M ARCELO L A FFITTE OR GANIZAÇ ÃO
JosĂŠ Wilker 50 anos de cinema
Bye Bye Brasil. Fot贸grafo: Ademir Silva. Acervo: Luz M谩gica
A CAIXA é uma das principais patrocinadoras da cultura brasileira, e destina, anualmente, mais de R$ 60 milhões de seu orçamento para patrocínio a projetos culturais em espaços próprios e espaços de terceiros, com mais ênfase para mostras cinematográficas, exposições de artes visuais, peças de teatro, espetáculos de dança, shows musicais, festivais de teatro e dança em todo o território nacional, e artesanato brasileiro. Os projetos são escolhidos através de seleção pública, uma opção da CAIXA para tornar mais democrática e acessível a participação de produtores e artistas de todas as unidades da federação, e mais transparente para a sociedade o investimento dos recursos da empresa em patrocínio. A mostra José Wilker – 50 Anos de Cinema, com curadoria do cineasta e produtor Marcelo Laffitte, busca celebrar a carreira do ator de cinema e TV através de uma seleção criteriosa de suas principais participações cinematográficas. A retrospectiva presta uma homenagem sincera a um dos maiores atores brasileiros. Ao trazer mais esta mostra para o público carioca, a CAIXA reafirma sua política cultural de estimular a discussão e a disseminação de ideias, promover a pluralidade de pensamento, mantendo viva sua vocação de democratizar o acesso à produção artística. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
O Bem-Amado. Fotógrafa: Ana Stewart. Acervo: Uns Produções
Jagunço, Escrevo uma carta, à guisa de prefácio, pois
de pedaços de nossas conversas, unidos às
o pedido veio, como tudo aquilo que tem
pressas pelo frágil fio da memória, o que
importância, em cima da hora. Achei que
deixa à mostra as falhas da costura, porque
uma missiva poderia dar conta do recado,
sei que você não está mais lá, mas ouço a
já que algumas delas têm sido até mes-
sua voz, percebo a cadência e reconheço o
mo objetos de estudos literários, ainda que
ritmo da respiração. Uma vez falamos dis-
não seja este o propósito desta. É uma car-
so, eu me lembro. Da intimidade cênica que
ta de amor e, como tal, ridícula, assim vati-
rompe a quarta parede e ganha a vida. Por-
cinou Pessoa, e ele tinha razão. Mas como
que os atores, depois de um tempo traba-
escrever para você sem falar de amor? Ou
lhando juntos no palco, começam a olhar as
me tornar ridículo, se foi você mesmo quem
entranhas uns dos outros. Percebem a es-
me ensinou o quanto é bom voltar a ser me-
sência. Conosco deu-se assim. Depois de
nino, e comportar-se como tal, na impera-
um tempo, quando enfim abaixamos a guar-
tiva necessidade de salvar a raiz? Um me-
da e atravessamos a barreira da improbabi-
nino provocador era aquele personagem
lidade — afinal éramos tão diferentes, não
que você vestia com tanta graça. Não era à
éramos? —, eu pude olhar você de verdade,
toa que sua mãe lhe sentava na cadeirinha,
e a admiração do jovem espectador que eu
pendurada no gancho da rede. Como não
fui, no Teatro Ipanema, não parou mais de
ser ridículo, olhando para o menino senta-
crescer ao longo de todos esses anos. É por
do no alto, balançando as pernas e calculan-
isso que mantenho acesa, no labirinto cin-
do o risco da queda, como uma instalação no
zento, toda uma área dedicada a você. Ali
meio da parede? Questionamentos à parte,
moram as imagens, como ex-votos deposi-
já que comecei, vou aproveitar para lhe fa-
tados em confiança. São santos, cordéis, ci-
zer algumas confidências. A primeira delas
nema, teatro. A sombra das coxias. Os ros-
é que fui covarde e, como acontece amiú-
tos incendiados à luz dos camarins Brasil
de com os alpinistas domésticos, joguei sua
afora estão todos lá. Sua família que nos
partida para baixo do tapete e, não conte
recebeu em festa e até mesmo o caixão que
para ninguém, por favor, volta e meia tele-
seu pai guardava embaixo da cama como um
fono para você, cheio de culpa, deixando a
personagem que você tivesse interpretado.
saudade vazar pelo ladrão. Ficamos falando
Você ria tanto disso. E ainda explicava a pra-
da vida e dos projetos que gostaríamos de
ticidade da coisa: para quem jurou não dar
desenvolver, num diálogo que é o resultado
trabalho até o fim, um caixão embaixo da
cama é uma prece atendida. Você apertava
se com o trabalho do outro; obrigado pelos
os olhos e o seu riso era uma cascata desa-
momentos de dolce far niente, quando você
fiando a física e subindo para os céus. Como
se dava ao luxo de apenas observar a vida
era forte e generoso o seu olhar para seu
que passava por nós, inventando histórias
pai. Acho que nunca tive a oportunidade de
para os transeuntes; obrigado por me fazer
comentar isso com você, mas naquela noite
gostar apenas da transitoriedade das coi-
em Olinda, com o Guararapes apinhado de
sas e não das coisas em si; muito obrigado
gente, quando você dedicou o espetáculo a
pela inteligência aguda, pelo olhar crítico,
seu pai e estendeu a mão na direção daque-
pelo carinho e pelo humor. Antes de termi-
le homem que se levantou como um rei na
nar, uma última confidência: a primeira vez
plateia, naquela noite, Zé, eu me lembro de
em que lhe vi, foi num pequeno shopping
ter feito uma anotação para que não me es-
em Ipanema, onde você gravava uma no-
quecesse no futuro quando eu ou você —
vela. Ficamos todos aglomerados num can-
não sabíamos na época — escrevêssemos a
to, assistindo à sua atuação, e uma mulher
derradeira carta. Lembro-me de você com
lhe comparou a um leão. E ela foi certeira em
a mão estendida para seu pai e o Centro de
seu comentário. Você foi um leão em cena e
Convenções vibrando em uníssono. Então,
fora dela. Um leão de coração justo, saído
você olhou para mim, emocionado, e eu
de alguma fantasia medieval. Pois o leão era
senti tanta admiração por aquele compa-
também cavaleiro e tinha um código de hon-
nheiro que era você, ali, na minha frente, re-
ra quixotesco. Devo acrescentar que tinha
cebendo uma justa homenagem do público
igualmente a mesma loucura do cavaleiro
que tantas vezes tinha lhe assistido. Foi um
da triste figura, mas essa era bem canalizada
momento mágico. A carta de amor, ridícula,
e deu todos os frutos que conhecemos. En-
volto a afirmar, não seria completa sem di-
fim! Seu nome está escrito no panteão, Ja-
zer que naquela noite, por dentro, você era
gunço. Parabéns! Foi uma linda trajetória!
puro mel de engenho. Vou terminar a car-
Sinto muitas saudades de você. E me per-
ta, porque dei uma espiada no conteúdo do
doe por ainda não ter lhe visitado, mas uma
catálogo e sei que vem muita coisa boa por
hora eu vou. Prometo.
aí. As histórias partilhadas serão contadas mais uma vez, de modo que vou ficar nes-
Seu amigo,
sa área restrita da intimidade. Mas como na
Miguel Falabella.
vida não se deve fugir dos agradecimentos, eu subo ao palco com as mãos trêmulas e uma lista escrita há muitos anos, premiado com sua confiança e irmandade: muito obrigado pela generosidade, pois poucas vezes vi um colega recolher-se com tamanha elegância para simplesmente assistir e divertir-
Diamante Bruto. Fot贸grafa: Sueli Seixas. Acervo: Cedoc/Funarte
De Vadinho a Conselheiro O ator está nu. O verdadeiro ator é nu. O ator nu é o objeto de desejo de qualquer encenador. Do teatro, do cinema ou da televisão. Ele — o verdadeiro ator — se apresenta ao ofício despido de qualquer vestimenta, adereço, máscara ou marca, de corpo ou de alma. Promíscuo, diz sedutor: “Cubra-me se for capaz!”. Terra fértil para uns; para outros, mortal esfinge. José Wilker é um ator nu. Conheci pessoalmente o ator José Wilker na minha primeira viagem aos Estados Unidos, no festival de cinema brasileiro de Miami, em 1998. Eu estava apresentando meu primeiro curta-metragem e ele trabalhando para o Telecine. Cruzávamo-nos no saguão psicodélico do hotel, no café da manhã —“Olá, como vai?”, “Tudo bem”, “Ah, que bom” —, até que a produtora do Telecine, Nice Benedictis, me telefona no quarto e diz que o José Wilker estava me convidando para fazer um passeio nos Everglades. Eu não entendi absolutamente nada, e fui. Como eu poderia deixar de conhecer os Everglades? A partir desse primeiro encontro em Miami, no qual ele me levou na Walmart para comprar dentifrício, começamos a nos esbarrar esporadicamente em outros festivais: Curitiba, Vitória, Brasília. Ficamos colegas de balada, dividindo mesa nos jantares oficiais, indo juntos a festas extraoficiais, fechando a noite no último bar aberto, um carregan-
do o outro de volta para o hotel. Esbórnias só possíveis porque estávamos em festivais.
Esse foi um dos melhores sets de filmagem que já presenciei na minha vida: o per-
O primeiro trabalho que fizemos juntos
feito equilíbrio entre concentração e des-
foi o meu segundo curta, Banquete, rodado
contração. O que estava previsto para ser
no ano 2000. Coloquei a Norma Bengell e
feito em 12 árduas horas de trabalho, fize-
ele caracterizados de mendigos, sentados na
mos em divertidíssimas seis. Depois fomos
calçada do bistrô Guimas, no Baixo Gávea,
jantar no Guimas, onde o chef Pascal Jolly
comendo restos de lixo. Era uma metáfora
nos serviu uma entrada de queijo boursin e
da cultura brasileira nos fins do século XX.
foie gras seguida de um suculento steak tarta-
Bye Bye Brasil. Fotógrafo: Ademir Silva. Acervo: Cedoc/Funarte
re, uma cortesia da proprietária Tintim que
conta do recado, o que logo se mostrou um
eu nunca teria condições de pagar. Metáfo-
pensamento tolo. Passamos o número para
ra da metáfora, só faltou o Château Lafite.
20 e as informações começaram a surgir, al-
Comemos em um silêncio quase que abso-
gumas bem contraditórias, o que é perfeita-
luto, o que a princípio me causou certa es-
mente plausível quando lidamos com uma
tranheza. Como assim? Não temos assun-
personagem tão mítica quanto José Wilker.
to?! Mas logo percebi que todas as palavras
Alguém me contou que esteve com Wilker
eram ditas quando se faziam necessárias. A
em 1962 em João Pessoa, e outro alguém me
partir daí, nossa amizade ganhou outro for-
disse que havia uma integrante do MCP do
mato. E todas as vezes que eu chamei, o Zé
Recife que morava em São Paulo; uma ter-
compareceu.
ceira pessoa me disse da existência de um
Esta mostra José Wilker: 50 Anos de Ci-
amigo de infância do Wilker lá em Juazei-
nema foi concebida na troca de dois e-mails
ro do Norte. Quando dei por mim, eu havia
há praticamente um ano. Eu convidei e o Zé
me transformado num biógrafo do Zé, títu-
compareceu. Combinamos de celebrar os
lo que peremptoriamente renego e declaro
seus 50 anos de carreira em grande estilo, e
não ter a menor pretensão de receber. Po-
é exatamente isso que queremos fazer. En-
rém, tenho de admitir que, nesse momento,
tretanto, como querer nem sempre é poder,
a minha amizade por ele sofreu uma grande
precisávamos de condições e de recursos,
transformação.
ou seja, de um mecenas. Este projeto só foi
Este livro-catálogo não é uma biografia
possível graças ao patrocínio da Rede Glo-
de José Wilker, mas os depoimentos afeti-
bo, da Caixa e do Governo Federal.
vos de 34 de seus amigos e companheiros
Vencida esta etapa, entramos de cabe-
de jornada, dispostos em ordem cronológi-
ça na produção, pois o tempo corria contra
ca, permitem uma narrativa temporal bem
os nossos relógios já tão emocionados. A pri-
interessante da vida de um homem com
meira tarefa foi este catálogo, uma peça que
suas virtudes e defeitos, seus amores e de-
normalmente se faz com textos acadêmicos
samores. Caberiam outros 68 textos, depois
sobre o tema em questão e com o detalha-
mais outros 136, 272, rumo ao infinito.
mento do conjunto da obra a ser apresenta-
Durante a pesquisa, feita em conjunto
do. Bem, se você trocar o “tema em questão”
com Susana Schild, Claudia Dottori e Rachel
por José Wilker e substituir “conjunto da
Ades, encontramos um verdadeiro mar de tex-
obra” por uma vida de teatro, cinema e TV,
tos, entrevistas e depoimentos do Wilker. Al-
automaticamente o “acadêmico” se transfor-
gumas tiradas sensacionais como, por exem-
ma em afetivo. Foi esse o caminho que segui
plo: “Minha mãe dizia assim: eu tive seis filhos
para convidar alguns amigos a escreverem
e apontava pra mim e falava: o único esquisi-
sobre o Zé.
to é esse”. Isso era a cara do Zé Wilker. Assim
No começo, pensei que 12 textos dariam
surgiram as wilkerianas, frases que o leitor
Norma Bengell e José Wilker em O Banquete. Acervo: Laffilmes
encontrará ao longo dessas páginas.
cas de ordem técnica e operacional. Mas te-
Sobre a seleção de filmes, começo abrin-
nho absoluta certeza que o cardápio ofere-
do parêntese. É uma lástima que parte im-
cido, de Vadinho a Conselheiro, agradará o
portante da nossa filmografia e da nossa His-
paladar de todo mundo e de qualquer um.
tória esteja se deteriorando e se perdendo.
Quero agradecer imensamente a Maria-
O mesmo vale para todo o material icono-
na Vielmond e a Isabel Wilker por toda a con-
gráfico da cultura brasileira. A preservação
fiança depositada em mim. Nelas eu sintetizo
do nosso patrimônio é de responsabilidade
o meu muitíssimo obrigado a toda a família de
do Estado, mas também de todos nós pro-
José Wilker e a seus amigos queridos, todas
dutores e artistas.
pessoas que abriram suas portas, suas gave-
Parêntese fechado, a nossa seleção de tí-
tas, seus baús, suas pastas, seus álbuns de fo-
tulos passou por uma complexa equação de
tografia, suas vidas, seus corações e suas al-
variáveis, quase um quadrinômio do sétimo
mas para realizarmos juntos esta celebração.
grau, se é que isso existe. Primeiro porque,
Agradeço particularmente a três compa-
até onde conseguimos averiguar (a cada mo-
nheiros de profissão e luta, alguns de meus
mento aparece um), Wilker participou de 72
faróis na arte e na vida, que disseram desde
filmes!!! Ele não bateu o recorde de Wilson
o primeiro momento “Sim, faça!”: Luiz Carlos
Grey, mas o número é impressionante se le-
Barreto, Cacá Diegues e Mariza Leão.
varmos em conta que o sujeito também fazia
À Rede Globo, à Caixa e ao Governo Fe-
teatro, televisão, escrevia para jornal, apre-
deral, por apostarem neste projeto. A Histó-
sentava programas, jantava, tomava banho,
ria também vos agradece.
dormia, enfim, onde ele arranjou tempo?! Sendo assim, na hora de selecionar quais
No mais e sem mais delongas, como diria Lorde Cigano, “Venham ver esse seu criado”.
títulos exibiríamos, teríamos de levar em conta a importância do filme na vida do Zé, a im-
Marcelo Laffitte
portância dele na vida do filme, a importân-
Curador
cia do filme na nossa História e a da História na vida do filme, além de outras problemáti-
Roque Santeiro. Fot贸grafo: Jorge Baumann. Acervo: Cedoc/Globo
Duartes Roteiro de uma locução REGINA
LIMA
A Caixa Cultural apresenta
Consulte a programação: www...
LIMA
REGINA
José Wilker: Eu chamava ele
ponto...
de Carcará Sanguinolento (risos) REGINA E eu chamava de Zé (risos) LIMA 50 anos de cinema REGINA De Vadinho a Conselheiro LIMA Uma história repleta de arte e emoção REGINA De muita arte e de muita emoção LIMA De 7 a 19 de abril REGINA De 7 a 19 de abril? LIMA De 7 a 19 de abril! REGINA De 14 às 19 horas
LIMA mostrawilker... REGINA ponto com... LIMA ponto br REGINA www.mostrawilker.com.br LIMA Verifique a classificação indicativa do Carcará Sanguinolento REGINA Patrocínio: Rede Globo, Caixa e Governo Federal LIMA Realização: Laffilmes DIRETOR Corta! Com Regina Duarte, Lima Duarte e grande elenco
sumário 5 Prefácios
Sávio Leite Pereira Memórias de adolescência 16
Moema Cavalcanti Ele era o Lobo Mau. Eu era a Chapeuzinho Vermelho. 20
Cacá Diegues O primeiro encontro
58
60 Zezé Motta O ator selvagem e a atriz intuitiva
Lauro Escorel Lembranças de um companheiro de estrada
62
Marcos Flaksman Nas quebradas e alhures
66
Joaquim Ferreira do Santos O prazer da conversa
70
24
28
Orlando Senna Zé Uilk
30
34 Braz Chediak Um trabalhador chamado José 38 Zé Celso Martinez Correa A Surpresa do Eterno Retorno do Trans Roque Santeiro, José Wilker
Ney Latorraca Eterna renovação
42
Aderbal Freire-Fillho As ruas, a arte, a vida
44
Betty Faria Para Vigo me voy
Lucélia Santos Um mito, um ator excepcional Paulo Betti “Estamos quites, Zé”
72
Denise Saraceni Bravura circense
76
Maitê Proença Suavizado pelo tempo
80
Sergio Rezende E aí, Zé? 84
Francisco Ramalho Jr Relógios ao longo do tempo
88
Hildegard Angel O José Wilker que eu conheci de perto
92
Daniel Filho De volta a 1975
96
Luiz Carlos Barreto “A câmera ou eu”
98
48
52
João Canijo “Venham ver o Roque Santeiro!” Lidia Franco Até sempre
56
Claudio Rangel Ao mestre, com carinho
Vera Holtz Viking do sertão
102
104 Aracy Balabanian Intuição recompensada
Mariza Leão Um amigo incomum, um artista único
106
110 Rodrigo Fonseca Ler cinema pelos olhos do ator
Andréa Beltrão Cúmplice silencioso
114
Beto Brant Wilker I (e único)
116
120 Lourdes Hernandez O verdadeiro Cariri
Walter Carvalho Zé Wilker, simplesmente.
124
Marçal Aquino Visita a Borges
128
132
Wilkpédia
Giovanni Improtta. Fotógrafo não identificado. Acervo: Luz Mágica
O Vadinho n茫o participa de despedidas.
Jorge Amado, Jos茅 Wilker e S么nia Braga em intervalo de Dona Flor e Seus Dois Maridos. Fot贸grafo: Leo Gandelman. Acervo: LC Barreto
O Vadinho nunca se despede.
20
A minha cidade, de que eu me lembre, era quase nada. Mas a gente achava que era o lugar mais extraordinรกrio do mundo.
Visita do padre Renato Zigiotti a Juazeiro do Norte, junho de 1957, com os coroinhas Sรกvio e Wilker. Fotรณgrafo nรฃo identificado. Acervo pessoal: Sรกvio Leite Pereira
José Wilker: 50 anos de cinema
21
Memórias de adolescência Em um dos primeiros dias do ano letivo
época. Havia uma seção com charadas, pa-
de 1959, em que concluiríamos o curso gi-
lavras cruzadas, piadas curtas e coisas simila-
nasial, Wilker e eu fomos abordados pelo
res. Havia também textos curtos, do Wilker
padre Gino, diretor da escola e nosso mes-
e meus, sobre os filmes em cartaz, com a fi-
tre de História Geral, que nos lançou uma
cha técnica e comentários resumidos. Ci-
espécie de desafio: compulsar os arquivos
néfilos inveterados, cultivávamos o hábito
secretos dos salesianos sobre o padre Cí-
de anotar em cadernos os filmes assisti-
cero e dali retirar material para um livro.
dos, atribuindo-lhes uma cotação, de uma
No longo trajeto para nossas casas, con-
a cinco estrelas, emulando uma apreciada
versamos a respeito, excitados pela carga
seção da revista Filmelândia, muito popu-
de responsabilidade, mas concluímos que a
lar naqueles dias e que colecionávamos ze-
tarefa era superior à nossa capacidade: eu
losamente. Demorávamos três tardes no
mal completara 15 anos e Wilker faria 14 em
segundo piso do cartório de meu pai, com
agosto. Mas o desafio deve ter arranhado os
duas máquinas datilográficas e muita dis-
neurônios dele, porque uns dias depois ele
posição para completar a tiragem.
me procurou com a ideia de fundarmos um
De tanto frequentar o Cartório, Wilker
clube para jovens, com finalidades cultu-
findou por descobrir o arquivo dos “canho-
rais. Aderi de imediato e chamamos Vevé,
tos” dos títulos eleitorais. Era o fichário geral
o outro cateto do triângulo, para uma reu-
do eleitorado juazeirense e ele me conven-
nião naquele mesmo dia. Nela, ficou decidi-
ceu a verificar todos os 20 mil documentos
do que o clube seria da juventude, que se-
e a retirar as fotos das garotas mais bonitas
ria editado um jornalzinho quinzenal e que
da cidade com o objetivo de exibi-las aos in-
cada associado doaria dez livros para for-
cautos como nossas “namoradas”. Essa tra-
mar o acervo do clube. Em poucos dias, ar-
vessura, um ato de vandalismo, foi um furto
regimentamos uns 15 sócios-leitores.
qualificado pela vaidade masculina adoles-
A trabalheira foi com o tal jornalzinho. Tínhamos que datilografá-lo, um exemplar
cente e um crime perfeito, jamais descoberto pelas autoridades.
para cada sócio. Mesmo utilizando duas fo-
Depois de uns três meses de funciona-
lhas de papel-carbono, era uma tarefa de-
mento, o clube já não era uma novidade e
morada e tediosa pela repetição. O con-
nós estávamos conscientes de que era mui-
teúdo eram poesias de Bilac, Raimundo
to difícil atrair a atenção da garotada para
Correia, Castro Alves e outros famosos à
atividades culturais. Em uma noite em que
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haveria reunião ordinária, cometemos o equívoco de preferir ir ao cinema, nossa paixão prioritária. Desfalcada de seus dirigentes, a reunião derivou para a anarquia, houve tumulto, os vizinhos protestaram e um deles avisou a meu pai, que cortou todos os subsídios à entidade e me pediu para acabar com a iniciativa. Nosso sonho de promotores culturais teve então um final melancólico, em figurino de anticlímax. Restaram alguns livros não reclamados por algum sócio distraído: Wilker ficou com um exemplar de Grande Sertão: Veredas e eu ganhei um de Eu e Outras Poesias, de Augusto dos Anjos, até hoje um de meus prediletos. No final do ano, concluído o ginasial, Wilker seguiu para Recife e eu fui estudar em Fortaleza. Nossa separação, mesmo com raros e fugazes reencontros ao longo dos anos, escancarou uma lacuna em minha vida intelectual, jamais preenchida.
Sávio Leite Pereira
José Wilker: 50 anos de cinema
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Formatura da turma em 1959, com padre Gino Moratelli, diretor do Ginásio Salesiano.Sávio é o segundo, da esq. para a dir.; Wilker é o quarto, da dir. para a esq. Fotógrafo não identificado. Acervo pessoal: Sávio Leite Pereira
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Moema Cavalcanti e José Wilker em A Volta do Camaleão Alface. Fotógrafo não identificado. Acervo: Memória da Cena Pernambucana
José Wilker: 50 anos de cinema
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Ele era o Lobo Mau. Eu era a Chapeuzinho Vermelho. Começo de 1960. Pernambuco fervilhava
Aos poucos, foi se tornando mais tole-
politicamente. Havíamos derrubado a oli-
rante, menos agressivo, menos prepotente
garquia dos velhos usineiros e coronéis
e, sobretudo, um grande ator. O “bicho do
instalada, havia décadas no comando do
mato” deu lugar a um homem sensível, leitor
estado, quando elegemos Cid Sampaio
voraz, ávido por saber de tudo. Conquistou
para Governador.
o coração das meninas pouco mais velhas do
Candidato a prefeito do Recife, Miguel
que ele. Era o xodó das mocinhas, que o co-
Arraes, apoiado por Cid e pelas forças de es-
briam de carinho, presentinhos, lanchinhos,
querda, teve uma votação espetacular.
beijinhos fortuitos e sei lá mais o quê.
Ao tomar posse, Arraes reúne intelectu-
Numa manhã de agosto de 1962, está-
ais, escritores, artistas, professores e estu-
vamos ensaiando no Teatro de Santa Iza-
dantes universitários e funda o Movimento
bel, no Recife, quando entra o Wilker, já um
de Cultura Popular, inspirado na experiência
pouco atrasado, aos prantos.
do movimento Peuple et Culture da França.
— “Quero morrer! Quero morrer! A
A ideia era levar informação, cultura, di-
vida não tem mais sentido pra mim... Que-
versão, educação formal e informal à popu-
ro sumir! Não tenho mais razão pra viver...”
lação carente da cidade do Recife. “Inclusão
Tentamos acalmá-lo. Ele se aninhava no
Social”, diríamos hoje. Paulo Freire se engaja na luta contra o analfabetismo, criando ali o seu método de alfabetização de adultos.
colo da moças, completamente perdido, completamente largado. — “O que aconteceu, Wilker? Conta pra gente.”
Eu, na primeira hora, escolho trabalhar
Os soluços e as lágrimas quase não o
no Departamento de Teatro. Um dia apare-
deixavam falar. Depois de muito carinho e
ce um carinha magrelo, loiro, chato, 16 anos,
água com açúcar, vem o desabafo:
mais ou menos, querendo ser ator. “Vamos lá,
— “Eu... não consigo... viver sem ela...”
rapaz! Ajuda aqui a levantar esse cenário...”
— “Mas ela quem, Wilker?”
Zé Wilker topava qualquer parada, desde fazer comício em cima de caminhão para
— “Marilyn Monroe! Ela se foi! Ela se foi e eu não vou sobreviver sem ela...”
meia dúzia de gatos-pingados até fazer o pa-
Marilyn havia morrido de uma overdo-
pel principal em peças encenadas nos me-
se de barbitúricos, na noite anterior, aos
lhores teatros do Recife, João Pessoa, Na-
36 anos.
tal, Brasília e Rio de Janeiro.
26
Eu e Wilker estreamos juntos na concha
Até 67, 68, eu e Zé Wilker perdemos o
acústica da Sede do Movimento de Cul-
contato. Muitos dos integrantes do Teatro
tura Popular, no Sítio da Trindade, no
de Cultura Popular estavam presos, outros
Bairro de Casa Amarela. Eu era Chapeu-
mortos, alguns sumiram no mundo. Wilker
zinho Vermelho e ele, o Lobo Mau.
foi para o Rio de Janeiro. Eu vim para São
Encenávamos esquetes com mensagens políticas — O Auto dos 99%, Canção do Sub-
Paulo. Nos anos 70 fui vê-lo da peça O Arquiteto e o Imperador da Assíria.
desenvolvido entre outros — que aprende-
Depois do espetáculo fui ao camarim.
mos com o pessoal do Centro Popular de
E a emoção tomou conta da gente. Como
Cultura do Rio de Janeiro que, por sua vez,
o Wilker tinha crescido como ator, como
foi inspirado no nosso movimento. Eu mes-
homem! Choramos juntos, agora já como
ma apresentei um seminário sobre o MCP
adultos.
durante um congresso da UNE em Niterói. Ali começou o CPC. Contracenamos em vários espetáculos, entre eles Julgamento em Novo Sol, sob a di-
Mais uma volta no tempo, ainda ao MPC, no Recife.
reção de Nelson Xavier, Eles Não Usam Bla-
Num dia de muito trabalho, véspera de
ck-tie de Gianfrancesco Guarnieri, em algu-
estreia certamente, estávamos todos envol-
mas peças do pernambucano Luiz Marinho,
vidos na pintura dos cenários quando eu avis-
e no espetáculo infantil A Volta do Cama-
tei Wilker de cócoras em frente aos galões
leão Alface, de Maria Clara Machado.
de tinta e tecido. Num ímpeto, me levantei,
Levamos essa peça ao teatro do Palá-
passei por ele, fechei a mão e empurrei com
cio da Alvorada, em Brasília, para os filhos
força a sua testa de modo que ele caiu de
do Presidente João Goulart e dos seus Mi-
bunda no chão, numa queda espetacular.
nistros de Estado. A maioria ficou torcendo
Todos pararam assustados. Aí eu falei pra
pelo bandido, o Camaleão Alface, vivido por
todo mundo ouvir:
José Wilker. João Vicente Goulart, filho de
“Você pensa que essa é a melhor manei-
Jango, levou uma jaguatirica num carrinho
ra de fazer isso? Você sempre pode fazer me-
de bebê e soltou o bicho no palco para as-
lhor!” e saí de mansinho, sem olhar pra trás.
sustar os personagens ‘do bem’. Foi uma dificuldade terminar a peça...
