Livro 01
Terra das Sombras
KATE BRIAN
SINOPSE Rory Miller teve uma chance de revidar e ela a aceitou. Rory sobreviveu... e o assassino em série que a atacou escapou. Agora que o infame Steven Nell está à solta, Rory deve entrar na proteção a testemunhas com o pai e a irmã, Darcy, deixando seus amigos e familiares sem nem um adeus. Começar de novo em uma nova cidade com apenas uma a outra é inimaginável para Rory e Darcy. Elas eram inseparáveis quando crianças, mas agora elas mal podiam ficar uma com a outra. Enquanto as irmãs se instalam em Juniper Landing, uma pitoresca ilha de férias, parece que sua nova casa pode ser o recomeço que elas necessitam. Elas conhecem um grupo de jovens belos e despreocupados e passam seus dias surfando, em festas na praia, e caminhando ao pôr do sol sem fim. Mas assim que elas estão começando a se sentir seguras novamente, uma de suas novas amigas desaparece. É uma coincidência? Ou o pesadelo está começando de novo? Da autora do Best-Seller do New York Times “Private” e de “Privilege”, Kate Brian.
1 A TENTATIVA Traduzido por Manoel Alves
S
uas mãos pareciam gelo. Ele as esfregou, o farfalhar ressoando na floresta, outrora tranquila. O frio no ar era inaceitável, especialmente para tão tarde na primavera. Depois que ele terminasse aquilo, iria se mudar para um clima mais quente. Mas por enquanto ele estava aqui, e o sol estava começando a fazer a sua descida. Ela estaria ali a qualquer momento. Então o frio já não importaria. Logo suas mãos estariam quentes. Ele as soprou e cantarolou “The Long and Winding Road”, uma música que sempre o fez sorrir. Ele ouviu um estalo. Um triturar. Sua pele começou a ronronar. Ele levantou-se ligeiramente de onde estava agachado, apenas o suficiente para espreitar através dos óculos sobre a rocha escarpada que blindava sua vista. Um suspiro escapou de sua garganta com a visão dela. Tão pequena, tão atrevida, tão completamente distraída. Seu cabelo loiro caía em uma trança grossa pelas costas. Foi o cabelo que o seduziu. Tão belo, tão suave, vários tons de dourado. Ela não tinha ideia de como ele era bonito. De como ela era bonita. Ele a amava por isso. Ela estava contornando o carvalho morto, prestes a passar por cima do escorregadio rochedo molhado cheio de limo, desgastado pela água. Era a hora. Ele assegurou que sua bolsa carteiro de lona cinza estava devidamente camuflada por uma pilha de folhas e saiu de trás da rocha. Um galho fino que tinha caído de uma bétula perto rachou sob sua bota pesada. Ela congelou. Ele podia sentir o medo que irradiava dela. Ela se virou, com os olhos arregalados, mas não o viu. Abraçando-se, ela deu alguns passos rápidos, sua pesada mochila batendo contra sua espinha. Ele deu um passo para outro galho, propositadamente desta vez, quebrando-o em dois. Ela parou de novo. Agora, ele podia provar o seu medo, e ele o engoliu por completo, saboreando a salinidade picante dele. Ela começou a correr. No momento em que ela olhou para trás — elas sempre olhavam para trás —
ele surgiu no caminho à sua frente. Quando ela bateu nele, ele não vacilou. Ela pesava praticamente nada. Ela gritou, e seu peito encheu de puro jubilo. Ele colocou as mãos em seus braços, estabilizando-a. Ela se afastou, com seus olhos arregalados, sua pele esticada, sua tez pálida. Então ela o viu. Realmente o viu. E seu corpo relaxou. — Sr. Nell! Oh, meu Deus! — Sua mão estava em seu coração. Tudo estava bem. Ela o conhecia. Ela sentia-se segura agora. Menina boba. — Você me assustou! O que você está fazendo aqui? Ele a soltou por um breve momento. Deu-lhe aquele instante confiante de segurança. Então, ele lambeu os lábios. Foi o que bastou. O medo voltara, mais quente e mais rápido desta vez. Ela deu um passo para trás, mas eles estavam bem na borda do penhasco. Ela vacilou, assim como ele sabia que ela faria. Estendendo a mão, ele fechou os dedos ao redor de seu pulso e usou seu próprio impulso para arremessála do outro lado, jogando a mochila no chão com a mão livre. Ela tentou gritar novamente, mas