Lacta 100 anos, muito prazer
Apresentação
O chocolate primeiro era um enigma; depois se tornou moeda; séculos mais tarde se tornaria mania de nobres e endinheirados, até chegar ao século 21 como uma iguaria acessível e desejada por quase todos (sim, acredite, há quem não goste de chocolate!). As suas indústrias giram bilhões de dólares, empregando milhares de trabalhadores, de agricultores a técnicos em química ou robótica, de especialistas em embalagens a gourmets. Em torno do fruto do cacaueiro criou-se, ao longo dos séculos, uma verdadeira roda da fortuna. A “descoberta” do chocolate é, por si só, uma epopeia que percorre milênios de história, desde os primeiros sinais de seu uso, entre os olmecas, uma civilização pré-colombiana que teria vivido entre 1.500 e 400 a.C., próximo ao Golfo do México. Seria preciso muita inventividade e a colaboração de muitas gerações para que, em algum momento dessa evolução, o segredo do cacau fosse revelado. E, curiosamente, ele não estava na polpa adocicada do fruto, mas nas amargas sementes que, após serem torradas, exalavam um aroma delicioso e sugestivo.
Na primeira parte desta publicação o leitor será apresentado aos sucessivos passos até chegarmos aos tabletes de chocolate dos dias de hoje, passando pela beberagem amarga e apimentada tão valorizada por olmecas, maias e astecas, e pela bebida adoçada e quente, servida em requintadas peças de porcelana nos salões mais nobres da Europa. Por meio de trechos de ficção mesclados à história, o leitor será convidado a seguir os passos de frei Bernardino de Sahagún, um dos primeiros a relatar o uso do cacahuatl entre os povos americanos; acompanhará o meticuloso preparo de uma receita exclusiva de chocolate com jasmim criada na Florença renascentista; e, por fim, acompanhará uma dupla descoberta tecnológica realizada pela família Van Houten, e que propiciaria a transformação do chocolate líquido em tabletes comestíveis, permitindo, assim, o surgimento das primeiras indústrias de chocolate. Uma dessas primeiras indústrias de chocolate é brasileira, nascida há cem anos na cidade de São Paulo como Societé Anonyme des Chocolats Suisse de S. Paulo. Mas foi com o nome de Lacta que faria história no Brasil. Essa rica trajetória, relatada na segunda parte, acompanha as transformações pelas quais passou o próprio país, que em um século de rural se tornaria urbano, de eterna promessa se confirmaria como um dos emergentes deste século 21, de exportador de cacau passaria a ser o sexto maior mercado consumidor de chocolates do mundo. Em 1996 a Lacta foi adquirida pela Kraft Foods. Essa aquisição traria novo vigor e visibilidade às consagradas marcas da empresa, capazes de provocar água na boca com sua simples menção. Por exemplo, Sonho de Valsa, um nome definitivamente associado ao bombom mais consumido por aqui; Diamante Negro, outra marca que dispensa apresentações; o mesmo vale para Laka, que se tornaria sinônimo de chocolate branco; ou Bis, provavelmente o primeiro chocolate que as mães costumam dar aos seus filhos por aqui. Além desses quatro grandes ícones do mercado consumidor brasileiro, centenas de novos modelos de ovos de Páscoa encantam crianças e adultos a cada ano. A mobilização que antecede este feriado é intensa e vem se revelando fundamental para a consolidação da indústria do chocolate no Brasil. Não é fácil fazer um bom chocolate, mas todos reconhecem quando têm um derretendo na língua. Como o chocolate é percebido pela nossa língua? E desta, como a percepção atinge o cérebro, desencadeando aquelas sensações de prazer tão conhecidas de todos – os segundos preciosos que se seguem à degustação do chocolate? O terceiro capítulo especula sobre os “segredos químicos” do chocolate e se encerra mostrando as etapas que envolvem a sua fabricação, da fermentação da polpa à temperagem da massa, do acréscimo de outros ingredientes à pesquisa por novos sabores e formulações. Uma empresa completar um século de existência não é algo corriqueiro – nem aqui, nem no resto do mundo. É um formidável atestado de confiança, renovado dia após dia por consumidores satisfeitos, tanto pela constância na qualidade das marcas tão queridas quanto pela empresa não se acomodar no sucesso já estabelecido. Consumidores são, por definição, insaciáveis. Boas indústrias também. Querem sempre alargar novas fronteiras de sabor, propor sensações ainda não experimentadas, criar novas manias. Se elas forem, além de tudo, deliciosas, que sejam muito bem-vindas. É o que a Lacta espera para seu próximo centenário: seguir oferecendo suas marcas consagradas por gerações de brasileiros, acrescentando, a cada ano, novidades no maravilhoso mundo de sabores que nasce, há muitos séculos, da semente torrada de uma pequena árvore nativa das Américas.
SUMÁRIO
Da
América para o mundo
Brasil entra na Valsa
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Primeiras indústrias, primeiros chocolates 35 Uma fábrica para a Lacta 45 A lapidação de um diamante 66 O bombom do Brasil 71 Bis, Bis ... 84 A nova fábrica no Brooklin 88 Como a Páscoa virou Lacta 94 O reflexo branco 105 A Kraft chega ao Brasil 120
Chocolate :
muito prazer
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Referência
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agradecimentos
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Créditos de imagens
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ficha técnica
| 161
DA AMÉRICA PARA O
MUNDO
Cidade de Tlatelolco, Vice-Reino do México, 1540. Frei Bernardino de Sahagún chamou Alonso, o noviço recém-chegado da Universidade de Salamanca QUE VIERA para dar aulas de latim no Colégio real de Santa Cruz, EM TLATELOLCO. “Vamos dar uma volta PELA cidade, você precisa conhecer os astecas”, CONVIDOU O FREI. Com o vigor de seus 41 anos, dos quais os últimos 11 viveRA no México, o religioso JÁ cruzara os longos caminhos que ligavam o planalto mexicano – ONDE VIVIA O POVO ASTECA – ao porto de Veracruz e às ricas regiões produtoras de cacau, situadas mais ao sul DO PAÍS. ESSAS TERRAS ERAM ANTES PERTENCENTES AOS MAIAS, POVO SUBJUGADO PELO ESPÍRITO GUERREIRO DOS ASTECAS, E ALI começava uma densa floresta tropical. AGORA ERAM OS PRÓPRIOS ASTECAS QUE SOFRIAM PARA SE ADAPTAR À REALIDADE DOS NOVOS CONQUISTADORES, OS EUROPEUS. Sem dúvida o clima da região antigamente habitada pelos maias era muito diferente do da árida Tlatelolco, cidade-irmã da Tenochtitlan, a antiga capital do Império asteca. Ali, a vida girava em torno do grande mercado, o lugar perfeito para que o jovem missionário fosse apresentado aos paradoxos de um povo que tentava aprender as novas regras dos colonizadores e, ao mesmo tempo, lutava para não perder a herança de seus antepassados.
Fluente em nahuatl, a língua local, frei Bernardino era bem popular entre os nativos, que já estavam acostumados aos longos e meticulosos interrogatórios conduzidos por ele ou por alguns de seus melhores alunos do Colégio Real de Santa Cruz. A escola havia sido a primeira a ser erguida na nova colônia e recebia os filhos da elite asteca e dos primeiros funcionários públicos e fazendeiros vindos da Europa que se arriscavam por aquelas terras. O frei já acumulava na biblioteca do colégio centenas de páginas com descrições detalhadas, depoimentos e muitos desenhos copiados de livros antigos sobre a população local e seus costumes. Sua tática, em qualquer lugar que fosse, era sempre procurar pelos mais velhos, aqueles que ainda conservavam na memória os mitos fundadores daquele povo, que, por sua vez, parecia caminhar rapidamente para a extinção – ou para a completa assimilação. Assim que desceram as escadas do colégio, os dois foram cercados por crianças oferecendo abacates, limões, pimentas e outras pequenas frutas ainda desconhecidas por Alonso, que gaguejava em espanhol tentando acompanhar os passos vigorosos de Bernardino de Sahagún. O frei tinha acabado de parar diante de uma barraca naquele instante. O mercado de Tlatelolco não era nem a sombra do que fora há cerca de 20 anos, quando Hernán Cortés e seus 600 soldados entraram na cidade vizinha, Tenochititlan: uma massa compacta de cinco mil barracas e mantas coloridas estendidas, por onde circulavam diariamente mais de 50 mil pessoas. Depois das epidemias que dizimaram cerca de um quinto da população e as deposições e mortes dos imperadores Montezuma II e Cahuatemoc, a cidade tivera tanto a sua população como a sua importância incrivelmente diminuídas.
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Ainda assim, o movimento na feira era intenso e Alonso se espantou com a quantidade e variedade de produtos: flores e frutos exóticos, finos tecidos de algodão, cestos trançados de palha, cabaças, cuias e utensílios domésticos feitos de madeira, cascas de tartaruga e afiadas machadinhas de pedra – algumas delas usadas em rituais de sacrifícios humanos, agora proibidos após a chegada dos espanhóis. A paisagem era ainda composta por braseiros, sobre os quais sempre havia algum alimento sendo oferecido, de milhos coloridos a lagartas, animal que naquela terra era considerado uma iguaria. Um aroma forte emanava daquela pequena barraca onde os dois haviam parado. O frei trocou algumas palavras com a vendedora, enquanto esta lhe mostrava alternadamente diferentes grãos escuros, parecidos com amêndoas, que Alonso jamais vira antes. Depois de cheirar vários tipos, Bernardino escolheu um deles, mostrando-o para o pupilo: aquilo era cacau. Enquanto a vendedora de longos cabelos negros e pele castigada pelo sol dava ordens a uma criança, que correu para buscar alguma especiaria na barraca vizinha, Bernardino dirigiu-se novamente para Alonso: “Está na hora de conhecer a bebida mais importante dessa terra: o cacahuatl. E se você andou se esforçando nas aulas de nahuatl, deve saber do que estou falando”. O noviço rapidamente confirmou sua fama de aluno aplicado, informada por seus superiores do convento de Salamanca: “Já sei que atl é água, frei, mas o resto da palavra deve ser essa semente escura que o senhor cheirou”.
Agito no mercado: entre frutas, flores e produtos exóticos, o forte aroma do cacahuatl pairava pelo comércio. (Afresco, 2007)
Bernardino de Sahagún pegou uma das sementes e apresentou-a a Alonso: “IsTo aqui, para esse povo, é mais do que uma bebida muito fina e cara: é dinheiro! Há menos de 30 anos, antes da nossa chegada, com cem boas sementes desTas se comprava um escravo! Trinta delas valiam um peru”, riu o frei, devolvendo a semente à vendedora, que a juntou ao punhado que separara para preparar a bebida.
Alonso acompanhou com os olhos a cacahuatera, que se ajoelhou diante de uma espécie de mesa baixa, feita de pedra, com formato côncavo, a qual frei Bernardino acabara de chamar de metate. Com a ajuda de uma pedra menor, mais arredondada, a vendedora moeu as sementes com cuidado para que as partículas não se perdessem, revirando-as com uma espátula, até reduzi-las a pó. Depois acrescentou uma pasta esbranquiçada, que Alonso rapidamente reconheceu como sendo de milho, alimento do qual ele forçosamente teria de aprender a gostar. Tudo ali girava em torno do milho e daquele tal de cacau, que agora estava prestes a experimentar. Mas ainda havia mais trabalho pela frente: a vendedora agora transferia aquela massa escura para duas vasilhas feitas de cabaça, ricamente desenhadas. Era preciso reconhecer que esses selvagens tinham senso artístico, pensou Alonso, sem ousar se referir nesses termos a seu superior, que parecia nutrir uma curiosidade sem fim por eles. Em uma das cabaças, viu que a mulher colocou pétalas de uma flor branca e amarela – que mais tarde descobriria se chamar izquixochitl. Seu aroma era semelhante ao das rosas, e era o tempero preferido de frei Bernardino de Sahagún e de muitos astecas. A mulher também acrescentou à mistura o que Alonso julgou serem pimentas vermelhas e verdes. Na outra cabaça – que descobriu que estava sendo preparada para ele –, a mulher triturou algumas sementes que deixaram sua mão completamente vermelha: era urucum, conhecido ali como achiote, outra novidade do Novo Mundo. Juntou outro punhado de pimentas e socou tudo, acrescentando água fria. Depois, a vendedora pegou uma vasilha vazia e lançou aquela beberagem, uma escura e outra vermelha como sangue, de um vaso para outro, alternadamente, o
que aos poucos provocou o surgimento de uma densa espuma nos dois líquidos. O ritual chamou a atenção de muitos passantes, gente pobre que circulava pelo mercado de Tlatelolco buscando conseguir favas de feijão ou tortillas em troca de algum serviço. Para eles, um cacahuatl era uma bebida inacessível, mas eles podiam, pelo menos, acompanhar a sua preparação. Por fim, os dois receberam suas bebidas. Alonso observou como seu mestre fazia e buscou repetir seus gestos: pegou a cabaça com as duas mãos, buscando acomodar na esquerda uma pequena vareta. “O aquauitl é usado para manter a espuma dessa bebida maravilhosa. Você vai ver que, bebendo isso, só terá fome depois da hora do Ângelus. Bem-vindo ao México!”. Dizendo isso, frei Bernardino de Sahagún, o cronista que ao longo de 30 anos de trabalho dedicado produziria mais de 2.400 páginas, propiciando a mais extensa visão daquela sociedade asteca que desaparecia diante dos seus olhos, bebeu com prazer sua cumbuca, chegando a respingar um pouco do líquido em sua barba, um detalhe de sua aparência que chamava muita atenção naquele lugar. Tomando coragem, Alonso sorveu um grande gole da famosa “água de cacau” e, quase imediatamente, cuspiu a beberagem com espalhafato. “Mas é amargo como o diabo! E queima a boca! Por Deus, como se pode gostar disso?” Frei Bernardino riu enquanto pedia para a vendedora corrigir aquele cacahuatl, fazendo-o à moda criolla, ou seja, acrescentando melado de cana à mistura. Desta vez, Alonso consentiu: “É mesmo uma ótima bebida, apesar de bastante amarga”. Ao que o frei respondeu com um tom professoral: “Quem disse a você que o diabo é amargo? Talvez ele prefira se esconder no açúcar...”.
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UMA BEBIDA DOS
DEUSES
Sementes que valem ouro: mais do que matéria-prima para a bebida, o cacau entre os astecas e maias era também moeda de troca.
A vendedora asteca do mercado de Tlatelolco era herdeira de uma relação muito especial que os primeiros habitantes do continente americano haviam estabelecido com dois produtos essenciais de sua culinária: o milho e o cacau. Os dois alimentos já eram apreciados há muito tempo, desde a época dos olmecas, que viveram entre 1.500 e 400 a.C. na região onde hoje se localiza o México. Eles foram os primeiros a fazer uso desses ingredientes, sendo que o cacau provavelmente era consumido apenas na forma de suco de polpa, que não guarda nenhuma semelhança com o gosto do chocolate. Era, naquela época, nada mais que uma fruta de uma árvore pequena da floresta, que oferecia um suco refrescante e esbranquiçado conhecido como kakawa, palavra que, mais tarde, se transformaria em “cacau”.
Os olmecas deixaram como marcas de sua civilização grandes esculturas em regiões do Golfo do México, mas nenhum documento escrito. Além do milho, cultivavam feijões, vários tipos de abóboras, uma grande variedade de pimentas e abacates. O cacau brotava nas matas mais densas e úmidas, com os frutos nascendo diretamente de seus galhos, sempre ao abrigo de árvores maiores. Embora o milho fosse cultivado no continente americano desde 5.000 a.C., uma importante descoberta aconteceu em algum período do segundo milênio antes da era cristã, proporcionando a este cereal uma relevância que só se rivalizaria, no futuro, com a do cacau: a invenção do processo de nixtamalização, que consiste em cozinhá-lo com um pouco de cal, cinzas de madeira ou conchas, deixando os grãos imersos em líquido de um dia para o outro. Isso permitia que a casca transparente que protege o grão se desgrudasse. O resultado desse processo é o nixtamalli (nextli = cinzas; tamalli = farinha de milho), uma massa de milho macia e fácil de ser trabalhada com as mãos. Essa descoberta foi tão importante que o milho se tornou o principal ingrediente da alimentação de todos os povos da América Central. Graças a ela, os povos americanos haviam desenvolvido o pão, uma base de amido complementada com uma proteína – que podia ser peru, peixe, coelhos e até cachorros. Esses povos não conheciam vacas, nem porcos ou galinhas. Esses animais haviam chegado com os espanhóis, junto dos canhões, dos cavalos, da cruz... e da varíola. Com o cacau aconteceu o mesmo que o milho: foram reveladas potencialidades até então despercebidas naquele fruto. A “face oculta” do cacau foi provavelmente desvelada pelos maias, povo sucedâneo aos olmecas na mesma região onde cresciam os cacaueiros. Segundo conjecturam Sophie e Michael Coe no livro The True History of Chocolate, em algum momento perdido na antiguidade pré-colombiana, certo cozinheiro maia, curioso com o gosto amargo e adstringente deixado na boca pelas sementes do cacau, decidiu mantê-las fermentando em sua própria polpa, talvez com o intuito de criar uma versão de chicha, a bebida alcoólica produzida a partir da fermentação da saliva no caldo com milho. Só que, em vez de a fermentação gerar outra bebida, as sementes absorveram parte do líquido. O próximo passo foi torrar essas sementes fermentadas até que delas exalasse um cheiro bastante marcante. Nessa etapa, certamente, já se estava bem próximo de se conseguir um pó que pudesse ser moído e misturado à água.
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Obtida a massa de cacau, o milho foi adicionado para tornar a bebida mais consistente, e as especiarias foram acrescentadas para equilibrar, com seus aromas e sabores, o forte amargor das sementes torradas e moídas. Ao longo do tempo, os maias aprenderam a condimentar o cacau com baunilha, pimentas das mais variadas formas e intensidades de ardor, além de algumas vezes adoçarem a bebida com mel de abelhas. O arqueólogo Cameron McNeil, estudando vasos maias descobertos na atual Honduras, encontrou dois deles contendo respectivamente ossos de peixe e de peru, os quais continham traços de cacau. As análises comprovaram que o cacau era usado como tempero de alimentos desde 450 a.C. A razão para que essa mistura amarga tenha caído no gosto da população da época só veio a ser descoberta no século 20: a semente de cacau (e não sua polpa) possui alcaloides, cafeína e teobromina, substâncias que combinam perfeitamente com nossos neurorreceptores cerebrais, estimulando ondas de satisfação e os sentidos. Mas, mesmo sem saber da existência desses componentes, os maias percebiam que aquela bebida funcionava muito bem como revigorante.
O
cacau entre os maias
Estátua maia apresentando o cacau: a oferta de alimento aos deuses era um dos elementos tradicionais da religião maia.
Entre os anos 250 e 900 d.C. a civilização maia viveu seu apogeu, com diversas cidades-estado em permanente estado de guerra, disputando a hegemonia umas com as outras. Cada uma buscava erguer pirâmides e cidades mais imponentes do que a outra, com templos, palácios, esculturas e murais magníficos; além disso, criaram um calendário lunar bastante preciso. Uma delicada cerâmica deixou diversos testemunhos do esplendor da civilização maia. Entre o povo maia, a bebida feita com sementes torradas de cacau era consumida especialmente nas festas chamadas “lava-pés”, oferecidas por algum pochteca, a poderosa classe dos comerciantes, para celebrar a chegada de uma caravana. O anfitrião, tendo notificado seus parceiros, sócios e clientes sobre a chegada em segurança das mercadorias vindas de lugares distantes, convidava os principais habitantes de sua vila para um jantar cerimonial, com comidas requintadas e oferendas aos deuses do fogo e do comércio (que, não por coincidência, era o mesmo deus do cacau!). Nessas festas, o cacau recebia atenção especial e era servido em cabaças ao final da
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refeição, junto com um canudo de tabaco para fumar. Uma dessas festas foi presenciada – e, claro, ricamente documentada – pelo atento frei Bernardino de Sahagún. O consumo da bebida de cacau entre os maias vem se revelando por meio das recentes pesquisas mais ancestral do que se supunha. Uma das descobertas mais notáveis aconteceu em 1984, em Río Azul, na Guatemala: encontrou-se uma tumba com equipamentos para o consumo da bebida. Em algum momento do século 6, o corpo de um governante de meia-idade foi deixado em sua tumba junto com 14 vasos, incluindo alguns cilíndricos e outros com três pés. Foram encontrados também alguns anéis que possuíam um recipiente em seu interior, indicando que continha algum tipo de líquido. Um deles era dotado de uma alça, onde se pôde identificar o hieróglifo equivalente à palavra “cacau”. Quando esses vasos foram examinados nos laboratórios da fábrica de chocolates Hershey´s, nos Estados Unidos, descobriu-se que continham teobromina e cafeína, duas substâncias que juntas são encontradas unicamente no cacau, dentre todas as espécies de plantas conhecidas pelos primeiros americanos. Outras pesquisas revelaram vestígios da planta em vasos datados de 1.900 a.C. na região onde atualmente é Chiapas, no México. A própria origem do nome “chocolate”, tanto pode ter sido derivada dos astecas, onde a bebida era conhecida como cacahuatl, quanto dos maias. Segundo o especialista em cultura maia, Dennis Tedlock, citado no livro The True History of Chocolate, durante os banquetes e dias festivos era comum os vizinhos se convidarem para chokola’j, uma expressão que significa “beber chocolate junto”. Mas o futuro do cacau seria ainda mais grandioso do que seu passado. E com uma influência muito mais abrangente do que poderiam supor o frei Bernardino e seu discípulo, ainda concentrados em suas cuias de cacahuatl no mercado de Tlatelolco. Chegou a hora da preciosa semente cruzar o Oceano Atlântico para conquistar o Novo Mundo. Mas, antes disso, o cacahuatl precisaria passar por uma pequena transformação: tornar-se doce.
Doce costume: a pintura de Jean Troy Francois mostra o hábito recém-adquirido entre as mulheres criollas de tomar o chocolate quente e adoçado. (Gravura em metal, 1723)
Chocolate todo dia: o consumo da bebida era observado até mesmo em plena missa, quando as senhoras de origem europeia eram servidas por seus empregados. (Óleo sobre tela, séc. 18)
A
“europeização” do cacau
A transformação aconteceu em Chiapa Real – hoje San Cristóbal de las Casas, no México –, uma cidade colonial cercada por centenas de vilas habitadas por descendentes dos maias, que não tinham permissão para permanecer na cidade até a noite. A província de Chiapas, desde a época de domínio asteca, era uma das grandes produtoras de cacau, especialmente a região de Soconusco, próxima à costa banhada pelo Oceano Pacífico na atual divisa entre o México e a Guatemala. Essa região foi tomada dos maias pelos astecas em 1502, e seu maior interesse era justamente o acesso às plantações de cacau de alta qualidade de Soconusco. O tributo de guerra cobrado aos maias foi estabelecido em cacau: 200 fardos anuais de sementes e 800 cabaças de chocolate para beber eram levadas até os armazéns reais em Tenochtitlan, capital asteca. De acordo com o cronista espanhol frei Toribio de Benavente, um fardo de cacau era o equivalente a 24 mil amêndoas, e representava o máximo de peso que um carregador conseguia levar às costas. As civilizações pré-colombianas não possuíam nenhum tipo de veículo ou animal de tração. Todas as distâncias eram percorridas a pé. O bispo de Chiapa Real, segundo o relato do viajante Thomas Gage, que andou pela região entre 1625 e 1637 como missionário dominicano, incomodou-se com o hábito de algumas damas da sociedade criolla – nome dado às famílias originárias da Espanha que habitavam a “Nova” Espanha – de consumirem seu chocolate, servido quente e adoçado em plena missa. O religioso achou aquela
atitude desrespeitosa, embora as damas alegassem que se sentiam muito fracas para enfrentar as longas orações e suas homilias sem a ajuda de uma xícara da bebida trazida por serviçais. O bispo tentou primeiro exortar os fiéis a abandonarem esse mau hábito. Exasperado por ver suas queixas caírem no vazio, fixou na porta da Catedral um comunicado excomungando todo aquele que comesse ou bebesse na casa do Senhor durante os serviços religiosos. Gage e seu superior dominicano tentaram demover o bispo de sua intenção, mas foi inútil. As damas criollas, revoltadas, passaram a frequentar as missas dos conventos, provocando abertamente um boicote às ministradas pelo bispo que, por sua vez, passou a ameaçar de excomunhão aqueles que se recusassem a frequentar os ofícios religiosos realizados na Catedral. Pouco tempo depois, o bispo adoeceu, justamente após beber uma xícara de chocolate trazida por uma de suas pajens. O gosto forte do chocolate, adoçado à moda criolla, ajudou a disfarçar o veneno que foi lançado à bebida, como vingança pelas ameaças de excomunhão. O episódio originou um dito popular que se espalhou ao longo do século 17 pela Colônia: “Tome cuidado com o chocolate de Chiapas”. O episódio retrata o quanto o chocolate, bebida americana feita a base de sementes de cacau e conhecida entre os nativos como cacahuatl, já devidamente adoçado com cana-de-açúcar e temperado com baunilha e pimentas, havia conquistado rapidamente os espanhóis.
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Aristóteles, o grande sábio, estava errado e Francesco Redi, médico da famosa Casa dos Médici, já sabia como provar. Aquela era, sem dúvida, uma ótima ocasião para servir o tão renomado chocolate perfumado com jasmim do grão-duque da Toscana, refletiu Francesco. Ele estava radiante depois de conferir os resultados da experiência que há uma semana realizou em sua sala de estudos. Usando meia dúzia de copos e alguns pedaços de carne, deixou três deles cobertos por uma fina gaze e os outros três descobertos. As moscas haviam pousado em todos os copos, atraídas pelo mau cheiro, mas apenas nos recipientes sem cobertura puderam de fato tocar na carne. Como já desconfiava, o médico percebeu que apenas nos pedaços de carne nos quais as moscas tocaram haviam surgido larvas, que depois, se tornaram moscas. Redi prosseguiu com a experiência para se certificar de sua descoberta. “Aristóteles errou! A geração espontânea não existe”, disse para si mesmo, quase com receio de que os outros ouvissem. Como médico de Fernando II, o pai do atual grão-duque da Toscana, acompanhou as dificuldades enfrentadas por Galileu Galilei – cientista que também recebia
Florença, 1668 o mecenato dos Médici – para levar adiante suas investigações sobre a Lua e os movimentos da Terra. Tentando convencer a si mesmo que o tipo de descoberta que acabara de realizar não representava nenhum risco aos dogmas da Igreja, Francesco Redi foi buscar a receita do chocolate servido mais tarde ao grão-duque Cosimo III. Guardava-a escondida dentro de seu Libro de Arte Coquinaria, de 1460, do inigualável Martino de Rossi, uma das primeiras publicações sobre culinária a circular pela Toscana. Certificou-se de que o criado, que no canto da sala triturava o excelente cacau venezuelano de Maracaibo, trazido especialmente para o grão-duque, não havia percebido sua manobra para esconder aquele pequeno papel contendo um “segredo de Estado”. Em vão, os nobres, especialmente as mulheres, cercavam-no de perguntas para descobrir qual o segredo daquela receita, capaz de perfumar todo o ambiente com uma inebriante mistura de jasmim e chocolate. Redi tinha ordens expressas do glutão Cosimo III, que finalmente aceitou começar um rigoroso regime prescrito por ele, de não revelar a ninguém a “sua” receita. Sim, apesar de todos se referirem ao chocolate como uma invenção do grão-duque (e realmente ninguém era capaz de bebê-lo em maiores quantidades do que Cosimo), Redi sentia orgulho de sua criação.
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Qual era o segredo, afinal? Além da ótima procedência das sementes, o truque consistia em lançar pétalas de jasmim, como delicadas lâminas, por cima do cacau triturado, deixando-as em contato por um dia inteiro. Depois, misturava-se o jasmim ao cacau, que novamente era espalhado pelo recipiente e recebia outra cobertura de pétalas perfumadas. No outro dia, uma nova camada. Esse era um segredo cobiçado por muitas casas de nobres, alguns dos quais certamente haviam desperdiçado grandes quantidades das caras sementes de cacau tentando adicionar água de jasmim à mistura. Ninguém podia imaginar que aquele aroma era produzido pela própria flor. Há dez dias os criados de Francesco Redi cuidavam dessa pasta que aromatizava o seu confortável palacete florentino, ajudando a disfarçar o mau cheiro do experimento das moscas na carne, encerrado naquela manhã. Sob seu comando, um serviçal despejou a última parcela de cacau, quase 5 quilos, em um grande tacho de estanho, acrescentando a ela 3,5 quilos de açúcar bem peneirado.
residência de
Francesco Redi Enquanto o criado misturava aquela massa rescendente, o próprio Redi separou as porções de especiarias: um generoso punhado de sementes de baunilha, outro punhado um pouco maior de canela-da-china e duas porções pequenas de âmbar-cinzento. Era preciso tomar cuidado para não exagerar na dose deste último condimento, mediante o risco de colocar tudo a perder. Muito utilizado como remédio desde a Antiguidade, o âmbar era encontrado sobre a superfície do mar e, durante muito tempo, acreditou-se que fosse produzido por algum tipo de árvore do litoral. Apenas com o surgimento dos primeiros navios baleeiros, quando foram encontradas as mesmas bolotas de cera compacta no intestino daqueles animais, se descobriu que o âmbar era produzido pelos cachalotes, espécie intensamente perseguida por sua gordura, naquela época empregada na iluminação pública das cidades. Quanto mais escuro fosse o âmbar, mais tempo havia flutuado no mar, e mais perfumado era. Seu aroma lembrava o das violetas. Na receita – segundo Redi comprovou depois de muitas tentativas – surtia como um intensificador do aroma do jasmim e do chocolate, se usado com parcimônia.
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da histÓria
famosos ChocÓlatras O passo seguinte era lançar a mistura na chapa metálica aquecida que mandou fazer inspirada nas metates de pedra usadas pelos habitantes das Índias Ocidentais. Ali residia, ainda, o último perigo na preparação do alimento: a chapa não podia estar muito quente, para que todo aquele aroma perseguido há dias não se perdesse na queima das sementes. Sim, aquele foi um grande dia na sua vida, digno de ser comemorado com um ótimo chocolate, pensou Redi. Aristóteles estava errado e ninguém antes do italiano havia pensado em, simplesmente, testar a hipótese de geração espontânea. “Que grande bobagem era aquela, repetida por séculos!”. Precisou escrever detalhadamente a experiência antes de enviá-la aos seus colegas da Academia de Ciências. Redi sentia-se tão inspirado que ficou tentado a acrescentar algum novo componente ao consagrado chocolate do grão-duque. Será que aquele inveterado chocólatra perceberia a diferença se ele acrescentasse noz-moscada? Ou um pouco de almíscar, outro produto aromático bastante exótico, extraído dos bois almiscarados do Himalaia? Ou, talvez, algumas pimentas, como se fazia no novo continente? Decididamente, aquela era uma época propícia às inovações. Um verdadeiro renascimento...
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Voltaire (1694-1778): escritor e filósofo, com mais de 70 obras escritas em gêneros variados. Ele era um entusiasta das bebidas exóticas que vinham das colônias. Anotações domésticas feitas durante seus 18 anos de exílio voluntário em Ferney, cidade suíça próxima a Genebra, revelam que Voltaire comprou chocolate 24 vezes, café 20 vezes e chá 8. Pelas manhãs, sua bebida preferida era o chocolate quente, o mesmo desjejum preferido pela nobreza que ele tanto combatia.
As barreiras entre a América e a Europa
Napoleão Bonaparte (1769-1821): o político e estrategista militar não dispensava uma xícara de chocolate antes de qualquer batalha. Ele acreditava que o chocolate era um poderoso estimulante da inteligência e disseminou seu consumo entre as tropas francesas. Por outro lado, o Bloqueio Continental decretado por ele em 1806 para debilitar a economia da Inglaterra privou, durante alguns anos, a entrada de chocolate no continente europeu, para desespero de muitos chocólatras.