Passados 30 anos, Wilker veio à minha casa em São Paulo. Convidei várias pesso-
Em 64, o Movimento de Cultura Popu-
as do Recife, que trabalharam no MCP que
lar foi extinto por ordem dos Generais. No
não o viam desde então e fiz uma surpresa a
dia 1º de abril fomos recebidos por uma Ca-
todos. Eis Wilker, um dos mais respeitáveis
valaria do Exército e soldados armados de
atores da TV Globo, aqui na minha casa!
metralhadoras que impediram a nossa en-
Não mais aquele menino magrelo, chato e
trada na sede do MCP.
carente que vivia ‘filando a bóia’ na casa de
José Wilker: 50 anos de cinema
amigos, quando a grana acabava. E acabava logo. Assim que ele recebia gastava todo
27
Durante quase
com cinema, rato de cinema que era. Logo de cara, Wilker me chamou num canto da sala e me disse carinhosamente:
dois anos, fiz
— “Moema, eu nunca esqueci o conselho que você me deu, quando me empurrou no chão, trinta anos atrás. A cada trabalho
teatro na rua,
que eu faço, a cada papel que eu vou desempenhar eu sempre experimento outras formas de atuar. Nunca me contento com
no canavial, em
a primeira que é sempre a mais fácil”. E eu nunca vou esquecer dessas palavras.
frente À igreja,
Moema Cavalcanti
em carroceria Em 1962, nos estúdios da TV Tupi em Brasília Da esq. para dir.: Delmiro Lyra, Moema Cavalcanti, Teca Calazans, Ausany de França e José Wilker, então com 18 anos. Fotógrafo não identificado. Acervo pessoal: Moema Cavalcanti
de caminhão.
28
No Departamento de Teatro do MPC. Delmiro Lyra e JosĂŠ Wilker. Acervo: FUNDAJ
José Wilker: 50 anos de cinema
29
Nas quebradas e alhures Conheci o Zé Wilker no começo do ano
Aí nós ficamos pelo cinema e o teatro e
de 1962. Eu ia fazer 18 anos. O Wilker era
andamos nos cruzando aqui e ali na vida e
um pouco mais novo, devia ter uns dezes-
na vida profissional .
sete. Foi no Festival de Teatro amador de
Fiz com ele dirigindo, tendo como ato-
Caruaru, e eu fui parar lá com o Grupo de
res Eliane Giardini, Paulo Betti, Vera Fajar-
Orla, formado por pós-adolescentes que,
do e José Mayer, Perversidade Sexual em Chi-
além de serem “intelectuais”, eram “libe-
cago, do David Mamet, no antigo Teatro de
rais e independentes” e não eram do CPC
Arena, aqui no Rio.
ou do MCP, de saudosa memória. Tínhamos 18 anos já disse, e podíamos tudo.
Era um espetáculo muito bonito, de muita qualidade, do qual não sobrou uma única
O Zé era muito magro e tinha a mesma
imagem. Foi muito bom esse encontro para
cara que sempre teve, um resquício das in-
trabalhar com essa moçada e o Zé dirigindo,
vasões europeias no nosso Nordeste. Ele
um resgate de harmonia e inspiração.
era cearense, mas sempre achei que fosse
Com ele, Zé, foi sempre assim. Muito
pernambucano. Esse encontro com ele se
bom. Para quem não viu (será que alguém
deu nessa hora , minha primeira vez fora e
lembra?) ou não ouviu falar, o cenário onde
longe de casa, junto com meus amigos. Nos
se passava a ação era um arranjo móvel de
conhecemos assim, em meio a um festival
placas de vidro transparente, manobra-
do qual quase não guardei lembrança, mas
das em contrapesos para a posição vertical
dessa viagem nunca esquecerei: a casa de
e que estavam lá, às vezes como transpa-
estudantes para dormir só depois das 5 da
rência e outras para criar reflexos. O chão,
manhã, quando alguns estudantes levanta-
uma arena circular em espelho preto, refle-
vam e liberavam as camas, os concursos de
tia uma cidade (Chicago), que era uma ma-
‘Twist” na TV, a miséria na noite de Recife,
quete presa ao teto de ponta-cabeça. Es-
na espera pelo avião da FAB.
tou contando isso porque essas maluquices
E o Zé simplesmente estava nela.
saíram de duas cabeças, não só da minha,
Depois o reencontrei aqui no teatro, logo
fruto de uma parceria.
depois que chegou. Acho que fizemos um espetáculo infantil juntos, ainda amadores, lá
Encontrava com ele nas quebradas, por aqui e alhures.
no Arena da Economia, na Praia Vermelha:
E agora, mais recentemente, andei fil-
O Mistério do Cofre Roxo do Vovô Fantasma.
mando com ele. Aí nos encontrávamos mais e
Eu tinha uma foto mas não sei onde está.
ríamos sempre e muito também. Dois filmes
30
(A casa da mãe Joana I e II), com o Carvana de
público, com as bandeiras da guerra ensan-
quem éramos ambos amigos, e outro, que era
guentadas ao fundo.
uma adaptação de O Velho Marinheiro, de Jor-
O Zé era um grande ator de teatro, fez
ge Amado (que será lançado como O Duelo), e
espetáculos memoráveis como O arquiteto e
que filmamos um pouco por aqui em estúdio
o imperador da Assíria, com o Rubens Corrêa
e em locação, dirigido pelo Marcos Jorge.
e Ivan de Albuquerque, de quem fui próxi-
E em duas peças teatrais dirigidas por
mo também e, no cinema sucessos de quali-
ele. Uma, Rain Man, e a outra que vai na re-
dade como Dona Flor e seus Dois Maridos, Bye
presentação brasileira deste ano para a
Bye Brasil, Os Inconfidentes, e muitos outros,
Quadrienal de Praga: Palácio do Fim, no Te-
além de inesquecíveis personagens na TV.
atro Poeira, e era muito simples e foi terminada pelo telefone. Ali tem ele também, parceiro na secura
O Zé se foi muito cedo, de surpresa, e deixa muitas saudades e projetos por realizar. Viva ele!
da solução escolhida, uma homenagem aos nossos queridos anos 70: este cenário para mim corresponde a um caixote no meio do
Marcos Flaksman
José Wilker e ??? em cena no filme O Duelo. Fotógrafo não identificado. Acervo : Total Filmes.
Jos茅 Wilker: 50 anos de cinema
Eu quis ser ator para, num primeiro momento, estar pr贸ximo, contar segredos, me multiplicar, ser um pouquinho eterno.
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32
Tanto as salas de cinema quanto as salas de teatro são dinossauros necessários.
Delmiro Lyra, Joacyr Castro, Moema Cavalcanti, (atrás) Marco Antonio Porto Carrero, Nadja Pereira, José Wilker, (atrás) Carlos Alberto, Conceição de Maria em A Volta do Camaleão Alface. Fotógrafo não identificado. Acervo: Memória da Cena Pernambucana
José Wilker: 50 anos de cinema
33
O prazer da conversa Sempre admirei, entre as muitas qualida-
país, com Jango tendo assumido o poder fe-
des do Zé, o prazer dele em conversar.
deral há poucos meses, assim como Miguel
Demonstrava uma atenção impressio-
Arraes assumira o governo em Pernambuco.
nante ao que estava sendo dito e contri-
O público detestou a peça de Zózimo
buía, quando falava, com uma genero-
e amigos (o hoje correspondente da Globo
sidade incrível, para os bons termos da
Renato Machado e a manequim Duda Ca-
conversação.
valcanti, também estavam no elenco). Mui-
Uma das nossas últimas conversas não
tas vaias. E aí Zé me deu aquele detalhe
tinha nada de papo furado, como as de
maravilhoso que biógrafos adoram, mas as
muitos outros encontros. Falamos, a pedi-
suas fontes nem sempre têm a aparelha-
do meu, de um festival de teatro estudan-
gem sensível para terem percebido na hora
til em Caruaru, em 1962.
e recordarem décadas depois.
Eu estava atrás das andanças do jorna-
Zé contou que o público detestara tan-
lista Zózimo Barrozo do Amaral, a respei-
to a peça do grupo de Zózimo que, para de-
to de quem produzia uma biografia. Zózimo
monstrar essa insatisfação, aumentou os rá-
teve um curtíssimo espaço de tempo como
dios de pilha que havia levado para o teatro.
ator. Poucas pessoas sabiam disso. Zé sa-
Assim como hoje ninguém sai sem celu-
bia porque estava lá em Caruaru quando o grupo de Zózimo se apresentou. Foi aí que ele me dedicou uma daquelas conversas deliciosas, onde misturava a capacidade do bom ator, de dar as pausas certas para as falas, a questão técnica, enfim, como também contribuía para o brilho da história com a sua capacidade de bom escritor. Homem culto, apreciava o bom texto, vivia da sensibilidade de percebê-los e le-
lar, não saía-se sem o rádio Spica. Todos vaiaram muito e amplificaram aquilo com a estridência dos rádios no volume máximo. Grande Zé. Não sei se a biografia vai ficar boa, mas essa história com certeza é ótima. Ah sim! A peça que o grupo cearense do jovem José Wilker estava encenando naquele festival era uma montagem esquerdista de uma peça infantil de Maria Clara Machado.
vá-los ao palco. Zé então me narrou com um brilho delicioso a noite em que o grupo de Zózimo se apresentou no festival de Caruaru com uma peça de vanguarda, baseada em Ionesco e Beckett. Isso num festival dramaticamente politizado, como estava todo o
Joaquim Ferreira dos Santos
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Em 1962, Arnaldo Jabor (de perfil), Luiz Alberto Sanz, Eduardo Escorel, Nelson Pompéia, Raimundo (do MCP de Recife), Arne Sucksdorff (na câmera) e Luis Carlos Saldanha. Fotógrafo não identificado. Acervo pessoal: Eduardo Escorel
Eu tenho um olhar pra vida muito irônico, muito debochado. Não me levo muito a sério.
José Wilker: 50 anos de cinema
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Zé Uilk José Wilker sempre ouviu seu sobre-
e a “bendita é a fruta” (única mulher) Lu-
nome pronunciado de distintas manei-
cila Ribeiro Bernardet. E ainda Nelson Xa-
ras, principalmente Vilker e Uilker. Mas
vier que, embora paulista, também estava
quando ouvia alguém dizendo Uilk, se-
vindo de Recife (ele e Wilker eram do MCP
gundo ele, invariavelmente era alguém
— Movimento de Cultura Popular de Per-
de Juazeiro do Norte, Ceará, sua terra
nambuco e eu do CPC — Centro Popular
natal. Eu soube disso em uma festa no
de Cultura da Bahia). Nelson fazia os traba-
Festival de Havana. Estávamos prose-
lhos escritos, em aula, não com caneta ou
ando e alguém gritou Zé Uilk e ele, ain-
lápis, como os outros alunos, mas com uma
da sem ver quem o estava chamando,
ruidosa máquina de escrever mecânica.
disse “aí vem um conterrâneo”. Ele era
O Suecão (assim apelidamos Sucksdorff)
muito engraçado, fazia piada com qual-
nos dava uma hora para escrever um rotei-
quer coisa, imitava as pessoas, um bom
ro, todo mundo se concentrava e começava
humor contagioso.
o tac tac da máquina do Nelson. Na sala fe-
Nos conhecemos em 1962, ele com 18
chada, o som era forte. Um dia, outro som
anos, no histórico Curso de Arne Suksdorff,
se somou a esse: Wilker começou a nomear
no Rio de Janeiro. Ele vindo de Recife e eu
em voz alta cada letra e acento que escre-
de Salvador da Bahia, nos juntamos a ou-
via: pê, ó, erre, erre, a, exclamação. O es-
tros jovens de diversas regiões do País es-
crever ou não com máquina na sala de aula
colhidos pela Unesco e pelo Itamaraty para
foi levado à discussão, só não me lembro
um aprendizado intensivo de nove meses
quem ganhou a parada. Mas me lembro
sobre criação e técnica cinematográficas
que foi aí, nessa extraordinária experiência
com o grande mestre documentarista sue-
juvenil sob as bênçãos do nascente Cinema
co, autor de A grande aventura, Palma de
Novo, que ficamos amigos.
Ouro em Cannes 1954. Foi a nossa Escola
Tivemos outro momento de proximi-
de Cinema, a melhor que podíamos desejar
dade e associação criativa, quinze anos de-
e ter naquela época.
pois, na realização do filme Diamante bruto,
Entre esses jovens estavam Eduardo
na Chapada Diamantina, eu como diretor e
Escorel, Dib Lutfi, Antonio Carlos da Fon-
ele encarnando uma personagem com ca-
toura, Vladimir Herzog, Arnaldo Jabor, Luis
racterísticas semelhantes às suas: menino
Carlos Saldanha, Alberto Salvá, Joel Bar-
do interior que se transformou em um sím-
celos, Flávio Migliaccio, Leopoldo Serran
bolo sexual e estrela da TV, chamado José.
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Conceição Senna e José Wilker em Diamante Bruto. Fotógrafo: Orlando Senna. Acervo: Cedoc/Funarte
José Wilker: 50 anos de cinema
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Com exceção de dois atores profissionais (Conceição Senna e Wilson Melo), ele contracenou todo o tempo com não atores, ou atores naturais como se diz hoje, e encantou a população da pequena cidade de Lençóis, sede da produção, com sua extrema simpatia e solidariedade. Organizou uma Marujada com as crianças, conversava durante horas e bebia pinga com os garimpeiros, discutia comportamento e filosofia com os jovens (há uma cena no filme que registra isso). “Virou nativo” como dizem até hoje os verdadeiros nativos. Ali conheci o Wilker de Juazeiro do Norte, o menino do sertão, sua alma nordestina. Tanto que ensinou aos habitantes a pronúncia preferida de seu nome, ou o nome do seu eu profundo, Zé Uilk, e assim era tratado. Esse filme, por artes do destino, foi a mola mestra da mudança da estagnada e decadente Lençóis extrativista, onde os diamantes estavam acabando, no luzente centro turístico da atualidade. Quando Zé Uilk nos deixou fisicamente, no ano passado, o povo de Lençóis chorou, mas também celebrou a graça que receberam com a sua presença e o seu brilho, com o giro do parafuso que ele proporcionou a uma comunidade carente. Que viva para sempre.
Orlando Senna
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José Wilker e Nelson Rodrigues em Bonitinha Mas Ordinária. De costas, Nelson Rodrigues, filho. Fotógrafo: Fernando Duarte. Acervo pessoal: Nelson Rodrigues, filho.
Nelson Rodrigues repetia-me, entre uma baforada e outra do cigarro que lhe era proibido, que o bom ator tinha de ser burro. Não existe pior ator que o ator inteligente.
José Wilker: 50 anos de cinema
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Um trabalhador chamado José Verão no Rio. Oito horas da noite de uma
mes sozinho, não comentava com meus pa-
segunda-feira quente. Vários rapazes, sem
res, nem mesmo com as namoradas que, na
camisa, descalços, se apertam dividindo
época, com a liberação da pílula, trocáva-
espaço numa quitinete em Copacabana.
mos (ou nos trocavam) a cada semana.
Alguns cochilam no chão, outros conversam desanimados: estão famintos.
Abro um parêntese para dizer que, pouco a pouco, fomos nos agrupando, (mais por
Kafka, Stanislavski, Sartre e Camus se
problemas financeiros do que por afinida-
misturam com Marx e Engels nos que ainda
des ideológicas), e — por uma dessas sor-
têm força para discussão.
tes inexplicáveis — consegui trabalhar como
De repente, ouve-se um chiar de bife sendo frito e o cheiro da carne e dos temperos entram na pequena quitinete. Um dos rapazes vai até a janela, respira fundo e diz, sonhador: — Pô, se a gente tivesse um pão pra comer com esse cheirinho... E todos nós explodimos numa grande gargalhada.
ator em duas peças seguidas e num filme dos Estúdios Herbert Richers. Fecho o parêntese e explico que, com o dinheiro que ganhava no Herbert, aluguei a tal quitinete e logo foram chegando os jovens que se amontoavam nos cantos, dormiam sobre folhas de jornais, faziam música e... falavam sobre o grande filme que fariam e que mudaria o rumo da humanidade.
Era início da década de 60 e de repente
Um desses jovens era o Wilker, recém-
o Rio de Janeiro foi tomado por uma onde
chegado do Nordeste e que, diferente da
de jovens que queriam fazer cinema, a pro-
grande maioria, procurava trabalho todos
fissão que havia virado moda em todo o
os dias, estudava muito e não tinha precon-
mundo graças ao Cahiers du Cinéma.
ceitos cinematográficos ou teatrais. Creio
Os filmes de Godard, Bergman, Anto-
que foi isto que nos aproximou.
nioni, etc., etc., eram o tema central das
E também porque percebi que ele se-
conversas nos bares, praias e nas infindá-
ria um dos poucos que conseguiriam se so-
veis filas do Cinema Paissandu, que se tor-
bressair, pois a grande maioria cunhou a
nou um templo das discussões intelectuais
frase “eu não me vendo ao sistema” e, am-
e políticas da época.
parada por ela, ficava o dia todo na praia,
Fellini, por alguma estranha razão, era chamado de “reacionário”, o pior xingamento da época. Por isso, eu assistia aos seus fil-
fumando unzinho e... discutindo os tais filmes que mudariam o mundo para sempre. Enquanto isto, Wilker estudava, ensaia-
40
va, caminhava aos poucos. Fez figuração, pe-
E Wilker também não tinha mais tem-
quenos papéis, e tinha o mesmo vício que eu
po livre. Fazia muito cinema, muito teatro,
— a literatura. Líamos compulsivamente. Sta-
muita TV. E fazia tudo muito bem.
nislavski era nossa bíblia e Wilker a devorava.
Sua estada na quitinete da Sá Ferrei-
Sua trajetória, hoje, todos nós conhe-
ra foi pequena. E eu também logo me mu-
cemos. Todos nós reconhecemos o grande
dei para um apartamento maior, em Ipane-
ator que explodiu em O Arquiteto E O Impe-
ma, pois meu filho, Yassír Chediak, estava
rador Da Assíria e consolidou uma carreira
para nascer e achei que tinha que dar ou-
brilhante no Teatro, na TV e no Cinema.
tro rumo à vida.
Orgulhoso e consciente de sua Arte,
Esqueci o Wilker e o Wilker me esque-
me recordo da noite em que ele me pro-
ceu. Raramente nos encontrávamos na fei-
curou no Gôndola (restaurante na Rua Sá
ra do livro, na Praça N. Sra. da Paz, em Ipa-
Ferreira, em Copacabana, frequentado pe-
nema, e trocávamos algumas palavras, mais
los atores) e depois de conversarmos um
sobre um romance ou um livro de filosofia
pouco, falou: “Chediak, gostaria muito que
do que sobre Teatro ou Cinema.
você arrumasse um tempinho e visse Tira-
Quando fui convidado para dirigir Bo-
dentes (filme do Joaquim Pedro). Depois a
nitinha, Mas Ordinária, estava pensando no
gente fala de minha interpretação.”
elenco e comentei com minha ex-mulher
Fiquei de ver, mas não cumpri a pro-
que trabalharia apenas com boas atrizes e
messa. Naquela época, eu trabalhava fazen-
bons atores. Ela, imediatamente, lembrou-
do dois, três ou até quatro filmes ao mesmo
se do Wilker.
tempo. Vivia no Estúdio e dedicava o restan-
Eu sabia que era difícil reunir tanta gen-
te do tempo aos bares, às namoradas e, en-
te boa num mesmo filme, pois os bons são
tão, em menor escala, aos livros.
ocupados. Mas, feito o convite, na manhã seguinte o Wilker foi à minha casa e falou: “Chediak, quero fazer. O Edgard....” e naquele momento percebi que ele havia passado a noite estudando a peça, pois falava dela com detalhes, se entusiasmava com falas que já sabia de cor... Já estava tão integrado que, quando disse a ele que ainda me faltava o ator para fazer o Werneck, ele imediatamente sugeriu o Rubens Corrêa, que fez outro personagem (o diretor dos Correios), e se tornou um amigo por toda vida. Dali por diante, trabalhou em todos os meus filmes.
José Wilker: 50 anos de cinema
41
O Arquiteto e o Imperador da Assíria. Acervo: Biblioteca da UNIRIO
Durante as filmagens, conheci outro
“O mineiro só é solidário no câncer”, era
José Wilker: aquele que ficava sentado, em
a frase que ele repetia dezenas de vezes em
silêncio, estudando, estudando, estudando
cena, mas José Wilker foi solidário com to-
e nunca discordava do diretor. O máximo
dos os atores, diretores, técnicos e, princi-
que se permitia era uma ou outra sugestão.
palmente, com o público de sua geração.
E tudo o que sugeria era para acrescentar
Seu nome e seu trabalho ficarão, para
ao filme, nunca por vaidade. Ensaiava diver-
sempre, na história do Teatro, da TV e, prin-
sas vezes até um pequeno gesto, uma infle-
cipalmente, do Cinema Brasileiro.
xão, um modo de olhar. E dava ao personagem o turbilhão de sua genialidade.
Braz Chediak
42
Desenho de Bruno Tapani de O Rei da Vela. Acervo pessoal: JosĂŠ Celso Martinez Correa
José Wilker: 50 anos de cinema
43
A Surpresa do Eterno Retorno do Trans Roque Santeiro, José Wilker Além de São Paulo&Rio, muitas Foguei-
imediatamente de 68 em diante, transfor-
ras de Cultura por todo Brasil estavam
mavam-se em amor, amizade etherna, um fil-
acesas no pré-golpe de 64, mas em dois
me, uma peça, pois nestes anos, nós artistas
lugares o magnetismo era maior: na A Es-
éramos um corpo só, dividido entre porras
cola de Teatro da Bahia y no O Movimento
-loucas × homens sérios caretaços do partidão,
de Cultura Popular ligado a Paulo Freyre
que adoravam os “representativos”, as cele-
y à Ligas Camponesas, criadas por Fran-
bridades da época y odiavam os porras-lou-
cisco Julião em Pernambuco. Eu, total-
cas, a regimália1 dos Coros Desbundados.
mente magnetizado, estava pronto pra me atirar nestas duas fogueiras. Mas o Golpe Civil Militar de 64 apagou, aparentemente, todo fogo.
O Wilker era nômade, perambulando sem morada do Solar da Fossa pra muitos outros pousos, anunciando a era das comunidades, onde desbundados, chegávamos, sem
Wilker catapultou-se pro Rio, pra traba-
palavras, não importa onde y acampávamos.
lhar em Teatro y Cinema. Vi Wilker, em Cena
Uma noite, ele dormiu numa das camas
esquelético y maravilhoso, no Chão dos Peni-
do Flat, não rolou nada, mesmo porque não
tentes de Francisco Pereira da Silva no então
estava previsto pra rolar, chegamos bêba-
famoso Teatro Jovem do diretor menino Kle-
dos y phalamos em teatropolítica&teatro até
ber Santos.
apagarmos.
À parte: O Goggle não só como é caso de
Em 1970, na 2ª Temporada no Theatro
José Wilker, mas de todos atores, na Wilkpé-
João Caetano de O Rei da Vela lotado sem-
dia dá o que foi feito em Cinema e TV, o Tea-
pre o por um público de 1400 pessoas, ele
tro não existe.
fazia AbelardoII.
Fui pro Rio no fim de 1967, pra dirigir
O Patrão, o Banqueiro Agiota, Abelardo
Roda Viva, fiquei hospedado num dos pri-
Primeiro: Renato Borghi perguntava a seu
meiros Flats da Época em Copacabana, no
Empregado, o Leão de Chácara, Abelardo Se-
Posto 6. Lá brilhavam noites fervorosas do
gundo: o José Wilker, depois d’Ele, domador,
verão 68, mesmo depois do Ai 5, pessoas
cadeira como escudo, chicote e balas, mas-
loucas noturnas , queimadas ao Sol y Mar da
sacrar os devedores inadimplentes, feras
Ágora do Posto 9 no Ipanema, onde a produ-
furiosas, saídas das “GRADES DA JAULA”
ção Cultural era Amorosamente, tramada. Nas ondas d’uma dessas noites, encontrei pela primeira vez Wilker. Os encontros
Aberlardo I: Diga-me uma coisa, Seu Abelardo, você é socialista? Aberlardo II: (chega até a boca de cena,
44
levanta o braço esquerdo, punho cerrado e clama carrancudo): Eu sou o primeiro socialista que aparece no Teatro Brasileiro.
dizendo “Good Business”. Teve uma carreira teatral brilhante no Teatro Ipanema tendo feito além do “Arquiteto e o Imperador” com Rubens Corrêa, quase
Aberlardo I: E o que que você quer?
4 peças do extraordinário dramaturgo Zé
Aberlardo II: (abre a carranca num sor-
Vicente, que sagrou o mistério da sexuali-
riso safado) Sucedê-lo nesta mesa.
dade no Teatro.
Aberlardo I: Pelo que vejo o socialismo
Escrevo este texto por coincidência
nos países atrasados começa logo assim... En-
com uma tese sobre O Rei da Vela na minha
trando em acordo com a propriedade...
mesa, tendo na Capa o Rosto gargalhando
Aberlardo II: De fato... Estamos num país semi-colonial! ... Aberlardo I: Onde a gente pode ter idéias, mas não é de ferro.
de Zé Wilker, pintado a partir de uma fotografia já clássica d’Ele , onde se vê a Máscara de sua Personagem, magnificamente redesenhada na página em todos seus de-
Aberlardo II: Sim. Sem quebrar a tradição.
talhes e riscos, criação de Helio Eichbauer,
Wilker estava com um cabelão louro
que ele mesmo refazia cada noite.
leão bem compridão, com madeixas de Rita
Estou lendo a tese pra me impulsionar,
Hayworth bem dos anos 70, trajes de guer-
mais uma vez, pra digitalizar o filme neste
rilheiro revolucionário da America Latina,
2015. O Ministro da Cultura, Juca Ferreira
com um tecido superposto em V, como to-
vai dar um jeito na Cinemateca de São Pau-
dos do elenco, indicando o Caralho, ou a Bo-
lo, uma de suas prioridades. “O Rei da Vela”
ceta no caso das mulheres, maquiado com
está lá guardado, estava pra ser remaste-
o rosto dividido ao meio — bem no muro —
rizado, na sua versão de Cinema dirigida
metade vermelho socialista y no outro olho
por Noilton Nunes, por mim, fotografado
igual ao do Patrão, capitalista animal. O Ges-
por Carlos Alberto Egbert e Rogério Noel,
to fundamental da personagem era a dança
quando houve uma intervenção evitável
de curvar sua coluna pro Patrão, batendo
do MINC, que podia ter feito a prestação
bravamente os pés no chão.
de contas da Cinemateca cercada de Ami-
No final da peça, enterrava a Vela no Cú
gos, sem paralisar, todos seus trabalhos em
de Abelardo I agonizante, arrancava a Coroa
andamento. Todos os técnicos, foram des-
do Rei morto, feita de Lata do Óleo Shell, e
pedidos, deixando as magníficas máquinas
coroava-se como Napoleão, para casar-se
impacientemente ociosas há tempos. Mas
com a mulher de Abelardo I: Heloisa de Les-
O Ministro da Cultura vai conseguir. Todos
bos, Esther Goes. Wilker fazia também Mr.Jo-
então vão poder ver a grande interpreta-
nes, o Americano Lésbico no 2º Ato, mas na
ção Oswaldiana Antropofágica de Wilker,
cena final, era substituído por alguém com a
ah, lembrei, ele usava pra cena um colar de
Máscara da Personagem, que fechava a peça
dentes de fera no pescoço. Vai sair também
José Wilker: 50 anos de cinema
a versão Teatro com os 3 atos seguidos. Na Babel Mundial y Brazylera, onde ninguém sabe de mais nada, as Especta-
45
dor, reaparecendo vivo nas Telas, Telinhas y Telões, gargalhando, no Abelardo II de O Rei da Vela .
culares Máscaras dos Poderes, dos Parti-
Zé Celso
dos, dos 1% mais ricos, dos Grandes EmPresários, das Bancada da Bíblia, dos Bois, das Balas, das Celebridades, derretem-se na Passagem da Era da Infraestutura do
Regimália: palavra dita ou inventada pelo dire-
Mega Capital engolida pela Infra da Vida:
1
da Água, Terra, Ar y Fogo.
tor argentino Victor Garcia para representar a
Diante do que está escancarado, sonho
plebe, os pobres. Foi usada na época da monta-
o Eterno Retorno de Wilker talentosamen-
gem do Roda Viva, numa disputa ideológica en-
te básico, fazendo Cinema Pernambucano,
tre os famosos representativos e os jovens ar-
renascido despindo-se de todas as Másca-
tistas desconhecidos, os Coros Desbundados.
ras do Sucesso, no Teatro: Arquiteto Impera-
Nota explicativa do autor.
Pode-se fazer teatro com ou sem palavras, com ou sem malabarismos, mas não sem ator. O Rei da Vela. Fotógrafo não identificado. Acervo: Cedoc/Funarte
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Se existe uma coisa que é uma grande conquista por parte do ator é o seu estilo de fazer as coisas.