ele segurou um braço em volta do seu pescoço e outro sobre sua boca. Ele arrastou-a para trás para fora da trilha, seu cabelo, seu delicioso cabelo, roçando em seus lábios. Ela lutou, é claro. Elas sempre lutavam. A única variável é quanto tempo ela duraria. Quanto tempo ela iria lutar antes de perceber a inevitabilidade do que estava para acontecer. Antes que ela aceitasse. Algumas lutavam até o fim, arranhando, chutando, mordendo, batendo os seus pequenos punhos contra ele até que ele estrangulava toda a força que havia neles. Outras simplesmente imploravam. Não importava o que elas fizessem. O final era sempre o mesmo. Rory Miller provavelmente imploraria para ele. Ele a observara durante meses e sabia que ela não era uma menina espirituosa. Além de sua paixão por ciência e sua capacidade de chegar em terceiro em quase todas as corridas corta-mato que ela já tinha participado, ela não tinha muito fogo nela. Na verdade, não havia quase nada de especial sobre ela. Exceto o cabelo. Seu lindo cabelo dourado. Ele abriu a boca e levou alguns fios para debaixo da sua língua. Ela tentou gritar novamente, mas seu abraço era muito apertado para deixar escapar qualquer som. A pedra estava a poucos centímetros de distância. Ele imaginou batendo sua cabeça na borda afiada, causando uma ferida irregular em seu couro cabeludo. Mas, provavelmente, isso seria rápido demais. Quando chegou à beira do rochedo, seu calcanhar deslizou sobre uma folha molhada, e ele escorregou. Por uma fração de segundo, ele lutou para
manter o equilíbrio, e seu domínio sobre ela afrouxou ligeiramente. Fora um descuido mínimo, mas foi o suficiente. Ela soltou um grito e bateu o cotovelo afiado em seu peito. Ele se agachou, tentando respirar, mas o ar não vinha. Sua visão nublou. Sua mão pressionou contra a superfície fria da pedra, e ele piscou até que seus olhos começaram a clarear. Foi quando ele viu o galho quebradiço e irregular sendo levantado para cima em direção ao seu rosto. Ele ouviu o barulho. Provou o sangue segundos antes de sentir a dor excruciante. Seus óculos voaram de seu nariz. Seus joelhos atingiram a lama fria, que rapidamente ficou vermelha do rio de sangue que escorria de seu nariz. — Sua desgraçada! — ele gritou, sangue borbulhando em sua boca. Mas ela se foi. Não. Não. Não. Aquilo não podia estar acontecendo. Ele tirou um lenço do bolso, cobriu seu nariz, e cambaleou para frente. Galhos e arbustos chicoteavam seus braços, a vegetação rasteira prendia seus pés, o vento frio batia em seu rosto. Ele já havia provado ela. Ele tinha que tê-la. Tudo era um borrão sem seus óculos. E então, um vislumbre. Um flash. O forro de lona branca de seu capuz. Ele correu mais rápido. Ele podia sentila novamente. Sentir o seu terror. Tudo o que ele tinha que fazer era fechar o espaço entre eles e ela seria dele. Seus dedos esticaram. Eles doíam. Só mais alguns passos e ele a teria. Apenas. Mais. Alguns. Passos. Uma luz ofuscante brilhou. Um barulho de pneus. Ele ouviu seu grito antes que percebesse o que estava acontecendo. Ela chegou à beira da floresta. Ela chegou na estrada. E agora ela estava morta ou salva. Instintivamente, ele limpou a sujeira. Seu nariz latejava. Seu suor era visível em sua pele, congelando-o de fora para dentro. Havia vozes. Gritos de alarme. Muito lentamente, ele se esgueirou para trás. Fugiu para os arbustos, para as arvores que ele conhecia tão bem. Ele poderia se esconder aqui. Ele poderia desaparecer. Ele ficaria bem. Mas não era o suficiente. Porque ele tinha provado ela. Ele tinha provado ela. Ele tinha provado ela. Como ele poderia sobreviver sabendo o quão perto ele havia chegado? Esta necessidade jamais seria saciada. Não agora. Ele sabia que nunca iria descansar até que a tivesse. Não esteja morta, ele orou enquanto deslizava mais fundo na escuridão que se aproximava. Por favor, não permita que ela esteja morta. Se ela não estivesse morta, ainda havia uma chance. Se ela não estivesse morta, ele iria encontrar um jeito. Ele sempre, sempre encontrava um jeito.
