uma pesquisa sobre a problemática e hoje é atualizado com várias informações para discussão pública do assunto. Atualmente, as relações sociais exigem que a pessoa esteja atualizada não só no conhecimento, mas nos apara-
tos que armazenam a informação, como computadores, por exemplo. Neste ritmo frenético das inovações, observa-se um mecanismo conhecido como obsolescência planejada, estratégia das indústrias para que os produtos durem pouco, até dar o tempo de lançar um produto substituto no mercado. Só no Brasil, a sucata eletrônica atinge 50 milhões de toneladas anualmente. Então, inevitavelmente, surge a pergunta: quando toda essa tecnologia insaciável fica defasada, para onde vai a montanha de lixo resultante? Poucas respostas são satisfatórias. Deve-se jogar no lixo comum, para acabar nos logradouros públicos ou em entulhos a céu aberto? Nem pensar! Os resí-
duos sólidos devem ter destino certo através da coleta seletiva. Mas, parte destes resíduos sólidos é o lixo eletrônico, que é “o que mais cresce em porcentagem de peso e volume no lixo doméstico – e são bem mais complexos que quaisquer outros rejeitos produzidos em casa ou no escritório”, afirma Andueza. Os resíduos eletroeletrônicos são compostos de metais preciosos, como o ouro e cobre, mas também materiais pesados e tóxicos, como mercúrio, cádmio e chumbo, altamente contaminadores. Se depositados ao ar livre, em contato com o solo, queimados, ou mesmo ao serem manuseados erroneamente, causam danos sérios ao meio ambiente e à saúde
humana. Portanto, é imprescindível a gestão correta dos equipamentos descartados. “A ideia é que os fornecedores criem mecanismos, estruturas e espaços para que a população devolva esse lixo”, afirma Geovana Cartaxo, advogada especialista em Direito Ambiental. E isso não responsabiliza só o setor de produtores e distribuidores de eletroeletrônicos, mas também o poder público e a sociedade. Marco regulatório O Projeto de Lei (PL) que define a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PL 203/1991), tramita no Congresso Nacional há 18 anos. Ele trata da gestão correta do lixo, pelo “acondicionamento,
Metareciclagem é caminho alternativo Um costume de boa parte da população é guardar aparelhos eletrônicos, mesmo que estes já não possuam nenhuma serventia. Outra parte, por sua vez, simplesmente joga esses produtos em lixo comum, acarretando diversos problemas ambientais. Atenta a esse problema, a ONG Ceará em Foco: Raízes e Antenas tem atuado por um viés da tecnologia livre, buscando unir cultura e tecnologia. Elton Pontes, coordenador do núcleo de metareciclagem, salienta que um dos principais projetos realizados pela ONG é o “Caça Níqueis”, que busca dar um uso educacional às máquinas caça-níques apreendidas pela Polícia Federal. Com o trabalho de reciclagem, as máquinas tranformam-se em computadores que serão doados às bibliotecas comunitárias. De acordo com Elton, a intenção do projeto é tentar reduzir os danos causados com o
Gambiarra: Elton transforma lixo em aparelhos úteis e diferentes
descarte dessas máquinas, que costumeiramente são trituradas e jogadas no lixão, liberando todos os resíduos pesados e matérias tóxicos. A ONG reaproveita pela metareciclagem e artesania muitos produtos adquiridos por meio de doações, sendo os de informática sua prioridade. São processos que visam dar
Foto: Mariana Fontenele
outros usos àqueles equipamentos que já não possuem muita serventia. É o caso, por exemplo, do “GambiSoundSystem”, que Elton nos apresentou. Trata-se, como o próprio nome sugere, de uma gambiarra. Feito a partir de peças de um computador que não funcionava mais, o aparelho agora toca CD.
“A gente procura dar uma destinação legal pra esse material. O que não prestar pra gente aproveitar na metareciclagem, a gente manda pra uma empresa especializada em são Paulo. Lá eles trituram, colocam no forno e extraem o material pra reutilizar”, explica. Para disseminar a cultura da reciclagem, a ONG vai oferecer oficinas onde se ensinarão as técnicas da reciclagem e da artesania. O intuito é formar multiplicadores. A princípio, as oficinas irão englobar o entorno da ONG, no bairro Farias Brito, mas o projeto pretende alcançar toda a Fortaleza e tem a ambição de incluir todo o Estado. Ainda são poucas as pessoas e instituições que lutam pela causa. Muitas ainda não atentaram para o grande problema que nos cerca. Estamos sendo engolidos por nosso próprio lixo. Seria correto, talvez, dizer “estamos dando um tiro no pé”. A natureza tem dado a sua resposta.