Programa da peça Hair. Fotógrafo não identificado. Acervo: Cedoc/Funarte
José Wilker: 50 anos de cinema
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Eterna renovação “Em 1965 eu ainda vivia em Santos e já era
fumar, ele me prometeu uma camisa por se-
ator quando ouvi elogios a um espetá-
mana longe do cigarro. Foi um péssimo ne-
culo em cartaz no Rio — Chão dos Peni-
gócio — para ele — que me abasteceu de
tentes, de Francisco Pereira da Silva. Via-
camisas ao longo de muitos anos.
jei para assistir à peça inspirada pela his-
No cinema, nos encontramos apenas no
tória do Padre Cícero no Teatro Jovem e
filme For all, de Luiz Carlos Lacerda. No pal-
lembro que fiquei impactado pela força
co ou diante das câmeras, ele se comporta-
de José Wilker, então um ator em começo
va da mesma maneira: inteiro, intenso, mas
de carreira, com um ar de Pierre Clemen-
sem esquecer o prazer da representação.
ti em Belle de Jour, aqueles cabelos soltos
Não se levava a sério demais. Dizia que nada
sobre os olhos puxados.
deveria ser encarado como definitivo. Ele
Em ‘nosso’ segundo encontro, dividimos o palco na histórica montagem de Hair — e
foi — ou melhor ele é — um ator moderno sem ser modernoso.
depois de algum tempo, passamos a nos re-
Talvez por estar em São Paulo quando
vezar, junto com Armando Bogus, no papel
ele morreu, até hoje tenho a nítida impres-
de Claude. Ficamos amigos.
são de que José Wilker está vivo, de que
Ao longo de todos esses anos, o que mais
um dia desses, ele vai telefonar, tão forte é
me chama a atenção sobre José Wilker foi a
a presença dele na minha vida. Ele me acha-
sua eterna renovação como ator. Ele nunca
va muito engraçado e vez por outra falava,
se acomodou. Ele não era um ator careta e
‘Ney, faz uma mágica para eu rir’. Eu fala-
nunca envelheceu, no palco ou na vida, com
va uma bobagem e ele ria. Nós nos divertí-
óculos escuros coloridos, sempre de tênis e
amos muito e acho que também aprende-
ar brincalhão.
mos muito um com o outro”.
O teatro nos reuniu novamente em Capitanias Hereditárias, já no ano 2000, com direção de Miguel Falabella. Chegávamos cedo, por volta das quatro da tarde só para falar bobagem e relaxar até a hora do espetáculo. Ele me mimava — eu fazia chantagem e ele caía. Adorava falar de cinema, era uma pessoa muito culta, solta e generosa. Para se ter uma idéia: quando parei de
Ney Latorraca
48
Aderbal Freire-Filho, Tereza Rachel e José Wilker em A Mãe. Fotógrafo: Marinho Carlos. Acervo pessoal: Aderbal Freire-Filho
Não acredito em slogans. Eles não são bons para viver.
José Wilker: 50 anos de cinema
49
As ruas, a arte, a vida Se eu andar por Ipanema, atentamente,
segui uma vaga na peça porque o francês só
entrar em velhas galerias, dobrar pela
conhecia a Tereza e o Wilker. Para os outros
Farme até o lugar onde foi a livraria do
personagens abriu testes e gostou, não do
José Sanz, voltar à Visconde de Pirajá,
meu talento, mas da minha aparência anos
acenar para o Nelson Dantas, que nun-
70, com barba (o Wilker era sem).
ca deixará também de percorrer as cal-
Na temporada, me coube dividir o cama-
çadas do bairro, tenho certeza de que
rim com o Wilker. Sua origem (artística) era o
vou ver o Wilker. O Wilker dos anos 70,
Recife, mas o primeiro sintoma da sua gene-
vindo da Prudente, de um ensaio de A
rosidade foi ter lembrado logo sua condição
China é azul, no Teatro Ipanema, chegan-
de cearense, do Cariri, para que eu me sen-
do à Praça N. Sra. da Paz, dobrando à
tisse em casa.
direita, entrando na galeria que ainda
O ator marginal, o homem revoltado, era
está lá, mais ou menos em frente ao
ao mesmo tempo um forte, um terno (sem
Chaika, sentando diante do balcão da
perder a ternura, também na sua bolsa, ca-
Iolanda, pedindo um bife à milanesa e
neta vermelha) e um brincalhão. Tinha uma
uma salada (vagem, cenoura, chuchu) e
cena na peça em que ele me passava uma
desaparecendo depois. Para quem tam-
mensagem secreta num papelzinho dobra-
bém quiser encontrá-lo, dou umas di-
do e eu, um espião a seu serviço, abria dian-
cas: ele estará com cabelos compridos
te dele. Uma noite, tinha um cara barbudo,
e levará a tiracolo uma bolsa de pano,
na quinta fila, digamos, à direita. Eu abro o
cáqui, com frases e versos escritos com
papelzinho com a mensagem e o Zé (já era
canetas de várias cores. Os autores da
o Zé, pela amizade) tinha escrito em letra
bolsa do Wilker: Hesse, Camus, Artaud,
pequenininha: “O que você está fazendo,
Genet e outros, exclusivos.
sentado na quinta fila?”. E ainda apontou
Conheci esse Wilker nos ensaios da
pro cara. E ele era um ator concentradíssi-
peça A mãe, do polonês Stanislaw Witkie-
mo, entregue até a alma, daqueles que ras-
wicz, que o francês Claude Régy veio dirigir
gavam o peito e sangravam, como eram os
no Rio, convidado pela Tereza Rachel. De-
atores dos anos 70, os que passavam pelo
pois de O arquiteto e o imperador da Assíria,
Teatro Ipanema mais ainda. Mas essa era
sua fama de ator genial e sua mitologia cor-
a sua diferença pros chatos: não se levar à
riam o mundo, de Copacabana ao final do
sério o tempo inteiro.
Leblon. Eu era um recém-chegado que con-
Lembro de uns anos depois, a amizade
50
mais firme, já tínhamos virado compadres,
tificar a árvore. As manias que adquiriu, de
ele e a Renée morando no alto da Rua Major
estar sempre a par das últimas tecnologias,
Rubens Vaz, na Gávea. Graças à nossa cum-
acho que aquele disco grande que come-
plicidade cearense, descobrimos que a rua-
çou a substituir o VHS e foi imediatamen-
zinha de uma quadra, em frente aos bom-
te substituído pelo DVD, só deu tempo pro
beiros, que liga a Rubens Vaz à praça Santos
Wilker comprar; quando outras pessoas se
Dumont, e onde só existia um posto de ga-
tocaram já não existia.
solina e laterais de um ou dois edifícios, se
Depois, os longos períodos por outros
chamava Rua Quintino Cunha. Uma home-
caminhos. Mas sempre que a gente se en-
nagem ao poeta satírico do Ceará do come-
contrava o calor, a amizade, o riso, a eterni-
ço do século passado. Virou missão cívica
dade. E minha admiração.
promover a rua desconhecida de uma quadra só, se não estava na boca do povo, estaria na nossa: “Por onde você veio?”, “Vim pela Quintino Cunha”; “Como é que vou pro centro?”, “Você pega a Quintino Cunha e desce à direita”; etc. E a gente lembrava morrendo de rir os versos do poeta, com que ele se vingava de um amigo que o convidou para um fim de semana: “Adeus, casinha da fome, nunca mais me verás tu, criei ferrugem nos dentes e teia de aranha no cú”. Depois, a vida. A linda peça dele, que dirigi em 81, Em algum lugar fora deste mundo (deve ter saído da bolsa, caneta preta, esse verso do Baudelaire, que ele usou como título da peça), inaugurando o teatrinho Cândido Mendes (Rua Joana Angélica, caminho do Teatro Ipanema para a Iolanda). A Escola Martins Pena, que ele foi convidado para dirigir e quis que o Alcione e eu fôssemos juntos — nosso trio era afinado. Uma manhã, ele me ligando cedo pra uma participação de amigos numa cena de Bye Bye Brasil. Os natais doces e melancólicos na sua casa — éramos poucos e nos dávamos muitos presentes cada um, para jus-
Aderbal Freire-Filho
José Wilker: 50 anos de cinema
51
José Wilker em 1971. Fotógrafo não identificado. Acervo pessoal: Renée de Vielmond
52
Não sou rebelde, sou intenso.
José Wilker no período da temporada da peça O Arquiteto e o Imperador da Assíria, 1970. Fotógrafo não identificado. Acervo: Cedoc/Funarte
José Wilker: 50 anos de cinema
53
O José Wilker que eu conheci de perto O ano era 1971. A peça era A Mãe, de Sta-
e complicadíssimo. Antes que o diretor o
nisław Ignacy Witkiewicz, e, para dirigi-
confundisse, ele, que não falava francês, o
la, a produtora e protagonista do espe-
pôs no bolso.
táculo, Tereza Rachel, importou o maior
Jogava um charme louco sobre Claude,
diretor da época na França, Claude Régy,
que acabou literalmente apaixonado pelo
que assinou a montagem no Théâtre Ré-
ator, que lhe escorria entre os dedos, num
camier, em Paris, assistida por Tereza com
jogo de sedução de gato e rato, de ironia, o
Madeleine Renaud no papel título.
que não passava, eu acho, de uma estraté-
Wilker foi convidado para protagonista
gia de Wilker para desempenhar seu perso-
masculino, o “filho da mãe”. Para o terceiro
nagem sem ser desestabilizado pelo diretor.
principal papel da peça, a noiva de Wilker,
Bom que se saiba que, através de sua
vivida na montagem francesa por Delphine
técnica angustiada e angustiante de dire-
Seyrig, foram abertos testes. Candidata-
ção, Claude Régy levou Tereza Rachel pra-
ram-se todas as jovens atrizes de 20 anos
ticamente ao paroxismo de desespero.
do país. Tive a sorte de ser a escolhida.
No final, o diretor jogou-nos as duas no
Grande elenco, grande experiência,
chão do palco, esfomeadas, comendo macar-
grandes amigos. Foi também a estreia no Rio
rão frio catado no piso, descabeladas, enver-
de Janeiro de Aderbal Freire-Filho como
gonhadas, sem blusa, irreconhecíveis, com
ator, hoje um grande diretor.
os rostos cobertos por máscaras brancas.
Tivemos todos um contato muito próxi-
Apenas Wilker se salvava em cena. Be-
mo. Foram meses de ensaios intensos. Na-
líssimo, de malha preta, corpo de toureiro,
queles anos, os ensaios estendiam-se por
make up de Nureyev. Ah, Wilker sabido!
quatro, cinco, às vezes seis meses.
Ali aprendi uma lição: José Wilker era
Ensaiávamos no clube Hebraica, da
um sobrevivente em qualquer circunstân-
Rua das Laranjeiras. Wilker costumava be-
cia — da aridez nordestina à angústia de um
ber antes do ensaio. Nos intervalos. E de-
diretor, que não conseguia transmitir o que
pois. Acho que para encarar o diretor fran-
pretendia a um elenco em que poucos en-
cês, nada fácil. Fase da pobreza, a pedida do
tendiam o idioma que ele falava.
ator era conhaque Dreher. Chegava, pedia
O espetáculo era lindo. Os cenário e fi-
um cálice no bar do clube e virava num gole.
gurinos de Joel de Carvalho, maravilhosos.
Wilker gostava de falar por metáfo-
A direção, muito elogiada. Nossos desem-
ras, hipérboles, parábolas. Inteligentíssimo
penhos, idem. Mas, quanto sofrimento!
54
Wilker, o inteligentíssimo Wilker, o ex-
talentoso e se tornar um ator famoso nacio-
tra-talentoso, que entendia das manhas dos
nalmente, constituir família — algumas famí-
artistas manhosos, manteve-se blindado e
lias — ter as casas amplas, com todas as es-
indestrutível, esteve hors concours em cena!
tantes para todos os seus livros, fazer todos
Acho que foi o único ator no mundo
os grandes personagens que sempre quis, ser
que conseguiu dar a volta no diretor fran-
múltiplo, preocupar-se com a memória das
cês com sua tática de desestabilização, que
nossas artes audiovisuais.
levou algumas atrizes famosas aos consultórios de psicanálise.
Já famoso, eu colunista escrevendo sobre TV, publiquei alguma incorreção o envol-
Naqueles anos, o carisma de um gran-
vendo. Em vez de me interpelar por telefo-
de ator não era o Ter. Era o Ser. José Wilker
ne, pois nos conhecíamos bem, escreveu-me
exercia com mérito o carisma da sua real po-
uma carta delicada. Fiz o reparo, assumindo
breza. Vestia a emblemática e surrada rou-
o meu erro com ênfase.
pa caqui, meio à la Guevara. A pé, peregrina-
Revolucionário em sua perspectiva da
va sua legítima falta de dinheiro pela noite
memória artística. Ordinário em suas am-
boêmia teatral, do Leme à Galeria Menes-
bições humanas de conforto, família.
cal, em Copacabana, e depois até Ipanema.
Não foi um qualquer. Antes de tudo, um
Ou de ônibus. Ah, como era bonito ser artis-
reflexivo. Preocupou-se com a pesquisa das
ta pobre e revolucionário!
artes.
Era namorador. Comentava-se dele que
Se eu fosse a Globo, catalogava sua bi-
as namoradas no mundo artístico eram pas-
blioteca, sua videoteca, a discoteca, e lhes
sageiras, pois cortejava mítica noiva secre-
dava um nobre destino, para consulta orien-
ta, em casa de quem almoçava nos fins de
tada e franqueada. Realizava o último sonho
semana, mesa posta, aliança no dedo direi-
do José Wilker.
to, família em volta, pequena burguesia. Diziam que, com ela, e só com ela, Wilker iria
Hidelgard Angel
um dia se casar. E assim foi seu primeiro casamento, com a noiva psicóloga, alheia ao mundo artístico. Isso só conto para ilustrar que havia dois José Wilker. Aquele impulsivo, transgressor, iconoclasta, revolucionário, que falava bonito, quase discursando. Aquele pequeno burguês, com ambições de prosperidade. Os dois José Wilker se fundiram, a partir de seu ingresso na televisão, que lhe deu a oportunidade e o palco para ser plenamente
Texto originalmente publicado em 05/04/2014
José Wilker: 50 anos de cinema
Os Filhos de Kennedy. Fotógrafo: Max Nauemberg. Acervo pessoal: Renée de Vielmond
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56
Daniel Filho, S么nia Braga e Jos茅 Wilker em O Casal. Fot贸grafo: Jos茅 do Amaral. Acervo pessoal: Daniel Filho
José Wilker: 50 anos de cinema
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De volta a 1975 Se eu tivesse que escrever sobre o Wilker,
No dia seguinte, à tarde, ele me telefona
sobre o que ele é para a cultura brasileira,
dizendo que ainda não tinha podido ler o tra-
o que ele foi como pessoa, pediria pelo
tamento final, mas achava perfeita minha vi-
menos um ano. Mas como o pedido era
são na narrativa.
escrever sobre ele e O Casal, achei que
Disse-me ainda que naquela hora os médi-
o melhor era recuperar o que escrevi no
cos estavam dando-lhe um remédio para dor-
press-book do filme na época do lança-
mir, mas assim que acordasse pediria à Maria
mento. Em 1975 foi isto o que escrevi:
Lucia que lesse para ele. E dormiu... era o adeus. Não acordou mais.
Vianinha está fatalmente enfermo. Por ideia
Cearense de Juazeiro do Norte, 28 anos, é
e a pedido de Bráulio Pedroso, o antigo script
um dos atores de maior recurso do teatro e da
autobiográfico do Vianinha é cedido por Rober-
televisão no Brasil. José Wilker chegou ao Rio
to Farias.
com 16 anos, 5 cruzeiros e um bilhete para a
Seria uma homenagem ao amigo, para que
crítica Luiza Barreto Leite para fazer um cur-
ele assistisse a “nossa estorinha” (assim ele se re-
so de cinema promovido pelo Itamaraty. Hoje
feria sobre o script, com Maria Lucia, sua esposa).
é, sem dúvida, um dos cinco maiores nomes do
É exibido no programa Caso Especial com o
incipiente “star-system” brasileiro. E apesar de
título Enquanto a Cegonha Não Vem. É um su-
já ter passado por tudo, desde seu nome figurar
cesso. Tarcísio (Meira) me telefona emocionado.
como último da lista dos “e ainda com...”, consi-
— Daniel, quero filmar esta estória. Sei que
dera-se um “marginal de luxo, como todo ator”.
não tem papel para mim, nem para Glória. Mas
Em O Casal, José Wilker interpreta o pró-
esta estória tem que ser filmada!
prio Vianinha, um sujeito de classe média dian-
Roberto topa tirar da gaveta o original e
te da sublime perspectiva de ser pai e a sucessão
entrar na sociedade. Trabalho no roteiro do
de desencontros do dia a dia. Se alguém ler o ro-
Vianinha. Na TV, o original tinha sido reduzi-
teiro, vai ver como o papel exigiu de José Wilker.
do e adaptado por Bráulio. Em dois meses começaria a filmagem (Tarcísio é apressado). Elenco contratado. Da versão da TV só permanecem Wilker e Ida Gomes.
(Aqui vale uma interferência minha datada de hoje, fevereiro de 2015). O Wilker tinha tido algumas discussões com o Viani-
Faltando 10 dias para começar, o roteiro
nha em reuniões no teatro Opinião. Diver-
final está pronto. Levo pro Vianinha. Conto no
giam, apesar de estarem na esquerda de
que teria mexido. Discutimos, concordamos.
então, da maneira como protestar. É bom
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Sônia Braga e José Wilker em O Casal. Fotógrafo José do Amaral. Acervo pessoal: Daniel Filho
lembrarmos que, no princípio dos anos 70,
Fabio da Corrida de Ouro, fez Ossos do Barão
vivíamos o auge da ditadura militar, mas isto
e Cavalo de Aço. Agora é Mundinho Falcão.
não impediu o ator de usar várias características do autor). Continuando em 1975:
Aqui encerra o texto press-book. Como podemos ver, a vida teatral dele era bem mais rica do que a ainda pequena participa-
Vianinha às vezes pedia no roteiro “cara
ção na TV. Quando o filme estreia, ele e Sô-
de quem está com raiva, mas compreende”, e
nia estão atingindo o estrelato na TV, com
até “leve ar de quem começa a se arrepender”.
o sucesso pessoal em Gabriela. O filme apro-
Transformar isso tudo numa digna represen-
veitou o sucesso da TV dos atores e teve
tação, sem maneirismos e exageros, dando a
uma boa bilheteria. E hoje podemos ver que
impressão de que a vida é vivida na hora, pa-
a dupla que começa neste filme torna-se
rece pouco. Mas é a diferença entre um ator e
eterna, pois segue junta até o campeão de
um grande ator. E José Wilker consegue sem-
bilheteria Dona Flor. Vale a pena ver o prin-
pre esse quase milagre.
cípio desse romance da tela.
Wilker no teatro fez A Via Sacra, A Incelença, O Chão dos Penitentes, A Moratória,
PS.: Wilker e Sônia já eram grandes amigos,
Morte e Vida Severina, Antígona, O Arquite-
pois no teatro tinham estado juntos no fa-
to e o Imperador da Assíria e a inacreditável in-
moso Hair.
terpretação como travesti de Ensaio Selvagem. Na TV foi o filho de Tucão em Bandeira 2 e
Daniel Filho
José Wilker: 50 anos de cinema
De quem terá sido a ideia de associar cinema com pipoca? Andei pesquisando e não descobri.
Sônia Braga e José Wilker em O Casal. Fotógrafo José do Amaral. Acervo pessoal: Daniel Filho
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60
Set de filmagem de Dona Flor e Seus Dois Maridos, na câmera o diretor Bruno Barreto. Fotógrafo: Leo Gandelman. Acervo: Cinemateca Brasileira
Acho que o grande prêmio que o nosso cinema precisa ganhar é a adesão do público.
José Wilker: 50 anos de cinema
61
“A câmera ou eu” Antes de fazer contato com José Wilker
cuidou muito do lado visual de seus filmes, e
para contratá-lo para desempenhar o pa-
a câmera era uma espécie de namorada se-
pel de Vadinho em Dona Flor e Seus Dois
dutora. Nunca nenhum ator ou atriz se in-
Maridos, eu já tinha uma nascente admi-
comodou com esse “namoro”. O Wilker foi
ração pelo seu trabalho como jovem ator
o primeiro e único a protestar num arroubo
que se anunciava uma revelação no pano-
de ciúmes: “Barreto, o Bruno gosta mais da
rama teatral brasileiro.
câmera do que de nós, atores”.
Era aí pelos anos 60 e Wilker, além de mi-
Não sei se foi por causa desse rompante
litante político com origem no MPC de Per-
ciumento do Wilker, mas já a partir do seu
nambuco, integrava o elenco da peça Chapéu
filme seguinte, Amor Bandido, Bruno dei-
de Sebo, de autoria de Chico Pereira.
xou de operar a câmera para se dedicar, de
Minha convivência com Wilker se intensificou durante as filmagens de Dona Flor na
forma ainda mais concentrada, à direção de atores, ponto forte de seus filmes.
Bahia, para onde nos mudamos de mala e cuia e lá permanecemos por três meses. Naquela altura, ele já era um ator a meio caminho da grande consagração que, com todos os méritos, conquistou. Seu talento histriônico, sua apurada sensibilidade, seu vigor e rigor na composição dos personagens era tudo que se podia desejar e esperar de um ator. Sua impostação e projeção da voz não eram fruto de técnica, mas de um dom natural. Na pele de Vadinho, Wilker revelou por inteiro seu talento como comediante, pois sempre foi conhecido e reconhecido como ator dramático, épico, além de sua marca de ator-autor. Bruno Barreto, naquela época com apenas 20 anos, não só exercia a direção do filme como também não abria mão do direito de operar a câmera. Bruno sempre zelou e
Luiz Carlos Barreto
62
Filmes na minha cabeça são feito gente: nascem, crescem, ficam adultos, envelhecem e morrem. Às vezes viram lenda.
Xica da Silva. Fotógrafo não identificado. Acervo: Cedoc/Funarte
José Wilker: 50 anos de cinema
63
O primeiro encontro Conheci José Wilker pessoalmente num
ator, foi direto do hotel para o set de filma-
set de filmagem, o de Xica da Silva, que
gem, onde lhe expliquei um pouco do que
comecei a filmar em janeiro de 1975. Nós
se tratava, prometendo uma conversa mais
tínhamos contratado um ator para fazer
longa para aquela noite. A cena em que
o papel do Conde de Valadares e está-
Wilker estreou no filme era uma das mais
vamos em Diamantina, na segunda ou
difíceis de seu personagem e, concluída a
terceira semana de filmagem, quando
produção, acho que uma das mais bem-su-
recebemos uma mensagem do ator em
cedidas de Xica da Silva — aquela em que
questão que nos pedia para ser liberado
Zezé Motta dança nua para o conde, que
do compromisso, já que tinha recebido
tem, diante dele, um banquete afro-brasi-
um convite para fazer um espetáculo
leiro oferecido em sua homenagem. Depois
teatral que lhe interessava mais. Libe-
de um certo momento, Wilker e Zezé co-
ramos o ator de seu contrato conosco e
meçaram a improvisar a loucura que ficou
partimos em busca de um novo conde.
no filme e eu deixei o barco correr. Há mui-
Nosso produtor, Jarbas Barbosa, en-
to tempo eu não via tanta energia em cena
contrava-se no Rio de Janeiro; liguei para
produzida por um ator que mal conhecia
ele e pedi-lhe que procurasse um jovem
seu papel, que mal sabia o que queríamos
ator pernambucano que eu vira recente-
dele. Estávamos diante da inspiração ilumi-
mente no Teatro Ipanema e que me impres-
nada do talento. Naquela noite, em vez de
sionara muito. Mas dele eu só sabia o nome,
conversarmos sobre o filme como estava
José Wilker. Jarbas foi então ao Teatro Ipa-
previsto, fomos beber no Beco do Mota e
nema em busca do jovem ator e, antes de
ficamos amigos para sempre. Wilker ainda
convidá-lo, chamou por engano para o fil-
fez mais uns cinco filmes comigo e eu pro-
me o grande Rubens Corrêa, que, depois de
duzi o único dirigido por ele.
longa conversa com o produtor, compreendeu que quem este procurava era o Wilker. Por sorte, aquele era o último fim de semana da peça em cartaz e Wilker pôde aceitar a aventura mineira sem maiores prejuízos. Dois ou três dias depois, ele estava em Diamantina e, como estávamos atrasados na produção por causa da saída do outro
Carlos Diegues
64
Sou um radical. Mas como sou também volúvel e instável,
Zezé Motta e José Wilker em Xica da Silva. Fotógrafo não identificado. Acervo: Cedoc/Funarte
posso mudar de opinião daqui a três minutos.
José Wilker: 50 anos de cinema
65
O ator selvagem e a atriz intuitiva “Que ator é esse?”, era o que eu me per-
O encontro entre esse ator selvagem e
guntava ao ver José Wilker em O Arqui-
a atriz intuitiva resultou em uma cena ge-
teto e o Imperador da Assíria, em 1970, no
nial, com um detalhe: foi rodada uma única
Teatro Ipanema. Desde então, virei fã de
vez. Como envolvia muitos preparativos,
carteirinha, assistia a todas as suas pe-
muita comida, a intenção era essa mesma:
ças. Ao saber que dividiríamos a cena em
rodar de primeira. E foi o que aconteceu.
Xica da Silva, fiquei extasiada, pensando:
Inesquecível — e uma das grandes cenas do
“Não estou acreditando, vou contrace-
cinema brasileiro.
nar com esse monstro de dramaturgia!”.
Nosso trabalho seguinte foi na novela
E Xica da Silva foi uma experiência bem
Transas e Caretas, de 1984, em que eu fazia
“doida”. Aquele cara que eu endeusava, ido-
uma diarista que trabalhava para dois ir-
latrava, interpretava o Conde de Valadares,
mãos — Reginaldo Faria e José Wilker, tam-
emissário da Coroa portuguesa, um perso-
bém diretor da novela. Para os atores da
nagem racista que me ofendia, humilhava,
nossa geração, o teatro era a arte “maior”.
maltratava. Graças, porém, ao talento de
Alguns estranhavam o ritmo rápido da TV,
Cacá, mesmo as cenas mais fortes foram re-
a falta de tempo para ensaiar, de amadure-
vestidas de leveza, de ironia.
cer os personagens. Reencontrei o ator ge-
Nosso primeiro encontro no set foi antológico: um banquete oferecido ao conde,
neroso, divertido e sem conflitos. Inteiro e intenso em tudo que fazia.
que se transformou em uma orgia dos sen-
Ao longo dos anos, nos vimos várias
tidos. Xica, “vestida” apenas com um tapa-
vezes. Na penúltima, ele estava um pouco
sexo, dançava para o visitante e, aos pou-
queixoso. Dizia que a vida era muito lou-
cos, a cena misturava sexo com iguarias.
ca, que tinha trabalhado tanto, conquista-
Wilker, totalmente “emporcalhado” de co-
do muitas coisas, mas não tinha tempo para
mida, uivava, gemia de prazer, se contorcia.
curtir. Na última vez, porém, a caminho de
Foi realmente muito impressionante.
um festival de cinema em Búzios, ele esta-
Naquela cena, me deparei com um ator
va ótimo, leve, feliz. E eu fiquei tranquila.
que não tinha o menor pudor, que estava
Posso dizer que, para mim, José Wilker
totalmente aberto para o que desse e vies-
continua a ser o ator deslumbrante que
se. Ele tinha muita experiência de palco e eu
eu conheci nos anos 70. E que nunca me
embarquei nas dicas do Cacá, entrei no clima,
decepcionou.
dava gargalhadas e encarei o Wilker com o que eu tinha de mais forte: a minha intuição.
Zezé Motta
66
Não sou workaholic. Sou uma pessoa preguiçosa que trabalha muito.
Claquete do filme Giovani Improta. Fotógrafo e acervo pessoal: Lauro Escorel.
Gosto mesmo é de pasmaceira.
José Wilker: 50 anos de cinema
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Lembranças de um companheiro de estrada Cena 1. Interior Noite. Sala da Assembleia
superconcentrado. A filmagem foi rápida,
Legislativa do RJ. Junho de 2011.
consistia de uma série de tomadas dele cor-
Por entre luzes e câmeras vejo Othon
rendo pela areia, com um bastão de madeira
Bastos, Milton Gonçalves, Hugo Carvana
nas mãos, golpeando o ar de forma violenta.
e José Wilker em torno de uma mesa, en-
Não creio que tenhamos sequer nos falado
saiando uma cena na filmagem de Giovanni
naquele dia, mas a energia da cena me im-
Improtta. Wilker aqui é diretor e ator. Me-
pressionou e foi esta a primeira vez que vi
lhor dizendo, diretor, protagonista e pro-
José Wilker atuar.
dutor do seu primeiro longa-metragem.