2 A FUGA Traduzido por Manoel Alves
O
s resquícios desiguais de um galho de uma árvore fina arrancaram a pele da minha bochecha. Meus pulmões queimavam com cada respiração em pânico e irregular. Minha visão estava tão turva que eu não conseguia ver para onde estava indo. Meu pé ficou preso em uma raiz de árvore, e eu voei para frente. Gritei, imaginando-o bem atrás de mim, se aproximando de mim, me agarrando para longe do chão, e me arrastando para a morte. Obriguei-me a ficar de joelhos e respirei. Sua respiração estava quente no meu pescoço. Seus dedos roçaram em meu ombro. Soltei outro grito, minha garganta dolorida, mas quando virei, não havia ninguém lá. Forcei-me a levantar e continuei correndo. Eu empurrei um ramo e saltei sobre um tronco caído, quase tropeçando novamente no momento em que acertei o chão do outro lado. Isso não estava acontecendo. Isso realmente não podia estar acontecendo. O Sr. Nell era meu professor. Ele era um bom homem. Engraçado. Todo mundo o achava tão legal naquele estilo de professor retro e bobo. Isso tinha que ser um pesadelo, e em qualquer segundo eu iria acordar e rir sobre o fato de que eu pensava ser real. Eu ouvi um galho estalar atrás de mim. Uma pisada. Ele estava se aproximando. Ele olhou nos meus olhos e lambeu os lábios. Ele provou o meu cabelo e gemeu. Minha garganta encheu de bile. Eu não ia morrer dessa forma. Eu não ia deixá-lo ter essa satisfação. Eu deveria ir para a faculdade, me tornar uma médica, casar e ter filhos, ganhar prêmios, comprar uma casa de praia, e morrer cercada por minha amada família sabendo que eu tinha salvado inúmeras vidas ao longo de minha longa carreira. Ou, como minha irmã, Darcy, sempre dizia, eu deveria morrer sozinha e cercada por gatos. De um ou de outro jeito. Mas não assim.
Com uma explosão desesperada de adrenalina eu saltei à frente e, de repente, não havia árvores. Não havia folhas, nem arbustos, nem vegetação rasteira. Só havia asfalto rasgando o tecido da minha calça jeans na altura do joelho e um SUV passando sobre mim. A última coisa que eu vi antes de jogar minhas mãos para cima foi a grade de prata reluzente indo direto para o meu rosto. Houve um grito ensurdecedor horrível, e o mundo preencheu-se com o cheiro de borracha queimada. Prendi a respiração e me preparei para o impacto. — Rory? Eu pisquei. O rosto de Christopher pairava sobre mim. Seu belo rosto perfeito e assustado. Seu cabelo escuro estava penteado para trás de sua testa, molhada dos chuveiros escolares. — Oh meu Deus, você está bem? Olhei de volta para a floresta quando ele agarrou os meus braços e me arrastou para fora da estrada. Quando eu tentei ficar de pé, meus joelhos cederam e eu me inclinei para ele, agarrando as mangas de sua jaqueta preta e branca do time do colégio, com meus dedos manchados de sujeira. Havia sangue nas costas de uma mão, e lama encharcando o punho da manga. Cada centímetro meu estava tremendo. — Entra no carro! — eu gritei. — O quê? — Suas sobrancelhas franziram em confusão sobre seus olhos castanhos. — Rory, o que você... — Entra no carro, Chris! — eu gritei novamente. — Nós temos que sair daqui! Mantendo meus olhos na floresta, eu cambaleei para a porta do lado do passageiro. As árvores mergulharam e giraram em minha visão, e o chão debaixo de mim começou a se inclinar. Eu pressionei minhas mãos contra o capô para não cair, respirando através da vertigem. Eu não podia desistir agora. Não quando eu estava tão perto de ficar segura. — Eu peguei você — disse Christopher no meu ouvido. Ele me ajudou a entrar no carro e bateu a porta. Enfiei meus dedos trêmulos para baixo no botão de bloqueio várias vezes, até que finalmente fez um clic. Algo se moveu no canto da minha visão e eu paralisei, mas depois eu vi uma cauda espessa, e percebi que era apenas um esquilo correndo até um tronco de árvore. — Rory, o que está acontecendo? — perguntou Christopher, ficando atrás do volante. — Por que você está coberta de lama?