Francesco Redi enfrentou muito ceticismo de seus colegas cientistas a partir de sua experiência para provar que a hipótese de Aristóteles, a abiogênese, estava errada. O italiano entrou para a História por essa experiência, feita em 1668, que balançava os alicerces do conhecimento científico da época, inteiramente moldado segundo as concepções do filósofo grego. Mas, na época, Redi era mais conhecido por ser um refinado gourmet, que encarnava como poucos o espírito curioso do Renascimento. Redi encantava-se com o panorama gastronômico descortinado pela época das navegações, tais como patas de tordo tostadas em chamas de vela de cera, cabeças de narceja assadas na grelha, ostras cruas, chifres tenros de gamo, patas de urso, ninhos de andorinha da Cochinchina e outras iguarias. A gastronomia aguçava seu espírito curioso. Certa vez, investigando o formato do cérebro de um gamo, decidiu testar o seu sabor, fritando-o em um pedaço de toucinho, apesar do escândalo provocado entre a criadagem. Uma antiga crença de que miolos daquele animal eram terríveis para a saúde humana foi lembrada ao nobre por seu criado, mas Redi fez pouco caso do mito. “Foi uma experiência segura: miolos de gamo são muito saborosos e saudáveis, bem melhor que os miolos de porco ou de vaca”, revelou, pouco tempo depois, em carta a amigos. Graças ao prestígio gastronômico e científico de Redi, em pouco tempo toda a corte dos Médici estava enfeitiçada por essas e outras iguarias. E uma das mais famosas seria justamente o chocolate com jasmim. Menos de dois séculos separam o desembarque do primeiro carregamento de cacau em solo europeu e das iguarias feitas com chocolate nos píncaros do experimentalismo gastronômico – como os realizados na Corte dos Médici, em Florença, e nos palácios dos Luíses na França. Os primeiros lotes de cacau chegaram aos portos da Espanha em 1558, e já vieram com sua inseparável – embora recente – companhia: o açúcar. Originário da Índia, o produto da cana chegou ao Oriente Médio no século 6. De lá, os árabes o levaram para o Mediterrâneo, de onde, pelas ilhas de Chipre, Creta e Sicília, alcançou a Espanha. O açúcar era uma mercadoria relativamente cara até meados do século 15, quando passou a ser cultivado com sucesso nas ilhas da Madeira e Canárias. Introduzido no Brasil e no Caribe cem anos mais tarde, tornou-se um dos
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produtos mais cobiçados e presentes na culinária europeia. E realizou seu casamento perfeito com o cacau. Mas antes de se tornar a bebida preferida da nobreza, junto ao vinho, o chocolate precisou passar pelo desafio de ser aprovado por dois grandes grupos: os médicos e os religiosos. Na época da chegada do cacau na Europa, a medicina ainda seguia os preceitos da Teoria dos Humores, formulada por Hipócrates na Grécia Antiga e aperfeiçoada, posteriormente, por Galeno. Essa teoria dividia as pessoas em quatro temperamentos básicos: sanguíneo, colérico, melancólico e fleumático. Assim como as pessoas, os alimentos também recebiam uma classificação: quente e úmido, quente e seco, frio e seco ou frio e úmido. Acreditava-se, desse modo, que os humores eram regulados pela alimentação das pessoas e, por isso, cada alimento poderia trazer consequências desejáveis ou indesejáveis. A inserção do chocolate no cardápio europeu causou confusão entre os médicos. As primeiras avaliações o consideraram “frio”, talvez influenciados pela forma como a bebida era ingerida originariamente entre os astecas, sem aquecimento – ao contrário dos maias, que habitavam o litoral mexicano e preferiam a bebida quente. O mais renomado defensor dessa corrente foi Francisco Hernández, médico de Felipe II, rei da Espanha e de Portugal, que esteve nas Américas em 1570. Para ele, sendo o chocolate “frio e úmido”, deveria ser “aquecido” por meio de especiarias “quentes”, como pimentas e baunilha. Essa interpretação perdurou até que o médico francês Daniel Duncan, em 1703, escrevesse um grande tratado sobre bebidas alcoólicas e não alcoólicas, publicado pela primeira vez na França. Duncan, considerado uma autoridade no assunto, categorizou o chocolate como um alimento “quente” e, portanto, contraindicado para temperamentos sanguíneos e coléricos, por deixá-los excessivamente inflamáveis. Bebidos com moderação, o café, o chá e o chocolate eram saudáveis, mas seu abuso deixaria o sangue muito fino e “quente”. Para o médico, das três bebidas exóticas introduzidas na Europa a partir do século 16, o café era o mais perigoso, já que além de “quente” era “seco”, e seu abuso poderia provocar icterícia. Antonio Lavedán, cirurgião do exército espanhol, também se debruçou no estudo sobre as três novas bebidas que, recentemente, haviam aportado na Europa, publicando um tratado sobre o café, o chá e o chocolate,
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em 1796. Para ele, sendo o chocolate “quente e úmido”, era especialmente indicado para fleumáticos, e surtia efeitos no retardamento do envelhecimento e contra a tuberculose. Já o escritor gastronômico Louis Lémery, em seu livro de 1702, Traité des Aliments, sentenciava: “O chocolate é revigorante e deixa as pessoas mais fortes. Ajuda a digestão, acalma os humores cortantes que atacam os pulmões, controla os vapores emanados pela ingestão do vinho, estimula o desejo sexual e combate a malignidade dos humores”. A nova bebida chegava para confundir as classificações. Um certo Dr. Giovanni Batista Felici, médico da corte toscana, considerava o chocolate um “encurtador de vida”. Chocolate, para ele, não era “frio”, mas “quente” – era um engano tomar a bebida “fria” e acrescentar a ela condimentos, como canela, baunilha, pimentas, cravos, âmbar e urucum para deixá-la mais “quente”. “Conheço algumas pessoas sérias e taciturnas que, sob efeito dessa bebida, se tornam tagarelas, perdem o sono e se tornam impulsivas, outras ficam zangadas e gritam. Em crianças provoca tamanha agitação que não conseguem ficar quietas ou sentadas em um só lugar”, escreveu em 1728. O que Felici dizia sobre a hiperatividade de crianças encontraria eco em Joseph Barreti, que em sua obra de 1768, An Account of the Manners and Customs of Italy, conta que em seu país as crianças eram proibidas de beber líquidos “quentes” pela manhã, pois isso poderia estragar os dentes e enfraquecer sua constituição física. A medicina galênica só perdeu importância no século 17, quando o médico inglês William Harvey descobriu o mecanismo da circulação sanguínea no corpo humano e seu sistema de bombeamento feito pelo coração. Com tantas restrições, apenas a partir do final do século 19 os chocólatras se sentiram de fato liberados para consumirem a quantidade que quisessem das “bebidas exóticas”. Em 1862, com a teoria galênica já em desuso, um escritor francês, Arthur Mangin, afirmava que “ninguém acreditava mais nos poderes terapêuticos atribuídos ao chocolate”. Sorte do chocolate que, assim, saía da esfera da medicina e alçava a categoria dos alimentos que podiam ser consumidos pelo mero prazer.
Bebida onipresente: o chocolate como bebida, com a adição de açúcar e especiarias, ganha a mesa do europeu e causa polêmica entre médicos e religiosos. (Anúncio da Cadburry Cocoa, séc. 19)
A
polêmica
do jejum
Permissão concedida: o consumo da bebida de chocolate no período da Quaresma provocou celeuma entre os religiosos. O primeiro a aprová-la foi o Papa Gregório XIII (séc. 18).
A nova bebida também caiu no gosto dos religiosos, e as ordens eclesiásticas em maior contato com as terras descobertas naquela época – como a dos jesuítas, dos dominicanos e dos franciscanos – logo criaram suas próprias receitas de chocolate, tão certas que estavam do fornecimento de sementes da iguaria ao velho mundo. O cacau chegava em quantidades cada vez maiores nos portos da Espanha. Durante o século 18, os holandeses disputavam com os espanhóis a supremacia dos mares. No primeiro quarto desse século, todo o transporte de cacau até a Espanha e demais países da Europa era feito por barcos holandeses. Durante o reinado de Carlos III, entre 1759 e 1798, cerca de 5,4 toneladas de chocolate foram consumidas apenas em Madri, capital do país. Nessa época, as sementes mais valorizadas vinham da região de Mojos, na Amazônia boliviana, por sua fragrância e ausência de amargor; de Soconusco e Tabasco, tradicionais zonas de plantio no México desde os tempos maias; e da costa caribenha da Venezuela. O cacau proveniente de Guayaquil, no Equador, e da Martinica, eram considerados de qualidade inferior, por causa do amargor, e precisavam ser combinados a grandes doses de açúcar. Estes últimos eram representantes do gênero forastero, nativo da América do Sul, e em decorrência da política liberal de Carlos III, que autorizou o livre comércio entre os vice-reinados do Peru e do México, inundou a América Central. O cacau forastero, nativo das florestas tropicais úmidas localizadas entre os rios Amazonas e Orenoco, surgiu na Europa a partir do século 17, vindo principalmente do Equador. Quando os espanhóis conquistaram as terras próximas à Amazônia, no norte da América do Sul, encontraram diversas árvores de um tipo de cacau nativo na região, do qual os índios faziam uso apenas da polpa. Em 1635 já havia plantações de cacau forastero nas Guianas e no Equador, que passaram a suprir a demanda pelo produto no vice-reinado do México. Entre 1784 e 1821, 41% do cacau consumido na Nova Espanha vinha de Guayaquil. Era conhecido como “cacau dos pobres”, pois as elites criollas desprezavam esse produto mais barato, porém mais amargo que o nobre cacau produzido em Soconusco ou na Venezuela, ambos do gênero criollo. Sendo uma árvore mais resistente e mais produtiva que o gênero criollo, o forastero logo ganhou a preferência dos produtores, apesar de suas sementes mais amargas.
Com o aumento da oferta de cacau – graças à entrada do gênero forastero –, e o intenso consumo de chocolate entre as ordens religiosas e entre os fiéis, uma questão teológica surgiu: o chocolate seria uma bebida ou um alimento? As implicações dessa pergunta inocente afetavam diretamente a vida de milhares de adeptos da mania chocólatra, pois mediante o direito canônico vigente na época, a Santa Missa deveria vir precedida de um jejum, que se iniciava à meia-noite e durava até o fim do ofício. E nos prolongados 40 dias de jejum da Quaresma, ele poderia ser consumido? A questão rendeu discussões intermináveis, geralmente opondo dominicanos – que defendiam o chocolate como um alimento e, portanto, proibido para jejuns – e os jesuítas, para os quais o chocolate era uma bebida como o vinho, ou seja, seu consumo não quebraria o jejum. A polêmica, alimentada ao longo dos séculos 16 e 17, dividiu a opinião de bispos, de início no México e, depois, nos países europeus, principalmente Espanha e Itália, onde a mania chocólatra se difundia. O primeiro pontífice a opinar sobre o assunto, em favor do chocolate, foi o Papa Gregório XIII. A questão ainda voltou a ser debatida, exigindo o posicionamento de outros seis papas. Para a felicidade da corrente chocólatra, dominante no clero, o energético chocolate jamais foi considerado um alimento capaz de quebrar um rigoroso jejum, já que era uma bebida. Os jesuítas participaram intensamente, tanto das polêmicas sobre a natureza do chocolate quanto do comércio do produto, como se depreende deste relato do duque de Saint-Simon, da corte pró-jesuíta de Luís XIV, em cujas festas o chocolate era servido pelo menos três vezes por semana: no ano de 1701, uma flotilha espanhola trouxe seu carregamento anual das Índias Ocidentais. Em um dos barcos foram descobertos oito grandes engradados identificados desta forma: “Chocolate para Sua Reverência, o Superior da Companhia de Jesus”. Quando os carregadores tentaram transportar os engradados, perceberam que eram muito pesados, desse modo, as caixas suspeitas foram levadas até um depósito em Cádiz. Lá, quando os inspetores alfandegários decidiram abrir os pacotes, encontraram grandes barras de chocolate empilhadas, extremamente pesadas: por baixo da camada de chocolate, havia barras de ouro maciço. Os jesuítas, segundo Saint-Simon, negaram qualquer responsabilidade pelo contrabando, até porque todo o ouro que chegasse das colônias era, por lei, propriedade do rei. O
nobre metal foi direto para os cofres reais, e a cobertura de chocolate foi para aqueles que descobriram a fraude; os jesuítas, por sua vez, nesse episódio acabaram ficando sem nada. Vencidas as resistências eclesiásticas, a bebida teve uma ótima recepção no norte da Itália, e no século 18 um grande número de cioccolatieri surgiu em Veneza, Florença, Perugia e Turim. A fabricação do chocolate não sofreu nenhuma alteração significativa quando foi iniciada na Europa, a não ser pela introdução do molinillo, um agitador criado para substituir o arriscado processo de aeração asteca que, como já vimos, consistia em lançar a bebida de uma vasilha para outra na altura dos ombros. O novo equipamento era formado por um grande cabo arredondado, feito de madeira, que possuía anéis soltos em formato de concha, os quais, por sua vez, giravam sob uma haste friccionada pelas palmas das mãos do encarregado de produzir a espuma do chocolate. Produzida a espuma com o molinillo, transferia-se o líquido para uma chocolateira, aparato que se tornou quase obrigatório nas casas aristocráticas a partir do século 18. Além da introdução do molinillo, provavelmente desenvolvido pelos primeiros habitantes de Nova Espanha, a única alteração no jeito de se fazer o chocolate foi a criação de um moedor de sementes de cacau enquanto estas eram aquecidas (função antes exercida pela metate mexicana), permitindo que o operador trabalhasse de pé, e não ajoelhado, como ainda se fazia do outro lado do Oceano Atlântico. Essa espécie de metate elevada, que nada mais era do que uma mesa côncava com espaço em sua parte inferior para a colocação de um braseiro, foi criada por um francês chamado Dubuisson em 1732, mas sua propagação se daria lentamente. Tanto que, no mesmo século, Marcos Antonio Orellana, erudito advogado de Valência, proclamava em um poema que revela o estado de adoração que se formava no velho continente diante da nova bebida: “Ó, divino chocolate! Que ajoelhado te moem, Mãos postas te batem, E olhos aos céus te bebem!”
De joelhos, mãos postas e com os olhos voltados aos céus: assim estavam os europeus diante da novidade americana.
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As bebidas revolucionárias Carl von Linné (1741-1783), naturalista sueco conhecido entre nós como Lineu, foi o criador da moderna nomenclatura científica das plantas e animais. Quando classificou a nova mania dos aristocratas, cuidou de associá-la ao papel central que o cacau cumpria na cosmologia asteca, segundo a qual era considerado um alimento trazido aos humanos diretamente pelo deus Quetzacoatl. Lineu decidiu batizar a nova espécie de Theobroma cacao. A palavra Theobroma, de origem grega, significa “comida dos deuses”, fazendo um elo linguístico entre a Antiguidade Clássica e o longínquo vocábulo kakaw, que se refere à primeira representação conhecida do fruto, expressa na língua dos olmecas. A nova bebida, devidamente batizada e autorizada por médicos e papas, estava pronta para ganhar novos consumidores. E eles surgiram em todas as cidades europeias, que rapidamente viram proliferar cafés e chocolaterias, como um sinal da ampliação de seu consumo. Esses locais se transformaram, primeiro, em agitados pontos de encontro, nos quais os cidadãos comentavam os últimos acontecimentos, faziam negócios e se lançavam a requintadas experiências gastronômicas envolvendo as novas bebidas “exóticas”: o chá, vindo da Ásia; o café, recém-chegado da África; e o chocolate, desembarcado das novas terras da América. Em pouco tempo, esses primeiros locais públicos de encontros se transformaram em centros de agitação política, tanto que houve tentativas do poder monárquico inglês de proibi-los. A iniciativa de Charles II (1630-1685), que acusava esses estabelecimentos de terem se tornado espaços de perturbação contra a ordem pública, não obteve êxito, e os próprios permaneceram abertos e prosperaram, arrebatando cada vez mais frequentadores. Nessa época, a cidade de Londres chegou a ter dois mil estabelecimentos registrados. Ao contrário dos cafés londrinos, frequentado apenas por homens, nas chocolaterias também era permitida a entrada de mulheres. Música, jogos e flertes ofereciam aos cidadãos a oportunidade de experimentar um pouco do ambiente dissoluto das tavernas populares, locais que as classes elevadas não frequentavam. As casas de café e chocolate de Londres desempenhavam um papel fulcral
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na vida cultural da nobreza e da burguesia ascendente do Império Britânico. As mais afamadas eram a White’s Chocolate House, fundada em 1693 pelo italiano Frances White, e a Cocoa Tree. O primeiro estabelecimento era frequentado por políticos do Partido Conservador; o outro tornou-se reduto dos trabalhistas. Pierre Masson, proprietário de um café na cidade de Paris na época de expansão desses estabelecimentos públicos, escreveu em 1705 uma interessante obra que nos permite saber como o chocolate era servido nesse começo de século. Em seu livro, Le Parfait Limonadier, ou La Manière de Préparer le Thé, le Café, le Chocolate et Autres Liqueurs Chaudes et Froides, Masson ensinava que, para fazer quatro copos de chocolate, era preciso, primeiro, aquecer quatro copos de água em uma chocolateira. “Pegue um quarto de libra [pouco mais de 100 gramas] de chocolate e moa-o o mais fino possível em uma folha de papel. Se você preferir o chocolate adoçado, adicione um quarto de libra de açúcar moído ao chocolate. Quando a água ferver, coloque a mistura na chocolateira e misture-a bem com a vareta (para provocar espuma). Volte ao fogo e quando subir, antes de ferver completamente, tire-o e bata-o bem com a vareta até deixá-lo espumante e sirva cada um dos copos.” Ele sugeria que o mesmo procedimento poderia ser feito com leite, respeitando a mesma proporção da água, no entanto, indicava que tal escolha seria uma exceção. Por fim, Masson revela a composição de um típico chocolate espanhol daquela época: cacau, baunilha, cravo, canela e açúcar. Entre os séculos 17 e 18, o chocolate era visto como uma bebida aristocrática, ligada à nobreza, enquanto o café estava associado ao dinamismo da burguesia. Além disso, o chocolate, do mesmo modo que o chá, era um produto mais caro, enquanto o café era mais acessível. Assim, por um lado, criou-se a imagem do nobre indulgente bebendo seu chocolate em ricos aparelhos de porcelana; e por outro lado, o agitado burguês, que tinha sua disposição renovada pelo café. O historiador alemão Wolfgang Schivelbusch caracterizou, em seu livro Bebida para poucos: entre os séculos 17 e 18 o chocolate era visto como uma bebida da aristocracia, consumido em refinadas confeitarias. (Gravura em madeira, c. 1850)
“Pegue um quarto de libra [pouco mais de 100 gramas] de chocolate e moa-o o mais fino possível em uma folha de papel. Se você preferir o chocolate adoçado, adicione um quarto de libra de açúcar moído ao chocolate. Quando a água ferver, coloque a mistura na chocolateira e misture-a bem com a vareta (para provocar espuma). Volte ao fogo e quando subir, antes de ferver completamente, tire-o e bata-o bem com vareta até deixá-lo espumante e sirva cada um dos copos.”
Sabores do Paraíso [Tastes of Paradise], o chocolate como “aristocrático e consumido mais no sul da Europa pelos católicos, enquanto o café era um produto mais voltado à classe média e era consumido principalmente por protestantes do centro e norte da Europa”. “O café dá à mente o que foi tirado dela pelo corpo; o chocolate faz o contrário”, conjecturava Schivelbusch. O grande músico alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750), que era luterano, escreveu uma cantata dedicada ao café, e não ao chocolate – bebida considerada “católica”, principalmente por ter caído na preferência do alto clero católico. Também entre os filósofos franceses do Iluminismo, o café era a bebida preferida e se colocava em oposição ao chocolate, associado naquele momento à hierarquia católica (e, acima de tudo, aos jesuítas) e aos opositores do Iluminismo. O chá permaneceu mais restrito ao consumo nas ilhas britânicas, sem atrair amplo público da maneira que o fez as outras duas bebidas “estrangeiras”. Para reforçar a imagem aristocrática do chocolate, o escritor britânico mais lido de sua época, Charles Dickens, em sua novela Um Conto de Duas Cidades [A Tale of Two Cities], lançado em 1859, imortalizou uma irônica descrição do elaborado ritual que as classes abastadas realizavam todos os dias para consumirem suas requintadas receitas de chocolate, sempre cercados por serviçais. A alguns desses novos consumidores da bebida, principalmente àqueles mais influenciados pelo clima político liberal e pelo combate ao Absolutismo que se disseminava nos cafés e chocolaterias das grandes cidades, também não passavam despercebidas as marcas do trabalho escravo impressas nos dois principais produtos que chegavam do Novo Mundo, o cacau e o açúcar. Da mesma forma que as lavouras de cana-de-açúcar, o cultivo de cacau nos trópicos dependia quase exclusivamente do trabalho escravo de milhões de africanos levados ao Novo Mundo. Em 1720, o frei Jean-Baptiste Labat, missionário dominicano, se referiu a esse sinistro aspecto da produção cacaueira, fazendo as contas: “Vinte escravos podem plantar e cuidar de 50 mil árvores de cacau. Essas 50 mil árvores, se bem cuidadas, darão cem mil libras de amêndoas que serão vendidas a 37 francos franceses, soma mais que apreciável se pensarmos que irá inteiramente para o bolso do proprietário, graças ao baixíssimo custo dos escravos que cuidam das árvores.
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Essa é sua única despesa. Uma plantação de cacau é uma verdadeira mina de ouro”. Enquanto isso, os operários das primeiras indústrias, que cumpriam longas jornadas de trabalho, só tinham acesso às bebidas alcoólicas (vinhos baratos ao sul e cerveja barata ao norte do continente europeu), além de gim. O café só entrou no cotidiano fabril, funcionando como um líquido estimulante oferecido aos trabalhadores, a partir do século 19. O consumo de chocolate era incentivado por empresários ingleses ligados à seita quaker (seita cristã surgida em meados do século 17 na Inglaterra), os quais eram contrários ao consumo de bebidas alcoólicas. Richard Cadbury, por exemplo, que criou um império ligado ao chocolate a partir de 1824, incentivava seus funcionários a consumirem o produto nos refeitórios que mandou construir em suas fábricas, as primeiras a terem esse privilégio. Nesse período de expansão do consumo na Europa, o pior momento para os chocólatras franceses – incluindo o mais destacado dentre eles, Napoleão Bonaparte –, foi o bloqueio econômico à Inglaterra, decretado em 1806 pelo próprio governante francês. Tal medida elevou os preços do chocolate e do açúcar a cifras proibitivas. Grimod de La Reynière anotou em 1808: “Há alguns chocolates em Paris que contêm tudo, exceto cacau. Muitas substâncias são misturadas, como açúcar mascavo, farinha, fécula...”. Mesmo sendo fruto do trabalho escravo – assim como o café e o chá – e com sua imagem ligada ao Antigo Regime, o chocolate, servido líquido em chocolaterias, ou em barras para serem dissolvidas com água quente nas residências, conquistou definitivamente o paladar dos consumidores do Velho Mundo, que haviam aprendido a prepará-lo das mais variadas formas. Mas havia, ainda, uma barreira a ser vencida, e não era de ordem religiosa, medicinal ou social. Um obstáculo que parecia incontornável, por dizer respeito à própria natureza do produto: o chocolate, tal como era consumido até as primeiras décadas do século 19, era uma bebida que causava intolerância a muitos organismos, devido à grande quantidade de gordura que as sementes de cacau naturalmente possuíam. Parecia ser uma limitação natural do chocolate que, definitivamente, não era para muitos – seja por não ser barato ou, caso o cliente pudesse comprá-lo, por não ser de fácil digestão.
famosos
Luís XV (1710-1774): Bisneto do “rei Sol”, representante máximo do Absolutismo, não era um adepto do chocolate, mas suas duas amantes favoritas, Madame de Pompadour e Madame Du Barry, eram entusiastas da bebida. Pompadour usava uma fórmula com âmbar-cinzento, que tinha supostas propriedades afrodisíacas, “para estimular o ardor de Sua Majestade”. Du Barry também apostava nas propriedades estimulantes do chocolate, para o rei e para seus outros amantes.
da histÓria
ChocÓlatras
Rainha Maria Antonieta (1755-1793): esposa de Luís XVI, decapitada pela Revolução Francesa, era uma adepta entusiasta do chocolate e possuía um chocolateiro pessoal, o “chocolateiro da rainha”, trazido da Áustria, que lhe preparava uma bebida exclusiva, com pó de orquídeas misturado à água de flor de laranjeiras ou ao leite com amêndoas.
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Amsterdam, Países Baixos, 1828 As três pancadas firmes na porta de sua casa fizeram com que Coenraad Johannes Van Houten despertasse assustado. Passou a noite sem dormir e logo pela manhã enviou um mensageiro até a casa do pai, pedindo que este viesse rapidamente até ele. Coenraad era um jovem de 27 anos, e desde que se entendia por gente estava cercado do cheiro das sementes de cacau. Seu pai, Casparus, conseguiu com muito esforço se tornar proprietário de um moinho, um dos tantos que faziam parte da paisagem dos Países Baixos. Nele, desde seus 14 anos, o pequeno Coenraad trabalhava no negócio da família. Aos poucos, as sementes de cacau, que chegavam em quantidades cada vez maiores no porto de Roterdam, próximo da casa de Coenraad, se tornaram o principal produto fabricado pelo moinho da família. Mais do que isso: ofereceram um desafio ao imaginativo Casparus que, naquele ano de 1828, depois de experimentar diversos formatos e gastar uma pequena fortuna em usinagem, patenteou uma engenhoca metálica. A invenção ocupava a parte principal do salão onde os tambores com o cacau moído eram armazenados para serem divididos em fardos menores. A máquina inventada por Casparus – e que vinha sendo testada exaustivamente por seu filho – era uma poderosa prensa hidráulica constituída por quatro níveis de pressão, que conseguia esmagar as sementes de cacau de maneira tão intensa que da massa passava a escorrer um líquido viscoso e denso, sem dúvida uma parte da gordura. Graças à ajuda de um amigo letrado, Coenraad conseguiu calcular a porcentagem de gordura do cacau que restava no fundo do recipiente, e era espantoso: o teor médio de gordura diminuiu de 53% para cerca de 28%. Isso seu pai já sabia, e foi essa a principal razão por meio da qual o rei William IV (1765-1837) lhe concedeu uma patente por dez anos pelo desenvolvimento da máquina. Mas Coenraad ainda não estava satisfeito com a invenção, mesmo depois de ter descoberto que a tal “manteiga” extraída da máquina era ainda mais valorizada que o próprio cacau por fabricantes de produtos para a pele. Uma parte dela agora era vendida separadamente para várias boticas, enquanto outra voltava à massa – os Van Houten haviam descoberto que agregar uma pequena quantidade de gordura de cacau ajudava a deixar a massa mais macia.
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De pai para filho: a família Van Houten, que no século 19 tinha um moinho que produzia cacau em pó, tornou-se posteriormente uma grande produtora de chocolate. (Propaganda, c.1890)
Família inventora: após ter descoberto a manteiga de cacau, Coenraad van Houten adicionou potássio à massa de chocolate. Graças a ele foi fundado o método dutching, responsável por amenizar a acidez das sementes de cacau no chocolate.
Mas Coenraad tinha a sensação de que ainda faltava algo naquele processo iniciado pelo pai, e desconfiava que, finalmente, havia descoberto o que era. Abriu a porta para seu pai ansioso para mostrar-lhe sua mais nova experiência, e levou-o rapidamente ao lugar onde deixou descansando a massa de cacau, depois de extirpada de boa parte de sua “manteiga”. Casparus, que nessa época estava com 58 anos, sentia orgulho de ver como seu filho, crescido ali no meio do trabalho e sem nenhuma oportunidade para estudar, se mostrava tão engenhoso. “Puxou a criatividade do pai”, gostava de dizer Arnoldina, sua mulher, lembrando que foi ele quem inventou aquela prensa capaz de fazer dois produtos de um só, ainda sendo capaz de melhorar o primeiro. De fato, o lucrativo comércio da manteiga de cacau apresentava-se para Casparus como um inesperado e salutar efeito secundário de sua invenção. Mas o que será que havia deixado seu filho tão excitado naquela manhã? Coenraad Van Houten acrescentou um pouco da gordura extraída à massa, como já faziam, e retirou de um vidro cuidadosamente selado um pó branco que foi acrescentando ao cacau moído. Este tornou-se uma massa oleosa e brilhante graças ao retorno parcial da manteiga. Pai e filho observaram como, aos poucos, a massa de cacau também escurecia, ficando quase preta depois que Coenraad verteu com cuidado o pó branco à massa. “Isso aqui é potássio”, explicou, afirmando que já experimentou a mistura com carbonato de sódio e também funcionou. Diante do olhar desconfiado do pai, que sendo um inventor prático não entendia nada de reações químicas, Coenraad lavou suas mãos e, cuidadosamente, pegou uma parte da massa com os dedos, colocando-a nas mãos grossas de seu pai. “Veja, pai, como ela fica macia.” Mas a maciez não era o principal efeito daquele processo, que mais tarde ficou conhecido como dutching, em homenagem à nacionalidade de seu inventor [Dutch, em inglês, significa “holandês”]: sendo o potássio (ou o carbonato de cálcio) um poderoso álcali, ele reagia com as sementes de cacau, repletas de acidez, deixando a mistura muito menos ácida. E isso seu pai, maravilhado, pôde perceber ao colocar aquela massa de cacau na boca: se antes ela se mostrava muito amarga e adstringente, agora parecia bem mais adocicada. “Agora, o melhor de tudo”, exclamou o filho ao tirar aquela massa das mãos de seu pai e lançá-la na água já aquecida da chocolateira da família Van Houten. Sem demonstrar nenhum esforço, contando apenas com a
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ajuda de uma colher, o jovem cientista mostrou ao pai que, agora, o chocolate em pó se dissolvia facilmente na água. “Isso também vale para o leite, como a mamãe gosta de tomar o seu chocolate. Não é incrível?” Van Houten, o pai, precisou se sentar no banco mais próximo, com o coração acelerado. Vislumbrou rapidamente caixas e caixas de chocolate em pó da marca Van Houten, que seriam disputadas a preço de ouro pelos fregueses. Sim, graças ao aprimoramento químico que seu filho agregava à separação física da gordura inventada por ele, o mundo do chocolate não seria mais o mesmo. O caminho parecia muito claro e promissor. Pai e filho brindaram com seus copos cheios de chocolate. Aquele processo deixava a bebida muito mais saborosa. Sabiam que a última fronteira estava aberta – e eles seriam os primeiros a desbravá-la. Interromperam seus sonhos com a entrada de uma cliente. Coenraad foi atendê-la prestimosamente, enquanto Casparus observava, com indisfarçável orgulho, seu filho, que herdou não apenas o seu moinho, mas sua inventividade.