O relógio do tempo dá um salto e esta-
Penso com admiração no enorme de-
mos em 1978. Wilker já é um ator consa-
safio que isso representa para um primeiro
grado. Eu, diretor de fotografia. Surge en-
filme enquanto organizo a nossa próxima
tão a oportunidade de trabalharmos juntos
tomada. Observo o Zé, com um sorriso nos
pela primeira vez. Fazíamos parte da equi-
lábios, impecável no seu smoking, enfrentan-
pe de Bye Bye Brasil. Fomos apresentados
do o calor daquela noite com enorme tran-
pelo Cacá já em plena Transamazônica. To-
quilidade. Sua expressão alegre transmite
dos nós descobríamos esse pedaço do Bra-
o prazer de estar ali, cercado por compa-
sil. O roteiro ia sendo adaptado através de
nheiros de estrada, atuando e vendo cole-
sugestões da realidade, a leveza e bom hu-
gas que ele admira atuarem no seu filme.
mor da sua interpretação me encantaram.
Enquanto o ensaio prossegue, trocamos
Ficou a lembrança do ator se divertindo
olhares que são suficientes para nos enten-
com seu personagem e eu buscando tirar o
dermos quanto ao andamento do trabalho.
melhor partido das luzes que projetava so-
Esta já era a oitava vez que estávamos jun-
bre a figura do Lorde Cigano.
tos em um set de filmagem. A primeira tinha
Na sequência de Bye Bye Brasil, é pro-
sido em 1965, eu era aprendiz de fotógrafo,
mulgada a Lei da Anistia e Miguel Arraes
acompanhando meu amigo Gilberto Santei-
anuncia sua volta ao Brasil. Wilker mani-
ro, então fotógrafo, nas filmagens do curta-
festa a Luiz Carlos Barreto o desejo de ir ao
metragem Paixão, que seu irmão Sérgio rea-
Recife para a ocasião. Luiz Carlos, amigo de
lizava para concorrer ao festival de cinema
Arraes, sugere que eu vá com ele e façamos
amador do Jornal do Brasil.
juntos um registro do dia da chegada.
Nas areias de Copacabana, vi entrar em
Lá fomos nós, acompanhando Wilker no
cena um sujeito esquisito, de cara amarrada,
seu reencontro com o Recife que deixara em
68
O Maior Amor do Mundo. Fotógrafo não identificado. Acervo: Luz Mágica
1964. Lembro da sua alegria naqueles dias
nós fazemos amigos, com grandes intervalos
ao reencontrar velhos amigos do tempo do
entre projetos.
MCP (Movimento de Cultura Popular). Ali fi-
Wilker e eu nos cruzamos rapidamente
quei conhecendo um outro lado do Zé, o Zé
nas filmagens de Quilombo e de Dias Melhores
de antes do sucesso na TV, teatro e cinema.
Virão. E voltamos a nos encontrar, quase 15
Fomos a campo, dividimos o trabalho, teste-
anos depois, quando Cacá me convidou para
munhamos o enorme comício da volta de Ar-
fotografar O Maior Amor do Mundo. Encon-
raes no bairro de Casa Amarela, vimos como
trei um ator mais concentrado do que nunca,
ele era querido por ali e tentamos colocar
sem piadas dispersivas, habitando de forma
essa emoção na nossa pequena reportagem
intensa o personagem dentro e fora de cena.
cinematográfica. Assim teve origem nosso
O filme exigia um trabalho bem marca-
documentário Arraes de Volta.
do de luz e câmara, dentro dos tempos cê-
O cinema alterna períodos em que convi-
nicos estabelecidos pelo Cacá, sincroniza-
vemos intensamente com os colegas, quando
do à meticulosa interpretação de Wilker. Ao
José Wilker: 50 anos de cinema
69
longo de sete semanas, trabalhamos lado a
Wilker era um cinéfilo e ao longo das
lado, em fina sintonia, trocando poucas pa-
nossas conversas preparatórias falamos de
lavras. Um olhar, um gesto eram suficientes
diferentes filmes e autores, dos irmãos Coen
para ajustarmos dúvidas e hesitações. Cos-
a Béla Tarr. Ele estava alegre por filmar o ro-
tuma-se dizer que marcações precisas inco-
teiro da sua filha Mariana. Foi com essa ale-
modam os atores. Para o Zé, ao contrário,
gria que o vi dando telefonemas em busca
parecia divertido alcançar as marcas sugeri-
de patrocínios e convidando colegas atores
das e, ao final, conferir se eu ficara satisfeito.
a se juntarem ao projeto. A fase da filmagem
Fiquei, e muito.
apresentou mais dificuldades do que imagi-
Um dia, já perto do final, ele me cha-
náramos. Ele as enfrentou com galhardia.
mou de lado e me presenteou com um livro
Todas as madrugadas eu passava para
escrito por ele. Na dedicatória, li comovido:
buscá-lo, para seguirmos para o set juntos. A
“Para Lauro, de um relógio para outro reló-
imagem que guardo desses dias é a do Wilker
gio, um abraço do José Wilker”. Me dei con-
à nossa espera, sorridente na porta de sua
ta de que ficáramos amigos.
casa, pronto para mais um dia de trabalho.
Desta vez, o intervalo foi menor e, pouco tempo depois, em A Casa da Mãe Joana, de Hugo Carvana, reencontro o amigo alegre e zoneiro. Ali, ele não parecia estar no set a trabalho. Seu “método” era o da desconcentração absoluta. Ao menos era o que me parecia, e qual não foi minha surpresa ao ver o filme finalizado e descobrir que aquele fora o caminho que achara para criar o personagem daquela comédia. Por ocasião do lançamento do filme, nos encontramos, e ele me conta: “Vou dirigir um longa e quero que você faça comigo”. Convite feito, convite aceito. Já estávamos na era digital e lembro de uma das nossas primeiras conversas. Perguntei: “Vamos fazer com película ou em digital?”. Wilker não hesitou e, se mostrando o homem de cinema que sempre foi, me disse: “Quero fazer em película. Agora que finalmente vou fazer um filme meu, não tem graça não usar negativo!”.
Lauro Escorel
70
Não acredito em slogans. Eles não são bons para viver.
José Wilker, Betty Faria, Fábio Jr. dirigidos por Cacá Diegues em Bye Bye Brasil. Fotógrafo: Ademir Silva. Acervo: Luz Mágica
José Wilker: 50 anos de cinema
71
Para Vigo me voy Na ficção ele foi meu marido, capanga,
Bye Bye Brasil merece um livro. Tudo que
noivo, amante, sequestrador, namorado.
vivemos juntos na Transamazônica, nas es-
Na vida real, um companheiro amigo cuja
tradas no sertão, em Altamira, com piranhas
amizade e confiança foram crescendo à
na beira do Rio São Francisco, em Belém do
medida que os anos foram passando.
Pará, onde tivemos um incêndio no set do Pa-
Nós nos conhecemos em 1966 no Teatro
lácio dos Bares, o que nos obrigou a parar por
Jovem, onde encenávamos a peça João, Amor
20 dias para repor materiais danificados...
e Maria, e depois dos espetáculos, estudáva-
tantas experiêcias durante essas filmagens.
mos e fazíamos laboratório baseados no Método Stanislavski até altas madrugadas. Ali, já começamos uma relação de parceria que me divertia muito e me instigava a estudar profundamente o método, pois Wilker era seriíssimo, mas sempre com aquele humor! Uns cinco anos depois, lá estávamos nós fazendo uma novela inovadora na TV Globo: O Bofe, de Bráulio Pedroso, mas o Zé detestava o papel. Um dia, ele me confidenciou: “Vou pedir pra matar o personagem”. “Mas como, Zé? Como ele vai morrer?” “Simples. Ele vai morrer de rir”, respondeu o Zé seriíssimo. E foi o que aconteceu. O personagem morreu de tanto rir. Perdi a conta dos trabalhos que fizemos juntos na TV e no cinema. Novelas, séries, filmes. Impossível contar tantas estórias de bastidores aqui, mas seguem algumas: O Casal, momento importante de minha vida, quando descobri que estava grávida de meu filho João; O Bom Burguês de Oswaldo Caldeira; For All — O Trampolim da Vitória; Bye Bye Brasil e Casa da Mãe Joana 2.
Bye Bye Brasil. Fotógrafo: Ademir Silva. Acervo: Luz Mágica
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Meses depois, estávamos indo para o Festival de Cannes. Zé fazia troça do meu
Vou lançar a
deslumbramento quando eu mostrava os vestidos que tinha levado para o red carpet. E chegou a grande noite. Subimos de bra-
minha candidatura
ços dados as escadas do palais do Festival e quando terminou a exibição e o público bateu palmas de pé, ficamos tão felizes e in-
à Presidência
crédulos que saímos pulando como crianças, gritando pela Croisette: “Para Vigo me voy”. A farra foi até de madrugada, e não conseguimos acordar cedo na manhã seguinte para as entrevistas marcadas. Essa comemoração nos custou um grande puxão de orelhas de nosso diretor Cacá Diegues, que tinha toda razão. Zé era assim. Estudioso, culto, cada dia ficava mais informado, cinéfilo apaixonado, sempre a par dos últimos lançamentos, e brincalhão, piadista, com um humor surpreendente. Achava que ele estava cada vez melhor, como pessoa e ator. Tão poderoso que às vezes eu pensava que ele ia enterrar a todos nós. E mais uma vez, ele nos surpreendeu e foi-se embora. SAUDADES, ZÉ, SAUDADES ETERNAS.
Betty Faria
da República.
José Wilker: 50 anos de cinema
Betty Faria e José Wilker em Bye, Bye Brasil. Fotógrafo: Ademir Silva. Acervo: Cinemateca Brasileira
73
74
Lucélia Santos e José Wilker em foto de porta de cinema de Baixo Gávea. Fotógrafo não identificado. Acervo pessoal: Marcelo Laffitte
Atores e rebeldes se parecem. Teoricamente, jamais estão contentes.
José Wilker: 50 anos de cinema
75
Um mito, um ator excepcional A minha primeira lembrança de José
mas não era expansivo. Era sim, sempre, um
Wilker é a de mito. Quando cheguei ao
superprofissional.
Rio de Janeiro, em 1974, ele já era um
Mais tarde, como diretor da TV Man-
tremendo ator, muito bonito, e reina-
chete, ele me convidou para protagonizar a
va no Teatro Ipanema ao lado de Ru-
novela Carmem — na qual ele teria uma par-
bens Corrêa e Ivan de Albuquerque. Eu
ticipação depois de algum tempo como Ca-
estreei no Rio com o musical Godspell, e
milo, um dos muitos namorados da perso-
Wilker assistiu. Esse foi nosso primeiro
nagem. Lembro que fizemos uma sessão de
encontro — mas eu não sabia. O Rio fer-
fotos sensuais para divulgar a parceria —
via de pura emoção e o Teatro Ipanema
eu sentada no colo dele, pernas cruzadas à
tinha um papel importante nessa agita-
mostra, olho no olho. Ele parece ter se sur-
ção. Mas nunca, nos meus maiores so-
preendido e falou: “Nossa!”. Rimos muito.
nhos, eu me via atuando ao lado dele ou no palco daquele teatro.
Tivemos esses dois bons encontros profissionais mas não ficamos amigos. Lamento
Nosso segundo encontro eu também
profundamente nunca termos feito teatro
não vi: fui chamada por Rubens Corrêa para
juntos. Wilker era um ator excepcional, exu-
fazer um teste para Rock Horror Show. Ga-
berante no seu talento. Esse era o seu maior
nhei o papel, a peça foi um enorme sucesso,
diferencial — como pessoa e como artista.
marcou época. Wilker estava na estreia — mas eu não sabia. Nosso primeiro encontro profissional só aconteceu anos depois, com Bonitinha, Mas Ordinária, de Braz Chediak, em 1981. Eu já tinha feito Escrava Isaura e outros trabalhos na TV, e finalmente nos cruzamos em um filme polêmico e ousado, que foi um marco na minha carreira e na minha vida. Zé fazia meu noivo. As cenas de curra são consideradas ousadas até hoje. Contracenamos relativamente pouco nesse filme, mas valeu! A minha lembrança do Zé é a de um ator “na dele”, muito internalizado. Tinha humor,
Lucélia Santos
76
Esse exercício de domínio total e absoluto do espaço cênico no teatro não tem preço. Na TV, a câmera faz isso por mim. Assim é (Se Lhe Parece) de Luigi Pirandello. Fotógrafo: Gaston Guglielmi. Acervo pessoal: Claudia Dottori
José Wilker: 50 anos de cinema
77
“Estamos quites, Zé” Sempre admirei o Wilker. Como ator de
com ele a milimetragem do quanto pode-
teatro de grupo, venerava uma foto famo-
ria levantar aquele pé para não atrapalhar
sa de O Arquiteto e o Imperador da Assíria,
o espetáculo.
espetáculo que não assisti mas, mesmo assim, influenciou meu trabalho.
Era um elenco fabuloso: Nathalia Timberg, Ary Fontoura, Nildo Parente, Cristina
Quando ele me convidou para a nove-
Pereira, Yara Amaral, Vic Militello, Alexan-
la Transas e Caretas, vim de São Paulo para
dre Zachia, Mario Cesar Camargo, Henri-
uma reunião na sala do Paulo Ubiratan, di-
queta Brieba. Difícil reunir um elenco como
retor da Globo. Eu tinha acabado de dirigir
esse hoje em dia.
Feliz Ano Velho, e o Paulo, de brincadeira,
Na sequência, fui convidado para dirigir
disse que estavam me chamando por cau-
Sábado, Domingo e Segunda, do Eduardo De
sa de um comercial de dentifrício e não por
Filippo, e não aceitei — preferi dirigir uma
causa de meu trabalho no teatro. Não acei-
peça brasileira no Teatro Ipanema. Ofereci
tei o papel que me ofereceram e fui des-
a direção ao Wilker, que fez o maior suces-
cendo pelo elevador. Quando cheguei no
so, ganhando todos os prêmios, enquanto
térreo, lá estava o Wilker, que desceu pela
eu fracassava na minha missão no Ipane-
escada correndo e me ofereceu um outro
ma. Me arrependi de não ter dirigido Sába-
papel, o pintor Laerte, um mau caráter im-
do, Domingo e Segunda, mas não teria con-
portante na trama. Nesse momento, co-
seguido fazer tão bem quanto o Zé. Pensei:
meçamos uma parceria e uma cumplicida-
“Ele fica me devendo essa”.
de que nos uniu pra sempre.
Seguimos como parceiros na vida, e
Dirigi o Zé em Assim É, Se Lhe Parece, de
nos filmes de Sergio Rezende nos embre-
Pirandello, no Teatro dos Quatro. A peça
nhamos juntos pelo sertão da Bahia. Fi-
foi um sucesso imenso. O público ficava
zemos Doida Demais, com Vera Fischer, e
fascinado de ver de perto, com um show
Guerra de Canudos. O Zé, sempre levan-
de interpretação ao vivo, o Roque Santei-
tando a batina surrada do líder carismáti-
ro da novela. A peça parava cerca de cinco
co para pegar o cigarro no bolso da calça.
minutos na entrada do Wilker, só para que
Sempre com um livrão debaixo do bra-
o público comentasse seu deslumbramen-
ço, levantando os óculos para conversar
to. E ele dominava a todos sentando com
no meio da maquiagem, enquanto a bar-
um pezinho levantado que desviava a aten-
ba enorme era colada fio a fio pelo mestre
ção dos espectadores. Cheguei a discutir
mexicano Martín Macías Trujillo. As noita-
78
das nos botecos no meio do sertão, quan-
cávamos abismados com a capacidade que
do enfiava o pé na jaca sem dó. Algumas
ele tinha de comprar coisas boas e gastar
vezes, o vi dormindo no sofá de courvin no
dinheiro. Lembro de um comentário da Ma-
humilde saguão do hotel. Zé não sabia pa-
riza Leão conversando com outra mulher,
rar quando começava a beber. Mas nunca
uma atriz, acho que foi a Marieta Severo,
o vi metido em alguma briga ou confusão.
de como era gostoso viajar pro exterior e
Minto. Uma vez presenciei um esforço
fazer compras com o Wilker. Diferente de
físico entre o Zé e o Vereza numa animada
qualquer marido que não aguenta acompa-
assembleia do nosso Sindicado dos Artistas
nhar as mulheres nas compras, Wilker era
no Teatro Princesa Isabel. Foi no palco. Ve-
um companheiro excepcional também nes-
reza atacou o Zé e tudo se resolveu em al-
ses momentos.
guns sopapos aos quais assistimos atônitos. Não sei quem ganhou, mas torci pelo Zé.
Invejei o Wilker ouvindo aquela conversa como o invejei muitas vezes!
Ele me tirou da Globo e me levou para
Acho que o Wilker foi o ator mais bem
a Manchete, e me deu o papel de protago-
invejado que eu conheci. Por mim, posso
nista na novela Carmem, de Gloria Perez.
atestar que invejava sua cultura, seu inglês,
Comecei a produção de Fera na Selva, base-
sua forma de levar a vida se tratando bem,
ada em livro de Henry James com adapta-
se vestindo bem, assistindo a todos os fil-
ção de Marguerite Duras, que ele traduziu
mes, lendo todos os livros.
e dirigia, mas a peça não chegou a ser mon-
Uma vez, presenciei uma discussão so-
tada devido à morte do ator Carlos Augus-
bre os rumos econômicos do Brasil com o
to Strazzer durante o período de ensaios.
Aloizio Mercadante. Os dois estavam sen-
Mais tarde, sonhamos em fazer um filme
tados no chão na casa do amigo petista e
baseado na mesma obra, com Eliane Giar-
professor da PUC Adair Rocha. Não entendi
dini, mas não conseguimos arrecadar a ver-
nada do que eles falavam, mas lembro que o
ba necessária. Vou filmar essa obra agora
Wilker estava botando o Mercadante no chi-
— finalmente — e queria tanto ter o Wilker
nelo. Sabe aquele tipo de discussão que mes-
por perto! Muitas vezes pedi a adaptação
mo sem entender você percebe claramente
que ele fez, nas quatro estações do ano em
quem está ganhando? Ele era brilhante em
Portugal, mas ele nunca achou.
tudo que fazia. Nas reuniões na casa do An-
Fomos sócios da Casa da Gávea, que ele
tonio Fagundes todos paravam para ouvir
ajudou a criar comigo, Antonio Grassi, Elia-
suas opiniões, porque eram as mais abaliza-
ne Giardini, Rafael Ponzi e Cristina Pereira.
das. A voz grave, outra inveja que qualquer
Em nossas reuniões intermináveis, o
outro ator deveria sentir, aquele vozeirão fa-
Wilker sempre aparecia com uma sacola de
lando bem baixinho e explicando como fun-
discos e filmes que havia comprado na extin-
cionavam as estruturas do poder, como as
ta Gramophone, no Shopping da Gávea. Fi-
comunicações se desenvolveriam com a che-
José Wilker: 50 anos de cinema
gada da internet, os novos tablets.
79
Guardei muitos de seus discos que estavam
Aquele gesto característico de levantar
na Casa da Gávea. Guardei muitas imagens,
os óculos, com os aros mais modernos. As
causos de set, momentos de grandeza, suas
roupas extravagantes, o tênis cor-de-rosa
falas brilhantes e herdei dele um dos melho-
que ele usava. Os filmes que via, o conheci-
res papéis que fiz em novelas — Téo Pereira,
mento sobre o cinema, a paixão pelo teatro
o blogueiro caricato de Império. O papel se-
e pelo cinema.
ria do Wilker. Quando ele morreu, passaram
As histórias que ele contava. O pai que
para mim. No início, fiquei até constrangi-
guardava o caixão debaixo da cama para
do, mas depois me lembrei de ter dado a
não dar trabalho quando morresse. O tio
ele a direção de Sábado, Domingo e Segun-
que era amasiado com uma cabra (!) e que
da, e isso me consolou. Estamos quites. Co-
lhe virou a cara em protesto quando ele
loquei óculos iguais aos que ele usava, pedi
apareceu nu como Vadinho de Dona Flor e
sua proteção e inspiração e fui para a gra-
Seus Dois Maridos.
vação, confiante de que Wilker estava comi-
O riso convulso parecendo que ia explo-
go. Deu certo. Sinto orgulho de ter sido seu
dir. A forma de trabalhar o texto obedecen-
parceiro, seu sócio e companheiro de traba-
do às vírgulas, aos pontos.
lho, e poderia falar sobre ele a vida inteira...
A cultura imensa. As lembranças do Recife e das ligas camponesas onde começou a fazer teatro. A elegância. O charme. O mau humor calculado. As tiradas de efeito. Fui dirigido por ele num especial que ele adaptou da fábula da Cinderela, com Grande Otelo. Fizemos juntos os malandros dos filmes do Carvana. Almoçamos e passamos muitos aniversários no set de filmagem. Quando vi seu corpo estendido dentro de um caixão no palco do Teatro Ipanema, sem flores, com aquela elegância de sempre e o tênis cor-de-rosa, não acreditei — pensei que alguém iria gritar “corta” e ele se levantaria rindo e dando um daqueles arrotos despachados. Mas não aconteceu. Agora, com a garganta travada pela emoção, percebo que eu morri um pouco também naquele momento. Perdi um amigo arisco mas infalível.
Paulo Betti
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A televisão mostrou para o Brasil
José Wilker e Rubens Corrêa em O Arquiteto e o Imperador da Assíria. Fotógrafo: Alair Gomes. Acervo: Cedoc/Funarte
o melhor e o pior do Brasil.
José Wilker: 50 anos de cinema
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Bravura circense Cena 1. Teatro Ipanema, 1970, O Arquiteto
o Sr. Adolfo. Mas José Wilker era irresistí-
e o Imperador da Assíria. Direção de Ivan
vel. Mais uma vez, tive a certeza de que mi-
de Albuquerque.
nha vida iria mudar.
Teatro lotado. No palco, José Wilker de corpo seminu em diálogo com Rubens
Cena 3. Corredores da TV Globo, Jardim
Corrêa. Audácia. Irreverência. Talento. No
Botânico.
início da juventude, eu estava impactada
Eu e Zé, depois do lindo sucesso, nos re-
com a máxima expressão corporal, visce-
encontramos num grande fracasso nos cor-
ral e vertiginosa. O Belo. Dentro de mim,
redores da TV Globo. O Zé, debochado, ir-
uma certeza: aquela peça mudou o rumo
reverente, crítico, desabafava sua irritação
da minha vida.
cômica por ter que dizer “tanta merda”. Mas lá estava ele, o ATOR profissional cumprin-
Cena 2. Sala do prédio da Manchete, 1982.
do sua rotina em seu mais brilhante ofício,
Wilker é diretor artístico da TV Man-
mesmo que, de vez em quando, tivesse que
chete. Acaba de chegar. Eu, debutante na
dar um “tapa no cego” — como ele divertida-
direção. Fã daquele extraordinário artista.
mente chamava quando saía pra cumprir al-
Um criador!!! A adaptação que tinha nas
guma tarefa periférica ao cinema, teatro ou
mãos de Helena, de Machado de Assis, não
televisão.
me satisfazia. Queria a irreverência, a crítica, a brasilidade, o humor e, claro, para isso,
Cena 4. Páscoa, Casa de amigos em Jaca-
transpor alguns personagens para o folhe-
repaguá.
tim. Inconscientemente, buscava uma lingua-
Eu fazia 41 anos. José Wilker chega para
gem própria, diferenciada. O chefe — José
o churrasco e samba agarrado a um enor-
Wilker — juntou autores que pudessem tra-
me coelho de pano. Ele nos apresenta o co-
duzir aquele desejo.
elho de pernas longas e coloridas como seu
José Wilker: irreverente, criador, anár-
inseparável amigo. Sua timidez não permi-
quico, como “chefe” apostava na mulher di-
tiu que fosse sozinho a uma festa cheia de
retora que queria arriscar. Na sala ao lado,
gente que não conhecia. Sempre acompa-
Adolfo Bloch e seu cachorro, hipnotizados
nhado de mulheres bonitas, algumas com
pelos argumentos do novo diretor artísti-
quem se casou, começava ali uma longa jor-
co José. Precisaríamos de mais tempo, pes-
nada. Agarrado ao boneco amigo. Dançou,
quisa e dinheiro... apostar na criatividade.
conversou, divertiu-se e divertiu amigos e
“Você quer me levar à falência?”, retrucava
colegas de trabalho.
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Querido amigo, como entendi sua solidão e a sua bravura circense (também cearense).
Cena 8. Abril, Teatro Ipanema: O corpo morto do Zé exposto, vestido como um boneco divertido. (Bel e Mariana
Cena 5. Casa do Zé, aniversário do Zé.
queriam vê-lo e mostrá-lo assim.) Menino
Comecei a frequentar encontros de ani-
eternamente irreverente. Colorido Perna-
versários do Zé. Sempre os mais íntimos
longa. Arrebatador. Ali agradeci a TUDO o
amigos, poucos, os de sempre. Todos os anos
que fez mudar em mim, enquanto sua mu-
nos reencontrávamos no mesmo lugar. Zé
lher Claudia, as filhas Bel e Mariana planta-
gostava de conversar. Suas filhas, minhas
vam à sua volta um jardim de orquídeas bran-
queridas Mariana e Bel, cresciam belas.
cas, trazidas do jardim de sua casa. Alguns
Zé, visivelmente e discretamente, cele-
quadros reproduziam seus personagens que
brava sua vida em sua casa cheia de livros, fil-
nunca deixaram de habitar o meu imaginário.
mes, discos, CDs e DVDs, ideias, cinema, teatro, literatura, prêmios e orquídeas, muitas orquídeas. Saudosos e imperdíveis encontros.
Epílogo: Admirável amigo, só um ano se passou. Sua Bel fez uma participação maravilhosa
Cena 6. Outubro, 2002. Maternidade
na minha novela. Arrasou com sua estreia
Nasce Antonia. Surpreendente, Zé Wil-
no CCBB. Fiquei pasma ao vê-la no palco
ker chega no quarto com Guilhermina. O ho-
— nua, Zé! Linda, Zé! Incrivelmente talen-
rário era quieto. Zé, hipnotizado ou já hipno-
tosa, Zé! Arte pura, Zé! Teatro cabeça, Zé!
tizando aquela bela bebê. Em extremo silên-
Mônica me pediu pra desenvolver uma
cio firmavam uma amizade. E como Antonia
minissérie para TV. Eu então pensei: Taí uma
adorava os aniversários na casa do pai da Bel:
ótima ideia para a Mariana adaptar e roteiri-
“Só lá tinha cinema e filme para crianças”.
zar. O que você acha? Seus queridos amigos colaboram na
Cena 7. 30 de março de 2014. Minha casa
preparação de uma retrospectiva em sua
no Leblon
homenagem.
Uma linda orquídea — poderosa, forte
Vamos continuar celebrando você.
e definitiva chegava com seu divertido cartão. Ele não pôde vir ao meu niver, mas lá estavam as palavras do generoso amigo, cúmplice e conselheiro profissional. Mais uma orquídea especial: dessa vez, nada discreta — tinha cor de vinho. Zé não foi um cara discreto nem na profissão nem na vida, mas discretamente se despedia sem saber.
Denise Saraceni
José Wilker: 50 anos de cinema
Fotografias da revista Quem? Fotógafo não identificado. Acervo pessoal: Rennée de Vielmond
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Humildade é uma palavra que não está no meu dicionário.
Maitê Proença, José Wilker e Walter Carvalho em Los Angeles. Fotógrafo: Eduardo Figueira. Acervo pessoal: Walter Carvalho
José Wilker: 50 anos de cinema
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Suavizado pelo tempo Data: 1986
De fato cuidaram: antes de rodar, pa-
Hora: Duas da manhã
ramos numa deli para comprar uma garra-
Local: Quinto andar de um prédio em ruínas
fa de Jack Daniel’s e, como eram 7 horas da
Estava de cabeça pra baixo jogando água
manhã, imaginei que fosse para a cena. Era
nos cabelos para retirar a gororoba que se
para o Zé. Essa foi a abertura dos traba-
havia sido colada na cena do filme A Dama do
lhos, e não vou contar os detalhes dos dias
Cine Shanghai. Toca o telefone (não sei como a
que passamos lá porque a censura me im-
produção conseguiu uma linha naqueles des-
pede, mas o fato é que, independentemen-
troços) e é Adolpho Bloch. Muito excitado,
te de documentos ou de um plano mínimo,
ele explica que a menina (era como me cha-
nós saíamos rodando por todos os cantos
mava) estava sendo convocada para salvá
de Beverly Hills e redondezas, apontan-
-lo. Sônia Braga havia desistido de sua par-
do a câmera para ruas, pros bares, para
ticipação na novela Corpo Santo e eu seria
astros e estrelas, e para todo canto que o
sua substituta. Tentei argumentar que me
Zé achasse interessante, dizendo o que o
encontrava comprometida com um longa-
Zé achasse interessante, do jeito que o Zé
metragem, etc., mas Dr. Adolpho não quis
achasse interessante.
saber: a menina embarcaria para Los Ange-
Waltinho gravava tudo como se não
les dali a dois dias porque a equipe já a es-
houvesse amanhã. Se alguém tropeçasse
perava na Califórnia.
no cabo de câmera (naquela época havia
A equipe, fiquei sabendo, consistia do
cabos, e bem grossos), se alguém resolves-
fotógrafo Walter Carvalho e de meu parcei-
se processar a equipe, bom, “se acontecer,
ro de cena, dublê de diretor, José Wilker. Um
a Manchete cuidará depois”.
paraíba e um cearense, vixe (naquela época
Às 12 horas do primeiro dia eu havia
a gente podia pensar essas coisas sem que
compreendido as regras. Entrei numa deli,
ninguém ficasse ofendido). Fui. Aterrissei
comprei três galões de Saporo, uma cerveja
cedo e, após uma breve conversa com Wil-
japonesa que já vinha condicionada em gar-
ker, saímos para a gravação que aconteceria
rafa térmica e, aos goles ininterruptos, en-
pelas ruas da cidade.
trei no clima. Ficamos nisso por uns dez dias.