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mancha no ar”
Fotos: Monique Linhares e Mariana Fontenele/ Montagem: Aldeci Tomaz
coleta, tratamento, transporte e destinação final dos resíduos de serviços de saúde”. Uma parte do texto do artigo 33 menciona os resíduos eletroeletrônicos e, o mais importante, a logística reversa e a reciclagem do lixo. O reverso da venda é a coleta dos produtos descartados, atribuída a órgãos públicos competentes, fabricantes, distribuidores e comerciantes. A partir daí, a preocupação é com a destinação adequada dos resíduos. Será definido se vão passar pelo processo de reciclagem, sendo transformados em sua estrutura física e química para fabricação de novos produtos; se o equipamento será reformado, para reutilização; ou se será realmente descarta-
do, passando pela correta separação de seus componentes. Geovana destaca a urgência de ser posta em prática a política dos três Rs (erres), que consiste em reduzir o lixo, reutilizálo e reciclá-lo. A menção aos rejeitos eletroeletrônicos e às lâmpadas fluorescentes foi retirada do PL, ignorando a existência desse tipo de lixo. Então, um grupo de trabalho da Câmara dos Deputados tratou de analisar 79 propostas, constituindo um texto substitutivo ao PL. Essas novas propostas, que incluem os eletroeletrônicos, receberam o apoio do Ministério do Meio Ambiente (MMA), da frente parlamentar ambientalista, entidades engajadas, setor empresarial, catadores e sociedade civil em uma audiência pública realizada em outubro. Por outro lado, a Política Nacional dos resíduos ainda é só um PL, não cria o marco regulatório que exija o compromisso daqueles que compõem o chamado triângulo da gestão ambiental: órgãos públicos, civis e setor industrial. Segundo Geovana Cartaxo, as leis ainda são muito gerais e não responsabilizam ninguém pelo lixo que é produzido. “As leis de resíduos sólidos do Ceará dizem que as lâmpadas não podem ser jogadas em lixo comum, mas também não dizem quem é o responsável. Então não resolveram nada”. Há, portanto, que se determine papéis a pessoas e setores, para que haja eficácia no processo.
Enquete
Você pagaria para descartar seu e-lixo? “Não sei se pagaria, iria depender muito do valor. Mas, se fosse algo justo, seria uma boa opção. Creio que a solução mais interessante era aumentar o número de lixeiras especiais”.
“Talvez. Se as pessoas ganhassem algo em troca do seu lixo eletrônico, elas se conscientizariam da importância em separar e reciclar esse tipo de material”.
Roberto Ramires, 26 anos Engenheiro
Evelyn Onofre, 22 anos Estudante de Jornalismo
Atitude: o holândes Jeroen IJgosse trouxe para o Ceará sua experiência em gestão do lixo eletrônico
Foto: Monique Linhares
Projeto e Grupo de Trabalho articulam ações no Ceará Toda grande mudança precisa de um bom planejamento e, acima de tudo, que as pessoas interiorizem uma ideia e passem a praticá-la coletivamente. É por essa razão que, em caráter de urgência, diversas entidades públicas, privadas e civis estão agindo por um mundo sustentável, pelo consumo consciente e, principalmente, pelo correto gerenciamento das 400 milhões de toneladas de lixo produzidas anualmente por todos nós, habitantes do planeta. O que mais tem preocupado nos últimos anos é a desinformação sobre a destinação dos resíduos eletrônicos. Estudos sobre a gestão desse lixo começam a ser realizados para estimular o fomento de políticas públicas e de iniciativas privadas. Uma pesquisa foi realizada aqui no Ceará, sob a coordenação do técnico em Planejamento Urbano, Jeroen IJgosse. O pesquisador é natural da Holanda, onde a gestão do e-lixo (e-waste, como é denominado mundialmente o lixo eletrônico) é assegurada por lei e cumprida de tal forma que o país importa material descartado de outros países para tratá-lo corretamente. Com essa referência, Jeroen chegou à Fortaleza a fim de sensibilizar e alertar entidades competentes para a problemática do lixo, por meio de questiona-
Jeroen IJgosse
O lado positivo é que o Brasil é um grande consumidor e produtor de produtos eletrônicos, está entre os 10 maiores do mundo. É obrigatório ter um sistema aqui para tratar todo o acúmulo de lixo. Coordenador da pesquisa e do GT Lixo Eletrônico
mentos e mobilização na busca por soluções. O projeto CE-Waste tem um pouco mais de um ano e agora está na etapa de articulação e de cobrança de respostas. Iniciativa inédita no Estado, o projeto conta com a participação de mais de 60 pessoas, incluindo representantes de municípios do Ceará, no Grupo de Trabalho (GT) Lixo Eletrônico, formado durante o I Seminário Estadual em Resíduos Tecnológicos, ocorrido em junho deste ano. Além de compartilhar o interesse pelo tema, o GT propõe estratégias para que se desenhe um sistema estadual de gestão do lixo produzido aqui.
“É preciso fechar o ciclo dentro do Ceará mesmo, pois se pode trabalhar muitos desses produtos no Estado, processar aqui mesmo, não tendo que transportá-los”, explica. Os governos de São Paulo e Mato Grosso já têm um sistema de gerenciamento do lixo definido por leis estaduais. Ou seja, é necessária uma legislação para que o poder público possa fiscalizar o cumprimento de todas as etapas da gestão do lixo – coleta, transporte, investimento e destinação. Ele acredita que, por meio de várias experiências em realização e pela urgência de soluções, o País conseguirá desenvolver um sistema capaz de dividir os altos custos entre os responsáveis e utilizar as tecnologias nacionais para fechar o ciclo, sem que precise exportar o lixo para lhe dar destinação. “O lado positivo é que o Brasil é um grande consumidor e produtor de produtos eletrônicos, está entre os 10 maiores do mundo. E com o tempo isso só vai aumentar. Então, é obrigatório ter um sistema aqui para tratar, daqui a cinco, 10 anos, todo o acúmulo de lixo”, afirma. Portanto, resta-nos começar a agir, por exemplo, doando seu lixo eletrônico guardado em casa. Existem entidades recicladoras e empresas especializadas em sucata eletrônica em Fortaleza (confira no quadro Serviços).