O efeito das descobertas de Van Houten Graças à invenção de Van Houten pai, Casparus, e ao processo de alcalinização desenvolvido por Van Houten filho, Coenraad, o chocolate estava preparado tecnologicamente para deixar de ser uma iguaria tão desejável quanto inalcançável, e se tornar, aos poucos, fonte imediata e acessível de prazer. Sim, porque um dos principais efeitos, tanto da massa de cacau expurgada de boa parte de sua gordura quanto do processo de alcalinização, era deixar o chocolate menos amargo e mais moldável. Se antes já existiam barras de chocolate, elas eram bastante rígidas, além de serem de difícil digestão. Ou seja, não eram para serem comidas, apenas dissolvidas em algum líquido, de preferência quente, para que a mistura se desse de forma mais homogênea. A partir da dupla invenção dos Van Houten, que como o pai anteviu, resultou na afamada caixa de chocolate em pó que ainda hoje leva o nome da família, e da expiração da patente da prensa hidráulica, ocorrida dez anos mais tarde, em 1838, diversos fabricantes de
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chocolate passaram a desenvolver novos produtos usando a máquina do pai e o tratamento químico do filho. Uma das pioneiras nessa nova frente aberta pelos Van Houten foi a indústria criada por Joseph Storrs Fry que, em 1789, ano da Revolução Francesa, havia comprado para sua fábrica de chocolate em Londres a primeira máquina a vapor para a torra do cacau. Agora dirigida pelo neto do fundador, a J. S. Fry & Sons não demorou muito para também adquirir uma réplica da engenhoca de Van Houten. Contando com mais recursos financeiros e sediada no epicentro da outra revolução que seguia em curso na Europa, a Revolução Industrial, a Fry apresentou, na Feira Internacional de Birmingham, em 1849, a primeira barra de chocolate comestível. Agora, sim, o chocolate alcançaria uma parcela mais significativa da população, principalmente depois que o primeiro-ministro britânico, William Gladstone, reduziu em 1853 os impostos sobre a importação da matéria-prima. Até o final do século 19, as grandes fábricas de chocolate teriam suas próprias fazendas de cacau, localizadas nos trópicos – e, dessa forma, conseguiriam ter controle sobre todas as etapas do processo, da semente à grande novidade de consumo, o tablete de chocolate. A J. S. Fry & Sons, por exemplo, tinha seu plantio em Trinidad. Os passos seguintes da revolução tecnológica na fabricação do chocolate iniciada pela família Van Houten foram dados por iniciativa dos suíços, até então conhecidos apenas como tradicionais fornecedores de leite para o resto da Europa. E o leite, nesse caso, faria toda a diferença. Talvez, o primeiro europeu a combinar chocolate com leite, uma ligação que hoje nos parece tão natural, foi Nicholas Sanders, que em 1727 produziu uma bebida para o primeiro cirurgião do rei George II. Mas não era o “chocolate ao leite” tal como o conhecemos hoje, já que o chocolate em pó ainda se encontrava com seu teor de gordura integral e era de difícil mistura, obrigando um intenso trabalho de mãos com o molinillo para que a gordura pudesse se separar. Dessa vez, o passo que estava para ser dado era de outra natureza, e a proeza foi realizada por Daniel Peters, um chocolateiro de Vevey, na Suíça, que morava próximo de um químico suíço chamado Henri Nestlé. Em 1867, Nestlé havia criado uma forma de desidratar o leite por meio da evaporação da água. Depois de diversas tentativas, a dupla conseguiu criar, em 1879, o primeiro chocolate ao leite, produzido com leite em pó.
O chocolate ganha o mercado: o criador da primeira máquina de misturar chocolate, Philippe Suchard, junto com Rodolphe Lindt e Henri Nestlé deram o pontapé inicial no mercado. (Propaganda, c.1900)
Outros dois suíços deram ainda novas contribuições para deixar o chocolate, agora misturado ao leite, mais macio e palatável. Philippe Suchard criou a primeira máquina de misturar chocolate, conhecida como mélangeur e utilizada até os dias de hoje. E, no mesmo ano em que a dupla suíça aprendia a adicionar o leite condensado à massa de cacau, outro compatriota, Rodolphe Lindt, também fabricante de chocolate, saiu para caçar no fim de semana e se esqueceu de desligar sua máquina de mistura, que permaneceu funcionando por 72 horas ininterruptas revolvendo o chocolate. Para a surpresa de Lindt, que ao regressar se deu conta de seu esquecimento, aquele chocolate havia adquirido uma maciez até então inimaginável, formando uma delicada capa endurecida e mantendo seu interior extremamente macio. Estava “inventada” a conchagem, método que também é empregado até os dias de hoje e que consiste em aerar insistentemente a massa com máquinas desenhadas em formato de conchas. Agora era possível produzir um chocolate ao leite que derretia na boca e que podia ter os mais diversos formatos. As novas invenções incentivaram o surgimento de diversas fábricas de chocolate na Europa, entre elas a francesa Poulain, fundada em 1869 pela família Menier. No início do século 20, não se sabe exatamente o momento, um dos produtos fabricados pela Poulain chamou a atenção de casas importadoras no Brasil que, especialmente na cidade de São Paulo, atendiam o luxo das elites. Já passava da hora de o país, que nesta altura já era um dos maiores produtores mundiais de cacau, conhecer aquele “alimento dos deuses”.
BRASIL ENTRA NA VALSA
PRIMEIRAS INDÚSTRIAS, PRIMEIROS CHOCOLATES O chocolate chegou ao Brasil por meio do café, ou melhor, da riqueza gerada por ele. Como vimos no capítulo anterior, o chocolate, o chá e o café foram três bebidas exóticas que a partir do século 16 se propagaram pelas mais importantes cidades europeias, dividindo paladares e opiniões. O chocolate representava a típica “bebida da nobreza”, tanto pelo alto custo quanto pelo tempo e meticulosidade exigidos para o seu preparo, enquanto o café, por seu custo mais acessível e por seu caráter notadamente estimulante, caiu mais no gosto da ascendente burguesia e das classes médias que começavam a surgir em decorrência do crescimento das cidades. O chá, por sua vez, permaneceu como preferência nas ilhas britânicas, sem despertar no velho continente o mesmo fervor que as outras duas beberagens, surgidas a partir das grandes navegações oceânicas. A crescente demanda mundial pelas bebidas exóticas que viraram moda na Europa, em especial o café, encontrou no Brasil uma terra fértil – e ainda à procura de sua verdadeira vocação. Com a queda do preço do algodão e da cana-de-açúcar, açodados pela concorrência das Antilhas, os fazendeiros brasileiros estavam em busca de algum produto mais rentável. Faltava apenas conseguir as sementes de café para que se pudesse começar a produção. Tal fato passou a ser uma obsessão para os administradores da grande colônia ultramarina portuguesa.
As primeiras sementes da planta que se tornou conhecida entre os brasileiros como “ouro negro” foram trazidas ao nosso país por um militar, o sargento Francisco de Melo Palheta, que, em 1727, conseguiu atravessar a fronteira da Guiana Francesa com algumas sementes dadas a ele, secretamente, pela esposa do governador-geral das Guianas, Madame d’Orvilliers. Sementes no terreiro: trazidas por um militar nos anos 1720, as sementes de café se adaptaram muito bem às terras brasileiras.
guerra a partir de uma
Oportunidades
cacau nas terras do café O
Na região subtropical, com muita chuva, e na Mata Atlântica densa do sul da Bahia, a cultura de cacau do gênero forastero, natural da Amazônia e de alta produtividade, levou o Brasil, em 1911, à condição de segundo produtor mundial, sendo suplantado apenas pelo Equador. E da mesma forma como aconteceu com as cidades de Belém e Manaus, enriquecidas pelos lucros da borracha, a baiana Ilhéus também viveu seu apogeu no início do século 20. A vantagem sobre as outras cidades, no entanto, foi contar com o talentoso escritor Jorge Amado, ele próprio filho de um produtor de cacau, para narrar a saga do ciclo cacaueiro no sul da Bahia. Em livros como Terras do sem fim, no qual narra a luta dos irmãos Badaró contra o Coronel Horácio da Silveira em torno de uma região boa para o plantio do cacau, o romancista trouxe para o imaginário brasileiro o cotidiano sofrido dos trabalhadores desse cultivo e, do mesmo modo, o luxo que a riqueza do cacau proporcionava a poucos privilegiados.
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O canadense James Lewis Kraft chegou à cidade de Chicago, nos Estados Unidos, em 1905. Naquela época, tinha 31 anos, 65 dólares no bolso e alguma experiência no comércio como funcionário de um grande entreposto em Ontário, no Canadá. Estabelecido na cidade, Kraft comprou um pequeno vagão puxado por um cavalo e começou a comprar e revender queijos. Aos poucos, o comerciante encontrou seu nicho de mercado. Assim, quatro de seus dez irmãos se juntaram a ele, em 1909, para criar a J. L. Kraft & Bros. James ocupou o cargo de presidente da companhia desde o ano em que foi fundada até o de sua morte, em 1953. Nas décadas seguintes, transformou o sobrenome de sua família em sinônimo de queijo; mais tarde, de vários tipos de alimento; e algumas décadas depois, o chocolate também entrou no grande portfólio de produtos que a Kraft desenvolveu. Já no século 21, a brasileira Lacta passou a integrar esta que se transformou na segunda maior empresa de alimentos do mundo.
As cidades
borracha e do cacau da
Um século mais tarde, o café se tornou o principal produto de exportação brasileiro, respondendo, junto com a borracha, por 80% das exportações e gerando um ciclo virtuoso que impulsionou, entre outras consequências, o crescimento vertiginoso de algumas cidades ligadas a essas duas culturas, como São Paulo, por conta do café, e Belém e Manaus, no caso da exploração da borracha. Essas duas cidades da região Norte chegaram a ter luz elétrica e cinema antes da capital federal, o Rio de Janeiro. Entre o período que vai de 1889 a 1899, as exportações brasileiras dobraram de volume. Uma década mais tarde, em 1909, novamente o país duplicou suas exportações, agora, exportando também o cacau, que desde meados do século 19 passou a ser plantado com muito sucesso no sul da Bahia, em torno da cidade de Ilhéus e da bacia do Rio Mucuri.
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Surgem as Com as zonas de plantio do principal produto de exportação brasileiro, o café, concentradas em terras paulistas, de início no Vale do Paraíba e, posteriormente, avançando para o interior em uma desbravadora marcha rumo ao oeste, os chamados “barões do café” já não se contentavam em importar caríssimos produtos e porcelanas finas da Europa para enriquecerem suas fazendas. Em vez disso, passaram a comprar terrenos e lotes urbanos em áreas recém-incorporadas à cidade de São Paulo, por exemplo, a região de Higienópolis e da Avenida Paulista, que no início do século 20 surge no alto do espigão conhecido como Caaguaçu (“grande mata”, em tupi). Ali, a “grande mata” nativa foi substituída por carvalhos e plátanos, árvores importadas da Europa, como deveria ser tudo o que fosse sofisticado na época. Avenida Pauslita, 1902. O poder, aos poucos, se transferiu do campo às cidades – e para lá se dirigiu a nova classe dominante brasileira. Parte dos lucros da exploração cafeeira foi investida em luxuosos casarões e em uma extensa lista de artigos de luxo importados da Europa: perfumes da França, tintas e vernizes da Inglaterra, produtos de lã e instrumentos musicais da Alemanha, carros dos Estados Unidos, vinhos e licores de Portugal, França e Itália, batatas da França e de Portugal, arroz da Índia, leite condensado da Suíça etc. Outra parte da riqueza gerada pelo café foi reinvestida em distintas atividades. No início do século 20, o Brasil passou a importar carneiro e gado do Uruguai e da Argentina; ferro e aço da Alemanha; as máquinas no geral vinham da Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos. Conformavam equipamentos para as primeiras indústrias que se estabeleceram por aqui, concentradas basicamenAvenida Higienópolis, início do século 20. te em São Paulo e no Rio de Janeiro. A expansão urbana brasileira, apesar de ter sua mais importante expressão na capital federal – Rio de Janeiro –, por conta do peso político de constituir a sede do governo, operava de maneira cada vez mais grandiosa em São Paulo. Tanto que a população paulistana saltou de menos de 65 mil habitantes em 1890 para quase 580 mil em 1920, dentre o quais dois terços eram imigrantes estrangeiros. Em um período de 30 anos, São Paulo viveu um crescimento populacional de 892%!
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primeiras indústrias Naquela época, enquanto palacetes suntuosos influenciados pelos mais diversos estilos arquitetônicos, do neoclássico ao art nouveau, proliferavam na zona nobre da cidade, como o recente bairro de Higienópolis e a própria Avenida Paulista, os bairros populares se agrupavam em torno do centro da cidade e das fábricas espalhadas entre o Brás e a Moóca, na região leste, abrigando principalmente os imigrantes que chegavam para trabalhar nas primeiras indústrias. Além de operários e “barões de café” – que na maioria das vezes também eram os empresários industriais –, os novos habitantes urbanos encontravam trabalho nas ferrovias (criadas para escoar a produção cafeeira do interior até o porto de Santos), na construção civil e nos primeiros serviços urbanos da cidade, como empresas de energia, transportes urbanos, água e telefonia. As primeiras indústrias brasiBrás, início do século 20. leiras foram as tecelagens e as fábricas de macarrão (um costume alimentar trazido pelos imigrantes italianos e rapidamente adotado no país), além de fábricas de cerveja (e de vidros para acondicioná-las), sapatos, chapéus, calçados, produtos químicos, conservas, fundições em ferro ou bronze, fábricas de pregos e parafusos. Em menos de dez anos, multiplicaram-se centenas de iniciativas de pequenos e grandes comerciantes. Em 1909, por exemplo, São Paulo já contava com 152 fábricas de chapéus (um item absolutamente indispensável para qualquer cidadão urbano daquela época), cinco de bengalas e três de jogos de cartas. Muitos desses empresários, ao mesmo tempo em que se arriscavam a importar equipamentos para concretizar seus projetos (torcendo para que eles funcionassem sem maiores problemas, pois não haveria quem pudesse consertá-los deste lado do oceano...), também exerciam a atividade de importadores. Havia, além disso, aqueles proprietários rurais empobrecidos por não conseguirem o capital necessário para investir na lavoura cafeeira e que chegavam à cidade para ocupar os cargos mais elevados do aparelho burocrático, ou tornavam-se pequenos comerciantes. Para estes, o principal ponto da cidade estava delimitado pelo famoso “Triângulo”, formado pelas ruas São Bento, Direita e XV de Novembro, onde se concentravam as mais elegantes lojas, cafés e restaurantes.
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A vida pulsa no “Triângulo” No começo do século 20, o centro da cidade de São Paulo se transformava rapidamente com a inauguração do Viaduto do Chá, o primeiro a ser construído na cidade, ligando as duas margens do rio Anhangabaú. A região permaneceu, ainda por alguns anos, como um ambiente repleto de pomares embaixo da construção que assinalava os novos tempos da futura metrópole. Quem cruzasse o viaduto naquelas primeiras décadas do século 20, vindo dos lados do recém-inaugurado Teatro Municipal, pagava um pedágio de três vinténs pela travessia até a região mais fervilhante da cidade, o chamado “Triângulo”. Os elegantes frequentavam cafés e restaurantes daquela área, onde também se localizavam os prédios dos bancos e as lojas de importados mais luxuosas. Nelas, era possível encontrar quase tudo que se produzia na Europa. Na lista de objetos de desejo mais cobiçados pelos consumidores brasileiros no começo do século 20 havia, naturalmente, o chocolate. Agora não mais aquela aristocrática bebida quente e espumante, servida em requintadas chocolateiras, mas, sim, os práticos e deliciosos tabletes que, como vimos, se tornaram mais palatáveis e acessíveis a partir da dupla invenção dos Van Houten, que diminuiu o teor de gordura e deixou o chocolate menos amargo e mais miscível com outros produtos – como leite em pó e a própria manteiga de cacau –, garantindo uma maior cremosidade. Os chocolates em tabletes, que nessa altura já eram produzidos em escala industrial nos Estados Unidos, principais consumidores mundiais da novidade , começaram a ser ofertados aos frequentadores do “Triângulo”. A Casa Tolle, indústria de chocolate fundada em 1885, no Brás, foi uma das primeiras a vender essas deliciosas barras, além de bombons com a marca Abelha, em plena rua XV de Novembro, em São Paulo, onde possuía uma loja. Assim como diversos estabelecimentos desse período, a Tolle também importava produtos similares, dentre eles o chocolate em tablete da francesa Poulain, com o sugestivo nome “Lacta”.
Itinerário do chocolate: no século 20 São Paulo se modernizava e importava vários produtos, dentre eles, o chocolate. Para comprá-los a elite paulistana se dirigia à inquieta rua XV de novembro. (Postal, anos 1930)
Poulain Lacta no Brasil
Os chocolates importados Lacta eram produzidos por um chocolatier francês chamado Victor Auguste Poulain, que em 1848, aos 23 anos, fundou uma pequena loja em Pontlevoy, na França. Com a boa receptividade dos seus produtos, em 1862 Poulain abriu sua fábrica e, três anos mais tarde, se revelou um pioneiro da publicidade, criando o slogan “gôutez et comparez” (prove e compare) para o seu produto. O inventivo fabricante também criou, em 1890, um artifício para se aproximar de seus consumidores mais jovens: passou a distribuir, junto com os tabletes, figurinhas coloridas, impressas em cartão, para serem colecionadas. “Provando e comparando”, os consumidores franceses deram uma vida centenária aos produtos de Poulain, que continuaram a ser produzidos por gerações seguintes – até hoje.
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Uma fábrica para a Lacta Em 1906, outra empresa paulistana passou a importar chocolates Poulain Lacta da França: a Zanotta, Lorenzi & Cia. Fundada por dois imigrantes italianos, a empresa se dedicava, prioritariamente, à fabricação de uma novidade criada pelo cientista brasileiro, Luiz Pereira Barreto, o “Guaraná Espumante”. A bebida doce e gaseificada era produzida a partir do extrato de uma fruta natural da Amazônia, tornando-se, décadas mais tarde, um dos refrigerantes mais consumidos no país. Em outro canto da cidade, no bairro da Vila Mariana, um grupo liderado pelo cônsul suíço Achilles Isella, que havia desembarcado no Brasil em 1891 vindo da Argentina, criou em 1912 a Societé Anonyme des Chocolats Suisse de S. Paulo, com o objetivo de fabricar chocolates no Brasil. O grupo fundador – do qual faziam parte três industriais, um professor, um comerciante, um engenheiro e um arquiteto, todos com sobrenomes estrangeiros (Isella, Rapp, Hottinger, Ritter, Kesselring, Reinmann e Streiff) – havia importado diversas máquinas da Alemanha e da Suíça e adquirido um amplo galpão na rua José Antônio Coelho, na Vila Mariana. Perto dali, na rua Domingos de Moraes, o grupo montou uma loja para a venda dos chocolates que fabricava em forma de meia-lua, conhecidos como Chocoleite. A loja foi batizada como A Suíça, apesar de vender chocolates made in Brazil. Com o início da Primeira Guerra Mundial, a importação de chocolates e de muitos outros produtos ficou bastante prejudicada. Os importados começaram a chegar com valores tão elevados, que muitos empresários viram na mudança de cenário uma oportunidade para a conquista de novos mercados: se não havia como importar chocolates, a saída seria fabricá-los. Foi nesse momento que Zanotta e seu sócio compraram a fábrica do cônsul suíço, que estava à venda. O próximo passo foi adquirir o registro da marca Lacta da Poulain, em 1917. No mesmo ano, o nome Lacta já apareceu no primeiro anúncio luminoso da cidade, atravessando a rua XV de Novembro, no movimentado trecho entre o Largo do Tesouro e a rua Anchieta. No movimento dos trilhos: o francês Victor Poulain produzia os chocolates Lacta e foi pioneiro em integrar elementos urbanos às campanhas publicitárias. O luminoso da Lacta: em meio ao “Triângulo”, uma das regiões mais modernas de São Paulo, a Lacta firmava sua marca em um alto luminoso, o primeiro da cidade. Uma casa para a Lacta: a produção brasileira de chocolate ganha impulso com a primeira fábrica da Lacta, sediada na rua José Antonio Coelho, no bairro paulistano da Vila Mariana.
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A infância da publicidade O luminoso, uma novidade no cenário urbano, mostra como Zanotta e seu sócio Lorenzi estavam sintonizados com aqueles novos tempos em que São Paulo deixava seu passado apático de vila esquecida para se tornar uma cidade dinâmica, onde ruidosos automóveis, bondes elétricos e magazines luxuosos, como o Mappin ou a Casa Allemã, ainda conviviam com carroças, gente descalça e vendedores ambulantes, que se abasteciam no Porto Geral – próximo ao rio Tamanduateí – para, então, percorrerem os bairros mais afastados. Após a canalização desse rio, o próprio porto deu nome à conhecida ladeira Porto Geral. Além de ocuparem alguns espaços urbanos estratégicos com o nome Lacta, Zanotta e Lorenzi apostaram, também, nos primeiros jornais e revistas que surgiam na cidade como bons veículos para divulgarem a nova marca. Essas ações se revelaram acertadas, embora caracterizadas por boa dose de improviso, já que as primeiras agências de propaganda ainda começavam a despontar nessa época e, com elas, o uso de fotografias nos “reclames”. Antes disso, muitas vezes as revistas contratavam artistas plásticos que, em parcerias com poetas e literatos, criavam peças nas quais o produto, geralmente, surgia ilustrando alguma situação. Nas primeiras propagandas ensaiadas pelas empresas, a influência do Parnasianismo (movimento literário marcado em sua essência pelo gênero poético) era suficientemente forte, a ponto de ser costume dos empresários encomendarem sonetos ou outros gêneros de poesia para anunciarem as virtudes de seus produtos. Com a Lacta não seria diferente.
O Estado de S. Paulo, marรงo de 1918.
Na propaganda publicada em junho de 1919 no jornal O Estado de S. Paulo, a Estátua da Liberdade curva-se diante de “dois expoentes máximos da nossa terra: o presidente eleito da República (Epitácio Pessoa, que substituiria o interino Delfim Moreira, alçado ao poder com a morte de Venceslau Brás) e o chocolate Lacta”. Epitácio Pessoa, representante legítimo da política do “café com leite”, enfrentou o eterno candidato Rui Barbosa – desta vez em sua quarta tentativa de se eleger presidente do país.
O Saci e a Lacta: anúncio do caricaturista Lemmo Lemmi, conhecido como Voltolino, para o primeiro livro de Monteiro Lobato, O Sacy-Perêrê – Resultado de um Inquérito, publicado em 1918.
Um amor na vida: Umberto Della Latta foi um dos grandes artistas do início do século 20, com intensa participação na cena paulistana. Suas ilustrações anunciaram os chocolates Lacta nas principais revistas e jornais, como este veiculado em 1917 em A Cigarra.
A pena e o pincel
Nesse período do alvorecer das indústrias – e de suas táticas de propaganda – os anúncios com poemas ainda eram extremamente valorizados. Acreditava-se que, por serem versos, seriam memorizados de modo mais fácil, deixando, assim, a mensagem gravada no subconsciente dos consumidores. E pagava-se muito bem por esse serviço de redação. A ponto de a Lacta anunciar, na revista Fon-Fon de maio de 1919, a instituição de um concurso que oferecia 500 mil réis “pelo soneto decassílabo ou alexandrino que, pela perfeição, apuro de forma, sugestão e pela maneira com que puser em evidência o sabor e as qualidades nutritivas do Lacta, for considerado o melhor”. Olavo Bilac, que antes do surgimento do movimento modernista, em 1922, já era considerado o grande poeta brasileiro, foi um dos que descobriu esse nicho, assinando poemas encomendados por anunciantes. Guilherme de Almeida, outro escritor vinculado à nova geração modernista, que preparava a Semana de Arte Moderna, também criou propagandas em versos. O poeta participou ativamente da cena cultural paulistana na década de 1920, estando à frente da revista mensal criada pelos modernistas para divulgar suas obras e sua estética – a Klaxon – produzida por um seleto grupo de jovens e talentosos escritores. Além de Guilherme, Oswald e Mário de Andrade e Sérgio Milliet faziam parte do grupo que se cotizava a cada mês para bancar os custos da edição. Ao precisar do apoio de empresários para sua iniciativa, Guilherme de Almeida acabou batendo na porta da Lacta e encontrou a empresa, como sempre, receptiva às novas ideias da imprensa.
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insatisfeito e um poeta vingativo
Um anunciante
Coerente à proposta estética da revista que dirigia, o poeta modernista da Klaxon, Guilherme de Almeida, criou um anúncio de vanguarda para o único patrocinador que encontrou para sua revista literária: a Lacta, que ocupou um lugar nobre na publicação, a quarta capa. Provavelmente, Zanotta e seu sócio não gostaram do resultado, talvez porque o poeta tenha ultrapassado uma fronteira perigosa ao alterar a tipologia usada para grafar o nome Lacta. É costume dos fabricantes reagirem negativamente a qualquer alteração em suas logomarcas. Ademais, seguindo uma tendência minimalista ainda sem presença no país, a simples mensagem “coma Lacta” não parecia tão incisiva quanto o tipo de publicidade que leitores de outras publicações (e seus anunciantes) estavam No movimento das vanguardas: seguindo o fervor do movimento modernista, a Lacta esteve presente na principal revista do período, a Klaxon, veiculando um anúncio na quarta capa de seu primeiro número.
acostumados a ver e a ler. Cadê a história? Nenhum poema? Nenhuma cena que ambientasse o cenário? Descontentes com o tratamento dado às suas marcas, Zanotta e Lorenzi, depois de uma segunda tentativa na edição seguinte, igualmente provocativa e incomum, não renovaram a publicidade da Klaxon. Então, por pura vingança, os editores da revista decidiram partir para o ataque, em um expediente jamais usado antes – e mesmo depois – por parte de um órgão de imprensa. Divulgaram um texto, aqui reproduzido na íntegra, irônico e agressivo, na edição seguinte da revista, sobre esse período heroico para anunciantes, no qual a publicidade ainda estava tateando suas abordagens mais eficientes. “Os nossos leitores devem lembrar-se de que lhes recomendamos como produtos magníficos da nossa indústria o chocolate Lacta e a bebida Guaraná. Efetivamente, tanto um como outro eram magníficos. Acontece, porém, que se tornaram detestáveis. Aconselhamos, pois, aos nossos pacíficos leitores o uso de outros produtos magníficos da indústria nacional. É possível, porém, que o chocolate Lacta e a bebida Guaraná voltem outra vez à antiga excelência que perderam. Nós, como únicos representantes do mais alto gosto paulista, publicaremos então gostosamente anúncios novos desse refresco e desse chocolate. Mas enquanto a casa produtora não nos der mais anúncios (ela que desperdiça gordos lucros ao gritar sua fábrica pelas folhas diárias de muito menor circulação que nossa revista, como O Estado de S. Paulo e o Jornal do Commercio) é certo que Lacta e Guaraná são de péssimo sabor e fazem mal à saúde. Klaxon, que em sua já longa e benéfica existência sempre corroborou para a melhoria da saúde pública, avisa, pois, aos seus leitores: não comam Lacta nem bebam Guaraná enquanto essas marcas não nos derem seus anúncios. E publicaremos mesmo, prazerosamente, qualquer comunicação de enfermidade de qualquer natureza, provocada por esses ingratos ingredientes.” A Klaxon não resistiu à falta de anúncios, fechando após um ano de existência. A experiência modernista não parece ter traumatizado os empresários da Lacta, que continuaram presentes na mídia da época, apesar desse impasse desagradável com a revista modernista.
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Desde que as primeiras exposições industriais surgiram no século 18, inicialmente na Inglaterra e na França, tornaram-se as principais vitrines para expor novos produtos que, agora, as máquinas em série eram capazes de fabricar. Antes da virada do século 20, centenas dessas exposições aconteceram em vários outros países, em especial nos Estados Unidos, que se destacavam como fabricantes de máquinas e produtos industrializados. A Exposição Internacional de 1889, que comemorou em Paris o centenário da Revolução Francesa, configurou um marco entre as exposições desse período, ao apresentar para o mundo a colossal Torre Eiffel, que simbolizava, como nenhum outro monumento da época, a era do aço e das grandes estruturas, ambas herdeiras de duas revoluções: a política, que abandonou o absolutismo em detrimento da democracia representativa; e a econômica, que trocou o artesanato pela produção em série e em grandes escalas. As empresas aguardavam ansiosamente essas feiras para entrarem em contato direto com atacadistas, varejistas e consumidores. Na Feira Mundial de 1933, realizada na cidade de Chicago, nos Estados Unidos, em comemoração ao seu centenário, James Lewis Kraft, cuja empresa nesse momento se chamava Kraft Cheese Company, apresentou mais uma novidade: o primeiro molho pronto para salada, o Miracle Whip. No Brasil, a primeira exposição industrial de peso também aconteceu por ocasião de um centenário, o da Independência do Brasil, em 1922, no Rio de Janeiro. Não era a primeira a acontecer no país; outras exposições industriais já haviam sido organizadas, com periodicidade incerta, tanto na capital da República quanto em São Paulo, onde eram realizadas no Palácio das Indústrias, na valorizada região central. Ali, desde 1917, os chocolates Lacta e o Guaraná Espumante da Zanotta, Lorenzi & Cia. eram expostos aos consumidores, que acorriam aos milhares a esse tipo de evento para conhecer as maravilhas que as indústrias paulistas faziam. Ode à industrialização: neste movimento surgiram as primeiras exposições industriais. Na França, a Exposição Internacional de 1889, uma das primeiras da Europa, apresentou ao mundo a Torre Eiffel.
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Uma nova vitrine: as exposições industriais
São Paulo vivia um momento econômico de expansão, se beneficiando de uma alteração na distribuição dos impostos decorrente da Constituição de 1891, que deu aos estados o direito de reter os impostos incidentes sobre as exportações, enquanto o governo federal usufruía dos impostos sobre as importações. Graças a essa mudança e à exportação do café, a arrecadação paulista saltou de 4 mil contos de réis, em 1891, para 38 mil no ano seguinte. O reforço no orçamento estadual alimentou mais ferrovias, novas fronteiras para o café, mais indústrias para a capital paulista e um grande número de imigrantes para trabalhar nelas. Essas novas indústrias buscavam mais consumidores, especialmente os da capital federal, razão pela qual muitos deles investiram na principal vitrine da década: a Exposição Internacional Comemorativa do 1º Centenário da Independência. O Rio de Janeiro estava transformado pelos palacetes, alguns temporários, outros permanentes (como a atual sede da Academia Brasileira de Letras), construídos na região onde, há menos de uma década, esteve o Morro do Machado, e agora abrigava os pavilhões da exposição, a primeira de âmbito internacional sediada no país. Diversos países se fizeram presentes, como Estados Unidos, Inglaterra, Suécia, França, Japão e Argentina, alguns recém-recuperados dos pesados efeitos da Primeira Guerra Mundial, encerrada em 1918. Amparados pelos governos de seus países, vários industriais enfrentavam aquela incursão transoceânica em busca de novos mercados. O Brasil tornava-se cada vez mais urbano e a carência de produtos provocada pela guerra havia gerado um saudável crescimento na indústria e no mercado interno. A Exposição Internacional do 1º Centenário da Independência, mesmo realizada sob estado de sítio, em vigência desde o episódio dos 18 do Forte de Copacabana (revolta feita por 17 militares e um civil que reivindicavam o fim das oligarquias do poder), ocorrido em 5 julho de 1922, foi um sucesso de público e de crítica. E a boa participação de Zanotta, Lorenzi & Cia., relatada pela revista A Cigarra, foi coroada com uma medalha de Honra ao Mérito dada ao seu principal produto, o chocolate Lacta, pelo pioneirismo industrial.
sucesso: a imitação do
O preço Exposição Internacional no Brasil: em fotografia publicada na revista A Cigarra, se observa o luxuoso mostruário da Lacta durante a Exposição Internacional do 1° Centenário da Independência, no Rio de Janeiro. O pássaro original: na década de 1920 os chocolates Lacta eram identificados pela famosa andorinha, como se vê na embalagem exposta neste anúncio de 1922, publicado na revista A Cigarra.