“Mas nós temos autorizações?, aqui é
Devo admitir que, por receio, nunca assisti ao
tudo muito regulamentado...” “Não se pre-
resultado das cenas, mas também não soube
ocupe, pense no que tem a fazer e nós cui-
de qualquer reclamação por parte do público
damos do resto.”
ou crítica, e, tampouco, do Dr. Adolpho.
86
Depois disso, encontrei o Zé muitas ve-
Manteve o fulgor da inteligência, depu-
zes, algumas a trabalho, outras por aí, e, por
rou seus conhecimentos, ampliou-os e nun-
fim, contracenamos no remake de Gabriela.
ca perdeu a graça, mas, sobretudo nos úl-
Ele fazia meu marido, extraordinariamente,
timos tempos, tornou-se afável. Era gentil,
com sutileza, crueldade e humor. O público
cavalheiro e muito doce. Que alento recos-
viu. Mas para mim, no íntimo, o reencontro
tar entre cenas e conversar sobre tudo. Su-
teve mais. Zé sempre se mostrara irônico,
avizado, José Wilker havia se transformado
sarcástico, duro de atravessar para enxer-
num homem Bom. Acho que foi-se embora
gar dentro; ele não deixava. Agora estava
porque não daria pra melhorar mais.
diferente. Poucos são os que melhoram ao longo da vida — o Zé melhorou.
Maitê Proença
Minissérie Gabriela. Fotógrafo: Estevam Avellar. Acervo: Cedoc/Globo
José Wilker: 50 anos de cinema
Os Filhos de Kennedy. Fotógrafo: Max Nauemberg. Acervo pessoal: Renée de Vielmond
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88
O Homem da Capa Preta. Fot贸grafo n茫o identificado. Acervo: Cinemateca Brasileira
José Wilker: 50 anos de cinema
89
E aí, Zé? “E aí, Zé?” Quase trinta anos de amizade
va de gracinha com ninguém, muito menos
e parceria, mas nunca perguntei assim.
com os atores com quem contracenava. Re-
Eu dizia: “E aí, Wilker?”. Para os amigos
sultado: concentração absoluta de todos,
era Zé e eu também fui amigo. Mas insis-
equipe e elenco. Aprendi isso com ele, fil-
tia no Wilker. Havia uma certa cerimô-
mar é como bater pênalti na final de cam-
nia, que nunca mascarou o afeto. Era um
peonato. Podemos brincar, mas só depois
jeito que nos convinha.
que a bola estiver na rede.
Conheci o Wilker muito antes dele me
Uma noite ele me procurou depois da
conhecer. Nos palcos: Teatro Ipanema, Te-
filmagem para avisar que não viria no dia
atro Jovem; nas telas dos cinemas e da te-
seguinte, tinha um compromisso familiar.
levisão. Embora nossa diferença de idade
Falou que tinha me falado. Eu não lembra-
não fosse tão grande, ele já era um mito e
va. De fato não veio. Mas eu filmei, sem ele.
eu um quase estreante quando finalmente
Arranjei um dublê, fiz planos gerais, nada
nos encontramos para filmar O Homem da
importantes dramaticamente. Mas filmei.
Capa Preta. Achei incrível que ele topasse
Claro que ele ficou sabendo quando veio fil-
fazer. Achei inacreditável o que ele fez. Foi
mar na manhã seguinte. E não gostou. Mas
uma bênção divina assistir dia após dia, no
não disse nada. No camarim, bebeu uma
set, a criação de uma grande obra de arte,
ou duas garrafas de vinho, coisa que nun-
a sua interpretação de Tenório Cavalcanti.
ca fazia. Ficou ali naquela corda bamba. Eu
Wilker dizia sobre as filmagens: “Tem
também não disse nada, e filmamos. Aca-
que acordar cedo, é longe, demora...”. E era
bou sendo uma das minhas cenas preferi-
verdade, pelo menos nos dois primeiros que-
das no filme, Tenório feito um louco acuado
sitos. Filmamos em Caxias e São Gonçalo,
em sua casa, esbravejando com Manezinho
do outro lado da baía. Ele nunca foi de re-
(Chico Diaz), um de seus cabos eleitorais.
clamar, mas não dava moleza pra ninguém.
Foi uma das melhores noites da minha
Vestia o figurino, abria um livro e aguardava.
vida quando ele assistiu ao filme pela primei-
Esperava o momento em que seu olhar cru-
ra vez, sozinho na cabine de uma produtora.
zasse com o de César Charlone, fotógrafo
Colocando cada tijolo nas paredes, finalmen-
do filme, para discretamente olhar o relógio
te viu a casa pronta. Surpreendeu-se. Seu re-
de pulso. Sutilmente, mandava seu recado.
conhecimento ao trabalho que tínhamos fei-
Wilker não era refresco, era suco concentrado. Impunha tensão no set. Não fica-
to foi meu diploma de diretor de filmes. O Homem da Capa Preta ganhou o Fes-
90
Fábio Jr., José Wilker, Mariza Leão e Sergio Rezende em Cannes, na época da apresentação de Bye Bye Brasil. Fotógrafo não identificado. Acervo pessoal: Sergio Rezende
tival de Gramado que, naquela época, era o
Juntos ainda fizemos Doida Demais, Guer-
mais importante do país, e Wilker foi eleito o
ra de Canudos e Onde Anda Você. Eu man-
melhor ator. Na pré-estreia no Rio, no Roxy,
dava o roteiro e deixava que escolhesse o
em Copacabana — uma sala imensa que anos
personagem.
depois foi dividida em três ou quatro —, su-
E agora isso acabou. Inacreditável.
biu ao palco com Tenório. Vê-los lado a lado
Cadê você, Zé?
dava a dimensão de seu trabalho. Não eram fisicamente parecidos. Mas na tela... Wilker ganhou dinheiro na profissão — e mereceu. Mas nunca o vi fazendo jogo duro com cachê. Nunca. E soube de muitos trabalhos que ele fez de graça.
Sergio Rezende
José Wilker: 50 anos de cinema
91
Através do cinema, eu posso entender minimamente o que acontece no Brasil. E, entendendo o Brasil, compreender alguns filmes e até perdoá-los.
Doida Demais. Fotógrafo: Giselle Chama. Acervo: Cedoc/Funarte
92
Ant么nio Fagundes e Jos茅 Wilker em Besame Mucho. Fot贸grafo: Luciana de Francesco. Acervo: Cinemateca Brasileira
José Wilker: 50 anos de cinema
93
Relógios ao longo do tempo Conheci José Wilker no início dos anos
das câmeras e atrás delas em seus momen-
80: eu estava dirigindo um filme com lo-
tos de folga.
cação em Itatiaia, e Renée de Vielmond,
Ao lado da assistente de vídeo, minha
sua esposa, fazia par na tela com Walmor
filha Arina, Zé acompanhava take por take,
Chagas. Zé a acompanhava e, discreta-
cena por cena. Um dia, ela elogiou o reló-
mente, ficava esperando fora do set. Um
gio que Zé usava (uma de suas paixões). Ele,
dia, fui encontrá-lo após a filmagem. Eu
sem hesitar, tirou o relógio do pulso (um
já o conhecia de teatro e cinema, e tinha
bonito relógio vermelho sem ponteiros) e
por ele grande admiração. Logo passa-
deu a ela. O relógio está comigo, como ele
mos a conversar como se fôssemos ami-
ainda está e estará.
gos, descobrindo que além do amor ao
Lembro-me também de descobrir, ao en-
cinema — seu conhecimento era não só
cenar uma cena nesse filme, que ele falava
enciclopédico mas profundo —, tínha-
com as mãos. Tirei proveito disso na época
mos muito a falar. Teve assim o início
e também em outro filme que fizemos juntos.
de uma amizade que terminaria como se
Falávamos muito sobre a comunicação
eu tivesse acordado de um pesadelo re-
de suas mãos e o que isso representava para
cebendo a notícia: “A vida é finita e meu
ele, um ator completo em teatro, cinema, te-
amigo encerrou um ciclo”.
levisão. E haja filmes, teatro, livros e pensar
Desde esses primeiros papos, pensáva-
a vida: nada era pouco! Teríamos outro en-
mos em trabalhar juntos. Algum projeto apa-
contro tempos depois: convidei-o para diri-
receria para nossos sonhos comuns. Veio a
gir uma peça de teatro que eu produzia com
primeira oportunidade. Ainda nos anos 80,
Hector Babenco, A Morte e a Donzela, de Ariel
fizemos Besame Mucho, uma comédia dramá-
Dorfman. Daquela vez, era eu quem estava
tica rodada em São Paulo e no interior do es-
nos ensaios atrás dele, vendo-o e conversan-
tado, Piraçununga, cidade onde passei a in-
do sobre os caminhos daquela peça.
fância e parte de juventude.
Depois, já nos idos deste século, um novo
Lembro-me da enorme camaradagem
reencontro profissional: num longínquo in-
dele e de sua alta sensibilidade mandando-
terior nordestino fizemos Canta Maria. Ele
me um recado: “Poderia ficar comigo no set
me disse na madrugada de sua chegada à
em seus dias de folga, quando outros cole-
locação, no sertão paraibano, depois de ex-
gas estavam filmando?”. Lógico, ele era mais
tenuante viagem de 48 horas: “Como isto é
do que bem-vindo: companheiro na frente
longe, cara!”. Ele tinha que recriar um per-
94
José Wilker e Gal Cunha Lima em Canta Maria. Fotógrafo não identificado. Acervo: Ramalho Filmes
sonagem real, Lampião. Conversamos longo
sar, não vejo como fazer essa cena”.
tempo, trocando ideias de como seria essa
Ao fim do dia, fomos para um quarti-
recriação, concluindo: “Vamos criar um Lam-
nho no hotel de estrada onde estávamos:
pião nosso — a ficção é maior do que a re-
ele travara diante da cena da solidão do
alidade ou, recorrendo a John Ford, impri-
personagem. A criação tem seus bloqueios,
ma-se a lenda!”. E assim foi. Era fácil nos-
mas logo, logo tínhamos o caminho! Fo-
sa comunicação: lembro-me dele pedindo,
mos dormir satisfeitos para rodar na ma-
quando chegamos no sertão de Pernambu-
nhã seguinte. Um ano depois, em Chicago,
co, para as cenas finais: “Precisamos conver-
num festival de cinema, estávamos juntos o
José Wilker: 50 anos de cinema
95
tempo todo, fugindo dos grupos de festival — meu filho, Theo, em intercâmbio no Canadá, veio ficar conosco e me vejo, os três caminhando pela cidade —, Zé consultando Guilhermina, sua esposa na época, sobre os perfumes e cremes que deveria comprar, enquanto ele, ele desejava um... relógio!
Quando você faz
Foram muitas as visitas para ver, experimentar, desejar esse relógio, um Panerai! Ele hesitava e hesitava, vamos voltar ama-
o que você gosta,
nhã e depois e... depois... — foram necessários dois votos, o meu e o do Theo, incisivos os dois, para ele decidir. Sorriu para nós ante a nossa insistência, que era um aval para ele realizar-se. Saiu com o relógio no pulso, alegre, sorridente, feliz, imensamente feliz, tinha conquistado mais uma batalha! No início do ano passado, 2014, recebi um convite — ir a um festival no Recife que iria homenageá-lo e mostraríamos nossos filmes juntos. Ficamos muito animados, pois como já tínhamos vivido em Chicago, teríamos dias e horas juntos, curtindo a vida, as paixões, os sonhos futuros. Pouco antes da data do evento, eu recebo um telefone de Andréia, minha outra filha. Como ele, também amei e sou amado. Ela me deu a notícia.
Francisco Ramalho Jr.
o tempo se fabrica.
96
Cartaz do filme portuguĂŞs Filha da MĂŁe. Fotografia do acervo da NOS-Lusomundo.
José Wilker: 50 anos de cinema
97
“Venham ver o Roque Santeiro!” Ao ver o filme Bye Bye Brasil descobri
ca mais deixou de estar ansiosa pelas filma-
outra dimensão de um actor que só co-
gens e novos encontros. Ele as marcou com
nhecia como Doutor Mundinho. Desco-
o seu charme; a empatia e a afinidade foram
bri um actor muito poderoso, com uma
um sonho. E eu fiquei com a certeza de ter
densidade dramática e uma malandrice
conseguido o elenco mais que perfeito.
muito distante do naturalismo da tele-
Na rodagem confirmou-se o sonho e
novela, que nunca mais esqueci. Quando
a relação director/actor foi antes de tudo
comecei a pensar o meu segundo filme,
uma relação de amizade e total confiança.
Filha da Mãe, não conseguia tirar da ca-
Para as filmagens, o José chegou a Lis-
beça o José Wilker. Ele foi a primeira e
boa no auge da popularidade do Roque San-
única escolha como protagonista.
teiro. A loucura foi total, a histeria na rua in-
Em 1988, aproveitei a exibição do meu
controlável. Sempre que passeávamos pela
primeiro filme na Mostra de São Paulo para
cidade, juntavam-se multidões; se sentáva-
passar no Rio. O José foi de uma simpatia,
mos num café, passados cinco minutos ha-
abertura e disponibilidade totais em rela-
via uma enorme fila para pedido de autógra-
ção a um projecto de um jovem realizador,
fo. Muitas vezes as filmagens tinham que ser
muito inexperiente e sem nenhuma noto-
feitas sem som, porque a gritaria “Roque!
riedade. Ele me recebeu na sua casa, con-
Roque!” era ensurdecedora. Felizmente, a
versamos sobre cinema, sobre o filme, so-
locação principal era uma casa de campo
bre o personagem. Eu devo ter dito uma
isolada. Mas, fora do set, nunca havia a míni-
quantidade enorme de besteira, própria da
ma possibilidade de anonimato.
arrogância da idade, mas isso não impediu
Aconteceu irmos jantar fora, à Feira Po-
a aceitação do projecto. Acho que ficamos
pular. Os botecos da feira ficavam numa rue-
amigos nessa altura, desde esse primeiro
la estreita, uns a seguir aos outros e frente a
encontro em sua casa.
frente. Os primeiros andares eram abertos
O José veio uma primeira vez a Lisboa
e com visibilidade total para o restaurante
para conhecer as actrizes. Eu acho que se
da frente. O nosso estava cheio, mas não
ele tivesse alguma dúvida, ela desapareceu
lotado. Mas passados uns 15 minutos repa-
quando conheceu a Rita Blanco. O José se
rei que o restaurante da frente tinha fica-
encantou com ela, e com a sua safadeza. A
do mais que lotado. Não percebi logo o fe-
Lídia Franco se apaixonou de imediato pelo
nómeno, só entendi quando espreito para
José, e desde esse primeiro encontro nun-
a rua em baixo e vi o empregado do outro
98
restaurante a gritar: “Subam, entrem, que
no título em português. A peça foi um enor-
do andar de cima vê-se o Roque Santeiro!”.
me sucesso de público e de crítica.
O José ficou em Lisboa mais de um ano.
Tudo isto para dizer que a sorte de poder
Nesse tempo, aprofundamos uma grande
ter conhecido o José Wilker também foi uma
amizade e uma grande intimidade. Para além
grande experiência de trabalho e amizade.
do filme, ainda tivemos tempo de fazer juntos uma produção teatral. Uma peça de David Mamet, Speed-the-Plow, Quem Pode, Pode
João Canijo
Vejo dois, três filmes no mesmo dia e acabo pondo cenas de um dentro do outro e, por fim, sai daí um quarto filme que nunca vi.
José Wilker: 50 anos de cinema
99
Até sempre José Wilker. Ainda não acredito que nos deixaste! E sinto que nunca nos deixarás!
E eu vi que ele, às escondidas, distribuiu dinheiro para alguns deles.
Já se passou um ano? Ou será que a vida
Depois, assisti a um espetáculo de te-
é um sonho e que um dia acordamos e tu es-
atro que ele fez em Portugal com o grande
tarás ali com todo o teu charme e todo o teu
compositor e poeta Sérgio Godinho, nova-
talento?
mente sob direção do João Canijo.
A verdade é que estamos sempre a vê-
Depois... ele voltou para o Brasil e nun-
lo quando, por exemplo, ligamos a televisão
ca mais o vi pessoalmente. Somente atra-
e ele lá está ou, quando ligamos a televisão,
vés de filmes ou de novelas em que sempre
e sentimos a falta que faz ele não estar ali.
nos continuou a encantar.
A verdade é que José Wilker é mesmo insubstituível. Eu já “o conhecia” antes de conhecê-lo, justamente através do cinema e das novelas brasileiras de que os portugueses são fãs. Passava em Portugal a novela Roque Santeiro quando fui convidada pelo realizador
Senti uma enorme tristeza ao saber que ele nos tinha deixado mas, ao mesmo tempo, sinto que para sempre ele estará nos nossos corações. Até sempre, querido José Wilker.
Lidia Franco
português João Canijo para protagonizar, juntamente com José Wilker e Rita Blanco, o longa-metragem Filha da Mãe. Lembro-me perfeitamente que ao chegar ao set, no meu primeiro dia de filmagens, ele nos esperava com aquele seu ar absolutamente irresistível. A partir daí, todos os dias de trabalho se transformaram em dias de partilha pois ele não era só um ator extraordinário, como também uma pessoa muito inteligente, culta e generosa. Lembro-me de um dia estarmos a filmar num bairro muito pobre e, de repente, ficamos rodeados por admiradores dele, ansiosos para vê-lo.
Lidia Franco e José Wilker em Filha da Mãe. Fotógrafo não identificado. Acervo pessoal: Lidia Franco
100
Somos produtos nacionais de excelente qualidade, bem longe do “The End”.
Mephisto. Fotógrafo: Ivan Luna. Acervo pessoal: Claudio Rangel.
José Wilker: 50 anos de cinema
101
Ao mestre, com carinho “Muito prazer, Maria Bethânia” — essas fo-
e assimilar com a maior rapidez eram quali-
ram as palavras que o Zé (Wilker) me disse
dades imprescindíveis .
quando fomos apresentados pela primeira
Conversas saborosas sobre filmes, pe-
vez. O ano era 1987, o local o foyer do Te-
ças, arte e cultura de um modo geral com-
atro dos Quatro no Rio, onde eu trabalha-
punham nosso cardápio diário, mas a litera-
va. Para mim, que até então estava apenas
tura em especial despertou um gnominho
diante de um mito celebrizado por perso-
que preguiçosamente dormia em meus jar-
nagens que conheci assistindo a novelas
dins cerebrais. Como podia, estando com
e filmes no cinema, foi um alívio; pensei:
uma pessoa que era capaz de ler pelo me-
“Que bom, esse cara além de tudo tem hu-
nos quatro livros simultaneamente; e o que
mor e isso também me interessa muito” —
é melhor: não se perder nunca em nenhum
sempre norteou meu cotidiano. Fui fisgado.
deles. E eu que culpava a falta de tempo
Fazia pouco mais de dois anos que havia
pelo meu descaso com a literatura? O Zé
chegado de São Paulo e fincado minha ban-
decorava textos, gravava novelas, filmava,
deira em terras cariocas, e o sangue do tea-
viajávamos para trabalhos fora do Rio, fa-
tro fervilhava em minhas veias; já havia tra-
zia teatro, concedia milhões de entrevis-
balhado com um bocado de atores bastante
tas cada vez que lançava novos trabalhos
significativos, mas nem imaginaria ali que o
e, mesmo assim, lia todos esses livros. Con-
destino poderia me pregar uma outra peça.
clusão: os livros voltaram a fazer parte da
Pouco tempo depois, já estávamos envol-
minha rotina, em esperas nos estúdios, nos
vidos em um projeto teatral (Filumena Mar-
saguões de aeroportos, nos intervalos en-
turano), e quando dei por mim, já estávamos
tre nossas produções teatrais...
trabalhando juntos fora do palco também.
Na bagagem de São Paulo, trouxe meu
Uma naturalidade que não sei mensurar me
diploma de curso superior, mas a pós-gra-
foi envolvendo como que em uma teia, sem
duação, o doutorado, o PhD... isso eu con-
olhar para trás, e rapidamente a vida pesso-
clui nas Faculdades Integradas José Wilker.
al e a profissional se estreitavam, numa lon-
Acho que eu teria que viver ainda uma
ga avenida; fui padrinho de casamento, pro-
outra vida para conhecer uma pessoa mais
dutor, assistente pessoal, sócio... Ufa !
culta que ele, porém simples e acessível
Não tive muito tempo para adaptação ou entender direito o que acontecia, mas ali, saber ouvir, tentar entender o quanto antes
com todos, e isso eu pude testemunhar ao longo de nossa convivência... Bom, estamos hoje aqui antes de mais
102
nada para falar sobre cinema, para ver seus filmes, relembrar, homenagear... Muito já se disse sobre o seu talento, sobre o seu profissionalismo, sua dedicação, mas, para mim, o que mais me impressionou sempre nessa convivência com o Zé, principalmente com relação ao cinema, mas não só o seu talento e os personagens incríveis com que nos brindou, e sim sua GENEROSIDADE. A paixão dele pelo cinema era tão grande, tão grande, que ele passava por cima de vários obstáculos, como: baixo orçamento, condições muitas vezes não muito favoráveis ou confortáveis, cachês quase irrisórios (às vezes nenhum), conciliar com o roteiro de gravação de novelas ou ir para o set de filmagens depois de se apresentar em algum espetáculo teatral... E, ao longo dos 26 anos em que convivemos, diariamente, eu tentava que ele sempre tivesse as condições necessárias para apresentar sua arte. Muitas vezes ele ficava sem jeito de me dizer que tinha aceitado fazer um determinado filme, e eu entendia que o que contava antes de mais nada era o roteiro, os colegas, a possibilidade de poder ajudar a viabilizar o projeto. The End.
Cláudio Rangel
José Wilker: 50 anos de cinema
103
José Wilker, Giuseppe Oristânio e Hernani Moraes em A Maracutaia. Fotógrafo: Guga Melgar. Acervo pessoal: Claudio Rangel
104
Alguns de n贸s, atores, dizemos com bastante frequ锚ncia, tolices monumentais.
Vera Holtz, Camila Morgado e Antonio Petrin em Pal谩cio do Fim. Fot贸grafo e acervo pessoal: Marcos Flaksman
José Wilker: 50 anos de cinema
105
Viking do sertão Posso dizer que fui conhecendo o Zé por
— Otávio Muller, Evandro Mesquita, Silvia
etapas.
Pfeifer, Renata Sorrah — ao diretor Dennis
Cheguei no Rio em 1979 e fui me aproximando aos poucos da cena teatral.
Carvalho —, posso afirmar: “Ninguém prestava”. O clima das gravações era excelente,
O início dos anos 80 foi marcado por
muito divertido, com intensa participação
inúmeras reuniões de classe, muitas realiza-
do Zé. Uma vez, para homenageá-lo, fize-
das no Teatro Princesa Isabel. Quando o Zé
mos uma procissão com a Santa Teresa de
pedia a palavra, podíamos nos preparar para
Lisieux, da qual era devoto. Na cabeça da
o grande momento do “espetáculo”. Com os
Santa, colocamos um chapéu de cangacei-
cabelos louros selvagens, o vozeirão natu-
ro — acho que Zé nunca riu tanto.
ral, uma dicção perfeita, de matar de inveja
Nosso último encontro profissional foi
quem ficava horas em aulas de fono, Wilker
na peça Palácio do Fim, um texto poderoso
parecia um Titã — intenso, furioso, implacá-
sobre a Guerra do Iraque, composto de três
vel. Era uma figura impressionante, arreba-
monólogos, e no qual eu interpretava uma
tadora, e nos perguntávamos como ele fazia
mulher árabe barbaramente torturada. Foi
para separar a realidade da ficção.
uma experiência profissional excelente e
Nosso primeiro encontro profissional aconteceu em 1994, na novela Fera Ferida.
ele ficou muito feliz, pois batalhou muito tempo para montar a peça.
O início das gravações coincidiu com um
Nossa amizade era muito especial. Ele
forte período de chuvas, que nos levou a
sempre mandava orquídeas no meu aniver-
pedir uma extensão do horário. Assim, um
sário. Ou melhor, em algum dia próximo ao
grupo, invariavelmente, terminava a noi-
meu aniversário. Ele sabia que eu era leoni-
te no final do Leblon, na Pizzaria Guanaba-
na, como ele, mas não conseguia lembrar o
ra: Otávio Augusto, Cássia Kiss, Wilker e eu
dia exato — mas as orquídeas eram as mais
varamos muitas madrugadas contando his-
maravilhosas que se puder imaginar.
tórias, concordando, divergindo sobre os
Um dia, lhe dei de presente um leão de
mais diversos assuntos. Zé e eu nos torna-
pelúcia, enorme, com dois pares de tênis de
mos muito amigos. Às vezes, ele se excedia,
cores diferentes, óculos Ray Ban, boné in-
ficava “mais pra lá do que pra cá”, pegava a
vertido. Zé ficou tão feliz...
chave para voltar para casa e bradava: “Será que a porta vai passar por essa chave?”. Voltamos a contracenar na novela Desejos de Mulher, em 2002, em que ele interpretava um jornalista gay genial. Do elenco
Acho que, no fundo, aquele viking do sertão era assim: gostava de coisas que o faziam rir.
Vera Holtz
106
Antes, eu batia em prego com a minha m達o. Hoje, bato com martelo, vai mais fundo e n達o machuco a m達o.
Aracy Balabanian, Renata Sorrah e Jos辿 Wilker em Corrida do Ouro. Acervo: Cedoc/Globo
José Wilker: 50 anos de cinema
107
Intuição recompensada — Oi, Wilker.
E assim, nessa minha insistência quase
— Falou comigo?
infantil, fomos relaxando cada vez mais e fo-
— ... Falei... te disse oi...
mos mudando as cenas de esquisitices; fi-
Não me apresentei. Achava que ele sabia quem eu era. SABIA SIM! Claro. Estava me gozando...
cando amigos. Até que surge na minha casa uma orquídea com um convite para jantar na linda
Assim foi por muito tempo... sorria; me
casa dele: aniversário da Bel, a filha caçula.
olhava desconfiado, indiferente, às vezes
O primeiro de vários; presentes sempre es-
atento...
colhidos com atenção extrema.
Comecei a ter medo dele... Que pena...
Nos anos de Sai de Baixo, ficamos muito
Sabia que estava perdendo um gran-
próximos, ríamos muito, por dentro e por fora.
de papo, perdendo a chance de conhecer
Dizem que ele foi viajar, rever alguns
melhor um verdadeiro mestre.... (Faço essa afirmação baseada na opinião abalizada de diversos amigos em comum). Acho que ao perceber a tola que eu era, mais ele me gozava, mais me ironizava... Mas
amigos. Juro que todos os dias ainda espero um convite para jantar na rua Peri, sempre com uma bela orquídea escolhida especialmente por ele.
nunca me passou pela cabeça deixá-lo para lá, não dar mais bola... Intuía que ali existia, além de um grande ator, um homem culto, um pai amoroso, bom filho, irmão, um amante contumaz... Às vezes, conseguia deixar de lado a vergonha e perguntava sobre um livro que certamente ele já teria lido; ou sobre em que Long Play estaria determinada música, qual a melhor gravação... Ele vivia intensamente seu dia a dia: o filme que estava fazendo, o bebê que estava esperando; através de suas mulheres, namoradas, amigos... Ou quando ele falava sobre algo na minha frente sem notar.
Saudades, Zé,
Aracy Balabanian
108
José Wilker, Paulo Betti e Mariza Leão em Guerra de Canudos. Fotografia: Maria Rezende. Acervo: Mariza Leão
Algumas atividades precisam de mecenas, como, por exemplo, os museus e os balés. O cinema precisa de sócios.
José Wilker: 50 anos de cinema
109
Um amigo incomum, um artista único 1996. Ele e eu viajamos a Nova York, no
um Vadinho ou um homem da capa preta fa-
mesmo dia, mas em voos diferentes, para
ria: “Então, não vamos mais falar sobre isso.
encontrar o caracterizador que faria a bar-
Mais uma cerveja?”.
ba do Conselheiro. Chegamos em NY e rumamos para o Walcott Hotel, o preferido dele na época. Obviamente, o quarto não estava avail-
Assim era ele. José Wilker de Almeida. Ou simplesmente Zé. E a viagem terminou com ele pagando a minha conta do hotel...
able... Somente às 14h... E ainda eram 10 da
Na volta ao Rio, ele me disse: “Vou te aju-
matina... Saímos e fomos às compras. Me-
dar a captar grana pro filme. Quem sabe a
lhor, ele foi às compras: bermudas, tênis, coi-
Globo faz uma minissérie a partir desse fil-
sas banais. Voltamos para o hotel e ao fazer-
me?”. Estávamos em 96, como disse acima, e
mos o check in, ele apresentou o seu cartão
a Globo Filmes nem sonhava em existir. Ele
de crédito.
marcou a reunião. Fomos e, para minha abso-
Saímos rapidinho naquela típica excita-
luta perplexidade, o Boni disse: “Fechado!”.