Serviço
Para onde levar o seu lixo ? Movimento Emaús A entidade recebe todo tipo de material em desuso, inclusive eletroeletrônicos. Se doado em certa quantidade, ela se compromete a buscar os equipamentos.
Banco Real Através do projeto Papa-pilhas, o Banco recebe quaquer tipo de pilhas descartadas. Em todas as agências há uma caixa na qual as pilhas podem ser depositadas.
Rua Moraújo, 651, Jardim Guanabara. Próximo ao supermercado Lagoa. Contato: 3282-1382
Contato: papa.pilhas@bancoreal.com.br http://www.bancoreal.com.br/sustentabilidade/
Ecoletas Empresa cearense de reciclagem de sucata eletrônica. Recebe todo tipo tipo de equipamento eletrônico, menos geladeira. Av. Dedé Brasil, 5006, Serrinha. Contato: 9102-4052 ou 8823-4052
Comitê para Democratização da Informática (CDI) Recebe doações de computadores e demais periféricos de informática, ainda em condições de uso. São utilizados em projetos de inclusão digital.
Ceará em Foco A ONG recebe, principalmente, equipamentos de informática ainda em condições de uso. Rua Alerta, 47, Farias Brito
Rua Monsenhor Bruno, 397, Meireles. Contato: 3091-4629. www.cdi.org.br
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Histórias entre chegadas Entre transtornos e vantagens, cerca de 10 mil passageiros utilizam diariamente os trens da linha oeste, que liga a Estação João Felipe, em Fortaleza, a Caucaia Nathália Bernardo
Quinta-feira. Os portões da estação são abertos às 5h da manhã. Por volta de 5h15 os primeiros passageiros começam a chegar. Um policial ferroviário e dois seguranças particulares tomam conta da estação e dos trens. O primeiro trem do dia, da linha oeste, deixa a estação João Felipe, no Centro de Fortaleza, rumo à Caucaia, às 5h30 da manhã. Nessa primeira viagem, são cinco vagões, onde embarcam em torno de 10 pessoas diariamente, segundo a Companhia de Transporte Metropolitano de Fortaleza (Metrofor). A viagem custa um real, estudante paga 50 centavos e idosos têm passe livre. O preço é o mesmo para qualquer uma das dez estações. Fortaleza – Caucaia Na saída, o trem apitava com maior insistência que o habitual. Com o barulho, o maquinista Jacinto dos Santos tentava espantar um cachorro que caminhava sobre os trilhos. Só conseguiu depois de muitas tentativas. O episódio se repete com frequência, segundo Jacinto. Às ve-
zes, é uma pessoa que está nos trilhos e o apito pode não ser suficiente, como já lhe aconteceu algumas vezes. Nesses casos, é preciso parar o trem. Esses instantes são tensos pois o trem pode não parar a tempo. “Graças a Deus, nunca tive nenhum acidente assim”, exclama. Para Carlos Sampaio, o primeiro trem do dia é o encerramento da jornada. Eletricista, ele passa a noite trabalhando nas obras de um shopping no Centro. O expediente termina às 3 horas da manhã. Concluído o serviço, ele guarda o material, bate o ponto, toma banho e espera o sol começar a aparecer. “Na hora que eu saio não tem trem, nem ônibus. Tenho que esperar. Aí prefiro o trem que é mais rápido e mais barato”. Fosse de ônibus, Francisco gastaria R$2, preço da passagem FortalezaCaucaia. Cansado, ele entra no vagão mais próximo, senta no banco mais acessível, encosta a cabeça na janela e cochila. Na estação Álvaro Weyne embarca Fátima Souza, dona de casa. Ela entra animada no último vagão. Vago, o primeiro trem permite a escolha de um lugar para sentar. Como se fosse criança, Maria de Fátima vai experimentando os bancos e descobrindo a vista. Escolheu ficar de frente para uma porta quebrada. “É mais fresco, né? E mais bonito também”. Ela pouco usa o trem e
Na estação, a agitação dura pouco. Os passageiros desembarcam e logo a deixam
a alegria da descoberta de andar nele parece fazê-la esquecer do exame que irá fazer no oncologista. O clínico geral do posto de saúde de Fortaleza foi quem a encaminhou para a Região Metropolitana. Raimundo Alves é que não gosta de ter que pegar trem, sair de Fortaleza e caminhar da estação até o hospital caucaiense. Há 17 anos, um acidente na construção civil o deixou com problemas de locomoção. Ele
Foto: Nathália Bernardo
embarcou na estação São Miguel com o auxílio de uma bengala e mancando muito. Desta forma, o caminho até o proctologista, onde faria o exame da próstata, é mais longo. “É perto, mas pra mim demora. Vou andar uma meia hora pra chegar no hospital”. Segundo Raimundo, ele tinha de chegar até 7h para fazer o exame. O trem chegou à Caucaia com três minutos de atraso. Antes de desembarcar, o aposentado
pergunta a hora e constata: “tá é cedo, dá tempo”. Caucaia - Fortaleza O trem fica parado por um minuto em cada estação. Nas estações finais – João Felipe e Caucaia – esse tempo se estende para cinco minutos. Nelas, é feita a reversão, o deslocamento da locomotiva de uma ponta para outra dos vagões, para que haja mudança de sentido. Cada trecho da viagem deve durar