— Apenas dirija, Chris. Por favor — eu implorei. Meu corpo começou a tremer tão violentamente que doía. Tentei segurar minha respiração, tentei controlar o tremor, mas não parava. Mesmo quando eu envolvi minhas mãos em torno dos meus braços, juntando meus joelhos, e apertando a minha mandíbula. Simplesmente não parava. — Mas a minha casa é bem... — Por favor, me leve para casa — eu implorei. — E ligue para a emergência. — Por que? — perguntou Christopher. Ele me olhou de cima a baixo, com o rosto pálido. — Rory — disse ele, com a voz tensa. — O que aconteceu? — O Sr. Nell — eu gaguejei através dos meus dentes. — O Sr. Nell me atacou. — O Sr. Nell, o professor de matemática? — ele deixou escapar, virando no final de sua rua larga demais e quase acertando um carro esperando na placa de pare. Meu estômago revirou enquanto o outro motorista apertava a buzina. Minhas mãos foram arremessadas para fora e as apoiei contra a porta e ao lado do banco de Chris. Chris puxou o carro para o acostamento. Ele colocou uma mão sobre sua boca, formando uma linha de preocupação logo acima do nariz. Quando ele olhou para mim, o meu coração parou de bater. Sua expressão era de atordoado, a resignado, a mórbido no espaço de cinco segundos. Foi só então que eu entendi o que ele realmente sentia por mim. Bem ali, naquele momento terrível, com os carros zunindo rápido o suficiente para tremer o carro. Por que eu o recusara? Se eu tivesse dito sim, se eu tivesse apenas exibido meus sentimentos, como Darcy tinha demonstrado para mim tantas vezes na minha vida, Chris e eu teríamos sido um casal. Nós teríamos saído da escola juntos hoje, e ele teria me levado até a casa dele para cuidar da sua irmã. Se eu tivesse dito sim, eu nunca teria tomado esse atalho através da floresta, e nada disso teria acontecido. — Ele não... — Manchas vermelhas apareceram ao longo do pescoço de Chris, movendo-se para seu rosto. — Rory, ele não... Meu estômago revirou quando eu percebi o que ele estava perguntando. Eu balancei minha cabeça. — Não. — Um soluço escapou da minha garganta, e eu cobri o rosto com as duas mãos. — Não. Chris afundou em sua cadeira. — Graças a Deus. — Ele estendeu a mão para o botão do Bluetooth em seu painel.
De repente, uma voz masculina encheu o carro. — 911. Qual é a sua emergência? — Minha namo... minha amiga foi atacada — disse Christopher, com a voz embargada. — Sua amiga está com você? — perguntou o homem. — Sim — respondeu Christopher. — Ela está aqui. Ela... está bem. Ele estendeu a mão e pegou a minha, apertando-a com tanta força que doeu. — Qual é a sua localização? — Estamos em meu carro na 17, bem perto do Cruzamento da Fisher — disse ele. — Mas o cara ainda está por aí. Sr. Nell. Eu não sei o seu primeiro nome. Ele trabalha na minha escola. Na Princeton Hills High. Ele ainda está na floresta. — E os seus nomes? — o homem perguntou. — Christopher Kane e Rory Miller. — Tudo bem, senhor. Não saia daí. Estamos enviando alguém agora mesmo até vocês. — Tudo bem — disse Christopher, engolindo em seco. — Ok. A chuva começou a cair em gotas enormes, respingando em todo o para-brisa. Ele apertou o botão para desligar a chamada. Por um longo momento, nenhum de nós disse uma palavra, ou se mexeu ou respirou. Em seguida, ele saiu do carro, deu a volta ao meu lado, e apertou-se em mim. Arrastei-me em seu colo, e ele fechou a porta e me abraçou. Enterrando meu rosto em seu peito, eu respirei profundamente o cheiro de lã de sua jaqueta, fechei os olhos e tentei parar de ver o rosto do Sr. Nell. Eu tentei pensar em outra coisa. Qualquer outra coisa. Minha mãe sorrindo para mim, alguns meses antes de morrer. Meu pai me levando na minha primeira corrida corta-mato. Minha irmã girando em torno de um tutu vermelho e óculos de sol em forma de coração, dando um show para a família no Ação de Graças. Mas a imagem do Sr. Nell obliterava as memórias uma por uma. A horrorosa jaqueta de veludo cor de vômito. A rachadura na parte superior dos seus óculos de aros de arame. Os olhos lacrimejantes. Os dentes amarelos. Os lábios secos, finos. A língua lisa. Isso. Simplesmente. Não. Parava. Deixei escapar um gemido patético, e Christopher me segurou mais apertado. — Está tudo bem — ele sussurrou. — Tudo vai ficar bem. Mas eu sabia no meu coração que ele estava errado. Nada iria ficar bem de novo.
