dedicado a toda gente nascida no ano de 19xx.
“Apagaram-se as luzes: é o tempo sôfrego
que principia. - é preciso cantar como se alguém soubesse como cantar”
-Herberto Helder
“item: Joy description: This drug makes you feel nothing. Use it in a pinch.” - Lisa: The Painful
“[...]but the gun has no trigger.” -Dirty Projectors
19xx
pequenos desleixos no cultivo de amores ervas daninhas florescendo entre as artérias e a varanda cerúlea que já não mais
(deseja cancelar o exilio e sair do apartamento?)
andar de bicicleta: criar omoplatas de aeroplano até que a corrente torne-se fluído & os pneus murchem & e os raios não saiam ao amanhecer. então divorciar-se da bicicleta. caminhar com as mãos bifurcadas meses depois ver a bicicleta abraçada pelo avanço irrefreável do hortelã e chorar lágrimas de madrepérola. cardume de sardas enviou uma foto:
um poodle está deitado sobre a cama de sua dona o poodle está triste o poodle escuta ao fundo uma música do Simon & Garfunkel o poodle não sabe o significado da palavra agridoce.
segundas intenções escoltadas dentro da roupa. teu cabelo carmim, os lábios abandonados de sal: prata trêmula que escorre das minhas pernas.
números primos que se casam e formam um par assim como Dostoiévsky em um dia qualquer onde os cães comiam flocos de neve contou nos próprios dedos que 2 + 2 = 5.
coração maçã diz: por você faria dos meus braços travesseiros. não sei te explicar o porquê não sei te explicar o porquê desse nosso esgotamento o que essas mãos fazem ainda em cima da mesa de jantar? o que meu sexo faz guardado dentro da tua lista de afazeres? se eu te contar uma piada você conserta meus ossos sobressalentes? tinha um arbusto e um polvo indo pra um bar
eles entram no lugar o polvo pede um daiquiri o arbusto pede uma cerveja o polvo diz pro arbusto: — todo oceano, apesar de seu obeso diâmetro, desagua num copo de vidro, como esse. o polvo sai de cena o arbusto não tem folhas. tua persona é um cristal de bismuto. não sei explicar o porquê. agora só consigo pensar em Herberto Helder hospedado no quarto de um dos meus parcos amigos. imagino ele sentado na cama, com as mãos sobre os joelhos respirando ruidosamente como um ar condicionador velho, igual suas últimas fotografias davam a entender pela sua expressão de lêmure, de matéria bruta, de ex-presidente de uma pátria repleta de pimenteiros.
você sabia que a via láctea tem esse nome por ter a cor de leite? saber disso me lembra daquele dia, quando nós ficamos sozinhos no meio do campo, o sol bovino torrando nossos cabelos. sem ninguém por perto (talvez só um rouxinol ou um bezerro nos espionasse)
e você me disse que queria que voltássemos a ser nômades como eram os nossos antepassados indigentes que queria que fossemos criaturas nuas queria que morássemos numa casa de taipa e que tua pele fosse como leite para os terremotos.
tua voz: um dedilhado em GMaj7. teu tato: uma antologia de novíssimos pássaros recém-descobertos. tua coragem: segue em anexo todo teu inventário que ficou aqui em casa.
não sou um hikikomori porque não aguento o peso desse telhado por mais de três dias sobre meu cocuruto e também porque das minhas gengivas sai um azedume nada apetitoso quando estou sozinho acima da média desta instituição que é a vida. mas se não fosse por isso
eu viveria absolutamente feliz num acampamento erguido sobre minha cama. Monsiuer Merde caminha pelas ruas secundárias desta cidade comendo amuletos de papeis coloridos que chamamos costumeiramente de dinheiro. dormindo no colo das mulheres de bronze furtadas à noite por gatos estelionatários. procurando gerânios nos cemitérios para abastecer-se mas encontrando somente flores de isopor. meu sonho seria que o Leos Carax dirigisse uma temporada da minha existência.
arbusto sanguíneo diz: me desapeguei da recordação que tua boca de ornitorrinco me traz.
quem me dera ter a coragem volátil desses poetas lusitanos para poder tocar a cabeça de um leopardo louco. não me basta esse medo pueril de encontrar possivelmente num domingo qualquer árvores repletas de lombrigas sobre suas copas. cantarolo o hino municipal de rustboro city enquanto caminho sob as nuvens desmanteladas
que os anônimos deuses com olhos de miçangas pisotearam na catatônica noite de ontem.