Vandalismo e falta de cuidado com os trens Na linha Fortaleza-Caucaia, muitos passageiros viajam pendurados nas portas, que não fecham. Elas são quebradas pelos próprios usuários. “Essas portas têm fechamento automático e deveriam ficar fechadas. Elas abrem e fecham com um mecanismo de ar. O passageiro é que vai lá com um alicate ou uma tesoura e corta a mangueira que abre e fecha a porta”, explica Iraildo Nogueira, chefe de uma das equipes de policiamento ferroviário da linha oeste. Como o apedrejamento dos trens é comum, as portas abertas contribuem para acidentes. “Sempre chega alguém aqui machucado por uma pedra”, diz Nogueira. A assessoria de imprensa do Metrofor diz que há seis anos não há acidentes graves nos trens. As portas abertas também permitem que os passageiros insultem com quem está na rua, que reage com pedradas. Nogueira afirma que o problema é mais corriqueiro nas viagens noturnas, não sendo comum nos demais
horários. Em cada trem viajam dois policiais, mas eles não conseguem evitar os incidentes e dificilmente identificam os autores. As janelas dos trens são de acrílico e não abrem. Em cada vagão, há três ventiladores pouco eficientes. É com o calor que o sapateiro Raimundo Nonato tenta justificar a quebra das portas. “Tem algumas horas que é muito quente dentro do trem. Por isso que o pessoal quebra as portas”. Ele afirma viajar nas portas às vezes e não ter medo de cair do trem em movimento. Segundo a assessoria de imprensa do Metrofor, alguns carros foram reformados em 2006. Neles, há bancos bem conservados apesar de as portas já estarem quebradas. Por fora, os trens também têm bom aspecto, apesar de algumas pichações. Em cada uma das linhas, circulam 2 trens. Quando um deles está em manutenção, é substituído por um trem reserva velho, mau conservado e enferrujado. A assessoria de
Perigo: passageiros viajam pendurados nas portas
Foto: Nathália Bernardo
Trens deteriorados substituem os que estão em manutenção
Foto: Nathália Bernardo
imprensa do Metrofor alega que falta dinheiro para reformar todos de uma vez, já que a bilheteria de 600 mil reais por mês não é suficiente para esses investimentos. Dentro da estação João Felipe, o problema também é a falta de educação, ressalta Nogueira. “As pessoas não têm educação. Jogam lixo no chão, lavam o rosto no bebedouro. A gente pede que não façam isso, que cuidem do lugar, mas não adianta”. Luiz Gonzaga, um dos faxineiros do lugar reclama: “as pessoas sujam tudo, (a gente) tem que limpar o tempo todo. Às vezes, ainda aparecem uns bêbados passando mal”. Contra a falta de educação e o vandalismo, o Metrofor aposta em conscientização. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, há oito anos, existe o projeto Metrô e Cidadania. Ele vai às residências próximas aos trilhos, escolas, associações comunitárias e imprensa para incentivar as pessoas a zelar pelos trens.
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e partidas gente se entende. “Se eu fosse de ônibus, tinha que ir pro terminal, que essa hora tá lotado. Aí eu ia pegar um ônibus muito mais lotado que o trem. Ainda ia ter engarrafamento e eu ia pagar mais caro. Melhor é o trem mesmo”, explica Paulo. O trem apita e para. Desembarcaram cerca de 670 pessoas, segundo o Metrofor. A João Felipe se enche de gente e barulho. O que mais se ouve é o estalar das catracas. Desatentas aos rostos que passam, à arquitetura do século XIX e ao barulho de uma TV, as pessoas deixam a estação. A agitação dura só três minutos: estação é lugar de chegadas e partidas. Na estação Depois do trem que chega às 7h, as viagens são cada vez mais quietas. Há menos passageiros e menos pressa. Ouve-se melhor a TV. Há tempo para um lanche. A estação cheira a comida. Dona Chiquinha, que deve ter 70 anos, toma caldo. Ela não quer conversa. “Deixa eu comer”, reclama. Meio-dia. O centro de Fortaleza ferve. É só voltar a vista para fora da estação. Dentro dela, a única agitação é a da pequena Maria. Nem dois anos de idade, toda de rosa e cabelos presos em dois pitós. Corre de um lado para outro da estação, brinca com um carrinho de feira, com um celular, com umas pedrinhas. O pai, Antônio Pereira, é dono de uma lancho-
Maria é o xodó do pai, dono de uma lanchonete da estação, e anima quem fica pela João Felipe Foto: Nathália Bernardo Foto: Nathália Bernardo
45 minutos. O trem chega em Caucaia às 6h15 e está de volta à João Felipe às 7h. É o primeiro trem que parte de Caucaia. Como chega ao centro de Fortaleza pouco antes do horário comercial, ele viaja cheio. Os vagões vão ficando mais apertados a cada estação. Cerca de 940 pessoas embarcam nesse trem, segundo o Metrofor. O que se vê por todo lado é gente banhada e penteada para começar o dia. Há homem de terno e gravata e moça de minissaia. Mas a maioria veste farda e tem-se de tudo: estudantes, vendedores, mecânicos, faxineiros, carteiros etc. Há quem leve consigo o material de trabalho: correspondências, vassouras e roupas. Maria de Lurdes levava caldo para vender no Centro. Um desequilíbrio com o isopor aberto a fez derramar um pouco e um cheiro forte de comida invadiu o vagão. Logo adiante, esse cheiro se mistura ao de manga, vindo de fora do trem, perto da estação do Conjunto Ceará. É lá que embarca Paulo Cardoso, vendedor. O barulho da viagem de trem aumenta à medida que a gente se aproxima do gerador de energia, que mantém luzes e ventiladores funcionando. Tentar vencer a multidão do trem das 6h15min e o barulho do primeiro vagão para entrevistar é tarefa difícil. “É muita zoada”, ele quase grita. Com algum esforço e em meio a alguns “hã?” e “que?”, a