Zanotta e Lorenzi enfrentaram, em 1924, um problema relacionado à fama adquirida pelos chocolates Lacta. Naquele ano, foi preciso ir à Justiça contra um concorrente ardiloso que passou a vender certo chocolate, comercializado em um tubo cilíndrico de papelão rígido azul, com dizeres em branco, igual ao Lacta, inclusive com o mesmo selo vermelho, para se aproveitar da fama adquirida pelo último. Como única diferença, em vez de uma andorinha – o pássaro que aparecia no selo dos chocolates Lacta –, havia um anjinho, com um desenho cujas asas se assemelhavam às do pássaro. O logro começou a ser desmascarado quando o advogado Synésio Rocha, amigo de Zanotta, entrou em uma bombonière da rua Riachuelo e saiu dela supostamente levando seu chocolate Lacta. Só mais tarde se deu conta de que aquele produto era outro, o tal chocolate fabricado por Weck, com um nome e um formato que lembravam muito a marca já conhecida. Synésio contou ao fabricante o ocorrido. Já não era a primeira pessoa a relatar o mesmo engano, e os sócios foram à luta para impedir aquela imitação. Outra testemunha envolvida no processo, José Medina, comentou sobre a semelhança entre as embalagens: “Depois de examinadas minuciosamente, constata-se a diferença entre uma marca e outra; que sem exame atento há a confusão, pelo fato de terem as mesmas cores, os caracteres em branco, o mesmo formato e com selos e etiquetas da mesma cor; que o depoente, examinando minuciosamente no empório uma e outra marca, objeto deste processo, constatou que as asas dos anjinhos, à primeira vista, fazem confusão com as asas da andorinha”. Os donos da marca Lacta não mediram esforços para combater a imitação, contratando o prestigioso escritório dos advogados Waldemar Ferreira e Prudente de Moraes Neto. Dessa forma, conseguiram tirar do caminho o concorrente desleal.
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IncĂŞndio, crise e concordata
Em 1925, um incêndio destruiu toda a fábrica da Lacta na rua José Antônio Coelho, o que provocou a ausência dos produtos da marca no mercado durante um ano. Reerguendo-se literalmente das próprias cinzas, em 1926 os produtos da Lacta voltaram a ser encontrados nos armazéns, empórios e entrepostos de secos e molhados que se espalhavam pela cidade. Em outubro de 1929, um novo tropeço, desta vez provocado pela quebra da Bolsa de Nova York, atingiu em cheio os exportadores de café, que de um dia para o outro viram o preço do produto despencar. Com a economia fortemente atrelada ao café, as indústrias não tardaram a sentir o tranco da recessão mundial. A Zanotta, Lorenzi & Cia. foi forçada a entrar com um pedido de concordata em 1930, da qual saiu em 1933, conseguindo manter o mercado aberto para seus dois carros-chefe: o Guaraná Espumante e o Chocolate Lacta, que a essa altura já era uma marca bastante conhecida dos consumidores. Nos anos 1930, uma nova guerra se anunciava na Europa com a ascensão do nazifascismo na Alemanha, Espanha e Itália. Além disso, o cenário econômico mundial se preparava para tempos difíceis. Por aqui, a Zanotta, Lorenzi & Cia. encarava agora a forte concorrência que o Guaraná Espumante sofria do seu rival “Guaraná Champagne Antarctica”, lançado em 1921 pela cervejaria de mesmo nome. Sem recursos para manter a disputa, declararam falência em 1937. No ano seguinte, o grupo Diários Associados, do jornalista e empresário Assis Chateaubriand, assumiu o controle da Lacta. Encerrava-se, dessa forma, a primeira fase da história da Lacta. Uma fase heroica, durante a qual a marca de chocolate se firmou graças à aposta na publicidade, que mesmo em tempos difíceis não foi abandonada. A força da marca: na década de 1930, quando a empresa passava por dificuldades, a loja da Lacta marcava presença no centro da cidade, em plena rua Libero Badaró.
Novidade: figurinhas no chocolate
Em 1933, Zanotta e Lorenzi repetiram a experiência pioneira da Poulain de agregar figurinhas ilustradas ao chocolate. Para o encantamento das crianças, surgiu naquele ano a Collecção Lacta de Cultura Infantil, que anos mais tarde se transformou em objeto de disputa entre colecionadores. Em 1934, quando a Lacta lançava o segundo volume de sua coleção de figurinhas, Euzébio Ghiotto tinha 14 anos e acabava de ingressar em um colégio interno próximo a Campinas. “O álbum tinha um caráter educativo e com ele pude me preparar melhor para esta nova etapa da vida. O álbum número dois explorava a temática da flora e da fauna, por exemplo”. Ele se lembra de comprar as figurinhas que acompanhavam os chocolates para preencher seu álbum e trocar as repetidas com outros colegas, antecipando um movimento de troca-troca de figurinhas que se tornou corriqueiro nas escolas brasileiras durante as décadas seguintes. Naquela época, no entanto, isso era uma grande novidade e as crianças que tinham condições para comprar chocolates regularmente com suas mesadas, por exemplo, não deixavam de fazê-lo. Assim, aos poucos, agregava-se mais um público aos consumidores de chocolate, ampliando a então preferência feminina pelo produto. Melhor ainda, esse era um público que seria fiel ao produto pelas próximas décadas, já que os consumidores mirins um dia se tornariam adultos.
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Cultura infantojuvenil: as figurinhas do álbum Collecção Lacta de Cultura Infantil, de 1933, tornaram os recreios escolares muito mais divertidos e instrutivos.
O DINÂMICO CHATÔ O empresário Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, que se tornou conhecido pelo apelido de Chatô, foi o primeiro empreendedor a se destacar como proprietário de meios de comunicação no Brasil. Em poucos anos, converteu-se no primeiro magnata da imprensa nativa. Tendo iniciado sua carreira jornalística precocemente, aos 15 anos, em jornais de Pernambuco, Chatô assumiu a direção de O Jornal, do Rio de Janeiro, em 1924, agora com 32 anos, mas ainda como funcionário de uma empresa, que passava por dificuldades. Hábil articulador e negociante sagaz, ele conseguiu apoio financeiro de alguns “barões do café” e do polêmico empresário norte-americano Percival Farquhar – que se envolveu na conturbada construção da ferrovia Madeira-Mamoré, em plena Amazônia, entre 1907 e 1912 – para arrematar o jornal que dirigia. Revelando invulgar capacidade para criar polêmicas, enfrentar inimigos poderosos (seu preferido, o poderoso industrial Francisco Matarazzo, que era chamado pejorativamente “conde do sebo” em seus jornais, por ter iniciado sua fortuna fabricando banha de porco) e investindo em um jornalismo agressivo, Chateaubriand em apenas uma década já havia amealhado outros jornais importantes, como o Diário de Pernambuco, o mais antigo da América Latina, o Jornal do Commercio, primeiro do Rio de Janeiro, e o Diário da Noite, de São Paulo. Também arrematou
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ASSUME A LACTA para si uma das principais revistas do país, a mensal A Cigarra, voltada majoritariamente ao público feminino e que, como já vimos, veiculava os anúncios do Guaraná Espumante e dos Chocolates Lacta. Chateaubriand também foi responsável pela criação, em 1928, da revista semanal O Cruzeiro, que inovou o padrão vigente ao usar e abusar das fotografias, trazer as notícias de artistas do showbiz norte-americano ao lado das primeiras grandes reportagens, em especial as realizadas pela dupla formada pelo fotógrafo Jean Manzon e pelo jornalista David Nasser. Ao todo, seu conglomerado, os Diários Associados, chegou a ser formado por 34 jornais, 36 emissoras de rádio, 18 estações de televisão (ele foi o pioneiro, ao inaugurar a TV Tupi em 1950), além de agência de notícias, duas revistas, publicações infantis e uma editora. Empresário das mídias compra a Lacta: Assis Chateaubriand, figura polêmica da cena paulistana e proprietário de um conglomerado de jornais, revistas e canais de televisão, se tornou um símbolo da cidade de São Paulo.
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“Bom negócio é o que anuncia muito” Segundo o escritor Fernando Morais, autor da biografia Chatô, o rei do Brasil, Chateaubriand estava convencido de que “bom negócio era o que anunciava muito”. Sendo proprietário de diversos veículos, preferia comprar empresas que fossem anunciantes tradicionais; dessa forma, os anúncios alimentavam a saúde financeira dos veículos, que retribuiriam divulgando a marca e aumentando suas vendas. Assim, entre as aquisições de jornais e revistas, Chateaubriand encontrava tempo e recursos para adquirir empresas tão díspares em suas vocações, como o Laboratório Licor de Cacau Xavier (vendido na época como um poderoso fortificante), o Laboratório Gaby (fabricante do pó de arroz Joli e da água-de-colônia Gilca) e a Indústria de Chocolates Lacta, na época apenas com seu tradicional chocolate ao leite, vendido em cilindros de papelão azul. Chatô colocou seu jornal Diário da Noite como maior acionista da Lacta. Sacudida pelo espírito inquieto e desbravador do novo proprietário – que, talvez, nunca tenha colocado os pés na fábrica, ainda localizada na Vila Mariana – a Lacta entrou em uma nova fase de sua história. Essa nova fase formou uma quadra verdadeiramente brilhante: no curto espaço de quatro anos, entre 1938 e 1942, foram criadas três marcas que se tornaram icônicas quanto ao consumo de chocolates no país. Além disso, descobriu-se nesse mesmo intervalo de tempo que, em uma nação católica como o Brasil, ovos de Páscoa poderiam ser uma deliciosa surpresa. Enquanto isso, no hemisfério Norte do continente americano, a Kraft inovou uma vez mais ao apresentar, em 1937, um prático macarrão instantâneo com queijo que prometia “uma refeição para quatro em nove minutos”. Tanto lá quanto aqui, a indústria de alimentos buscava superar desafios e encontrar novas fórmulas e formatos que se mostrassem adequados aos novos tempos. Tempos mais corridos, com consumidores mais apressados e, também, cada vez mais exigentes. A Lacta na revista O Cruzeiro: usando de seus próprios meios de comunicação, Chatô colocou anúncios dos produtos Lacta em uma das principais revistas ilustradas da década de 1940.
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A lapidação de um diamante Até hoje ele intriga, em especial, por não se revelar facilmente. Os cristais crocantes – que demoram mais a se dissolver na boca, prolongando a experiência de degustação do chocolate, mais negro e um pouco menos doce do que as versões tradicionais ao leite – transformaram esse tablete em um campeão de vendas no Brasil. Poucos percebem que esses “misteriosos” cristais são feitos de castanha de caju e mel. Mas a consistência, que sugerem um chocolate mais denso, acrescido à cor escura, evidência de uma maior concentração de cacau, além de um nome associado a uma pedra preciosa lapidada, fizeram com que, aos poucos, se criasse uma forte identidade entre a marca e os consumidores masculinos. Eles haviam encontrado a marca deles – e até hoje, muitos consumidores, especialmente entre 20 e 40 anos, se declaram fiéis ao Diamante Negro.
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Um gol de bicicleta Em 1938, o mundo descobriu que o Brasil era bom de bola. Antes da Copa do Mundo de Futebol, que aconteceu naquele mesmo ano na França, sob o espectro de mais uma guerra na Europa (que se tornou mundial no ano seguinte), a potência sul-americana do futebol era o Uruguai, campeão da primeira competição oficial. Chegando sem grandes expectativas, após campanhas modestas em 1930 e 1934, o Brasil surpreendeu. Mais que tudo, um jogador surpreendeu o mundo: Leônidas da Silva, eleito o melhor da Copa, além de artilheiro do campeonato. Com o Brasil alcançando, para surpresa geral, a terceira colocação no torneio, a imprensa francesa não poupou elogios ao craque Leônidas, apelidado de “HomemBorracha” nos primeiros jogos por sua espantosa elasticidade e rápida movimentação. Mas outro apelido, “Diamante Negro”, haveria de colar no atleta perfeitamente, talvez porque conseguisse aquilatar a raridade daquela descoberta, capaz de fazer jogadas tão desconcertantes, por exemplo, a bicicleta. Antes dele, ninguém imaginava que aquele rodopio no ar usando as pernas como alavancas pudesse ser adaptado em um jogo de bola. O Diamante Negro das décadas de 1940 e 1950. Leônidas da Silva: além de grande jogador, inventou o “gol de bicicleta”. Não por acaso seu apelido “Diamante Negro” é nome de um dos maiores sucessos da Lacta.
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Na Copa de 1938, além de marcar sete gols em quatro jogos e receber o título de melhor jogador do torneio, Leônidas da Silva deslumbrou a todos com um “quase gol” de bicicleta contra a Tchecoslováquia (aquele desafio à lei da gravidade nunca fora visto antes em solo europeu), além de ter feito a proeza de marcar um decisivo gol contra a Polônia... descalço. Isso porque sua chuteira arrebentou e Leônidas aguardava em campo que alguém providenciasse o conserto. Surgiu a oportunidade e, mesmo descalço, mandou um chute violento para o gol adversário, marcando os pontos decisivos. O juiz não viu que Leônidas estava sem chuteiras e confirmou o gol, teoricamente ilegal. Há várias versões sobre o surgimento do apelido “Diamante Negro”, com o qual o jogador voltou consagrado da Europa. O próprio Leônidas creditava sua autoria à imprensa francesa – provavelmente a Raymond Thourmagem, jornalista esportivo da revista Paris Match.
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Mas, segundo André Ribeiro, autor da biografia O Diamante Eterno, o apelido pode ter surgido antes da Copa. O jornal Diário da Noite, curiosamente futuro proprietário da Lacta, publicou no dia 25 de novembro de 1935 uma crônica esportiva da época em que o jogador atuava no Botafogo. A matéria destacava que “Leônidas na linha de frente foi a principal figura. O Diamante Negro realmente é um craque. Tem domínio de bola, passa com perfeição. É o número um, quer na meia-esquerda ou direita.” Independente de a origem do apelido ter sido em um lado ou outro do Oceano Atlântico, o fato é que Leônidas retornou ao Brasil consagrado como o primeiro ídolo do futebol brasileiro, merecendo a capa da revista mais lida do país, O Cruzeiro.
O nascimento da identidade Por que não atrelar a popularidade do jogador Diamante Negro ao novo chocolate crocante da Lacta, lançado naquele mesmo ano de 1938? Já se usavam, em algumas campanhas publicitárias daquelas décadas, rostos de pessoas conhecidas, como atletas, atrizes e até mesmo o papa, para vender os mais variados produtos. Mas a proposta da Lacta ao craque Leônidas, apresentada pessoalmente pelo comendador Lorenzetti, um dos diretores da empresa, era batizar o novo chocolate crocante da Lacta com um nome que tinha a simpatia de todos os brasileiros: Diamante Negro. O encontro aconteceu em um escritório na rua Três Rios, em São Paulo, e foi testemunhado pelo jornalista Ary Silva, amigo do jogador e de seu empresário, José Maria Scassa. Alçado à condição de celebridade e aturdido por tantos convites recebidos após o sucesso da Copa e de seu retorno ao país, Leônidas nomeou seu velho amigo Scassa como conselheiro, depois de ter recebido o pagamento por um anúncio da goiabada Peixe, divulgado em todos os jornais do país em um quarto de página, apresentando somente uma caixa do produto... e nada mais! Ser garoto-propaganda de uma marca que utiliza um apelido consagrado era tamanha novidade em 1938, de modo que os próprios envolvidos não sabiam exatamente quanto deveriam cobrar pelo direito de imagem. Acabaram fechando com os diretores da Lacta um valor de 2 contos de réis, além de uma participação nas futuras vendas do chocolate Diamante Negro, como disposto em um contrato assinado na mesma ocasião. Antes de Leônidas da Silva, apenas Arthur Friedenreich, o primeiro ídolo do futebol brasileiro, havia feito
propaganda do Guaraná Antarctica, mas em uma época anterior ao profissionalismo no futebol, quando o próprio jogador era funcionário da empresa de refrigerantes. No ano seguinte à assinatura do contrato entre a Lacta e o Leônidas da Silva, enquanto surgiam os primeiros tabletes crocantes com a embalagem preta e prateada, o jogador circulava pelo Rio de Janeiro em um carro luxuoso, comprado por 3 contos de réis. Contratado por uma fortuna na época pelo Flamengo, ele e Heleno de Freitas eram os únicos jogadores de futebol com salários capazes de bancar esse tipo de luxo. Vivendo o auge da popularidade, os convites não paravam de chegar a Leônidas. Assim como o jogador negociou seu apelido com a Lacta, ele também não viu nenhum problema em aceitar a proposta de outro comendador, Sabbado D’Angelo, proprietário da Companhia Sudan, maior fabricante de cigarros do país na época, e que queria lançar uma nova marca com o nome do atacante. Por 15 contos de réis, “Leônidas” se tornou uma marca de cigarros que exibia um desenho do jogador dominando a bola com a cabeça. Naqueles tempos jurássicos da propaganda, não parecia incongruente para ninguém que um atleta divulgasse uma marca de cigarros. Porém, ao contrário dos fabricantes do cigarro “Leônidas”, os executivos da Lacta sabiamente perceberam que não deveriam atrelar excessivamente a imagem do produto ao jogador, e por isso ele nunca foi estampado no chocolate. Desde a primeira versão da embalagem (e houve poucas alterações nela, nenhuma relevante) o tablete trazia um desenho de diamante.
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O bombom do Brasil Desde o início do século, quando surgiram as primeiras casas importadoras de chocolates franceses e suíços, os produtos considerados mais nobres de qualquer linha de chocolates eram os bombons. Por ser recheado, seu processo de fabricação era mais demorado e o custo mais elevado. Até os anos 1940, o bombom era coisa fina e cara. Mas na fábrica da Lacta, já há algum tempo estavam sendo feitas experiências com um produto que mudaria não apenas o consumo dos bombons, mas a própria imagem elitista que esses produtos tinham. Os bombons ainda guardavam os ares aristocráticos com que o chocolate, enquanto bebida, atravessou os séculos do Renascimento europeu. Transformado em barras práticas e saudáveis graças aos processos industriais que aprimoraram seu sabor e aperfeiçoaram sua consistência. o consumo de chocolate aos poucos se propagou por diferentes centros urbanos, Com escalas e consumo cada vez maiores. o custo do chocolate caiu significativamente ao longo das primeiras décadas do século 20. Já estava na hora de mudar, também, a imagem do aristocrático bombom e trazê-lo para as massas.
“Se acaso você chegasse...” Com o rádio vivendo seu apogeu nos anos 1940, o Sonho de Valsa foi lançado em 1942 ao som de um grande sucesso de Cyro Monteiro, “Se acaso você chegasse”, composto dois anos antes. “Saboreie um bombom com sua namorada”, convidava o slogan ecoado pela Rádio Nacional, do Rio de Janeiro, e por centenas de emissoras país afora, além da repercussão nas revistas da época, O Cruzeiro à frente delas, dirigindo-se, pela primeira vez no caso desse produto, ao público masculino. Quebrava-se um paradigma: com a criação do Sonho de Valsa, o bombom deixava de ser somente uma preferência das mulheres. Com o nome inspirado em uma opereta em três atos – a “Walzertraum” – composta por Oscar Straus, em 1907, o bombom Sonho de Valsa representou um formidável desafio tecnológico na época em que foi concebido. Foi preciso criar bolachas wafer em um formato moldado, dentro das quais era lançada uma massa preparada com castanha de caju, produto tipicamente brasileiro e, até então, pouco usado pelos fabricantes de chocolate. Após as duas metades recheadas se completarem, um banho de chocolate meio amargo, seguido por outro de chocolate ao leite completava a terceira camada do bombom. No início, o Sonho de Valsa era embalado um a um, em papel estanho vermelho que o envolvia e, depois, recoberto com celofane transparente. Como rótulo, havia um selo preto central com o nome do produto e o desenho de um violão. Seguindo a tradição ainda vigente, era vendido por quilo somente em bombonières finas e consumido quase que exclusivamente por mulheres. O desafio era ampliar o consumo, colocando-o à venda em bares e empórios das capitais brasileiras para torná-lo acessível a todas as camadas da população, inclusive aos homens, que já haviam aprendido a gostar do Diamante Negro.
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Linha de produção do Sonho de Valsa na fábrica do Brooklin, entre as décadas de 1960 e 1970.
Uma embalagem
p u lsante A estratégia de conquista do novo público considerou duas alterações no Sonho de Valsa: o tamanho e a embalagem. A fim de vendê-lo por unidade, deixando-o visível mesmo a distância, o bombom se tornou maior. Os homens também costumam ser mais vorazes do que as mulheres, outro motivo para o incremento no peso. Mas isso não seria suficiente, era preciso mudar algo mais, em especial, na forma como o bombom se apresentava. Mas, o que fazer? E, principalmente, como fazer? A Lacta resolveu recorrer às habilidades de José Tscherkassky, um jovem empresário do ramo de embalagens que, em 1935, fundou uma empresa e que adorava encontrar um desafio tecnológico pela frente. Ali estava um belo enigma a ser resolvido. Como deixar aquele bombom atraente aos homens sem “masculinizá-lo” a ponto de perder a ligação com o público feminino? De 1939 a 1942, os técnicos da Dixie-Toga trabalharam em diferentes versões para a nova embalagem do Sonho de Valsa, até chegarem a uma proposta final: um celofane rosa transparente, com a marca em letras amarelas suavemente manuscritas em um círculo preto, em que aparece um casal dançando – ela com vestido longo amarelo, ele trajando um smoking elegante – e um violão do outro lado. Concebida de modo a poder ser vista por todos os lados, já que tinha um formato esférico, seu grande segredo estava na transparência rosa do celofane, que permitia a passagem do brilho refletido pelo papel alumínio que protegia o bombom. A embalagem pulsava. Certamente refletiria os raios de sol em uma manhã se estivesse exposta em um balcão de produtos secos e molhados, em outras palavras, era capaz de “piscar” para seus consumidores. O fato de trazer um casal não era gratuito. Na verdade, era como se a dama, habitual consumidora daquele produto em suas versões de bombonière, estivesse ali conduzindo o cavalheiro para o mesmo hábito. Era um convite chamativo, mas sutil, em uma embalagem que conseguia deixar o bombom sofisticado e prático ao mesmo tempo. Como requinte final, havia ainda um pequeno detalhe, inserido provavelmente para ser observado após o consumo do bombom: um pentagrama musical trazia alguns acordes da opereta “Walzertraum”, de Oscar Straus, inspiração para o nome. O desafio dado a José Tscherkassky incluía respeitar a indicação daquela cor específica, da flor maravilha, escolhida por ser especialmente vibrante. O fabricante de embalagens colheu a flor à noite, em seu ambiente natural, buscando reproduzir quimicamente a mesma tonalidade. Quando a cor foi reproduzida no celofane transparente, ela agradou de imediato e trazia uma atmosfera de novidade. Era mesmo um novo Sonho de Valsa.
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Um gesto em forma de bombom A garota ainda adolescente, diante da penteadeira, olha com carinho para o bombom Sonho de Valsa a sua frente. O gesto é captado pela mãe, que se aproxima com calma e cumplicidade: “Foi ele quem deu pra você?”. Ela confirma e a mãe revela: “Comigo também foi assim”, e abrindo um velho álbum de retratos retira dali uma embalagem do bombom, guardada de recordação ao lado da foto do jovem marido. Essa propaganda, veiculada nos anos 1980 pelo bombom mais vendido no país, trabalhava para reforçar o que pesquisas e observações de padrões de consumo e venda já haviam detectado: o Sonho de Valsa, mais que um bombom, trazia consigo um gesto de aproximação, uma forte sugestão de afeto e de romantismo. A publicitária Christina Carvalho Pinto, da agência Full Jazz, que realizou a campanha de 2002 em comemoração aos 60 anos da marca, sintetiza a percepção: “A menina de 13 anos ganhava o Sonho de Valsa do paquerinha e guardava dentro do seu diário; as crianças tinham, mesmo na nova geração, aquele hábito de se sentar no chão e por na frente o papelzinho da embalagem para olhar o céu ficar cor-de-rosa... Então, a gente percebeu que o bombom não deveria mudar coisa alguma e baseamos toda a estratégia da campanha em uma frase: ‘Sonho de Valsa é meu gesto de afeto’”. Um gesto do filho que traz um bombom para a mãe, do adulto com o avô, do aluno com o professor ou do namorado para a namorada, todos formando uma corrente de sentimentos na qual o bombom se inseria, acima de tudo, como símbolo de um sentimento de afeto. A abordagem para a campanha de 60 anos do bombom seguiu, portanto, a trilha daquela propaganda da adolescente com a mãe, ambas envolvidas por um gesto de carinho que tinha, no bombom, seu veículo. Apenas a situação mudava: em vez de um quarto de jovem, um parque meio abandonado, com uma roda gigante, para onde um rapaz levava sua namorada e lá nas alturas oferecia um bombom. Não era, portanto, uma abordagem inovadora, mas, sim, reveladora de que aquela marca já havia adquirido tamanha consistência na cabeça de seus consumidores, de modo que toda mudança precisaria ser rigorosamente calculada. Com o slogan “Sonho de Valsa, o amor tem esse sabor”, ela renovou o que já estava estabelecido na cabeça dos consumidores.
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UM OVO DE
COLOMBO DE
CHOCOLATE
A inventividade da Lacta nestes quatro anos trepidantes, entre 1938 e 1942, não parou naqueles dois lançamentos bem-sucedidos: o tablete crocante Diamante Negro e o renovado bombom Sonho de Valsa. Na Páscoa de 1940, nasceu outra novidade direto da fábrica na Vila Mariana, que nos meses anteriores esteve mergulhada em uma atividade frenética, com novos contratados que passavam o dia embalando ovos. Ovos!? Sim, feitos de chocolate.
Aqueles foram os primeiros ovos de Páscoa da Lacta. Embalados em celofane vistosos e coloridos, numerados de acordo com o tamanho – a numeração, consagrada mais tarde, foi adotada medindo-se simplesmente o tamanho do ovo em centímetros, da base ao topo – os ovos de Páscoa foram a coqueluche imediata de crianças, namoradas, noivas e esposas. A partir daquele ano, a Páscoa no maior país católico do mundo encontrou sua mais gostosa tradição: a de presentear com ovos de chocolate. Os ovos de Páscoa agradaram em cheio um público que começava a se sofisticar em termos de consumo. Ao longo das décadas seguintes, a época da Páscoa cresceu tanto em importância a ponto de tornar-se a data de inflexão do calendário anual dos fabricantes de chocolate no país. Mas, naquela época, os ovos de Páscoa eram apenas mais uma frente promissora de vendas. Houve, ainda, outra novidade para fechar a renovação do portfólio da empresa: o Bis, que se tornou a maior marca de chocolate do Brasil em valor de vendas. Antes da última novidade do quadriênio de ouro da Lacta surgir, o breve e intenso período de gestão de Assis Chateaubriand chegou ao fim. Com tantos negócios multiplicando-se e vislumbrando a possibilidade de trazer a televisão para o Brasil, o irrequieto empresário-jornalista tratou de convencer o então interventor de São Paulo, Adhemar de Barros, a comprar a Lacta. Isso aconteceu em 1941, com o controle acionário sendo transferido para o grupo Endipa, que pertencia ao político, membro de uma tradicional família de cafeicultores de São Manuel, interior de São Paulo.
A Páscoa da Lacta: em 1997 nascia Pascoal, coelhinho criado por Moacir Rodrigues, que simpaticamente se tornou uma espécie de mascote da Lacta.
O café e a política, novamente
A partir da decretação do Estado Novo em 1937, o presidente Getúlio Vargas, agora com poderes ditatoriais, nomeou interventores para cada estado brasileiro. Na maioria deles, manteve os governadores, que passaram a exercer o poder com as assembleias estaduais dissolvidas. No entanto, São Paulo representava a resistência ao poder central, evidenciada poucos anos antes com a Revolução Constitucionalista de 1932. E uma resistência de peso: o censo industrial de 1939 indicou que o estado concentrava 29% das indústrias e 35% dos operários do país. A indicação para interventor de São Paulo do agora ex-deputado federal (já que todos estavam cassados), Adhemar de Barros, considerado na época um nome promissor, mas secundário, do Partido Republicano Paulista (PRP), por ser ainda jovem e sem experiência administrativa, pegou muita gente de surpresa. A começar pelo ministro da Justiça de Vargas, Francisco Campos, e pela filha e auxiliar direta do presidente, Alzira Vargas, que sequer o conheciam. Filho mais velho do cafeicultor Antonio Emygdio de Barros, cuja fazenda de mil alqueires em São Manuel possuía uma centena de casas de colonos, além de escola e hospital, Adhemar se formou em Medicina na Faculdade Nacional do Rio de Janeiro, seguindo depois para a Europa, a fim de realizar um período de residência médica na Universidade de Berlim. No navio a vapor que o trouxe de volta ao país, conheceu sua futura esposa, Leonor Mendes, filha de um jurista paulistano de família igualmente tradicional. Pouco tempo depois, Adhemar estava casado e atendia como médico em um consultório localizado na Praça
da Sé, centro de São Paulo, sacudida pela Revolução Constitucionalista de 1932. Tendo participado do movimento, tomou gosto pela política, lançando sua candidatura a deputado federal nas eleições de 1934 por Botucatu, cidade vizinha a São Manuel. Constituiu este o primeiro de vários mandatos, como deputado ou governador, e também o mais curto. Mas a cassação não lhe saiu mal, pelo contrário. Em sucessivos encontros com o presidente Getúlio Vargas, e tendo como padrinho político o poderoso chefe da polícia política de Getúlio, Felinto Müller, Adhemar ganhou, aos poucos, a confiança do governante, que se preocupava em não fortalecer algum nome já poderoso entre seus aliados paulistas. O jovem médico de São Manuel estava no lugar certo, na hora certa. Getúlio mandou chamar seu ministro da Justiça, a quem apresentou o novo interventor de São Paulo, que em suas primeiras entrevistas se mostrou afinado com o interesse dos cafeicultores e se apresentava como “um caipira das barrancas do rio Piracicaba”. Vargas confessou, anos mais tarde, que sua arriscada escolha por Adhemar se devia, principalmente, pelo fato de passar a ter, no bastião paulista, alguém que lhe seria grato pelo caminho aberto. A intervenção em São Paulo durou de 1938 a 1941, e nesse período Adhemar iniciou a construção da via Anchieta, um assombro de engenharia para a época porque exigia a abertura de diversos túneis no trajeto entre a capital paulista e a Baixada Santista, e a via Anhanguera, ligando São Paulo à Campinas. Também é dessa época o início da construção do Hospital das Clínicas, ligado à Universidade de São Paulo, recentemente instalada na capital.
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Dando grande ênfase ao planejamento e arregaçando as mangas, no melhor estilo “tocador de obras”, Adhemar de Barros se mostrou um político sagaz, saindo da oposição a Getúlio Vargas à intervenção em nome dele sem despertar muito alarde. Com a redemocratização, foi eleito governador de São Paulo em 1947, tendo como lema “São Paulo não pode parar”. Nesse mesmo ano criou uma empresa municipal de transportes e um plano energético para a cidade. Outra obra de seu governo foi a passagem subterrânea sob o largo do Anhangabaú, que entrou para a geografia local como “o buraco do Adhemar”. Conseguiu impulsionar o seu sucessor no governo estadual, Lucas Nogueira Garcez, que ao fim de seu mandato se aliou ao principal inimigo político de Adhemar, Jânio Quadros. Embora a atuação política absorvesse quase integralmente os esforços e atenções de Adhemar de Barros, o “caipira das barrancas do rio Piracicaba” estabelecia, paralelo à sua carreira política, uma sólida trajetória como empresário, na qual apostava em diferentes áreas: com as fazendas de café, seguiu a tradição cafeicultora e a herança de seus pais; com a Imobiliária Aricanduva, apostou na incorporação de bairros novos à cidade, como o Morumbi e a Cidade Leonor (assim batizada em homenagem à sua esposa); com a Divulgação Cinematográfica Bandeirantes e a Rádio Bandeirantes, embriões da Rede Bandeirantes, apostava nos meios de comunicação de massa; e com a Lacta, desempenhava seu papel como industrial. Mas a Lacta precisava de uma atenção especial e, para isso, Adhemar de Barros contava com dois Negrini.
