Tomo I. Experiência, Apreensão, Urbanismo

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Paola Berenstein Jacques e Washington Drummond (Org.)

I . EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO

Experiências metodológicas para compreensão da complexidade da cidade contemporânea


UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA REITOR João Carlos Salles Pires da Silva VICE REITOR Paulo César Miguez de Oliveira Assessor do Reitor Paulo Costa Lima

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA DIRETORA Flávia Goulart Mota Garcia Rosa CONSELHO EDITORIAL Alberto Brum Novaes Angelo Szaniecki Perret Serpa Caiuby Alves da Costa Charbel Niño El-Hani Cleise Furtado Mendes Dante Eustachio Lucchesi Ramaccioti Evelina de Carvalho Sá Hoisel José Teixeira Cavalcante Filho Maria Vidal de Negreiros Camargo

FACULDADE DE ARQUITETURA DIRETORA Naia Alban Suarez PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO COORDENADOR Luiz Antônio Cardoso GRUPO DE PESQUISA LABORATÓRIO URBANO COORDENADORA Paola Berenstein Jacques

secretaria de ciência, tecnologia e inovação

PRONEM - Programa de Apoio a Núcleos Emergentes


Experiências metodológicas para compreensão da complexidade da cidade contemporânea

I . EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO Paola Berenstein Jacques e Washington Drummond (Org.)

SALVADOR . EDUFBA . 2015


2015, autores Direitos para esta edição cedidos à Edufba. Feito o Depósito Legal. Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009. Projeto Gráfico Daniel Sabóia, Janaína Chavier e Patricia Almeida Revisão e Normatização Edufba

Editora filiada à:

EDUFBA Rua Barão de Jeremoabo s/n Campus de Ondina 40170-115 - Salvador - Bahia Tel.: +55 71 3283-6164 Fax.: +55 71 3283-6160 www.edufba.ufba.br edufba@ufba.br



PESQUISAS 11

Paola Berenstein Jacques, Fabiana Dultra Britto, Washington Drummond

SISMÓGRAFO: revista Redobra

Paola Berenstein Jacques, Washington Drummond

CALEIDOSCÓPIO: processo pesquisa

SUMÁRIO

29 MONTAGENS


64 84 98 112 130 142 DIAGRAMA

Daniel Sabóia Janaína Chavier Patricia Almeida

Paola Berenstein Jacques, Washington Drummond, Janaína Chavier, Daniel Sabóia e Patricia Almeida

REDOBRA 14

REDOBRA 13

REDOBRA 12

REDOBRA 11

REDOBRA 10

redobra 09

159 172.

Eduardo Rocha Lima

desdobramentos defendidos

LABORATÓRIO:



PESQUISAS



CALEIDOSCÓPIO: PROCESSO PESQUISA Paola Berenstein Jacques Arquiteta-urbanista, professora PPG Arquitetura e Urbanismo UFBA, pesquisadora CNPq, coordenadora Laboratório Urbano, responsável institucional UFBA e coordenadora geral PRONEM

Washington Drummond Historiador, professor História e PPG Pós-Crítica UNEB, professor PPG Arquitetura e Urbanismo UFBA, membro Laboratório Urbano, responsável institucional UNEB e coordenador atividades PRONEM

Eu sentia, ao caminhar, meus pensamentos se movimentarem como um caleidoscópio, a cada passo uma nova constelação: antigos elementos desaparecendo; outros surgindo; muitas figuras. Walter Benjamin

Nunca houve uma época que não se sentisse ‘moderna’ no sentido excêntrico, e que não tivesse o sentimento de se encontrar à beira de um abismo. A consciência desesperadamente lúcida de estar em meio a uma crise decisiva é crônica na história da humanidade. Cada época se sente irremediavelmente nova. O ‘moderno’, porém, é tão variado como os diferentes aspectos de um mesmo caleidoscópio. Walter Benjamin

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Também chamado de “transfigurador” ou “óculos francês” (lunette française), o caleidoscópio, esse instrumento ótico que também é um tipo de brinquedo, faz parte tanto da cultura visual da modernidade (um período ou tempo caleidoscópico1, segundo Ernst Bloch) quanto de nossa própria infância, sua estrutura mais simples é composta de um tubo formado por três espelhos laterais onde se insere pequenos pedaços, fragmentos ou cacos de vidro, conchas ou outros objetos, sobre um fundo translúcido. Esses objetos coloridos se refletem na tripla superfície espelhada e se combinam quando se gira o instrumento, produzindo uma infinidade de combinações de imagens, que dependem também, obviamente, da luz externa e do que observamos fora do instrumento. Os cacos, colocados no seu interior, se transformam continuamente formando uma série de montagens, desmontagens e remontagens de figuras que se multiplicam. Basta o observador girar o instrumento, mudar o ângulo de observação ou o que observa ao fundo para que novas configurações, sempre provisórias, apareçam. A cada vez, emerge um novo arranjo, surge outra composição, a partir da combinação ao acaso dos cacos erráticos, do ângulo da tríade de espelhos internos ou do foco da observação e luz externa. A cada vez, a partir da justaposição de múltiplos elementos, ângulos e focos, o caleidoscópio mostra uma nova configuração mutante, uma ordem se desfaz e outra se forma. A cada mudança, em qualquer uma dessas posições, surgem novas “com-posições”. Nosso processo da pesquisa “Laboratório Urbano: Experiências metodológicas para a compreensão da cidade contemporânea”, do Programa de apoio a Núcleos Emergentes (PRONEM, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/ Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia, doravante chamaremos a pesquisa simplesmente de PRONEM) foi, sem dúvida

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alguma, um processo caleidoscópico, ao compormos uma multiplicidade de configurações momentâneas, sempre polifônicas, sem qualquer possibilidade de algum tipo de síntese unitária final, fixa. Nossas conclusões, portanto, foram sempre provisórias e efêmeras. Mas um outro tipo de conhecimento é possível a partir do caleidoscópio, antes de mais nada um reconhecimento de que para se contemplar nosso múltiplo “objeto” – a compreensão da complexidade da cidade – seria preciso aceitar a impossibilidade de um só método, um só caminho, e também explorar uma multiplicidade metodológica e temática. O caleidoscópio, um brinquedo de estrutura simples, que toda criança já experimentou, nos mostra uma forma complexa de ver, de compor, de pensar, desmontando qualquer tipo de unidade, qualquer tipo de certeza fixa, sedentária ou sedimentada, e remontando, a partir da complexidade caleidoscópica, uma multiplicidade de outras possibilidades compositivas, de outros pontos de vista, e também, de outras formas de apreensão e outras maneiras de compreendermos a complexidade da cidade contemporânea. Desde seu projeto inicial, a pesquisa PRONEM se propunha a investigar as relações entre experiências metodológicas e compreensão da complexidade da cidade. Assim, a metáfora do caleidoscópio serve tanto para explicar minimamente os resultados provisórios da pesquisa, a multiplicidade das experiências metodológicas de apreensão urbana que esta publicação busca remontar para trazer a público, quanto para mostrar, como um princípio teórico-metodológico, nosso próprio processo, polifônico e dissensual, de pesquisa coletiva. Ao longo da pesquisa, chegamos à nossa tríade temática principal que funcionou como uma linha de pesquisa transversal: experiência, apreensão, urbanismo. Esses três temas são como nossos espelhos internos que formam o calei-

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doscópio, os cacos de vidro internos são as contribuições de todos pesquisadores e convidados da pesquisa, e o foco externo, a cidade. Para tornar ainda mais complexo nosso processo, essa linha transversal, que poderia ser vista agora também como o corpo do aparelho-brinquedo-caleidoscópio, foi constantemente atravessada por outras três tríades, que também poderiam ser três espelhos mais específicos (como novas camadas/filtros dos três espelhos anteriores) de nosso aparelho de apreensão: subjetividade, corpo, arte; alteridade, imagem, etnografia; memória, narração, história. Nosso caleidoscópio podia tanto trocar de espelhos, ao especificá-los com novas camadas, quanto os sobrepor. A linha transversal principal – experiência, apreensão, urbanismo – se desdobrou então, por uma necessidade de maior especificação de nossos três temas ao buscarmos compreender a complexidade de forma mais fina, em mais três linhas secundárias, mais específicas. Afinal, foram três tipos específicos de experiência urbana que mais nos instigaram e interessaram ao longo do processo de pesquisa, as experiências de subjetividade, de alteridade e de memória. Três tipos de registro de apreensão foram também os mais explorados: pelo corpo, pela imagem e pela narração. E, três campos disciplinares externos foram os que mais nos ajudaram a tensionar o campo do urbanismo, a partir de seus limiares: a arte (e estética), a etnografia (e antropologia) e a história (e historiografia). Assim, cada linha do espelho contém também sua própria tríade interna, o que multiplica nossas possibilidades de reflexos, de espectros, de sobreposições e, portanto, de novas configurações, sempre transitórias. Tanto em nossos estudos teóricos quanto em nossos trabalhos de campo, ou ainda em nossos seminários de articulação e seminários públicos2, ao longo dos três anos dessa pesquisa, buscamos con-

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templar uma multiplicidade de vozes, falas, narrativas, autores, interlocutores, debates e, também, uma multiplicidade de campos e temas. A própria equipe da pesquisa foi variável, apesar de um núcleo mais estável de pesquisadores professores, tivemos vários pesquisadores estudantes e outros convidados que entraram e sairam da equipe durante o processo. Essa profícua, mas também por vezes pertubadora, polifonia, que atravessou vários campos de conhecimento e temas distintos, foi devidamente registrada em seis edições do que chamamos de nosso sismógrafo privilegiado da pesquisa, a revista Redobra, publicada semestralmente (ver capítulo 2). O relato que se segue, busca trazer, de forma precária e provisória, algumas das questões debatidas internamente pelo grupo da pesquisa ao longo dos nossas reuniões da pesquisa. Este relato deve ser visto também como polifônico e dissensual, e bastante parcial, uma vez que também não chegamos, e nem buscávamos chegar, a qualquer tipo de consenso ou, como já foi explicado acima, a qualquer tipo de configuração fixa ou consolidada. Inicialmente, na fase que chamamos de caracterização do problema (primeiro ano da pesquisa), problematizamos conceitualmente os processos de privatização e espetacularização dos espaços públicos e uma suposta deterioração da experiência corporal das cidades3. Buscamos contextualizar histórica e teoricamente o problema e também situar nossos pressupostos ao identificar as conexões existentes entre todos os projetos já realizados e/ou em andamento pelos integrantes de nossa equipe, de modo a permitir o debate sobre a proposição de princípios capazes de avaliar a pertinência de diferentes metodologias de apreensão da complexidade das cidades contemporâneas. Partimos, assim, da hipótese mais geral da pesquisa, segundo a qual as cidades contemporâneas passariam por dois processos simultâneos e complementares: por um

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lado, um movimento de espetacularização, e privatização, do espaço público e, por outro, um empobrecimento da experiência urbana ou das formas (e métodos) de experienciação da cidade. Assim sendo, as três noções principais que foram discutidas giraram em torno da “privatização do espaço público”, “experiência” e “método”, discutidos a partir dos conceitos de dobra, comum e exceção. Em decorrência dos ricos debates, parte das hipóteses de trabalho foram questionadas e reavaliadas, sobretudo a ideia de “empobrecimento” da experiência urbana. O saudável dissenso permanente entre os diferentes pesquisadores do grupo, nossos cacos erráticos do interior do caleidoscópio, produziu debates frutíferos para o andamento da pesquisa coletiva. Neste momento, algumas questões importantes foram colocadas para o grupo, dentre elas: como reformular as práticas da pesquisa urbana que não seriam mais suficientes para compreender a complexidade da cidade e, em particular, as formas de apreensão da cidade, ou melhor, as formas de apreensão da experiência urbana contemporânea? Rapidamente percebemos que nossa hipótese original era simplista demais – a relação direta entre espetacularização da cidade e empobrecimento da experiência urbana – além da questão ser bem mais complexa, percebemos que seu foco deveria estar mais na própria noção de experiência e, sobretudo, em suas formas de transmissão hoje. O que estaria empobrecida, desde a modernidade, não seria a experiência em si, a vivência (Erlebnis) da cidade, mas suas formas de transmissão, a experiência compartilhada (Erfahrung, como diria Benjamin), o que nos trouxe um novo problema, o da narrativa e, em particular, do que chamamos de narrativas urbanas. Como narrar nossa experiência urbana hoje? Como considerar as pequenas narrativas cotidianas? Também percebemos, e logo passamos a buscar evitar, tanto uma falsa dicoto-

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mia entre prática e teoria, entre empiria e abstração, quanto uma falsa autonomia da metodologia com relação ao próprio processo de pesquisa e ao “objeto” estudado. Passamos, assim, a tentar enfocar mais criticamente a questão da narrativa (estética e científica) ao tempo em que problematizávamos sua relação com o sujeito e a experiência. Nos parecia claro, desde o princípio da pesquisa, que a produção teórica e as experiências empíricas de campo (etnográficas ou artísticas) precisariam permanentemente se confrontar, se atritar, se tensionar. Daí surgiram uma série de dissensos, dúvidas e impasses, e nosso desafio, portanto, passou a ser buscar associar, de maneira não dual ou simplista (de forma um pouco heterodoxa talvez), a complexa trama entre experiência, sujeito e narrativa. Passamos a nos questionar de forma mais radical sobre: a experiência como dissolução do sujeito e sua reelaboração sob as circunstâncias históricas; o apagamento do autor como forma mesma de aparição; a narração compreendida como uma luta acirrada entre a expressão e o dispositivo que a possibilita. Tentamos problematizar, sobretudo, “o que é narrado?” e, em particular, alguns sujeitos que pouco narram ou são narrados: os praticantes ordinários (De Certeau), os homens infames (Foucault, Borges), os anônimos (Magnavita), os errantes (Jacques), os sem nome (Benjamin, namenlosen) etc. Como buscar uma forma mais alegre (“Gai Savoir”, como diria Didi Huberman, a partir de Nietzsche), como compreender o que não conhecemos ou desconhecer o que pensamos compreender: as cidades, suas formas de apreensão, suas formas de experiência, suas diferentes narrativas possíveis e aqueles que as narram ou são narrados. Quem narra? O que narra? Como narra? Alguns rastros de respostas surgiram quando nos inquirimos sobre a possibilidade mesma do ato de narrar, agora entendido como imerso em um campo de forças: “quem narra” pode

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ser um “isso”, não necessariamente um “eu”, que se desfaz e se refaz em moto contínuo no interior da história e dos “dispositivos” que o interceptam, capturam, orientam; a narração/narrativa se alimenta do jogo expressivo entre desaparecimento e aparição dos seus personagens mais caros: os que mais transitam, acionam a cidade como os anônimos ou os infames (alvos dos processos de espetacularização); a experiência historicizada pode passar, então, a ser compreendida como estruturadora de um possível sujeito em suspensão ou em elisão. No limite e de forma ainda mais radical: qual seria a narração possível da experiência urbana de um sujeito que se esvai na cidade (ou é removido de suas áreas mais centrais e nobres)? Como a narração se abate sobre corpos em movimento e os nomeia e classifica em suas variações? Quais seriam os acordos e desacordos dessas práticas narrativas? Como entendê-las não mais como um fluxo continuo e harmonioso entre o sujeito e a experiência, mas como fruto de práticas disruptivas e instáveis? Por outro lado, a questão estética (e artística) rondou nossas ações desde os textos dos ou sobre os surrealistas como, também, os de seus devedores, os situacionistas, até as recriações literárias. Mas qual seria a mediação possível a partir de questões estéticas e teóricas nas investigações sobre o urbano? Sobretudo, a muito evocada condição criativa do homem contemporâneo, que para nós, era o habitante ordinário da cidade. A primeira questão que nos chegou foi o protagonismo do corpo, da experiência corporal, na apreensão da cidade, o que nos debates indicaria não apenas um vetor de diferenciação, mas a tentativa de superação de um exercício investigativo que se caracterizaria, por um lado, pela postura de “gabinete”, por uma excessiva aventura teoricizante e, por outro, pela inclusão do corpo no campo e da gestualidade, do ato de pesquisa como ato de presença e, daí, seu primeiro viés “etnográ-

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fico” e narrativo (também estético): uma etnografia mais “selvagem” que complementaria e tensionaria as questões já elaboradas pelos conceitos e pela abstração teórica. Um desafio permanente era o de não negligenciar os possíveis perigos advindos de uma “naturalização” ou de uma “heroicização” dessas práticas. As circunstâncias que nos ameaçavam, nesse momento em particular sobretudo com relação ao papel e postura do pesquisador no campo, nos incitaram a procurar outros caminhos de compreensão e apreensão da cidade que não passassem ao largo de uma análise de nossos principais enfrentamentos éticos e políticos. A figura do homem urbano ordinário e sua experiência urbana cotidiana surgiu como um dos principais sujeitos de nossas investigações, sendo travado um corpo a corpo teórico para estabelecermos os quadros analíticos, seja de sua submissão às novas formas de controle e assujeitamento, seja às novas táticas de enfrentamento que esses mesmos homens não cessam de criar na cidade. Nestas oportunidades, foi possível discutirmos aspectos importantes para a continuidade da nossa pesquisa, como: o problema de metodologias e procedimentos fixados como “modelo” de método; as possibilidades e limites do uso da cartografia como recurso de narração da experiência (que é processual) de apreensão da cidade; os modos de apreensão da cidade possibilitados pelas ações artísticas; as possibilidades e os limites das ações artísticas como experiência crítica de apreensão da cidade; o problema da formulação narrativa sobre a experiência e o debate sobre a função e os modos do compartilhamento da experiência; as possibilidades etnográficas ou artísticas de apreensão da cidade pelo uso de diferentes dispositivos de registro, como câmeras (fotografia e filme/ vídeo), e os problemas éticos da sua interferência e do seu papel na própria experiência de apreensão da cidade.

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Um produtivo dilema surgiu: como abandonar os cânones das pesquisas urbanas e iniciar uma outra prática, que leve em conta tanto o fazer estético quanto uma adaptação/reinvenção do exercício etnográfico? De qualquer forma, parte-se da arte e da etnografia, uma arte que também faz tentativas no campo e busca o espaço urbano como campo expandido, um exercício etnográfico que também se aproxima da arte como as investigações dos surrealistas e dos pesquisadores do Musée de l’Homme (Paris), que alguns definem como uma etnografia “selvagem”, assim como algumas práticas narrativas antropológicas, que atuaram na indistinção entre relato etnográfico e ficcionalização (literatura), entrando em campo um conjunto de narrativas. Buscávamos articular também as atividades experiênciais e metodológicos com a narração das mesmas. Este foi o enfoque dado ao que chamamos de confrontação do problema (correspondente ao segundo ano da pesquisa), as possibilidades de articulação dos estudos teóricos, das formulações produzidas por autores nacionais e estrangeiros4 selecionados por problematizarem conceitualmente os problemas a serem confrontados pela pesquisa, com a prática empírica realizada nos trabalhos de campo dedicados a experimentações metodológicas de apreensão da cidade. Algumas questões já trabalhadas retornaram como um ritornelo (Deleuze/Guattari) e, em particular, as relações entre experiência, sujeito e narrativa. Qual seria a experiência possível no âmbito da apreensão da cidade contemporânea? Da hipótese inicial – o suposto “empobrecimento” da experiência – partimos para definir as experiências formadoras do sujeito, contrapondo-a ao experimento, e delimitando-a enquanto instância tanto formadora quanto desconstrutora (um tipo de desmontagem) dos sujeitos históricos, marcados pelo esquadrinhamento de saberes e poderes, imersos

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em processos narrativos. Constatou-se que a análise da experiência nos lançava na redefinição do sujeito e da subjetividade, e dos processos de subjetivação, como formas abertas marcadas pelas circunstâncias frente aos dispositivos de regulação e de controle – aqui flagramos as formações técnicas e seu uso nos níveis do consumo e da submissão às estruturas dominantes. A própria possibilidade da narrativa restava impactada por essa reavaliação do sujeito e de sua experiência no processo de apreensão da vida urbana contemporânea. Como o sujeito, através da narrativa, se torna autor/ator se a própria experiência pode atuar como desreferencializadora? O sujeito como aparição e precariedade narraria o quê? Seu próprio desaparecimento? Como os processos brutais de territorialização/desterriotrialização do sujeito implicaria nas formas narrativas? Voltavam as perguntas: O que se narra? Quem, e o quê, narra? Aproximávamos do entendimento do autor, assim como do sujeito, não mais essencializado, mas como um lugar ocupado, mediado pelos dispositivos, definidos enquanto conjuntos heterogêneos de redes discursivas, aparatos técnicos etc. Fez-se necessário um estudo mais aprofundado da constituição desse sujeito entre dispositivos. As figuras do infame, do errante, do anônimo e dos sem nome surgiram como estratégias de caracterização de um tipo de indivíduo urbano (ligado à experiência da alteridade) levando em consideração os dispositivos que o constrangem a aparecer, deslocar-se, narrar (e ser narrado), compartilhar e desaparecer. Os textos sobre os infames, errantes, anônimos, sem nome, tanto literários quanto filosóficos, contribuíram para que a pesquisa avançasse abrindo importantes caminhos teóricos. Quem eram esses sujeitos? Como nos auxiliariam na nossa pesquisa? Qual o seu caráter de infâmia e que tipo de narração colocavam como problema? Um primeiro

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problema suscitado pelos infames era a nossa própria posição ética enquanto pesquisadores, produtores de narrações sobre sujeitos que estavam fora do âmbito da pesquisa. O segundo momento -problema seria a acuidade das caracterizações a que chegamos e a fragilidade de sua aplicação, o que nos demandaria apontarmos nossos esforços em defini-los melhor ao tempo que acompanharíamos com bastante cuidado os desdobramentos dessas caracterizações pelos pesquisadores do grupo. Ao menos duas vertentes interpretativas, não excludentes, se delinearam estabelecendo importantes vias comunicantes entre elas: uma, que procurava delimitar esse sujeito, em seu envolvimento com os aparatos técnicos urbanos de registro e vigilância, no âmbito da cidade e associado a um conjunto de práticas sob normatização; e outra, que, assumindo a submissão generalizada aos dispositivos técnicos defendia a condição de infame/errante/anônimo/sem nome como nossa própria condição contemporânea e, também, como uma forma de resistência e de potência. Os trabalhos de campo precisaram de uma outra temporalidade, mais longa, e foi necessária uma maior experimentação de metodologias de apreensão da cidade, de modo a permitir a compreensão das transformações ocorridas pela continuidade da própria experiência metodológica ou experimento de campo. Foram estabelecidos diferentes protocolos de ação/investigação em percursos realizados em diferentes partes da cidade, em particular onde estavam ocorrendo processos de privatização e espetacularização do espaço público, e uma série de enfoques metodológicos específicos foram “testados” como: cartografia da ação, cartografia sensorial, etnografia “selvagem”, etnografia tradicional, ações artísticas, performances, história oral, micro-história, arqueologia, errâncias, insistências urbanas etc.