ção de quem chega na Big Apple. No dia se-
Aí eu disse: “Bem, Zé, agora podemos
guinte, encontramos o tal cara que faria a
falar de grana... Quanto você quer ganhar?”.
barba. A prova demorou... Mas, ficamos se-
E ele me respondeu, safado: “Fala aí...”. Eu
guros que ficaria linda! Batemos perna, en-
falei. Ele disse: “Que tal pedirmos outra cer-
contramos seus amigos, como Denise Du-
veja?”. Acendemos um cigarro, fechamos o
mont e Sônia Braga. E assim esses três dias
contrato e rimos.
foram se passando entre muitas conver-
Pouco tempo se passou até irmos para
sas e cervejas e almoços e jantares que ele
Juazeiro/Petrolina. Ali, naquele cenário de
sempre pagava.
mais de 700 casas construídas, num povo-
Um dia, sentamos no restaurante em-
ado chamado Junco do Salitre, ele, Marieta
baixo do hotel e eu lhe fiz a pergunta bási-
Severo, Claudia Abreu, Selton Mello, Paulo
ca: “Zé, a gente ainda não falou de grana...
Betti, José de Abreu, Tonico Pereira e uma
Quanto você vai ganhar, essas coisas...”. Ele
infinidade de outros atores e milhares de fi-
me olhou, riu daquele jeito único e me dis-
gurantes passaram 16 semanas filmando.
se com aquela voz grave que intimidaria um
Isso mesmo, quatro meses — entre sol e nu-
tsunami mas que me soava lírica: “Você tem
blado, nublado e sol.
grana pra fazer o filme?”. Congelei. “Não, ain-
Naquele cenário fantástico, ele passea-
da não...”. E ele terminou a conversa como
va no meio da figuração, vestido com a bata
110
de Conselheiro, alguns grampos na barba,
Um amigo incomum, daqueles que nem
outros no cabelo e brincava com aquela
sempre abriam sua intimidade através das
população desconcertada. “Dona Maria, a
palavras.... Na sua casa eu convivi com ga-
senhora já transou hoje?”, “Seu Severino, o
tos, mulheres, filhas, amigos. E comi muitos
senhor deu no couro ontem?” Não era pra
picadinhos no dia 19 de agosto, data de seu
chocar... Era uma maneira de desaparecer
aniversário, quando Sergio e eu éramos os
no meio daquela multidão... Ser mais um no
últimos a sair. Bêbados? Não diria... Enebria-
meio daquelas pessoas que o olhavam ain-
dos, sim.
da em dúvida se o Conselheiro havia ou não ressuscitado... Nossos filhos, Maria, Julia e Tiago (meus) e Bel (dele) conviviam naquele circo como se
No último aniversário, bolamos uma série de TV, ali pelas 2 da manhã. E a excitação era tal que até o título ali surgiu: Sagrada Família.
estivessem numa Disney particular. E sob a
Esse amigo não tem similar. Esse ator não
bendita tranquilidade do Sergio Rezende, o
tem similar. E ele me faz e me fará muita fal-
tempo ia passando na maior paz do mundo.
ta. Não somente por sua generosidade, não
Voltamos e meses depois o filme ficou
somente por seu carinho torto, não somen-
pronto. Tinha 2 horas e 50 minutos. O bu-
te por sua altivez, disfarce de timidez. Ele me
dista Rezende era e é um samurai. A Sony,
fará falta porque nos amamos através dos fil-
através do brilhante Rodrigo Saturnino Bra-
mes que fizemos e dos que não fizemos.
ga, não se apavorou. Lançou o filme, que foi a maior bilheteria nacional do ano de 1997.
Escrever esse texto é doloroso e ao mesmo tempo sublime. Quem mais pode-
A Globo lançou a série dois meses de-
ria me fazer jorrar essas palavras sem se-
pois da exibição em cinema. Teve uma audi-
quer relê-las. Elas aqui estão, sem censu-
ência inacreditável! Emocionada, eu ouvia
ra, sem copidesque. Do jeito que a gente
Wilker e seu Conselheiro ecoarem nas TVs
costumava conviver.
da vizinhança. Aqui em casa, ele sorria aquele sorriso sacana e a gente ria pra cacete. Assim era e é o Zé. Um amigo que eu precisava e ainda preciso, como escreveu Drum-
A quem ler esse texto, eu convido: revejam tudo que puderem desse artista único. E reverenciem sua existência. Eu faço isso todos os dias.
mond:
Mariza Leão Precisava de um amigo, desses calados, distantes, que leem verso de Horácio mas secretamente influem na vida, no amor, na carne.
Jos茅 Wilker: 50 anos de cinema
111
Guerra de Canudos. Fot贸grafo: Estevam Avellar. Acervo: Morena
112
Faz sentido fazer cinema. E fazer cinema implica criticar cinema, interpretar, dirigir cinema e assistir cinema... Fotografia no programa da peรงa Sรกbado, Domingo e Segunda. Fotรณgrafo: Gaston Guglielmi. Acervo pessoal: Claudia Dottori
José Wilker: 50 anos de cinema
113
Ler cinema pelos olhos do ator Era 1996 e um exemplar do “Caderno B”,
Depois dele, minha pastinha de Wilkers
do Jornal do Brasil, deixado por um ami-
cresceu, incluindo um texto sobre Guerra de
go, Seu Palmério, na quitanda de Mamãe
Canudos, de Sergio Rezende, no qual apren-
Fonseca em Bonsucesso, caiu na minha
di, pela sabedoria do Zé, que “sucesso só
mão com um texto sobre Missão: Impossí-
vem antes do trabalho” no dicionário. Nes-
vel, com Tom Cruise, que estava na alça
sa lição, era possível perceber o tipo singu-
da minha mira cinéfila.
lar de crítico que Wilker era: um resenhista
Faltavam poucos dias para a estreia e
capaz de partir de filmes, mesmo aqueles de
minha imaginação fazia e refazia takes ima-
sabor pipoca, e fazer existencialismo, espe-
ginários de um longa-metragem cujo DNA
culando sobre os locais indizíveis e indivisí-
vinha da televisão. Mas foi no artigo da con-
veis da vida cotidiana.
tracapa do “B” do JB que eu encontrei as tin-
Fora as colunas do “B”, Wilker era críti-
tas certas para tingir o quadro imaginário de
co no rádio, com intervenções sazonais na
Cruise como o agente Ethan Hunt — a tinta
Rádio Paradiso, musicando suas reflexões
afetiva que só os artigos assinados por José
sobre o fazer artístico. Na trilha do audio-
Wilker traziam. Era para ser uma crônica,
visual, o rádio, menos presente, abria espa-
mas saiu uma crítica com foco na estética
ço para a TV, onde ele, no Telecine, foi uma
de Brian De Palma, cineasta que, até então,
espécie de garimpeiro à cata de pepitas que
frequentava a minha cabeça de adolescente
nossos olhos cansados pela banalização
como uma pálida alusão a Os Intocáveis.
nem sempre eram capazes de enxergar. Foi
Graças a Wilker aprendi quem De Pal-
ele o primeiro a enquadrar o brilho de As In-
ma era. Entendi a sua grandeza como es-
vasões Bárbaras, do canadense Denys Ar-
cultor de planos (inspirado por Hitchcock),
cand, logo após a apresentação deste no
aprendi a arquitetura do cinema autoral dos
Festival de Cannes de 2003. Suas inquieta-
realizadores egressos da década de 1970,
ções diante dos takes de Arcand — centran-
entendi a história da América e sua necessi-
do-se na falência das utopias à esquerda da
dade de heróis, entendi a minha fome de mi-
esquerda — foram de uma profundidade tal
tos. Aquele artigo existe até hoje, dobrado
que acabaram incorporadas ao trailer bra-
e amarelado entre as páginas do meu livro
sileiro do filme.
de Biologia do 3° ano do 2° grau, entre uma
Como todo bom crítico, o resenhista
mitocôndria e um polipeptídeo, entre um es-
Wilker cometia sacrilégios. Num comentá-
boço de aldeído e um rascunho de cetona.
rio de TV, ousou dizer que o argumento es-
114
crito por Dario Argento e Bernardo Berto-
geral acha que é melhor do que, de fato, é.
lucci para Era uma Vez no Oeste, de Sergio
Mas ali, ele está bem”. Doeu ouvir. Mas, com
Leone, era uma bobagem. Amaldiçoei-o mui-
os anos, o ranço da mágoa evaporou, sufo-
tas vezes por isso, assim como também pra-
cado pelo fermento da admiração, que cres-
guejei contra seu desdém esporádico por
ceu ainda mais ao ouvi-lo falar sobre Quem
Leonardo DiCaprio. À porta do Odeon, ao
Quer Ser um Milionário?, entusiasmado dian-
final do Festival do Rio 2006, falando sobre
te da estrutura fabular de Danny Boyle.
Os Infiltrados, Wilker maldou: “DiCaprio em
Como crítico, Wilker usava sua cinefi-
José Wilker e Jofre Soares em Bye Bye Brasil. Fotografia: Ademir Silva. Acervo: Cedoc/Funarte
José Wilker: 50 anos de cinema
115
lia para analisar a progressão da dramatur-
outras gentes, sendo outros a cada novo
gia audiovisual contemporânea, entenden-
papel. Com Wilker, todo crítico sentia a ne-
do de que maneira o cinema poderia driblar
cessidade de criticar com a generosidade
a ditadura do diálogo e se abrir mais e me-
da entrega, da doação.
lhor ao silêncio. Com Wilker, a gente aprendia a “ler” o cinema pelo lugar do ator, com
Pena que ele cometeu a deselegância de partir sem nos pedir licença.
a solidão do profissional capaz de emprestar a pele a muitas outras peles, a muitas
Rodrigo Fonseca
116
Andrea Beltrão e José Wilker em Giovanni Improtta. Fotografia: Daniel Behr. Acervo: Luz Mágica
Ninguém acredita, de verdade, que os atores trabalhem.
José Wilker: 50 anos de cinema
117
Cúmplice silencioso Uma lembrança muito amorosa que guar-
Pequeno Dicionário Amoroso, mas não contra-
do do Zé aconteceu durante as filmagens
cenamos — só nós encontrávamos em algu-
de Romance (2007), com direção de Guel
ma sala de espera ou na noite de estreia.
Arraes. Foi uma cena noturna, em um res-
Ter sido convidada para trabalhar em
taurante, e começou por volta das 7h da
Giovanni Improtta, um projeto pelo qual ele
noite e se estendeu até as 5h30 da manhã.
batalhou tanto, resultou em contato com
Ficamos lado a lado durante esse tem-
novos lados surpreendentes do Zé. Apesar
po todo, e o mais interessante é que falamos
da sua fama de “intenso”, no set o “diretor”
muito pouco. Eu, então, falei pouquíssimo.
Zé Wilker era bastante discreto e cuidado-
Achava mais interessante ouvir o que ele ti-
so. E se comunicava de um jeito especial
nha a dizer. E, nessa longa noite, estabele-
com os atores — talvez por nunca ter aber-
cemos um clima de muita intimidade e afini-
to mão do seu lado ator, mesmo no acúmu-
dade. O restaurante estava cheio, e trocáva-
lo de funções.
mos observações sobre o ambiente, sobre as pessoas — ele, bem mais do que eu. Poderia ter sido estranho, mas eu me senti muito à vontade em contracenar com
Fico muito feliz por ter estado ao lado do Zé em um de seus últimos trabalhos e ter desfrutado de uma convivência de alguns meses. Ele estava muito feliz.
um ator que eu admirava tanto. Eu poderia fazer coro a todos os elogios consagrados ao seu talento — intenso, brilhante, irreverente, transgressor, debochado —, mas, naquela noite, tive contato com um lado surpreendente desse ator tão especial: um cúmplice de cena quase silencioso. Logo ele, que também era conhecido por seus exageros. Talvez ele não se adaptasse bem a algumas circunstâncias, mas a vida é desordenada mesmo, não dá para fazer tudo certinho, principalmente para uma pessoa com tanta força. Nossos caminhos se cruzaram de formas estranhas. Estivemos juntos em alguns projetos, como na novela O Bem-Amado e no filme
Andrea Beltrão
118
Eu não gosto muito de me ver no cinema, não. Eu gosto de fazer. Sônia Braga em Kreuko. Fotografia: Gerson Silva. Acervo: Gullane Filmes
José Wilker: 50 anos de cinema
119
Wilker I (e único) Junho de 2011. Busquei o Wilker no ae-
ta de como passaríamos a tarde filmando,
roporto de Congonhas e seguimos em di-
o Zé abriu aquele seu característico sorri-
reção ao Centro, Viaduto Santa Ifigênia,
so do gato da Alice, oba, vou poder fazer tudo
Largo do Paissandu, Brigadeiro Tobias,
que sempre quis fazer. Não havia texto, ape-
até a cúpula de um prédio onde filmarí-
nas um pesado figurino de rei, focos de luz
amos o episódio Kreuko, do filme Mundo
num cenário emulando um velho castelo e o
Invisível (2011), produzido pela Mostra de
melhor, o pianista Tomás Oliveira —baixista
Cinema de São Paulo e pela Gullane Fil-
na banda Mustache e os Apaches — tocan-
mes. O Wilker faria uma versão alegórica
do ao vivo, de olhos nele e lhe servindo me-
de Ricardo III — delírio dramatúrgico do
lodias em dinâmica permanente com a im-
meu amigo Maurício Paroni de Castro —
provisação do ator.
e contracenaria com a rainha Lady Anne na pele de Sônia Braga.
Rapidamente criou-se a aura da magia do cinema. Lorde Cigano acendia outra vez
Na altura da Liberdade, Wilker comentou
sua lanterna naquela tenda escura para o
da sua expectativa do reencontro com a Sô-
fascínio da trupe presente, nossa equipe de
nia, de como se conheceram em São Paulo, no
artistas burlescos que habitam os arredo-
meio teatral, quando ela ainda buscava cami-
res do Vale do Anhangabaú.
nhos, muito antes do sucesso de Dona Flor e
E o encontro com a Sônia? Está no fil-
Seus Dois Maridos. Evoquei um passado ainda
me. Um encontro improvável, surreal, sem
mais remoto: citei a biografia do ator pernam-
o menor pudor, jogo de cena aberto vivi-
bucano José Marinho, que relata a militância
do para nossa câmera e a promessa futura
dos dois no Movimento de Cultura Popular
de quem sabe um novo encontro no acaso
(MCP), quando Wilker e Marinho percorre-
como esse que foi.
ram o interior do estado levando teatro nos tempos de Miguel Arraes e Paulo Freire.
Fui apresentado ao Wilker numa ocasião em que, convidados a participar de um
Conheci o Wilker já como o mago cir-
júri de roteiros em Porto Alegre, tivemos a
cense Lorde Cigano, de Bye Bye Brasil, filme
oportunidade de debater opiniões sobre di-
fundamental que me encorajou a começar
versos enredos. Voltei a São Paulo com óti-
a viajar sob pretexto de fazer cinema.
ma impressão dele, sujeito disposto à con-
Início da tarde. Chegamos ao estúdio do
versa, culto e louco por cinema.
fotógrafo Cisco Vasques, com quem divido a
Anos depois, o encontro novamente no
direção do episódio. Ao ouvir nossa propos-
paladar da minha amiga Lourdes Hernandez,
120
a Cozinheira Atrevida, fã do Wilker e que o
ascensão transmutam-se em pássaros.
havia convidado para um jantar em sua casa,
José Wilker, o homem que virou pássa-
após o espetáculo de teatro em que ele con-
ro. O que será que ele diria sobre Birdman?
tracenava com o Gustavo Machado. Lourdes, na verdade uma amante da literatura que ganha a vida cozinhando, a quem fui apresentado pelo escritor Marçal Aquino, também presente naquela noite, entabula logo uma conversa inspirada sobre literatura latinoamericana. Nesse campo, percebo então um Zé tão articulado quanto já o sabia no nosso lugar comum, o cinema. Desse encontro em diante, passamos a nos corresponder à procura de um projeto de filme em que pudéssemos trabalhar juntos. Meses mais tarde, num jantar na casa do Zé servido pela Lourdes, estando eu no Rio, fui convidado de última hora. Não era uma festa, era um jantar para os amigos mais íntimos, e como eu estava um pouco deslocado, saí à deriva na casa do Zé, olhando os cartazes de filmes e peças de teatro, fotos e retratos através dos quais fiz um itinerário em sua carreira de ator. Arrisquei subir a escada que levava ao andar de cima, chamado pela sequência de telas de Gilvan Samico, o mundo mitológico pessoal do gravurista pernambucano. Eram ao menos oito quadros. Uma nova viagem iniciei naquela noite. Percebendo meu encantamento, o anfitrião me ofereceu uma nona tela que ele guardava enrolada em algum canto do escritório. Hoje tenho essa obra na sala de casa: a imagem de uma família de pescadores, os pais e dois filhos, assim como a minha própria família. Embarcados, a mulher no leme, retiram os peixes do mar que em
Beto Brant
JosĂŠ Wilker: 50 anos de cinema
121
Kreuko. Fotografia: Gerson Silva. Acervo: Gullane Filmes
122
Dona Flor e Seus Dois Maridos. Fotografia: Leo Gandelman. Acervo: Cinemateca Brasileira
José Wilker: 50 anos de cinema
123
O verdadeiro Cariri Felipe e eu conhecíamos e admirávamos
seria seguido de um jantar na Casa. Sem
José Wilker pelos filmes, claro. Bye Bye
problemas. Montei minha própria peça de
Brasil, Dona Flor, e o reencontramos, anos
teatro. Pedi à Talitha que fizesse o papel
depois, em Roque Santeiro. Mas assim que
de cozinheira e contratei vários figurantes,
li suas crônicas no Jornal do Brasil, quis co-
que precisavam fingir que o lugar era o má-
nhecê-lo. Separados pela linha do Equador,
ximo e que a comida não tinha concorrente
quando Felipe e eu viajamos para residir no
no universo conhecido. Eu cheguei apenas
Brasil, pensei que poderíamos virar amigos.
10 minutos antes do “Cariri”. Acho que não
Cinco anos se passaram sem que ele aten-
previ que ele iria achar meu lugar um fra-
desse aos nossos convites. Cansei e esque-
casso rotundo, já que contava apenas com
ci do homem, não do artista. Até o dia em
cinco figurantes divididos em duas tristes
que encontrei uma mensagem para a Casa
mesas. Ele chegou com mais dois atores,
dos Cariris — nome dos encontros culiná-
um deles não comia nada com chili, o que já
rios que eu fazia em casa. Wilker escrevia
era grave, mas demos um jeito de que não
que ele era o próprio “Cariri”, que passava
morresse na mesa. O “Cariri” comia chili e
uma temporada em São Paulo a trabalho e
olhava ao seu redor, curioso.
gostaria de me convidar para assistir à sua
Para não parecer ansiosa, fui conver-
peça A Cabra ou Quem é Sylvia?. Em troca,
sar com meus figurantes, que terminaram
gostaria de ser convidado à Casa dos Cari-
se aproximando do sofá principal, beben-
ris. Dizia ter lido muito sobre ela. Era uma
do e exalando fumo. Nunca me passou pela
mensagem gentil e inesperada. Pensei em
cabeça lembrar daquele policiamento con-
pagá-lo com a mesma moeda que ele tinha
tra os fumantes. Ele me perguntou de sua
usado durante cinco anos. Pensei em apa-
mesa: “Posso fumar?”. Levei um cinzeiro e
gar a mensagem. Pensei em demorar sécu-
deixei ao seu lado.
los para responder. Estávamos em 2008.
Pouco depois, ele pediria licença para
E foi assim, resolvida, que eu respon-
abrir o círculo, abandonar a plateia e se sen-
di imediatamente, aceitei tudo e só utili-
tar no meu improvisado palco. Foi uma noi-
zei 3.423 caracteres em resposta. Mulher
tes das mais divertidas. Ele e seus amigos
magoada é foda.
contaram histórias do Rio no final dos anos
Acho que ele pensava que a Casa dos
60, das aventuras teatrais que tinham com-
Cariris era mesmo um restaurante e que o
partilhado. Bom, até deu tempo de ouvir al-
dia em que me convidou para assistir à peça
gumas boas fofocas com o grão de malda-
124
de requerido. Wilker era um dos melhores
comecei a me perguntar se ele teria adivi-
narradores que eu já conheci. Tinha essa
nhado que aquela noite toda foi uma en-
linguagem especializada de quem possui o
cenação ou se ele simplesmente acreditou
“segredo do assunto”. Virou freguês da Casa
na minha modesta peça. Mas esquecia de
dos Cariris na sua temporada paulista.
perguntar. Dessa vez seria a primeira coi-
Mas, era amizade? No livro Eu me Lem-
sa que falaria para ele. Já podia imaginar o
bro, Sim, Eu me Lembro, transcrição da voz
sorriso maroto, a risada jocosa. Podia ser
de Mastroianni, o ator conta que certa vez
sim ou não. Ele podia mentir ou lembrar. E
pediram a Fellini que escrevesse o prólo-
nada mudaria. Minha desconfiança continu-
go do livro sobre sua carreira no cinema.
aria total e recíproca.
Fellini argumentou que eles se viam pouco,
Para mim, ele era a própria Teoria do
salvo quando trabalhavam juntos: “Acaso
Iceberg de Hemingway aplicada na vida. O
seja esse também um dos motivos de nossa
que eu percebia ou ele deixava perceber,
amizade, amizade que não exige, que não
era apenas a ponta. O que sustentava esse
obriga, que não condiciona, que não esta-
seu mundo, não estava à vista. Era dele e
belece regras nem limites. Uma verdadeira
com certeza era multifocal, sua maravilho-
e formosa amizade baseada numa descon-
sa invenção convincente.
fiança total e recíproca”.
Em 2014, já no México, compartilha-
Acho que as palavras de Fellini descre-
mos a determinação de homenagear José
vem muito bem o que se deu entre nós nos
Wilker no nosso Dia dos Mortos. Sua filha
últimos anos. Mas creio que o fato de estar-
Bel estava presente.
mos indo embora acelerou o tempo entre os telefonemas, os correios, os encontros. Tínhamos almoço marcado e sei lá por que,
Lourdes Hernandez & Felipe Ehrenberg
A gente é muito melhor do que acha que é. Por que nós no Brasil não olhamos para a América Latina do jeito que ela olha pra gente?
José Wilker: 50 anos de cinema
O Homem do Ano. Fotógrafo não identificado. Acervo: Conspiração Filmes
125
126
Walter olha Wilker atravÊs da câmera pela última vez. Fotografia e acervo pessoal: Walter Carvalho.
José Wilker: 50 anos de cinema
127
Zé Wilker, simplesmente. Lembrar do Zé é como sentir uma verti-
double face, virou para mim com um sorriso
gem. Quando adentro os estúdios do Pro-
irônico e soltou: “Posso multiplicar meu fi-
jac, tenho sempre a impressão de que vou
gurino para as cenas que vamos fazer”. Era
cruzar com o inesquecível sorriso, com o
até dessa forma que Wilker compunha um
entusiasmo travesso sempre acompanha-
personagem.
do de uma bela frase. Talvez porque te-
E assim filmamos uma meia dúzia de ce-
nha sido ali que falamos pela última vez,
nas, enquanto o sorriso cúmplice de canto
num sábado quente, nos jardins de Jaca-
de olho mirava-me na direção da câmera e
repaguá, cerca de uma semana antes do
invertia o lado dois do casaco em cenas com
José Wilker nos deixar.
Maitê Proença e Denise Dumont. Nunca
Não somos capazes de saber onde Wil-
mais, em todas as viagens que faço à Améri-
ker foi melhor, se no teatro, onde nasceu sua
ca, deixo de passar numa Banana para fazer
inquietação, ainda no seu Ceará, no cinema
compras e me lembrar do José Wilker pro-
ou na televisão. Ou ainda como apresenta-
vando roupas para o figurino de Corpo Santo
dor e também fazendo locuções para filmes
enquanto saboreava o penteado tipicamen-
e documentários. Um artista, simplesmente.
te americano da vendedora da loja alheia
Tivemos alguns encontros inesquecíveis.
aos olhares debochados do ator brasileiro.
Um dos primeiros quando fui convidado por
Sem falar no que aprontou quando me
ele para dirigir a fotografia de algumas cenas
avisou na hora de rodar a primeira cena: “Se
da novela Corpo Santo, da extinta TV Manchete, em 1987. Fomos filmar em Los Angeles. Wilker me apresentou a algumas livrarias e lojas que tinham filmes em VHS e CDs que não encontrávamos no Brasil. Nunca vi tanta avidez em comprar filmes. Carregamos juntos quase todo o estoque da Tower Records, como se o próximo tornado fosse destruir toda a Califórnia. Depois saímos carregando uma infinidade de sacolas. Ele me apresentou à famosa loja de departamentos americana Banana Republic. Lá, Wilker escolheu um casaco
José Wilker em Renascer. Fotógrafo não identificado. Acervo: Cedoc/Globo.
128
você pensa que veio para Hollywood para
serve para contar uma história.
dar uma de fotógrafo, engana-se, meu caro
Penso que a última vez que olhei o Zé
Waltinho. Me diga onde fico, o que faço, me
pela objetiva de uma câmera foi em Matra-
diga como vai me enquadrar e deixa o resto
ga, quando fui convidado pelo diretor Vini-
comigo”. Colocou-me para dirigir as cenas
cius Coimbra e pelo fotógrafo Lula Carvalho
como se eu soubesse o que estava fazendo.
para fazer uma segunda câmera durante um
E, ao escutar a ordem “ação”, sua fisionomia
dia de filmagem em pleno sertão de Rosa. O
se transfigurava num transe entre a reali-
Wilker empacou num texto que não con-
dade e o sonho.
seguia decorar. Ele, tão famoso na arte de
Depois nos encontramos em vários fil-
não errar, obrigou o diretor ao corte do pla-
mes, mas não posso deixar de registrar um
no diversas vezes. Discretamente, depois
dos grandes momentos da televisão brasi-
que conseguimos vencer a dificuldade, fui
leira, quando fizemos juntos a novela Renas-
perto do Zé e perguntei baixinho como era
cer, dirigida por Luiz Fernando Carvalho, em
mesmo o método que utilizava para deco-
1993.
rar os textos que ele havia me contado anos
Wilker, de improviso, criou o bordão que
atrás. E mais uma vez, com o belo sorriso
dizia todas as noites na telinha para uma au-
meio infantil e o tom de voz inesquecível,
diência fantástica com a voz inigualável do
sentenciou: “Esqueci”.
icônico personagem do coronel Belarmino:
Poderia ficar aqui o dia inteiro contan-
“É justo, é muito justo, é justíssimo”. Até hoje
do dos meus encontros com o José Wilker
ressoa em minha cabeça o timbre de sua fala
e tantas histórias que vivemos juntos no ci-
e o tom irônico, como muito bem sabia fazer
nema e na televisão.
e encantar.
Queria lembrar de um dos personagens
Certo dia, sentados em frente ao mar no
mais bem construídos do nosso cinema, que
litoral da Bahia, exaustos das filmagens, num
tem a envergadura de um Antônio das Mor-
entardecer amarelo avermelhado, enquan-
tes, criado por Glauber Rocha em Deus e o
to o Sol pingava fogo no horizonte, me expli-
Diabo na Terra do Sol, que foi a criação estu-
cava o que era para ele a vassoura de bruxa
penda que Wilker fez para o Tiradentes no
que atingia a plantação de cacau na região.
filme Os Inconfidentes, em 1972, de Joaquim
Sua imaginação transcendia o próprio fe-
Pedro de Andrade. Imperdível.
nômeno, impublicável. Na ocasião, pergun-
Há quem prefira Al Pacino a Marlon
tei como fazia para construir seus persona-
Brando, há também quem prefira Redford
gens. Respondeu-me: “Pode ser até a partir
a Paul Newman ou até quem prefira John
de um cheiro que sinto no ar”. Depois disso,
Houston a Max von Sydow. Eu prefiro Zé
recorro sempre a essa fala, da qual me lem-
Wilker, simplesmente.
bro com carinho e inspiração, quando estou encurralado para encontrar a imagem que
Walter Carvalho
José Wilker: 50 anos de cinema
129
Os Inconfidentes. Fotógrafo não identificado. Acervo: Cedoc/FUNARTE
eu acho que a melhor amizade que você deve ter é aquela de uma pessoa da qual você esteve separado por dez anos e ao reencontrá-la é como se a conversa tivesse terminado ontem.
130
Cinquentinha, minissérie da TV Globo. Fotógrafo não identificado. Acervo: Cedoc/Globo
A eternidade para mim é insuportável.