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Os Negrini da Lacta A década de 1940 encontrou na Lacta duas cabeças que, unidas pelo mesmo sobrenome, deixaram suas marcas na história da empresa: o professor Antenor Silva Negrini, superintendente, e João Negrini, advogado. Não eram parentes e, segundo descrições de quem conviveu com eles, como Marcílio Faustino, que na década seguinte assumiu o cargo de secretário particular do Dr. Adhemar de Barros Filho, eram bem diferentes. O superintendente Antenor Negrini, chamado de “professor” pelos colegas, entrou na empresa em 1940 como gerente do departamento de contabilidade e finanças. Passou depois a diretor-geral, diretor-superintendente e, por fim, diretor-presidente da empresa. Na época da transformação do Sonho de Valsa, foi Antenor Negrini quem recorreu ao maestro Souza Lima, seu amigo, com o pedido para transcrever em escrita musical algum trecho curto da opereta que deu origem ao nome do bombom, de modo que pudessem inseri-la no invólucro. O maestro fez de bom grado o favor e as notas passaram a fazer parte da nova roupagem do Sonho de Valsa. Cerca de uma década mais tarde, Antenor recebeu uma carta de um maestro gaúcho apontando um erro no pentagrama, provavelmente fruto de um deslize cometido por ele ao passar ao responsável pela execução da arte o desenho feito pelo maestro. A correção foi feita na embalagem e ninguém, além do maestro gaúcho, percebeu a mudança. Por outro lado, João Negrini foi inicialmente contratado como advogado da empresa, mantendo seu escritório
na rua 3 de dezembro, no centro da cidade. Com o crescimento da Lacta, nessa altura já se beneficiando da série de lançamentos tão ao gosto do Brasil, e com um nome firmado como sinônimo de chocolate graças aos primeiros esforços no começo do século por Zanotta, Lorenzi & Cia., as demandas também cresciam. Até que Antenor trouxe o outro Negrini para junto de si; a partir desse momento o advogado João ganhou uma sala nas dependências da empresa. Ali ficaram os dois Negrini, a confundir quem achasse que estava diante de uma empresa familiar. De fato, nessa época a Lacta era de uma família, mas Barros, não Negrini. Marcílio Faustino, secretário de Adhemar de Barros, se recorda que o advogado João Negrini era uma pessoa expansiva e muito popular na fábrica. “Ele era festeiro, tem fotos dele nas festas, nos campos de futebol; gostava de tomar seu copinho de cerveja no meio da ‘peãozada’, no meio do povo. O João era queridíssimo na empresa inteira porque ele não passava perto de nenhum faxineiro sem dar a mão e cumprimentar. Ele tinha um controle da família que era uma coisa fora de série, sabe? Todos respeitavam muito o João Negrini.” Por “família”, entenda-se, nesse caso, a de Adhemar de Barros. Campanha política na Lacta: o político e empresário Adhemar de Barros em visita à fábrica da Lacta na Vila Mariana, década de 1950. “Tocador de Obras”: Adhemar de Barros ganhou esse apelido pela característica de “arregaçar as mangas” e participar pessoalmente da política industrial do país.
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Bis, bis... O primeiro produto que surgiu sob a gestão da família Barros é hoje um adorável septuagenário que se mantém absolutamente jovem, com performances comerciais invejáveis. Talvez, porque tenha sido o primeiro a se miniaturizar a tal ponto que pudesse ser levado no bolso ou na bolsa. A novidade sinalizava um tempo mais corrido, no qual caía bem uma pausa para uma pequena bolacha de wafer com chocolate. Uma? Não, melhor duas, três...
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Bis, o pequeno notável Pequeno, quase despretensioso, o minichocolate Bis, lançado em 1942, traz consigo a ideia de repetição – a partir do próprio nome. Você conhece alguém que se contente com um único destes pequenos retângulos de aproximadamente cinco centímetros de comprimento e sete gramas de peso? A impossibilidade de se comer apenas um sempre esteve na origem de toda a comunicação que envolveu esse produto, não raro feita com muito humor. Muitos consumidores, mais velhos certamente, se lembram daquela na qual uma sombra se aproveita do momento em que um jovem come um Bis e lança o papel no cesto de lixo para, também ela, surrupiar outro. A peça, produzida antes dos recursos com computadores, recebeu prêmio nos festivais de publicidade no ano de seu lançamento e sintetizava aquele gesto repetido. Bis, bis, bis... O novo produto era feito a partir da mesma base de bolacha wafer que serviu de molde e inspiração para o bombom Sonho de Valsa. Em vez de redonda, agora a bolacha era plana. Em vez de uma única camada de wafer,
agora eram quatro, intercaladas com chocolate ao leite. À mistura, acrescentava-se amendoim, flocos de arroz e malte, entre outras novidades. Nesse novo produto também mudava-se a escala, agora para baixo: lâminas afiadas cortavam as grandes placas de bolacha em pequenos retângulos. Outro banho de chocolate, tratado com emulsificantes que deixavam a massa de cacau mais líquida e aderente à superfície da bolacha, completavam o processo. No meio do caminho entre uma pequena bolacha bem recheada e coberta de chocolate ou um pequeno chocolate bem forrado de uma macia bolacha tipo wafer, primeiro a novidade foi testada internamente. E como ninguém entre os degustadores arriscava seu veredicto sem experimentar, no mínimo, dois, ficou claro, desde o começo, que era simplesmente impossível comer um só. O nome Bis nasceu da própria compulsão que aquele pequeno notável despertava já nos seus primeiros consumidores.
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A DÉCADA No início da década de 1950 o Brasil tornava-se mais urbano, com um em cada três brasileiros vivendo nas cidades (em 1990 a proporção se inverteu e o país se mostrou, definitivamente, urbano). Vivia-se um período de intenso otimismo. Nessa década, as principais montadoras de automóveis se instalaram aqui; com Chateaubriand à frente, a televisão chegou ao país em 1950; diversas indústrias de bens duráveis se estabeleceram para vender desde eletrodomésticos até máquinas agrícolas; foram construídas as usinas hidrelétricas do rio São Francisco; e criou-se a Petrobras para explorar e refinar petróleo, em um ímpeto renovador sem precedentes na história do país.
DA ACELERAÇÃO Em termos culturais, o país exportava sua bossa-nova e importava obras importantes para a primeira Bienal de São Paulo, inaugurada em 1951. No cinema, O Cangaceiro, de Lima Barreto, ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1953. Eram novos tempos, representados, acima de tudo, pela audaciosa decisão do presidente Juscelino Kubitschek de transferir a capital do país para uma cidade construída em um inacreditável período de três anos. Junto com Brasília, nascia um novo país, no qual as mulheres já representavam quase 18% da força de trabalho ativa. A cada ano, a indústria trazia novos produtos destinados a facilitar a vida e liberar tempo para outros investimentos. Apenas em 1958, ano em que o Brasil conquistou sua primeira Copa do Mundo de Futebol, foram lançados o rádio de pilha, o barbeador elétrico e o Fusca, entre milhares de novidades. 87 Lacta 100 anos, muito prazer
A nova fábrica Com o crescimento do mercado de chocolates, o aumento da produção e a necessidade de ampliar as áreas de estocagem por conta do volume ocupado pelos ovos na época da Páscoa, a Lacta iniciou em 1947 a construção de uma nova fábrica, localizada na rua Barão do Triunfo, no Brooklin Paulista, em São Paulo. Uma década mais tarde, em 1957, o recém-empossado prefeito da capital paulista, Adhemar de Barros, também proprietário da empresa, descerrou a faixa de inauguração da fábrica. Ali haveria espaço e oportunidade para a Lacta crescer, ainda sob a direção de Antenor Negrini. Era a empresa andando no ritmo de crescimento do país naquela década prodigiosa.
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no Brooklin A nova fábrica já surgia com cerca de 500 funcionários. A maioria chegava trazida pelo bonde que percorria a avenida Ibirapuera, em uma das últimas linhas a serem desativadas na cidade anos mais tarde. Os funcionários mais antigos se recordam que a “parada Lacta” acabou sendo instituída informalmente pelos condutores, mesmo estando localizada em outro ponto, isso devido ao fato de que boa parte da lotação descia do bonde naquele local. Muitos moradores da região se lembram do cheiro de chocolate que exalava daquela fábrica. Uma delas, Márcia Manéo, na época uma criança, se lembra, por exemplo, que “nas ruas do Brooklin, Piraquara e Campo Belo, que ainda não eram asfaltadas, sentia-se no ar o aroma de chocolate próximo à fábrica da Lacta”.
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Sirva-se Na década de 1950, os supermercados chamavam a atenção do mundo todo. Era uma ideia norte-americana nascida nos anos 1930 da cabeça de um comerciante, Michael J. Cullen, que comprou um grande galpão industrial em Long Island, Nova York, e dispôs em largas prateleiras cerca de mil variedades de produtos para que os próprios consumidores escolhessem as mercadorias. Denominou sua loja de King Cullen e ela fez tanto sucesso que logo surgiram dezenas de filiais – e centenas de imitadores em todo o mundo. Enquanto nos Estados Unidos a nova modalidade de venda direta se espalhava rapidamente por todos os cantos do país, os supermercados eram vistos com enorme curiosidade pelos poucos brasileiros que conheciam a instituição. E não eram só os sul-americanos que se encantavam com a novidade. Em 1957, durante sua primeira visita aos Estados Unidos, a rainha da Inglaterra, Elizabeth II, incluiu na sua agenda a visita a um supermercado. Em 1959, foi a vez do primeiro-ministro soviético, Nikita Kruschev, em visita aos rivais da Guerra Fria, conhecer as famosas gôndolas onde os produtos eram dispostos ao alcance das mãos dos consumidores. Havia uma clara percepção de que o surgimento dos supermercados representava o início de uma nova era, centrada na liberdade de escolha, no autosserviço e na praticidade de produtos que pareciam ter sido criados com o intuito de economizar o tempo, cada vez mais precioso. Nos Estados Unidos, a Kraft continuava a surpreender seus consumidores com novas apresentações funcionais de alimentos tradicionais, como as fatias de queijo processado “Kraft Deluxe”, que surgiam embaladas em pequenas porções.
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e pague na
saída Além da praticidade representada, especialmente, pelo contato direto do consumidor com o produto, logo ficou claro para estes que o fato de os supermercados comprarem quantidades maiores de mercadorias implicava, também, em poderem oferecer preços menores. Outro fator importante para a boa aceitação da mudança se deu a partir do momento em que as mulheres começaram a conquistar postos de trabalho, além dos empregos tradicionais como professoras ou enfermeiras, por necessidade ou desejo de independência financeira. Os supermercados pareciam perfeitos para esse novo contexto comportamental. No Brasil, a primeira loja de autosserviço surgiu por iniciativa de um poder público, a prefeitura de Porto Alegre, em 1950. Pouco tempo depois, em 1953, duas outras experiências diferentes também aboliram o balcão, estabelecendo o contato direto entre clientes e mercadorias: uma loja criada pela Cooperativa de Consumo dos Empregados da Tecelagem Parahyba, de São José dos Campos (SP), e o Supermercado Sirva-se, na capital paulista.
Nova forma de exposição de produtos: inspirados no modelo inglês, chegam ao Brasil os supermercados e suas tradicionais prateleiras (supermercado Richmond, Londres, 1955). As primeiras prateleiras no Brasil: em terras brasileiras, a rede “Sirva-se”, inaugurada no início da década de 1950, despontou como uma das mais importantes, com sede na rua da Consolação.
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Surge uma nova frente de batalha: a gôndola A entrada dos supermercados no cenário econômico e social influenciou de maneira direta as indústrias de quase todas as áreas, que rapidamente precisaram se adaptar aos novos formatos. Os produtos ganharam embalagens específicas para a venda por unidades, em vez das sacas a granel ou fardos. Essa embalagem individualizada, além de proteger o produto, devia permitir que o consumidor pudesse examiná-lo, já que este não contava com a influência do vendedor. As mudanças nas vendas de varejo não aconteceram de modo instantâneo, mas aos poucos, a partir das necessidades que surgiam e das condições das empresas em investirem em novas máquinas de embalagem. Esse movimento, na realidade, foi irreversível: em 1966, existiam 997 supermercados espalhados pelo país; em 1970, eles eram 2.527, protagonizando um crescimento de 153%. Na gôndola, o novo ringue onde se digladiavam produtos tradicionais e outros que, aproveitando o novo cenário, tentavam encontrar seus nichos, a necessidade de chamar a atenção do público em meio a tantos concorrentes provocou um sem fim de experiências em rótulos, embalagens e artifícios para preservar e, ao mesmo tempo, expor o produto. Nesses tempos de disputa pelos melhores espaços, a Lacta se mostrou tão aguerrida nos supermercados como nos anos 1940, ao expandir a venda de bombonières para bares, restaurantes e armazéns. Getúlio Ursulino Neto, chefe do departamento de vendas da empresa na época em que os supermercados eram as grandes vedetes do consumo, rapidamente percebeu que ganharia mais terreno naquele momento quem fosse ágil e se antecipasse aos pedidos. Nesse sentido, organizou equipes de vendedores para percorrerem os supermercados pela manhã, verificando estoques e despachando pedidos, que saíam no dia seguinte da fábrica, já com os preços praticados pelo supermercado na própria etiqueta padrão do
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estabelecimento. Dessa forma, ganhavam os supermercados, que economizavam o trabalho das equipes de reposição, as quais, por sua vez, recebiam o produto pronto para ir à prateleira; ganhavam os consumidores, que sempre encontravam o produto fresquinho na gôndola e, claro, ganhava a Lacta, que via sua posição se consolidar na nova frente de vendas.
O autosserviço se consolida na década de 1970: no Brasil, a ampliação das redes de supermercados fez com que as indústrias criassem produtos pensados especialmente para serem acoplados em prateleiras. Movimento paralelo: mesmo com a expansão dos supermercados, a Lacta sempre manteve um forte relacionamento com os donos de pequenos estabelecimentos.
O balcão das padarias Mas até que o supermercado se tornasse a linha de frente para os fabricantes de chocolate, era no pequeno varejo, mais especificamente nos balcões de padarias e bares, que o consumidor procurava o produto. Até meados da década de 1970, a Lacta manteve um forte relacionamento com milhares de donos de padarias, empórios, mercearias e pequenos mercados. Gilverto Pignocci, que trabalhava com vendas naquela época, lembra que instruía seus vendedores a pedirem licença ao dono do estabelecimento para desmontarem a vitrine do balcão. “O chocolate ficava na vitrine, no balcão principal, junto com os outros doces da padaria, não no caixa, como é hoje”, relembra. “Nossos vendedores chegavam lá e arrumavam os produtos dentro de um layout predeterminado, de acordo com as cores das embalagens. Depois, colocavam a etiqueta. Fizemos as etiquetas em pétalas de flores, com o preço no miolo, para substituir o preço que o pessoal da padaria colocava, escrito de qualquer jeito, no próprio papel de pão”. Pequenos cuidados como esse, além dos tubos e bolas de plástico em que o Sonho de Valsa era colocado para ser vendido e dos cartazes para preencher as poucas paredes disponíveis nos pontos de venda (ou em outro lugar visível, muitas vezes, improvisado pelo vendedor), faziam com que os produtos, em especial os três carros-chefe da empresa – Diamante Negro, Sonho de Valsa e Bis – encontrassem cada vez mais seus consumidores. Havia apenas duas exceções à pulverização de vendas nessa época: as Lojas Americanas e sua concorrente, as Lojas Brasileiras, as primeiras a funcionarem por meio de departamentos. Nessas duas lojas a Lacta criou ações específicas de venda, já que ambas eram compradoras constantes e de peso – em uma antecipação da grande mudança que aconteceu a partir da consolidação dos supermercados.
Surge a “parreira” de ovos de Páscoa A ideia, como todas as que dão certo, era muito simples: tirar os ovos de Páscoa dos balcões e prateleiras e colocá-los em uma estrutura de madeira onde eles pudessem ser pendurados. Dessa forma, ficariam mais visíveis na loja e não exigiriam um amplo remanejamento no sempre disputado espaço das gôndolas. Alaís Fonseca, funcionária da área de marketing da Lacta de 1976 a 1999, lembra que foi em uma reunião junto dos gerentes das Lojas Americanas que a ideia da “parreira” evoluiu. A intenção era que os consumidores escolhessem seus ovos como se colhessem uma fruta na árvore. Em pouco tempo, a maioria dos supermercados aderiu à proposta pioneira da Lacta. As parreiras fundaram uma espécie de “gôndola aérea” que otimizava o espaço e, ainda, proporcionava uma cara festiva ao lugar – o que sempre combinou com a Páscoa.
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Na Antiguidade, a chegada da primavera era comemorada com alívio e alegria. Era o fim das privações do inverno e o início de um novo ciclo de plantio. Povos tão distintos, como chineses e gregos, cada um a sua maneira, adquiriram o hábito de festejar o fim dos meses frios e o início dos tempos de relativa fartura, anunciados pela chegada da primavera. Em alguns casos, ovos coloridos, fervidos com plantas corantes, ou pintados a mão, faziam parte da comemoração, simbolizando o reinício da vida. Na mitologia grega, quem comandava esse período de festas era Deméter, a “mãe da distribuição”, deusa das colheitas, da terra cultivada e das estações do ano. Entre os romanos, era chamada Ceres, e seu festival, a Cerélia, celebrava o início da primavera. Outros povos da Europa Antiga homenageavam, na mesma época do ano, Ostera (ou Ostara), deusa da primavera e da fertilidade, cujo símbolo era o coelho, um animal conhecido pela rápida reprodução. Daí teria surgido a palavra Easter (Páscoa, em inglês). Entre o povo judeu, embora a origem do nome seja outra, o significado de renovação se mantém. Pessach, termo que origina a palavra Páscoa, significa “passagem” em hebraico,
COMO A PÁSCOA VIROU LACTA. e representa a época em que os judeus eram escravos dos egípcios. A passagem do Mar Vermelho, comandada por Moisés, representa o renascimento de um povo para a liberdade, e a data, entre os judeus, começou a ser comemorada desde aproximadamente 1.250 a.C., quando aconteceu a fuga do Egito. Na Páscoa judaica, a tradição mais forte é a dos pães ázimos (sem fermento), conhecidos como matzá, que representam a pressa na fuga, quando não houve tempo para a fermentação natural do pão. A denominação da festa em língua portuguesa (Páscoa), espanhola (Pascua), italiana (Pasqua) e francesa (Pâques) tem, todas elas, origem no termo hebraico Pessach. Entre os cristãos, a Páscoa se converteu, do mesmo modo que para judeus e pagãos, em símbolo de renovação, mas por outras vias. A data representa o final da Semana Santa, um período de festas cujo início é no domingo anterior, domingo de Ramos, que marca a entrada triunfal de Jesus Cristo na cidade de Jerusalém, poucos dias antes de morrer crucificado, na sexta-feira da Paixão. Nesse dia, entre os cristãos, não se come carne e, nos primórdios do cristianismo, era um período de jejum e abstinência, encerrado no domingo de Páscoa, justamente o dia da ressurreição de Cristo. Entre os dois dias santos, o sábado de Aleluia
ganhou uma curiosa forma de extravasar a fúria pela traição: a tradicional “malhação de Judas”, quando um boneco representando aquele que entregou Cristo aos seus capturadores por dinheiro é surrado. A entrada desses símbolos, de origem judaica e também pagã, no cristianismo aconteceu após o Concílio de Niceia, realizado em 325 d.C., quando havia a preocupação, entre os primeiros cristãos, de expandir o número de fiéis, adaptando antigas tradições e relacionando-as com temas e personagens bíblicos. Ao longo dos primeiros séculos em que predominou o cristianismo, criou-se o costume de pintar ovos comuns com imagens de Cristo e de sua mãe, Maria, retomando a tradição das festas em homenagem à deusa grega da fertilidade, Ostera (ou Ostara). O coelho, igualmente usado como símbolo fértil, também passou a fazer parte das comemorações que marcavam o início da primavera no hemisfério Norte. Os ovos de Páscoa feitos de chocolate, no entanto, só teriam vez a partir da possibilidade da massa de cacau tornar-se moldável. As primeiras barras de chocolate surgiram em 1847,
OU COMO A LACTA VIROU PÁSCOA. criados pela Bristol, Fly & Sons, e a mesma empresa britânica desenvolveu, em 1873, o primeiro ovo feito de chocolate. No Brasil, os ovos de chocolate apareceram apenas depois dos anos 1940, e na inserção dessa tradição a Lacta teve um papel decisivo. Foi ela uma das primeiras empresas de porte a oferecer o produto. Mas até que o ainda raro e caro ovo de chocolate se tornasse acessível, muitas décadas foram necessárias. A chocólatra Ana Figueiredo, por exemplo, nascida em 1947, em Mococa (SP), recorda-se que no domingo de Páscoa, depois de passarem o sábado jejuando, as crianças se lançavam a procura dos ovinhos de chocolate, ainda bem pequeninos, que os adultos espalhavam pelo jardim. “Mas isso só acontecia depois da missa das dez, quando tomávamos a hóstia. Daí, estávamos prontos para festejar com os ovinhos de chocolate. Os ovos eram pequenos mesmo, e só para a criançada. Não me recordo de ovos pintados, só lembro que os pobres pintavam ovos de galinha para darem para as suas crianças”, recorda-se. Futura consumidora dos chocolates Lacta, Dalvani da Cunha, nascida em Vitória da Conquista, na Bahia, lembra que “na roça”, onde morava quando criança, o almoço de Páscoa era a única refeição na qual a família era obrigada pelo pai a comer reunida. A carne de porco fazia a festa, mas nada de chocolates.
O início da tradição no Brasil
Presentear crianças e, inclusive, adultos com ovos feitos de chocolate e recheados com bombons ou que traziam, como elemento surpresa, um brinquedo, foi uma tradição cuidadosamente construída ao longo das décadas seguintes, de 1950 a 1970, em um paciente trabalho realizado pelas indústrias de chocolate no país. A Lacta fez a parte dela – e muito bem, tanto que se tornou líder inconteste de vendas nesse período. Um investimento que se iniciou por meio de campanhas na televisão, por exemplo, uma que usou a canção de Olga Bhering Pohlmann, cuja letra se transformou em um hino dessa época: “Coelhinho da Páscoa, que trazes pra mim? Um ovo, dois ovos, três ovos assim!”.
A boa receptividade dos ovos de Páscoa provocou, aos poucos, uma inflexão no calendário das empresas, que do mesmo modo passou a girar em torno da data. Jussara Machado, funcionária da Lacta desde 1981, recorda-se da movimentação excepcional nessa época do ano: “Nós tínhamos uma fábrica que era vertical, com cinco andares e, na época da Páscoa, nós tínhamos problemas porque chegávamos a ter dois mil funcionários a mais. Era um período que começava em agosto e se estendia até o sábado de Aleluia, na véspera da Páscoa”. Nesses seis meses de trabalho dobrado, o principal problema que surgia era a estocagem, porque os ovos tinham um volume grande e exigiam um espaço físico quase inexistente na antiga fábrica do Brooklin. “As caixas de ovos ficavam nos corredores, no refeitório, em qualquer lugar onde fosse possível empilhá-los”, recorda-se Jussara. O passo seguinte da verdadeira operação de guerra propiciada pela Páscoa era despachar a produção, por avião ou caminhão. Marcílio Faustino, secretário de Adhemar de Barros, lembra que nesse período “duas vezes por semana, eu ia de ônibus buscar os pedidos que vinham da Baixada Santista e de Campinas, que atendia toda a região do interior paulista. O faturamento era manual, tirava nota fiscal, ia para estoque, do estoque separava aquela mercadoria para o caminhão entregar no dia seguinte. A frota da Lacta entregava no Brasil inteiro, ia caminhão com um motorista e o ajudante, saíam na segunda-feira, viajavam por vários lugares e só voltavam na sexta”. Mas a preponderância da Lacta na época da Páscoa também teve origem em outros fatores que vão além da contratação de milhares de funcionários extras e do esforço para distribuir a produção em tempo de comemorar a festa. A forte presença da marca nessa época foi provocada, ainda, por algumas táticas de venda, como a de não trabalhar com ovos sob consignação, ou seja, os ovos eram vendidos sem possibilidade de devolução. Com isso, o ovo Lacta era o primeiro a ser exposto pelo lojista, o primeiro a acabar e o primeiro a ser novamente reposto.
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O investimento na produção também fez grande diferença. Em 1988, a Lacta instalou uma nova linha que tornou a fabricação de ovos de chocolate muito mais eficiente. Tratava-se de uma linha hidroautomática que, em circuito fechado, aumentava significativamente o número de ovos produzidos por turno. O salto foi de 14 milhões de ovos por ano, em 1987, para 23 milhões, em 1988. Mas a consagração da época no calendário da Lacta se deu a partir da decisão de estender o prestígio das marcas tradicionais ao ovo de Páscoa. Em 1989, surgiram as primeiras versões do ovo Diamante Negro e Laka, o chocolate branco da Lacta. O sucesso foi tão grande que no ano seguinte já havia o ovo Sonho de Valsa. Este exigiu a superação de um formidável desafio tecnológico, como se recorda João Damiani, contratado no final da década de 1980 para trabalhar com as embalagens dos ovos de Páscoa. “As pessoas tinham a expectativa de que haveria um grande Sonho de Valsa dentro do ovo da marca. Só que na época não tínhamos tecnologia para fazer um ovo com gosto e recheio de Sonho de Valsa, o que dava pra fazer, por exemplo, com o Laka ou o Diamante Negro. Hoje, o ovo Bis tem wafer dentro da casca, o Sonho de Valsa também, mas na época não tinha”, revela. Foi preciso investir em novas modelagens e experiências de textura até que se tornasse possível entregar um ovo com a cara e o gosto da marca preferida. E os consumidores responderam satisfeitos a esse esforço. Em 2005, a Lacta lançou no mercado o primeiro ovo de Páscoa com um formato diferente, o Trakiovo, que imitava o desenho do biscoito Trakinas, um dos preferidos da criançada. Depois dele, os ovos de diversos formatos fizeram novidade a cada Páscoa. Assim, em 2007, surgiu o ovo em formato de diamante; em 2009, o ovo Bis , imitando o desenho da embalagem; em 2010, os ovos Sonho de Valsa, Bis, Laka e outro com a opção meio Diamante Negro, meio Laka. Por fim, em 2011, a novidade foi o ovo inspirado no bombom Ouro Branco. Bruno Zanetti, gerente de Trade Marketing da Kraft Foods, recorda-se que o ovo lapidado em formato de diamante ganhou até um prêmio internacional de design, por sua rara inspiração.
Uma surpresa na convenção de Páscoa Para a comemoração da Páscoa, cada vez mais, a Lacta passou a centralizar as atenções e o planejamento de seus produtos com muita antecedência – chegando a 18 meses de trabalho antes da grande data. Depois que os novos modelos eram pensados, pesquisados e aprovados para o ano seguinte, realizava-se uma grande convenção, reunindo milhares de colaboradores, entre pessoal de venda, marketing e produção, para que todos estivessem alinhados em termos de linguagem, propósitos e, ao mesmo tempo, pudessem se informar sobre as novidades daquele ano. Luciane Matiello, que trabalhava no marketing da empresa, recorda-se especialmente de uma convenção, a de 2002. Grávida de nove meses, ela havia ensaiado no domingo anterior à convenção, que reuniu seiscentos vendedores em um hotel, uma brincadeira na qual apareceria, literalmente, vestida de ovo de Páscoa – sua barriga de grávida evidenciaria o desenho arredondado do ovo. “No domingo à tarde nós fomos pra lá passar todas as informações, apresentações, fiz todos os ensaios. Às 18 horas saí de lá pronta pra voltar, no dia seguinte, como um ‘ovo de Páscoa’”. No entanto, faltou combinar com sua filha, que naquele mesmo domingo, às 20h30, resolveu nascer. “Ela é que foi a minha surpresa de Páscoa”, relembra. Para André Vercelli, diretor de vendas da Kraft Foods Brasil, o papel mobilizador que as convenções de Páscoa adquiriram ao longo do tempo para a Lacta é inquestionável: “A Páscoa é um exemplo claro de como colocar muitas pessoas ao redor do mesmo objetivo em um curto espaço de tempo. É emoção pura, chegamos a juntar três mil pessoas, vibrando e falando dos produtos, com certos rituais, temos o hino, o mantra, a nossa bandeira, coisas que fazem as pessoas lembrarem aquele momento especial. É um ritual mesmo, que ajuda a dar uma cara para a organização”, analisa.
A PÁSCOA NA MINHA INFÂNCIA
Por Giovanna Bezerra de Lima, grande apreciadora dos chocolates Lacta, em especial do Sonho de Valsa e do Lancy. Na Páscoa da minha infância tudo era muito diferente do que é hoje. Eu morava em um sítio, no interior do Ceará, onde os costumes e tradições eram muito sérios e respeitados. Toda a semana anterior à Páscoa era de grande preparação, vivida em um clima de religiosidade. Na quinta-feira deixava-se tudo preparado, pois na sexta-feira Santa não se devia fazer nada, nem varrer a casa, nem lavar roupas, era um dia de quietude para participar do sofrimento de Jesus Cristo. Havia muito respeito e era mantido um precioso silêncio. Os rádios ficavam desligados, o comércio totalmente fechado e a prática do jejum era para todos. Tomava-se apenas um cafezinho pela manhã, comia-se na hora do almoço e depois só no jantar. E havia o cuidado de não comer nenhum pedaço de biscoito que fosse, para não quebrar o jejum. Nos primeiros dias da semana, mas em especial na sexta-feira Santa, os vizinhos presenteavam uns aos outros com alimentos, para que todos pudessem celebrar o fim do jejum da melhor forma. Os que tinham queijo em casa dividiam e mandavam um pedaço para os mais próximos, os que tinham leite mandavam um litro para cada casa, e assim cada um partilhava aquilo que tinha. Às vezes, era até mesmo um pouco de arroz, um pacote de macarrão, um peixe. Porque todos sabiam do que o outro tinha necessidade em sua casa. Lembro que, por ser um lugar muito árido, minha mãe era a única ali que mantinha uma pequena horta, onde plantava cheiro verde, cebolinha e também alguns tomates e pimentões – e era com isso que fazia sua partilha na semana da Páscoa. Separava um pouco de cada verdura e me mandava levar na casa dos
nossos vizinhos. E assim em cada casa havia uma mesa mais farta nesses dias. No sábado de Aleluia, havia o costume de passar a noite acordados. Uma boa quantidade de gente se reunia na Casa Grande, e meu avô, que era contador de histórias, sempre era convidado para passar a noite contando belas narrativas até o dia amanhecer. Muito tempo depois entendi que por trás desse costume havia um sentido religioso naquela vigília, embora ali não houvesse nenhuma forma de celebração ou oração. O sentido era manter-se acordado, esperando a ressurreição do Senhor. Antes do almoço de Páscoa havia, ainda, outra grande atração: a malhação de Judas. As mulheres confeccionavam um boneco de pano, que era pendurado em uma forca. Os homens, com tiros de espingarda, tentavam acertar a corda para derrubar Judas, e quando isso acontecia toda a plateia rasgava o boneco, espedaçavam-no em uma espécie de vingança pela sua traição. O chocolate não faz parte das lembranças da minha infância. Só depois de muitos anos, quando vim morar em São Paulo, é que ganhei do meu namorado o meu primeiro ovo de Páscoa: um Sonho de Valsa, que se tornou tradição da Páscoa na minha vida. Dois anos de namoro, 16 de casamento e todo ano ganho dele o mesmo ovo. É incrível, depois de tanto tempo, compreender e poder comparar os costumes. Naquele tempo, diante das dificuldades vividas por todos, os vizinhos se presenteavam com aquilo que tinham em casa e sabiam que era necessário e agradável àquela casa. Hoje, presenteamos com ovos de Páscoa. Seja pequeno ou grande, branco ou ao leite, procuramos agradar àqueles que amamos e proporcioná-los uma feliz Páscoa!