o enxoval deste solilóquio contém: tijolos com osteoporose ouro de tolo retratos do mar bravio suco de goiaba & mobília cardiovascular.
queria te compor uma música no violão sem a corda mizinha, Ian. falar sobre Isabela enterrada em alguma das ilhas do saaristomeri, falar sobre a desistência de ter um fac-símile das asas de ícaro (mesmo que uma certa holandesa diga que “gosta de ícaro que sabia que a cera se iria derreter e no entanto voou em direção ao sol.”) queria que a canção fosse breve, mas que falasse sobre a burocrática odisseia que é estar algemado a um nome impróprio, que falasse sobre suas acerolas, mas sobretudo, que falasse sobre como é difícil beber cerveja em um canudinho.
córrego de urina diz: desculpe a ausência. ando passando por algumas turbulência e não consigo dissecar nem mesmo as cortinas do meu dormitório.
meu humor: uma fotografia de Roberto Bolaño em frente a um fundo verdejantes de plantas pingadas por flores nupciais. quero um milk-shake de 5 cents quero um revólver sem gatilho quero um adeus em forma de hirudínea mas o pálido minuto de agora não permite tais ostentações. tenho uma saudade umbilical destas coisas bonitas que tu falava quando estava mergulhada em lençóis até o pescoço. e quando digo pescoço só lembro de quando estou traduzindo algo em espanhol e me aparece a palavra cuello que significa pescoço e acho esse um dos desencontros mais bonitos porque teu pescoço era como um colo pra mim quando eu ainda calçava sapatos nº 38.
meu humor: uma fotografia de Julio Cortázar sentado no chão com sua câmera analógica e com os olhos sorridentes para um gato rajado.
estou triste e não há material de construção contido nessa pequena catástrofe corriqueira.
lá vamos nós de novo: não guardo mais teus afetos bordados palavras que serviam de petróleo a minha esperança hoje são pequenos investimentos grisalhos que não comportam nem os barulhos dos meus cílios quando caem maduros. uma mamoeiro que nasceu no toalete. o clitóris atado à garganta do sino que geme baixinho pra não despertar o vigilante noturno que tem entre o vão de cada morador da sua arcada dentária um naco de uma escuridão quente. diz que ama o glitch que meu rosto faz quando noto que guardas um beijo
na minha caixinha de antidepressivos. diz que meu pau é um monumento à feiura dos brinquedos gelatinosos. diz que pareço uma criança chuvosa quando estou distraído. diz que meu abraço custa a acabar em sábados fantasmagóricos diz que eu trepo como se tivesse eletricidade ao invés de sangue no meu corpo diz que eu sou chato e não poeta porque é isso que eu sou e sempre vou ser.
às vezes a mudez é reciproca, e está tudo bem.
dattebayo, diria uma certa raposa enluarado com beijos ainda inéditos em português pt-br. você se lembra daquela noite, numa rua sem nome, quando meus punhos tinham fome e estávamos anestesiados de tanto chorar e beber escondidos? nossas sombras de suor esgueirando-se no chão os pés varrendo o silêncio tremeluzente
e a paisagem era como um teste de rorschach : turvo turvo mundo turvo.
comer amoras na parada de ônibus. os dedos vermelhos, a Poesia Completa de Cesárea Tinajero na mochila, a dúvida de saber quantos gigabytes cabem num umbigo.
não se preocupe com o destino dos teus cactos, fevereiro se encarregará de murchar seus lábios amorangados.
esse idioma esparramado por essas páginas é meu encefalograma.
cavalo com perfume de água cristalina diz: por que você fala como se estivesse escrevendo um poema?
vez em quando me esmurra uma saudade do açúcar dos teus sorrisos — adoçante que usava eu nas mágoas destiladas, ponte que me possibilitava atravessar sete bairros e acariciar aquele teu manjericão que até hoje guardo algumas folhas ao lado da minha cama para quando me avizinhar uma esfinge pós diluviana eu tenha com que temperar minha coragem.
paquidermes & microfones & capelas. todos os meus amigos são tridimensionais e fazem psicologia ou letras. estou só e eles comem no restaurante universitário. estou só e já não lembro que gosto tem a carambola. estou só com um novo espaço vazio na minha escrivaninha. antes de tudo comparsas. depois amantes. conversas com germes que florescem nos meus bestiários. cadernos calejados por tantas epígrafes e navalhas. tramito pela mastigação desta maravilha que é ter ouvidos reflorestados.
me cansei de desossar este animal sentimental.
o sentido dessa tragicomĂŠdia sĂŁo os aminoĂĄcidos.