José Wilker: 50 anos de cinema
131
Visita a Borges Existem alguns livros que nasceram para
dia, rindo: “Não me pareceu necessário”.
não ser escritos. Vivem apenas como pro-
Um tempo depois, ele teve uma segunda
jetos, muitas vezes durante anos, e por uma
chance de trocar algumas palavras com Bor-
série de razões acabam nunca se concreti-
ges, mas as coisas acabaram saindo de forma
zando. Em geral, não dá tempo.
inesperada. Aconteceu em Buenos Aires: al-
Acalentei um desses projetos em parce-
guém que tinha acesso ao escritor arranjou
ria com o Wilker, um livro que só existiu em
um encontro para Wilker, que naquele mo-
nossas conversas, no qual me caberia a di-
mento vivia o auge da exposição com o su-
vertidíssima tarefa de registrar por escrito
cesso do filme Dona Flor e Seus Dois Maridos.
algumas das histórias vividas por ele. Seria
No dia e hora agendados, ele se apresen-
uma antologia de episódios extravagantes,
tou na residência do mestre, em Palermo,
absurdos e inverossímeis. E sempre engra-
onde foi recebido por um empregado, que o
çados, muito engraçados. Coisas que só po-
acomodou numa saleta e avisou que Borges
diam acontecer para alguém como o Wilker,
não demoraria. Esse empregado reapare-
que sabia apreciar como poucos a fina ironia
ceu logo em seguida conduzindo pelo braço
com que a vida nos acena todos os dias.
o grande escritor, já cego na época, e o aju-
Se tivéssemos escrito esse livro, um dos
dou a sentar-se no sofá, perto do visitante
personagens certamente seria Jorge Luis
ilustre. E assim os dois permaneceram, sen-
Borges, ídolo literário de Wilker, que, além
tados lado a lado, no mais absoluto silêncio,
de grande leitor, como todo (bom) ator, tinha
por um longo tempo. Até que Borges levan-
uma memória fabulosa e era capaz de citar
tou-se e se despediu de Wilker, dando por
largos trechos da obra do brujo argentino.
encerrada a silenciosa visita, e desapareceu
Talvez seja insuficiente dizer que ele amava
no interior da casa. Pouco depois, o empre-
Borges — Wilker tinha devoção pelo escri-
gado retornou e abriu a porta da rua para o
tor. Devoção que o levou a viver experiências
brasileiro.
que, na falta de um adjetivo mais adequado, só me ocorre classificar como borgeanas. Feito a ocasião em que se hospedou num hotel só por saber que o argentino estava lá. Por vários dias, Wilker se valeu da proximidade apenas para observar Borges. Quando perguntado por que não o abordou, respon-
Marçal Aquino
132
Giovanni Improtta. Fotografia: Daniel Behr. Acervo: Luz Mรกgica
José Wilker: 50 anos de cinema
133
Wilkpédia Até prova em contrário, pois há notícias de que, em 1963, Wilker teria feito uma figuração em A Morte em Três Tempos, de Fernando Cony Campos, os primeiros fotogramas impressos com a imagem de José Wilker são de A Falecida, de Leon Hirszman, em 1965. Wilker, que queria ser técnico de cinema, fazia assistência de continuidade, mas houve um dia em que a produção necessitou de figuração e lá foi ele. Acabou fazendo uma sequência inteira, composta por seis planos, com direito a diálogos. No primeiro plano, ele entra com a figuração, acompanhando o caixão de Zulmira. No segundo, ele aparece de costas; no terceiro, está encoberto pela figuração. No quarto, ele diz sua primeira frase exclamativa no cinema: “É!”, aguarda os diálogos dos outros atores e conclui: “Né mole, não. Perder um jogo desse na decisão do campeonato?”. Nesse enquadramento, estão, da esquerda para a direita, José Wilker, Billy Davis, um ator não identificado e Hugo Carvana. O quinto plano é a colocação do caixão no carro funerário. No sexto, ele encerra sua participação dizendo: “Ahá, ahá. Nunca vi enterro mais fuleiro. Vê só que carro mixa!”, que é a constatação do fracasso do sonho de Zulmira.
134
A Falecida 1965, 85 min Direção Leon Hirszman Roteiro Leon Hirszman e Eduardo Coutinho Produção Produções Cinematográficas Meta Elenco Fernanda Montenegro, Paulo Gracindo, Wanda Lacerda, Ivan Cândido, Nelson Xavier, Joel Barcellos, Hugo Carvana Obcecada pela ideia de morte, Zulmira sonha com um enterro luxuoso como compensação para a vida miserável que leva em um subúrbio carioca, ao lado do marido, fanático por futebol. Baseado em peça de Nelson Rodrigues.
Elenco Gilson Moura, Mario Prieto Memória do golpe de 64. Um militante, um professor e um místico são perseguidos e mortos. José Wilker faz o papel de místico, que foi, de fato, o primeiro a ser convidado a interpretar. Curiosidade ¶ José Wilker sobre o filme: “Deu um trabalho enorme. A gente trabalhou, trabalhou, trabalhou. Depois eu fui ver o filme... e eu não entendi nada. Eu devo ter visto o filme umas cinco ou seis vezes, e eu não entendi nada”.
El Justicero 1967, 80 min Direção Nelson Pereira dos Santos Roteiro Nelson Pereira dos Santos Produção Regina Filmes Elenco Arduino Colassanti, Adriana Prieto, Márcia Rodrigues, Emanuel Cavalcanti, Álvaro Aguiar, Rosita Thomaz Lopes, Zózimo Bulbul, Hugo Bidet As aventuras de um playboy de Copacabana, El Justicero. Filho de general, o rapaz usa e abusa do dinheiro e prestígio do pai e acaba se apaixonando por uma garota politizada e bem mais avançada do que ele. Na época, o filme foi proibido vários meses pela censura da ditadura militar. José Wilker interpreta “El Rato”, chefe da gangue rival do herói.
Curiosidade ¶ A estreia de José Wilker no cinema se deu em pequena participação, não creditada, como explicou em depoimento à Rede Globo: “Fazia assistência de continuidade em A Falecida e acabei entrando como ator em uma cena. A cena era o enterro da falecida, não tinha grana, a gente tentou fazer aquela sequência várias vezes e sempre chovia. Cada vez que chovia, o Billy Davis, que era o produtor, dispensava a figuração contratada e tinha que pagá-la. Na quarta ou quinta vez que marcou essa filmagem, o Billy falou: ‘Ó, figuração somos nós. Eu não tenho mais dinheiro para pagar figurante’.”
Paixão 1966, 9 min Direção Sergio Santeiro Roteiro Sergio Santeiro Produção Sergio Santeiro
Massacre no Supermercado 1968, 95 min Direção J.B.Tanko Roteiro J.B. Tanko
José Wilker: 50 anos de cinema
Produção Produções Cinematográficas Herbert Richers Elenco José Augusto Branco, Nestor Montemar, Thaís Moniz Portinho, Nelson Xavier, Carlos Vereza Inspirado em um fato real acontecido em 1966: empregado de um grande supermercado arma um assalto que é malsucedido. Em represália, o mentor prende companheiros e vigias e metralha todos no frigorífico. José Wilker integra uma ampla lista de elenco de apoio.
A Vida Provisória 1968, 88 min Direção Maurício Gomes Leite Roteiro Maurício Gomes Leite Produção Tekla Filmes, Saga Filmes, LC Barreto e J. P. de Carvalho. Elenco Paulo José, Dina Sfat, Joana Fomm, Márcia Rodrigues, José Lewgoy, Renata Sorrah, Hugo Carvana, Mário Lago, Paulo César Pereio, Billy Davis Jornalista empenhado em investigação política é capturado por dois homens. Preso e torturado, o repórter relembra as mulheres de sua vida antes de morrer. José Wilker, personagem sem nome, é identificado como “o homem magro”. Estranho Triângulo 1969, 95 min Direção Pedro Camargo Roteiro Pedro Camargo Produção Produções Cinematográficas R. F. Farias. Elenco Carlos Mossi, Leila Santos, José Augusto Branco, Dinorah Brilhante, Lúcia Alves Durval, inescrupuloso rapaz do interior, chega à cidade grande disposto a conseguir luxo, dinheiro e mulheres. Envolve-se com um milionário homossexual que se casa para manter as aparências. Tem início assim o “estranho triângulo” do título. José Wilker interpreta um jovem estudante com quem Durval discute política. Eu Sou Vida; Eu Não Sou Morte 1970, 10 min Direção Haroldo Marinho Barbosa Roteiro Haroldo Marinho Barbosa Produção H. M. Barbosa Filmes e Filmes da Matriz Elenco Renato Machado, Tetê Medina. Baseado em peça escrita por Qorpo Santo em 1866, aborda um triângulo amoroso em que um homem mata o rival. Filme vencedor do Festival JB, foi um marco na carreira cinematográfica de José Wilker. Os Inconfidentes 1972, 76 min Direção Joaquim Pedro de Andrade
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Roteiro Joaquim Pedro de Andrade e Eduardo Escorel Produção Filmes do Sêrro, Grupo Filmes e Mapa Filmes. Elenco Luiz Linhares, Paulo César Pereio, Fernando Torres, Carlos Kroeber, Nelson Dantas, Margarida Rey Reconstituição da Inconfidência Mineira com base nos Autos da Devassa, em versos dos poetas inconfidentes Tomás Antonio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto, e em O Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Primeira atuação de José Wilker como protagonista, no papel de Tiradentes.
Curiosidade ¶ De José Wilker sobre Tiradentes: “Quan-
do o Joaquim Pedro me convidou para fazer Os Inconfidentes, perguntei que personagem ele queria que eu fizesse. Quando ele disse ‘Tiradentes’, reagi. ‘Não pareço com Tiradentes, não tenho nada daquela figura barbuda’. Joaquim Pedro enfatizou que essas referências icônicas eram uma invenção e que, na verdade, ninguém sabia como era Tiradentes. O que ele queria de mim era a imensa fúria que ele achava que eu tinha como pessoa e como intérprete. Lembro que eu não queria ver o filme depois de pronto — não gosto muito de me ver, gosto de ver os outros, e tinha certeza absoluta de que assistiria a um desastre. Na verdade, assisti a um filme extraordinário e me emocionei diante da sua delicadeza, dignidade e virulência espantosa”.
Amor e Medo 1974, 78 min Direção José Rubens Siqueira Roteiro José Rubens Siqueira Produção Batukfilm e Brasecran
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Elenco Irene Stefânia, Hugo Prata Filho, Rogério de Poly, Carlos Moura, Maria Alice Vergueiro Um diretor de cinema ainda jovem, típico dos anos 60, perde a motivação de viver. Ao lado da mulher e do filho pequeno, muda-se para uma casa no campo. Apesar da mudança, a melancolia persiste. José Wilker interpreta o cineasta atormentado.
Elenco Stepan Nercessian, Cristina Aché, Neila Tavares Quatro amigos, dois homens e duas mulheres, revelam suas experiências amorosas. Filme em quatro episódios. José Wilker participa de Dois É Bom, Quatro É Melhor.
Ana, a Libertina 1975, 89 min Direção Alberto Salvá Roteiro Alberto Salvá Produção Produções Cinematográficas Herbert Richers Elenco Marília Pêra, Edson França, Daniel Filho, Irma Alvarez, Ruth de Souza, Gracinda Freire Jovem é encontrada morta em seu apartamento. As investigações — conduzidas por um delegado com quem ela tivera um caso amoroso — apontam vários suspeitos. Uma confissão inesperada muda o rumo da trama. José Wilker interpreta o personagem João Paulo.
Confissões de Uma Viúva Moça 1975, 88 min Direção Adnor Pitanga Roteiro Adnor Pitanga Produção Di Mello Produções Cinematográficas Elenco Sandra Barsotti, Celso Faria, Myriam Pérsia Baseado em romance de Machado de Assis. Uma viúva afastada narra em cartas a uma amiga a vida com o falecido marido e seu envolvimento com Emílio (José Wilker), amigo do casal.
O Casal 1975, 108 min Direção Daniel Filho Roteiro Oduvaldo Vianna Filho e Daniel Filho Produção Produções Cinematográficas R. F. Farias Elenco Sônia Braga, Herval Rossano, Susana Vieira, Antônio Pedro, Betty Faria, Fábio Sabag Casal jovem, típico de classe média, é atingido por uma notícia “bomba”: a inesperada gravidez da mulher. Deliciosas Traições de Amor 1975, 89 min Direção Teresa Trautman Roteiro Teresa Trautman e Alberto Salvá Produção PBF Produtora Brasileira de Filmes Ltda., Produções JR. e Art Films
Dona Flor e Seus Dois Maridos 1976, 118 min Direção Bruno Barreto Roteiro Bruno Barreto, Leopoldo Serran e Eduardo Coutinho Produção LC Barreto, Triângulo Filmes e Companhia Serrador Elenco Sônia Braga, Mauro Mendonça, Mara Rúbia, Dinorah Brilhante, Nelson Xavier, Nelson Dantas, Nilda Spencer, Betty Faria Adaptação do romance de Jorge Amado. No início da década de 1940, Dona Flor, sedutora professora de culinária em Salvador, é casada com Vadinho, malandro sedutor chegado a farras e jogatina. Os excessos acabam provocando sua morte precoce. A jovem viúva casa-se com um respeitável farmacêutico, mas as saudades do primeiro marido, sobretudo como amante, provocam o
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retorno do “falecido” em espírito. E Dona Flor passa a dividir o leito conjugal com dois maridos.
Curiosidade ¶ Durante 34 anos, foi o filme recordista de público do cinema brasileiro, com mais de 10 milhões de espectadores, até ser ultrapassado em 2010 por Tropa de Elite 2. ¶ Wilker sobre Vadinho: “Vadinho é uma espécie de representante do desastrado brasileiro, aquele cara que, pela incapacidade de se entender, de aprender com o próprio erro, cria e inventa a própria infelicidade. Por isso, ele me fascina: porque ele parece tudo aquilo que quer ser: vencedor na loteria esportiva”.
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Diamante Bruto 1977, 100 min Direção Orlando Senna Roteiro Orlando Senna Produção Pilar Filmes Elenco Conceição Senna, Wilson Melo, Gilda Ferreira, Grimaldo Veiga, Ademário Rufino Após 20 anos de ausência, o astro de TV José de Castro (José Wilker) retorna à sua terra natal – Lençóis – e reencontra Bugrinha, seu amor de infância, uma garota negra e pobre que se guardara todo esse tempo para ele. José acaba se envolvendo com a mulher de um capataz violento. Problemas dos garimpeiros locais misturam-se aos personagens de uma história que se encaminhará para uma tragédia. Curiosidade ¶ A chegada de José Wilker a Lençóis, na Bahia, provocou uma verdadeira comoção popular. Esse momento foi registrado pela câmera Super-8 pessoal de José Wilker e de sua esposa Renée de Vielmond. Essas cenas foram usadas pela atriz e diretora Conceição Senna no documentário Brilhante, que aborda as transformações que o filme fez na cidade.
Batalha dos Guararapes 1978, 156 min
Xica da Silva 1976, 114 min Direção Carlos Diegues Roteiro Carlos Diegues e João Felício dos Santos Produção Luz Mágica Produções Audiovisuais Elenco Zezé Motta, Walmor Chagas, Elke Maravilha, Altair Lima, Stepan Nercessian Na segunda metade do século XVIII, a escrava negra Xica da Silva torna-se o centro das atenções no Distrito Diamantino, onde estão as minas mais ricas do país. João Fernandes, representante da Coroa portuguesa, apaixona-se pela escrava e a transforma na Rainha do Diamante, satisfazendo todos os seus desejos extravagantes. O rei de Portugal manda um emissário – o Conde de Valadares (José Wilker) – investigar a situação. Curiosidade Um dos grandes sucessos do cinema brasileiro, com 3.183.000 espectadores.
Direção Paulo Thiago Roteiro Armando Costa, Miguel Borges, Gustavo Dahl e Paulo Thiago Produção Vitória Produções Cinematográficas Elenco Renée de Vielmond, Tamara Taxman, Jardel Filho, Nildo Parente, Roberto Bonfim, Joel Barcelos, Jofre Soares Os principais episódios da batalha entre holandeses e luso-brasileiros nas cercanias de Recife, no século XVII, revelando as forças econômicas e políticas que moveram aquele período. José Wilker interpreta João Fernandes Vieira, aventureiro que decide aderir aos dominadores.
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Curiosidade ¶ Superprodução nacional, com a participação de 120 atores e mais de 3 mil figurantes. ¶ Foi um dos filmes mais caros da época: US$ 3,5 milhões.
Professor Kranz Tedesdo Di Germânia (O Golpe Mais Louco do Mundo) 1979, 108 min Direção Luciano Salce Roteiro Leonardo Benvenuti, Augusto Caminito, Giuseppe Catalano, Armando Costa e outros Produção EFFE ESSE Cinematográfica e Brasfilme Produções Cinematográficas Elenco Paolo Villagio, Vittoria Chamas, Maria Rosa, Walter D´Ávila, Berta Loran, Adolfo Celi Kranz, um farsante psicanalista alemão, tenta levar a vida no Rio de Janeiro. Associa-se ao malandro Leleco (José Wilker) e à sua turma para aplicar um golpe milionário em um rico sheik.
Salomé, Lorde Cigano (José Wilker) e Andorinha são três artistas ambulantes que cruzam o Nordeste do Brasil com a Caravana Rolidei, fazendo espetáculos para as populações locais. A eles se juntam o sanfoneiro Ciço e sua mulher Dasdô. A bordo de um caminhão, a caravana atravessa a Amazônia até chegar a Brasília, vivendo diversas aventuras pelas estradas de um país em grande transformação.
Arraes de Volta 1979, 15 min Direção Lauro Escorel e José Wilker Produção LC Barreto O documentário registra a volta de Miguel Arraes após a anistia, em 1979. A campanha pelo seu reingresso na política, nas eleições de 1980, iniciou-se no ano anterior com cartazes e comícios e dividiu opiniões. Curiosidade ¶ O documentário foi ideia de Wilker, que manifestou a Luiz Carlos Barreto o desejo de ir a Recife para acompanhar a volta de Arraes do exílio. Barreto convoca o fotógrafo Lauro Escorel para registrar esse momento e co-dirigir o filme. É o primeiro filme dirigido por Wilker.
Bonitinha Mas Ordinária ou Otto Lara Rezende 1980, 100 min Direção Braz Chediak Roteiro Gilvan Pereira, Sindoval Aguiar, Jorge Laclette e Doc Camparato Produção Sincrocine Ltda Elenco Lucélia Santos, Vera Fischer, Milton Moraes, Miriam Pires, Carlos Kroeber
Curiosidade ¶ Luciano Salce, diretor de teatro e cinema italiano contratado pelo TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) no início dos anos 50, dirigiu dois filmes na Cia. Vera Cruz: Uma Pulga na Balança e Floradas na Serra. Voltou para o seu país e retornou ao Rio para filmar uma comédia unindo malandros italianos e cariocas.
Bye Bye Brasil 1979, 99 min Direção Carlos Diegues Roteiro Carlos Diegues e Leopoldo Serran Produção LC Barreto Elenco Betty Faria, Fábio Jr., Zaira Zambelli, Jofre Soares, Carlos Kroeber, Príncipe Nabor, Marieta Severo, Emanuel Cavalcanti
Baseado em peça de Nelson Rodrigues, o filme narra os conflitos de Edgar (José Wilker), jovem de origem
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humilde que recebe proposta milionária do patrão de se casar com sua filha Maria Cecília, de 17 anos, currada por cinco negros. O rapaz hesita, já que é apaixonado por Ritinha, sua vizinha. Curiosidade ¶ José Wilker lembra de uma visita de Nelson Rodrigues ao set para acompanhar as filmagens. “Ele repetia-me, entre uma baforada e outra do cigarro, que lhe era proibido, que o bom ator tinha de ser burro. Não existe pior ator que o ator inteligente, afirmava. Soprava a fumaça para o alto, tossia como uma Dama das Camélias e concluía: ‘Se não puder ser burro, finja que é. Você é ator para isso mesmo’.” ¶ Máxima de Edgar (José Wilker) para o patrão: “Eu sou um ex-contínuo sim, e você é um filho da puta”.
Los Crápulas 1981, 108 min Direção Jorge Pantano Roteiro Lito Spinosa e Jorge Pantano Produção Cinematografica Internacional Latino Americana Elenco Lando Buzzanca, Max Berliner, Héctor Bidonde, Soledad Silveyra Dois ex-presidiários são contratados pelo diabo para administrar o cemitério de um pequeno povoado. Produção da Argentina.
O Bom Burguês 1982, 100 min Direção Oswaldo Caldeira Roteiro Doc Camparato e Oswaldo Caldeira Produção Vitória Produções Cinematográficas Elenco Betty Faria, Jardel Filho, Christiane Torloni, Anselmo Vasconcelos, Nelson Dantas, Jofre Soares Livremente baseado em um personagem real. Na década de 1960, um bancário da agência do Banco do Brasil no Leblon desviou cerca de dois milhões de dólares para a guerrilha que lutava contra a ditadura militar. José Wilker interpreta Lucas, inspirado em Jorge Medeiros do Vale, conhecido como “o bom burguês”.
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Curiosidade ¶ Segundo José Wilker: “O personagem central foi tratado como personagem de ficção. Se ele pode parecer meio ambíguo a um observador mais apressado, digo que, em determinadas circunstâncias históricas, a gente se vê obrigado a agir de forma dupla, tripla, de forma camuflada, enfim. Às vezes, é preciso ser bem camaleão para sobreviver — e sobreviver, conforme um pensamento de Brecht, é a forma mais intensa de subversão”.
O Rei da Vela 1982, 160 min Direção José Celso Martinez Correa e Noilton Nunes Produção Quinto Tempo Produções Artísticas e Culturais Elenco Renato Borghi, Esther Góes, Maria Alice Vergueiro, Flávio Santiago, Silvia Werneck Filmagem da montagem histórica da peça de Oswald de Andrade pelo Grupo Oficina. Wilker teve atuação arrebatadora como Abelardo II na segunda temporada da peça no Rio de Janeiro, no Teatro João Caetano. Fiebre Amarilla 1984, 90 min Direção Javier Torre Roteiro Javier Torre e Maria Elena Marelli Produção Producción General y Estudios Asociados e Javier Torre Elenco Graciela Borges, Dora Baret, Nathán Pinzón, Carlos Muñoz, Jorge Petraglia Uma visão pessoal sobre a repressão e os assassinatos ocorridos durante a ditadura militar. Produção da Argentina. Jango 1984, 117 min Direção Silvio Tendler Roteiro Silvio Tendler e Maurício Dias Produção Caliban Produções Cinematográficas e Rob Filmes José Wilker participou como produtor associado e narrador do filme, que aborda a trajetória de João Goulart. Marco do documentário político no país.
Fonte da Saudade 1986, 90 min Direção Marco Altberg Roteiro Julia Altberg Produção Diadema Produções Cinematográficas Elenco Lucélia Santos, Thales Pan Chacon, Maria Alves, Norma Bengell, Paulo Betti, Xuxa Lopes Mulher insatisfeita com o marido busca em outros ho-
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mens a imagem perdida do pai. Filme em três episódios revelando os conflitos de três mulheres na idade adulta, unidas pela ausência da figura paterna. Baseado no livro Trilogia do Assombro, de Helena Jobim. José Wilker participa do primeiro episódio, Bárbara.
O Homem da Capa Preta 1986, 120 min Direção Sergio Rezende Roteiro Tairone Feitosa, José Louzeiro e Sergio Rezende Produção Morena Filmes Elenco Marieta Severo, Jonas Bloch, Isolda Cresta, Mariana de Moraes, Chico Diaz A trajetória de um dos maiores mitos da Baixada Fluminense: Tenório Cavalcanti, personagem polêmico, o “homem do corpo fechado”, visto como um herói populista dos anos 60.
Direção Luiz Carlos Lacerda Roteiro Luiz Carlos Lacerda Produção Ponto Filmes Elenco Louise Cardoso, Stênio Garcia, Hugo Carvana, Otávio Augusto, Paulo César Grande, Diogo Vilela, Carlos Alberto Ricelli, Tony Ramos Filme sobre a grande musa do cinema e do teatro dos anos 70 até sua trágica morte em desastre aéreo em 1972. Nessa cinebiografia, José Wilker interpreta um “sheik” de novela.
Um Trem Para as Estrelas 1987, 103 min Direção Carlos Diegues Roteiro Carlos Diegues e Carlos Lombardi Produção Luz Mágica Produções Audiovisuais Elenco Guilherme Fontes, Betty Faria, Milton Gonçalves, Taumaturgo Ferreira, Miriam Pires, Zé Trindade, Cazuza, Daniel Filho
Curiosidade ¶ O filme marca a primeira parceria entre o diretor Sergio Rezende e José Wilker, no papel título. O ator foi sugerido por uma das filhas de Tenório, Maria do Carmo Cavalcanti Fortes, autora do livro Tenório, o Homem e o Mito, uma das fontes de pesquisa do filme. A autora revelou: “Quando escrevi o livro, já pensava no Wilker como Tenório. No final do livro, eu já não visualizava mais o Tenório, mas o Wilker”.
Baixo Gávea 1986, 110 min Direção Haroldo Marinho Barbosa Roteiro Haroldo Marinho Barbosa Produção H. M. Barbosa Produções Cinematográficas Elenco Lucélia Santos, Louise Cardoso, Carlos Gregório, Lorena da Silva, Analu Prestes, Wilson Grey As inquietações de duas jovens cariocas de temperamentos opostos. Elas moram juntas e ensaiam uma peça de teatro sobre o poeta Fernando Pessoa. José Wilker tem participação especial como “o maluco da bomba”.
A namorada de um jovem saxofonista desaparece depois de uma noite de amor. Em busca da jovem, ele vive uma verdadeira odisseia urbana, atravessando a cidade, sua violência, miséria e injustiças, sempre envolvido pela música. Em um bar onde toca, é abordado por um bêbado, interpretado por José Wilker.
Leila Diniz 1987, 101 min
Besame Mucho 1987, 108 min Direção Francisco Ramalho Jr. Roteiro Francisco Ramalho Jr. Produção Francisco Ramalho Júnior Filmes e HB Filmes Elenco Paulo Betti, Antônio Fagundes, Glória Pires, Christiane Torloni, Jesse James Costa, Giulia Gam A trajetória de dois casais de amigos – Xico (José Wilker) e Olga, e Tuca e Dina. O romance no interior, o casamento, o sexo, a carreira profissional, os fatos políticos das décadas de 60 e 70, embalados pela canção “Besame Mucho”. Baseado em peça homônima de Mario Prata, o filme co-
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meça na época atual e retrocede no tempo para falar de sonhos e expectativas dos personagens.
Prisioneiro do Rio (Prisoner of Rio) 1988, 90 min Direção Lech Majewsky Roteiro Ronald Biggs, Julia Frankel e Lech Majewsky Produção Mult Media AG e Samba Corporation Elenco Paul Freeman, Peter Firth, Desmond Llewelyn, Florinda Bolkan, Zezé Motta, Wilza Carla, Elke Maravilha, Stephen Wohl A vida no Rio do célebre ladrão inglês de trem Ronald Biggs, que participou da elaboração do roteiro. José Wilker tem participação como Salo.
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Doida Demais 1989, 105 min Direção Sergio Rezende Roteiro Jorge Duran e Sergio Rezende Produção Morena Filmes Elenco Paulo Betti, Vera Fischer, Carlos Gregório, Ítalo Rossi, Manfredo Bahia No Rio de Janeiro, Letícia, uma bela falsificadora de quadros, e seu amante Noé enganam um poderoso colecionador com alguns quadros falsos. Quando o esquema fraudulento é exposto, ela escapa com Gabriel, um novo amante, piloto de um avião de aluguel. Eles fogem para a Bahia, enquanto são perseguidos por Noé, interpretado por José Wilker.
A Porta Aberta 1988, 10 min Direção Aluizio Abranches Produção Tambellini Filmes Elenco Janaina Diniz Guerra, Marieta Severo, Carlos Gregório, Marcos Prado Atmosfera fantástica em uma casa bucólica, onde as fantasias de uma adolescente entram em conflito com o mundo adulto.
Solidão, Uma Linda História de Amor 1989 Direção Victor di Mello Roteiro Victor di Mello e Avelino Dias dos Santos Produção Sambola Filmes Elenco Rogério Samora, Tarcísio Meira, Edson Arantes do Nascimento (Pelé), Nuno Leal Maia, Stênio Garcia, Paulo Goulart, Maitê Proença
Um português chega ao Brasil para vencer na vida, mas acaba envolvido com a contravenção, apaixona-se pela mulher de um amigo e sofre muito até acertar o rumo. Wilker interpreta o amigo, ou melhor, o ex-amigo e rival do imigrante.
Curiosidade ¶ Depoimento de José Wilker à época do lançamento: “Escolhi fazer Noé por ser um personagem impossível. Impossível porque não havia dados suficientes no roteiro que o completassem. Ele deveria ser construído a cada take, a cada sequência. Ao contrário de Tenório em O Homem da Capa Preta, onde o personagem já estava pronto, Noé exigiu de minha parte que eu buscasse um tipo de violência no temperamento que eu nem sei se tenho, e que, se tivesse, jamais usaria. Acho que Doida Demais tocou em lados meus que eu ainda não tinha mexido como ator.”