A “Família Lacta” na TV
Nos anos 1950, o surgimento da televisão brasileira proporcionou a oportunidade de atingir milhões de espectadores em um futuro bem próximo. No começo, poucos tinham dinheiro para comprar a novidade, mas as empresas já estavam de olho a qualquer inovação tecnológica que pudesse tornar o aparelho progressivamente acessível a parcelas maiores da população. Enquanto as prestações ainda não cabiam no bolso, muitos viam a novidade em praças públicas e nas lojas de eletrodomésticos, que deixavam diversos de seus aparelhos de televisão ligados na vitrine e voltados para a calçada, onde o povo, deslumbrado, pulava de uma tela para outra. Ter um desses aparelhos em casa era o grande sonho de qualquer família brasileira naquela década. No Rio de Janeiro, segundo uma pesquisa feita pelo Ibope junto às lojas vendedoras de eletrodomésticos, em 1951 vendia-se entre 1.500 e 2 mil televisores por mês. Em 1958, já haviam sido vendidos 200 mil aparelhos. Apenas dois anos depois, já eram 340 mil. Em 1964, 1,6 milhão de aparelhos estavam ligados em lares de todo o país e uma miríade de marcas e produtos passaram a disputar a atenção do público junto com as novas atrações, por exemplo, as novelas e os ídolos que aquele veículo conseguia criar da noite para o dia. Por meio de personagens como “Zé Balinha” e “Diamante Negro”, participantes da Família Lacta, a empresa patrocinou “Poliana”, um dos primeiros programas infantis da televisão brasileira, dirigido por Júlio Gouveia (o mesmo que, anos mais tarde, produziu a primeira adaptação de “O Sítio do Picapau Amarelo”, de Monteiro Lobato) junto com sua esposa, Tatiana Belinky. Mais tarde, em 1977, também investiu, a partir do personagem Diamante Negro, em outro programa infantil de muito sucesso, o desenho animado “Sawamu”.
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Uma fábrica a todo vapor Nos anos 1960, mediante lançamentos de peso, dentre eles o Confeti e o tablete de chocolate branco Laka, e expandindo a comercialização dos demais produtos naquela altura já consagrados, a fábrica do Brooklin funcionava 24 horas por dia, com a turma da noite trabalhando na preparação da massa de cacau, já que não se embalavam produtos naquele período. Em algumas ocasiões, a linha de montagem de bombons era interrompida para uma pequena extravagância: o bombom Gianduia, feito artesanalmente com uma avelã inteira coberta por um chocolate especial. Conhecido como “o bombom do doutor Adhemar”, ele era feito para presentear clientes, visitantes ilustres e, claro, a diretoria e a família Barros, nessa época já representada por Adhemar de Barros Filho, filho do ex-governador. Seu pai assumiu pela terceira vez o governo do estado de São Paulo, em 1962, mas aqueles eram tempos tumultuados e, mesmo tendo apoiado o movimento militar em 1964, Adhemar foi cassado em 6 de junho de 1966 e exilado na França, onde morreu em 1969, na cidade de Lourdes, local em que seguiu tentando se curar por meio das águas supostamente miraculosas daquele centro de peregrinação católico. Em 1963, a Jacob Suchard Company, da Suíça, adquiriu 40% das ações da Lacta, que em 1969 abriu seu capital na Bolsa de Valores de São Paulo. Fundada em 1825 pelo suíço Philippe Suchard, a Jacob Suchard Company se tornou conhecida mundialmente com um refinado chocolate criado em 1901, o Milka. Mas o controle acionário da companhia ainda se encontrava nas mãos da família Barros.
Delícia da criançada Em 1962, as crianças foram apresentadas a um pacote contendo pequenos confeitos coloridos recheados com chocolate que fizeram, e ainda fazem, a alegria das festas de aniversário. Redondos e pequenos, com suas cores realçadas pelo brilho da cera de carnaúba (mais um produto autenticamente brasileiro que se integrava à produção), o confeito foi batizado de Confeti, porque lembravam os pequenos círculos de papel lançados pelas crianças nos dias de carnaval. Os divertidos confeitos configuraram uma das atrações do estande da Lacta no Salão da Criança. Criado em 1959 pelo promotor de eventos Alcântara Machado, o Salão da Criança foi incorporado ao calendário de eventos da cidade de São Paulo, exigindo novas ideias e ações das indústrias ligadas ao público infantil. A Lacta marcou presença nos salões com cenários criativos e brincadeiras diferentes, por exemplo, em 1969, quando apresentou um navio chamado Pirata dos Sete Mares, cujo tesouro era formado por chocolates. Aos pequenos entendedores: a caravela de piratas, em postal de 1970, marca o estande da Lacta no Salão da Criança, evento organizado para apresentar os novos produtos às crianças.
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O reflexo branco A rigor, não existe chocolate branco porque não existe massa de cacau em sua composição – apenas a manteiga de cacau acrescentada, em dosagens altas para dar qualidade, ao açúcar, leite e baunilha. Essa foi uma composição criada pela Walter Baker & Company, pioneira na venda de tabletes nos Estados Unidos, que inventou a primeira receita de “tabletes de baunilha”, em 1913, batizada mais tarde, sob licença poética dos puristas do cacau, de chocolate branco. Em 1929, a Baker foi incorporada pela General Foods Corporation que, décadas depois, se fundiu à Kraft. Mesmo “não existindo”, o chocolate branco se tornou o preferido de muita gente, especialmente mulheres, que costumavam procurá-lo entre os pequenos fabricantes e bombonières que trabalhavam com produtos importados. Se havia a procura, nada mais lógico que tão rápido quanto surgisse o produto. Para a Lacta ele nasceu em 1962, sob o sugestivo nome Laka, como se anunciasse que ali estava o mesmo chocolate ao leite Lacta do qual se retirou apenas o cacau. Naquele mesmo ano, a Lacta lançou outra novidade feita de chocolate branco: o bombom Ouro Branco, criado para ser um espelho oposto do Sonho de Valsa. Coberto com chocolate branco, ele também trazia por dentro uma cápsula de bolacha wafer preenchida com recheio de chocolate, flocos de arroz e castanha de caju – este último ingrediente foi colocado para guardar alguma semelhança com seu “parente”, coberto com chocolate ao leite. A campanha de lançamento mostrava uma mulher que trabalhava fora, cuidava da casa, dos filhos, dava atenção ao marido, mas que conseguia um momento na correria do dia para desfrutar seu Ouro Branco. Um sinal dos novos tempos, em que as mulheres começavam a acompanhar o mesmo ritmo frenético dos homens – mas permanecendo, ainda, atreladas aos cuidados com a casa. As duas novidades confirmaram algumas suspeitas: o chocolate branco era mesmo o preferido de muitas mulheres – provavelmente as menos chocólatras, para as quais a mistura macia, com consistência idêntica ao chocolate ao leite, oferecia um paladar mais adocicado, já que não apresentava qualquer traço de amargor ou adstringência, elementos presentes no cacau e suavizados pela alcalinização da massa e pela conchagem durante a fabricação do chocolate. Outra constatação: a região Sul demonstrava singular preferência pelo chocolate branco. Em pouco tempo, era a região onde o Laka mais rapidamente se consolidou.
emoção DO primeiro beijo A
No primeiro plano, a garota adolescente abre um tablete de chocolate Laka e, depois de dar uma pequena mordiscada nele, vira-se para um garoto sentado no outro canto do sofá e, tímida, oferece um pedaço. Também demonstrando timidez, o menino força um sorriso, aproveita e se aproxima levemente ao pegar o tablete da mão da garota. Dá uma bitoquinha rápida no chocolate e o devolve, aproveitando para encurtar a distância. Ela mordisca outro pedaço, enquanto com o canto dos olhos vigia o movimento da casa. Os dois estão em uma sala e parece que esta é a primeira vez que se encontram nessa situação de relativa intimidade. Também se mostram apreensivos, olhando de soslaio para os cantos, provavelmente com medo de serem surpreendidos. A garota, protagonista da cena, volta a oferecer mais um pedaço do Laka e, assim, ganha mais alguns centímetros em direção ao garoto, que aproveita para conferir se ninguém está espiando aquela movimentação milimétrica. O lento balé de aproximação dos dois adolescentes, nessa altura já quase colados, é encerrado por uma narração que diz: “Tem coisas que a gente experimenta e não entende como podia viver sem”. Ato contínuo, os dois se beijam. Está na cara que aquele foi o primeiro beijo deles, primeiro de muitos outros trocados naquela tarde tranquila em que os dois adolescentes tiveram apenas um chocolate Laka como testemunha. E nós, espectadores tornados cúmplices pelo voyeurismo da cena tão habilmente montada, percebemos a mensagem sutil transmitida por esse comercial, produzido pela O2: saborear um chocolate Laka pode ser uma experiência tão intensa quanto aquele primeiro beijo, que ninguém esquece. Em termos de identidade, o Laka se tornou, ao longo das décadas de convívio junto de seus consumidores, um produto especialmente querido pelas mulheres, com destaque às adolescentes, desse modo, a publicidade seguiu sempre essa linha, tendo a mulher como protagonista – e alvo.
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Brasileiros, comam chocolate!
Na década de 1970, a Lacta tomou uma decisão estratégica: concentrar-se no chocolate, reduzindo o seu portfólio de balas e confeitos. Mas, para tanto, teve de driblar algumas dificuldades. Apesar de o hábito de comer chocolates ter se ampliado no país, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, o consumo per capita brasileiro ainda era muito baixo comparado ao da Europa e, até mesmo, diante de vizinhos latino-americanos. Naquela década, cada brasileiro consumia cerca de 300 gramas de chocolate por ano, enquanto na Colômbia o consumo era dez vezes maior. Isso sem falar nos suíços e alemães, que nessa mesma época comiam cerca de dez quilos de chocolate a cada ano. Sendo o Brasil um dos principais produtores de cacau do mundo, aquela era uma situação que precisava ser enfrentada pelos principais fabricantes do país. Foi justamente o que aconteceu. O movimento conjunto das três grandes empresas do setor surgiu a partir de um comentário feito por Adhemar de Barros Filho, então presidente da Lacta, em uma reunião na Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab), segundo se recorda Getúlio Ursulino Netto, hoje presidente da entidade e, na época, funcionário da Lacta. Adhemar se recordou que, quando estudava na Suíça durante o ensino médio, era costume de todos ali lançarem uma barra de chocolate no meio de um pedaço de pão, como se fosse o recheio de um sanduíche. “Chocolate, na Suíça, sempre foi um alimento, não um doce”, Adhemar teria comentado na ocasião.
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“Talvez esse seja o grande entrave para o aumento do consumo de chocolate no país”, essa foi a percepção dos presentes na reunião. Os consumidores não enxergavam o chocolate como um alimento saudável. Pelo contrário, proliferavam na imprensa e no boca a boca afirmações, nunca provadas, de que o chocolate estimulava o aparecimento de espinhas e acnes, atacava o fígado e podia provocar alergias. Por outro lado, quase nada se falava das propriedades nutritivas que as pesquisas recentes vinham revelando. Todos se beneficiariam se esse cenário fosse alterado, se o consumidor descobrisse que chocolate faz bem à saúde, que aquelas afirmações reproduzidas de pai para filho sem nenhuma comprovação científica eram mitos e que, além de gostoso, poderia ser um ótimo alimento. Foi nessa reunião, em 1971, que as três principais empresas do setor – Lacta, Garoto e Nestlé – se uniram para realizar uma ação conjunta inédita. Naquele mesmo ano de 1971, foi criado o Conselho Nacional de Expansão do Consumo Interno de Chocolate (Conec). A fim de identificar as causas do baixo consumo do chocolate, o Conec realizou uma pesquisa de âmbito nacional, revelando que o principal obstáculo ao crescimento da demanda era um conceito arraigado na cultura dos consumidores – o de que o chocolate não passava de uma guloseima. Era, ainda, considerado um produto “supérfluo” e dispensável. Nessa mesma época, em uma reunião realizada no Equador, os principais países produtores de cacau decidiram criar campanhas nacionais, com objetivo de incentivar o consumo interno. Alinhados nacional e internacionalmente, os fabricantes e produtores de cacau brasileiros, aliados ao governo federal, partiram para a ação. O primeiro passo foi criar uma campanha institucional do chocolate, levada adiante por quase uma década. “O mais gostoso do chocolate é ser alimento”; “Chocolate anima a vida”; “Coma chocolate. Energia que dá água na boca” ; “Chocolate é energia para todo dia” Chocolate é bom e faz bem: em uma ação inédita, as três maiores fábricas de chocolate do país – Lacta, Nestlé e Garoto – se uniram em uma campanha nacional para mostrar os benefícios do consumo do chocolate na década de 1970.
e outras mensagens semelhantes a essas começaram o lento trabalho de desconstrução das mitologias criadas em relação ao produto. Ficou provado que o chocolate não causava espinhas ou acnes (há pesquisas feitas entre adolescentes com esse problema de pele em que nunca se associou o consumo de chocolate ao aumento de espinhas), tampouco atacava o fígado. Os consumidores também começaram a descobrir os efeitos benéficos da ingestão regular de chocolates – que alguns já conheciam na prática e com os quais nos deteremos mais profundamente na última parte deste livro. No esforço conjunto encabeçado pela Abicab, as três grandes associadas e concorrentes assumiram diferentes responsabilidades: a Nestlé cuidava das pesquisas junto ao consumidor, a Garoto se responsabilizava pela comunicação nos pontos de venda, por fim, a Lacta coordenava o esforço publicitário de revelar aos consumidores fatos e mitos sobre o chocolate. Em uma década de campanha, o consumo nacional cresceu 163%. Em 1973, o país produzia cerca de 46 mil toneladas de chocolates; dez anos depois, a produção triplicou, saltando para 121 mil toneladas por ano. Como o chocolate é um produto de exportação difícil, devido às próprias características de sabor que variam de país a país, é de se supor que quase toda a produção nacional tenha sido consumida por brasileiros, agora devidamente informados sobre os benefícios daquilo que, aos poucos, passaram a ver como um alimento. Paralelo a essa ampliação do mercado interno, o Brasil continuava sendo um dos maiores exportadores de cacau do mundo – e permaneceu nessa posição até o início da década de 1990, quando um fungo chamado “vassoura-de-bruxa” se espalhou como uma verdadeira bruxaria nas fazendas de cacau da principal região produtora do país, o sul da Bahia, comprometendo a produção nacional. Uma queda que só começou a ser superada no século seguinte. Mas, antes dessa queda na produção, ainda na década de 1970, as boas notícias abundavam: entre 1972 e 1978 a produção cacaueira cresceu mais de 76% e o consumo de cacau quase 130%. As vendas de chocolate aumentaram 137% e as indústrias cresceram, em média, mais que o dobro do setor alimentício em geral.
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Em busca da liderança de mercado Nos anos 1980, o mercado de chocolate brasileiro encontrava-se consolidado e bastante competitivo. A Lacta era líder em bombons, com o Sonho de Valsa e o Ouro Branco, e nos tabletes pequenos, com o Diamante Negro e o Laka. Agora, a empresa estava pronta para ampliar essa liderança em outros segmentos. Para ganhar espaço nos supermercados, faltava incrementar a produção de tabletes em tamanhos maiores, pensado para o consumo doméstico. Os primeiros lançamentos que cumpriram essa meta ocorreram em 1986, com o Diamante Negro e o Laka em versões de 200 gramas. As novidades tamanho família ficaram por conta de duas marcas inéditas: Shot e Amaro. O primeiro composto por uma mistura de chocolate ao leite com amendoim e o segundo apresentava um teor mais elevado de cacau (43%), em sintonia com um consumidor mais sofisticado, apreciador do cacau concentrado. No mesmo ano, a Lacta inovou nos tabletes pequenos ao redistribuir os mesmos 30 gramas em blocos mais concentrados. “Mais espessura em cada chocolate. Mais prazer em cada mordida”: esse foi o mote da campanha que chamava a atenção para a mudança. Alaís Fonseca, do marketing da Lacta no período dessas inovações, conta que o conceito de blocos atendia às expectativas dos consumidores por mais chocolate na boca ao degustar o seu tablete.
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O apelo emocional Ao trabalhar a ideia de “mais prazer em cada mordi-
beijo”, que explorava a emoção das reveladoras experi-
da”, na década de 1980 a Lacta começava a operar uma
ências vividas na adolescência. Já para os consumidores
mudança em sua linha de comunicação. Essa mudança
de Diamante Negro, um motoqueiro adolescente atuou
se caracterizou por campanhas e materiais de divulgação
no mesmo papel de aproximar o produto mais para um
que invadiram desde os hipermercados até a vendinha
estilo de vida do que para o discurso sobre os benefícios
de esquina. Nesse período, o investimento em comuni-
dele. E o Sonho de Valsa ganhou um reforço de peso ao
cação era dividido entre televisão e pontos de venda, no
trazer como trilha sonora uma música de Carly Simon,
entanto, este último recebia ainda mais atenção, porque
explorando o romantismo que foi, desde sempre, a mar-
era onde se falava mais diretamente com o consumidor:
ca das campanhas do bombom.
“Você gera curiosidade com a campanha, mas você tem
Nessa mesma época, embora com uma abordagem
que estar muito presente no ponto de venda”, analisa
um pouco diferente, apostando no humor e no poder
Alaís Fonseca.
magnético das celebridades, outra campanha publicitá-
O objetivo era produzir campanhas que caracterizas-
ria do Sonho de Valsa se tornou símbolo do prazer as-
sem a Lacta como uma marca jovem e inovadora, mesmo
sociado à degustação do chocolate. Em três peças com
que tradicional. Clássica, porém moderna e contemporâ-
idêntico formato, os apresentadores Faustão e Sérgio
nea. Essa foi uma postura adotada pela Lacta, e não por
Malandro, e o roqueiro Supla aparecem diante da câme-
todas as fabricantes de chocolate no Brasil, muitas das
ra comendo, com toda a atenção do mundo, um Sonho
quais prosseguiam na mesma linha funcional da época
de Valsa (no caso do “guloso” Faustão, dois). Cada um
da campanha em favor do chocolate, investindo na ideia
saboreava lentamente seu bombom, sem dizer uma úni-
do chocolate como alimento. Mas, para a Lacta, essa eta-
ca palavra, enquanto uma voz em off descrevia as três
pa já estava vencida; agora era preciso abrir as portas ao
camadas do produto, sua crocância, seu recheio com cas-
prazer. Mais uma vez, a empresa se adiantava à tendência
tanha de caju e, finalmente, afirmava que somente da-
de seus consumidores.
quele jeito os tagarelas Faustão e Malandro conseguiam
Nesse sentido, buscando reforçar a identidade com a marca por meio de um viés mais afetivo do que racional, surgiu a célebre campanha do Laka, “o primeiro
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permanecer 30 segundos sem falar nada. E que aquele era o único jeito de o roqueiro Supla gostar de valsa.
O carrossel da Lacta
A acirrada competição entre os três grandes fabricantes de chocolate do país, intensificada após a campanha conjunta que elevou o consumo e a presença do produto na casa dos consumidores, fez a Lacta invadir um nicho da concorrência, lançando em 1979 sua caixa de bombons variados, que surgiu com o nome Carrossel. Na verdade, os produtos já existiam. Bastou criar modelos e embalagens menores (no caso dos tabletes como Diamante Negro e Laka, que se tornaram miniaturas), e juntá-los todos em uma única caixa. A ideia inicial era revezar alguns desses bombons, como em um carrossel, enquanto outros seriam permanentes. O rodízio de modelos não se provou necessário nem viável, mas a caixa de variedades satisfez mais essa necessidade dos consumidores: apreciar suas marcas preferidas em pequenas porções, em vez dos tabletes tradicionais. Foi assim que o Diamante Negro e o Laka ganharam suas “edições de bolso”, que, mais tarde, rechearam os ovos de Páscoa das respectivas marcas, mostrando como uma invenção podia levar à outra, continuamente.
UM GIGANTE ACORDA, COM MUITA FOME O acerto no enfoque emocional das campanhas publicitárias propiciou a liderança da Lacta no mercado brasileiro de chocolates, em 1989, especialmente por meio do crescimento de vendas de suas marcas icônicas e do pico de vendas no período da Páscoa, um feriado que se mostrava cada vez mais apetitoso para a indústria de chocolate. Uma série de lançamentos marcou o início dos anos 1990, ainda sob a direção do Grupo Adhemar de Barros e seu sócio suíço, a Jacobs Suchard, que detinha 40% das ações da companhia. Pouco antes disso, em 1988, a gigante indústria britânica do tabaco, Philip Morris, decidida a ingressar no mercado de alimentos para se beneficiar da ampla rede de distribuição que já contava, comprou a empresa americana Kraft Inc. por 12,9 bilhões de dólares. Como a Philip adquiriu também a General Foods em 1985, por 5,6 bilhões de dólares, ela estava pronta para inaugurar uma nova época de expansão ao juntar as duas grandes empresas do setor alimentício na Kraft General Foods. E um dos mercados que mais chamavam a atenção da nova empresa era o Brasil, que vivia novos tempos políticos. Foi nessa época que o Brasil teve sua primeira eleição direta para presidente, realizada em 1989, depois de quase 30 anos de ditadura. O país se anunciava como uma grande oportunidade para muitas empresas, por exemplo, um gigante adormecido que acabara de acordar – e parecia ter fome! Antes de 1990, o Brasil tinha uma economia fechada, com severas restrições tarifárias, além de uma inflação de dois dígitos que, naquela altura, parecia cronicamente integrada à economia do país. A isso se somava uma das piores distribuição de renda do mundo, o que reduzia muito o mercado interno potencialmente enorme, e a dificuldade de importar máquinas e insumos – o cenário geral da indústria brasileira era de baixa competitividade. Tentando “matar o dragão da inflação com um único tiro”, Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente civil eleito da nova era democrática, provocou um grande tumulto na economia do país, apostando em um brutal enxugamento da liquidez como forma de controlar a subida de preços.
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O controle da inflação se mostrou um objetivo mais complexo, somente alcançado no governo de Itamar Franco, o vice-presidente empossado, após o impeachment de Collor. Era uma tarefa para o Plano Real, gestado e implementado pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que se elegeu no pleito seguinte. A abertura econômica, que veio junto da abertura política, ao decretar o fim das proibições impostas a um conjunto de importações, ao mesmo tempo em que abria o mercado interno aos produtos importados, quase sempre melhores, também permitiu que as empresas brasileiras pudessem investir na renovação tecnológica. Comprar equipamentos industriais ficou mais fácil e, logo, isso refletiu na melhoria da competitividade em diversos setores da economia. Em outros setores, a concorrência foi fatal. O sucesso do Plano Real, que finalmente conseguiu domar a inflação, fez com que o país integrasse de maneira rápida um novo cenário mundial de economia, cada vez mais globalizada. A necessidade de obter ganhos em escala de produção, a busca por novos mercados em outros cantos do mundo, onde pudesse ser vendida a infinita diversidade de novos produtos que surgiam a cada semana, além de oportunidades de redução de custos e sinergia tecnológica, levaram as multinacionais a buscarem outros países que não os de sua origem, e outros mercados, afora os costumeiros, para atuarem. Com economia estável, regime democrático e uma grande população, o Brasil se tornou um dos sonhos de consumo dos grandes conglomerados.
Na década de 1990, paralelo ao processo de abertura econômica e política, aconteceram no país diversas fusões, aquisições, parcerias e joint ventures de multinacionais com empresas locais. Entre 1990 e 1994, 32% dos negócios efetivados envolveram capital estrangeiro; no período seguinte, com a inflação sob controle, 52% das transações envolviam investimento do exterior. A Lacta não deixou de interessar aos investidores que por aqui prospectavam, tanto pela situação privilegiada em termos de mercado quanto por ser dona de alguns ativos valiosos e intangíveis: Bis, Sonho de Valsa, Laka e Diamante Negro tinham, cada um a sua maneira, conquistado espaço definitivo no imaginário de consumo de muitas gerações de brasileiros. Mas em vez de temer a invasão estrangeira ou acomodar-se por fabricar, no limite da capacidade de produção, as marcas que já faziam parte do cotidiano dos consumidores, a Lacta se preparava para entrar em um segmento do mercado de chocolate até então dominado pela concorrência: o das barras de chocolate recheadas, designadas candy bars.
O lance de Lancy Em meados de 1992, a concorrência percebia a movimentação da Lacta em torno de uma novidade – e o mercado brasileiro estava carente de novos produtos. Boatos espalhados por alguns vendedores insinuavam que a empresa investiria em uma barra de coco coberta com chocolate, para enfrentar mediante as mesmas armas a marca líder do segmento de candy bars. Aqueles boatos, no entanto, configuraram nada mais que um esperto estratagema para impedir que a concorrência farejasse a novidade. Na verdade, o projeto em gestação desde o ano anterior era outro: três bombons recheados com creme de chocolate e avelãs sobre uma fina placa de wafer.
Foram quase dois anos de pesquisas até que ele estivesse pronto para ser lançado. Alaís Fonseca, que ao longo de várias décadas se envolveu em todas as campanhas publicitárias da Lacta, lembra-se que, quando o produto já estava finalizado, com seu formato definitivo, em uma das reuniões para se decidir as estratégias de lançamento, alguém comentou: “Olha, o lance é o seguinte...”. A bola levantada por ele foi cortada por outro, que percebeu imediatamente a modernidade daquela frase, transformando a gíria no próprio nome, ao acrescentar um “Y” ao fim da palavra: “Lancy”! O lance era este: chamaram aquela novidade de Lancy! Lançado por meio de uma criativa campanha centrada na ideia de que certas coisas na vida seriam muito melhores se fossem três (“três sábados na semana, três amigos do peito, três vizinhas descuidadas, três bombons recheados com avelãs...”), o lançamento do Lancy foi um sucesso estrondoso. Ricardo Martinez, que trabalhava no marketing da empresa desde 1987, lembra-se da estratégia do diretor do filme, que obrigou a atriz a ensaiar exaustivamente sem comer um único pedaço do chocolate, apenas sentindo-o perto das narinas e manipulando-o. “Quando finalmente ele mandou rodar, a garota come com uma vontade que você percebe a cara de prazer que ela faz, aquilo era transmitido pelo filme, era mesmo muito bom!”, recorda-se. Tanto que a peça foi usada durante três anos seguidos, situação rara no mundo dinâmico da publicidade. Em apenas seis meses de mercado, o Lancy conquistou 8,7% do segmento, que respondia, na época, por 14% das vendas totais de chocolate. O sucesso motivou algumas situações inusitadas, como o fato de a loja Mappin limitar a venda de caixas do produto ao perceber que seus compradores, ato contínuo à compra, saíam revendendo o bombom pelas calçadas do centro da cidade. Ou episódios em que os caminhões saíam da fábrica e eram abordados por consumidores querendo saber para onde se dirigiam aqueles novos estoques do chocolate-coqueluche do momento.
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Uma fábrica, muitos caminhões Os caminhões que saíam da fábrica da Lacta, localizada no Brooklin, nunca se dirigiam aos bares e padarias, mas aos grandes distribuidores que, por sua vez, revendiam a mercadoria ao varejo. Também eram encaminhados diretamente para os grandes clientes, as redes de hiper e supermercados, como Carrefour, Grupo Pão de Açúcar e outros com atuação mais regional. “Era uma estrutura de certa forma enxuta, mas que funcionava muito bem”, recorda Luiz Araújo, contratado pela Lacta em 1996 para atuar nas regiões Norte e Nordeste. Foi preciso mais de uma década para a Lacta abastecer essas duas regiões do país sem que os caminhões tivessem de percorrer um caminho tão longo. Sabia-se que o ideal seria aumentar a permeabilidade da distribuição, fazendo as vendas direto aos milhares de proprietários de bares, padarias, empórios e armazéns país afora. Pela via dos atacadistas, perdia-se muito tempo com o produto longe do alcance de seus consumidores, além de estes estarem mais sujeitos às oscilações de temperatura durante o transporte ou acondicionamento. E o chocolate, como já vimos, é uma mercadoria sensível. Manter-se na liderança de mercado em plena década de 1990 não era uma tarefa simples. Além das dificuldades na distribuição dos produtos, considerando a extensão de nosso país, a fábrica da Lacta estava trabalhando no limite de sua capacidade produtiva. Inaugurada em 1957, no bairro do Brooklin, em São Paulo, a fábrica foi instalada em uma construção de um antigo hospital, apresentando como vício de origem uma inconveniente verticalidade. Após quatro décadas de funcionamento ininterrupto, a unidade ficou espremida entre outras construções do bairro, sem qualquer possibilidade de expansão, em consequência do crescimento da cidade e da valorização dos terrenos. Mesmo sem espaço para ampliar a sua produção e atender à crescente demanda dos consumidores, a Lacta encontrou outras formas de permanecer competitiva e garantir a sua liderança. Como? Lançando novos produtos.
Longo percurso: da fábrica do Brooklin saía uma grande quantidade de caminhões, que se encaminhavam aos distribuidores, responsáveis por abastecer os pequenos varejos.
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Novas embalagens, novos produtos Aproveitando o embalo do Lancy, no ano seguinte, em 1993, foi lançado o bombom Feitiço, composto de quatro camadas: chocolate ao leite, chocolate amargo, wafer e recheio de morango. Voltado para o público jovem, o Feitiço ocupou um nicho ainda não explorado no mercado, justamente por trazer recheio de morango. Com ele, a Lacta pretendia conquistar mais 4% do segmento de bombons, que naquele ano representava 44% do mercado nacional de chocolates. Ainda em 1993, foi lançado o Aerado Lacta, um tablete mais espesso e macio, desenvolvido a partir de uma técnica nova, a qual permitia que a massa se tornasse mais leve e “aerada”. Junto com o produto, foram desenvolvidas embalagens tipo flow-pack, que permitiam uma melhor vedação e, consequentemente, a preservação do sabor. Essa foi a ancestral das atuais embalagens seladas da empresa, nas quais o ar é totalmente impedido de atingir o produto, garantindo por mais tempo a crocância do wafer e a qualidade do chocolate, que também se altera em contato com o oxigênio. O lançamento do Aerado visou ampliar a participação da Lacta no segmento de tabletes, que já liderava com 39,9%. Naquele momento, os carros-chefes no segmento eram o Diamante Negro e o Laka. Segundo dados do Instituto Nielsen referentes a 1992, a Lacta detinha nessa época 39,7% do mercado nacional de chocolates, ficando 11 pontos percentuais acima do segundo colocado. Outro lançamento daquele ano foi o Nossa Turma, barras de chocolate ao leite que traziam estampadas, em chocolate branco, 12 personagens da Walt Disney. O produto foi apresentado em versão individual de 25 gramas para varejo e com duas unidades para supermercados. Nesta última, havia a oferta de um brinde: um cartão de historinhas dos personagens. A embalagem era azul dégradé com ilustração que destacava os principais personagens da Disney. Lembram-se daquele boato, espalhado pelos vendedores da Lacta, sobre uma barra de coco coberta com chocolate ao leite, por ocasião do lançamento de Lancy? Pois agora, sim, ele nascia de verdade, como o segundo candy bar da empresa, batizado de Fricote e embalado com coloridas cores e motivos tropicais.
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A KRAFT CHEGA AO BRASIL
Adhemar de Barros havia adquirido a Lacta por insistência do jornalista e empresário Assis Chateaubriand, que naquele momento estava mais interessado nos futuros lucros da televisão do que em fabricar chocolates. O político delegou a condução do negócio aos Negrini, pois sua vocação sempre foi a política. O filho, Adhemar de Barros Filho, embora herdeiro de boa parte do capital eleitoral de seu pai, conseguindo se eleger deputado federal em sucessivas candidaturas, demonstrou mais interesse em participar do cotidiano da fábrica. Mas no final da década de 1990 o cenário econômico se alterava novamente, de modo que poucas empresas familiares estiveram aptas a encetar uma competição com aguerridas multinacionais, bem mais preparadas para investir em tecnologia, distribuição e publicidade. Era preciso entrar primeiro na memória de uma multidão de novos consumidores que começavam a buscar por produtos antes vistos somente na televisão. Na década de 1990, depois da abertura econômica e do controle inflacionário, assistia-se a um fenômeno inédito no país: o mercado interno recebeu milhões de novos consumidores, fruto da bem-sucedida política de estabilidade econômica, valorização do salário-mínimo e mecanismos institucionais de distribuição de renda. O resultado foi um país inteiro, de cerca de 30 milhões de habitantes, comprando mais amiúde gêneros que em época anterior eram adquiridos muito esporadicamente.