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No momento de sistematização do problema (terceiro e último ano da pesquisa) buscamos organizar todas as resultantes da pesquisa alcançadas pela realização de suas atividades nos dois anos anteriores, articulando os subsídios teóricos às experiências empíricas de apreensão da cidade contemporânea. Ao tentarmos uma primeira avaliação do percurso da pesquisa para a possível identificação dos pontos de inflexão produzidos, começamos a tatear, sem defini-las ainda, nossas tríades-espelhos do caleidoscópio já citadas. Percebemos nesse momento também que tínhamos trabalhado mais nos campos da etnografia/alteridade e da arte/subjetividade do que naquele da história/memória. Foi nesse momento que realizamos um dos mais prazerosos exercícios dessa pesquisa, partindo de um texto de Willi Bolle, “Paris na Amazônia: um estudo de Belém pelo prisma das Passagens”, em que o autor desenvolve um estudo narrativo da cidade de Belém/PA tomando o trabalho das Passagens de Walter Benjamin como “modelo” de narração histórico-crítica da cidade, passamos a discutir seus aspectos metodológicos de tratamento das categorias benjaminianas na construção da apreensão histórica e mnemônica feita sobre a cidade. Reconhecendo neste procedimento uma eficiente metodologia para apreensão da cidade, que inclui a discussão da tensão entre história e memória e, também, da polêmica do anacronismo, decidimos realizar uma experiência semelhante sobre a cidade de Salvador, contudo, tomando por base, outro texto do mesmo Benjamin: “Paris, capital do século XIX”. Estabelecemos, por ponto de partida, a frase de Michelet, citada por Benjamin, segundo a qual “cada época sonha a seguinte”, para propormos ao grupo um exercício de apreensão da cidade de Salvador, pelo que foi sonhado na época/século anterior, mas que ainda sobrevive (a ideia de Nachleben, de Aby Warburg, uma emergência, a partir de

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detalhes ou lampejos, de um tempo em outro) no nosso presente. Decidiu-se, então, partir das memórias do professor Pasqualino Romano Magnavita (professor émerito da Universidade Federal da Bahia e membro da nossa equipe de pesquisa) sobre sua própria vivência de Salvador na primeira metade do século XX, para buscar articulá-las às percepções atuais da cidade pelos pesquisadores integrantes da pesquisa. Ao trabalharmos a questão da narrativa histórica e, sobretudo, da memória involuntária, sempre falha, incompleta, feita de cacos e restos de vivências, várias questões importantes surgiram, alguns temas benjaminianos já debatidos ao longo da pesquisa ressurgiram, como a ideia de constelação de narrativas, de ficcionalidade, de fragmentos, ideias que já tinham surgido nas tentativas, muitas vezes frustradas, de narrar nossas experiência de campo. Podemos claramente associar a ideia de constelação de narrativas ou fragmentos de narrativas (ou micronarrativas) à ideia de montagem e, também, à ideia já citada aqui, de caleidoscópio. O caleidoscópio é formado também pelos cacos erráticos feitos de restos de outros materiais que, ao se associarem, formam outras e surpreendentes imagens diferentes a cada vez que giramos o aparelho/brinquedo, pode ser visto também como processo de criação ficcional. Não podemos nos esquecer aqui da visão benjaminiana do historiador como um tipo de trapeiro (Lumpensammler) que cria/narra a história com os próprios resíduos/detritos aliada a sua definição da memória como campo de elaboração do passado. A história como um conjunto “trabalhado” pelo historiador-trapeiro a partir de uma coleção (ou constelação) de resíduos, de detritos, de restos, de cacos, de fragmentos ou de pequenos detalhes, como diria Aby Warburg, autor do famoso Atlas Mnemosyne (nome da deusa grega da memória)5, que insistia: “o bom Deus [da memória?] mora nos

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detalhes”. Como narrar, ou dar visibilidade, a todas esses minúsculos rastros de vida, essas breves frestas de resistências e potências, essas poeiras de diferentes experiências urbanas, que ainda sobrevivem entre nós? Como esses fragmentos (rastros mnemônicos de vivências e experiências da cidade) se insinuam em nossa própria tessitura histórica provocando disrupções narrativas? No mais simples caleidoscópio, os cacos ou fragmentos de vidro coloridos, ao se refletirem nos três espelhos, formam uma míriade de reflexos, provocados pela luz, criando várias imagens sempre diferentes. Para isso, precisamos olhar pela abertura do aparelho, do brinquedo, e girá-lo ou fazer um movimento qualquer, o que mostra que sempre temos também diferentes temporalidades em jogo, trata-se de uma questão de ritmo, que depende de uma multiplicidade de fatores. Não trata-se aqui exatamente de uma nova forma de ver a cidade, de simplesmente olhá-la pelo prisma do caleidoscópio, mas sim, de pensar o próprio caleidoscópio como um paradigma teórico e metodológico, que possibilita sempre múltiplas combinações a partir dos três espelhos, que são aqui, no caso dessa pesquisa, como já explicamos antes, as nossas diferentes tríades-linhas temáticas. Não nos interessa buscar uma única “nova” metodologia a ser aplicada e replicada, também não nos interessa engessar métodos ou outros procedimentos, mas sim abrir o nosso campo de conhecimento, no nosso caso, o campo do urbanismo, para uma pluralidade de possibilidades e de desvios. Acreditamos que o melhor caminho a se seguir (mét – hodos, caminho que segue) seja exatamente multiplicar os caminhos possíveis, refleti-los e tensioná-los/colidi-los uns nos outros, exatamente como fazem os espelhos e os cacos de vidro do caleidoscópio. Ao contrário de uma única síntese, criar vários agregados, justaposições ou conglomerados (para falar como o artista Hélio

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Oiticica). O divertido jogo de reflexos do caleidoscópio permite transformações permanentes, tanto de imagens quanto de nossas certezas. Segundo Georges-Didi Huberman: Essa estrutura caleidoscópica não pode de forma alguma se deixar ser reduzida a um procedimento específico. O caleidoscópio, em Benjamin, é um paradigma, um modelo teórico. Ele surge, de forma significativa, no contexto onde é questionada a estrutura do tempo. Sob o ângulo da variedade cintilante de suas combinações, o caleidoscópio caracterizará, por exemplo, a modernidade segundo Benjamin.6

Didi-Huberman, como Benjamin, sempre interessado nas possibilidades infindáveis de montagens, desmontagens e remontagens, nos fala da “magia” do caleidoscópio, que seria como uma caixa de truques, um tipo de caixa mágica: No caleidoscópio, a poeira de pequenos objetos continua errática, mas ela é fechada em uma caixa de truques, uma caixa inteligente, uma caixa para estrutura e de visibilidade. Lente ocular, vidro fosco e pequenos espelhos habilmente dispostos dentro do tubo transformam assim a disseminação do material – disseminação portanto reconduzida, renovada, confirmada a cada movimento do objeto – em uma montagem de simetrias multiplicadas. Nesse momento, os agregados se tornam formas, estas “formas brilhantes e variadas”, de que falam todos os textos dessa época. Mas, nessa mesma variedade, o espectador não pode se esquecer, balançando o aparelho para uma nova configuração, que a própria beleza das formas se deve a sua disseminação e ao agregado como princípio constitutivo, sua permanente condição de negatividade dialética. A magia do caleidoscópio depende disso: a perfeição fechada e simétrica das formas visíveis devem sua riqueza inesgotável à imperfeição aberta e errática de uma poeira de detritos. 7

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Seguindo tanto Benjamim quanto Didi Huberman, podemos dizer que o caleidoscópio proporciona essa montagem mágica e anacrônica, criada a partir das configurações, composições e imagens sempre “sacudidas”, ou seja, imagens que são resultantes de uma “sacudida” que força uma colisão entre os espelhos e entre esses e os pequenos cacos de vidro, “poeira de detritos”, que ficam dentro do aparelho. Essas composições sempre renováveis são então resultantes de um tipo de “disseminação” errática, como diz Didi Huberman, de uma desmontagem na própria estrutura do que está sendo visto, e também, uma desmontagem das formas como estas estão sendo vistas e, porque não, das formas de apreensão da cidade contemporânea e também, das formas de criação de novas metodologias e do próprio processo de condução de pesquisas .

NOTAS E REFERÊNCIAS Ernst Bloch, comentando um livro de Walter Benjamin que tinha sido lançado naquele momento, em 1928, (Einbahnstraße), já via a própria modernidade das vanguardas dos anos 1920 como um período caleidoscópico : «É precisamente aqui que está a riqueza de uma época em ruínas, um período notável que mistura noite e manhã nos anos 1920. Esse período abrange desde a arte visual e conexões pictóricas que dificilmente eram assim antes, até Proust, Joyce, Brecht, e para além deles, seria um período 1_

caleidoscópico, uma ‘revista’». Tradução nossa da edição inglesa (do original em alemão de 1935) do prefácio do livro de Ernst Bloch, Heritage of our times, Cambridge, Polity Press, 1992, p. 3 Coordenação dos estudos teóricos e seminários públicos em Salvador: Washington Drummond, Fernando Ferraz e Luiz Antônio de Souza. Coordenação dos trabalhos de campo e seminários de articulação em Salvador: Thais Portela, Fabiana Dultra Britto e 2_

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Xico Costa. Coordenação geral da plataforma e dos encontros Corpocidade e coordenação editorial da revista Redobra: Fabiana Dultra Britto e Paola Berenstein Jacques. Coordenação dos trabalhos de campo e seminários em Paris: Alessia de Biase e Paola Berenstein Jacques. 3_ O projeto original da pesquisa está disponível no site: http://www. laboratoriourbano.ufba.br/pronem 4_ Não caberia aqui citar todos os autores estudados ao longo da pesquisa, podemos citar de forma rápida, certamente com várias lacunas, alguns dos autores lidos e debatidos: Agamben G., Arendt H., Benjamin, W., Gagnebin J.M., Jacques P.B., Magnavita P.R., Negri A., Drummond W., Deleuze G., Guattari F., Foucault. M., Didi-Huberman G.,

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Ribeiro. A.C.T., Britto F.D., Magnani J.G., Clifford J., Borges J.L, Basualdo C., Bolle W. etc. 5_ Sobre Aby Warburg e seu Atlas de imagens, ver o capítulo “Montagem Urbana”, de Paola Berenstein Jacques, no tomo 4 – Memória, Narração, História – da presente coleção. 6_ Tradução nossa e livre de Georges Didi-Huberman, “Connaissance par le kaleidoscope. Morale du joujou et dialectique de l’image selon Walter Benjamin”, Études Photographiques. Par les yeux de la science/Surréalisme et photographie, No 7, 2000, p. 10. 7_ Tradução nossa e livre de Georges Didi Huberman, Devant le temps, Paris, ed. Minuit, 2000, p. 135.


SISMÓGRAFO: REVISTA REDOBRA Paola Berenstein Jacques Arquiteta-urbanista, professora PPG Arquitetura e Urbanismo UFBA, pesquisadora CNPq, coordenadora Laboratório Urbano, responsável institucional UFBA e coordenadora geral PRONEM

Fabiana Dultra Britto Licenciatura Dança, PPG Dança UFBA, coordenadora Laboratório Co-adaptativo LABZAT, coordenadora Plataforma Corpocidade, coordenadora atividades PRONEM

Washington Drummond Historiador, professor História e PPG Pós-Crítica UNEB, professor PPG Arquitetura e Urbanismo UFBA, membro Laboratório Urbano, responsável institucional UNEB e coordenador atividades PRONEM

A verdadeira destinação de uma revista é a de anunciar o espírito da sua época. A sua atualidade é para ela mais importante do que a sua própria unidade ou clareza, e com isso esta estaria – tal como o jornal – condenada à superficialidade, se nela não ganhasse forma uma vida com força suficiente para salvar também o que é questionável e precário, pelo o fato dela o afirmar. De fato, uma revista cuja atualidade renuncia à dimensão histórica não tem direito de existir. [...] orientar-se por aquilo que emerge, como verdadeiramente atual, sob a superfície estéril do novo ou da novidade cuja exploração deve deixar aos jornais.1 Walter Benjamin

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O que pode uma revista? A Redobra 2, em seu percurso editorial, foi atraída para dentro do turbilhão caleidoscópico da pesquisa PRONEM, que se propunha a investigar, desde seu início, as relações entre experiências metodológicas e compreensão da complexidade da cidade. Sob o impacto de nossa tríade temática principal e transversal: experiência, apreensão, urbanismo – que foi constantemente perpassada pelas três linhas, também triádicas: 1. subjetividade, corpo, arte; 2. alteridade, imagem, etnografia; 3. memória, narração, história. A revista acompanhou as variações de foco e de ênfase dos debates nesses três anos de pesquisa coletiva: desdobramentos, rebatimentos, superposições, abandonos, impasses, rupturas, desvios, dissensos, linhas de fuga. Ela funcionou como um sismógrafo ultra sensível dos movimentos, vibrações, deslizamentos, acomodações, atravessamentos e choques internos a cada tema debatido ou nos embates e enlances externos em que as linhas se propuseram como prática constitutiva do pesquisar. O sismógrafo-revista buscava registrar as diferentes transformações do caleidoscópio-pesquisa (ver capítulo 1). A cada número da revista Redobra, ao final de cada semestre, um conjunto de questões originárias dos diversos âmbitos da pesquisa, a saber, experiências de campo, oficinas, grupos de estudos, debates em seminários, eram capturados pelo movimento centrífugo da publicação que os editores procuravam complexificar ainda mais elencando entrevistas e textos de pesquisadores associados e outros convidados. Dessa maneira, cada número é o resultado dos nossos trabalhos cotidianos, mas também uma produção polifônica, dissensual, contrapontística do que ali é exposto. A fuga no campo musical é um processo de composição polifônica no qual, através do contraponto, se desenvolve um tema que se replica em diferentes vozes como contramotivos, imitativos, entrelaçamentos e diferentes tonalidades.

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O relato que se segue nos mostra que ao formularmos os números da revista estávamos, de alguma maneira, tateando e reduplicando vozes que dispersas só a posteriori se apresentariam como linhas de força temáticas duplicada em vozes outras, inclusive provenientes de campos disciplinares diversos, que atritavam os limiares institucionalmente estabelecidos de nosso campo principal, o urbanismo, que buscávamos ampliar a partir de tensões, cruzamentos, dobras e redobras com outros campos: arte (e estética), etnografia (e antropologia) e história (e historiografia). A Redobra, enquanto metaforicamente tomada como um sismógrafo musical, entretanto, não se limitou a redobrar as vozes e os campos, buscando apresentar sua singular contribuição, isto é, provocar outros desvios, dissensos e dispersões. --Originalmente em formato eletrônico, a revista Redobra foi idealizada em 2008 para atuar como campo de articulação pública para o encontro Corpocidade 1. Naquele primeiro ano, suas quatro edições mensais corresponderam às sessões temáticas do encontro, cumprindo função introdutória do tema geral sob as abordagens específicas propostas pelos pesquisadores e artistas integrantes do Comitê Artístico Científico em cada Sessão Temática – Cidades Imateriais, Cidade Como Campo Ampliado da Arte, Corpografias Urbanas e Modos de Subjetivação na Cidade – divulgando proposições e ideias de diversos autores a um público mais abrangente do que seus participantes presenciais. Ainda em formato eletrônico, a revista desdobrou-se em experimentações editoriais mais expandidas, a partir de 2010, quando foi realizado o Corpocidade 2. As três edições deste segundo ano ativaram laços de afinidade colaborativa e de conexões temáticas propulsores de uma expressiva autonomia criativa que, no entanto, muito bem realçou sua

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correlação ao tema do evento: conflito e dissenso no espaço público. A revista esteve diretamente atrelada à plataforma Corpocidade, um conjunto de ações e atividades desenvolvidas por artistas e pesquisadores cuja atuação em diferentes campos de conhecimento dedica-se a abrir frestas de interferência crítica nas atuais possibilidades de articulação entre corpo e cidade. No seu terceiro ano, a revista iniciou outra fase, com formato impresso e propósito editorial dedicado a dar ressonância pública ao processo de pesquisa proposto pelo grupo Laboratório Urbano (Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia – PPGAU/UFBA) no projeto Experiências metodológicas de apreensão da complexidade da cidade contemporânea (PRONEM), contemplado pelo edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, em 2011. Consolidamos parcerias com outros grupos como o Laboratório Coadaptativo, do Programa de Pós-Graduação em Dança (PPGDANÇA/UFBA), Laboratório de Estudos Urbanos, do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo /Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Laboratório da Conjuntura Social: Tecnologia e Território – IPPUR/UFRJ, Laboratorio Arti Civiche (LAC/Itália), Laboratoire ArchitectureAnthropologie (LAA/CNRS/França) e Centre de recherche sur l’espace sonore et l’environnement urbain (CRESSON/CNRS/França), e inauguramos também um núcleo de articulação acadêmica com a Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Para fazer esse acompanhamento da pesquisa, realizamos seis edições (número 9 à 14) de 2012 à 2014 (uma revista por semestre de pesquisa) que alternaram um duplo movimento de introdução articuladora das questões discutidas no grupo de pesquisa e com-

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partilhamento das narrativas críticas das ações realizadas nas quatro atividades pelas quais o projeto se desenvolveu: estudos teóricos, trabalhos de campo, seminários de articulação e seminários públicos, sempre com uma preocupação de levar o processo da pesquisa para além de nosso próprio grupo e contando com a participação de pesquisadores de Arquitetura e Urbanismo, Dança, Artes Visuais, Sociologia, Antropologia, História e Psicologia. Na primeira edição impressa, número 9 (2012.1), a revista introduz o campo de engendramentos temáticos da pesquisa em torno de cinco diferentes nós/partes dessa tessitura: Na parte Contraponto, que pretendia mapear o movimento de construção de arranjos polifônicos superpostos e entrelaçados num mesmo espaço de encontros, distensões e cruzamentos em torno de ideias e discursos, publicamos diferentes narrativas em torno da experiência de apreensão da cidade, sob aspectos da sua realização e da reflexão crítica sobre seus pressupostos e implicações epistêmicas e metodológicas: um workshop coordenado pela socióloga francesa, pesquisadora do CRESSON, Rachel Thomas, com estudantes da disciplina Ateliê 5 do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFBA, ao longo de uma semana, em junho de 2011; outra realizada pelo artista Francesco Careri, pesquisador do Laboratório Arti Civiche/Roma Tre, ao longo de uma tarde de setembro de 2011, em Salvador, com três membros do corpo editorial da revista; um artigo de Jean Paul Thibaud, pesquisador do CRESSON, apresentado na mesa-redonda “Errâncias, Ambiências e Transurbâncias”, promovida pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA, em setembro de 2011, com a participação de Francesco Careri, Paola Berenstein Jacques, Francisco de Assis Costa e Fabiana Dultra Britto (Dança/UFBA), além do autor; e uma outra narrativa referente ao de-

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bate “Homens Lentos, rugosidades e espaços opacos”, promovido pelo Laboratório Urbano em agosto de 2011, na Faculdade de Arquitetura da UFBA, cujas participações aparecem em variados formatos de registro: artigo derivado das falas de Ana Clara Torres Ribeiro (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano/UFRJ) e Cássio Eduardo Viana Hissa (Georgrafia/Universidade Federal de Minas Gerais), texto de ignição para a fala de Cibele Saliba Rizek (Instituto de Arquitetura e Urbanismo/Universidade de São Paulo, São Carlos) e transcrição da fala da debatedora Ana Fernandes (Faculdade de Arquitetura/UFBA), e das participações no debate aberto ao público. Na parte Ferramentaria, concebida como local e prática de exposição dos recursos usados para construção de argumentos, formulação de propostas e elaboração de projetos derivados de experiências de apreensão da cidade, publicamos recortes de trabalhos defendidos por integrantes do Laboratório Urbano, na graduação (Jana Lopes e Rafael Luís Souza) e no mestrado (Carolina Fonseca, Clara Pignaton, Gabriel Schvarsberg e Thiago Costa) cujas ideias tanto resultam quanto sugerem modos de discussão da experiência urbana empreendidos no âmbito acadêmico. Na parte Diagrama, usado como recurso de visualização panorâmica do conjunto de relações componentes da teia de conceitos e noções que estão sendo articulados nos Estudos Teóricos que embasam do processo da pesquisa, publicamos uma composição de escritos e ditos dos autores estudados e dos participantes que procura delinear os caminhos percorridos, interrompidos ou desviados ao longo dos nossos encontros quinzenais de estudo coordenados pelos pesquisadores Fernando Ferraz e Washington Drummond.

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Na parte Tumulto, pensada como um encontro de dissonâncias, discordâncias, distensões, digressões e outros tantos modos de desdobramento de sentido praticados sobre um mesmo foco discursivo, publicamos textos de Paola Berenstein Jacques, Pasqualino Romano Magnavita e Washington Drumond sobre tipos de experiência – errática, rizomática e impossível, respectivamente – provocativas de compreensões menos consensuais sobre modos de relação com a cidade e a vida. Na parte Resenha, pensada como espaço de apreciação crítica sobre objetos artísticos, bibliográficos, acadêmicos e cotidianos, publicamos a apresentação feita por Joana da Silva Barros e Edson Miagusko para o livro Saídas de emergência: ganhar/perder a vida na periferia de São Paulo, recém-lançado pela Boitempo e organizado por Robert Cabanes, Isabel Georges, Cibele Saliba Rizek e Vera Telles. Por fim, neste primeiro número da nova fase, a revista prestou homenagem especial a Ana Clara Torres Ribeiro, socióloga pesquisadora do IPPUR/UFRJ e parceira do Laboratório Urbano e do projeto PRONEM cujo falecimento, em 9 de dezembro de 2011, interrompeu um contundente, e raro, companheirismo acadêmico. Além da sua fala no debate “Homens Lentos, rugosidades e espaços opacos”, transcrevemos neste número da revista sua entrevista inédita, concedida em 2009, a Alessia de Biase, coordenadora do Laboratoire Architecture Antropologie. Nesta conversa em torno da noção de cartografia, Ana Clara apresenta sua ideia de cartografia da ação, que vinha desenvolvendo junto ao seu grupo de pesquisa LASTRO cuja continuidade se expressa pelo seu espalhamento singularizado nos projetos da sua equipe: Catia Antonia da Silva, Luis Perucci, Ivy Schipper e Vinicius Carvalho, que assinam o artigo “Pensamento vivo de Ana Clara Torres Ribeiro”.

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Entusiasta das ousadias desestabilizadoras de discursos e atos hegemônicos, sua contribuição sempre fez uma enorme diferença no nosso trabalho pela compreensão do processo desavergonhado de esvaziamento da esfera política da vida pública pela normatização da sua potência criativa. Como certamente faria a sua obra inacabada Teorias brincantes do Brasil no necessário enfrentamento da espoliação dos sujeitos promovida pelas políticas urbanísticas atuais. Esse número da revista foi lançado e distribuído no encontro Corpocidade 3 que reuniu os Seminários Público e de Articulação do projeto PRONEM em Salvador. O número 10 (2012.2) da revista apresentou-se como um desdobramento do encontro Corpocidade 3, que articulou-se diretamente com a pesquisa PRONEM. Inteiramente dedicado a Ana Clara Torres Ribeiro, – integrante da equipe de pesquisa PRONEM, membro do conselho editorial da revista Redobra e colaboradora do Corpocidade desde sua primeira edição em 2008 – o Corpocidade 3 programou uma mesa especial de homenagem, em que foram apresentados os princípios do seu método de pesquisa denominado “Cartografia da Ação Social”, pelos membros do seu grupo Lastro: Cátia Antônia da Silva, Luis Perucci, Ivy Schipper e Vinicius Carvalho, cujo artigo correspondente fora publicado no número anterior da revista. À esta aproximação entre a prática geográfica da cartografia com os estudos sociológicos sobre a cidade, tão singularmente formulada por Ana Clara Torres Ribeiro e já adotada por alguns outros grupos de pesquisa brasileiros e latino-americanos interlocutores do LASTRO, acrescentamos a aproximação da Arquitetura e Urbanismo com o trabalho etnográfico da Antropologia, já longamente praticada pelo Laboratório Arquitetura/Antropologia –LAA/CNRS, para expandir esta constelação cooperativa com um terceiro eixo aproximativo entre a crítica da experiência urbana pela Arquitetura e Urbanismo e os estudos

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sobre corporalidade e espacialidade pela Dança, instaurado pelos Laboratório Urbano PPGAU/UFBA e o LabZat Laboratório Coadaptativo PPGDANÇA/UFBA. Neste terceiro encontro Corpocidade, partimos do pressuposto (já anunciado no primeiro e consolidado no segundo) de que corpo e cidade estão coimplicados na formulação da vida pública e sua esfera política, para enfocar, como tema central, as possibilidades de experiência corporal da cidade e seus modos de compartilhamento e transmissão, tensionando as noções de corpo, cidade, cultura e cartografia a partir da ideia de experiência. Retomamos aspectos das versões anteriores que se consolidaram como uma ética da nossa conduta e os tornamos princípios organizativos da programação, tais como o enfoque processual, a simetria entre os participantes e a coimplicação entre as experiências teórica e empírica para pensar os agenciamentos entre corpo, cidade, politica e arte pelas práticas de cartografia e narrativa. O encontro integrou três atividades diferentes e complementares, com formas específicas de participação: - Experiências Metodológicas: trabalhos de campo que chamamos de “oficinas”, em áreas específicas da cidade de Salvador, destinadas a testar procedimentos para apreensão da cidade; - Seminário de Articulação: atividade conjugada e subsequente às experiências metodológicas, destinada ao exercício de reflexão crítica sobre as experiências vividas e as narrativas construídas pelos grupos participantes; - Seminário Público: atividade aberta à participação de demais interessados inscritos, destinada ao compartilhamento público das sínteses alcançadas no seminário de articulação bem como de relatos previamente selecionados sobre outras experiências metodológicas realizadas em outras ocasiões por pesquisadores ou artistas.