Na locomotiva, o maquinista espera que os passageiros embarquem Foto: Julyana Monte
O jeito é viajar em pé quando o vagão lota
nete da estação e todo dia leva a filha ao trabalho. “Desde que ela tem 12 dias que eu carrego ela comigo. Não largo dela”, ele conta. Xodó do pai e de toda a estação. Ao menor sinal de choro da pequena, já tem gente tentando animá-la. Com um bombom, ela sorri. Só às 17 horas, a agitação volta a tomar conta da estação. É possível reconhecer alguns rostos dos trens da manhã. Estão
chega à estação João Felipe às 20h50. Nele, nem dez passageiros. O barulho das catracas quase não se ouve. Dois policiais ferroviários e dois seguranças particulares tomam conta da estação. Às 20h30min, fechamse os portões no silêncio do Centro de Fortaleza, que descansa. Diariamente, há 12 chegadas e 12 partidas de trem na João Felipe, um total de 3.800 passageiros.
mais cansados e desarrumados, mas a pressa é a mesma. Paulo Cardoso embarca no trem de 18h15. Volta para o Conjunto Ceará. “Tem que ser rápido pra pegar um lugar”. Mariana dos Santos, vendedora de 25 anos, embarca no mesmo trem. Vai para casa, em Caucaia. “Não vejo a hora de chegar em casa, brincar com meu filho e dormir. Amanhã, tem tudo de novo”. Quinta-feira. O último trem
O percurso histórico dos trilhos A praça que fica entre as ruas General Sampaio, 24 de Maio, Dr. João Moreira e Castro e Silva já chamou-se Campo D’Amélia, praça do Senador Carreira e praça da Via Férrea. Desde 1932, o nome oficial é Castro e Carreira. Pelo povo, foi batizada como Praça da Estação em 1871, quando ali se instalou a Companhia Cearense da Via Férrea de Baturité. A Companhia foi criada para a construção da Estrada de Ferro de Baturité, a primeira do Estado. A iniciativa foi de empresários que viram que o progresso do Estado tinha de passar pelas linhas férreas. Os trilhos começaram a ser assentados em 1º de julho de 1873. Em agosto, a Locomotiva Fortaleza rodou sobre eles. Em setembro, o primeiro trecho da estrada de ferro foi concluído. Ele ligava Fortaleza a Arronches, hoje Parangaba. A inauguração se deu em 30 de novembro de 1873. A Estação só foi construída em 1879, em arquitetura neo-
clássica, contando em grande parte com mão de obra provinda da seca daquele ano. Chamada de Estação Professor João Felipe, homenageia o ministro das relações exteriores, da agricultura e viação e obras públicas do Governo de Floriano Peixoto. Como ministro, João Felipe Pereira contribuiu muito para o desenvolvimento das ferrovias no Brasil. Hoje, o sistema de transporte ferroviário cearense é controlado pela Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos (Metrofor) e pela Transnordestina. A primeira é uma empresa de economia mista que tem por finalidade o transporte de passageiros em Fortaleza e na Região Metropolitana. A segunda é uma empresa privada, que faz transporte de carga. A implantação do metrô de Fortaleza está sendo feita pelo Metrofor. A linha Sul do metrô ligará a João Felipe à Vila das Flores, em Maracanaú. A linha
A Estrada de Ferro de Baturité foi a primeira do Estado. As atividades foram iniciadas em 1873
Oeste fará o percurso João Felipe - Caucaia. Também haverá um ramal, uma pequena extensão da linha principal, ligando Maracanaú a Maranguape. A Companhia aproveitará parte do leito dos trens atuais para instalação dos novos trilhos. Além do percurso terrestre, o metrô irá operar em trechos subterrâneos e elevados. Os vagões de hoje serão reformados para se adaptarem ao novo meio de transporte. As obras do Metrô tiveram início em 1999. Depois de diver-
sos adiamentos do prazo para seu término, a assessoria de imprensa do Metrofor garante que o metrô entrará em fase de teste no final de 2010 e que deve começar a operar em 2011. As duas linhas somarão 43,1km de extensão. O ramal de Maranguape terá 7km. Ao todo serão, 35 estações. O projeto está orçado em R$ 1,5 bi. Com a inauguração do metrô, uma nova estação deve ser construída no mesmo complexo da João Felipe, mas um pouco mais
Foto: Divulgação
adiante. O prédio da atual estação deve servir para um Centro Cultural do Banco do Brasil, mas a assessoria de imprensa do Metrofor alega que isso é apenas uma possibilidade. O prédio da Estação é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Com o fim da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), em 2007, ele passou a ser propriedade da União. Hoje, está sob cuidados do Metrofor.
