antitetânica (por victor h. azevedo)
1. Sonhei com os pequenos sabonetes de hotel surrupiados dentro dos teus bolsos nas nossas últimas férias antes do ciclone Mas dessa vez era diferente, era quase que suspenso. Ficávamos acordados, com fita adesiva colada nas pálpebras para que não perdêssemos a primeira sonata dos galos e também dos vigias. Eu me vestia como se fosse um jovem Maiakovski e tu ainda fantasiado de árvore por conta da tua peça que havia estreado naquela noite amarrotada. Eu te falava sobre os meus girassóis desmantelados e tu, com essa laia de técnico de informática, falava pouco e, quando falava, era sucinto sobre os problemas atmosféricos e sobre o azedume das bergamotas. Talvez, não lembro bem, tu não tivesse carregando malas como foi da primeira vez.
Tu sabes, não só o melhor secretário dos meus próprios sonhos. Sempre que sinto que caminho para o fim das prorrogações meu cérebro se desentende com meus atos e começa a fazer uma faxina ali mesmo e põe um fim a todo os meus registros ainda verdes. Agora que penso nisso, não sei se era você e eu ali. Talvez eu fosse só um binóculo, a espiar tudo em um prédio do outro lado rua. E você falasse com as paredes, com as teias de [aranha. Talvez eu só tenha imaginado isso no metrô quando ia comprar novas tintas para pintar minha [voz. De fato, quem sabe, eu não lembro a última vez que [sonhei mas eu sinto sua falta e falta dos nossos assaltos aos sabonetes e isso é verídico.
2. estas ruas diminutas & seus cabelos de ciclone me dão os sinônimos mais suaves de se ouvir em uma manhã cacheada. teu sorriso como matéria-prima para se construir um arrepio tão longitudinal, tão espreguiçado que é capaz de mover toda a república de um coração. sou capaz de no prefácio de um oceano me acotovelar com as ondas só pra poder levitar mais um pouco e não escutar os plantões policiais. e quando já meio impalpável e bêbado eu chegar às margens da minha cama
irei vagaroso acender o fogo das Ăris fechar as cortinas e entĂŁo rezar para que os ingredientes das minhas lĂĄgrimas finalmente fermentem e me diluam assim: sem mais.
3. ses. pois então é isso que herdamos: uma amnésia podre que nos fez querer metralhadoras entaladas novamente em nossas gargantas. apagaram todos os punhos pintados nas muralhas e os substituíram por serpentes que vêm escalando nossas colunas vertebrais em busca de alguma fruta cerebral. agora preciso adotar um novo método para conversar à longa distância com meus dilúvios emancipados sem que um cutelo emerja da minha própria roupa e decepe minha língua e polua meus olhos e arranque minha mandíbula para fazer uma coroa ao tal novo czar. a lucidez passeia distante sobre a astrologia dos automóveis. esse oxigênio faz realmente bem as flores? a impressão é de que o júri é formado de saliva furiosa e que ela se derrama até alagar nossos ouvidos com cifras ossudas. existe um incêndio clandestino ardendo
em todos nós. não me convidem para essa festa regada de hinos de grosso calibre e anedotas de furacões idosos. quero descer desse corpo porque já não sei mais se ainda sou feito de grãos de areia ou de pólvora.
4. Aquele dia em lugar nenhum quando te falei que meu santo já não era mais aquela colina minha mão cerúlea apontava para certas palavras difíceis e as sirenes da polícia exalavam um aroma de framboesa no ar. Um desconcerto de neurônios me aperreava como os colegas que me puxam para pirotecnia e querem minhas costelas cruas e então quando fujo, sinto o zelo do ônibus em me abraçar. A sinfonia luzindo espalhafatosa esparramando a morte das tuas pequenas estrelas sobre as pedras desta rua onde respiro. Fagulha que nasce somente para suspirar.
Do trovão é que surge essa ansiedade que por antecipação dedilha em cada batimento cardíaco um tal tremor inaudível, uma tal locomotiva atrasada. É selvagem a sinopse dos próximos dias aqui.
5. PEQUENO TEXTO PARA SER EXECUTADO EM UMA COZINHA ÀS 22H40 as baratas são minhas companheiras, minhas comparsas. elas que acompanham minha estadia insone, quando me levanto sem conseguir coagular meus sonhos e venho até aqui beber um copo d'água para ver se os consigo diluir, mas isso nunca curou nada, só faz com que os sonhos fiquem boiando, flutuando até que toda essa água evapore ou escoe para você sabe onde. devo dizer que no inicio de tudo,
eu
tinha
medo
delas,
das
baratas,
perambulando sobre a mesa, já arquitetada para o café da manhã. pegava a pantufa e matava uma, duas, as vezes cinco baratinhas miúdas pintadas de dourado. é, a vida não é lá um reinado deixado por um deus aposentado, somos só nós convivendo nessa gigantesca caixa de areia. dou nome a todas elas. mas também não sei se são elas que aparecem aqui toda noite. tem a lucrécia, albertina, estrogilda. em alguns momentos venho
aqui esfomeado e me dou ao luxo de pegar um pedaço de pão, uma fatia de pizza, sem escovar a dentadura depois, e deixo uns farelos para elas num castelinho que fiz com palitos de picolé. maricleide, roseana, tem também a marilou. desisti de mata-las pois afinal não sou o predador natural delas nessa cadeia alimentar, e sim as lagartixas que, penso eu, estão confinadas em algum ninho cimentado dessa casa. então somos comparsas, eu não as perturbo, e nem elas me atazanam. quando eu deito de novo, ainda com a cabeça ainda inundada, fico pensando na wagnolia, na eriberta, na reginanda,
pensando
sobre
como
funciona
a
linguagem delas, se elas são telepatas ou utilizam um tipo de libras com as antenas e as patas para se comunicarem. talvez a frequência de suas vozes seja tão tão ínfima que somente as lagartixas mesmo as podem ouvir e as caçar. bobas, idiotas. nunca vou entender como essas pequenas criaturinhas morrem
para uma lagartixa mas nĂŁo sofrem nada com a radioatividade que emano do meu peito.
la bodeguita edições – julho de 2016 “la bodeguita: entre a FLIP e o kickflip, ninguém liga”
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