O consumo de chocolates, bem como de outros gêneros considerados supérfluos, explodiu e a produção precisou crescer, com o risco de esses novos apetites serem saciados pela concorrência, pelos participantes recém-desembarcados no mercado aquecido ou por meio de marcas de chocolate lançadas pelas grandes cadeias de supermercados, que também passavam a oferecer em suas gôndolas iguarias importadas, para todos os gostos e bolsos. Ou seja, o mercado se tornava cada dia mais competitivo. Em 1996, a família Barros iniciou negociações com a Kraft Foods para a venda da Lacta, que na época vivia o dilema de expandir sua produção sem contar com capital necessário para, por exemplo, investir em uma nova fábrica . Nesse período, o valor de mercado da companhia era de quase 500 bilhões de dólares, segundo Gustavo Abelenda, atual presidente da Kraft América Latina, que participou ativamente das negociações. “Na América Latina nós não tínhamos alimentos. Então, aquela foi uma operação muito importante e uma negociação muito ousada. Eu tive a sorte de participar da compra, de toda a negociação com os banqueiros na época, e fui o primeiro que entrei na Lacta, em julho de 1996. Conheci aqueles diretores de uma companhia local, que se integravam à sofisticação de uma organização multinacional, mas com um profissionalismo espetacular”, revela Abelenda que, além de estudar todas as marcas da empresa a ser comprada, fez diversas projeções.
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No entanto, a revelação do “DNA” da nova empresa só se deu no final do ano, com os preparativos para a Páscoa de 1997. Abelenda ficou impressionado ao observar a maneira completa pela qual a Lacta se mobilizava para o evento, da diretoria ao chão de fábrica. “Outro dia estava reunido com o pessoal da Europa e justamente citei o exemplo da Lacta na Páscoa para demonstrar como um evento pode ser capaz de mobilizar toda uma empresa. A Lacta deu outra dimensão à nossa organização no país. O que seria a Kraft no Brasil sem a Lacta? Ela é o coração da companhia”, admite. Duas frentes paralelas se iniciam, então. Primeiro, havia a necessidade de modernização da empresa, aumentando sua capacidade produtiva e agregando tecnologias mais avançadas. Era preciso investir em uma nova fábrica e o lugar ideal, a antiga fábrica de cigarros da Philip Morris, em Curitiba, foi inteiramente reformada para mudar a vocação original. Lá havia espaço suficiente para expandir as diversas frentes em que a Kraft passava a atuar no Brasil. A mudança de endereço aumentou significativamente a capacidade de produzir as marcas tradicionais. A nova fábrica, que já começou produzindo 50 mil toneladas por ano, em 2001, chegou em 2011 com 115 toneladas anuais – e com força para mais, se houver necessidade, como destaca Fernando Fiorini, atual Diretor Associado de Desenvolvimento de Negócio da empresa. Outra frente de atuação foram as pesquisas para o desenvolvimento de novos produtos ou a melhoria dos
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já existentes. A nova direção encomendou inúmeras pesquisas de mercado com o objetivo de estudar as marcas da Lacta e verificar o potencial de cada uma delas. Identificou-se que, em vez de investir em novos lançamentos, o ideal seria apostar na difusão em todo o país das tradicionais marcas da Lacta, inovando apenas com novas fórmulas e formatos. Por isso, as inovações ganharam outro ritmo e dobraram desde a aquisição da empresa pela Kraft Foods. Apenas na Páscoa de 2012, por exemplo, os consumidores contavam com 57 opções de ovos de chocolate, 13 delas inéditas. Além disso, logo se percebeu que ainda havia muitos consumidores brasileiros a conquistar. Em algumas regiões do país vivem pessoas como Joaquim Batista Filho, hoje líder de produção da linha Confeti na fábrica de Curitiba. Ele nunca havia experimentado chocolate na vida, até entrar para a companhia, na década de 1990, quando chegou do Ceará. E quantos milhões de “Sebastiões”, especialmente no Nordeste, ansiavam comprar as marcas que há tanto tempo eram saboreadas deliciosamente pelos consumidores no Sul e Sudeste do país? Para isso, uma verdadeira operação de guerra foi estruturada, um esforço que incluiu visitas à Índia para entender como o chocolate pode ser distribuído e consumido em um clima quente. Mas para dizer que não houve investimento em novos produtos, uma nova avenida de oportunidades se abriu em 1997, tendo como veículo justamente o mais bem estabelecido sucesso de vendas da empresa, o Bis.
Bis Laka, uma nova avenida Sacudida pela chegada de gente nova, novos olhares e uma nova direção, a Lacta viveu um período de reinvenção. Em algum momento de 1997, por exemplo, houve a inspiração para um jogo de espelhos semelhante ao que fez surgir, tempos atrás, o bombom Ouro Branco, a versão “invertida” do Sonho de Valsa. Dessa vez, o ponto de partida foi o mais duradouro sucesso de vendas da empresa, o Bis. Luciane Matiello, que entrou na empresa em 1997 para cuidar desse produto e da linha candy bars, lembra do momento do insight: “Vimos que 35% do mercado era de chocolate branco e, dentro da Lacta, além do Laka, tínhamos o Ouro Branco, a versão branca do Sonho de Valsa. Então, concluímos: ‘Isso é um Bis branco!’, porque o recheio do Ouro Branco é muito semelhante ao recheio do Bis, com wafer. Há uma avenida para a gente crescer”. Realmente o Bis Laka se tornou uma via expressa de oportunidades de experimentar variações sobre o mesmo tema (e, mais importante, usando as mesmas máquinas e linhas de produção). Bem recebido, aos poucos esse chocolate inspirou variações: Bis laranja, Bis limão, Bis avelãs... A mesma avenida, mas com novos modelos e condutores, se revelou coerente ao objetivo maior da empresa: fortalecer as marcas já tradicionais, buscando novos mercados e consumidores para elas.
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Uma grande e nova fábrica Apesar de identificar a necessidade de uma nova unidade produtiva logo no período de aquisição da Lacta pela Kraft, alguns anos de investimento pesado e muito planejamento foram fundamentais até sua inauguração em 2001 – apenas um ano após a Páscoa da Lacta ter alcançado um faturamento recorde, conquistando uma situação de liderança no mercado com 32,1% das vendas na época. Mais dois anos e o processo de transição se completou, com o fechamento da unidade do Brooklin e a transferência de todas as linhas de produção para a nova e moderna fábrica, em Curitiba. Lá foram produzidas as novidades que os laboratórios da empresa não se cansavam de prospectar, além de uma inovação que implicou o novo design de todas as embalagens do grupo: um exclusivo sistema abre-e-fecha, sonho daqueles consumidores que preferem apreciar seu chocolate aos poucos. Dentre as novidades da nova fábrica de Curitiba, figuraram as versões especiais de Bis, entre 2008 e 2011; o Lacta Stick, uma barrinha de 10 gramas dirigida ao consumidor impulsivo; o Lacta Joy, chocolate que apresenta três versões diferentes, com biscoito, castanhas e passas e castanha com crocante; o Lacta Cookies, barra de chocolate branco com pedacinhos de cookies; além da linha gourmet Dark & Soft, com 50% de teor de cacau. Novas estruturas: o surgimento de novas tecnologias e a necessidade de ampliar a produção impulsionaram a construção da nova fábrica em Curitiba.
A aquisição da Cadbury
Em 1824 John Cadbury, em sociedade com seu irmão Benjamin, abriu uma loja em Birmingham, na Inglaterra, onde vendia chá, café e, principalmente, chocolate. Como um fervoroso seguidor da seita quaker, John condenava o uso do álcool e acreditava que o chocolate podia ser um bom substituto para o gim, a bebida mais consumida pelos trabalhadores pobres. Fazendo uso de uma das máquinas inventadas por Van Houten e também do processo químico que deixava o chocolate mais solúvel com água ou leite, Cadbury passou a fabricar e vender em caixas o chocolate em pó. Seus filhos Richard e George o sucederam em 1861, estabelecendo uma acirrada competição com outra família Quaker, que se dedicava à produção de chocolate, os Fry, os primeiros a produzir o chocolate em tabletes, em 1847. As convicções dos Cadbury sobre a importância de criar ambientes saudáveis e boas condições de trabalho para seus funcionários, somada à necessidade de expansão da fábrica, fizeram com que eles transferissem a fábrica para Bournville, zona rural de Birmingham. Lá, em 1879, construíram junto à nova unidade uma vila operária modelo, com escola gratuita, esportes para as famílias, hospital e grandes áreas verdes. Os operários da Cadbury contavam, ainda, com um sistema próprio de aposentadoria e participavam de acordos trabalhistas. Na época, uma atitude inédita para os empresários. Em 1897, a Cadbury começou a experimentar os produtos sólidos de chocolate ao leite, na forma de pequenos palitinhos. Mas foi em 1905 que finalmente lançou o seu tablete de chocolate Dairy Milk, a segunda marca na história a ganhar esse formato. Com uma quantidade de leite maior do que o Fry’s Chocolate Cream, a novidade caiu no paladar britânico e, em pouco tempo, se transformou na marca mais consumida do Reino Unido. E logo na mais consumida do mundo. Ampliando ao longo do século seu portfólio, a empresa também se tornou uma das maiores produtoras de confeitos e gomas de mascar, com selos consagrados, como Trident, Halls e Chiclets.
Anos mais tarde, em 2010, a Cadbury foi comprada pela Kraft Foods por 19,5 bilhões de dólares. Essa aquisição impactou de maneira bastante positiva a logística de distribuição dos produtos em todos os países nos quais as duas empresas atuavam. Por ser fabricante de balas, chicletes e confeitos, a Cadbury já possuía uma distribuição em milhares de pontos de varejo que, no caso brasileiro, também passavam a ser pontos para a venda dos chocolates Lacta. A partir da fusão, a Kraft Foods triplicou o alcance dos pontos de venda, de modo que a subsidiária brasileira cresceu 37% entre 2010 e 2011, o maior percentual de crescimento entre os 170 países em que a segunda maior fabricante de alimentos do mundo atua. Um ano após a fusão das duas companhias, com a sinergia obtida, o chocolate Lacta chega a 250 mil pontos de venda no país, podendo atingir 350 mil até o final de 2012. São locais como padarias, bares, restaurantes e lojas de doces que participam da chamada “compra por impulso”. A distribuição pulverizada em milhares de novos lugares alavancaram as vendas. André Vercelli, atual diretor de vendas da Kraft, comenta esse tipo de compra: “Nós vamos a um supermercado fazer uma compra planejada, com embalagens grandes. Mas na hora que estamos chegando ao caixa, surgem aqueles produtos na fila e nós compramos por impulso. Ou paramos numa loja de conveniência pra abastecer o carro, e lá está o chocolatinho te esperando, falando ‘vem’ [...] O impulso está em qualquer lugar, vem de uma combinação de diferentes ocasiões de consumo, e é preciso estar lá para aquele ‘momento de indulgência’”. Com a aquisição da Cadbury, os chocolates Lacta passaram a “estar lá”, no lugar certo, na hora certa, visíveis e convidativos. Tradição britânica: empresa fundada em 1824, na Inglaterra, a Cadbury se caracterizou não somente pela venda de chocolates, mas também pela especialização em confeitos e gomas de mascar.
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A expansão dentro do Brasil A tendência é que o consumo de chocolates continue a crescer no Brasil, um dos cinco maiores mercados desse produto no mundo, apesar da média de consumo estar bem abaixo da observada nos países do norte da Europa e nos Estados Unidos. Tanto que dos 95 bilhões de dólares que o chocolate movimenta no mundo todo, apenas 9,2% (8,7 bilhões de dólares) representam a parcela da América Latina. Com a maior população dentre esses países, e uma média de apenas 1,8 quilo por habitante, o mercado interno brasileiro se mostrou suficientemente convidativo para justificar a grande aposta da empresa: a construção de uma nova fábrica destinada a suprir os mercados do Norte e Nordeste. Inaugurada em maio de 2011, com investimentos de mais de 100 milhões de reais, a nova fábrica está localizada em Vitória de Santo Antão, a 50 quilômetros de Recife, em Pernambuco. Com claraboias prismáticas para aproveitamento da luz natural, aquecimento solar da água, equipamentos de baixa emissão de carbono e programas de reaproveitamento da água da chuva, a unidade se tornou exemplo na região de como é possível construir uma grande fábrica de acordo com uma concepção de sustentabilidade e manejo dos recursos naturais. Gustavo Abelenda, atual presidente da Kraft Foods América Latina, e que trabalhou no Brasil entre 2000 e 2003 como vice-presidente, se recorda do antigo sonho de encurtar a distância entre a produção e o consumo: “Quando eu estava no Brasil, queria levar a companhia para o Nordeste. Eu lembro que transportar produtos para o Norte e Nordeste do país demorava dias; se você falar do Amazonas, por exemplo, levava 20 dias. Mas aquelas regiões, com 60 milhões de habitantes, tinham um potencial e nós as encarávamos como um outro país.”
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As condições ideais de investimento não surgiram naquele período, mesmo quando houve a aquisição mundial da Nabisco pela Kraft, em 2001, que deixou o grupo com uma fábrica de biscoitos no Nordeste. Foi preciso esperar os resultados do aumento da capacidade de produção na fábrica de Curitiba para, a partir de 2004, se pensar mais seriamente na “conquista do novo país”. Esse processo passou, além do investimento na própria fábrica, por uma sutil alteração na formulação dos produtos, de modo que eles pudessem resistir mais à temperatura elevada dessas regiões, sem alterar o sabor tradicional: “No Norte e no Nordeste o consumo de chocolates ainda é mais baixo do que a média nacional, principalmente pelas características de clima. E como por lá o hábito de comer chocolate ainda não está tão desenvolvido, decidimos colocar pequenas geladeiras nos pontos de venda, nas padarias e nos mercados. Então, o produto se mantém muito fresco e permite que o consumidor tenha um prazer diferente”, explica Marcos Grasso, presidente da Kraft Brasil.
Apesar disso, a resposta veio rápida. Segundo André Vercelli, os tabletes tiveram um aumento na ordem de 40% apenas no primeiro ano de existência da nova fábrica em Santo Antão. Os dados gerais de consumo de chocolate no país, computados pela Abicab, confirmam essa tendência de crescimento na região: entre 2005 e 2009 o consumo de chocolates no Nordeste aumentou 72%. Patrícia Borges, atual gerente de marketing da Lacta, destaca que o nosso país ainda possui uma sazonalidade no consumo do chocolate, a qual apresenta dois momentos de pico, no Natal e na Páscoa, enquanto nos mercados tradicionais da Europa, mais frios, o consumo se mantém mais linear ao longo do ano. O desafio, nesse caso, chama-se conservação. Tanto as pequenas geladeiras nos pontos de venda quanto as alterações na formulação fazem parte desse esforço. “O Nordeste nos ensinou muito sobre customização, não necessariamente do portfólio, mas da ação, da forma como falar com o consumidor”, analisa Vercelli.
Quatro ícones O que significa, para uma empresa nascida no Brasil, completar cem anos de existência? Além de uma imponente data a ser dignamente comemorada, ao longo dessa trajetória centenária a Lacta também trouxe consigo pelo menos quatro marcas consolidadas junto ao consumidor brasileiro. Consolidar um nome fantasia tão arbitrário, como Sonho de Valsa ou Diamante Negro na memória de diferentes gerações de consumidores; fazer de um chocolate pequeno como o Bis um sucesso de vendas capaz de dominar 75% do seu nicho de mercado ou, ainda, ser dona da marca de chocolate branco mais vendida do país são conquistas realizadas a longo prazo, de forma contínua e coerente, apesar de serem geradas e geridas por diferentes líderes. O desafio, quase sempre, é passar a mesma mensagem e refletir diferentes épocas. Ao longo das muitas décadas de propagandas de um produto, o Sonho de Valsa, por exemplo, desfilam diferentes épocas, tendências, modas e costumes. Por ser uma ação pretendida para o momento presente, a propaganda sempre precisa se colocar em uma perspectiva contemporânea, mesmo que seu produto mencione um gênero musical já em desuso: a valsa. Essa tarefa de comunicação de massa opera por meio de plataformas intangíveis, como o inconsciente coletivo e, simplesmente, pode “dar certo” ou não. Todos os dias, milhares de produtos passam diante dos olhos dos consumidores. A maneira de cada um identificar, e tomar para si alguns produtos, passando a adotá-los como seus, tem a ver com uma somatória de mensagens e imagens, mas os mecanismos internos que criam a empatia com esta ou aquela marca permanecem envoltos em mistério. No caso da Lacta, essa empatia do consumidor já estava, há décadas, estabelecida em torno de quatro diferentes produtos: Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka e Bis. Curiosamente, o guarda-chuva desse invejável leque de produtos consagrados não gozava do mesmo reconhecimento. Pesquisas indicavam que o nome Lacta reportava, é claro, ao chocolate, especialmente à Páscoa, mas não às marcas icônicas, que pareciam ter vida própria. “Lacta, como marca, o consumidor não tinha tanta clareza, era sempre mais como uma casa de chocolates”, resume Vercelli. Em 2006, começou então uma nova operação para que Lacta, um nome tão lácteo, tão ao leite, tão associado aos sabores que se desprendem aos poucos de um chocolate na boca, não permanecesse associado somente a uma
e um guarda-chuva fábrica. Lacta deveria ganhar personalidade própria, e o caminho encontrado foi reforçar o que as pessoas mais procuram quando abrem um chocolate: o prazer. Conforme revela Valéria Barone, publicitária da Ogilvy, que há 12 anos ajuda a desenvolver as campanhas da empresa no país, diversos testes já haviam identificado o chocolate ao leite da Lacta como o mais apreciado no quesito “derreter na boca”. Uma campanha deflagrada em 2006 mostrou justamente isto: pessoas que começavam a falar diante da câmera e, simplesmente, ficavam mudas, por apreciar aquele chocolate que derretia na boca. Era o começo de uma estratégia que propunha uma doce entrega de sentidos. “Percebemos que o fato de ser um chocolate macio, que derrete na boca, representava uma das características mais valorizadas pelo brasileiro”, sintetiza Valéria. Surgiram, a partir dessas pesquisas e do desejo de deixar a marca Lacta mais presente na memória dos consumidores, duas campanhas divulgadas em 2011: “Sinta-se vivo” e “Entregue-se”. Alternadamente, ambas apresentavam o mesmo convite ao prazer. A proposta incluiu ações que buscavam estabelecer sensações físicas de prazer, por exemplo, instalar tobogãs em formato de chocolate em alguns shopping centers, provocando o consumidor a uma experiência de entrega. Dessa forma, sem abandonar suas marcas já tão queridas pelo público, abriu-se o grande guarda-chuva azul que abriga todas elas – e a miríade de ovos de chocolate que, a cada Páscoa, renovam a presença da marca no imaginário dos consumidores. Comer chocolate é, definitivamente, um prazer. Pouquíssimas pessoas discordariam de tal afirmação. Mas quais mágicas na língua e no cérebro humano provocam esse produto? Na verdade, a mágica está em uma semente nascida amarga e envolta em uma polpa adocicada, que durante milênios foi considerada apenas um fruto parecido com vários outros, como a fruta-do-conde ou o cupuaçu, até que alguém descobriu o segredo escondido nessas sementes após serem torradas. Qual é, afinal, o segredo do chocolate para proporcionar tanto prazer?
PARA ALGUNS, DEGUSTAR UM CHOCOLATE é um ritual que DEVE, NECESSARIAMENTE, SER SOLITÁRIO E CALMO, UM INSTANTE DE DESCANSO EM MEIO À PRESSA, SABOREADO COM VAGAR E ATENÇÃO. OUTROS VEEM ESSE MOMENTO COMO A OPORTUNIDADE DE COMPARTILHAR COM ALGUÉM ESPECIAL UM gosto CAPAZ DE EVOCAR MEMÓRIAS ESQUECIDAS PELO TEMPO. HÁ OS QUE PREFEREM O FORMATO EM TABLETE, TALVEZ POR GOSTAREM DO ESTALIDO SECO QUE A MASSA DE CACAU EMITE AO SER MORDIDA, OU PORQUE COMER UMA PORÇÃO MENOR DO QUE 30 GRAMAS NÃO SERIA SUFICIENTE. PARA OUTROS, UMA BARRA GIGANTE É GARANTIA DE CHOCOLATE POR MAIS ALGUNS DIAS, AFINAL, OS VERDADEIROS CHOCÓLATRAS ESTÃO SEMPRE PREOCUPADOS COM seu ESTOQUE particular.
MUITO PRAZER HÁ TAMBÉM OS QUE PREFEREM OS BOMBONS. NESSA TURMA, EXISTEM PESSOAS QUE DESCASCAM A PELÍCULA DA COBERTURA, REVELANDO AOS POUCOS O RECHEIO; OUTROS CONSIDERAM ESSE TIPO DE PROCEDIMENTO INACEITÁVEL, PORQUE PRIVA A MISTURA DE GOSTOS PROPOSTA PELO FORMATO. ALGUNS CONSUMIDORES TÊM PREDILEÇÃO PELO CHOCOLATE AMARGO, JUSTAMENTE POR PRESERVAR O AMARGOR – UMA DAS CARACTERÍSTICAS MAIS MARCANTES DA SEMENTE QUE ORIGINA TODAS AS VARIANTES do chocolate. OUTROS ACHAM QUE QUALQUER PERCEPÇÃO DE AMARGO NO DOCE PODE ATRAPALHAR SUA FRUIÇÃO. PARA ESseS, A VERSÃO QUE AGREGA LEITE EM PÓ E AÇÚCAR demonstra A VERDADEIRA ESSÊNCIA DO CHOCOLATE.
Os contrários a essa pretensa “pureza” do chocolate propõem que se agreguem a ele novos sabores, como frutas
cítricas, vermelhas, pimenta, coco, anis, menta ou gengibre, defendendo a combinação do cacau com todos eles. existem ainda os que preferem saborear, junto ao cacau, notas mais sutis, por exemplo, de baunilha (companheira inseparável desde a época do frio, amargo e apimentado cacahuatl bebido pelos astecas), além de nozes, amêndoas, avelãs,
amendoins e outras sementes oleaginosas. Quem há de negar que essa combinação – descoberta a partir do uso de avelãs pelos italianos durante as guerras napoleônicas, quando o cacau se tornou raro e caro na Europa – parece perfeita?
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Além de tudo, o chocolate também pode ser um prêmio por um bom negócio fechado. Ou um estímulo para começar mais um dia de trabalho. Um presente dado a si mesmo por “merecimento”. Ou um meio de conter a ansiedade. Um jeito de surpreender alguém, de fazê-lo “baixar a guarda”. Para seduzir, pedir desculpas por um erro ou compensar uma grande decepção. Ou, simplesmente, a melhor maneira de se encerrar qualquer refeição, qualquer discussão tola, qualquer ansiedade súbita. Os escandinavos costumam apreciá-lo sem culpa nenhuma, como parte dos bons hábitos de alimentação e da luta contra o frio de seus países, onde o chocolate, como um energético, torna-se quase um gênero de primeira necessidade. Os franceses dão preferência às composições com alta porcentagem de cacau, tanto que o produto meio amargo concorre fortemente com o tradicional chocolate ao leite, de longe o preferido por suíços e alemães. Os ingleses apreciam a grande variedade de doces que o produto em pó é capaz de propiciar, enquanto para os norte-americanos, os mais convictos consumidores de chocolate do mundo, os tabletes e as barras recheadas com amendoim, marshmallow e frutas dividem igual atenção. No Brasil há uma ligeira predileção pelos tabletes puros, seguidos de perto pelos bombons. Dentre esses, a grande vedete do país tem mais de 80 anos: o já consagrado Sonho de Valsa. Mas também há os que elegem determinada marca para chamar de sua. A ela serão fiéis por toda a vida, transmitindo, muitas vezes, a mesma paixão para os filhos, como se fosse um time de futebol.
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As crianças costumam preferir os chocolates em formatos pequenos e divertidos, de preferência relacionados a algum personagem infantil e envoltos em roupagem colorida. Muitas delas ainda se encontram no primeiro estágio como consumidoras da iguaria, e ainda precisam negociar com seus pais a quantidade de Bis a que terão direito após comerem um bom prato de comida. E todas, sem exceção, adoram os novos produtos feitos de chocolate que sempre surgem na época da Páscoa. Inclusive os adultos, inconformados com os ovos que deixaram de ganhar justamente porque se tornaram adultos, aproveitam o ensejo para comprá-los para seus filhos, recuperando, mesmo que por empréstimo, o sabor das festas perdidas. Como um mesmo produto, derivado de apenas duas ou, no máximo, três variações de semente de Theobroma cacao, pode oferecer uma gama tão variada de degustação? Onde mora o segredo do chocolate?
A LÍNGUA, O OLFATO E O SABOR
“GOSTO NÃO SE DISCUTE”. Essa frase, que costuma servir de justificativa para acomodar diferentes opiniões sobre um mesmo produto, seja o assunto moda ou culinária, revela a incerteza que ainda nos assombra sobre a formação do nosso gosto, tanto em termos estéticos quanto gustativos. Neste capítulo, nos interessa abordar especificamente este último aspecto: como percebemos o chocolate na nossa boca? É possível discutir gostos e trocar experiências relacionadas ao modo como sentimos o sabor dos alimentos? Ou esse esforço seria inútil, já que tudo redundaria em opinião pessoal e critérios subjetivos? Por muitos séculos a percepção do gosto esteve pautada no que o olfato também captava, pois esses dois sentidos se encontram plenamente integrados. Qualquer indivíduo que tenha vivenciado a experiência de almoçar sem sentir o cheiro dos alimentos, quando estamos gripados, por exemplo, já percebeu na prática que os dois sentidos agem simultaneamente. O que costumamos denominar “gosto” é, na verdade, um trabalho conjunto das papilas gustativas – que se encontram espalhadas principalmente pela língua, de modo a perceberem os sabores essenciais – e do olfato. Isso porque, ao mastigarmos, partículas gasosas são liberadas dos alimentos e se direcionam, por meio de uma cavidade entre a boca e o nariz, às células especializadas, localizadas na mucosa desse órgão. A mucosa nasal, com cerca de um centímetro, contém mais de mil receptores moleculares diferentes, que distinguem cheiros muito diversos. Desse ponto, o estímulo seguirá para o cérebro, mais especificamente, para a região do tálamo, e deste para o córtex gustativo primário: região cerebral que nos faz perceber os gostos e “lembrar” daqueles que mais gostamos. As crianças percebem instintivamente essa forte associação entre sabor e cheiro, assim, se precisam comer algo que não querem, aprendem que o melhor a ser feito é tapar o nariz. De fato, nosso paladar é influenciado por muitos fatores além do gosto básico detectado pela língua. Aroma, cor, temperatura, consistência e, inclusive, aspectos emocionais, como as recordações ligadas à infância, se unem para constituir nossa percepção sobre o sabor dos alimentos.
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Um
falso
“mapa da língua”
A língua humana percebe o gosto dos alimentos a partir das papilas gustativas. Cada papila, cujo formato é o de uma taça, possui microvilosidades que se projetam para fora do botão gustativo por uma abertura. As diferentes reações químicas, que ocorrem mediante receptores localizados na membrana dessas pequenas saliências, permitem que ao mastigarmos os alimentos seu sabor seja percebido. Apenas em 1917 surgiram as primeiras pesquisas que buscavam identificar as percepções de sabores distinguidas pela língua humana. Esses estudos foram conduzidos pelo fisiologista italiano Luigi Luciani (1840-1919), que buscou testar os sentidos isoladamente, controlando variáveis, como a parte da língua estimulada, acrescentando um período de espera entre dois estímulos e usando o método “cego”, segundo o qual o voluntário não sabe o que é ingerido. Com rigor científico, Luciani demonstrou que apenas quatro sabores eram de fato percebidos por esse órgão: doce, amargo, azedo e salgado. Outras características dos alimentos, por exemplo, adstringência, aroma, oleosidade ou secura, além do caráter picante, dependem de outros sentidos para serem percebidos, como o olfato e o tato. Pelo fato de a percepção do sabor variar ao longo da superfície da língua, não foi difícil organizar uma espécie de “mapa da língua”. Segundo Luciani, a percepção do sabor doce aconteceria principalmente na ponta, do amargo na base, do azedo nas laterais e do salgado na parte central do órgão. E cada um dos quatro sabores essenciais teria receptores específicos nas papilas gustativas.
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As pesquisas atuais, no entanto, apontam como equivocada a ideia de um “mapa da língua”, já que o órgão inteiro possui receptores para os quatro sabores básicos. Na verdade, em todas as papilas gustativas há graus de sensibilidade para cada uma das percepções de sabor primárias, diferindo-se apenas pelo grau de sensibilidade maior para um ou outro sabor. O cérebro detecta o tipo de gosto por meio da relação de estímulo sofrido entre as diferentes papilas. Dessa forma, uma papila que detecte principalmente o amargo, por exemplo, seria estimulada com mais intensidade do que as que respondem mais ao salgado ou ao doce. Assim, o cérebro interpreta a sensação do sabor como de amargor, embora outras papilas tenham sido estimuladas em menor intensidade. Os estudos sobre percepção do sabor avançaram ainda mais: descobriu-se que não eram apenas quatro os sabores fundamentais distinguidos pela língua humana.
o
quinto sabor
As pesquisas envolvendo um “quinto sabor” são antigas, embora o novo sabor só tenha conquistado reconhecimento a partir de pesquisas complementares realizadas no século 21. Datam entre 1907 e 1908, período no qual o pesquisador japonês Kikunae Ikeda, da Universidade Imperial de Tóquio, constatou que o queijo de soja tofu, bastante presente na culinária japonesa, mudava de gosto quando mergulhado em um caldo feito a partir da alga kombu. Para Ikeda, o gosto teria uma qualidade diferente dos outros quatro já definidos, não dependendo da combinação entre os sabores básicos. Era, também, um sabor comum aos aspargos, aos tomates, ao queijo e à carne, mas que se diferenciava dos quatro sabores conhecidos. Ao pesquisar os componentes bioquímicos da alga, além de outros alimentos nos quais identificava-se o mesmo gosto, o atum e o caldo de carne, por exemplo, Ikeda localizou um aminoácido chamado glutamato monossódico. Realizando testes de percepção em humanos e em ratos, Ikeda descobriu que o glutamato, disponível na natureza em algumas algas marinhas, no queijo parmesão e na ervilha, entre outros produtos, liberava seu sabor específico apenas a partir do cozimento. Designou esse “quinto sabor” de umami, palavra japonesa que pode significar “pungente”, “saboroso” ou “de carne”. Suas pesquisas culminaram na criação do glutamato monossódico, também conhecido como Ajinomoto, um tempero em forma de cristais, que ganhou presença garantida em muitos molhos prontos, salgadinhos e macarrões instantâneos, justamente pelo fato de não ter odor nem textura próprios e realçar o sabor dos alimentos cozidos. A descoberta do sabor umami levantou uma grande polêmica, devido à percepção do seu gosto se dar de maneira aparentemente subjetiva. A comunidade científica internacional só se rendeu à descoberta do “quinto elemento” em 2000, quando uma equipe de pesquisadores da Universidade de Miami (EUA) publicou na revista
Nature Neuroscience um estudo comprovando a presença de receptores específicos presentes na língua, identificados como mGluRA, que reagiam especificamente ao gosto umami. Nessa área da Neurologia, ainda em desenvolvimento, existem outros candidatos a donos de receptores próprios para sabores na língua, por exemplo, o sabor da água (apesar de muitos defenderem que ela seja insípida) e do gosto metálico. Mas, por enquanto, são identificados cinco gostos diferentes, mesmo que poucos consigam definir concretamente o que seria o gosto umami. Esse esforço em identificar sabores prova que a língua humana, além de ser essencial para articular as palavras e sentir o gosto dos alimentos, também tem estruturas que a deixam com uma sensibilidade afiada. Os alimentos picantes, por exemplo, são percebidos de maneira táctil, assim como as gorduras. A língua identifica esses alimentos mais pela sensação do que pelo sabor, como se ela também possuísse o sentido de tato. E isso, como veremos, tem tudo a ver com o chocolate.