3 NÚMERO QUINZE Traduzido por Manoel Alves
A
s luzes azul e vermelha da polícia piscavam causando borrões pulsantes em minha visão. Christopher manteve seu olhar à frente, sua respiração notável enquanto ele seguia o carro de patrulha na minha rua sinuosa, seus para-brisas batendo de um lado para o outro, rápido demais para a garoa cada vez mais leve. Ele parou em um meio-fio perto da minha casa, onde dezenas de carros da polícia estavam estacionados e uma van preta estava parada metade no meu gramado, metade na rua. — Uau — ele disse calmamente. Lentamente, entorpecidamente, saí do carro. Tudo o que eu queria fazer era entrar no chuveiro, me enrolar como uma bola no chão de azulejos, e ficar lá até que me sentisse limpa novamente. Mas eu tinha a sensação de que aqueles oficiais tinham ideias diferentes. — Rory? — Meu pai se afastou de uma multidão de policiais uniformizados e homens sérios em casacões e correu em direção ao carro. Sua camisa branca de botão estava meio fora de suas calças, e seu surrado paletó de tweed voava aberto. Seus olhos estavam injetados, seu nariz vermelho, e os pingos de chuva brilhavam em seu cabelo escuro. Quando ele me alcançou, ele jogou os braços ao meu redor, seus dedos cravando em meus ombros. Enquanto estávamos lá, dezenas de estranhos e vizinhos nos espiavam, e eu me senti estranha e rígida. Eu não conseguia me lembrar da última vez que ele me abraçou. Meu pai ainda me pegava na escola quando eu estava doente e fazia nossas refeições favoritas sempre que tinha tempo. Mas desde que minha mãe morreu, ele tinha parado de verificar como estávamos ou de nos dar um beijo de boa noite. Ele retirou-se para dentro de si, desenvolvendo esta camada raivosa fervendo lentamente, que constantemente explodia.
Uma sirene soou quando um outro carro da polícia parou. O abraço terminou abruptamente. Darcy pairava perto, seus braços magros cruzados sobre o moletom das líderes de torcida do ensino médio da Princeton Hills, e havia uma capa preta por cima de seu cabelo castanho escuro para protegêla da garoa. Christopher começou a sair do carro, mas no segundo em que seus olhos se encontraram, ele voltou e ficou lá. Meu pai limpou a garganta. — Você está bem? — ele questionou. — Quando a polícia apareceu na minha sala, eu pensei... — Sua voz sumiu, e ele estendeu a mão para agarrar desajeitadamente meu pulso, como se quisesse ter certeza que eu ainda estava realmente ali. — Se alguma coisa acontecesse com você... — Eu estou bem — eu assegurei o meu pai. — Eu só estou... — O que você estava pensando? — ele perguntou de repente, afastando-se. Eu vacilei, meu coração saltando na minha garganta, e dei um passo instintivo para trás. — Pegando atalhos entre esses bosques sozinha? Você poderia ter morrido! Agora, este era o pai que eu conhecia. Rápido no temperamento, mais rápido ainda para culpar. Era estranho o quanto aquilo era reconfortante — uma coisa normal em um dia surreal. — Pai, dá um tempo! — Darcy rebateu. Seu rosto ficou vermelho e ele olhou para o chão, evitando contato visual com qualquer pessoa. — Entre — ele disse em voz baixa, mas com firmeza. Abaixei meu queixo, as lágrimas ardendo meus olhos, e caminhei trêmula em direção à nossa casa. Darcy caminhou comigo, tão perto que nossos ombros se tocavam enquanto andávamos. Um olhar para trás para Christopher foi tudo o que eu consegui fazer. Ele ergueu a mão do volante dando um aceno, os lábios achatados em um sorriso tenso e encorajador. De repente, eu só queria estar de volta no carro, de volta com ele, de volta onde eu me sentia segura. Mas então ele ligou o motor, e simples assim, ele se foi. Uma vez que estávamos lá dentro, meu pai bateu a porta atrás de nós. Então ele parou. De pé perto da parede na sala de estar, ao lado das fotos emolduradas de mim e Darcy quando éramos mais jovens, estava uma mulher franzina em um boné de beisebol preto pingando e um sobretudo preto. Vários homens em macacões azuis estavam fazendo uma varredura nas escadas, correndo com bastões mecânicos ao longo das paredes e balcões, enquanto outro subia as escadas para o segundo andar. — Quem são vocês? — meu pai exigiu saber.