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As mulheres da Toca de Assis Há seis anos, a Toca de Assis feminina desenvolve trabalho social e religioso nas ruas de Fortaleza, levando paz, alegria e cuidados para os pobres Otávio Nogueira, Lucas Benedecti e Raphael Barros
Na casa localizada na Avenida João Pessoa, número 5052, no bairro Damas, moram 32 mulheres. Sete irmãs consagradas pela Igreja Católica, 12 religiosas postulantes, que almejam tornar-se irmãs, e 13 mulheres acolhidas pela casa, na maioria dos casos idosas doentes, que demandam cuidados especiais. As consagradas e postulantes são pessoas que vivenciam uma rotina de orações, tarefas domésticas e trabalhos sociais. Mulheres que decidiram entregar sua vida a uma causa: servir a Deus. Fortaleza é a capital de maior densidade demográfica do país, com 7.764,6 habitantes por quilômetro quadrado. É também a cidade mais povoada do Ceará, a quinta do Brasil e a 91ª mais povoada do mundo. Por outro lado, se aprofundarmos a análise, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mostra Fortaleza em 148º lugar no ranking de municípios brasileiros, segundo dados do Instituto Brasilero de Geografia e Estatística (IBGE). Ou seja, em resumo, há alguns ricos, uma classe média significativa, muitos pobres e miseráveis em excesso. Sendo assim, temos uma cidade onde a maioria necessita de assistência social, no sentido mais amplo do termo. O trabalho da Toca de Assis visa alimentar o espírito dos pobres com a palavra e o ensinamento católico. Porém, este não deixa de ser social, a partir do momento em que busca a reintegração de excluídos à sociedade, resgatando-lhes a dignidade e a cidadania. A opção pelos pobres Tudo nasce por uma escolha, ou vocação, como muitas chamam, e começa, geralmente, dentro da Igreja Católica. A forte religiosidade é presente dentro da casa, mas a ajuda ao próximo e às pessoas carentes é o diferencial dos seguidores de São Francisco de Assis, assim como o voto de pobreza. Tatiara Felipe de Lima, 23, faz parte da Toca de Assis há três anos, como religiosa postulante. Está na terceira fase, dentre as cinco do processo para se tornar irmã, e relembra como conheceu a Toca de Assis. “Conheci através da minha irmã, que já é da Fraternidade há oito anos. Mas no começo não me interessava mesmo. Depois de um tempo, Deus tocou
meu coração e entrei na Fraternidade”, afirma. Natural da cidade de São Paulo, ela conta que foi acolhida depois de um encontro nacional, na sede da Toca de Assis em Campinas (SP). Na vida missionária, como explica, “convém levar a palavra do Senhor a cada estado, por isso mudamos de casa, e também pela fase em que estou, pois cada casa tem uma formação (religiosa) específica”. Tatiara passou primeiramente por Campos (RJ), Guaratinguetá (SP) e João Pessoa (PB), deixando parentes e amigos. Mais dois anos e será consagrada, numa cerimônia nacional em Campinas, como Irmã. O primeiro contato com a Toca de Assis também não
Irmã Abghail: o “chamado dos pobres” foi o que a atraiu na Toca de Assis
provocou interesse na Irmã Abghail, 32, há quase sete anos como franciscana. “O chamado dos pobres” e a troca de experiências dentro e fora da casa feminina, foram os principais motivos de sua escolha. “Quando via um irmãozinho, um mendigo na rua, isto começou a me chamar atenção. Não bastava só passar por ele, tinha que sentar e conversar com ele”, explica. A Irmã diz que foi simples sua entrada na instituição, pois já era da igreja. Cantava e organizava os encontros de orações na sua cidade natal, Itaquera (SP), até que um amigo lhe apresentou a casa franciscana. Após passar por aspirante, postulante, iniciante e se consagrar, a Irmã chega a uma etapa diferenciada, na qual poderá fazer os votos perpétuos para continuar na casa e seguir definitivamente uma vida religiosa. “É como no casamento. Se você quiser deixar a Igreja depois dos votos perpétuos, é mais complicado. Passa pela consideração do Bispo e você não pode casar durante um tempo”, informa. Vocação Apesar de sua irmã fazer parte da Toca de Assis, Tatiara encontrou dificuldade de aceitação por parte da família. Seus pais, evangélicos, não se sentem bem tendo as filhas como missionárias. “Toda vez que ligo, acabamos nos confrontando por conta da religião e pelas mudanças de cidade”, revela. Foram muitas brigas e desentendimentos, mas ela diz que A oração na capela, à direita, faz parte das atividades diárias das religiosas. À esquerda, Tatiara, 23, que deseja se tornar uma irmã
FoToS: oTáVio nogueira
“acaba transpondo isso, para viver o que Deus quer”. Vinda de uma família de maioria protestante, conta que, aos 14 anos, foi a um casamento de um tio na Igreja Católica, daí seu primeiro contato com essa religião. A mãe, que detesta a Igreja Católica, nem queria ir à cerimônia, mas por insistência das filhas acabou por ceder. Foram as três filhas e mãe ao casamento. Tatiara conta que, depois da festa, quando a mãe já havia se retirado, ela e as irmãs, encantadas com as imagens, o altar e a própria igreja, foram perguntar quando acontecia o “culto”. Na verdade, explicaram, era a missa. Depois disso, passou a fugir escondida com suas irmãs para ir à missa. Além do impasse perante a opinião dos pais, Tatiara sofreu com as mudanças de cidades.