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A percepção da gordura na língua
O chocolate na língua humana
Em um estudo publicado no Journal of Neuroscience, em
A manteiga que deriva do cacau é formada por três mo-
1999, o pesquisador escocês Edmund Rolls, junto de seus
léculas de gordura ácida unidas a uma de glicerol, em um
colaboradores, encontrou na região cerebral do córtex
casamento químico denominado triglicéride. Essa mes-
orbitofrontal os neurônios que respondem à percepção
ma manteiga passa do estado sólido ao líquido a partir
da gordura na língua. Para descobrir isso, Rolls analisou,
de três mudanças sutis de temperatura. Como seu ponto
com técnicas de ressonância magnética, o cérebro de
de fusão situa-se entre 34°C e 38°C, ou seja, a temperatu-
dois macacos rhesus que haviam ficado o dia anterior
ra do corpo humano, quando colocamos um pedaço de
sem se alimentar. Os animais receberam porções de ali-
chocolate na língua a manteiga de cacau existente nele
mentos variados na experiência: leite desnatado, semi-
começa a se fundir, provocando aquela sensação tão co-
desnatado, creme de leite, gorduras e óleos comestíveis
nhecida e agradável proporcionada pelo bom chocolate:
distintos, além de óleos não gordurosos, como parafina e
o “desmanchar” na boca.
silicone, que deixam na boca uma sensação semelhante
A manteiga de cacau é bastante estável e, por con-
à gordura. A partir dos sinais enviados pelos eletrodos
ter antioxidantes naturais, pode ser armazenada durante
conectados aos macacos, Rolls descobriu que o mesmo
longos períodos. Por isso, desde que a prensa criada por
neurônio que detectava a presença de gordura também
Van Houten conseguiu extraí-la da massa de sementes de
era ativado quando um óleo mineral viscoso, como o si-
cacau, a manteiga se tornou matéria-prima para cremes
licone, era colocado na língua. E, submetidos ao mesmo
cosméticos e farmacológicos (ela possui um fator de pro-
tempo, os neurônios do córtex orbitofrontal não respon-
teção solar equivalente ao grau 10). E muito antes disso,
diam quando o alimento ingerido era, por exemplo, o lei-
na época dos maias e astecas, a gordura do cacau já era
te desnatado. Ou seja, a percepção da gordura na língua
usada na pele, graças ao seu efeito cicatrizante. Mas, sem
acontece graças à textura, não ao gosto. É uma sensação
dúvida, seu maior prestígio vem da textura suave que
de tato, não de sabor.
proporciona ao chocolate. É a manteiga de cacau, portanto, a responsável pela sensação que deixa as pessoas tão fascinadas por esse produto. Mas quais efeitos o chocolate oferece ao corpo humano para ter se tornado, ao longo dos séculos, uma iguaria cada vez mais procurada? O que há nele que nós tanto gostamos, afinal?
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A química do chocolate Os seres humanos têm um fraco pelos alcaloides, uma estrutura orgânica complexa que pode ser encontrada em aproximadamente 10% das plantas existentes no planeta. Ainda não estão claras as vantagens adaptativas que essas estruturas, também conhecidas como metilxantinas, trazem para as espécies que as produzem, mas muitos animais, além de nós, se sentem atraídos por seus efeitos quando consumidos. A nicotina (presente na planta do tabaco), a psilocibina (em cogumelos), cocaína (na coca), papaverina, codeína, morfina e heroína (na papoula) são alguns exemplos de alcaloides usados intensamente pelo homem há séculos. Se, por um lado, eles provocam sensações estimulantes, por outro, podem gerar dependência química ou psicológica, já que o cérebro se gratifica com a súbita inundação de estímulos, desejando mais. Um dos alcaloides mais presentes na natureza, a cafeína, era inicialmente consumido pelas cabras que pastavam na região onde atualmente é a Etiópia. Esses animais, excitados após ingerirem as sementes de café, desatavam a pular pelos campos. A observação desse comportamento teria dado a um anônimo pastor etíope a honra da descoberta dos poderes estimulantes da cafeína. O chocolate possui dois alcaloides em sua composição: a cafeína e a teobromina – esta presente também em outras 18 espécies, como a noz-de-cola, o café, a erva-mate e o cupuaçu. A teobromina, embora seja muito menos ativa farmacologicamente do que a cafeína, ao dilatar os vasos sanguíneos proporciona o aumento da circulação e o efeito diurético, e ao estimular o sistema nervoso central causa uma diminuição da fadiga. Porém, se consumida em excesso, pode provocar insônia e irritabilidade. Moderadamente, espanta o sono e o cansaço. Além desses dois alcaloides, o chocolate contém triptofano, um aminoácido que junto com a vitamina B3, a niacina e o magnésio, estimula a produção de serotonina, neurotransmissor que regula o sono e os estados de humor. O chocolate traz ainda, em doses reduzidas, a feniletilalanina, que pode ser considerada um antidepressivo natural, e a anandamida, um neurotransmissor canabinoide. A quantidade de anandamida presente no produto final é muito reduzida, mas em estudo publicado na revista Nature, em 1996, foram descobertos outros dois compostos, N-oleoletanolamina e N-linoleoletanolamina que, segundo os pesquisadores, inibem a degradação da anandamida, prolongando seus efeitos agradáveis.
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Para além do efeito fisiológico Comer chocolates não apenas dá prazer, mas também faz bem à saúde. Se ingerido regularmente e em quantidades moderadas, torna-se um poderoso aliado da saúde humana. Isso acontece por conta da alta dosagem de flavonoides, substâncias que têm ação antioxidante e comprovado efeito na redução da pressão cardíaca e na prevenção do câncer. O magnésio, o ferro (usado na produção de glóbulos vermelhos), o potássio, o manganês e a niacina são alguns dos minerais necessários e essenciais no processo de liberação de energia para as células. Todos eles se encontram disponíveis na formulação química do chocolate, sendo absorvidos pelo corpo humano. Somando o efeito fisiológico de “inas” e “aninas” ao estímulo energético também provocado pela sacarose, presente no açúcar, o chocolate forma um concentrado de tal maneira saboroso e estimulante que explicaria, pelo menos em termos químicos, o efeito quase hipnótico que exerce sobre nós. E deixa ainda mais surpreendente a trajetória que esse arbusto originário da Amazônia percorreu até se tornar uma das mais concorridas commodities da economia contemporânea. Inclusive, porque como vimos não foi nada fácil descobrir o chocolate escondido nas sementes amargas do cacaueiro – uma invenção que demorou milênios.
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O enigmático cacaueiro O cacaueiro é uma árvore pequena, que em estado selvagem raramente ultrapassa os 15 metros, e cresce em florestas tropicais úmidas e em ambientes alagados. Ele precisa da sombra de árvores maiores – como palmeiras, castanheiras e bananeiras – para proteger suas delicadas flores da incidência da luz solar. São milhares de flores, brancas e pequenas, que nascem diretamente do tronco do cacaueiro e são produzidas de modo intenso ao longo do ano. Apenas 5% de suas delicadas flores conseguirem ser polinizadas por um tipo específico de mosca que vive em ambientes úmidos e pantanosos, a Forciponia sp. Os frutos que se desenvolvem nas flores polinizadas apresentam formato alongado, entre 10 e 35 centímetros. Eles crescem durante cinco e seis meses, e cada um carrega de 30 a 40 sementes, envolvidas em uma mucilagem clara ou rosada. Saborosa e adocicada, a polpa do cacau agrada ao paladar dos mamíferos, sempre ávidos por sabores doces. Os primeiros humanos que habitaram as Américas, vindos pelo Estreito de Bering, na Ásia, ao alcançarem as regiões tropicais do continente não tardaram a descobrir o delicioso e refrescante sumo do cacaueiro, que era misturado com água e se mostrava uma bebida refrescante. Antes deles, macacos, gambás, cotias e alguns pássaros já haviam feito a mesma descoberta. Também perceberam que a semente era muito amarga e tratavam logo de cuspi-la – criando, assim, a oportunidade de germinação de outros pés.
Dessa forma, o cacaueiro se expandiu para além da bacia dos rios Amazonas e Orinoco, ganhando as florestas mais ao norte, na América Central. Não fosse pelo amargor, as sementes seriam ingeridas junto com a polpa e não resistiriam ao processo de digestão dos mamíferos, que libera substâncias bastante ácidas, o que as tornariam estéreis. Mais ao norte, surgiu uma variação menos amarga, porém menos produtiva, o gênero criollo, justamente a espécie cultivada pelos olmecas, maias e astecas. Já o gênero forastero, que atualmente responde por cerca de 80% da produção mundial, é mais resistente e produtivo, no entanto, gera uma semente mais amarga. Existe ainda um terceiro tipo de cacaueiro, que se formou acidentalmente em Trinidad e Tobago, no Caribe, depois de um furacão devastar uma antiga plantação de cacau do gênero criollo naquele arquipélago – nessa circunstância as plantas foram substituídas por outras do gênero forastero. Houve então um cruzamento acidental entre as espécies, gerando uma terceira, que ganhou o nome de trinitário.
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Da semente à massa de cacau Não se sabe quem foi o primeiro humano que descobriu o potencial oculto nas amargas sementes de cacau. Mas ele precisou de persistência e perspicácia digna de um cientista para que as dificuldades fossem vencidas e o cacau tivesse um destino diferente do cupuaçu ou da fruta-do-conde, para citar dois “primos” próximos. Primeiro, foi preciso perceber a necessidade de secar as sementes ao sol, para que a mucilagem doce do cacau fosse aos poucos absorvida pelas amargas sementes, gerando assim um processo de fermentação. Esse processo faz as sementes perderem seu potencial germinativo. Ao mesmo tempo em que se tornam estéreis, elas perdem o gosto adstringente e amargo, perceptível no líquido que escorre delas, com gosto e cheiro ácido. Aos poucos, na medida em que secam, as sementes de cacau passam a exalar um aroma característico. Isso deve ter dado ao curioso e precursor cozinheiro uma pista de que estava no caminho certo. As sementes precisam perder quase toda a umidade, o que costuma acontecer depois de seis a nove dias de exposição ao calor. Nessa etapa, geralmente são cobertas com folhas de bananeiras, para depois serem torradas. A torra provoca o desprendimento da película protetora das sementes, sendo possível moer o grão, do mesmo modo como se faz com o café. Esse processo, ainda mais que o anterior, libera os aromas encantadores que estimulam o cérebro a produzir saliva por antecipação de um prazer que se anuncia muito convidativo. Nosso precursor cozinheiro, com certeza de origem maia, precisou de muitas tentativas até aprender qual era o ponto exato da torra, suficiente para lançar as sementes secas em um pilão, transformando-as em grãos, mas não excessivamente, a ponto de perderem o sabor por conta da ação do calor. Essa massa de sementes de cacau – já com todos os alcaloides e compostos orgânicos que são tão bem recebidos pelo corpo humano – passou a ser fermentada, torrada e moída. O processo é praticamente o mesmo até os dias atuais. A massa de sementes torradas e moídas é a base da qual se extrairá, por um processo de compressão mecânica, a manteiga de cacau, que representa cerca de 50% da semente. Parte da manteiga retornará ao processo adiante, para deixar o chocolate mais macio, enquanto a outra parte será vendida às indústrias farmacêuticas e cosméticas. O que resta da prensagem é a chamada “torta de cacau”, que ainda possui entre 10% e 20% de gordura. Uma porção será transformada em chocolate em pó, contando com o acréscimo de açúcar. A outra será resfriada e transformada em pedaços de cacau integral, conhecidos como kibbleds, que formarão a matéria-prima básica de todos os tipos de chocolate.
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DA MASSA
CACAU AO CHOCOLATE DE
DEIXANDO NOSSO COZINHEIRO MAIA ÀS VOLTAS COM SUA AROMÁTICA MASSA ESCURA, QUE DEVE TER FEITO UM GRANDE SUCESSO AO SER MISTURADA À ESSÊNCIA DE BAUNILHA E À PIMENTA, VAMOS ACOMPANHAR ESSA “TORTA DE CACAU” EM UMA MODERNA FÁBRICA, COMO A CONSTRUÍDA PELA KRAFT EM 2001, EM CURITIBA, PARA PRODUZIR TODA A LINHA DE CHOCOLATES DA LACTA.
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Os kibbleds são misturados ao açúcar cristal, à manteiga de cacau e ao leite, formando a massa do chocolate. No caso do produto amargo, entram os mesmos ingredientes, menos o leite; em relação ao chocolate branco, sai a massa e entra mais manteiga de cacau. A etapa seguinte à mistura é a refinagem, na qual a massa de chocolate passa por um conjunto de cilindros metálicos – equipamentos modernos que substituíram as antigas máquinas de granito criadas na França, no final do século 19, conhecidas como mélangeur – gradativamente mais estreitos, que reduzem os cristais da mistura a tamanhos imperceptíveis à língua humana, de cerca de 30 mícrons (um mícron é a milésima parte do milímetro). O processo de refinagem garante que não percebamos os grãos formados pela mistura. Mas a consistência e a leveza do produto ainda dependem de mais um processo, a conchagem. Antes de ser transferida à máquina de conchagem, que nada mais é do que um grande recipiente, no qual pás largas e arredondadas como conchas revolverão a mistura por horas e horas ou, inclusive, por dias, a massa recebe adição de manteiga de cacau, que a deixa mais macia e miscível. Também é acrescida lecitina de soja, um composto usado para dar viscosidade, facilitando sua moldagem, além de eventuais ingredientes que compõem a receita específica. Durante a conchagem, realizada em ambiente aquecido e controlado, parte da acidez e da umidade é eliminada da massa, que sofre um processo de aeração e se torna mais homogênea.
Curiosamente, a importância da conchagem na fabricação do chocolate moderno foi mais uma daquelas descobertas atribuídas ao acaso: quem primeiro percebeu o efeito maravilhoso que as 72 horas dessa técnica realizava sobre o produto foi Rudolph Lindt, fabricante de chocolates suíço que, certa vez, ao sair para caçar, se esqueceu da máquina ligada durante três dias. Depois de esfriada e posta em formas, Lindt percebeu que aquela massa havia criado uma fina camada externa sólida e uma textura muito aveludada e macia por dentro. Aquela leva de chocolates derretia na boca como nenhuma outra. O “segredo” só seria descoberto em 1901 e a conchagem passou a ser usada por todos os outros fabricantes a partir dessa data. Se o anônimo pesquisador maia, por tentativa e erro, conseguiu extrair sabor das amargas sementes de cacau, muitos fabricantes amargaram prejuízos por não atentarem aos detalhes da última etapa no processo industrial de produção do chocolate: a temperagem. Nela, o produto sofre diversas trocas de temperatura controladas, para que os cristais de manteiga de cacau e de açúcar se estabilizem. Um erro nessa etapa pode ser fatal: surgirão aquelas manchas esbranquiçadas na superfície do chocolate, conhecidas como fat bloom, e o produto também perderá seu brilho. Além disso, pode acontecer de os cristais de açúcar aflorarem por problemas de umidade, formando grandes manchas, o sugar bloom, igualmente indesejáveis, porque alteram o sabor.
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Do chocolate pronto ao consumidor Há ainda uma última etapa antes de os chocolates serem consumidos. Por motivos de higiene, nem mesmo os funcionários da linha de montagem podem retirá-los da esteira onde se encontram prontos e degustá-los. É preciso embalá-los para evitar qualquer contato com o oxigênio ou a umidade, dois inimigos mortais do bom chocolate. Em 2011, a Lacta promoveu uma grande mudança nos processos de embalagem para introduzir uma novidade: a embalagem de bombom selada a frio. Segundo Augusto Mello, da área de pesquisa e desenvolvimento da Kraft, o novo invólucro do Sonho de Valsa foi um trabalho que durou uma década, envolveu duas grandes empresas da área e uma montanha de testes, até alcançar um modelo que vedasse eficientemente o produto sem descaracterizá-lo a ponto de tornar sua identificação difícil. “Uma embalagem precisa garantir ao consumidor que ela não foi aberta por ninguém antes. E o Sonho de Valsa era um produto que, apesar de ser icônico, não conseguia passar essa garantia”, explica Márcia Gasparini, da mesma área de pesquisa. Isso acontecia, principalmente, porque entre os pequenos comerciantes havia o costume de se abrir o saco plástico de um quilo para venda unitária do produto. Se a embalagem externa, oriunda da fábrica, garantia proteção contra o oxigênio e a umidade, apenas a do bombom, muitas vezes, não era suficiente e, no momento do consumo, o wafer poderia não estar mais crocante. Pesquisas realizadas junto aos consumidores sobre a nova embalagem mostraram que o esforço valeu a pena. Selada, ela se tornou hermeticamente protegida. Assim, preparados para cruzar o Brasil de norte a sul, em longas viagens, os chocolates saem das fábricas de Curitiba (PR) e Vitória de Santo Antão (PE) e se espalham pelos milhares de pontos de venda por todo o país. Agora que as regiões Norte e Nordeste inseriram definitivamente o consumo de chocolate em seu cotidiano, são cada vez mais os lugares onde o produto está presente. E é, também, cada vez maior o número de consumidores. Sinal de que, por aqui, o chocolate já deixou de ser um luxo e aos poucos se transformou em um hábito.
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Os novos consumidores de chocolate
Nunca se comeu tanto chocolate no mundo e, especialmente, no Brasil. Segundo a Organização Internacional do Cacau (OICC), 3,7 milhões de toneladas de sementes de cacau torradas foram produzidas na safra 2007/08 – e esses valores não param de crescer. De 2000/01 a 2009/10 a produção teve um acréscimo de 17%. O mundo todo adora o chocolate. No Brasil, segundo a Associação Brasileira da Indústria do Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab), na última década o consumo cresceu, em média, 11% ao ano. Mesmo assim, ainda é um consumo considerado baixo: 2,6 quilos por habitante ao ano, em 2009; excluídos dessa conta os achocolatados, o consumo cai para 1,8 quilo, sendo que ainda existem grandes variações regionais. Enquanto no Nordeste o consumo atual é de 0,7 quilo, na região Sul ele alcança uma média de 2,8 quilos. São números modestos quando comparados aos dados de consumo anual, coletados pela Abicab/Caobisco em 2009, de países como Romênia (12,31 kg/per carpita/ano), Reino Unido (10,68), Suíça (10,35), Noruega (9,61) e Alemanha
(9,16), mas indicam um salto gigantesco no consumo nacional do produto. Se considerarmos o tamanho de sua população, esse crescimento do mercado interno colocou o Brasil na 6º posição como maior consumidor de chocolate no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra e Rússia. Boa parte desses novos consumidores ainda precisará ser definitivamente conquistada para o time dos chocólatras ou, no mínimo, dos simpatizantes. Para isso, além de continuar produzindo os clássicos (no caso, algumas marcas icônicas da Lacta logo estarão cruzando o marco centenário), é preciso criar novidades. Pensando nesses novos consumidores, um verdadeiro exército de “chocolateiros”, “chocolartistas” e “chocolatécnicos” se encontra mobilizado em laboratórios que, geralmente, atendem pelo nome de Centros de Pesquisa e Desenvolvimento, manipulando em sigilo novos componentes, pesquisando texturas inéditas, buscando combinações e contrastes entre sabores e ingredientes nunca antes experimentados.
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Um CENTENĂ RIO Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis, Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka, Bis,
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de INVENÇÕES Desde que as primeiras máquinas de fabricar chocolate foram instaladas, há cem anos, na antiga fábrica da Societè Anonyme des Chocolats Suisse, no bairro Vila Mariana, em São Paulo, a Lacta vem investigando o paladar do consumidor brasileiro. Diferentes formulações de chocolate; gerações e gerações de operários manipulando máquinas cada vez mais modernas e automatizadas; muitas experiências bem-sucedidas, que resultaram na criação de marcas históricas, como Sonho de Valsa, Diamante Negro, Laka ou Bis, fizeram com que a Lacta ganhasse um lugar especial na memória afetiva do consumidor brasileiro. E essa posição não foi nada fácil de ser conquistada. O primeiro trabalho de sedução foi o de mostrar que o Brasil também era capaz de produzir seu próprio chocolate – é importante lembrar que, já nas primeiras décadas do século passado, o país era um dos principais exportadores de cacau para a Europa e os Estados Unidos, mas por aqui só se consumia chocolate importado. Para criar e vender o produto “made in Brazil”, a Lacta apostou, desde o início de sua história, no poder da comunicação. Foi uma das primeiras empresas brasileiras a criar anúncios luminosos (os outdoors pioneiros em uma São Paulo ainda provinciana), a investir em publicidade nas principais revistas e jornais da época, a promover concursos literários de poemas e produzir álbuns de figurinhas colecionáveis. O pioneirismo da Lacta continuou na medida em que a indústria brasileira se fortalecia. A empresa foi a primeira a usar o apelido de um ídolo do esporte, o jogador Leônidas da Silva, para batizar o chocolate crocante Diamante Negro. Essa configura uma daquelas ações visionárias que, após sua criação, outros se perguntam: por que não pensamos nisso antes? Talvez, o mesmo pensamento tenha surgido quando na década de 1940 apareceram os primeiros ovos de chocolate produzidos no Brasil. Entre as pioneiras, a Lacta uma vez mais trouxe benefícios definitivos para o segmento, que se tornou o principal período de vendas de chocolate no país. Em 2012, ano do centenário da empresa, as dezenas de opções de sabores e formatos garantiram uma produção recorde de 27 milhões de ovos de Páscoa.
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O compromisso com a inventividade resultou, ainda, na criação do “pequeno notável” Bis, à venda desde 1942, sempre como um recordista absoluto em seu segmento. A inovação, nesse caso, se concretizou ao oferecer um chocolate para consumo rápido, quase que por impulso. Mas com direito a bis... Não por acaso, é da mesma época o bombom Sonho de Valsa, até hoje o principal responsável pela paixão brasileira quanto a esse formato. Ao agregar o sabor da castanha de caju, semente de uma fruta nativa do nosso país, o Sonho de Valsa se converteu, em pouco tempo, no bombom mais consumido por aqui. Mas de nada adianta uma boa comunicação sem investimento suficiente na qualidade da distribuição. O chocolate é o tipo de mercadoria que quanto mais rápido chega ao consumidor final, mais gostoso fica. E em um país do tamanho do Brasil, essa tarefa pode ser bastante complicada, especialmente em termos de logística. Daí a importância da entrada da Kraft Foods, que significou uma renovada capacidade de investimento. Ao comprar a empresa brasileira, a Kraft Foods investiu na construção de duas grandes fábricas, uma na região Sul e, posteriormente, outra no Nordeste, de modo que todo o processo de distribuição se tornou mais rápido. Com a produção intensificada, os chocolates Lacta passaram a chegar cada vez mais fresquinhos aos seus consumidores, em qualquer região do país. Como vimos, a aquisição da Cadbury, em 2010, ampliou substancialmente os já milhares pontos de venda Brasil afora. Além do investimento na produção e na distribuição, outro grande passo dado pela Kraft na busca por consumidores cada vez mais satisfeitos com seus produtos aconteceu a partir do desenvolvimento das embalagens “abre-e-fecha”, para os tabletes grandes, e a embalagem selada para a linha de bombons. Hermeticamente fechados, os produtos permanecem sempre crocantes e frescos. Sutis mudanças nas formulações, por outro lado, cumpriram à risca o objetivo de deixar os produtos que saem da fábrica de Vitória de Santo Antão, em Pernambuco, mais resistentes ao calor nordestino, impedindo alterações no sabor. Não é nada fácil, para qualquer empresa brasileira, alcançar um centenário de existência. Mais difícil ainda é chegar a esse marco sendo líder de mercado e referência em sua categoria de produto. Foi preciso sobreviver a períodos conturbados, como o das guerras mundiais, pedidos de concordata e, inclusive, uma falência, enfrentando todos os dias os imensos desafios logísticos de distribuir um produto perecível em um país tão gigantesco.
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Também foi necessário arriscar, inventar e perseverar, mesmo quando o mercado consumidor parecia pouco disposto a mudar seus hábitos. Além de tudo, foi imperioso se adaptar às mudanças, por exemplo, quando a entrada dos supermercados motivou profundas alterações nas embalagens dos produtos ou, ainda, quando os espaços nesses estabelecimentos começaram a ficar bastante disputados, exigindo outra forma para a exposição dos ovos de Páscoa (novamente a Lacta inovou ao mostrar que eles poderiam ficar expostos em “parreiras”). Também foi preciso sobreviver à inflação, que ao longo de décadas testava a capacidade dos empresários nacionais de se adaptarem a um ambiente econômico extremamente volátil e imprevisível. Enfim, depois que o dragão estava sob controle, ainda seria necessário enfrentar a concorrência internacional: novas marcas, importadas e com apelos diferentes, passaram a disputar a atenção de um consumidor cada vez mais exigente, diante do aumento da oferta. A saída para não ficar atrás nesse novo cenário foi reforçar a ligação dos consumidores com as marcas que os viram crescer e se tornarem, eles próprios, pais ou avós de novos apreciadores do chocolate feito no Brasil. Além das marcas, que já se converteram em ícones, pela primeira vez em sua história, a partir de 2007, a Lacta passou a se apresentar, também, como uma marca de tabletes de chocolate. O desafio agora, pensando as mudanças climáticas, é continuar crescendo, mas de maneira sustentável. Desde tecnologias modernas de reaproveitamento da água adotadas na nova fábrica em Pernambuco até o cuidado com a preservação da Mata Atlântica, tão essencial ao desenvolvimento saudável do cacaueiro, a Lacta se prepara para iniciar um novo centenário, novamente em sintonia com o momento presente. Com os recursos naturais do planeta se tornando cada vez mais preciosos e escassos, é preciso reinventar processos e produtos para que o impacto ambiental seja cada vez menor. Por meio desse espírito a Lacta vem motivando seu time a pensar alternativas para otimizar a produção do cacau no Nordeste do Brasil, incentivando os pequenos produtores da região. Esses cem primeiros anos da Lacta foram vividos e compartilhados junto de milhões de consumidores com intensidade e prazer. Aliás, são duas qualidades que, não por coincidência, procuramos ao abrir uma embalagem de chocolate (de preferência, selada...).
“Vemos os próximos cem anos com muito otimismo e confiança, para que os nossos netos e bisnetos sejam fanáticos e apaixonados, como nós, pelo Sonho de Valsa, pelos tabletes, pelo Bis, pelo Laka, pelo Diamante Negro e pelo que mais vier da Lacta”, afirma Marcos Grasso, consumidor de Diamante Negro desde os sete anos e atual presidente da Kraft Brasil. E é dessa forma que a Lacta já trilha os primeiros passos rumo ao próximo centenário.
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Agradecimentos Alaís Fonseca, Anderson Marin, André Vercelli, Anthony Walters, Augusto Lemos, Augusto Mello, Bruno Zanetti, Carlos Teixeira, Christina Carvalho Pinto, Edmilson Alfredo, Euzébio Ghiotto, Fabio Mestriner, Fernando Fiorini, Getúlio Ursulino Netto, Gilverto Pignocchi, Gregório Fonseca, Gustavo Abelenda, João Damiani, Joaquim Batista Filho, José Bastos, Jussara Machado, Luciane Matiello, Luiz Gonzaga Araújo, Luiz Vieira, Marcelo de Carvalho, Márcia Gasparini, Marcílio Faustino, Marcos Grasso, Mariano Souza, Masaharu Nagato, Moacir Rodrigues, Patrícia Borges, Patrícia Karasz, Raquel Venâncio, Ricardo Martinez, Robinson Cernichiar, Sérgio Macera, Stella Natrielli, Teresinha Goés, Vagner Bermudas, Valdeir da Silva, Valéria Barone e Wagner Balderrama.
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Créditos das imagens Capítulo 1
Capítulo 2
Página 6: Akg-Images / Latinstock
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Página 44b: Bilhet Postal Artista
Página 20: Imagno / Hulton Fine Art Collection/ Institut et Musee Voltaire / Getty Images
Página 45, 60, 61, 66, 68ab, 72, 75, 84, 85, 88, 89, 93, 99, 107, 113, 114, 115, 116, 118, 119, 123, 129: Acervo Lacta
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Página 33: Apic / Hulton Archive / Getty Images 159
Lacta 100 anos, muito prazer
Página 82: Fundo Adhemar de Barros / Arquivo Público do Estado de São Paulo Página 83: Reynaldo Ceppo / Agência Estado Página 90: Popperfoto / Getty Images
Capítulo 2 Página 34: ©iStockphoto.com/Pavel Konovalov Página 39: ©iStockphoto.com/mart_m Página 65: ©iStockphoto.com/Logorilla
Página 91: IHC / ABRAS Página 92: Arquivo / Agência Estado Página 103: Acervo Alcântara Machado Página 109, 110abc: Associação Brasileira da Indústria de Chocolate, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados Página 125: Julio Cesar Souza / Acervo Lacta Página 126: North Wind Picture Archives / Akg-Images / Latinstock
Página 66, 67: ©iStockphoto.com/gokcen yener Página 73: ©iStockphoto.com/milalala Página 78, 79, 100b, 101b: ©iStockphoto.com/Elena Genova Página 100a, 101a: ©iStockphoto.com/Patrick Ellis Página 130, 131: ©iStockphoto.com/Evgeniy Ivanov
Capítulo 3 Capítulo 3 Página 146: ©iStockphoto.com/TinaFields
Página 134, 135: ©iStockphoto.com/Denys Fonchykov, ©iStockphoto.com/addan, ©iStockphoto.com/ Suomuurain, ©iStockphoto.com/Eratel
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Ilustrações
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Capítulo 1
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Ficha técnica Kraft Foods Brasil Concepção do projeto
Concepção e realização
Gerente de Grupo de Marcas Lacta
Grifo Editora Ltda Grifo Projetos Históricos e Editoriais Ltda
Patricia Borges
Coordenação geral
Projeto Editorial
Lilian Reis
Lygia Rodrigues Ricardo Prado
Gerente de Produto Lacta
Isamara Cruciol Coordenadora de Marketing Lacta
Coordenação editorial
Lygia Rodrigues Daniela Camargo Figueiredo
Suporte
Marcos Grasso
Assistente de Produção
Presidente Kraft Foods Brasil
Marilda Madureira
Julian Baluk Diretor Categoria Snacks
Giles Atwell
Texto
Ricardo Prado
Diretor Marketing Chocolates
Pesquisa textual/iconográfica
Marcelo Bronze
Daniela Camargo Figueiredo Angélica A. Moreira da Silva Gabriela Munin
Gerente de Produto Lacta
Transcrição de depoimentos
Gabriel Alarcon Madureira Revisão e Preparação
Prova3 Agência de conteúdo: Lorena Vicini e Renan Camilo Projeto Gráfico e Diagramação
Mônica Watanabe e Marcello Montore Tratamento de imagens
Kelly Polato Impressão
Burti
Grifo Projetos Históricos e Editoriais www.grifoprojetos.com.br
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Lacta 100 anos, muito prazer
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Prado, Ricardo Lacta 100 anos, muito prazer / Ricardo Prado. -- São Paulo : Grifo, 2012. ISBN 978-85-64863-02-6 1. Chocolates - Indústria e comércio 2. Lacta (Empresa) - História I. Título. 12-10923 CDD-338.47098161 Índices para catálogo sistemático: 1. Lacta : Empresas : História 338.47098161
Este livro foi composto na tipografia Cronos Pro e impresso na Gráfica Burti, em papel alto alvura. – Outubro 2012 –
www.lacta.com.br