Mentira 1989, 9 min Direção Flávia Moraes Roteiro Luis Fernando Veríssimo Produção Cinco Ponto Seis Filmes Elenco Ellen Helene, Roney Fachini Um marido pacato e fiel percebe que uma mentira cabeluda pode ser mais segura que a verdade inocente. Baseado em conto de Luis Fernando Verissimo. Narração de José Wilker.
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Dias Melhores Virão 1989, 95 min Direção Carlos Diegues Roteiro Antônio Calmon, Vicente Pereira, Vinicius Vianna e Carlos Diegues Produção Cininvest, Multiplic e CDK Produções Elenco Marília Pêra, Paulo José, Zezé Motta, Rita Lee, Paulo César Pereio
A luta de um cientista excêntrico para a descoberta da cura do câncer. Ele transfere seu laboratório para a floresta Amazônica, onde é auxiliado por uma bioquímica norte-americana. José Wilker interpreta o Dr. Miguel Ornega. Curiosidade ¶ Apesar da história se passar na Amazônia, não foi bem isso o que aconteceu, como revelou José Wilker durante o lançamento no Brasil: “Na época das filmagens, a Floresta Amazônica estava em plena estação de chuvas. A solução foi construir uma floresta de fibra de vidro no México. Só dois ou três planos gerais foram filmados no Brasil. O resto, a selva e a aldeia dos índios, tudo era de plástico.”
Josué de Castro – Cidadão do Mundo
Dubladora de seriados para a TV tem o sonho de se tornar uma grande estrela em Hollywood. Às voltas com seu grupo de dublagem e com um amante casado, ela passa a misturar realidade e fantasia. Em seus devaneios, ela conversa com o fantasma de um namorado morto e também com a estrela da comédia americana que ela dubla. José Wilker interpreta Wallace, o amante casado da dubladora.
Filha da Mãe 1990, 105 min Direção João Canijo Roteiro Olivier Assayas, João Canijo, Manuel Mozos e Teresa Villaverde Produção Madragoa Filmes Elenco Rita Blanco, Lidia Franco, Miguel Guilherme, Diogo Dória, João Cabral. Comédia sentimental e intriga policial em torno de uma jovem e suas relações com o namorado, a mãe, seu amante e um pai que volta ao lar português depois de 20 anos no Brasil (José Wilker). Produção de Portugal. O Curandeiro da Selva (Medicine Man) 1992, 106 min Direção John McTiernan Roteiro Tom Schulman e Sally Robinson Produção Cinergi Pictures Entertainment e Hollywood Pictures Elenco Sean Connery, Lorraine Bracco, Rodolfo De Alexandre, Elias Monteiro da Silva
1994, 50 min Direção Silvio Tendler Produção Caliban Produções Cinematográficas Documentário sobre o médico, geógrafo, sociólogo e político que foi um pioneiro no combate à fome no mundo. José Wilker dividiu a narração do filme com Fancisco Milani.
Pequeno Dicionário Amoroso 1997, 91 min Direção Sandra Werneck Roteiro Paulo Halm e José Roberto Torero Produção Cineluz Produções Cinematográficas Elenco Andrea Beltrão, Daniel Dantas, Tony Ramos, Glória Pires, Mônica Torres Dois jovens se conhecem por acaso, se apaixonam, se questionam e se separam. Todos os verbetes possíveis numa relação amorosa contemporânea, da atração à separação passando pelas coincidências, felicidade, idílio, jogo, juramento, pesadelo, revanche… e à teimosia do amor. São, literalmente, as desordens da paixão em ordem alfabética.
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For All — O Trampolim da Vitória 1997, 95 min Direção Buza Ferraz e Luiz Carlos Lacerda Roteiro Joaquim Assis, Luiz Carlos Lacerda, Buza Ferraz Produção Skylight Cinema e Vídeo e Bigdeni Filmes do Brasil Elenco Betty Faria, Paulo Gorgulho, Caio Junqueira, Erik Svane, Alexandre Lippiane
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o filme, alguns me disseram que Conselheiro falava baixo. Outros me disseram que Conselheiro só falava alto. Uns, que ele olhava o horizonte; outros, que olhava nos olhos das pessoas. Eu não fiz o que Conselheiro era — eu não faço documentário. Fiz o meu Conselheiro”.
Villa-Lobos – Uma Vida de Paixão 2000, 132 min Direção Zelito Viana Roteiro Joaquim Assis Produção Mapa Filmes Elenco Antônio Fagundes, Marcos Palmeira, Letícia Spiller, Marieta Severo, Ana Beatriz Nogueira, Othon Bastos, Paulo Moura, Antonio Pitanga, Antônio Abujamra. Litoral do Nordeste, 1943. Pela proximidade com a África, as tropas norte-americanas montam a maior base militar fora dos EUA. Cerca de 15 mil soldados americanos passam pela base e suas presenças alteram a estabilidade das famílias locais, trazendo não somente dólares e eletrodomésticos, mas também o glamour de uma cultura de Hollywood, a música das grandes bandas e a sensualidade de cantoras e atrizes famosas. Essa “invasão” atinge em cheio a família Sandrini, chefiada por um imigrante italiano, com repercussões junto à mulher Lindalva, à bela filha Iracema e ao filho adolescente. José Wilker interpreta Giancarlo Sandrini, que não esconde uma certa admiração por Mussolini.
Guerra de Canudos 1997, 170 min Direção Sergio Rezende Roteiro Paulo Halm e Sergio Rezende Produção Morena Filmes Elenco Claudia Abreu, Paulo Betti, Marieta Severo, José de Abreu, Roberto Bomtempo, Tonico Pereira, Dandara Ohana, Tuca Andrada, Denise Weinberg Os últimos anos do líder beato Antonio Conselheiro e da comunidade de fiéis estabelecida no interior da Bahia, em Belo Monte, na Região de Canudos. O movimento liderado por Conselheiro e a resistência aos ataques por tropas federais enviadas para dizimar o povoado são narrados através de posições conflitantes de uma família nordestina. A saga de Conselheiro e seus seguidores termina em 1897, com o massacre da comunidade. Curiosidade ¶ José Wilker: “Meu interesse é manter o mistério. Durantes os meses de preparação para
A trajetória artística e pessoal de um criador genial, apaixonado pelo Brasil. Sua vida é retratada em três momentos – infância, juventude e maturidade. José Wilker vive Donizetti, personagem que aproxima o compositor da selva amazônica, dos sons indígenas e do mito do uirapuru.
Banquete 2002, 8 min Direção Marcelo Laffitte Roteiro Marcelo Laffitte Produção Laffilmes Cinematográfica e TSM Produções Elenco Norma Bengell Dois mendigos sentam-se à frente de um restaurante de luxo e comem as sobras que são jogadas no lixo, conversando sobre elas e listando os pratos servidos ali e em outros restaurantes da categoria.
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Curiosidade ¶ Filmado na Gávea, em frente ao restaurante Guimas. Em um intervalo, Norma Bengell e José Wilker sentaram-se na calçada para fumar um cigarro. Um mendigo aproximou-se, pediu um cigarro, foi atendido e não fez cerimônia. Sentou e conversou com a dupla de “colegas” de igual para igual. Só que os colegas foram chamados de volta ao trabalho. O visitante seguiu em frente.
seus planos parecem ter ido por água abaixo, até que ela descobre que o dinheiro estava escondido nos grandes saltos dos sapatos. Em busca dos sapatos, percorre as ruas de Havana, cruzando com personagens divertidos. José Wilker interpreta Fernando, marido da dançarina.
O Homem do Ano 2002, 112 min Direção José Henrique Fonseca Roteiro Rubem Fonseca Produção Conspiração Filmes Elenco Murilo Benício, Cláudia Abreu, Natália Lage, Lázaro Ramos, Jorge Dória Baseado em livro de Patrícia Mello. Uma aposta ingênua entre amigos transforma Maiquel, um homem comum, em assassino e, depois, em herói de uma comunidade. Respeitado pela polícia e pelos bandidos, amado por duas mulheres, comete um erro. José Wilker tem participação especial como Silvio.
Tensão em Alto Mar (Dead In The Water) 2002, 90 min Direção Gustavo Lipsztein Roteiro Gustavo Lipsztein Produção Nuts e Lloyd e E. H. Filmes Elenco Henry Thomas, Dominique Swain, Scott Bairstow, Sebastian DeVicente, Renata Fronzi Um grupo de americanos se reúne em um passeio de barco em Angra dos Reis. Rivalidades afetivas e profissionais acabam gerando um acidente. José Wilker interpreta o pai da mocinha, homem falido e que vive graças à ajuda do sócio. Produção dos Estados Unidos.
Viva Zapato! (Viva Sapato) 2003, 94 min Direção Luiz Carlos Lacerda Roteiro Luiz Carlos Lacerda Produção Total Entertainment Elenco Laura Ramos, Jorge Sanz, Irene Ravache, Ney Latorraca, Marcello Antony, Paula Burlamaqui, Louise Cardoso, Caio Junqueira, Maitê Proença Dolores, belíssima dançarina cubana, decide abandonar seu casamento para abrir um restaurante à beira-mar, em parceria com a tia que mora no Brasil. Ela fica furiosa ao receber como presente da tia um par de sapatos de dança, em vez da ajuda financeira prometida. Sem dinheiro, vende os sapatos por alguns trocados. Todos os
Maria, Mãe do Filho de Deus 2003, 107 min Direção Moacyr Góes Roteiro Marta Borges, Thiego Balteiro, Moacyr Góes e Marcos Ribas de Farias Produção Diler e Associados Elenco Padre Marcelo Rossi, Giovanna Antonelli, Luigi Barricelli, Ana Beatriz Cisneiros, Ewerton de Castro, André Valli, Leon Góes, José Dumont A história da mãe de Jesus transposta para os dias atuais, em povoado pobre do interior, narrada pelo Padre Marcelo Rossi. José Wilker interpreta Pôncio Pilatos. Onde Anda Você 2004, 103 min
Direção Sergio Rezende Roteiro Leopoldo Serran Produção Morena Filmes
José Wilker: 50 anos de cinema
Elenco Regiane Alves, Castrinho, Genésio de Barros, Juca de Oliveira, Genézio de Barros, Aramis Trindade, José Dumont Após saber da morte de sua ex-mulher, Felício Barreto, comediante em fim de carreira, sai de São Paulo e viaja em direção ao Nordeste na expectativa de encontrar o antigo prazer de viver. Ele procura um novo parceiro: o lendário Boca Pura, que nem se sabe se existe. Sua vontade é formar uma dupla de palhaços como a que teve no passado com Mandarim. Em sua jornada, o comediante passa a inventar uma aventura delirante, na qual reencontra seu antigo parceiro e sua ex-esposa, ambos já falecidos. José Wilker interpreta o velho parceiro Mandarim.
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ber uma homenagem oficial, ele descobre a identidade de seus verdadeiros pais e a surpreendente história de amor entre eles.
Redentor 2004, 100 min Direção Claudio Torres Roteiro Elena Soárez, Fernanda Torres, Claudio Torres Produção Conspiração Filmes Elenco Pedro Cardoso, Miguel Falabella, Camila Pitanga, Fernando Torres, Stênio Garcia, Fernanda Montenegro Repórter de jornal carioca é escalado para cobrir um escândalo imobiliário. Por ironia, reencontra um amigo de infância, herdeiro do célebre empreiteiro Dr. Saboia (José Wilker), que se suicida após um escândalo que revela suas falcatruas para lesar a classe média do sonho de comprar casa própria.
Estocolmo 2005, 24 min Direção Ricardo Rama Roteiro Ricardo Rama e André Gonzo Produção Tia Maria Filmes Produções Elenco Tatyane Goulart, Tamara Taxman, Jonas Albino Jovem de classe média alta torna-se uma viciada em drogas. Sem dinheiro para pagar sua dívida, acaba sequestrada pelo chefe do tráfico. José Wilker interpreta o pai da jovem, um poderoso juiz federal.
O Maior Amor do Mundo 2006, 106 min Direção Carlos Diegues Roteiro Carlos Diegues Produção Luz Mágica Produções Audiovisuais Ltda. Elenco Taís Araújo, Sérgio Britto, Léa Garcia, Ana Sophia Folch, Marco Ricca Antônio, famoso astrofísico brasileiro e professor em uma universidade americana, recebe a notícia de que tem uma doença fatal. Ao retornar ao Brasil para rece-
Curiosidade ¶ De José Wilker sobre Antonio: “Cacá falava que a palavra-chave com relação a Antônio era compaixão. Eu dizia: ‘Mas como é que a gente pode ser solidário na dor de um personagem tão cheio de arestas, tão não me toques?’. Há um momento em que a gente se incomoda com aquele personagem tão frio, tão distante. E, de repente, aquele personagem, não sei por que razões, se torna apaixonante. A gente fica tomado de compaixão por ele e solidário com a dor dele. Foi um dos trabalhos mais difíceis que realizei em cinema”.
Canta Maria 2006, 95 min Direção Francisco Ramalho Jr. Roteiro Francisco Ramalho Jr. Produção Grapho Produções Artísticas Ltda. Elenco Vanessa Giácomo, Marco Ricca, Francisco Carvalho, Eliete Cigarini, Edward Boggiss, Aloísio de Abreu
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Nos anos 1930, o Nordeste brasileiro está em guerra sob ameaça de Lampião (José Wilker) e seu bando. Essas ações interferem em um pequeno núcleo rural, com repercussões sobre uma jovem órfã, Maria, que se apaixona por um amansador de cavalos. Este vive num sítio com seu sobrinho que, por sua vez, se apaixona por Maria. O ciúme de Felipe destrói essa paixão. Baseado no romance Os Desvalidos de Francisco J.C. Dantas.
Sexo Com Amor 2007, 96 min Direção Wolf Maya Roteiro Rene Belmonte Produção Total Entertainment Elenco Reynaldo Gianecchini, Malu Mader, Carolina Dieckmann, Danielle Winits, Marília Gabriela, Guilhermina Guinle Três crianças são flagradas na escola com um livro erótico. Os pais são chamados para discutir o problema. Durante a reunião, vêm à tona os problemas sexuais e amorosos dos três casais. Em estágios de vida diferentes, passam por turbulência afetiva. José Wilker interpreta Jorge, escritor famoso, casado com Mônica e que mantém um caso com Luísa, professora do filho.
Romance 2007, 100 min Direção Guel Arraes Roteiro Guel Arraes e Jorge Furtado Produção Uns Produções Elenco Wagner Moura, Letícia Sabatella, Andrea Beltrão, Bruno Garcia, Marco Nanini, Vladimir Brichta, Tonico Pereira
tão e Isolda. O namoro deles é afetado pelo posterior sucesso dela na TV, impulsionado pela empresária Fernanda. Além disto, ao gravar um especial de TV, Ana conhece Orlando, um ator por quem se apaixona. José Wilker interpreta Danilo, um chefão da TV.
A Casa da Mãe Joana 2008, 95 min Direção Hugo Carvana Roteiro Paulo Halm Produção Lereby e Mac Comunicação Elenco Paulo Betti, Antonio Pedro, Pedro Cardoso, Laura Cardoso, Juliana Paes
Juca (José Wilker), PR, Montanha e Vavá são amigos que, vagabundos por ideologia e farristas por natureza, dividem um apartamento. Um dia, eles decidem aplicar um golpe em uma joalheria, sendo bem-sucedidos. Vavá, porém, foge com o dinheiro e com Laura, a esposa do joalheiro. Perseguidos e sem dinheiro, resta a Juca, PR e Montanha fazer o que mais detestam para sobreviver: trabalhar. Curiosidade ¶ José Wilker sobre Carvana: “Eu sempre quis fazer um filme com o Carvana. Eu gosto desse espírito dele meio anárquico... uma Zona Sul do Rio que não existe mais, uma Zona Sul do Rio que eu vivi, dessa Ipanema libertária, dessa Ipanema porra louca, dessa Ipanema feliz e ao mesmo tempo muito criativa. Achei legal visitar de novo essa história”.
Pedro é um ator e diretor de teatro que se apaixona por Ana, também atriz, ao contracenar com ela a peça Tris-
Jardim Beleléu 2009, 15 min Direção Ari Candido Fernandes Produção Encruzilhada Filmes Elenco Flávio Bauraqui, Thalma de Freitas Assaltado num ônibus, Itamar perde o salário do mês. Um dia, avista um dos assaltantes e o persegue. Só que as balas não saem de seu revólver. José Wilker interpreta Corisco Sputnik.
José Wilker: 50 anos de cinema
Embarque Imediato 2009, 90 min Direção Allan Fiterman Roteiro Marcelo Floriao e Laura Malin Produção Bang Filmes e Fera Filmes Elenco Marília Pêra, Jonathan Haagensen, Sandra Pêra, Clara Choveaux, Edi Oliveira Comédia envolvendo expectativas de jovens e nem tão jovens quanto ao futuro. Para alguns, a saída para uma vida melhor é o aeroporto. José Wilker interpreta Fulano, o namorado aproveitador de Justina. O Bem-Amado 2009, 2010, 107 min Direção Guel Arraes Roteiro Guel Arraes e Cláudio Paiva Produção Uns Produções Elenco Marco Nanini, Tonico Pereira, Caio Blat, Drica Moraes, Andrea Beltrão, Zezé Polessa, Matheus Nachtergaele Após o assassinato do prefeito de Sucupira por Zeca Diabo (José Wilker), uma disputa política entre Odorico Paraguaçu e Vladimir pelo cargo vago tem início. Odorico vence a eleição e uma de suas promessas é construir o primeiro cemitério da cidade. Após a obra ser concluída, há um problema: ninguém morre em Sucupira. Baseado em obra homônima de Dias Gomes.
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arte de Zeca Diabo. Fazia teatro e quase não via televisão. Mas quando o Guel me procurou e me deu o roteiro, ele disse: ‘Zeca Diabo é o único personagem que simboliza o povo em Sucupira. Para mim, isso faz dele um herói. Por isso, eu quero arrancar o jagunço que existe dentro de você’. Interpretei nessa linha” – diz Wilker, que havia trabalhado com Arraes no cinema em Romance, de 2007.
Elvis e Madona 2010, 105 min Direção Marcelo Laffitte Roteiro Marcelo Laffitte e José Carvalho Produção Laffilmes Cinematográfica e Focus Films Elenco Simone Spoladore, Igor Cotrim, Maitê Proença, Buza Ferraz, Sergio Bezerra A partir de um encontro inusitado, surge a história de amor entre Elvis, uma entregadora de pizzas, e Madona, uma travesti que sonha em produzir um espetáculo de Teatro de Revista, nascendo uma atração que logo se transforma em desejo, paixão e amor. Nessa trajetória, misturam-se muito humor, drama e alguma dose de suspense. José Wilker interpreta Pachecão. Curiosidade ¶ José Wilker foi convidado para o filme algumas horas antes do início das filmagens de sua cena, com a promessa de ser uma filmagem rápida. Não só compareceu pontualmente às 8 da manhã, como esperou pacientemente por várias horas que rodassem outras cenas, sem nenhuma reclamação, e ainda tirou o personagem de letra.
O Sonho de Inacim 2010, 96 min
Curiosidade ¶ José Wilker sobre Zeca Diabo: “Não tive a felicidade de ver O Bem-Amado na televisão, com o Paulo Gracindo de Odorico e com o Lima Du-
Direção Eliezer Rolim Roteiro Eliezer Rolim Produção TRATO – Assessoria e Produção Cultural Elenco José Dumont, Marcélia Cartaxo, Zezita Matos, Gabriel Batistuta No ano de 2000, toda a cidade de Cajazeiras, sertão da Paraíba, se prepara para comemorar o bicentenário de nascimento do seu ilustre fundador, o Padre Ignácio Rolim, descendente de franceses que nos idos de 1800 criou um colégio e a partir dele fundou a cidade de Cajazeiras. O filme mostra o sertão de hoje com seus problemas, seu ritmo de vida, sua gente, seus costumes e ritos através do adolescente Inacim. O menino tem uma capacidade sobrenatural de voltar ao tempo e conversar com o Padre Rolim (José Wilker) através de sonhos. Suas revelações surpreendem e transformam a vida da cidade.
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Tancredo — A Travessia 2010, 90 min Direção Silvio Tendler Produção Caliban Produções Cinematográficas, Intervideo e Terra Brasilis Documentário sobre a trajetória política de Tancredo Neves ao longo de fatos importantes da história política do Brasil. José Wilker divide a narração com Maitê Proença.
A Melhor Idade 2011, 15 min Direção Angelo Defanti Roteiro Marco Borges Produção Sobretudo Produção Elenco Liliana de Castro, Átila Calache, Miguel Arraes “Meu nome é Antenor, tenho 70 anos e uma ferida na perna. Tive que escolher entre o remédio da diabetes e a mensalidade da TV a cabo. Escolhi a TV. Aos 70 anos, quem precisa de pernas?” José Wilker interpreta Antenor.
A Hora e a Vez de Augusto Matraga 2012, 110 min Direção Vinícius Coimbra Roteiro Vinícius Coimbra e Manuela Dias Produção Prodigo Films Elenco João Miguel, Vanessa Gerbelli, Werner Schunemann, Chico Anysio, Julio Andrade, José Dumont Matraga, fazendeiro orgulhoso e violento, é abandonado pela mulher. Em busca de vingança, é espancado e abandonado em um precipício para morrer. É encontrado por um casal, que cuida de sua recuperação. Cinco anos depois, mudado e temente a Deus, terá que enfrentar Joãozinho Bem-Bem (José Wilker) e seu bando de jagunços, até o grande momento de se confrontar com “a sua hora e a sua vez”.
nema de São Paulo e Querô Filmes Filme coletivo, composto de 11 episódios, idealizado por Leon Cakoff e Renata de Almeida da Mostra Internacional de São Paulo. José Wilker atua em Kreoko. Direção Beto Brant e Cisco Vasques Elenco Sônia Braga, Mauricio Paroni de Castro Um doente terminal imagina uma cena delirante entre Ricardo III e Lady Anne, interpretados por José Wilker e Sônia Braga.
A Casa da Mãe Joana 2 2012, 82 min Direção Hugo Carvana Roteiro Paulo Halm Produção Mac Comunicação e Produção Elenco Paulo Betti, Antonio Pedro, Juliana Paes, Betty Faria, Leona Cavalli Após lançar o livro Casa da Mãe Joana, Montanha leva uma vida tranquila como escritor de sucesso, até receber um pedido de ajuda de seu velho amigo Juca (José Wilker), preso no Cafiristão, e que precisa urgentemente de dinheiro para não ser enforcado. Paralelamente, PR continua dando golpes em viúvas ricas. Os amigos se reencontram e envolvem-se em mais confusões, como um golpe tramado pela governanta e pela aparição de um fantasma gay. Continuação de A Casa da Mãe Joana (2008).
Giovanni Improtta 2013, 100 min
Curiosidade ¶ Grande vencedor do Festival do Rio 2011, levou os prêmios de melhor filme, melhor ator (João Miguel), ator coadjuvante (José Wilker), prêmio especial do júri oficial (Chico Anysio) e melhor filme (júri popular). Filme ainda não lançado em circuito comercial.
Mundo Invisível 2012, 96 min Direção Beto Brant e Cisco Vasques, Manoel de Oliveira, Atom Egoyan, Wim Wenders, Theo Angelopoulos, Maria de Medeiros, Marco Bechis, Gian Vittorio Baldi, Guy Maddin, Jerzy Stuhr e Laís Bodanzky Produção Gullane Filmes, Mostra Internacional de Ci-
Direção José Wilker Roteiro Mariana Vielmond Produção Luz Mágica Produções Audiovisuais Ltda.
José Wilker: 50 anos de cinema
Elenco Andrea Beltrão, Otávio Augusto, André Mattos, Felipe Camargo, Hugo Carvana, Milton Gonçalves, Othon Bastos, Guida Vianna, Paulo Goulart, Jô Soares Giovanni Improtta conta a história de um contraventor que deseja ascender socialmente e se legalizar. Seu desejo em se tornar celebridade o coloca em enrascadas com a polícia, o jogo do bicho e com sua família. Acaba traído, na mira da mídia e da polícia, sob uma acusação de assassinato, difícil de ser resolvida por vias legais. O filme marca o retorno do personagem que ganhou o público na novela Senhora do Destino. Curiosidade ¶ A primeira aparição do personagem Giovanni Improtta surgiu no livro O Homem que Comprou o Rio, de Aguinaldo Silva, lançado nos anos 1970. Posteriormente, o autor o incluiu na novela Senhora do Destino (2004), na qual fez bastante sucesso ao ser interpretado por José Wilker. ¶ Em 2005, o livro escrito por Aguinaldo Silva foi relançado com outro título: Prendam Giovanni Improtta. Nesse mesmo ano, José Wilker adquiriu os direitos de adaptação para o cinema. ¶ Apesar da larga experiência como diretor de TV e teatro, Giovanni Improtta marcou a estreia de José Wilker como diretor de longa-metragem. O filme tem como produtores Carlos Diegues e Renata Magalhães, selando longa parceria da dupla de diretor/ator.
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Cansado da vida aventureira em alto-mar, o comandante Aragão busca um lugar tranquilo para viver e chega a Periperi, cidadezinha costeira. Com sua verve e histórias fantásticas, conquista a admiração de homens e conquista as mulheres. Mas o fiscal Chico Pacheco (José Wilker), até então o homem mais admirado da cidade, desconfia dessas histórias, e parte para investigar a vida do forasteiro, que, tem certeza, não passa de um embusteiro. Baseado em Os Velhos Marinheiros, de Jorge Amado. Curiosidade ¶ José Wilker, como o “investigador” Chico Pacheco, marcará presença, na segunda metade do filme, apenas através da voz. Segundo o ator, essa foi uma nova experiência em sua carreira – representar pela voz — e que não se confunde com a narração de documentários, por exemplo.
Nautilus 2015, em finalização Direção Rodrigo Gava Produção: Marco Altberg Produção Indiana Produções e Gava Produções Elenco Animação com as vozes de José Wilker, Isabelle Drummond e outros
Isolados 2014, 90 min Direção Tomas Portella Roteiro Tomas Portella e Mariana Vielmond Produção Media Bridge Elenco Juliana Alves, Bruno Gagliasso, Regiane Alves, Silvio Guindane Um casal viaja de férias para uma temporada na região serrana carioca. No cenário bucólico, escutam boatos sobre ataques violentos na região, sobretudo contra mulheres. Decidido a esconder a suspeita da mulher, o casal descobre que podem não ser os únicos moradores da casa isolada. José Wilker interpreta Dr. Fausto, uma espécie de mentor de Lauro, personagem principal da trama.
O Duelo 2015 Direção Marcos Jorge Roteiro Marcos Jorge Produção Total Entertainment Elenco Joaquim de Almeida, Claudia Raia, Marcio Garcia, Patricia Pillar, Milton Gonçalves, Maurício Gonçalves, Tainá Müller
Para tentar salvar sua família da falência, o jovem Cristóvão Colombo e seus amigos Leo da Vinci e Monalisa vão atrás da lendária ilha de Hi Brazil, que esconde tesouros cobiçados por todos os piratas. Eles só não esperavam ser impedidos pelo cruel povo das águas e sua terrível fera Nautilus. A batalha dos meninos deixa de ser pelo tesouro e sim a volta para casa. José Wilker “interpreta” o Conde de Saint Germain, poderoso personagem que viaja através do tempo ensinando as maravilhas da Terra para os cavaleiros templários.
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JosĂŠ Wilker: 50 anos de cinema
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agradecimentos A todos as produtoras e cineastas que autorizaram a exibição de seus filmes. Aos seguintes acervos fotográficos: Arquivo Memória da Cena Pernambucana Biblioteca Setorial do Centro de Letras e Artes da Uni-Rio CEDOC - Centro de Documentação da TV Globo Centro de Documentação e Informação em Arte / FUNARTE Fundação Joaquim Nabuco - FUNDAJ Barbara Lafetá Breno Lira Gomes Carlos Alberto Mattos Chico Buarque Claudia Montenegro Claudia Oliveira Daniel Albano Dario P. Regis Doroti Jablonsky Ella Grinsztein Dottori Ericka Ribeiro Fernando Duarte Fernando Fortes Fernando Pimenta Gloria Brauniger Heloisa Vinadé Isabel Grau Janaina Alves Jane Santos Laura Martins Leo Gama Leonardo Luiz Ferreira Leydson Ferraz Lu Sequeira Marcia Fernandes Marcio Câmera
Maria Jazette Guedes Marina Trindade Miguel Luiz Araújo Monica Albuquerque Monica Martins Monica Torres Nelson Fonseca Nelson Rodrigues, filho Nice Benedictis Paulo Maroun Paulo Mendonça Renée de Vielmond Rita Marques Roberto Menescal Roberto Menescal Rosângela Sodré Ruy Castro Ryan Fernandes Sergio Santeiro Tatiana Penteado Tino Perdigão Toninho Vaz E a todos os amigos que se mobilizaram para nos ajudar a fazer esta homenagem.
7 a 19 de abril de 2015 CAIXA Cultural RJ | Cinemas 1 e 2 Av. Almirante Barroso, 25, Centro Tel.: (21) 3980.3815 Ingressos R$4,00 e R$2,00 www.mostrawilker.com.br facebook.com/CaixaCulturalRiodeJaneiro