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Durante as experiências de campo e seminários muito se testou, se discutiu e se compreendeu sobre os modos de apreensão da cidade propostos pelos grupos de pesquisa e coletivos de artistas, quanto aos seus argumentos justificativos e suas condutas de ação, convívio, interlocução. Mas percebemos que a intensidade das experiências mereceria maior extensão de tempo para ser assimilada e as narrativas delas menor dispersão de sessões para serem debatidas. Desejando oferecer um outro espaço para a continuidade das reflexões instauradas naqueles dias, nos pareceu pertinente e necessário dedicar os números 10 e 11 da revista às ressonâncias do Corpocidade 3, não como um catálogo ou relatório, mas como um registro dos seus rebatimentos na pesquisa PRONEM que lhe fundamenta, mas também dele deriva. E nosso recorte editorial para a definição da pauta foi “começar de dentro”: pela contribuição dos integrantes da nossa equipe de pesquisa e dos grupo parceiros, num gesto mais centrífugo do que endógeno com intenção de pontuar eixos em torno dos quais outras contribuições poderiam ser articuladas nos próximos números da revista. Entendidas como nós de tessitura dos temas, cada parte da revista, a partir de sua definição, se oferece como um diferente campo de atravessamento das mesmas questões que tanto foram trabalhadas na pesquisa quanto mobilizaram o encontro em Salvador: os modos de apreensão da cidade e suas possibilidades narrativas como recurso de transmissão e compartilhamento. Em Contraponto, tomamos por ponto de partida as comunicações de Cibele Saliba Rizek (IAU/USP), Frederico Guilherme Bandeira de Araújo (IPPUR/UFRJ) e Pasqualino Romano Magnavita (PPGAU/UFBA) integrantes da mesa-redonda “Cidade, Cultura, Corpos e Experiência”, ocorrida no segundo dia do Seminário Público, para entrelaçá-las a outras distensões em torno deste tema,

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produzidas por três narrativas de experiência de intervenção performativa na cidade que, embora correlatas em suas escolhas pela escala da corporalidade como forma de ação crítica-perceptiva sobre a cidade, praticam diferentes engendramentos entre experiência, narração e teorização. O “Chão nas cidades”, de Andrea Maciel (Rio de Janeiro/RJ), narra a experiência de mesmo nome realizada no Corpocidade 1 e incorporada à sua tese de doutorado (em Artes Cênicas), tomando a polêmica situação do corpo deitado no chão como uma perspectiva de apreensão da cidade. “Deriva parada”, de Janaína Bechler (Porto Alegre/RS), que também se articula a um doutorado acadêmico (em Psicologia), parte da ideia de deriva para criar o paradoxo do corpo parado como mobilizador de certa dinâmica sociourbana. E “Breve relatório sobre a primeira de uma série de opacificações urbanas”, de Silvana Olivieri (Salvador/BA), parte de provocação apresentada no Corpocidade 2 para narrar a primeira experiência, no Carnaval de Salvador, em 2012, de operação de um dispositivo criado pela autora para contrapor a opacidade ao espetáculo. Também integra essa sessão, uma síntese introdutória dos debates levantados pelas mesas-redondas e comunicações ocorridos no Seminário Público, preparada pelos seus coordenadores Washington Drummond, Fernando Ferraz e Luiz Antonio de Souza, que tecem, ainda, algumas considerações gerais sobre o processo de seleção das participações. Na parte Ferramentaria, colocamos em pauta os aspectos mais diretamente relacionados com metodologias de apreensão da cidade, conjugando dois tipos de matéria: as oficinas de trabalho de campo realizadas no Corpocidade 3 e trabalhos acadêmicos de conclusão de curso de integrantes do Laboratório Urbano. Começando pelas sete oficinas que foram propostas por grupos parceiros na pesquisa PRONEM, esta seção traz uma síntese das discussões havidas

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no Seminário de Articulação sobre as experiências feitas nas oficinas e algumas considerações críticas, preparada pelos seus coordenadores Fabiana Dultra Britto, Francisco de Assis da Costa e Thais de Bhanthumchinda Portela; além da apresentação de cada oficina preparada por seus próprios coordenadores, e das narrativas sobre o processo de sua realização, elaboradas pelos seus respectivos acompanhantes designados pelo Laboratório Urbano. Assim, a oficina “Composição do Comum”, do Laboratório Coadaptativo LabZat – PPGDANÇA/UFBA, é apresentada por Tiago Nogueira Ribeiro e Fabiana Dultra Britto, e narrada pelos participantes Ana Rizek Sheldon, Isaura Tupiniquim Cruz, Thiago Sampaio, Renata Roel e Cinira D’Alva. A oficina “Teatro do jornal” do Laboratório da Conjuntura Social: Tecnologia e Território LASTRO – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano IPPUR/ UFRJ, é apresentada por Ivy Shipper e narrada pela acompanhante Ida Matilde. A oficina “Cidadeando: uma aventura poética com som, imagem e movimento”, do Grupo de Pesquisa Modernidade e Cultura – IPPUR/UFRJ, é apresentada por Frederico Guilherme Bandeira de Araújo e narrada pela acompanhante Priscila Erthal Risi. A oficina “Oficinar ao habitar”, do Laboratório de Estudos Urbanos (LEU/PROURB/UFRJ) é apresentada por Iazana Guizzo e Cristiane Knijnik e narrada pela acompanhante Marina Cunha. A oficina “Fazer corpo, tomar corpo, dar corpo às ambiências urbanas” do CRESSON/CNRS, é apresentada por Rachel Thomas e narrada pelos acompanhantes Maria Isabel Costa Menezes da Rocha e Osnildo Adão Wan-Dall Junior. E a oficina “Selva-quintal comum”, do Laboratorio Arti Civiche – Roma Tre, é apresentada por Francesco Careri, Giorgio Talocci e Maria Rocco e narrada por Gabriel Schvarsberg e Janaína Bechler.

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E, dentre os trabalhos acadêmicos, também com foco no debate metodológico, esta seção traz dois artigos referentes a dissertações de mestrado: Dos espaços de apropriação: o Minhocão de São Cristóvão, de Clara Passaro, e Experiências urbanas: conclusões de um processo no Aglomerado da Serra, de Carolina de Castro Anselmo. E outros três referentes a trabalhos finais de graduação: Morar na Carlos Gomes: possibilidades e limites para a habitação de interesse social no Centro, de Diego Mauro; Cine-teatro-rua: possibilidades para o fim-de-linha do Uruguai, de Ícaro Vilaça, e Os usuários do Dois de Julho: encarando o uso de crack no espaço urbano, de Jamile Lima. Na parte Tumulto, colocamos em tensão ideias em torno do processo de pesquisa sobre os modos de apreensão da cidade pelos habitantes e em torno dos modos de ação na cidade pelos pesquisadores, a partir de três diferentes posicionamentos teóricos e proposições metodológicas: o da arquiteta Alessia de Biase, coordenadora do Laboratório Arquitetura/Antropologia (Paris), apresentado em “Por uma postura antropológica de apreensão da cidade contemporânea: de uma antropologia do espaço à uma antropologia da transformação da cidade”; o da antropóloga Urpi Montoya Uriarte, da UFBA, apresentado em “Podemos todos ser etnógrafos? Etnografia e narrativas etnográficas urbanas”; e o da socióloga Rachel Thomas, pesquisadora do Laboratório CRESSON (Grenoble), apresentado em “Crítica e engajamento – posturas de apreensão sensível da cidade contemporânea”. Na parte Resenha, o livro Elogio aos errantes, de Paola Berenstein Jacques, publicado pela Editora da UFBA e lançado no Corpocidade 3, recebeu uma leitura crítica da professora Margareth da Silva Pereira (UFRJ). Este número da revista, que publicou várias narrativas entrelaçadas, incitações aos seus próprios desafios de

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pesquisa e diferentes métodos de apreensão da cidade, foi lançada e distribuída no seminário internacional Urbicentros 3, que aconteceu em Salvador e no XII SHCU, em Porto Alegre. O número 11 (2013.1) da revista se apresentou com uma nova feição gráfica para marcar seu quarto ano de atuação, e seu segundo ano como recurso de acompanhamento das atividades da pesquisa PRONEM, do grupo Laboratório Urbano e como expansão das suas interlocuções e debates. Com seções renomeadas para enfatizar sua função articuladora entre as diferentes ações, posturas acadêmicas e linhas teóricas dos pesquisadores envolvidos na equipe, dos seus colaboradores circunstanciais e dos interlocutores de outros Laboratórios e instituições, a edição número 11 marcou a passagem para a segunda das três etapas da pesquisa PRONEM, a que denominamos: confrontação do problema. Na abertura desta edição, a Entrevista publicou uma conversa de Paola Berenstein Jacques com o arquiteto, urbanista e artista Francesco Careri, pesquisador convidado da pesquisa PRONEM, professor da Università Degli Studi Roma Tre onde coordena o curso de mestrado em Arte, Arquitetura e Cidade e o Laboratório de Arte Cívica (LAC). Coincidindo com o lançamento da versão brasileira do seu livro Walkscapes, o caminhar como prática estética, o diálogo que publicamos reascende o debate em torno das ações artísticas como crítica urbanística, especialmente aquelas realizadas como prática de errâncias e do andar pela cidade – que delineiam campos de convergência entre os trabalhos de ambos e a pesquisa PRONEM pelo grupo de pesquisa Laboratório Urbano. Na seção Ensaios, seis autoras apresentaram diferentes perspectivas de reflexão crítica sobre os usos de espaços públicos, especialmente as praças, como contextos pulsantes da vida urbana cotidiana e de mobilização civil. Márcia Ferran, Clara Luiza Miranda

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e Milene Migliano trazem para a revista suas comunicações apresentadas no encontro Corpocidade 3, em abril de 2012: a primeira autora, praticando o que chamou de “delineamento afetivo-rizomático”, toma o caso da reintegração de posse do Pinheirinho para tratar dos protestos públicos que engendram ação social e ação/ performance artística, pensados sob a luz do trabalho da socióloga Ana Clara Torres Ribeiro; a segunda autora, partindo dos relatos produzidos pelos participantes e observadores das mobilizações coletivas internacionais ocorridas em 2011, nas Praças Tahir e Puerta del Sol, levanta questões sobre as noções de “comum” e “protagonismo”; e a terceira autora traz um relato analítico da sua própria experiência como protagonista do movimento de protesto coletivo contra o cerceamento do uso das praças públicas, contando como a Praça da Estação em Belo Horizonte, se tornou praia. Formalizando uma cooperação editorial da revista Redobra, já ensaiada anteriormente com as revistas Global (RJ) e Piseagrama (BH), a seção tem ainda a participação de Barbara Szaniecki, editora da Global, e Cristina Ribas, que focalizam o Movimento OcupaRio citando algumas ações artísticas realizadas em favelas cariocas ocupadas pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), como forma de resistência aos projetos ditos de pacificação; e dos editores da Piseagrama, Fernanda Regaldo, Renata Marquez, Roberto Andrés e Wellington Cançado, que compõem um discurso de imagens para o que chamaram de “campanha não eleitoral” propondo vínculos sugestivos de novos sentidos entre as palavras e as coisas. Fechando o bloco dos Ensaios, Diana Helene, também ressoando as ideias da professora Ana Clara Torres Ribeiro, situa o tema da ação política nos espaços públicos delineado pela seção, levantando questões sobre o corpo da mulher e a cidade, no contexto do movimento conhecido como “marcha das vadias”, iniciado no Canadá e desdobrado por diversas cidades no mundo e algumas cidades brasileiras.

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Dando continuidade à apresentação (iniciada no número 10 da revista) das Oficinas de experiências metodológicas de apreensão da cidade (trabalhos de campo) realizadas no âmbito do Corpocidade 3, a seção Experiências publicou nove duetos de autores formados pelos proponentes das Oficinas e seus respectivos acompanhantes, membros da pesquisa PRONEM, compondo pares de textos que apresentam as propostas das oficinas e as narrativas do processo de realização destas em Salvador. E complementam a seção destinada a discutir aspectos metodológicos e procedimentais envolvidos nas práticas de apreensão da cidade e suas possibilidades narrativas outras três experiências realizadas como objeto de pesquisa acadêmica de estudantes de graduação e pós-graduação integrantes do Laboratório Urbano: Amine Portugal apresentou seu processo de percepção do contexto urbano da Avenida Sete de Setembro, em Salvador, realizado ao longo de alguns meses, defendido como trabalho final de graduação, embaralhando concepções rígidas de processo/resultado e desafiando modelos de formulação de projeto urbano; Milena Durante pontuou aspectos metodológicos da sua dissertação de mestrado em que fez uma reflexão sobre cultura e arte como forma de resistência ao processo de gentrificação estratégica no contexto macropolítico da cidade de São Paulo; e Eduardo Rocha Lima também enfocou as questões metodológicas levantadas em sua tese de doutorado, articulando as práticas de caminhar e narrar as experiências urbanas em estudo das relações corpo e cidade em áreas de prostituição das cidades de Paris, Fortaleza e Rio de Janeiro – objeto que une as pontas tanto desta seção com a anterior quanto já introduzia a próxima. Na seção Debates, continuamos a discussão aberta pela entrevista e apresentamos três diferentes abordagens sobre o tema do caminhar como experiência perceptiva de apreensão da cidade, que

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resumem pontos de vista e posicionamentos próprios às suas disciplinas e campos de ação pública: de um lado, o sociólogo Henri -Pierre Jeudy e a escritora Maria Claudia Galera, em “Olhares perdidos sobre uma cidade: Saint-Dizier”, levantaram provocações sobre a pertinência dos juízos de valor sobre a beleza das cidades, no contexto das suas andanças pela cidade francesa; de outro lado, o arquiteto urbanista e artista Francesco Careri atualizou suas reflexões sobre a prática da “transurbância” criada pelo seu grupo Stalker, que integram, como epílogo, a edição brasileira do seu livro Walkscapes, o caminhar como prática estética; e no terceiro lado desta triangulação, a antropóloga Nadja Monnet teceu reflexões sobre sua experiência etnográfica realizada na praça da Catalunha em Barcelona, em torno da ideia de “flanâncias femininas”. Encerrando esta edição, Thiago Costa assinou “O engajamento dos corpos no percurso urbano”, sua resenha do livro Walkscapes, o caminhar como prática estética de Francesco Careri, cuja versão brasileira foi lançada pela editora Gustavo Gili, dez anos após sua primeira edição espanhola. Neste exercício de confrontação do problema da formulação das metodologias em adequação ao contexto da experiência e ao objeto de estudo, conforme proposto pela pesquisa PRONEM a revista buscou oferecer um campo de ressonância aos debates acadêmicos sobre a experiência urbana contemporânea lançando novos olhares sobre as possibilidades e condições de suas formas narrativas. Das frestas, entrevistas no diálogo de abertura, passando aos espaços ensaiados e os modos experimentados nas narrativas centrais, envoltos pelos conteúdos debatidos e pelo objeto resenhado, esta edição compôs seu traço editorial e se ofereceu a outros e diferentes gestos de interlocução. Este número da revista foi lançado e distribuído no XV Encontro Nacional da Associação Nacional de

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Pesquisa e Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (ENANPUR), que aconteceu em Recife, e o lançamento e distribuição em Salvador ocorreu durante o UrbBA 13. A edição número 12 (2013.2) da revista deu continuidade ao propósito de trazer, à público, o processo de desenvolvimento da pesquisa PRONEM e suas atividades correlatas, com intuito de expandir os debates já travados e abrir outras frestas de interlocução possíveis com outros grupos e iniciativas igualmente interessados em compreender a complexidade da experiência urbana. Abrindo esta edição, a seção Entrevista publicou uma conversa de Fabiana Dultra Britto com Rachel Thomas, socióloga e coordenadora do Laboratório CRESSON, de Grenoble (França), completando nosso ciclo de conversas com coordenadores dos grupos de pesquisa estrangeiros parceiros do Laboratório Urbano na pesquisa PRONEM, sobre seus modos de entender e lidar com procedimentos metodológicos de pesquisa sobre a vida pública na cidade contemporânea. A seção Ensaios publicou dois blocos de contribuição ao adensamento dos enfoques críticos sobre a força normatizadora da lógica de consumo e privatização que baseia nossa experiência do espaço público e as formas cotidianas de resistência. No primeiro bloco, publicamos o resumo das participações integrantes da Sessão Livre “Experiências metodológicas para apreensão da cidade contemporânea”, uma atividade da pesquisa PRONEM que foi coordenada por Paola Berenstein Jacques no XV ENANPUR, realizado em Recife. Além da apresentação introdutória do tema pela coordenadora, em que questionou os limites do tradicional “diagnóstico urbano” pela ideia de “montagem urbana”, outras quatro participações ofereceram diferentes enfoques ao tema proposto nesta Sessão Livre: Margareth Pereira da Silva (UFRJ) respondeu

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à provocação sugerindo a imagem de “nebulosas” para pensar as narrativas históricas; Cibele Saliba Rizek (USP) enfocou a pesquisa etnográfica como recurso de apreensão da dimensão urbana pelas suas formas de produção simbólica e cultural; Fabiana Dultra Britto (UFBA) partiu do pressuposto de coimplicação entre corpo e cidade para sugerir a noção de “corpografia” como pista de compreensão dos processos urbanos de formulação da esfera pública; e Thais de Bhanthumchinda Portela (UFBA) retomou a ideia de “cartografia da ação social”, desenvolvida por Ana Clara Torres Ribeiro, para enfocar sua dimensão política como instrumento de ação social. No segundo bloco de Ensaios, Márcia Tiburi teceu uma reflexão sobre o caráter estético e político da prática da pixação, apontando a disputa pelo direito de impor uma aparência à cidade como uma disputa pelo “muro como campo de experiência”, travada entre os pixadores e os poderes instituídos da indústria cultural, da política, da propriedade e da linguagem. Atribuindo o poder da pixação ao seu potencial de “livrar-se da condenação” de tornar-se mercadoria no mundo espetacular, a autora afirma desejar “praticar o pensamento enquanto pixação”. Em seguida, Daniela Brasil partiu do rebatimento do projeto pedagógico “autopoiético” da lendária Escola de Arquitetura de Valparaíso na metodologia ciudad abierta – na chamada “utopia de Ritoque” – para narrar sua memória de participação no 5º Encuentros Latinoamericanos de Estudiantes de Arquitectura (ELEA), de Valparaíso, numa espécie de elogio ao encontro e ao jogo como recursos de intensificação da experiência urbana. Fechando a seção, Clarissa Moreira e Nicolas Bautés assinaram um “relato experimental” de suas caminhadas pela área portuária do Rio de Janeiro – “um contexto em carne-viva”, tornado alvo de manobras atuais

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das parcerias público-privadas que propiciam segregação social e especulação financeira, resultantes do projeto Porto Maravilha. Um ato/gesto de microrresistência ao argumento da suposta desvitalização e esvaziamento, que sustenta a política de remoções em curso naquela cidade. Na seção Experiências, apresentamos diferentes narrativas compostas pelos participantes da oficina de apreensão da cidade (trabalho de campo) da pesquisa PRONEM, realizada pela arquiteta e antropóloga Alessia de Biase, em Salvador. Intitulada In-sistir #1, a oficina complexificou os debates em curso desde edições anteriores da revista, quanto à experiência e suas possibilidades de narração, propondo um modo de experienciar o espaço urbano que vai na contramão das caminhadas e das tradicionais observações à distância: insistindo longamente, sentado num mesmo lugar até tornar-se paisagem. “Em Ensaio de insistência urbana # Salvador de Bahia [abril 2013]”, Alessia de Biase resumiu a proposta da sua oficina cujas considerações críticas acerca do exercício realizado e suas implicações no debate sobre metodologia e postura de pesquisa urbana, por sua vez, são tecidas em “Insistência Urbana, ou como ir ao encontro dos ‘imponderáveis da vida autêntica’”. Na sequência desse bloco, publicamos oito narrativas resultantes da oficina, compostas por duplas de participantes cujas formações disciplinares variavam entre Antropologia, Dança e Arquitetura e Urbanismo: “Passarela do Iguatemi – uma narrativa em movimento”, por Kelly Oliveira e Marina Cunha; “Rua Gregório de Mattos em dia de São Jorge e no dia seguinte”, por João Mateus Virgens Vieira e Osnildo Adão Wan-Dall Junior; “Dois dias e três tempos. Preparação: construção da narrativa”, por Tiago Ribeiro e Jurema Moreira; “O livro disfarçado”, por Eduardo Rocha e Luís Guilherme A. de Andrade; “Oficina [In]sistir #1 – refluxo: palavras”,

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por Cinira d’Alva e Sarah Nascimento dos Reis; “Entre os diversos tempos: experiência-narrativa-proposição na Insistência Urbana”, por Amine Portugal e George Hora Silva; “Plano de notas: sobre como montar uma narrativa de chuva”, por Alexandre San Goes e Priscila Erthal Risi; “Sobre acúmulos e sobreposições: um pequeno recorte da Praça Cairu”, por Janaina Chavier e Joselinda Maria Rodrigues. Fechando esse bloco, Urpi Montoya Uriarte, antropóloga, tomou as questões levantadas pela experiência coordenada por Alessia de Biase, como provocação para refletir sobre modos narrativos apropriados a trabalho de campo. Em “Como narrar o campo? Reflexões provocadas pela Oficina ‘Insistências urbanas’”, a autora se admitiu surpresa com as narrativas resultantes da experiência de trabalho de campo proposta pela Oficina, situando seus alcances criativos e genuinamente renovadores de cânones narrativos da Antropologia – como o apego ao formato tradicional da linguagem acadêmica – no escopo de exigências que uma narrativa etnográfica deve atender, reacendendo o debate já pautado em edições anteriores da revista em torno da aproximação arte/etnografia, considerada sob seus diferentes matizes de problemas e soluções. E complementando a seção Experiências, destinada a discutir aspectos metodológicos e procedimentais envolvidos nas práticas de apreensão da cidade e suas possibilidades narrativas, publicamos um resumo do trabalho final de graduação em Arquitetura e Urbanismo de Daniel Sabóia e Fábio Steque e Patricia Almeida, intitulado “ITAPAGIP3 – uma experiência metodológica colaborativa sobre a Península de Itapagipe”. Na seção Debates, confrontaram-se complementarmente três narrativas em torno da mesma percepção crítica acerca do inten-

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so processo de substituição das paisagens urbanas tradicionais pelo “pacote” espetacularização urbana/especulação, imobiliária/ gentrificação e suas consequentes mazelas sócio-histórico-afetivas, mencionadas em negativo pelos atos de resistência e gestos de subversão à lógica homogeinizadora não somente da experiência, mas também de sua memória e seu valor simbólico como objeto de preservação patrimonial. Luis Antonio Baptista, em “Epifania urbana sobre corpos imóveis”, Robert Moses Pechman, em “Inútil paisagem”, e José Tavares Correia de Lira, em “De patrimônio, ruínas urbanas e existências breves”, transitaram entre “paisagens suturadas” de uma “urbe maculada por narrativas em confronto” para escavar suas múltiplas “camadas temporais” materializadas em histórias narradas seja pela “pele suja de mundo” dos garotos que dormem na rua; seja pela lembrança tornada “exercício de política” na recuperação da saudade de cidade; ou seja, ainda, pela reelaboração da noção de patrimônio que deriva das facetas da “precariedade” e “fragilidade material” tomadas como “suporte de poderosas estratégias retóricas, políticas e poéticas de resistência”. Para fechar esta edição, a Resenha publicou uma síntese crítica de Cibele Saliba Rizek do seminário de articulação “Apprehender les transformations de la ville”, realizado em Paris, como parte das atividades da Pesquisa PRONEM, com a participação dos quatro grupos de pesquisa parceiros envolvidos no projeto: Laboratório Urbano, Laboratoire Architecture et Anthropologie (LAA), Paris; Laboratorio Arti Civiche (LAC), Roma e Centre de Recherche Sur L’espace Sonore et L’environnement Urbain (CRESSON), Grenoble. Este número da revista foi lançado e distribuído no III Seminário de Integração do PPGAU/FAUFBA, que aconteceu em Salvador, e também foi lançado e distribuído no XIII Seminário de História da Cidade e do Urbanismo (SHCU), que aconteceu em Brasília.

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Em seu terceiro ano de acompanhamento da pesquisa PRONEM e quinto ano de existência, a revista Redobra inagurou uma nova concepção gráfica com projeto concebido por Daniel Sabóia, Janaína Chavier e Patrícia Almeida, integrantes da equipe PRONEM do Laboratório Urbano (e também realizadores da proposta gráfica desta publicação). Com enfoque voltado para a sistematização dos resultados alcançados até aquele momento pelos estudos e atividades desenvolvidas ao longo da pesquisa PRONEM, a edição número 13 publicou, em suas quatro seções, contribuições preciosas como possíveis linhas de fuga no debate instaurado pela pesquisa em torno das complexas imbricações entre experiência, memória e narrativa nos processos de apreensão da cidade. Para introduzir este tema a partir do campo disciplinar da história, publicamos uma entrevista com a historiadora e coordenadora Centro Interdisciplinar de Estudos sobre as Cidades (CEC), pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Maria Stella Bresciani que, recentemente contemplada com o título de professora emérita da mesma Instituição, respondeu às questões colocadas por Fabiana Dultra Britto, Paola Berenstein Jacques e Washington Luís Lima Drummond, acerca de sua trajetória intelectual nos estudos históricos sobre a cidade, de questões historiográficas, das relações entre memória, narrativas históricas e literárias, suas posições metodológicas e abordagens teóricas, pontuando algumas questões sobre a interdisciplinaridade dos estudos urbanos e também questões sociais, culturais e afetivas da experiência urbana. A seção Ensaios buscou abranger contribuições vindas de diferentes campos disciplinares, oferecendo perspectivas variadas na construção de sentido pela experiência urbana. Em “Derivas urbanas, memória e composição literária”, Fernanda Peixoto discutiu

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os nexos entre cidade, imaginação e memória tomando uma narrativa literária como fio condutor de uma instigante discussão sobre a experiência urbana mediada tanto pelas condições de memória particulares a cada indivíduo em sua situação de vida, quanto pelas condições urbanas de inscrição da história na vida pública. Vagner Camilo, partindo do seu estudo minucioso da obra poética de Carlos Drummond de Andrade, apontou engendramentos sofisticados e pouco reconhecidos entre os sentidos que a espacialidade, a condição urbana e a consciência política assumem nos livros Sentimento do mundo, José e A rosa do povo, expressando “gradações do impulso participante” que se constituem como “estratégia radical de desalienação” do eu lírico. Em “Sob o signo do vagalume: artistas observadores de cidades”, Lívia Flores tomou três artistas e um autor como feixes de uma sugestiva “constelação mínima que se desenha em torno de luzes-fogos que ardem na cidade”, como imagens poético-políticas que amplificam a voz inaudível dos que vivem como restos dos processos urbanos. Cristina Freire nos apresentou um artista espanhol atuante na década de 1970, ainda quase desconhecido no Brasil, mas cuja obra enfocada tanto quanto a curadoria da sua exposição no Museu de Arte Contemporânea da USP, em 2013, promoveram, a partir do artigo “A cidade e o estrangeiro: Isidoro Valcárcel Medina em São Paulo”, uma contundente discussão sobre os limiares críticos entre as noções de projeto, processo, composição e vida no campo artístico e as noções de história, acervo e experimentação que se articulam em “uma sorte de arqueologia do contemporâneo” realizada pela autora no contexto híbrido de um museu universitário de arte contemporânea. A seção Experiências publicou um conjunto de narrativas de um trabalho de campo realizado por alguns membros da pesquisa PRONEM coordenados por Thais de Bhanthumchinda Portela