— Meu nome é Sharon Messenger. — Ela tirou uma carteira e mostrou um distintivo para nós. Três letras maiúsculas em negrito saltaram para mim: FBI. Meu coração começou a bater dolorosamente. — Por que o FBI está aqui? — Meu pai perguntou, sua testa enrugando. A agente o ignorou e virou-se para mim. — É este o homem que a atacou? — ela perguntou, pegando um smartphone e tocando uma das teclas na tela. No mesmo instante, o rosto do Sr. Nell apareceu na tela, mas ele era muito mais jovem, com um bigode e óculos escuros quadrados em vez dos atuais aros de arame dourado. — Sim — eu disse, me virando. — É ele. Esse é o Sr. Nell. A agente Messenger apertou os lábios pálidos. Ela deslizou para fora de seu casaco encharcado da chuva, pendurou-o no suporte para casacos, então fez um gesto em direção à sala de estar. — Por que você não se senta? — Por que você não nos diz o que está acontecendo em primeiro lugar? — meu pai desafiou, ajustando os ombros. Há algum tempo, meu pai era um atleta, um maratonista esbelto como eu. Mas, depois que minha mãe morreu, ele parou de malhar, parou de correr, e agora ele só parecia cansado e fraco. — Pai — Darcy reclamou, — nós podemos, por favor, não entrar em brigas durante isso? Os olhos do meu pai brilharam, mas ele sentou-se na velha poltrona. Eu me afundei na extremidade do sofá, puxando meus joelhos até embaixo do meu queixo e me abraçando com força. Darcy tomou a extremidade oposta, enquanto a agente Messenger andava sobre o tapete oriental gasto que meus pais tinham comprado na lua de mel. — O homem que você conhece como Steven Nell é na verdade Roger Krauss — disse ela sem preâmbulos. — O FBI está tentando encontrá-lo por mais de uma década. — Ela parou de andar e me olhou diretamente nos olhos. Seus cachos negros encharcados grudavam em seu pescoço, parecendo tatuagens contra sua pele leitosa. — Ele matou quatorze meninas em dez estados. Primeiro, ele as perseguiu. Em seguida, ele as atacou e... Você tem sorte de ter escapado. Meu sangue se transformou em gelo. Quatorze meninas. Ele havia assassinado quatorze meninas. E eu deveria ter sido a próxima. Eu era a número quinze. — De jeito nenhum — desabafou Darcy, empurrando o capuz do rosto. — O Sr. Nell é um serial killer de verdade? — Olhando dessa forma, ele é sim — Messenger respondeu.
De repente, o tremor começou de novo. Pela primeira vez, notei as folhas secas que se agarravam na parte inferior das minhas mangas. Eu as joguei freneticamente no chão, minhas unhas rasgando a lã. Messenger tirou o boné de beisebol, limpando as gotas de água de sua testa. Ela tinha olheiras roxas sob os olhos, as bochechas estavam magras, e alguns fios cinza eram visíveis em seu cabelo escuro, embora ela não parecesse muito mais velha do que trinta e cinco. Eu me perguntava quanto tempo na última década Messenger havia se dedicado a encontrar o Sr. Nell — e falhara. — Krauss é inteligente. Brilhante, na verdade — Messenger disse em um tom uniforme, como se estivesse falando sobre o tempo ou um filme que ela vira na semana passada, e não de um assassino brutal. — Ele sempre cobre seus rastros e ele é um mestre em desaparecer. Toda vez que chegamos perto, ele escapa. — O telefone de Messenger vibrou em seu quadril. Ela rapidamente verifica a tela antes de guardá-lo de volta. — Tivemos indícios de que ele poderia estar aqui em Nova Jersey, e agora temos a nossa prova. Cada oficial e agente na cidade está procurando por ele agora. — Ótimo — disse Darcy, olhando para mim. — Espero que atirem na cara dele. — Darcy — meu pai avisou. — Não posso dizer que discordo dela, senhor — Messenger disse, levantando as mãos. — Agente Messenger? — uma voz chamou. O homem que havia subido levantava um saco de plástico na mão. Aninhado dentro havia um pequeno quadrado preto ligado a um fio. Uma câmera espiã. — Descobrimos isso no quarto da menina, escondido entre as portas do guarda-roupa. — Oh, meu Deus. — O queixo de Darcy caiu, quando ela se virou para olhar para mim horrorizada. Eu não conseguia respirar. Ele esteve em nossa casa. Ele estava me observando. O tremor se tornou violento. — Leve isso para o laboratório — disse Messenger com um aceno rápido. — Descubra o raio de transmissão. Pode levar para um local nas proximidades. Meu estômago se apertou. — Quanto tempo esteve lá? — eu sussurrei. Os olhos escuros de Messenger suavizaram. — É impossível dizer — disse ela suavemente.