“Dói cortar as amizades que se faz pelos outros cantos. Você forma laços com as irmãs que moram com você. Quando falei para minha mãe que ia me mudar para João Pessoa, aí que doeu mesmo”, relembra. E isto se agrava mais quando o contato com amigos e familiares só é permitido uma vez por mês, por meio de telefone ou carta. O controle da comunicação passa ainda pela Irmã Ancila, responsável pela casa. As religiosas também não possuem contato com a Internet, que é restrita a algumas irmãs, para atividade puramente burocráticas. No caso da televisão e do rádio, só assistem a programas católicos e telejornais. A comunicação restrita, explicam Tatiara e a irmã Abghail, “é para uma melhor devoção ao trabalho feito, assim como uma concentração na formação das postulantes”.
SOBPRESSÃO
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NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 2009
O acolhimento e o compromisso como medida social Todos os sábados, às 19 horas, na Praça do Ferreira, é realizada uma das principais atividades da Toca de Assis: a Pastoral de Rua. Com o objetivo de levar comida, agasalho, companhia, alegria e principalmente o alimento espiritual aos moradores de rua, este é o trabalho que mais dá notoriedade e singularidade à Toca de Assis. Com essa ação, as religiosas buscam estar perto dos pobres, conviver com eles e levar-lhes a palavra de Deus, do mesmo jeito que São Francisco de Assis fizera. Mas é ao observar o trabalho com as pessoas acolhidas na própria Toca de Assis que se pode ver mais de perto todo o cuidado levado às pessoas carentes. Tatiara comenta o próprio sentido da palavra Toca: “ao mesmo tempo em que é algo restrito, fechado, a toca propõe acolhimento, por isso acho que o nome cai bem”. Diariamente pessoas batem à porta das irmãs. Umas para pedir comida, outras para pedir ajuda, acolhimento. O acolhimento na casa é prioridade para aqueles que moram na rua. Porém, há exceções. Existem casos de pessoas que foram abandonadas em asilos e aquelas que estão com problemas na família e vão pedir ajuda. A pessoa é acolhida dependendo da necessidade e disponibilidade da casa. As acolhidas ficam por tempo indeterminado. Elas decidem quando devem deixar a casa. Há pessoas que passam um dia, outras que ficam até o
Maria Conceição: gratidão em ter sido acolhida Fotos: Otávio Nogueira
fim de suas vidas. “Não fazemos apenas acolher, mas buscamos também uma reintegração dessa pessoa na sociedade”, explica Tatiara, ao falar do compromisso social agregado aos valores religiosos. Procura-se conhecer a família do acolhido, rever seus documentos e ver suas condições para trabalhar ou estudar, com a intenção de que ele recupere sua dignidade. Em vários casos, as irmãs vão atrás também de aposentadoria e remédio para os idosos. Acolhimento na casa Dona Maria da Conceição Ipiranga, 48, que está na casa há três anos como acolhida, diz que encontrou sua felicidade na Toca de Assis. As missionárias Katiele e Natividade fo-
ram quem a encontrou na rua. Dona Conceição, que morava em Itamaracá (PE), veio a Fortaleza em busca de sua família, depois de perder a mãe de criação. Chegando na Rodoviária Engenheiro João Tomé, sem dinheiro, encontrou-se também sem rumo, com a notícia de que seus únicos parentes haviam se mudado. Por cinco dias, diz que ficou “a ver navios”, morando num terreno baldio na Praia de Iracema, passando necessidades. Mas quando conheceu a Toca de Assis, sua vida mudou. Hoje, ela faz parte das 32 mulheres que moram na casa, realizando atividades diárias, levando a mensagem da casa, onde quer que esteja. Não pretende sair, já que encontrou sua paz. Cuidando da Toca A manutenção da casa provém de doações espontâneas de pessoas físicas e jurídicas. São os chamados benfeitores. Há aqueles que contribuem esporadicamente e os que contribuem mensalmente. A maioria das doações são alimentos, materiais de limpeza, além de serviços médicos e odontológicos. As doações em dinheiro, mesmo que aconteçam em menor escala, também são feitas, depositadas na conta da entidade (conta-poupança nº 46937/2, agência 0668, OP 013, da Caixa Econômica Federal). Na Toca de Assis feminina, a irmã Talita é quem direciona o dinheiro das doações para as necessidades de higiene ou alimentação.