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que introduziu a seção contextualizando a proposta geral e apresentando os textos produzidos por cada participante, dentre os quais, o seu próprio, “O Exu do percurso”, em que a pesquisadora narrou sua experiência, tomando a cartografia da ação, desenvolvida por Ana Clara Torres Ribeiro, como método e o Exú como sujeito da ação. Janaína Chavier, Blerta Copa, Igor Queiroz e Mariachiara Mondini, em “Tarô de memórias: um jogo de recortes e relações da cidade de Salvador”, ao narrar suas experiências, tomaram como fio condutor um jogo inventado que mistura tarô e jogo da memória: o tarô de memórias. Jurema Moreira Cavalcanti, em “Uma esquina de permanências”, tomou a história oral como ponto de partida, menos pelas suas proposições de método e mais por sua ética de tratamento simétrico entre pesquisador e o “outro”. Luís Guilherme Albuquerque de Andrade enfocou as práticas de lazer em espaços públicos em “O desvio através das práticas de ócio/lazer”. Marina Carmello Cunha, por sua vez, em “A baixa da costureira – reflexões de um fazer campo na Baixa dos Sapateiros”, associou as noções de antropofagia e de paradigma indiciário. Osnildo Adão Wan-Dall Junior fechou a seção com “Experiência das ruínas: ou em busca dos mistérios nas ruas de Salvador”, que integrou trechos de escritos seus produzidos a partir de sua experiência das ruínas. A seção Debates teve como proposta contrapor três diferentes posições acerca do mesmo tema já esboçado na Entrevista acerca da complexa articulação entre história, historiografia, memória e narrativa. O texto de Allan Sampaio e Washington Drummond, “Genealogia e historiografia: dissolução do sujeito, elisão da memória”, se propôs a traçar, como o título indica, algumas relações teóricas entre genealogia, história, historiografia, sujeito e memória. Em “Percursos topográficos e afetivos pela cidade de São Pau-

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lo. Memorialistas, viajantes, moradores, literatos e poetas”, Maria Stella Bresciani discutiu relações semelhantes, mas a partir de experiências em diferentes percursos pela cidade de São Paulo. Já Margareth da Silva Pereira realizou um trabalhoso exercício historiográfico de composição de um panorama do pensamento urbanístico no Brasil, intitulado “O rumor das narrativas: A história da arquitetura e do urbanismo do século XX no Brasil como problema historiográfico – notas para uma avaliação”, buscando compreender como se constituem as redes de conexão entre as ideias, que chamará de nebulosas, pelos seus movimentos de condensação e dispersão nos diferentes contextos acadêmicos brasileiros. Encerrando esta edição, a seção Resenha publicou um texto crítico de Clarissa Moreira, “Da cidade cúmplice à cidade insurgente”, sobre os violentos processos urbanos, “históricos” e em curso, na cidade do Rio de Janeiro, partindo da Exposição Turvações Estratigráficas, de Yuri Firmeza, ocorrida no Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR), novo museu construído dentro do controverso contexto do projeto “Porto Maravilha”, operação urbana consorciada da região portuária da cidade. Este número da revista foi lançado e distribuído no VII ANPUH-BA em Cachoeira/Bahia e, na sequência, no III Encontro Nacional da Associação de Pesquisa e PósGrauação em Arquitetura e Urbanismo (ENANPARQ) e no VII SEPEPUR (ANPUR) que ocorreram em São Paulo e, finalmente, no UrbBA 14, em Salvador. Em sua última edição dedicada ao acompanhamento dos debates e atividades da pesquisa PRONEM, o número 14 da revista foi preparado para ser lançado na ocasião do Corpocidade 4, que reuniu os últimos seminários da pesquisa (público e de articulação) e buscou desdobrar questões já anunciadas no número anterior e, em particular, as articulações entre narração, memória e história

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como possibilidades de tensionar experiências metodológicas de apreensão da cidade. Seguindo a sugestão de Washington Drummond, estabelecemos como fio condutor deste último número da revista a obra de Walter Benjamin, procurando algumas brechas na enorme produção editorial sobre o ensaísta alemão. Nesse sentido, optamos por publicar textos que investigassem o trabalho teórico de pensadores do ciclo de amizades de Benjamin ou de autores que exploram um campo analítico próximo ao nosso autor, além de nossos próprios esforços em atualizar algumas ideias benjaminianas. Buscamos também contemplar práticas estéticas como a fotografia, o cinema, a poesia e o desenho, sobre as quais Benjamin devotou grande parte dos seus insights sobre os modernos e sobre a modernidade urbana. Para introduzir este tema a partir dos campos da Filosofia e da Literatura, a revista publicou uma entrevista com uma das mais importantes pesquisadoras da obra de Walter Benjamin no Brasil, a professora de filosofia da PUC/SP e de teoria literária da UNICAMP, Jeanne Marie Gagnebin, que respondeu as perguntas elaboradas sobre temas variados, como experiência, narração, história, memória, infância e cidades, propostas por Fabiana Dultra Britto e Paola Berenstein Jacques, a partir das reflexões da pesquisadora já publicadas, sobretudo, no livro de referência: História e narração em Walter Benjamin. A seção Ensaios, que já no título traz uma questão tão cara à Walter Benjamin, o “ensaio como forma”, como escreveu Adorno, buscou abranger contribuições vindas de diferentes campos e que usam diferentes formas ensaísticas (desenhos, textos, fotografias). “Anotações sobre a Paris de Benjamin”, com desenhos de Washin-

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gton Drummond, fez alusão às anotações manuscritas feitas por Benjamin nos diferentes cadernos que sobreviveram à guerra demonstrando sua singular forma de trabalho, que opera a partir de constelações de diferentes ideias, referências e citações bem distintas. As anotações em forma de desenhos de Drummond se referem ao texto fundamental de Benjamin para os estudos sobre cidades: “Paris, capital do século XIX”. No texto “História e Dilaceramento”, Vera Casa Nova e Alexandre Rodrigues da Costa abordaram as relações entre o pensamento de Benjamin e o de Georges Bataille, adentrando uma lacuna de alguns pesquisadores brasileiros que ainda não exploraram as profícuas relações estabelecidas no seio do mítico Colégio de Sociologia. Benjamin e Bataille, que viveram a experiência das duas guerras sob os signos do tempo e da ruína, evocaram a história como dilaceramento. Em “Benjamin e Kracauer: algumas passagens”, Danielle Corpas e Carlos Leal traçaram os caminhos cruzados desses dois importantes e pioneiros pesquisadores das manifestações da cultura urbana sob o impacto da produção de mercadorias em massa. Kracauer e Benjamin surgiram, no artigo, elaborando seus temas e pesquisas em diálogo permanente e, sobretudo, muito próximos quanto à compreensão da produção teórica como combate ao conformismo. No texto “Lobisomem na cidade: exceção soberana e demissão subjetiva”, Fernando Ferraz refez o caminho da melancolia na modernidade benjaminiana entre a acedia e a depressão contemporânea. Trazendo o famoso conceito de estado de exceção, explorado por Agamben como leitimotiv contemporâneo, busca, ao lado da leitura benjaminiana da psicanalista Maria Rita Kehl, aproximar política e subjetividade. “Teses sobre Walter Benjamin”, do poeta Raimar Rastelly, cita o pensamento benjaminiano na mais sutil das formas: a escrita. As frases curtas, o humor e a agudeza barroca estão espalhadas no minimalismo e a paródia modernista se volta sobre o seu

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mais instigante intérprete. Para fechar esta seção de ensaios com imagens, em “Rastros do Flâneur”, fotografias de Paola Berenstein Jacques, procuramos abarcar esse universo no qual Benjamin nos legou o importante e instigante ensaio: “A pequena história da fotografia”. As imagens atuais das passagens parisienses e de seu flâneur espectral – como as mercadorias que lhe cercam ou mesmo a própria arquitetura das passagens – cedem uma nebulosa visual ao ensaio benjaminiano ao tempo em que acionam as fantasmagorias provocadas pelo contrapelo da escrita e do visual. Como a técnica fotográfica evoca esses rastros da modernidade urbana, tão bem retratada por Benjamin, que ainda habitam nosso imaginário? A seção Experiências publicou, em seu primeiro bloco, o resultado de um exercício de apreensão de Salvador, desenvolvido por parte dos integrantes da pesquisa PRONEM, como um processo de montagem de micronarrativas da experiência urbana soteropolitana até meados do século XX. Livremente inspirados no texto de Walter Benjamin, “Paris, capital do século XIX”, buscamos compreender a montagem literária do texto benjaminiano e, a partir desta leitura, engendrar diferentes temporalidades históricas: as memórias de juventude do professor Pasqualino Romano Magnavita foram articuladas à pesquisa histórica, teórica e/ou documental feita por cada um dos dez autores, integrantes da pesquisa PRONEM, sobre os fatos narrados em entrevistas com o professor emérito, mas também a partir de reflexões críticas sobre o momento presente da cidade. Fabiana Dultra Britto nos apresentou o processo desse exercício experimental proposto dentro da pesquisa e “Salvador, cidade do século XX: a partir das memórias de Pasqualino Romano Magnavita”, elaborado por Paola Berenstein Jacques, Washington Drummond, Felipe Caldas, Milene Migliano, Osnildo Wan-Dall Junior, Gustavo França, Maria Isabel Menezes,

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Amine Portugal Barbuda, Breno Silva e Lutero Pröscholdt Almeida, que também inclui um caderno de imagens montado por Amine Portugal Barbuda atualizando desenhos de época de Pasqualino Romano Magnavita, constituindo um resultado transitório do profícuo exercício realizado pelo grupo. O segundo bloco da seção traz quatro artigos que apresentaram uma tese de doutorado e três dissertações de mestrado defendidas por egressos do Laboratório Urbano ou integrantes da pesquisa PRONEM, respectivamente: “O artefato cenográfico na invenção do cotidiano espetacularizado”, de Eliezer Rolim; “Dança e intervenção urbana: a contribuição do regime dos editais para a espetacularização da arte e da cidade contemporânea”, de Tiago Nogueira Ribeiro; “Quando o pornô vai à cidade”, de João Soares Pena; e “Narrativas urbanas literárias como apreensão e produção da cidade contemporânea: uma leitura do guia de ruas e mistérios da Bahia de todos os santos”, de Osnildo Adão Wan-Dall Junior. A seção Debates se iniciou com um texto da pesquisadora entrevistada, Jeanne Marie Gagnebin, a partir de sua fala na 27ª Bienal de São Paulo. “Como viver junto? Uma comunidade de estrangeiros” parte de um texto clássico de Georg Simmel, mestre de Walter Benjamin, para nos colocar questões que ainda reverberam na cidade contemporânea como: a nostalgia comunitária, o distanciamento do “homem blasé”, o “lugar” da alteridade e o papel dos estrangeiros, dos nômades e demais errantes ou desviantes nas cidades. Benjamin retomou estas questões sobre a modernidade abordadas inicialmente por Simmel, tendo nas cidades seu principal “laboratório” de estudos da modernidade. Neste momento de modernização urbana também se desenvolvia o cinema filmado nas ruas e é exatamente esta relação entre cinema e cidade que José Francisco Serafim buscou tratar em “A cidade no cinema

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documental dos anos 1920”. Aprofundando a questão do cinema e, em particular, a questão da montagem a partir de imagens, em “Horizonte distante: Warburg, Glauber e a fabricação da história dos afetos”, Ana Ligia Leite e Aguiar trouxe formulações sobre uma historiografia imagética (ou historiografia das imagens) desenvolvidas por Benjamin e Warburg sob o impacto tanto das fotografias quanto do cinema. A iconologia do intervalo e as imagens dialéticas são duas possibilidades de investigar o tempo moderno da historiografia desafiadas pelo imaginário das imagens reprodutíveis, desafio tomado como programa pelo cineasta Glauber Rocha. Encerrando esta última edição, na seção Resenha, publicamos a resenha do filósofo Rodrigo Araújo sobre o livro Imagens de pensamento – Sobre o haxixe e outras drogas, de Walter Benjamin. O texto avançou uma análise da obra, generosamente excedendo a simples resenha em direção a um estudo das concepções textuais benjaminianas. Esse número da revista foi lançado e distribuído durante o Corpocidade 4, em Salvador, e no XVI ENANPUR (Encontro Nacional da ANPUR), em Belo Horizonte. --Como podemos ver ao longo do relato acima, apesar de sempre explorar a polifonia, o debate e a transdisciplinaridade, a revista Redobra buscou manter seu foco central nos seis números que acompanharam a pesquisa PRONEM, na tríade principal trabalhada pelo grupo – experiência, apreensão, urbanismo – perpassando a cada edição por todas nossas três linhas temáticas: 1. Subjetividade, corpo, arte; 2. Alteridade, imagem, etnografia; 3. Memória, narração, história, com menor ou maior ênfase em cada uma. Em cada número da revista um campo foi privilegiado – arte, etnografia, história - mas sempre em tensão com os demais e, sobretudo, com

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o campo do urbanismo. A revista funcionou efetivamente como um sismógrafo sensível, um tipo de sensor que detectou e registrou os diferentes movimentos e oscilações no decorrer de nosso longo processo, polifônico e caleidoscópico, de pesquisa. A palavra “sismógrafo” surge duas vezes no último número publicado da revista (14), na entrevista que abre a edição, Jeanne Marie Gagnebin cita Paul Ricoeur, que dizia que as obras literárias funcionam como um tipo de sismógrafo privilegiado, e no último artigo, Ana Lígia Leite e Aguiar cita Giorgio Agamben no seu famoso artigo sobre Aby Warburg,3 onde o filósofo diz que o historiador da arte considerava artistas, sábios e historiadores “como sismógrafos hipersensíveis que respondem ao tremor de agitações longínquas ou como “necromanes” que, de plena consciência, evocam os espectros que os ameaçam”. Warburg escreveu, sobre Burckhardt e Nietzsche: “Os dois são sismógrafos muito sensíveis, cujas bases tremem quando eles recebem e transmitem as ondas [de choque, de memória]”. Georges Didi-Huberman considera que Warburg fazia uma “Sismografia dos tempos moventes”, e explica que: “o sismógrafo é um aparelho capaz de registar movimentos subterrâneos – invisíveis ou até imperceptíveis”4. Como sabemos, Warburg criou o Atlas Mnemosyne, entre 1924 e 1929, que restou inacabado, transformando para sempre a história da arte e a iconografia (e a iconologia) ao incorporar a questão da memória involuntária e do que ele chamava de sobrevivências (Nachleben). Como diz Didi-Huberman: “Mnemosyne foi sua paradoxal obra prima e seu testamento metodológico” pois reúne todos os objetos de sua pesquisa em um dispositivo de “painéis móveis” constantemente montados, desmontados, remontados. Seguindo o mesmo princípio metodológico da montagem e de seu complexo

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processo de contínuas desmontagens e remontagens, propomos a seguir uma série de remontagens – como um tipo de Atlas dos movimentos registrados pelo/no sismógrafo-revista – dos seis números (também pensados originalmente como montagens) da revista Redobra que acompanharam, como um sismógrafo sensível e polifônico, a pesquisa PRONEM .

NOTAS Anúncio da revista Angelus Novus, que nunca chegou a ver a luz do dia. 1_

Coordenação editorial: Fabiana Dultra Britto e Paola Berenstein Jacques. Todos os números da revista estão disponíveis on-line em: www. redobra.ufba.br 2_

Giorgio Agamben, Aby Warburg e a ciência sem nome, Arte&Ensaios 19, 2009. 3_

Georges Didi-Huberman, A imagem sobrevivente. História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg, Rio de Janeiro: Contraponto, 2013. 4_

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MONTAGENS *


Eu tenho uma leitura da cartografia como sendo a construção do espaço realizada pelo sujeito pelo ator e pelos gestos dele. Então é essa cartografia que me interessa e _R 9 P 16.

essa é uma cartografia da ação, ela não é uma cartografia social. Porque a cartogra-

Ribeiro

Se ela se apresenta como neutra está seguindo a dominação. Então, não é toda cartografia que devemos fazer. _ Ana Clara Torres

*

pré-seleção: Paola Berenstein Jacques, Washington Drummond e Janaína Chavier montagens: Daniel Sabóia, Janaína Chavier e Patricia Almeida

caso é a construção do espaço pelos gestos.

fia social está preocupada com os indicadores, com as desigualdades sociais, e no meu _ Ana Clara Torres Ribeiro

_R 9 P 9

A cartografia é um instrumento de poder, nós sabemos. _ Ana Clara Torres Ribeiro _R 9 P 16

REDOBRA 9

_R 9 P 7

A cartografia que me interessa apoia a ação. Então um dos mapas mais lindos pra mim, um dos mais importantes, é o mapa da resistência francesa que está num livro que é sobre Walter Benjamim, que chama “Por Walter Benjamin”, o livro tem um mapa que pra mim é maravilhoso, é o mapa da resistência que atravessa os Pirineus. _ Ana Clara Torres Ribeiro _R 9 P 10


_R 9 P 6

A cartografia fica, entre aspas, como uma espécie de suporte a uma narração. _Ana Clara Torres Ribeiro

_R 9 P 19

Digamos, um suporte a uma narração, a uma narrativa ou a expressão dela, ao resultado dela, seja qual narrativa que seja, porque pode ser a da imprensa, a do sujeito, a do Estado.

Torres Ribeiro _R9P16.

_ Ana Clara

_R 9 P 19

isso, não tem sentido.

ajudar o sujeito da ação se não for

a criar as problemáticas, ou é pra

simplesmente ela é ou para ajudar

sujeito da ação. A carta e do

no nosso caso aqui, da ação

A finalidade é um entendimento,

_ Ana Clara Torres Ribeiro

Por isso que tem que ver qual é a cartografia que é útil pra ação de quem. Então quer dizer, quando tem essa do Walter Benjamin, nós sabemos pra quem ela é útil. Então temos que ver qual é o sujeito da ação que nós vamos atender. Porque ela não é neutra, nunca. _ Ana Clara Torres Ribeiro

_R 9 P 16.


O espaço público é, fundamentalmente, lugar de conflito e dissenso desde a pólis grega onde a ágora era o lugar das discussões dos assuntos públicos, da política. Do mesmo modo, há inúmeras tentativas de expropriação desse caráter dos espaços públicos na cidade contemporânea. _ João Soares Pena e Osnildo Adão Wan-Dall Junior ._R 9 P 47.

um

diálogo

interdisciplinar

em construção, nesses tempos difíceis, que resiste a uma análise sistemática. Essa resistência, creio, origina-se do predomínio de acordos tácitos,

dos

consensos

muito

rápidos, da tentação pelas grandes sínteses e das imagens impactantes do presente, além da influência do

pensamento

pragmático,

que

operacional

e

desaconselha

investimentos intelectuais de maior duração.

_ Ana Clara Torres Ribeiro

._R 9 P 58.

A intenção, com ações deste tipo, é pacificar o espaço público. Entretanto, é possível minar essas tentativas e resistir à transformação do espaço público em lugar homogêneo, consensual e produto midiático, pois “o desentendimento, a explicitação de dissensos, seria uma forma ativa de resistência, de ação política” (JACQUES, 2009) _ João Soares Pena e Osnildo Adão Wan-Dall Junior _R 9 P 47


_R9P61

_Gabriel Schvarsberg

_ Ana Clara Torres Ribeiro.

da resistência ao pensamento dominante.

ousam propor os conceitos e os métodos

perdas simbólicas relevantes para os que

navegação difícil e de altíssimo risco de

Este é, portanto, um período de

Vive-se, de forma silenciosa, um novo tipo de mal estar, resultante de bloqueios não explicitados ao pensamento radical e livre. Esse impedimento decorre de uma verdadeira sobrecarga de senso comum e de informações desconexas mantidas num plano pré-analítico. Com tanta euforia participativa e tantos ativismos espetaculares, define-se um período contraditoriamente marcado por riscos de consenso aparente e carregado de violência simbólica e, assim, de mecanismos de coerção que desafiam, particularmente, a arquitetura e o urbanismo. (…) Eis aqui, talvez, a última (e primeira) fronteira a ser trabalhada pelo diálogo interdisciplinar. Trata-se da necessidade de desencantar acordos tácitos; de conceber novos objetos de estudo e de criar áreas mais sólidas para a reflexão intersubjetiva e ética das condições de vida da maioria. _ Ana Clara Torres Ribeiro _R 9 P 60

_R 9 P 167.

Para Milton Santos, os espaços opacos, representados como feios, sem interesse ou perigosos pelo pensamento dominante, oferecem materializações de racionalidades alternativas e saberes relacionados a apropriação socialmente necessária dos recursos disponíveis, possibilitando a sua multiplicação. _ Ana Clara Torres Ribeiro _R 9 P 68


Em vez da ação que preserva a espontaneidade e que procura compreender os muitos outros em suas próprias circunstâncias, adotam-se intervenções que buscam a rendição do Outro, envolto ideologicamente nas propriedades consideradas mais relevantes de um determinado território. Em acréscimo, a redução de sentidos da ação social, que atinge a qualidade da política, traduz-se em militarização do cotidiano, independentemente dos atores sociais envolvidos. (...) Do lado da sociologia, cabe a valorização dos muitos outros do território usado. Do urbanismo crítico, podem ser esperadas contribuições dirigidas a valorização do espaço socialmente apropriado, do território usado, das rugosidades, do homem lento. Esta soma não significa uma segura decodificação do poder, ao contrário. Ainda caberia acrescentar que a redução do espaço ao território, juntamente com a redução da ação social aos termos da ação estratégica, estimula a difusão, sem maiores críticas, de um discurso maniqueísta da experiência coletiva, que opõe o bom e o mau, o amigo (ou irmão) e o inimigo, o eficiente e o amador, o “antenado com o mundo” e o superado. _ Ana Clara Torres Ribeiro _R 9 P 64


_ Gabriel Schvarsberg

_R 9 P 162.


_ Pasqualino Magnavita _R 9 P 190 e 191.



A rugosidade, como acúmulo de tempos que conforma o espaço, condiciona os futuros possíveis. Interfere na disputa entre futuros que acontece a cada momento, para aqui recordarmos a leitura de Lefebvre do devir social. (...) A rugosidade é vinco, conjunto de rugas, marcas, memórias. Sem ela, não existiriam sobrevivências que particularizam e singularizam as formações sociais e, especialmente, os lugares. _ Ana Clara Torres Ribeiro ._R 9 P 68 e 69

A cidade como lugar do estranho e do diverso, para além da comunidade de iguais, a cidade como testemunho dos acontecimentos – vistos como diferença – assim como possibilidade do encontro com outros tempos, para além da memória oficializada, para além da musificação e patrimonialização, para além da repetição cotidiana e da produção de uma presentificação do tempo, pode testemunhar por seus espaços e por sua duração, nas suas dobras e opacidades, nas suas rugosidades, uma lentidão que resiste ao ritmo voraz de uma transformação que torna translúcidos os processos de produção do mesmo, de extensão e de duração como uma espécie de esfacelamento e apagamento. _ Cibele Rizek _R 9 P 73


_ Jana lopes _R 9 P 104


_ Francesco Careri et alli _R 9 P 42 e 43


No que tange a sociologia, proponho, recordando Guimarães Rosa, que a sua contribuição seja compreendida como uma especie de Terceira Margem. A sua relação com a questão do poder é profundamente diferente da relação historicamente mantida pela geografia e pelo urbanismo. _ Ana Clara Torres Ribeiro _R 9 P 70

Talvez o pressuposto não seja o sujeito, mas essa dinâmica que se instaura e que não é o sujeito. Que não é ele que instaura sozinho. É nessa outra dimensão que eu estou querendo pensar, de um sujeito que talvez não seja o parâmetro. _ Fabiana Britto _R 9 P1 70

A construção da proposta partiu do desenvolvimento de uma metodologia com passos genéricos que levam a uma intervenção urbana baseada em premissas inspiradas nos próprios moradores de rua como flexibilidade, movimento, improviso, reciclagem, adaptação, novas experiências, desvios de função, diversidade e heterogeneidade. Desse modo, elaborou-se estruturas-base, interativas e flexíveis, que funcionam como suporte a realização das diversas atividades, adotando como escala referencial a escala micro, do detalhe, dos gestos e da experiência corporal que fazem o espaço acontecer. _ Jana Lopes _R 9 P 98


A experiência interior, ou mística, em Battaille, é a da dissolução do indivíduo. Quando ela se esgota a sociedade recupera, dá ao indivíduo nome, lugar, função etc. Mas o momento em que ela acontece é do apagamento. _ Washington Drummond _R 9 P 157 .

Pensando na sobreposição das esferas, público x privado, as redes sociais, como já fora citado, não seriam também um espaço político, além da “exposição da intimidade no social” _ Ícaro Vilaça _R 9 P 135 O lugar do discurso na pólis era fundamental, o lugar da fala, mas principalmente o da escuta. Quando algum cidadão assumia o lugar da fala e não se afirmava efetivamente enquanto uma individualidade que merecesse a escuta, os demais tampavam os ouvidos para não escutá-lo. E neste sentido, questiono a aproximação das redes sociais com a esfera pública de Arendt (referenciada na experiência grega), pois, neste dispositivo não há escuta, todos falam ao mesmo tempo. Não dá pra escutar todo mundo. _ Thais Portela _R 9 P 144

Sugiro pensar a rede (internet) como um dispositivo técnico, que cria uma esfera oscilante, ora pública, ora privada, ora social (ou ainda da intimidade). _ Fernando Ferraz _R 9 P 135.


Considero muito simplória a associação direta entre esfera públicas e as redes, pois tal mecanismo de não acessar conteúdos não tem nenhuma correspondência com a embate entre discurso e escuta relatado por Arendt. Internet não é o espaço do debate, é um dispositivo de exposição. Entendo que sem o debate não há esfera pública. _ Fabiana Britto _R 9 P 124.

. R 9 P 159_. Por sermos um grupo de pesquisa, penso que a preocupação não seja a de encontrar uma metodologia. Talvez o reconhecimento da complexidade da cidade contemporânea seja já um indicativo da impossibilidade de definir uma metodologia de apreensão. Este um enfoque necessário para pensar em que medida precisamos de metodologias. _ Fabiana Britto

As experiências de apreensão e investigação do espaço urbano pelos errantes e, em particular, as narrativas errantes resultantes – artísticas, literárias, etnográficas, cinematográficas ou cartográficas – apontam, portanto, para uma possibilidade de urbanismo mais incorporado. Estas narrativas funcionam como um tipo de contra-produção de subjetividades que embaralha um pouco algumas certezas, preconceitos e estereótipos do pensamento urbanístico. A experiência errática da cidade, como possibilidade de experiência da alteridade urbana, e as narrativas errantes, como sua forma de transmissão, podem operar como um potente desestabilizador das partilhas hegemônicas do sensível e das atuais configurações anestesiadas dos desejos.