Pensei no meu quarto, com as suas paredes amarelas, o meu microscópio e os meus livros de biologia. Era onde eu fazia meu dever de casa e dos laboratórios, onde eu ligava para os meus amigos, onde minha mãe costumava me contar histórias sobre um sapo chamado Neville para me ajudar a adormecer. Era onde eu acordava todas as manhãs e me vestia e... Corri para o banheiro do corredor, batendo os joelhos contra o chão de ladrilhos em frente ao vaso sanitário. Eu arfei e vomitei até que meu estômago ficou vazio. Então eu me sentei de costas contra a parede e fechei os olhos, cegamente alcançando a descarga. No mesmo instante, o rosto do Sr. Nell voou em minha direção, e eu pressionei as bordas das mãos em minhas órbitas, tentando apagar a imagem. Se eu pudesse apagar o fato de que o Sr. Nell — o homem que sempre escrevia BOM TRABALHO em letras maiúsculas em meus testes e sublinhava três vezes, o homem que me convenceu a entrar na competição estadual de matemática no ano passado, a pessoa que eu confiava e considerava um mentor — me observava no meu quarto e espionava os momentos mais íntimos da minha vida. Eu nunca me senti tão violada. Eu precisava fugir. Eu precisava de um banho. Eu precisava ficar limpa. Eu precisava ficar sozinha. — Eu vou lá para cima — gritei no meu caminho para fora do banheiro. — Espera. Meu pai parou no final do corredor com um olhar preocupado no rosto. Ele hesitou por um momento estranho antes de perguntar, — Você está bem? Lágrimas brotaram imediatamente dos meus olhos. Meu pai atravessou a sala em dois passos, tomando a frente da agente. Eu quase não podia acreditar no que estava vendo. Meu pai e eu tínhamos acabado de nos comunicar. Nós, na verdade, nos entendíamos. — Bem, obrigado por ter vindo, mas se você e os outros oficiais não se importam, eu acho que a minha filha precisa de um pouco de paz e tranquilidade — meu pai disse, tentando conduzi-la para a porta. Ela não se moveu. — Sinto muito, senhor, mas isso não vai acontecer — disse Messenger, dobrando o casaco úmido sobre seu braço. — Não é seguro vocês ficarem aqui sozinhos. Há uma boa chance de Krauss não ter terminado com a sua filha. Meu coração e estômago trocaram de lugar. Apertei minhas mãos para pará-las de tremer. Não terminou comigo? O que diabos isso queria dizer?
— Nós vamos colocar um serviço de proteção em sua casa — disse Messenger, virando-se para me olhar nos olhos, como se soubesse o quanto eu precisava ser reconfortada. — Eu não quero que nenhum de vocês saia desta casa até que ele seja capturado e preso atrás das grades. Isso significa nada de escola, nem trabalho, nem nada. — E as minhas aulas? — perguntou o meu pai. Seu trabalho era tudo para ele, pelo menos desde que a mamãe tinha morrido. — O período de verão acabou de começar. — Tenho certeza que a universidade pode encontrar um substituto — disse a agente Messenger. — Eu acho que isso significa que eu não tenho que fazer minha prova final de biologia — minha irmã disse com um sorriso. Meu pai olhou para ela. — Nós vamos pedir que a escola traga toda a sua lição de casa. Darcy visivelmente decepcionou-se, mas eu mal registrava tudo aquilo. De repente, eu estava de volta naquela floresta, correndo pela minha vida, sentindo Nell respirando no meu pescoço, enquanto as palavras de Messenger ecoavam na minha cabeça repetidamente. Não é seguro. Não é seguro. Não é seguro. — Você vai pegá-lo, certo? — eu disse com urgência, finalmente encontrando a minha voz. — Quero dizer, com todos os policiais e tudo à procura dele... Não há nenhuma maneira dele escapar. — Eu gostaria que tivesse acontecido de outra maneira, Rory, mas essa era exatamente a oportunidade que precisávamos. — Messenger colocou uma mão reconfortante no meu braço, seus olhos escuros grudados nos meus. — Com alguma sorte, vamos pegá-lo até o final da noite.