Todos os dias, as irmãs rezam e agradecem por estarem na Toca
Onde a caridade e a fé não se escondem A Toca de Assis é uma Fraternidade Católica que se inspirou nos ensinamentos de São Francisco, em seu zelo eucarístico e amor aos pobres. Ela foi idealizada pelo Padre Roberto José Lettieri, natural de São Paulo, que se converteu em 1983 em um encontro de jovens. Em maio de 1994, Padre Roberto, ainda seminarista, com mais três jovens que desejavam viver o carisma franciscano (pobreza, obediência, castidade), fundou a Fraternidade de Aliança Toca de Assis. Quando ordenado Sacerdote, em 8 de dezembro de 1996, esta obra já contava com a ajuda de 80 jovens, que prestavam atendimento aos necessitados, tanto na rua, com a Pastoral de Rua, quanto dentro da primeira casa de acolhimento. Hoje a instituição conta com 50 casas espalhadas por todo o país, sendo três em Fortaleza, duas masculinas e uma feminina.
A Toca é formada pelos religiosos e pelos leigos, que não aspiram à vida religiosa, mas vivem o carisma (adoração a Jesus Sacramentado, amor aos pobres e vida missionária). Os leigos assumem o compromisso de servir à Fraternidade, auxiliando as Tocas em suas necessidades. Também fazem parte da Toca os chamados amigos e benfeitores, aqueles que se comprometem mensalmente com doações para o sustento da instituição. O nome do estabelecimento é inspirado na vida de São Francisco. Ele vivia com seus seguidores em uma pequena toca (cabana), local onde mais tarde vieram a cuidar dos pobres e leprosos. Portanto, “Toca” é o lugar onde o coração de cada membro da Fraternidade acolherá os pobres irmãos de rua. Lá eles encontrarão o amor de Deus.
A voz do chamado: quando se descobre a devoção É bem provável que a maioria das pessoas já tenha ouvido uma espécie de chamado, uma voz que vem de dentro. Seja na fila, na rua ou até mesmo numa entrevista de emprego. Com o chamado espiritual não é diferente, e foi exatamente o que aconteceu com Renata Nobre Silvestre, uma jovem de 21 anos, recém-formada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece). Em 2005, Renata, que nessa época tinha 17 anos, pensava em diversos assuntos, tais como namorar, terminar a faculdade de Pedagogia, fazer uma especialização ou cursar Psicologia, estudar para concursos públicos. Mas, nesse mesmo período, começou a se envolver com os assuntos da Igreja, sem imaginar, ainda, uma vida completamente voltada para a religiosidade. Questão de tempo.
No ano seguinte, em um evento que acontece anualmente no Ginásio Paulo Sarasate, o Toca Forte, organizado pela instituição católica Toca de Assis, as coisas começaram a mudar. Durante o evento, Renata sentiu um chamado e o desejo de conhecer melhor aquela instituição. Saber como era por dentro o franciscanismo, corrente católica adotada pela Toca e inspirada na vida do santo católico São Francisco de Assis. Mesmo assim, não teve coragem de ir até lá, pois temia se envolver demais e ter de deixar tudo para trás, suas conquistas e sonhos. Nas suas próprias palavras: “tinha medo”. Passados três anos, ela sentiu novamente o chamado. Foi agora, em 2009, e dessa vez resolveu: “seja o que Deus quiser, vou entrar para a Toca de Assis”. Rena-
ta já está mais conformada em abrir mão de emprego, estudos e família para viver uma vida religiosa, dedicada à fraternidade. Ela sabe que esse caminho é cheio de dificuldades, mas que, também, tem muita coisa para aprender com isso. “A troca vale a pena, vale muito a pena”, afirma. A família ficou dividida com a escolha de Renata. Alguns a criticam, questionam o investimento feito em estudos e qualificações, alegam que isso não pode ser deixado para trás. Mas isso não a abala, nada a impede. São só críticas mesmo. “O que importa é que minha mãe me apoia e é da vontade de Deus”, garante. Ela acredita que vale a pena deixar tudo e ir atrás do tesouro maior que a tem atraído. Encontra o tesouro maior toda vez que vê os membros
Renata: “minha mãe me apoia e é da vontade de Deus”
da Toca de Assis cuidando dos mendigos nas praças de Fortaleza. “É impressionante a forma como eles lidam com as pessoas mais necessitadas, como dão amor a essas pessoas”, comenta. A aspirante a franciscana conta uma história encontrada na bíblia: “existia uma pessoa que tinha tudo (materialmente falando), mas ainda se sentia incompleta. Aí ela foi atrás de um tesouro maior, que a completasse. Quando o encontrou não precisou de mais nada”. Para Renata, quando você sente o chamado, mesmo tendo tudo, é preciso pensar que o chamado pode ser o tesouro que faltava. Mas essa é apenas a primeira etapa para que ela consiga o que quer. Para atingir os votos perpétuos de pobreza e se dedicar inteiramente aos pobres, ainda faltam cerca de 10 anos.
SOBPRESSテグ
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NOVEMBRO / DEZEMBRO DE 2009
As Filhas da Pobreza
Mulheres que se autodenominam Filhas da Pobreza do Santテュssimo Sacramento e a contagiante alegria com que servem a Deus, resgatando a dignidade e a cidadania daqueles que foram esquecidos pela sociedade. F : O N otos
tテ。vio
ogueira