_ Paola Berenstein Jacques

_R 9 P 200.


A Cidade para nós arquitetos e urbanistas se situa na forma de pensar e criar da Arte, um bloco de sensações constituído por criativas percepções (Perceptos) e Afectos (não meros sentimentos, afeições), e isso, enquanto “Lógica dos sentidos”. (…) A Cidade, através das práticas de seus cidadãos, pressupõe essas três formas de pensar e criar e, portanto, constituem uma realidade onde os conceitos, as funções e as sensações se cruzam se entrelaçam e fazem do pensamento sobre a cidade e suas criações (Acontecimentos) uma Heterogênese. Sendo a Cidade uma obra de arte, um bloco de sensações, outro eixo “metodológico” a ser evidenciado seria o Corpo e seus sentidos, mas também, um corpo afetivo, desejante (desejo não como falta, mas enquanto criação, um Corpo sem órgãos). Corpo não apenas como comportamento normativo, mas de movimentos, gestos, posturas capazes de afetar o espaço urbano com atitudes singulares, criativas, praticas dissensuais e que permitem novas percepções e afetividades urbanas, e isso, enquanto “Figuras Estéticas”. _ Pasqualino Magnavita _R 9 P 209


A nossa experiência tem como campo investigativo a cidade, portanto o espaço público. Nós estamos aqui discutindo o “experienciar”. Algo experimental pode estar ligado ao fazer experimento. Mas também, pode ser algo “sempre por terminar”, da ordem do inacabado, ou “sempre em aberto”. _ Fernando Ferraz. ._R 9 P 171.

_ Jana lopes _R 9 P 104

A cidade viva e experimental, e plena de rugosidades, não morreu. Apesar dos impactos da crise societária, esta cidade permanece ativa na tessitura do cotidiano. Dai a importância do reconhecimento da ação possível ao sujeito social. E este o sujeito da cartografia da ação, que habita (e produz) território usado. Sem esta cartografia, viabiliza-se a afirmação de leituras da experiência urbana que, em vez da negociação, propõem idealmente a rendição (ou eliminação física) dos muitos outros. _ Ana Clara Torres Ribeiro _R9P66


_ João Sores Pena e Osnildo Adão Wan-Dall Junior _R 9 P 50

Mesmo proporcionada pela cultura, a experiência do impossível em Bataille rompe com ela no momento de sua realização, explodindo em mil intensidades que se reagrupam e escapam do imaginário ou discursivo e só reconhece a sua própria forca, expansão e apagamento. Impossível de conduzi-la a uma finalidade, aos desejos prosaicos da vida em comum, pois ela atua como uma ameaça no proscênio da constituição do social e da cultura. _ Washington Drummond

._R 9 P 216 e 217


Mais do que definir um objeto de estudo, o trabalho procurou configurar-se como um exercício de experimentação desta operação que se faz com objetos, sobre objetos, contra objetos: o movimento como desvio, ou os desvios pelo movimento. O desvio qualifica este movimento, colocando-o sempre em relação a algo com o que não pode ou não quer estar conforme. Apresenta-se, portanto, como elemento critico que, por estar em movimento, já aponta sempre outra direção. Os objetos aqui submetidos a esta operação são: o urbanismo enquanto pensamento e prática; a cidade, como campo de forcas; e as ruas, como experiência vivida e cotidiana. _ Gabriel Schvarsberg

_R 9 P 171

Colocar-se como sujeito político é uma coisa “tensa”, não nos coloca num lugar de segurança, de abrigo ou de conforto. _ Washington Drummond

._R 9 P 160 e 161.

Errar, ou seja, a prática da errância, pode ser um instrumento da experiência de alteridade na cidade, uma ferramenta subjetiva e singular – o contrário de um metodo tradicional. A errância urbana é uma apologia da experiência da cidade, que pode ser praticada por qualquer um, mas que o errante pratica de forma voluntária. O errante, então, é aquele que busca um estado de corpo errante, que experimenta a cidade através das errâncias, que se preocupa mais com as práticas, ações e percursos, do que com as representações, planificações ou projeções. _ Paola Berenstein Jacques _R 9 P 197


Em meio a tal contexto de produção de cidade, fica evidente que signos e códigos aos quais são submetidos os territórios são cruciais para facilitar sua leitura por parte daqueles que vivenciam o espaço urbano, bem como para seu controle pelo aparelho de Estado que salvaguarda os interesses do capital imobiliário, turístico e etc. O espaço urbano é ordenado, regulamentado, museificado para ser apreendido como uma unidade discursiva coesa, do qual se espera que algo seja dito, do qual se espera uma única verdade que elimina as ambigüidades, as confusões e as incongruências da cidade vivida. Através dos dispositivos criados entorno dos ‘re’, operam-se campos de visibilidade – museus, monumentos, patrimônios, dentre outros – capazes de sedimentar saberes que garantem a manutenção dos interesses da ordem dominante. _ Clara Pignaton

_R 9 P 147

Entretanto, retomemos um ponto precioso das reflexões foucaultianas acerca do sujeito e sua indicação de que talvez não nos seja permitido pensar qualquer experiência que seja sem colocar sobre fogo cerrado o estatuto do sujeito e sua função fundadora, do contrário estaríamos sempre no espaço viciado da filosofia do sujeito. Nos termos evocados por Foucault será preciso, com a proveitosa leitura de Nietzsche, Blanchot, Bataille, submeter a questão do sujeito a uma experiência que “chegaria a sua destruição real, a sua dissociação, a sua explosão, o seu retorno como qualquer outra coisa”. _ Washington Drummond ._R 9 P 216.


_ Rafael Luís Souza _R 9 P 114.


Então me interessava esse sentido de ter na mão, ter entre as mãos, não num sentido demiúrgico, do demiurgo que tem as mãos sobre a cidade, mas mais no sentido do artesão que faz as coisas com as mãos, entre as mãos. Herdar é prendre dans les mains (pegar nas mãos), apreender é primeiro saisir entre les mains (apanhar entre as mãos) e, em seguida, saisir (apren-

Eu gosto muito da palavra apreender que existe em português mas que não existe em italiano, existe como nome, substantivo, apreensão, mas não existe como ação, como verbo, apreender. Quando eu descobri essa palavra foi muito importante para mim, porque apreensão em italiano está somente relacionado com medo, qualquer medo, uma angústia. _ Alessia de Biase _R 10 P 5 e 6

REDOBRA 10

der) intelectualmente, compreender.

_ Alessia de Biase

. _R 10 P 6.

Então eu pensava que, em francês, appréhender (apreender) e apprendre (aprender) era a mesma coisa, e quando eu descobri que não era a mesma coisa, porque em italiano não tem essa ação e não tem esse segundo significado, para mim importantíssimo, quando eu descobri isso, eu disse: é isso que nós estamos fazendo! O que eu gosto muito em apreender, é o sentido de pegar com as mãos. _ Alessia de Biase _R 10 P 6

Por isso que digo que a grelha ajuda a se perder, porque na nossa maneira de caminhar nas ruas da cidade, nós sabemos, de forma consciente ou não, onde estão algumas fronteiras, só caminhando... Essa é uma herança dos situacionistas, dos jogos psicogeográficos, como, por exemplo, ao caminhar, pegar a primeira rua à direita e depois a primeira rua à esquerda, essa era também uma maneira de desvia. _ Alessia de Biase

_R 10 P 10


_R 10 P 99

A grelha não é parecida em lugares diferentes, o tamanho da grelha é algo que o pesquisador trabalha mesmo corporalmente na cidade. Fizemos experiências disso entre Paris e Bordeaux. Quando fizemos a experiência em Salvador fizemos a grelha do mesmo tamanho de Paris, mas isso foi logo no início. Agora, depois da experiência em Bordeaux, seria bom ver o tamanho da grelha em Salvador. Porque o tamanho é ligado à experiência urbana que você tem. _ Alessia de Biase _R 10 P 9

Pensando a cidade como um ambiente que tanto promove quanto resulta de processos que se instauram pelas dinâmicas de negociação cotidiana dos seus habitantes nos espaços públicos, a oficina Composição do Comum propôs aos participantes uma experiência de apreensão da cidade pela prática de percepção das suas próprias condutas de convívio, num exercício coletivo de composição coreográfica com objetos e pessoas, para testar, em estúdio, modos de elaboração de um sistema organizado a partir da contínua negociação entre os propósitos individuais das ações dos participantes e os propósitos coletivos de uma composição do comum – como é a própria vida pública. _ Fabiana Dultra Britto _R 10 P 113


lavra aos nativos” ou ter um “espírito etnográfico”. Fazer etnografia supõe uma vocação de desenraizamento, uma formação para ver o mundo de maneira descentrada, uma preparação teórica para entender o “campo” que queremos pesquisar, um “se jogar de cabeça” no mundo que pretendemos desvendar, um tempo prolongado dialogando com as pessoas que almejamos entender, um “levar a sério” sua palavra, um encontrar uma ordem nas coisas e, depois, um colocar as coisas em ordem mediante uma escrita realista, polifônica e intersubjetiva. _ Urpi Montoya Uriarte . _R10P187

_R 10 P 24

apenas em “ir a campo”, “ceder a pa-

Ferraz, Luiz Antonio de Souza e Washington Drummond

rigor, fazer etnografia não consiste

pria face: a falsa dicotomia entre prática e teoria, a autonomia da metodologia, a recusa à abstração. _ Fernando

podemos todos ser etnógrafos? A

trans disciplinaridade, no caso sob os auspícios do estético, numa gestão dessa diferença que espelha a sua pró-

gunta que deu título a este trabalho:

e restringindo, hoje se recompõem numa virada astuciosa, a saber: incorporar a diferença enquanto multi/inter/

urbana atual gostaria de voltar à per-

estratégias e quais as estratégias institucionais? Pois, se um dia pautaram-se pelo domínio discursivo, impondo

à questão da narrativa etnográfica

produção de saber, a circunscrição dos discursos aos modos estabelecidos de enunciação, quais seriam nossas

levou da Antropologia do século XIX

Se uma análise institucional indicaria as formas pelas quais são garantidas a sobrevivência dos seus regimes de

Após este longo percurso que nos


É isso, mas só para concluir sobre as biografias das pessoas, quando você faz esses mapas, são mapas maravilhosos, mas são objetos singulares, o problema é: comoeufaçopassardosingularaocoletivo? Esse é um problema da Antropologia, como faço esse salto trabalhando com esse coletivo que não esquece o singular? _ Alessia de Biase ._R 10 P 12.


A postura antropológica é intimamente ligada à maneira de se perguntar incansavelmente sobre a realidade que está na nossa frente e, por isso, o detalhe ganha significado. _ Alessia de Biase _R 10 P 13 e 14

_ Janaína Bechler _R 10 P 61


Sim, é isso, por isso que empiria impertinente seria uma empiria na frente de tudo, antes de tudo nós vamos tocar as coisas [bate na mesa], a realidade, e depois falamos entre nós, só depois... Mas como nós tocamos a realidade [bate na mesa] também é uma maneira impertinente, como nos colocamos, trabalhamos juntos etc. _ Alessia de Biase _R 10 P 19

Não se tem nunca uma só maneira de ver, por isso eu falo de uma postura antropológica, que é mais uma maneira de estar aberto – como um bom antropólogo ao fazer etnografia – ao fazer um trabalho de campo, é estar aberto para compreender como funciona o mundo e compreender todas as relações que os outros estão contando para nós. _ Alessia de Biase .._R 10 P 14.


locci e Maria Rocco

_R 10 P 95

_R 10 P 18

Nos dias atuais, a apreensão urbana traduz simplesmente em medo: espaços públicos não são mais lugares de encontro com o outro e sim, cada vez mais, um espaço do medo do outro - um diferente ou um estranho do qual precisamos nos defender e proteger. _ Francesco Careri, Giorgio Ta-

Biase

_R 10 P 30 Magnavita

Em narrativas históricas da modernidade, e em diferentes textos atuais, acadêmicos ou não, lamenta-se o “empobrecimento da experiência”, frente ao condicionamento dos atuais modos (...). O importante não é lamentar a perda, mas criar eticamente algo na variação contínua da existência. _ Pasqualino

Agora, é muito confortável se fazer só teoria: você está bem confortável na sua casa, sozinho, ninguém lhe chateia, você e seu computador, fantástico! Então, você escreve, você se lê, uma ligação amorosa entre você e você... [risos] Não estou dizendo que isto não seja necessário, é importante que tenha gente que faça isso, mas para o Laboratório a empiria é necessária, tem que antes de se sentar, correr um pouco pela cidade, suar um pouco antes de se sentar, e o impertinente é o lado indisciplinado, você pode fazer empiria, trabalho de campo, sem seguir as regras mais rígidas de fazer o trabalho de campo. _ Alessia de

Pode-se lembrar ainda com Benjamin, um Proust descrevendo o acordar e o adormecer – um estar adormecendo e acordando – momentos de indecisão, de indecidibilidade, matrizes de uma outra experiência de tempo e de memória, que embaralham sonho e vigília, realidade e ficção. Seria então necessário recuperar como alvo e objeto de reflexão e como possibilidade de pensar e nomear os territórios do indeterminado, da suspensão, da hesitação, do tatear, contra as classificações apressadas. _ Cibele Rizek

._R 10 P 34


Valeria, num seminário como este, procurar relacionar não o que pode o corpo, mas, o que podem multidões de corpos que habitam e agem numa rede aberta de cidades, enquanto experiências urbanas contemporâneas, (...) pois, a atual dinâmica planetária do capitalismo, vem determinando o que podem os corpos. _ Pasqualino Magnavita

._R 10 P 34

A questão não é apenas lamentar o empobrecimento da experiência, mas, reconhecer a riqueza e potencialidade das novas tecnologias e que, dependendo da criatividade daqueles que as usam, elas podem se tornar instrumento de resistência ao controle social existente. Pois, se o empobrecimento da experiência refere-se à real possibilidade dos sentidos enquanto organismo (visão, audição, olfato, paladar e pele), e que continuam inalienáveis nos corpos, o importante é reconhecer que a desterritorialização dessa estratificação orgânica, não é propriamente um empobrecimento, mas, uma maior possibilidade de criar (…) enquanto corpos desejantes, em que o desejo não é carência, mas Acontecimento, Criação. _ Pasqualino Magnavita _R 10 P 30 e 31

medos e fantasmas de violência do cotidiano. _ Andrea Maciel ._R 10 P 54.

Os limiares são zonas menos definidas que as fronteiras. Lembram fluxos e contrafluxos, viagens, desejo. A confusão linguística e semântica entre limite e limiar faz esquecer que esse último aponta para um lugar e um tempo intermediários e indeterminados que podem ter extensão indefinida. _ Cibele Rizek

A dimensão política desse corpo das margens catalisado pela performance O Chão nas Cidades revelou na sua precariedade potências vitais. De fato, eles se revelaram como artérias responsáveis por irrigar um frágil tecido social com práticas de sobrevivência e pactos de confiança frente aos

._R 10 P 30 e 31.


Britto

_R 10 P 75 e 76

As apresentações conseguiram explicitar (às vezes mais nos comportamentos do que nos discursos) dificuldades e problemas na articulação entre a experiência vivida e as formas de compartilhamento delas, trazendo à tona, a já clássica – embora ainda mal resolvida – separação entre as práticas teórica e empírica, juntamente com todo o seu corolário de subtemas ainda recorrentes: a noção de sujeito, a noção de autonomia e de independência, a noção de hierarquia (seja ela de situação, de função, de poder ou outra), a noção de experiência e de participação, a noção de público e de coletivo, entre outras... _ Fabiana Dultra

A Antropologia da transformação é uma exploração da metamorfose urbana feita por pequenos gestos, ensaios, materiais recosturados, pedaços de pensamento colados uns aos outros e não por grandes ideias ou teorias... _ Alessia de Biase _R 10 P 201 Olivieri

_R 10 P 65

“Cotidianidade não é evidência, mas opacidade”. Esta “constatação elementar” do escritor e ensaísta Georges Perec – que já há algum tempo me instigava – foi o ponto de partida para compreender a opacidade como uma qualidade inerente, intrínseca e intermitente dos espaços urbanos, que se manifesta até mesmo naqueles mais espetacularizados e “luminosos”, pois o que conta para essa manifestação é sobretudo o regime temporal da experiência no espaço, através do espaço – não o espaço em si. _ Silvana


A primeira imagem que nos chega é o protagonismo do corpo (já delimitado pelo tipo de prática artística contemporânea

escolhida:

body

art,

performance,

intervenção) que condiciona sua potência ao estatuto do corpo como suporte, o que na visão dos pesquisadores poderia dar não apenas um vetor de diferenciação, mas a superação de um exercício investigativo que se caracterizaria tanto pela postura de “gabinete”, quanto por uma excessiva aventura teoricizante, inócua e árida. Por outro lado, a inclusão da gestualidade e da “incorporação” do ato de pesquisa a qualificaria como ato de presença e daí seu primeiro viés “etnográfico”, o espontaneísmo e todos os correlatos russeístas: os perigos de uma etnografia selvagem como paradigma de um contato mais

profundo do que aquele propiciado pelo conceito e pela abstração teórica. A membrana estética recobriria então a investigação urbana, numa dupla crítica aos fazeres dos pesquisadores agora prosaicos e ultrapassados, com os dons de uma partilha cristã do sensível (a teoria é cinza e mefítica!) e uma nova abordagem metodológica afinada aos tempos, posto que colaborativa (o conceito parece ainda muito próximo do nome próprio e da tradição moderna!). Eis sem delongas, a nossa zona de risco. _ Fernando Ferraz, Luiz Antonio de Souza e Washington Drummond

_R10P23

_ Silvana Olivieri e Amine Portugal _R 10 P 66 e 67.


_ ร caro Vilaรงa e Amine Portugal _R 10 P 142


entretanto

fundamentais

para

aprender e apreender as coisas, para estar no mundo. Neste sentido, o que nos interessa é explorar no “fazer a cidade” no seu ato, no seu processo de construção material que coloca em ação uma abordagem que poderíamos definir como artesanal de apreensão do mundo. _ Alessia de Biase

_R 10 P 201

_R 10 P 199

A empiria e a experiência são

_ Alessia de Biase

._R 10 P 197

Aprender a olhar, falar e trabalhar juntos em torno de um objeto, como a transformação, se tornou então um dos nossos desafios: se desarmar, parafraseando Georges Didi Huberman, de seus habitus disciplinares (sem nunca renunciar a suas próprias ferramentas) – processo extremamente complicado e longo de se colocar em prática, um verdadeiro exercício de paciência – para se rearmar de um novo olhar e uma nova linguagem em comum.

Mas se consideramos – reenvindicando uma filiação e a herança escolhida – a “arquitetura”, não somente como um objeto mas também como um processo de produção espacial coletiva em contínua negociação, encontraremos campos que se abrem para uma antropologia de novos e interessantes objetos. _ Alessia de Biase


Rachel Thomas

_R 10 P 207.

Uriarte

de reflexão.._

plexo e oferece de fato múltiplas pistas

também é bastante vasto, muito com-

apreensão? O tema é ambicioso. Ele

quais noções conceituais ancorar esta

Em qual filiação teórica e segundo

rânea? Quais metodologias utilizar?

Como apreender a cidade contempo-

_ Carolina de Castro Anselmo _R 10 P 166

O passageiro, o emergente,

o fugaz, são características

de fenômenos urbanos que

precisamos

_R 10 P 184

aprender a

considerar objetos, além de

aprender a narrar. _ Urpi Montoya


_ Ana Rizek Sheldon, Renata Roel, Thiago Sampaio, Isaura Tupiniquim, Cinara d’Alva e Maíra Spanghero _R 10 P 113.

Neste contexto do trabalho a ruptura com o campo só tem necessariamente sentido quando ela conduz em direção a formas de diálogo entre os pesquisadores implicados e favorece debates contraditórios entre seus diferentes modos

de

inteligibilidade

sensível. _ Rachel Thomas

_R 10 P 213

do


REDOBRA 11

_R 11 P 49

e a caminhada como instrumento para diminuir o medo, a apreensão, você está sempre em um estado de apreensão mas não tão aterrorizado, não é mais o medo que paralisa... _ Francesco Careri _R 11 P 14

_ Milene Migliano

(…)

Atualizamos o “O divisor”, obra de Ligia Pape, 1968, em uma performance pelas ruas da cidade. O tecido que une as pessoas foi confeccionado observando as singularidades do trabalho original mas mudando a cor para um azul profundo. Foi vestido na Praça Sete, localizada a 300 metros da Praça da Estação e o mar então desceu a Avenida Amazonas desaguando na Praia da Estação.

Usamos então a caminhada como metodologia para se dar a possibilidade do acaso, de tropeçar em algum lugar, de ter um tipo de ancoragem com a realidade, com alguém, com um Stalker local para nos fazer compreender melhor,

A caminhada surgiu de um desejo de conhecermos o que existia do outro lado, além da cidade que nos contavam os nossos professores (Faculdade de Arquitetura de Roma). _ Francesco Careri

_R 11 P 9


Conformam uma prática espacial que aplica a palavra na paisagem política árida e, ao mesmo tempo, reivindica o uso coletivo e público do espaço cada vez mais privatizado. _ Piseagrama ._R 11 P 64.

Havia todo um problema sobre a representação, como representar, já falei disso, da cartografia, o Planisfero Roma, o vídeo de Aldo, as belas imagens de Romolo e Giovanna, o jornal íntimo de Lorenzo, tínhamos vários materiais que eram testemunhas do que fizemos que poderiam ser vendidos, comprados pelo mercado de arte. _ Francesco Careri _R 11 P 11

A construção de uma rede metropolitana de afetos enquanto prática de resistência cultural e artística às receitas globais de revitalização das metrópoles parece ser o caminho indicado por essas recentes experiências. _ Barbara Szaniecki e Cristina Ribas _R 11 P 61

Leitor e autor do mapa são sujeitos ativos na comunicação cartográfica, devem lutar para isso. É preciso, na montagem ou leitura de um mapa, estar à espreita,10 reparar, espiar, reinventar e, de alguma forma, sentir a vida que passa por ali. Cartografias do “para-formal” são experiências de coleta de dados, de análise e de visões de futuro para essas atividades realizadas no centro das cidades e em muitos outros locais da vida contemporânea. _ Eduardo Rocha Lima ._R 11 P 86


Queríamos mostrar isso, que era possível fazer uma caminhada dessa forma, que era possível viver de outra forma a cidade, era como uma construção de situações, construir uma outra situação, uma outra forma de habitar, outro ponto de vista. _ Francesco Careri

_R 11 P 9

_ Milene Migliano e Luiz Navarro _R 11 P 46


Foi aí que compreendi a existência do Outro, normalmente pensamos um outro que é pacificado, que podemos entrar em acordo, com os ciganos era impossível, eles nos escapam. E vão continuar escapando. A única forma de sobrevivência deles é de nos escapar, é assim. _ Francesco Careri ._R 11 P 16.


Urpi Montoya Uriarte

_R 11 P 104

Relativização e desenraizamento garantem, com certa facilidade, identificar o Outro, senti-lo, se familiarizar e se comunicar com pessoas diversas, porém não são suficientes quando se trata de capturar a complexidade do espaço, entendido como conjunto de relações entre elementos, tais como ambiência, história, sistema econômico, usuários, usos, significados etc. _ Milton Júlio Carvalho Filho e

A complexidade da abordagem lefebvriana do espaço se consolida pelo foco na simultaneidade de forças de ordens distintas que atuam ativamente na produção material da cidade. Forças, muitas vezes opostas, que se interpõem e não que se sobrepõem que se interconectam e não se digladiam, como poderíamos pensar num jogo. _ Eduardo Rocha Lima _R 11 P 92 _ Milene Migliano e Flora Rajão _R 11 P 50


Utilizei o fio condutor a questão da simultaneidade de tempos e de espaços. Os usos, apropriações e ressignificações. Os “gestos-fios”, que marcam essa escala do cotidiano, e que muitas vezes passam despercebidos pela lógica global. Eles nos conduziram nesse caminho. _ José Clewton do Nascimento

_R 11 P 93 A experiência do caminhante que se propõe metodologicamente a apreender o espaço urbano por onde ele perambula exige deste sujeito um estado corporal específico, ou (extra) ordinário, no qual o presente que o rodeia captura tal corpo – impregna a superfície de toda sua pele – em uma vivência reflexiva que fábula questões (e não respostas!) sobre o que presencia. Comunicar tal experiência, após vivê-la, exige criação sobre a reflexão. _ Eduardo Rocha Lima _R 11 P 96

_ José Clewton do Nascimento _R 11 P 95


._R 11 P 213

ri-Pierre Jeudy e Maria Claudia Galera

Em que ordem praticar o olhar? Se os espaços urbanos são distintos, eles se sobrepõem e nos convidam a seguir um caminho mais caleidoscópico. _ Han-

Em um mundo que valoriza a performance, a “exatidão”, a “objetividade”, a “cientificidade”, propomos a utilização de um dispositivo que possui, nele próprio, o erro, a imprecisão, a brincadeira, o desvio, o jogo. O tecnológico aqui tem o papel não de corroborar teorias pré-estabelecidas, mas sim induzir um jogo, uma brincadeira. _ Aline Couri _R 11 P 125.

A Oficina se aproxima de uma experiência errática, ao distanciar quem a pratica da maneira habitual de se locomover na cidade, pois ao mirar na direção do trajeto já percorrido, a impossibilidade de premeditar o caminho se torna uma condição do percurso, assim como a reconfiguração do que é percebido pelo sistema sensório-motor pela inversão de orientação do corpo. _ Ana Rizek Sheldon

._R 11 P 137

A busca de vestígios de construções antigas seria uma obsessão contemporânea como se fosse necessário tornar visíveis os fragmentos do que já foi? Eu me perguntei se o olhar de um cidadão não seria mais estimulado pelo desvelar da imaginação do que não é visível, mas que poderia ser. O que já está lá, em potência, e que forma uma representação possível da história da cidade pelos relatos fantasiosos e singulares de seus habitantes. O olhar dado para uma paisagem urbana se alimenta dos enigmas que produz o que não é visível e, que cada relato torna, à sua maneira, “quase visível”. _ Hanri-Pierre Jeudy e Maria Claudia Galera

_R 11 P 214


Há de se pensar o método de pesquisa como um instrumento, independente do seu campo de origem ou da atuação de seu pesquisador. Uma metodologia não precisa ser rígida, mas sim adaptável, de acordo com a situação, os critérios do pesquisador e as necessidades de seu objeto. _ Luís Guilherme Albuquerque de Andrade _R 11 P 111

_ Amine Portugal _R 11 P 182

Fugindo do determinismo tecnológico procuramos compreender até que ponto as tecnologias podem nos auxiliar ou nos atrapalhar, perguntamos: é possível, através de alguns recursos tecnológicos, chamar a atenção para a subjetividade, para o acaso, para o desvio, nos modos de vida e apreensão das cidades? _ Aline Couri _R 11 P 124 e 125.


_ Barbara Szaniecki, Cristina Ribas e Marcos Chaves _R 11 P 62

comunicar o que foi experimentado? _ Breno Silva _R 11 P 145

ria pensarmos algumas táticas para isso e, ainda, em como

lidades que provoquem experiências limites, afetivas. Cabe-

Colocando-se em risco na cidade, indo de encontro a espacia-

A proposta é resistir à nulidade atribuída ao corpo nos espaços públicos contemporâneos, fenômeno oriundo de diversas estratégias de anestesiamento que o planejamento urbano opera e que tem tornado a cidade um campo de falta. _ Thiago de Araujo Costa _R 11 P 134 e 135


_ Eduardo Rocha Lima et alli _R 11 P 87.

Para achar um cotidiano “semeado de maravilhas” (CERTEAU) teria de adaptar a metodologia do trabalho à invenção da rua do praticante, por isso criei narrativas que chamo de narrativas antropofágicas: fabulações das ruas que encontrei no fazer cotidiano destes praticantes, como esta potencialidade de revide; a rua incorporada, a fábula de cidade, a invenção; estas que se contrapõem a uma realidade hegemônica proposta por macro-estratégias. As narrativas antropológicas são uma reinvenção da produção de cidade para e com o Outro. _ Amine Portugal _R 11 P 185


_ JosĂŠ Clewton do Nascimento _R 11 P 95


Caminhar pela cidade, eis a proposta de apreensão do espaço urbano que é encarado, nesta abordagem da cidade contemporânea, como método e “fonte de informações” para a reflexão crítica. A proposta aqui é que a prática de atravessar a cidade explane ao pesquisador-urbanista as questões a serem exploradas pelo seu “fazer” criativo. _ Eduardo Rocha Lima

_R 11 P 203

Uma cidade heteróclita, caleidoscópica, só pode ter um simulacro de centro, ela não precisa de um umbigo a partir do qual a cidade se desenvolveria no espaço. _ Henri-Pierre Jeudy e Maria Claudia Galera

_R 11 P 215

Flanar, é passear, sem pressa, se deixar guiar pelo acaso das circunstâncias e pelos eventos do momento. Para Régine Robin, flâneuse das megalópoles contemporâneas, trata-se de explorar a cidade em todas as direções e através de diferentes meios de locomoção, para apreendê-la plenamente. Realizar uma etnografia em um contexto urbano, seria partir em busca de urbanidade, se transformar de alguma forma em um catador ou uma catadora de pistas para se compreender aquilo que faz de uma cidade, cidade. _ Nadja Monnet

._R 11 P 218


Qual seria esta maneira “tipicamente” feminina de apreender a cidade? (...) Quais são então essas experiências femininas? E como elas são vividas? _ Nadja Monnet _R 11 P 223

_ Piseagrama _R 11 P 67.

A cidade nômade vive em osmose com a cidade sedentária, nutre-se dos seus resíduos, oferecendo em troca a própria presença como nova natureza, é um futuro abandonado produzido espontaneamente pela entropia da cidade. _ Francesco Careri _R 11 P 240


Tentemos entender o que nos diz a dança dos corpos no espaço público, e nos perguntemos como esses corpos estão mudando com a aceleração generalizada da mobilidade. Examinemos as lógicas sociais que permitem que um lugar público seja algo mais que um mero território de acessibilidade e de circulação, uma rede de relações instáveis entre desconhecidos, ou recém conhecidos, uma proliferação constante e mutante. _ Nadja Monnet _R 11 P 230

Na América do Sul, caminhar significa enfrentar muitos medos: medo da cidade, medo do espaço público, medo de infringir as regras, medo de apropriar-se do espaço, medo de ultrapassar barreiras muitas vezes inexistentes e medo dos outros cidadãos, quase sempre percebidos como inimigos potenciais. Simplesmente, o caminhar dá medo e, por isso, não se caminha mais; quem caminha é um sem-teto, um mendigo, um marginal. (…) Que tipo de cidade poderão produzir essas pessoas que têm medo de caminhar? _ Francesco Careri _R11P241

Pôr em crise as poucas certezas mal alcançadas permite que se abra a mente a mundos e a possibilidades antes inexplorados, convida a reinventar tudo: a ideia que se tem de cidade, a definição que se tem de arte e de arquitetura, o lugar que se ocupa neste mundo. Ocorre a libertação de convicções postiças e começase a recordar que o espaço é uma fantástica invenção com a qual se pode brincar, como as crianças. Um mote que guia as nossas caminhadas é “quem perde tempo ganha espaço” _ Francesco Careri _R11P241


A pesquisa toma a noção de experiência e de sua transmissão em forma narrativa, como princípio norteador de nossa investigação metodológica. _ Paola Berenstein Jacques _R 12 P 13

_ Thais Portela _R 12 P 32

REDOBRA 12

Eu implementei esta metodologia do fazer corpo/ tomar corpo/ dar corpo depois de uma década de trabalho sobre a acessibilidade dos pedestres ao espaço público urbano e o caminhar cidade. _ Rachel Thomas _R 12 P 9 Surge uma questão fundamental que para nós está diretamente relacionada com a apreensão da cidade: como narrar nossa experiência urbana hoje? _ Paola Berenstein Jacques

_R 12 P 13


A cidade é soma de memórias, algumas feitas história: aquelas que se constroem como narrativas compartilhadas, como memórias coletivas. Pensar cidades sem considerar suas memórias – institucionalizadas e naturalizadas ou apagadas e silenciadas – é subtrair-lhes o espaço de desejo,de ação, de utopia,

A

metodologia

do

fazer corpo/ tomar corpo/ dar corpo (…) considera que o corpo do pesquisador ou do usuário constitui _R 12 P 17

– como o discurso, o levantamento ou

reth da Silva Pereira

Memória e História são narrativas que evocam experiências e temporalidades que não são nem lineares, nem cíclicas, mas também não são aleatórias e relativas. Na ação evocativa de reminiscências, a historiografia busca tomar distância crítica em relação tanto aos discursos coletivos sobre o vivido quanto às suas lacunas e, assim, aos seus modos de legitimação. Entretanto, nem a historiografia nem a posição do historiador são neutras. São práticas e lugares discursivos situados que, por sua vez configuram formas de linguagens e de leituras. _ Marga-

de convergência e confronto. _ Margareth da Silva Pereira ._R 12 P 16.

ligibilidade dos pro-

a observação – um instrumento de intecessos em curso no cotidiano. mas

_ Rachel Tho-

_R 12 P 9

Nuvens e conjunto de nuvens (aqui chamadas de nebulosas) não tem limites e sim, contornos. As nebulosas são metáforas das configurações precárias, contingentes que são possíveis ser pensadas e propostas no campo coletivo por cada historiador a partir dos fragmentos que reúne em seu esforço de objetivação dos discursos do outro e em relação ao próprio exercício de dotação de sentido que empreende. _ Margareth da Silva Pereira _R 12 P 18


_ Thais Portela _R 12 P 33



A corpografia urbana nos parece uma preciosa pista de análise da complexidade da cidade contemporânea, por nos impedir leituras simplificadoras centradas em cada aspecto de sua constituição separadamente fazendo-nos, ao contrário, compreender a cidade e as corporalidades de seus habitantes não como causas ou efeitos uma da outra, mas como um mesmo conjunto de condições mobilizadoras dos processos que se podem instaurar envolvendo ambos, cujas resultantes serão sempre transitórias. _ Fabiana Dultra Britto _R 12 P 38 Mas, e Exu? Porque Exu? (…) se urbanista entendesse de Exu que é o orixá dono dos caminhos, das ruas as cidades não estariam nessa situação de hoje (…) como cartografar mundos outros cujo modo de ser é tão distinto do vivido pelo pesquisador? _ Thais Portela _R 12 P 31

As recentes aproximações entre dança, estudos do corpo e estudos da cidade se, por um lado, sugerem interessantes reconfigurações dos seus respectivos modos de problematização das relações corpo/ambiente, por outro, requerem procedimentos de experimentação, análise e formulação narrativa sobre o tema mais apropriadas à natureza processual dessas interações, de modo a evitar o risco tanto da sua simplificação determinista quanto do seu esvaziamento crítico pela estabilização de metodologias como norma institucionalizada. _ Fabiana Dultra Britto _R 12 P 37


A cartografia sensorial, desenhada por Suely Rolnik, é apontada como a ferramenta teórica e metodológica de apreensão da cidade na medida em que instaura uma dinâmica relacional corporal com o espaço-mapeamento do mundo pelo/ com/no corpo. (…) Para além da cartografia sensorial, fomos experimentando no espaço procedimentos metodológicos de apreensão da cidade que partiam da cartografia da ação, da etnografia, história oral, micro-história, narrativas urbanas... mas todos a partir da experiência do corpo vivenciando o percurso escolhido da cidade. _ Thais Portela

_R 12 P 26

_ Clarissa Moreira, Nicolas Bautès e Amadei Machado _R 12 P 76.


_ Clarissa Moreira, Nicolas Bautès e Amadei Machado _R 12 P 70


A ideia de montagem como uma forma de conhecimento criada a partir da reunião de narrativas/imagens bem distintas e por vezes paradoxais, a partir do choque entre elas, poderia ser pensada também como um modo de apreensão e compreensão da cidade.

_R 12 P 15

Quem é que vive a experiência? Quais são seus condicionamentos, quais são seus modos de sentir? Como as suas predisposições corporais e mentais reagem à situação criada? Construir uma situação não é suficiente. O quanto aberto à participação, interação e interpretação faz diferença: quem participa, o quanto a pessoa está aberta a se engajar, a se abrir e a de fato entrar na experiência? É o participante que deseja se transformar e transformar a experiência com a sua participação.

_ Daniela Brasil

_R 12 P 57.

O que aprendemos, antes de mais nada, é que a noção de lugar é construída sempre que o vivemos. Arquitetura não é, ela se torna, num desdobramento de espaços e tempos, de acordo com os corpos que as habitam, as reinventam e as transformam. _ Daniela Brasil _R 12 P 67.

_ Paola Berenstein Jacques

Caminhar por esse lugar, percorrê-lo com passos firmes ou delicados, é uma forma de micro-resistência: ação modesta, sensível aos desafios e ameaças colocados hoje, diante do apagamento em curso de suas rugosidades- a passagem do tempo, as camadas de história- e de suas características, sejam sociais ou topográficas. Ato micro-politico de resistência (…). Caminhar é então uma forma de contato com um contexto urbano histórico “vivo” ou em carne-viva. _ Clarissa Moreira e Nicolas Bautès

_R 12 P 71


_ Alessia de Biase ._R 12 P 78

A insistência sobre lugares nos levará a compreender e a interrogar detalhes com os habitantes e, também, questionar o fato de estar presente em algum lugar? O que esta ação comporta? O que significa tal presença corporal e que efeitos ela pode produzir no espaço e no encontro com as pessoas?

Nesta antropologia da cidade em transformação, três tempos e três escalas de análise de cruzam sem cessar: a cidade herdada do século XX; a cidade habitada ou a cidade do presente que se faz e desfaz cotidianamente e, enfim, uma cidade projetada que se confronta constantemente com seu horizonte futuro. _ Alessia de Biase _R 12 P 79

_ Daniela Brasil e Archivo Histórico José Vial Armstrong _R 12 P 63


_ Alessia de Biase_R 12 P 85.

_R 12 P 81

_ Alessia de Biase

_R 12 P 82

A insistência – estritamente herdada da prática etnográfica iniciada pela Escola de Chicago, que levará ao que conhecemos como “observação participante” – pretende que na ação de se posicionar em um lugar se inicia toda uma compreensão das situações espaciais e sociais.

_ Alessia de Biase

Mas o que quer dizer, neste mundo que caminha, parar? Estar fixo? Olhar a cidade sentado em algum lugar? Podemos falar em “falar a cidade” se não a percorremos?


A pixação é simplesmente o fim da estética da fachada, uma estético-política da sinceridade e, como tal, o fim da pura estética que é a estética da fachada, o fim da estética como elogio da superfície acobertadora, da enganação com que costumamos confundir o mundo do aparecer. _ Marcia Tiburi

_R 12 P 43

Nós sabemos, por nossa experiência cotidiana, que os “quase-nada” contribuem para a construção da imagem e do imaginário de um lugar, e que sequências de pequenos gestos quase inúteis mais necessários preenchem a nossa vida urbana de todos os dias. ._ Alessia de Biase _R 12 P 83

Para chegar a fazer “pequenas arqueologias dos lugares”, pois trata-se exatamente de buscar os vestígios, recompor gestos, posturas, olhares e pedaços de narrativas, para compreender como os lugares funcionam ou as lógicas de certas situações, é preciso se dar um tempo, não ser impaciente. Se sentar e olhar. Perder tempo, muito tempo (...). O lento passar dos dias, passados a olhar ou a se impregnar, permitem começar a apreender como se organiza e quais são os ritmos de um espaço, como as pessoas ficam ali, agem e se apropriam, ou o evitam. _ Alessia de Biase

._R 12 P 84 e 85


O fenômeno da pixação” em grandes cidades, tais como São Paulo, é tanto estético quanto político. O gesto estético transformado em arma de combate social pode fazer da pixação a mais potente forma de arte de nosso tempo. (…) O que os praticantes da pixação põem em cena é um radical questionamento sobre o espaço urbano, um questionamento que é teórico e prático, artístico e retórico. ._R 12 P 39

_ Márcia Tiburi.

_ Janaína Chavier_R 12 P 123.


_ ITAPAGIP3 _R 12 P 139

Nas primeiras tentativas de definir uma metodologia inicial para o desenvolvimento do trabalho, esbarramos na dificuldade de traçar previamente um caminho a ser percorrido. Resolvemos então assumir a ideia de que cada etapa indicaria o passo seguinte e que cada uma delas deveria resultar do acúmulo de questões e reflexões levantadas até então. Outro aspecto metodológico importante adotado foi a constante busca pela desestabilização das questões teóricas de onde partíamos e das conclusões a que chegávamos, através das experiências que realizávamos na cidade. Esta postura possibilitava a visualização de desvios aos rumos inicialmente pensados para cada etapa, mostrando alternativas de prosseguimento mais coerentes com o processo e com o lugar. _ Daniel Sabóia, Fábio Steque e Patrícia Almeida

_R 12 P 138


_R 12 P 131 _ Urpi Montoya Uriarte

A distinção destes dois procedimentos – descrever e narrar – foi bastante nova, pelo menos para os antropólogos, acostumados com a “descrição densa”, tornada quase uma obrigação a partir do famoso artigo de Clifford Geertz.

._R12P172. vares Correia de Lira

Ruína e ebulição: há sempre em toda grande cidade tempos e presenças diferentes coabitando no espaço, sobretudo em seus centros históricos. _ José Ta-

A transformação das cidades, a destruição das paisagens tradicionais é um fenômeno recorrente, desde meados do século XIX. A partir daí nenhuma cidade escapou ao cutelo de reformadores, higienistas e urbanistas. O que vamos ensaiar aqui é a dor experimentada com essa perda, que se manifesta na forma da saudade. (…) Assim sendo, podemos tentar capturar nas “narrativas saudosas” algo daquela dor do vazio de uma destruição. _ Robert Moses Pechman _R 12 P 158

Apontando essa diversidade de olhares, afirmava-se também a questão da construção da diversidade das narrativas, bem como a necessidade de construção das categorias de análise que compreendessem e descrevessem essas diversidades – de olhar e de narrativas. _ Cibele Rizek _R12P184


A saudade, destilada pela memória, é, pois, um sintoma do processo de transformação da cidade e também de perda do sentido de imortalidade com que a cidade contempla a sociedade. Estamos aqui no reino da narrativa, no plano da História. A saudade se historiciza, e podemos vê-la como uma narração. _ Robert Moses Pechman ._R 12 P 159

_ Marina Cunha

._R 12 P 161

_ Robert Moses Pechman

Lembrar se tornou um exercício de política, ali onde novas paisagens urbanas floresciam sem parar, num regime de imaginário onde a palavra de ordem era a racionalidade, a técnica, o maquinário, a produtividade, o fluxo, o ritmo, a mudança, a transformação.

_R 12 P 89


Pechman ._R 12 P 167

As cidades não acabam, mesmo quando são destruídas por bombas ou demolidas por picaretas. Elas resistem, mesmo que só na saudade. _ Robert Moses Pechman ._R12P160

Fazer os mapas e as cartografias falarem o que elas não poderiam falar, provocá-las transformando seu caráter de máquinas de guerra em textos, em descrições e sentidos – talvez aqui se possa encontrar uma das questões mais interessantes das relações entre a pesquisa de campo e a apreensão das transformações da cidade contemporânea. _ Cibele Rizek _R 12 P 184 e 185

._R 12 P 168. _ José Tavares Correia de Lira

Lugar da política, a cidade é atravessada por disputas incessantes acerca de suas condições, comodidades e realizações. Lugar da vida nervosa, de excitações cinéticas e emocionais, de consciência e desorientação, de comportamentos racionais e do imprevisível das ações, ela é um universo privilegiadopara a emergência de novas subjetividades.

Ali todo luto pela perda de experiências que foram interrompidas na cidade por interesses comerciais, industriais, imobiliários ou financeiros, é patético. Por entre os condomínios fechados e os shoppings, a cidade se desfaz diante da privatização do espaço. Nesse sentido, a própria saudade da cidade se torna patética. Pode ser que ali a vida urbana se reinvente algum dia, pode ser que sintam saudade de ser cidade. _ Robert Moses

Apesar de uma ênfase bastante frequente na continuidade dos processos sociais e urbanos no mundo contemporâneo, parece claro que há dimensões inéditas e desconhecidas, ainda opacas, mais do que simples reiterações e continuidades. _ CibeleRizek

._R 12 P 188


Lugar, portanto, de progresso e ruína, de abandono e criação, de permanência e demolição, a materialidade urbana emerge como campo histórico abalado pelas forças produtivas, a conflagração dos homens e o peso da natureza. _ José Tavares Correia de Lira

_R 12 P 186 e 187

_ José Tavares Correia de Lira

_ Cibele Rizek

Será que é possível a pesquisadores e artistas partilharem práticas de trabalho de campo? O que se conforma como trabalho de campo, procedimentos, protocolos, método, para o trabalho estético e para o trabalho de pesquisa etnográfica e antropológica?

_R12P169

É sintomático que hoje, quando as políticas de revitalização de centros históricos e bairros centrais parecem ter se afirmado na agenda patrimonial brasileira, personagens como esses venham sendo identificados entre seus principais obstáculos. Prostitutas da Lapa no Rio, viciados em crack na Luz em São Paulo, trombadinhas, mendigos e moradores de rua de toda grande cidade brasileira tornaram-se frequentemente o alvo de ações urbanísticas, higienistas, policiais, comunitárias e criminais. ._R12P173

Como intervir na cidade enquanto artistas, sem provocar gentrificação ou enobrecimento? Como intervir e desaparecer depois da intervenção? Essas questões que aliam as dimensões éticas e estéticas das intervenções artísticas no espaço e nos territórios da cidade. _ Cibele Rizek _R 12 P 186

É interessante notar como essa atenção aos homens comuns, à cultura popular, às minorias sociais e étnicas e aos marcos anônimos da história nacional coincide no tempo com o interesse pelo tema do patrimônio urbano e das áreas centrais. _ José Tavares Correia de Lira ._R 12 P 176


_ ITAPAGIP3 _R 12 P 140.

pesquisa empírica. _ Cibele Rizek _R12P189

tema, como eixo, ao mesmo tempo teórico e de

processos e nessa condição se constituem como

– isto é, esses sujeitos não são entidades, mas

jeitos não essencializados, sem substância fixa

a experiência dos sujeitos concebidos como su-

va em diferentes níveis: o do corpo, o do urbano e

mensões, a questão da experiência se configura-

trabalho empírico. Dentro desse escopo de di-

quisa, práticas e atividades, quadro conceitual e

como questão a articulação entre objetos de pes-

como imperativo: articulação. Colocava-se então

Uma palavra parece saltar como necessidade e


_ Livia Flores e Fernell Franco _R 13 P 70 e 71

Os textos literários fornecem insights e por vezes longas descrições da percepção do autor sobre o ambiente construído, ruas e praças, monumentos; enfim, sobre o mobiliário urbano e a parte interna das moradias com a distribuição de cômodos, moveis e sua disposição. Nos introduzem à percepção das subjetividades e dos corpos em espaços diferenciados, o a vontade em ambientes internos e a apropriação de ruas, praças, jardins. Minha opinião: não é possível conhecer o século XIX, arriscaria incluir o XX, sem os textos literários. Literatura e história – fronteiras instáveis que desafiam o historiador a ter

REDOBRA 13

presente esta instabilidade, num jogo de aproximações e afastamentos. Um desafio difícil, porém indispensável, além de profundamente sedutor. _ Maria Stella Bresciani _R 13 P 18


Não é fácil conciliar as duas narrativas: historiográfica e literária. Enquanto a escrita historiográfica nos mantém em confortável distância dos personagens e suas vidas, a escrita literária nos seduz, nos faz voyeurs. Ela é permissiva ao nos convidar, e até empurrar para a vida dos personagens, seus bons e maus momentos, suas dúvidas, os maus caminhos que tomam; enfim, nos envolve na rede de intrigas presente na boa literatura. A literatura é fonte, documento para o historiador. _ Maria Stella Bresciani

_R 13 P 18

Há vozes menos ouvidas a exigirem serem ouvidas, mas a meu ver, não podemos tomar a polaridade vencedor-vencidos como modelos explicativos, sob pena, tal como exposto em questões anteriores, de anteciparmos as conclusões já na proposta ou na hipótese do trabalho.

_ Maria Stella Bresciani

_R 13 P 21

_R 13 P 24

Os estudos urbanos deveriam ser sempre interdisciplinares, entretanto, depende da orientação dada pelo pesquisador ao seu trabalho. Na disciplina história, posições diferentes se dispõem como possibilidades ao historiador interessado em pesquisar dimensões da vida urbana.

_ Marina Cunha _R 13 P 134

_ Maria Stella Bresciani


O estudo dos grandes temas – as intervenções em cidades de antiga formação, sedimentadas em várias camadas superpostas, e nas cidades de formação mais recente e a implantação das novas cidades – induz sempre e nos conduz a seus protagonistas, coletivos alguns, anônimos outros, ou ainda precisa-

_ Osnildo Adão Wan-Dall Junior

_R 13 P 141

imaginários. _ Livia Flores _R13P67

manente disputa por territórios e

de política, agonística, em per-

A cidade entendida como entida-

mente definidos. _ Maria Stella Bresciani _R 13 P 23


Tanto a arquitetura quanto a paleontologia fornecem metáforas-chave para os trabalhos de rememoração: memória como construção (a arquitetura); memória como escavação (a paleontologia e/ou a arqueologia).

_R 13 P 24

_ Fernanda Arêas Peixoto

_ Maria Stella Bresciani

Existem sempre os errantes”, esses seres obscurecidos no dia a dia, periodicamente colocados sob o foco da administração pública, da polícia, das ONGs quando se trata de “revitalizar” uma área ou de erradicar um problema sanitário-social, como o dos consumidores de drogas. Podem ser apreendidos em insights, brechas entreabertas que nos deixam, mas nosso olhar pode fazer essa análise em contrapelo, mas nunca se desfaz de nossos olhares bem fincados em campos conceituais precisos.

Note-se aqui a solidariedade entre cidades e homens, ambos atingidos por essa mesma potência, a violência, disseminada num vasto território que nos inclui: América Latina. Coincidências não implicam necessariamente em semelhanças, coincidências são aproximações móveis, pontuais e efêmeras, pequenos choques que fazem o pensamento mover-se. _ Livia Flores _R13P69

_R 13 P 31

Não creio que haja só vencedores nesse campo de disputas entre urbanistas bastante acirrado e fortemente marcado por injunções políticas. Trata-se, certamente, da parcela letrada da população com acesso a saberes especializados e formada por profissionais fincados em territórios abertamente defendidos contra intrusos. Há vencedores e vencidos em todos os quadrantes da sociedade. _ Maria Stella Bresciani

_R 13 P 23

O procedimento composicional, posto a nu, evidencia os processos criadores da memória, aproximando-os da criação literária. (…) Além disso, ambas as criações – memorialística e literária – só se realizam no ouvinte das experiências vividas, ou no leitor dos textos. _ Fernanda Arêas Peixoto

_R 13 P 33


Sem estabelecer regras primárias, logo a relação entre pesquisador e cidade impulsionou uma maneira de estar no espaço urbano. Portanto, a percepção da metodologia só aconteceu no meio do processo: basicamente encontramos um composto, uma catação de métodos que poderiam ser úteis, cada um a sua maneira, para o entendimento deste trecho de bairro e sua relação com a espetacularização da cidade. A percepção de que esse fazer campo passava por uma maneira peculiar de seguir pequenos detalhes e fontes, nos fez chegar ao paradigma indiciário, método proposto pelo historiador Carlos Ginzburg. Essas pequenas fontes, então, passaram a ser tomadas enquanto pistas, indícios, sinais e vestígios sobre os quais muitas vezes fizemos uso de intuição e sensibilidade para encontrar o caminho da pesquisa. _ Marina Carmello Cunha

_R13P132

Nas teses [Benjamin] e em Proust, a aparição da memória dá-se num campo de dissociações, disrupções e surpresas, seja num relampejar, acionando a visão, ou na degustação, quando o paladar insta a cena. Em ambos, o memorialismo é deslocado para um sujeito disperso que é assaltado pela memória involuntária e enviesada. _ Washington Drummond e Alan Sampaio _R 13 P 166


_R 13 P 175. Bresciani

_R 13 P 176 e 177.

_ Maria Stella Bresciani

Como me deslocar da trajetória do aprendizado pessoal para o conjunto de trajetórias de pessoas plurais e às suas intransferíveis afinidades e identidades afetivas com uma cidade? Walter Benjamin compôs a narrativa de sua infância berlinense compondo um quebra-cabeças algo disparatado e incompleto de lugares, momentos, eventos, objetos, sensações. _ Maria Stella

Poderíamos indagar a que ponto percursos individuais relacionados à classe social e a grupos específicos forneceriam um indicador estável para desenharmos nos mapas os limites, as camadas arqueológicas, as cidades justapostas? E o quanto, para uma classe social ou um grupo, a cidade seria, para além desses limites, uma nebulosa, territórios desconhecidos, alguns focos mais iluminados sob um pano de fundo, ou ainda lugares entrevistos numa rápida passagem? A cidade assim percorrida e rememorada expõe o elemento estruturante do urbano; permite assinalar no mapa o “efeito constitutivo do tempo”. Cidade que se apresenta escandida, recortada em numerosos detalhes de tempos de aprendizado e de trabalho, de sucesso e de derrotas. Escandida em gestos de apropriação dos espaços. Drummond e Alan Sampaio

._R 13 P 165.

A infância como dispositivo narrativo para dissolver o sujeito a uma instância de descobertas e associações quase mágicas: a experiência histórica, sua memória, torna-se efetiva na constituição de uma escrita encenada pelos olhos absurdos de uma criança reescrita pelo homem. A impossibilidade de recuperação do passado “como ele aconteceu” desloca-se para a efetividade de quadros urbanos (como o estratego Baudelaire já havia feito com sua lírica sobre Paris e traduzida por Benjamin para o alemão) entre a análise sociológica (aqui um componente irônico para uma criança em plena desorientação urbana!) e os textos quase parábolas à maneira kafkiana. _ Washington


O texto-jogo que se inicia parte do entendimento de que as cidades,

e aqui escolhemos Salvador, pode ser vista por diferentes ângulos,

perspectivas e pontos de vistas. _ Janaina Chavier et alli

._R 13 P 203 _R 13 P 100.

O campo intelectual dos pesquisadores que praticam hoje a história de cidades ou da arte, e com elas ou a partir delas a história da arquitetura e/ou do urbanismo, se organizou em diferentes temporalidades e arranjos. Em consequência, diferentes visões de história, e da história, se contrapõem ou são mantidas e leituras e interpretações de obras e trajetórias se completam ou se hibridizam. No conjunto profuso de textos em circulação nos últimos 30 anos, por exemplo, o passado ganhou possibilidades de sentido cultural e social mas também se revela, muitas vezes,como um tempo morto e estéril. _ Margareth da Silva Pereira Como o que interessava era a apreensão do outro – particularmente a relação do outro com a cidade – a etnografia mostrou-se como um método de apreensão a ser explorado. O desafio metodológico então era o de adotar uma nova postura ao observar essa cidade, indo além do meu campo de formação. _ Luís Guilherme Albuquerque de Andrade ._R 13 P 127.

Há de fato uma dubiedade entre a nostalgia do sujeito que narra sua experiência e as novas possibilidades de narração e circulação inauguradas pelo romance e seguida pela imprensa diária. _ Washington Drummond e Alan Sampaio ._R 13 P 165.

._R 13 P 145

Os vaga-lumes da experiência das ruínas só existem porque existe sua própria noite, um coexistindo na exceção do outro, pois ambos – noite e alteridade – são muitas vezes “esquecidos” pelos planos e planejamentos urbanos mais tradicionais. Acreditamos, por fim, que a potência resistente desta mesma noite torna a alteridade tão vaga-lume quanto notívaga em meio às ruínas da cidade. _ Osnildo Adão Wan-Dall Junior


_ Blerta Copa, Igor Queiroz, Janaína Chavier e Mariachiara Mondini

A proposta foi, portanto, trabalhar com a “ética” da história oral, muito mais que com o método. O desejo era trabalhar “com” e não “o” outro. É disto que eu parto. _Jurema Moreira Cavalcanti

_R 13 P 120

_R 13 P 103.


De Benjamin, “Sobre alguns temas em Baudelaire”, revelou-se fundamental para uma aproximação sensível à memória, aos estímulos dos choques nas cidades e, para a imprescindível passagem pelos literatos para compreendermos o século XIX.

_R 13 P 17

Ao trazer à luz partes ocultas e subterrâneas da cidade, o que se recupera é a memória viva dos processos – de todo o processo histórico. Mais que simplesmente lembrar, a operação atualiza esses acontecimentos – não só lembrar, mas verificar, constatar, “sentir” as forças em jogo. _ Clarissa Moreira

._R 13 P 252.

O sentimento de liberdade se dispõe indeciso entre a memória voluntária e a involuntária, entre experiência, vivência e recordação. Palmilhar caminhos os torna conhecidos de forma singular: são detalhes, pequenos pormenores – um pedaço quebrado de calçamento, uma vitrine convidativa, um som inesperado, desvios a explorar e encompridar caminhos, o tomar sempre a direita na calçada, o poente na travessia do viaduto do Chá, a chuva fina nos fins de tarde de inverno – é como puxar um fio sem fim. _ Maria Stella Bresciani _R 13 P 25.

_ Maria Stella Bresciani

Vaga e incerta luz que vaga - a palavra vagalume é poética, por si só. Mas não desprezo o pirilampo. É nele que penso aqui, apesar da sua sonoridade, talvez infantil, talvez antiquada, ou justamente por isso, porque essa palavra exige um salto no tempo (ursprung): em direção à infância, ao antigo. _ Livia Flores _R 13 P 72.

A memória, nossas memórias, diz Cauquelin, não se nutrem do saber erudito que permite a escavação arqueológica imaginária de Freud; elas dispõem de limites fluidos, de detalhes que adquirem significado por se mesclarem a um conjunto de memórias outras. Apresentam-se como “pequenas memórias”, expõem como vivemos nossos espaços, fragmentariamente, com esquecimentos, lacunas, submetidos à força de opiniões das quais ignoramos, por vezes, a origem. _ Maria Stella Bresciani _R13P176


A presentificação da experiência da arte, o anacronismo da própria posição do historiador entre o saber e o sentir ou os modelos de tempo que faz seus, mereceriam, por exemplo, serem examinados. Além disso, na medida em que a forma de pensar o tempo e a história ganham singularidades, no caso do Brasil, a historicidade de certas perspectivas e modos de temporalização necessitariam ser ainda mais debatidas, desconstruídas. _ Margareth da Silva Pereira _R13P238 É o tempo que “insufla” tanto a história quanto a arquitetura e suas práticas. É uma visão de tempo e sua pontuação que está implícita nos modos de temporalização abstratos das periodizações que cada um adota ou cria com maior ou menor consciência. Na cultura ocidental esta é uma relação que parece tão evidente que a própria arquitetura é vista como o suporte privilegiado da história e da memória, isto é como a pontuação do próprio tempo. _ Margareth da Silva Pereira _R13P238

Essa amplitude e diversidade dos estudos históricos na área da arquitetura e do urbanismo nas últimas décadas é de tal ordem que poderíamos imaginar várias nuvens de pesquisadores, professores, instituições com orientações teóricas específicas, formando configurações gasosas e moventes. Pareceria que estamos diante de uma série de nebulosas, entendendo-se o termo nebulosas menos em seu sentido corrente de algo pouco claro (embora não deixe de sê-lo) do que no sentido arcaico de nebulae – nuvens ou conjunto de nuvens que se articulam ou entrechocam. A metáfora parece útil para evocar essas formas vaporosas que se agregam para se constituir de modo denso em certas zonas, fluído e esgarçado em outras, se consolidando ou se diluindo a partir da interação de umas com outras ou francamente em situação de isolamento. Contudo, se olharmos estas configurações ainda mais de perto, suas formas exibem diversas camadas mais ou menos etéreas, com seus pontos de concentração ou esgarçamento. _ Margareth da Silva Pereira _R13 P202


_ Marina Cunha

_R 13 P 130

seu potencial crítico. _ Cristina Freire _R 13 P 89

escapa à institucionalização e a ela resiste, reside a atualidade de

mesmo, onde não se sabe o que fazer, naquilo que necessariamente

de catalogar, preservar e exibir são disparadores de dúvidas, e aí

buscar outros referenciais teóricos e metodológicos. Os processos

vez requisito fundamental abandonar o conforto das certezas e

de quem lida com seus testemunhos materiais. Torna-se mais uma

No acervo do museu, o trabalho do artista requer também esforços

._ Margareth da Silva Pereira _R 13 P 204 e 205.

designando os estudos voltados para a própria história das práticas históricas.

passa a circular em muitos países latinos, inclusive no Brasil, sublinhando e

dro que, como se sabe, a circulação do termo historiografia ganha espaço ou

início, seu próprio diálogo com outros campos disciplinares. (…) É nesse qua-

de estudo, o processo de construção de suas categorias e ferramentas e, de

campo dos estudos históricos. Modificaram-se seu vocabulário, seus objetos

das, incidindo assim, primeiramente, no próprio exercício reflexivo e crítico do

No período de menos de vinte anos novas orientações teóricas foram formula-


A filósofa Anne Cauquelin afirma ser a cidade memória do passado que permanece na pedra, nos arquivos, nos documentos, nos escritos diversos, no estoque de modelos que alimentam o trabalho dos arquitetos e urbanistas, nas memórias compósitas dos que nela vivem. O tempo se mostra constitutivo do espacial, não um mero elemento de decoração, mas a dimensão precisa de uma particular urbanização. (…) Tudo está no presente tal como um amálgama vivo da diversidade das memórias, de práticas pretéritas dos habitantes

recia na poesia da grande cidade de Baudelaire. _ Vagner Camilo _R13P35.

O poeta [Drummond] acede à consciência de sua posição social através da articulação dos espaços materiais, promovendo, em Sentimento do mundo, um verdadeiro mapeamento lírico-social da grande cidade, além de explorar o contraponto evidente entre os espaços interiores e exteriores. (…) Essa tensão entre o interior burguês e a realidade das ruas marcada pelos conflitos político-sociais da época já compa-

sob o ângulo de memórias ativas. _ Maria Stella Bresciani _R 13 P 175.

Está claro que suas propostas interpelam o Outro; isto é, o desconhecido, e para tanto o artista [Valcárcel Medina] inventa diferentes exercícios nos quais investiga as formas possíveis de comunicação, considerando, ainda, em cada lugar, seus costumes e suas práticas sociais. “A arte é um exercício e não uma obra”, explica. A viagem é esse potente dispositivo de percepção, cada vez mais desvirtuado pela indústria do turismo. _ Cristina Freire _R13P86

Assim residual, a memória é um campo devastado, no qual o óbvio e o necessário cedem à melancolia das ruínas: para Benjamin, não seria essa a definição da experiência urbana contemporânea? Como descrever, como narrar essa experiência? Em Benjamin, a narração, sobretudo escrita, precisa estar em perigo e só sobrevive a ele numa forma ruinosa. _ Washington Drummond e Alan Sampaio

._R 13 P 167


pas

_R 14 P 14

_ Alexandre Rodrigues da Costa e Vera Casa Nova

_R 14 P 43

A dinâmica do pensamento de Benjamin se orienta a contrapelo de uma história oficial, cronológica, e se realiza através do fragmento.

futura.

_ Jeanne Marie Gagnebin

Essa aceleração se torna universal, também em relação aos processos de narração, de escrita (Twitter!), de transmissão e de experiência: a vivência (um termo introduzido no fim do século XIX) designa uma experiência individual, não mais ancorada numa experiência coletiva, geralmente ligada a um presente fugidio, não mais ancorado numa tradição comum. Portanto, uma experiência vivida, certamente real, mas evanescente e difícil de ser realmente transmitida como um bem comum. Aliás, quem ainda tem tempo para ouvir de maneira gratuita, pelo simples prazer de ouvir? Esse ritmo acelerado transforma a comunicação cotidiana e as formas artísticas de comunicação e de pensamento.

REDOBRA 14

A compreensão da histó-

ria como resultado de uma

sequência de determinan-

tes unidimensionais que se

sucedem linearmente, ca-

racterística do positivismo,

seria desestabilizada pelas

contradições em aberto que

emanam do passado e con-

tinuam, lampejantes, no pre-

sente. (...) Daí a possibilidade

de uma leitura da história a

contrapelo, como esforço de

construção de uma redenção

_ Carlos Leal e Danielle Cor-

_R 14 P 53


É importante notar que a apreensão da dimensão histórica das faculdades cognitivas e sensíveis do homem é central na argumentação de Walter Benjamin. Assim como as estruturas da sociedade se transformam ao longo do processo histórico, também as formas de experimentar, apreender e entender o mundo; em resumo, as formas de sensibilidade não são um dado humano a priori (como se supõe na filosofia de cunho idealista), mas se encontram em relação intrínseca (ainda que não linear) com a mutabilidade das estruturas sociais.

Receio bastante tentar elaborar uma teoria do “método” em Walter Benjamin, como se ele propusesse uma nova epistemologia. O que ele, como outros pensadores, tipo Deleuze, Adorno, os surrealistas, Didi-Huberman, Warburg etc, de fato ressaltam, é a insuficiência de métodos engessados para apreender buscas artísticas e, também, político-sociais. _ Jeanne Marie Gagnebin _R14P15.

_ Carlos Leal e Danielle Corpas

_R14P52.

A história também seria informe, sem etapas privilegiadas, não pensada sob a forma teleológica, mas aberta, cega e sempre possibilitando a desconstrução. Conceber a história como um corpo cego é romper com a uniformidade, ou seja, instituir a heterogeneidade, em contraste com a continuidade, perseguida pelo discurso como ideal. _ Alexandre Rodrigues da Costa e Vera Casa Nova

_R 14 P 45.

Não nego as diferenças entre literatura, história e filosofia, mas tais diferenças devem, também, ajudar a pensar melhor os diversos aspectos e os diversos modos de aproximação de uma problemática comum. Por exemplo, da problemática da história, da narração e da memória. _ Jeanne Marie Gagnebin _R 14 P 17



_ Washington Drummond

_R 14 P 32 e 33.


Devemos partir da distinção que vocês conhecem bem, entre Erfahrung e Erlebnis, que podemos traduzir, respectivamente, por experiência e vivência ou experiência vivida. O primeiro conceito, Erfahrung, é o mais antigo; ele remete no seu núcleo etimológico (fahren, viajar, atravessar um país) às errâncias e provações de Ulisses, esse primeiro viajante de nossa tradição ocidental. Aliás, as provações de Ulisses, em grego, seus sofrimentos e suas vitórias, são ditas no radical grego “peiran” que, depois, passando pelo latim, dá nossa palavra “experiência”. _ Jeanne Marie Gagnebin

_R 14 P 13 e 14

Em Benjamin, história e memória vão de mãos dadas com a exploração do passado. A palavra chave, aqui, parece ser escavação. _ Alexandre Rodrigues da Costa e Vera Casa Nova.

_R 14 P 206 _ Jeanne Marie Gagnebin

O que, com efeito, muda drasticamente na organização espacial da grande cidade moderna são as relações de distância e de proximidade. Enquanto as distâncias muitas vezes são encurtadas, as proximidades tendem a aumentar perigosamente. (…) o maior perigo da vida em comum na modernidade e na contemporaneidade jaz, curiosamente, muito mais numa destruição da intimidade por excesso de proximidades invasoras que num isolamento espacial e social por excesso de distâncias: as análises de Adorno e Horkheimer da indústria cultural deverão confirmar essa hipótese.

_R 14 P 44


_ Paola Berenstein Jacques

_R 14 P 69.


O utilitarismo da arte, o sentido de um dado de verdade, validado por tantas coisas e tantos discursos; além de forjar lugares de enunciação e identidades, coloca costumes e práticas cotidianas como souvenirs a serviço dos interesses capitais e acaba por transformar o potencial da arte de afetação, sem um sentido utilitário ou causal, num potencial que hoje está fora

Uma questão ainda se formula sobre a reincidência desse gesto, ou de todos os outros que, alinhados entre si, se lançam na fabricação dessa história não evolutiva: O que esses gestos querem? _ Ana Lígia Leite e Aguiar _R 14 P 233

de controle: o publicitário.

_ Amine Portugal Barbuda

_R 14 P 127.

Situo as cenografias urbanas inseridas num mercado de competitividade entre cidades alimentadas por essa produção de imagens instantâneas, que são vivenciadas com intensa simultaneidade ao criarem uma rede rizomática de imagens virtuais que desmaterializa o tempo real e reforça o urbano como espaço germinador no qual a ideia de cenário, cenografia, realidade, cópia, verdade ou falso se desmaterializa em imagens eletrônicas. _ Eliézer Rolim _R 14 P 157.

Em grego, método quer dizer com (met) caminho (hodos). E desvio, em alemão é umweg, um caminho (weg) que dá volta (prefixo um-). Benjamin simplesmente lembra que o caminho não é sempre reto e direto (como propunha Descartes quando se trata de adquirir certezas no conhecimento), mas que há outras formas de caminho e de caminhar, dependendo do projeto de busca e de investigação ou de “exposição”, como ele também diz. _ Jeanne Marie Gagnebin

_R 14 P 15.


_ Paola Berenstein Jacques

_R 14 P 82 e 83

Benjamin sugere um caráter fugidio e indomável da verdade, e a forma que ele encontra para lidar com esta natureza esquiva é aquela identificada nos fragmentos e na forma do ensaio. Importa ao autor uma escrita descontínua, vacilante, dotada de cesuras, tal como a encontramos em Imagens de pensamento. Se podemos, ainda, falar de verdade, falamos somente de maneira ensaiada, num movimento de infatigável retorno ao princípio, sempre passível de renovação, realçando o estado de ruínas e inacabamento das coisas, bem como, de maneira indireta e não linear, uma escrita do desvio, nômade, que sonda, perscruta o objeto nos seus diferentes extratos de sentido, sem, contudo, entrar num estado de indiferenciação, já que marcada pela sobriedade reflexiva de cada ir e vir do pensamento. O caminho, ou melhor, o método benjaminiano se constitui de maneira interdependente com a linguagem e se apresenta na sua escrita com a intermitência que caracteriza a natureza vacilante da própria verdade. _ Rodrigo Araújo _R 14 P 248 e 249


_ Amine Portugal e Pasqualino Magnavita _R 14 P 143


O tempo como transformador das relações humanas e da percepção dos objetos que nos cercam é trabalhado por Bataille e Benjamin de uma forma crítica que foge ao senso comum, sobretudo pela visão que altera a linearidade. Prova disso é a forma como se constituem as obras desses dois filósofos. A concepção de ruína parece invadi-las a todo instante, como é o caso da obra Passagens, constituída de fragmentos, e a obra de Bataille, constituída de repetições, verbetes que vão configurando um verdadeiro labirinto. Deve-se entrar nesse labirinto como um trapeiro (chiffonnier) que sabe que vai ficar perdido e sem saída, pois rastros e restos que se encontram não produzem um conhecimento uniforme e homogêneo, mas heterogêneo, capaz de colocar em questão a realidade histórica. _ Alexandre Rodrigues da Costa e Vera Casa Nova

_R 14 P 42

Em Bataille, observamos a história se tornar obliterada, ou seja, o tempo que se inscreve em sua obra se move contra a história oficial. Uma das chaves de interpretação da história passaria por um novo entendimento da antropologia.

_R 14 P 45

A pesquisa partiu da evolução da cenografia do teatro para o mundo urbano contemporâneo. A sua evasão do teatro e sua exibição em praças, monumentos, memoriais, museus, viadutos e pontes criou uma revolução espacial imagética. Tal fenômeno pode ser chamado também de: cenografias urbanas, arquitetura dos sentidos, alegorias pósmodernas ou espaços espetaculares. _ Eliézer Rolim _R 14 P 156

_ Alexandre Rodrigues da Costa e Vera Casa Nova


_ Jeanne Marie Gagnebin

_R 14 P 209 e 210

Trata-se, portanto, de uma teoria estética no sentido duplo da palavra: no sentido etimológico amplo de uma teoria da percepção (aisthèsis) e no sentido moderno mais específico de uma teoria das artes e das práticas artísticas. Essa teoria estética também é, necessariamente, uma teoria da vida em comum, uma reflexão socio política, já que percepção e história humanas se transformam mutuamente.

_ Jeanne Marie Gagnebin

_R 14 P 204.

Imagens disparadas há tanto tempo, despertadas por nos assombrar em alguma medida, surgem para ser redimidas. Mas não é a redenção em que as salvamos delas mesmas ou as livramos de algum arrependimento. A começar, a libertação é antes a nossa, pelo apoio oferecido pelo intervalo entre o que vemos e o que nos olha. O retorno de um objeto, assim como a sua latência, e a demora em que podemos nos manter em um intervalo, é já a construção de uma história dos sentimentos e é a essa redenção a que faço referência anteriormente. As imagens retornam para que dialoguemos com elas de outra maneira, frontal ou tangente que seja. Como um fóssil vivo, esse retorno reanima a memória coletiva (…). _ Ana Lígia Leite e Aguiar _R 14 P 240 e 241

O que acontece num grupo social – e no espaço social – quando uma parte do grupo se desloca enquanto a outra continua no mesmo lugar? O que acontece para aqueles que permanecem e para aqueles que se movem?


_ Amine Portugal e Pasqualino Magnavita

_R 14 P 134.


como

fantasmagorias

._ Washington

Drummond.

_ João Soareas Pena _R 14 P 172

_R14P96

– aqui, no sentido benjaminiano.

habitam

imagens urbanas quanto elas nos

venientes. Nela, tanto vivemos as

seus atores e as imagens daí pro-

entre as diversas cenas urbanas,

se indistintas as linhas divisórias

interagem e se replicam, tornando-

ações e fusões de ambientes que

e imagens diferenciadas propicia

A zona informe de temporalidades


Todo esse movimento que acontece durante o dia vai cessando e, ao cair da noite, não o observamos mais. Então, as ruas estão mais vazias (menos carros e pedestres), as lojas fechadas; as pessoas que procuram o Centro não são as mesmas ou os interesses são diferentes e a ambiência já é outra. Saem os trabalhadores de rua que comercializam eletroeletrônicos, CDs e similares e aparecem outros sujeitos que também têm a rua como local de trabalho, como os michês, os travestis e as garotas de programa. _ João Soares Pena _R 14 P 175

Podemos resumir essas análises em dois pontos chaves: a grande cidade representa a vitória do racionalismo e do individualismo em detrimento de relações sociais mais orgânicas, mais afetivas, mais comunitárias que pertencem ao passado e que, apesar do seu encanto, também representavam uma ordem coercitiva e autoritária. _ Jeanne Marie Gagnebin

._R14P205.

A vida na grande cidade potencializa esses efeitos de aceleração e de anonimato pela rapidez dos transportes, dos encontros, e pela aglutinação de pessoas em espaços apertados de trabalho e de moradia. Georg Simmel, de quem Benjamin foi aluno, descreve essas mudanças já no início do século XX, em Berlim. Benjamin percebe em Baudelaire a transformação necessária da lírica: o poeta não é mais um enviado dos deuses (tema da perda da auréola), mas um transeunte anônimo, que deve cuidar para não ser atropelado (tema do choque), que troca olhares apaixonados com uma mulher que nunca mais virá (À une passante), que erra na cidade grande e não descansa mais numa natureza que perdeu seu caráter idílico. _ Jeanne Marie Gagnebin

_R14P14 e 15


_R 14 P 188

o anjo da história também é terrível. …

o olhar do crítico não suplanta o olhar do amante.

_Raimar Rastelly

_R 14 P 67

Opta-se, portanto, por uma iconologia do intervalo, e esta é uma expressão cara à proposta warburguiana, uma vez que a iconologia seria uma historiografia das imagens a partir de alguns gestos, sempre observados de modo intervalar, no detalhe, fazendo com que os espaços entre um campo e outro do Atlas pudessem ser preenchidos pelas indicações que a própria memória faria emergir. _ Ana Lígia Leite e Aguiar _R 14 P 226

Jorge Amado

e Acervo da Fundação Casa de

_ Osnildo Adão Wan-Dall Junior

(...) “saudade” através da Bahia.

No atual contexto de espetacularização das cidades e da especulação artística por meio de editais, a aliança entre arte, cidade e Estado como condição para criar compromete o “viver junto”, pressuposto básico para qualquer tipo de criação ou pensamento crítico a respeito da prática da intervenção urbana. _ Tiago Nogueira Ribeiro _R 14 P 168


Simultaneamente, trata-se de poder, segundo Certeau, distinguir com clareza entre o domínio dos mortos e o domínio dos vivos, isto é, ajudar os vivos a não ficarem presos do medo ou da melancolia, mas a viver no presente. E a inventar o futuro. Talvez possamos dizer, aproveitando algumas reflexões tanto de Ricoeur quanto de Benjamin, que, para isso, a literatura é de grande auxílio. Ela aponta para o futuro, ela é “profética” (Benjamin) ou comparável a um “sismógrafo” (Ricoeur) que diz que a terra está por tremer. A filosofia (e certamente a história também), como o pássaro de Minerva, a coruja; olha mais para trás, no crepúsculo; ajuda a refletir sobre o dia que passou. Ambas são imprescindíveis. _ Jeanne Marie Gagnebin _R14P17.

Benjamin, certamente como Warburg, que conheço pouquíssimo, também tentava pensar relações entre elementos artísticos e, igualmente, momentos da memória, que não podem ser explicitadas por relações lineares de causa/efeito ou de anterioridade cronológica constitutiva. No campo das artes, a linearidade temporal é um modelo muito limitado. Fala-se em influências, por exemplo, mas se sente a insuficiência dessa categoria. Benjamin lança mão de várias metáforas que permitem pensar essas relações de maneira mais livre e mutante. Assim, como as próprias práticas artísticas também o revelam, o sentido muda segundo a ordem de montagem dos diversos elementos, a constelação permite nomear um conjunto (como o faz a constelação com as estrelas) sem fixá-lo de maneira definitiva. Certamente, essas metáforas, que permitem uma inventividade lúdica, participam das mesmas tentativas de estranhamento e de reorganização que propuseram os surrealistas. Em termos emprestados a Bertold Brecht, tão importante para Benjamin, trata-se sempre de Versuchsanordnungen, isto é, de “ordenações experimentais”, de uma série de exercícios (o conceito de exercício é essencial em Benjamin) que visam a uma nova apreensão e a uma transformação do “real”. _ Jeanne Marie Gagnebin _R14P16.



LABORATÓRIO: DESDOBRAMENTOS DEFENDIDOS Eduardo Rocha Lima Arquiteto - urbanista, pós-doutorando PPG Arquitetura e Urbanismo UFBA, membro Laboratório Urbano e equipe PRONEM

Fragmentar o arquivo. Eis o método escolhido para o mergulho na produção de teses, dissertações e trabalhos finais de graduação – 29 no total – defendidos por membros do Laboratório Urbano, durante o último triênio (2011-2014), período em que estivemos na pesquisa “Experiências Metodológicas para a Compreensão da Complexidade da Cidade Contemporânea” (PRONEM). Mais do que nos apresentar um resultado da pesquisa, posto que optamos por incluir trabalhos defendidos desde os seus primórdios, em 2011, o arquivo vasculhado fala dos desdobramentos de um processo de investigação sobre a cidade – no campo disciplinar do Urbanismo, conectado com diversos outros campos e saberes – que vem sendo fabulado desde o ano de 2002, momento de criação do grupo de pesquisa Laboratório Urbano,1 vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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Longe de querermos apresentar os procedimentos de uma pesquisa, afirmando-a enquanto ciência, na qual a “cidade” seria o objeto central da investigação, a fragmentação de cada trabalho do arquivo em palavras, parágrafos, conceitos, citações/autores, imagens, tira o foco dos temas e questões centrais de cada defesa e faz desse arquivo um ficheiro de dados diversos e desprendidos de seus autores individuais, dentro do qual, com a pretensão de expor o pensamento que parte de um grupo de pesquisa, precisamos criar nexos, encontrar pontos de conexões e de inflexões ainda invisíveis, articulando a multiplicidade de suas peças. Embaralhados e espalhados sobre uma mesa, as conexões aos poucos emergem entre os fragmentos.2 A ideia de “experiências metodológicas de apreensão da cidade”, mote da Pesquisa PRONEM, claramente aparece em várias peças na mesa, as quais nos guiam numa miscelânea de fragmentos em ligações improváveis e temporárias, construindo desenhos que configuram a produção de pensamento do grupo. Desta forma, em mosaico de peças soltas formulada em torno de experiências metodológicas, é perceptível certo modo de fazer pesquisa pelo grupo, não único, mas em destaque numérico em relação aos outros. Enuncio este modo de fazer pesquisa como “experimentações etnográficas da cidade”. Torna-se legível, a partir dos fragmentos analisados, a experimentação3 como modus operandi do grupo, pois a etnografia nas pesquisas do Laboratório Urbano se constitui mais como um desafio à presença do pesquisador na cidade de seu interesse – um colocar-se em copresença com os atores do seu cotidiano – do que como um método aplicado com categorias e protocolos práticos previamente delimitados a serem seguidos, específicos de determinada produção científica.

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Caminhadas, derivas, deambulações, pedaladas, travessias, trajetos e percursos por entre ruas e bairros assumem ponto central na fabulação do conhecimento sobre o espaço. Imerso no frenesi das ruas, no corpo a corpo aberto ao entrelaçamento de trajetórias, a experiência compartilhada, físico-sensorial e subjetiva do pesquisador (sujeito que caminha e vivencia a cidade) é justificada, conceituada e discutida em diversos trabalhos do grupo no afã da criação de discursos sobre a cidade onde sujeito e objeto se entrelaçam na narração de espaços vividos. A ideia de “Experiência” presente nos trabalhos analisados do Laboratório Urbano trata do estado e da condição de um pesquisador imerso em ambiências urbanas para se distanciar do olhar totalizante oriundo do olho demiurgo, como diz Michel de Certeau (1994), aquele que opta por ver a cidade de cima – do alto de um edifício ou de um satélite, pelas imagens do Google, ou por meio de mapas substanciosos em dados numéricos – acreditando na leitura do “texto claro da cidade planejada e visível”.4 A experiência do pesquisador no entremeio das relações difusas do espaço praticado. Experiência e prática do espaço são duas noções que se comunicam diretamente e são explicitamente caras a este grupo. No entanto, se distinguem entre si pelo sujeito da ação: pela via da experiência, o pesquisador se coloca em campo e assume sua presença – e consequente posição endógena na produção do seu pensamento sobre a cidade – em relação imbricada à prática dos muitos outros urbanos, dos sujeitos ordinários da rua que espacializam e significam o território por meio de suas ações. Com a ideia de “prática urbana”, os usos e apropriações dos espaços são investigados e, em alguns casos, mapeados. Assim, a cidade em movimento, que se constrói por entre a fixidez da cidade planejada, ganha o status de um “espaço etnografado”, espaço entendido

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e exposto pelas relações sociais que nele se estabelecem, engendrando a política da rua tramada pelo choque entre os corpos que, no presente de suas ações, delimitam os contornos conflituosos da forma espacial. Pelo exercício de uma experiência da cidade, o pesquisador do Laboratório Urbano problematiza os modos de ação do arquiteto-urbanista – sua maneira de fazer – e a concepção de políticas públicas de intervenção sobre a cidade que o envolve, assim como questiona o papel social deste profissional, numa construção crítica à prática do pensamento urbanístico contemporâneo. Vale ressaltar a existência de trabalhos com teor historiográficos, nos quais tanto ações urbanísticas do passado – planos urbanísticos desenvolvidos para Salvador, por exemplo – como espaços urbanos são discutidos por meio do levantamento de documentos históricos e de produções estéticas que falam de práticas do espaço e configuram um tempo outro da cidade, pelos quais se busca a elaboração de um entendimento possível do presente urbano. Intervenções artísticas sobre a cidade também são discutidas na produção do grupo, o qual tem em sua formação um número variado de pesquisadores oriundos de áreas distintas do conhecimento – historiador, sociólogo, geógrafo, urbanista, filósofo, advogado, psicólogo, antropólogo, artista, arquiteto-urbanista – o que caracteriza pesquisas individuais atravessadas em multidisciplinaridade praticada pelo compartilhamento semanal das leituras programadas, oriundas dos diversos campos do saber, durante as tardes de reuniões do grupo dentro da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFBA. Apreender as práticas urbanas que conferem vida e movimento ao espaço citadino e, assim, explanam o confronto com as estratégias

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EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


do poder que são expressas pelo controle urbanístico, constantemente intensificador da segregação social. “Ações astuciosas”, “práticas sociais reputadas indignas de uma cidade civilizada”, “práticas sexuais dissidentes no espaço público”, “atividades consideradas subversivas na rua”, “prática cotidiana do homem comum”.5 Ações, práticas, modos de ser e de estar de sujeitos informes que desviam as regras verticais do jogo urbano pelo exercício de suas presenças, de suas corporalidades criativas e muitas vezes monstruosas, avessas à pretendida pacificação homogeneizante e enobrecedora da cidade. A política do presente urbano que deriva da densidade social e histórica constituinte do espaço citadino é um elemento que, de diferentes formas e com o auxílio de um variado leque de conceitos e autores, é discutido e investigado em diversas pesquisas do Laboratório. Por meio de sua experiência da cidade, o pesquisador deste grupo levanta – faz aparecer – o que Georges Didi-Huberman (2011) chama de um “saber vaga-lume. Saber clandestino, hieroglífico, das realidades constantemente submetidas à censura [...] saber de uma humanidade descartável, como papéis que vão para o lixo”.6 Saber apreendido de maneira direta pela prática da copresença com os sujeitos de rua – “sujeitos que vivem dos restos”, “atores urbanos ambulantes”, “sujeitos sexualmente desviantes”, “sujeitos que articulam a cotidianidade do espaço”, “sujeitos ordinários urbanos”.7 Saber potente de formas de vidas que, ao acontecerem na sarjeta da rua, questionam e subvertem lógicas hegemônicas da reprodução capitalista do espaço urbano. Eis o caminho crítico traçado por este grupo de pesquisa aos pensamentos urbanísticos que remodelam as cidades, seja pela valorização histórica de sua concretude – patrimônio arquitetônico

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como dispositivo de regulação urbana –, pela criatividade projetiva que concebe áreas prenhes de ícones arquitetônicos pósmodernos enquanto chamariz de turistas e investidores, ou pela lógica da cidade dos semelhantes, fechada em si sob a marca do condomínio residencial. Ideário dos urbanismos hegemônicos que transformam áreas urbanas em cenários para a livre fruição de interesses privados em detrimento de muitas outras formas de vidas comunitárias que se articulam nessas áreas. Vidas estas obrigadas, então, a resistir, produzindo uma cidade-outra, possível pelo movimento, pela prática espacial e pela força astuciosa do sujeito que a produz cotidianamente, no embate com o outro, o diferente. É neste modo de produção de cidades – “cidade resto”, “cidade nômade”, “cidade incomensurável”, “cidade sensual”, “cidade do infame”, “cidade da fábula” – onde se fixam os olhos, as curiosidades e os desejos de vários pesquisadores do Laboratório Urbano. O urbanismo apresentado e defendido por este grupo tem o espaço vivido como seu fundamento. Nas cidades narradas pelo grupo, a produção do espaço é diretamente imbricada aos conflitos humanos que o permeiam, o poluem, o erotizam: o animam. Por este caminho é estruturada a crítica ao pensamento urbanístico positivista que tem a cidade enquanto objeto técnico, apto a ser investido pelo saber científico-tecnológico, na ânsia da potência máxima do seu rendimento financeiro, equalizando, em devaneios prospectivos e pouco convincentes, as distâncias sociais. No Laboratório Urbano, o Urbanismo antes de ser científico é experimental. Os escritos que dele partem não se pretendem enquanto proclamadores de um método ou de uma teoria. Na verdade, estes escritos expõem leituras específicas de espaços singula-

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EXPERIÊNCIA APREENSÃO URBANISMO


res, produzindo um conhecimento incorporado de cidade, o qual esperamos que sirva de estímulos e de fontes para outras experimentações, que farão surgir outras cidades narradas de dentro. É por esta maneira de fazer que entendemos que é preciso fabular conhecimentos sobre o espaço urbano. Teses, dissertações, trabalhos de graduação defendidos (2011-2014) 1. Construções subjetivas no centro de Salvador: a vida 100 museu e a memória. Clara Bonna Pignaton (Mestrado Arq/Urb, orientador Pasqualino Magnavita), 2011. 2. Deambulações pelo aglomerado da Serra: lentidão, corporeidade e obliteração em favelas de Belo Horizonte. Thiago de Araújo Costa (Mestrado Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2011. 3. Rua de contramão: o movimento como desvio na cidade e no urbanismo. Gabriel Schvarsberg (Mestrado Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2011. 4. Dos espaços de apropriação: o Minhocão de São Cristóvão. Clara Passaro (Mestrado Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2011. 5. Espaço-Movimento: desestabilizações arquitetônicas na produção da cidade contemporânea. Mariana Ribas (Mestrado Arq/Urb, orientador Pasqualino Magnavita), 2011. 6. Cine-Teatro-Rua: possibilidades para o Fim-de-linha do Uruguai. Ícaro Vilaça (TFG Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2011.

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7. Morar na Carlos Gomes: possibilidades e limites para a Habitação de Interesse Social no Centro de Salvador. Diego Mauro (TFG Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2011. 8. Dobras de Deleuze, desdobramentos de Lina Bo Bardi: as dbras deleuzianas nos desdobramentos éticos-estéticos de Lina Bo Bardi. Lutero Pröscholdt (Mestrado Arq/Urb, orientador Fernando Ferraz), 2011. 9. Os usuários do Dois de Julho: encarando o uso do crack no espaço urbano. Jamile Santana (TFG Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2011. 10. Cidades-Sensuais: práticas sexuais desviantes X renovação do espaço urbano. Eduardo Rocha Lima (Doutorado Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2012. 11. Ações coletivas na cidade: desejo e resistência. Milena Durante (Mestrado Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2012. 12. Corpo de prova: a análise de um processo como produção de cidade. Amine Portugal (TFG Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2012. 13. O artefato cenográfico na invenção do cotidiano espetacularizado. Eliézer Rolim (Doutorado Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2013. 14. Espaços de confinamento: fronteiras e permeabilidades. Renato Wokaman (Mestrado Arq/Urb, orientador Washington Drummond), 2013. 15. Das narrativas literárias de cidades: experiência urbana através do Guia de ruas e mistérios da Bahia de Todos os Santos. Osnildo Adão Wan-Dall (Mestrado Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2013

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16. Espaços de excitação: cines pornôs no Centro de Salvador. João Pena (Mestrado Arq/Urb, orientador Washington Drummond), 2013. 17. ITAPAGIP3. Daniel Sabóia, Fábio Steque, Patrícia Almeida (TFG Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2013. 18. Dança e Intervenção Urbana: a contribuição do regime dos editais para a espetacularização da arte e da cidade contemporânea. Tiago Ribeiro (Mestrado Dança, orientador Fabiana Dultra Britto), 2013. 19. Dança como campo de ativismo político: o bicho caçador. Verusya Santos Correia (Mestrado Dança, orientador Fabiana Dultra Britto), 2013 20. Cidade resto: o espaço (da) roupa e o que (sobre)vive entre Baixa dos Sapateiros e Parque Novo Mundo. Marina Cunha (Mestrado Arq/Urb, orientador Thais Portela), 2014. 21. Da cidade do governo dos homens: imunidade radical e biopolítica na cidade contemporânea. Gustavo França (Mestrado Arq/ Urb, orientador Fernando Ferraz), 2014. 22. Em busca da “cidade civilizada”: planos de conjunto para a Bahia dos anos 30 e 40. Felipe Caldas (Mestrado Arq/Urb, orientador Washington Drummond), 2014. 23. Escutar o invisível, interrogar o habitual: uma aproximação do espaço e suas práticas cotidianas em Ipatinga (MG). Janaína Chavier (Mestrado Arq/Urb, orientador Fernando Ferraz), 2014. 24. Paisagens praticadas nas orlas de Salvador: uma metodologia experimental de apreensão crítica. Joaquim Oliveira (TFG Arq/ Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2014.

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25. Lapinha: vazio(s) imaginário(s). Matheus Lins (TFG Arq/Urb, orientador Paola Berenstein Jacques), 2014. 26. Instalação coreográfica: limiar e crítica. Ana Rizek Sheldon (Mestrado Dança, orientador Fabiana Dultra Britto), 2014. 27. Onde o sertão reside: o sertão na terceira margem de Brasília. Priscila Erthal (Mestrado Arq/Urb, orientador Thais Portela), 2014. 28. Práticas de beira das cidades antes navegáveis às cidades transpostas pela barragem de Sobradinho. Jurema Cavalcanti (Mestrado Arq/Urb, orientador Thais Portela), 2014. 29. O arquiteto-habitante: um modo de compor relações. Cinira D’Alva (Mestrado Arq/Urb, orientador Washington Drummond), 2014 .

NOTAS A lista e resumos dos trabalhos defendidos entre 2002 e 2011, antes da pesquisa PRONEM, e aqueles ainda em andamento (ou defendidos em 2015), estão disponíveis no site do grupo de pesquisa: <www.laboratoriourbano.ufba.br>. 1_

2_ A ideia de desmontar o arquivo em fragmentos para em seguida remontá-los em busca de conexões antes invisíveis parte do método da Montagem, com base no historiador

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da arte Aby Warburg. Sobre este método, conferir Montagem Urbana, de Paola Berenstein Jacques, no quarto tomo desta coleção. 3_ Palavra aqui vinculada ao risco e a incerteza de uma ação enquanto metodologia de pesquisa, e não ao experimento enquanto prática de laboratório com normas e regras a serem seguidas e resultados a serem alcançados ou comprovados.

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4_ CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 171.

7_ Todas estes “sujeitos” foram retiradas dos trabalhos defendidos pelo grupo.

5_ Frases extraídas dos trabalhos do Laboratório Urbano analisados.

8_ Todas estas “cidades” foram retiradas dos trabalhos defendidos pelo grupo.

6_ DIDI-HUBERMAN, Georges. Sobrevivência dos vaga-lumes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 136

9_ Frases extraídas dos trabalhos do Laboratório Urbano analisados.

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DIAGRAMA


rastros do flâneur

quando o pornô vai à cidade

dança e intervenção urbana

o artefato cenográfico na invenção do cotidiano espetacularizado

salvador cidade do século xx

exercício experiência, memória e narração da cidade

da cidade cúmplice à cidade insurgente

o rumor das narrativas

percursos topográficos e afetivos pela cidade de são paulo

genealogia e historiografia: dissolução do sujeito, elisão da memória

o exu do percurso

experiência das ruínas

a baixa da costureira

rachel thomas por fabiana dultra britto

performar a lentidão

baixo bahia futebol social

observando as ruas do centro de salvador

musa

espiar o para-formal na cidade de salvador

a marcha das vadias

campanha não-eleitoral

rio: cidade ocupada, cidade resistente!

praia da estação como ação política

relatos das praças tahrir e puerta del sol, 2011

alma-corpo-arte... arma corpo arte

francesco careri por paola berenstein jacques REDOBRA 11

teses sobre walter benjamin

o lobisomem na cidade

benjamin e kracauer: algumas passagens

história e dilaceramento

anotações sobre a paris de benjamin

jeanne marie gagnebin

o desvio através das práticas de ócio/lazer

uma esquina de permanências

tarô de memórias

introdução ao jogo da escrita sobre os trabalhos de campo

a cidade e o estrangeiro

sob o signo do vagalume: artistas observadores de cidades

experiências metodológicas para apreensão da cidade contemporânea

o engajamento dos corpos nos percursos urbanos

transurbância + walkscapes ten years later

flanâncias femininas e etnografia

olhares perdidos sobre uma cidade

a cidade caminhada... o espaço narrado

cidade, criação e resistência

corpo de prova

poéticas tecnológicas

perfografia

espacialidades da experiência-salvador

os ouvidos das ruas ou auscultadores urbanos

transbordar a fonte

2061 cenários utópicos para avenida paralela

debate público

a lentidão no lugar da velocidade

discutindo cidades e tempos

homens lentos, opacidades e rugosidades

partilha e conflito no espaço público

trilha | transurbância salvador cappo lineapassarela

o devir ambiente do mundo urbano

pensamento vivo de ana clara torres ribeiro

alessia de biase entrevista ana clara torres ribeiro REDOBRA 9

REDOBRA 12

REDOBRA 14

salve-se quem puder!

experiência do impossível

experiência rizomática

experiência errática

desterritorialização / rostidade, fluxo e buraco negro / espaços estriados, espaços lisos, espaços de fluxos

trilhando uma epistemologia da lentidão

cartografar o movimento: narrativas da sarjeta

a cidade-museu e os arranjos para uma investigação

cartografia em jogo


a cidade no cinema documental dos anos 1920

como viver junto? uma comunidade de estrangeiros

narrativas urbanas literárias como apreensão e produção da cidade contemporânea

deambulações de walter benjamin: entre as imagens do pensamento e o haxixe

horizonte distante: warburg, glauber e a fabricação da história dos afetos

derivas urbanas, memória e composição literária

maria stella bresciani

rua gregório de mattos em dia de são jorge e no dia seguinte

passarela do iguatemi

insistência urbana

oficina: in-sistir #1!

a pé ao oratório – ou a caminhada impossível

sobre encontros e modos de sentir

direito visual à cidade

a ideia de corpografia urbana como pista de análise

cartografias da ação

etnografias urbanas

o lugar contingente da história e da memória na apreensão da cidade

figurações espaciais e mapeamentos na lírica social de

questões e interlocuções

de patrimônio, ruínas urbanas e existências breves

inútil paisagem

epifania urbana sobre corpos imóveis

itapagip3

como narrar o campo?

sobre acúmulos e sobreposições

cidadeando

fazer corpo, tomar corpo e dar corpo às ambiências urbanas

oficinas e seminário de articulação

breve relatório sobre a primeira de uma série de opacificações urbanas

deriva parada

o chão nas cidades

corporeme:audiovisual presencial/virtual

limites e limiares/ corpo e experiência

entre os diversos tempos plano de notas

cidade, cultura, corpo e experiência

oficina [in]sistir #1

paola berenstein jacques entrevista alessia de biase do seminário público ou a zona de risco

o livro disfarçado

dois dias e três tempos REDOBRA 10

REDOBRA 13

SUBJETIVIDADE CORPO ARTE

ALTERIDADE IMAGEM ETNOGRAFIA

MEMÓRIA NARRAÇÃO HISTÓRIA

diagrama da produção das revistas Redobra [2012/2014], segundo a predominância dos temas de cada tomo desta coleção

www.redobra.ufba.br

conglomerado

crítica e engajamento

por uma postura antropológica de apreensão da cidade contemporânea

podemos todos ser etnógrafos?

experiências urbanas

dos espaços de apropriação

morar na carlos gomes

cine-teatro-rua

os usuários do dois de julho

teatro do jornal

composição do comum

oficinar ao habitar

selva quintal-comum


Equipe do projeto de pesquisa PrONEM. [entre 2011 e 2015] Programa de Apoio a Núcleos Emergentes - FAPESB/CNPq “Laboratório Urbano: experiências metodológicas para a compreensão da complexidade da cidade contemporânea” COORDENADORES DE ATIVIDADES [UFBA e UNEB]. Fabiana Dultra Britto Fernando Gigante Ferraz Francisco de Assis Costa Luiz Antonio de Souza Paola Berenstein Jacques (coord. geral e UFBA) Pasqualino Romano Magnavita Thais de Bhanthumchinda Portela Washington Luis Lima Drummond (coord.UNEB) PESQUISADORES CONVIDADOS. Alessia de Biase – LAA–CNRS - Paris Ana Clara Torres Ribeiro – in memoriam, IPPUR/UFRJ Cibele Saliba Rizek – IAU/USP-SC Francesco Careri – LAC/Roma Tre - Roma Frederico Guilherme Bandeira de Araujo – IPPUR/UFRJ Lilian Fessler Vaz – PROURB/UFRJ Margareth da Silva Pereira – PROURB/UFRJ Rachel Thomas – CRESSON-CNRS – Grenoble Regina Helena Alves da Silva – PPGHIS/UFMG Suely Rolnik – PUC-SP


ESTUDANTES E EGRESSOS [UFBA e UNEB]. Amine Portugal Barbuda Ana Rizek Sheldon Breno Luiz Thadeu da Silva Carolina Ferreira da Fonseca Cinira d’Alva Clara Bonna Pignaton Daniel Sabóia Diego Mauro Muniz Ribeiro Dila Reis Mendes Eduardo Rocha Lima Felipe Caldas Batista Gabriel Schvarsberg Gustavo Chaves de França Ícaro Vilaça Numesmaia Cerqueira Janaina Chavier Silva João Soares Pena José Aloir Carneiro de Araujo Jurema Moreira Cavalcanti Keila Nascimento Alves Luciette Amorim Luiz Guilherme Albuquerque Andrade Maria Isabel Costa Menezes da Rocha Marina Carmello Cunha Milene Migliano Osnildo Adão Wan-Dall Junior Patricia Almeida Paulo Davi de Jesus Pedro Dultra Britto Priscila Valente Lolata Renato Wokaman Rose Laila de Jesus Bouças Tiago Nogueira Ribeiro Verusya Santos Correia WWW.LABORATÓRIOURBANO.UFBA.BR/PRONEM


Esta coleção foi publicada no formato 135 x 202mm em papel Offset 90g/m² para o miolo e Triplex 350g/m² para capa, na Gráfica Santa Marta na Paraíba. As fontes utilizadas foram DIN e Sentinel. Tiragem de 1.000 exemplares. Salvador, 2015




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