4 EM BREVE Traduzido por Matheus Martins
O
que você quer dizer com ainda não o encontrou? — meu pai exigiu. — Sinto muito. Nós suspeitamos que ele ainda esteja na cidade, mas ele desapareceu no subsolo — Messenger disse, cansada. Suas calças pretas caíam em torno de seus quadris estreitos. — Eu prometo que nós estamos fazendo o nosso melhor. É só um pouco de jogo de espera. Esperar. Isso era tudo o que fazíamos. Sete dias inteiros se passaram e aqui estamos nós mais uma vez, se reunindo na sala de estar, ouvindo Messenger nos dizer exatamente nada. Eu inclinei minha cabeça no encosto do sofá e olhei para o teto, olhando para a rachadura que eu estava estudando durante toda a semana. Ela tinha na verdade ficado mais longa desde a sexta-feira passada, serpenteando a partir do canto perto da porta da frente até o centro da sala. Perto de mim, as unhas polidas de prata de Darcy pararam de bater no teclado do seu laptop. — Então, espere — disse ela, fechando o computador e ficando em pé. — Você está me dizendo que ainda não podemos sair? — Sim, é isso que eu estou dizendo — Messenger respondeu, franzindo sua testa. — Não. De jeito nenhum — Darcy estalou. — Esta noite é a festa de formatura de Becky Mazrow. Eu estive ansiosa por isso o ano todo. De jeito nenhum eu vou ficar sentada aqui assistindo as Kardashians no meu computador enquanto todos da minha turma estão lá. — Darcy — meu pai disse, impaciente. — O quê? — Ela levantou os ombros. — Eles podem me enviar com um segurança ou algo assim — disse ela, olhando para a agente Messenger. — Sua inepticidade é a razão pela qual estamos escondidos aqui como uma família de fugitivos. — Inepticidade não é uma palavra — eu disse em voz baixa.
—
Darcy me ignorou. — Sim, eu não acho que isso esteja no topo da lista de prioridades do Tio Sam — Messenger respondeu. — Eu não acredito nisso! Você disse que iria pegá-lo “hoje à noite” — Darcy gritou, fazendo aspas no ar. — Isso foi há uma semana! — Sinto muito, mas... — Sente muito pelo quê? Por ser uma merda em seu trabalho? — Darcy disparou de volta. — Darcy! — meu pai trovejou. Ela ficou em silêncio e se jogou de volta no sofá, com o queixo se projetando em desafio. Mas a coisa era que ela estava certa. Não era justo que ficássemos presos aqui. Não fazia sentido que todo o FBI não conseguisse pegar um cara. Eu nunca teria tido a coragem de dizer isso. — E então... o quê? — eu perguntei, cruzando os braços sobre o E=mc2 no meu moletom. — Você está apenas esperando ele fazer alguma aparição? Cometer um erro? Eu pensei que você tinha dito que ele era brilhante. Quais as chances de que ele realmente estrague tudo e deixe ser pego? Messenger não teve que responder. O olhar resignado em seu rosto dizia tudo. Eu puxei meus joelhos até embaixo do meu queixo e me abracei tão forte quanto eu poderia. E se o erro que ele cometesse fosse invadir o meu quarto e me esfaquear até a morte antes que alguém pudesse fazer alguma coisa? Alguém tinha considerado isso? — Inacreditável — meu pai disse, jogando as mãos para cima. Ele andou até a janela da frente e olhou para as duas viaturas policiais em marcha lenta perto do final da nossa garagem, uma coisa constante desde o dia em que eu fui atacada. Uma luz vermelha na base da janela piscava em intervalos regulares, que fazia parte de um sistema de alarme complicado que o FBI manipulou para a casa. — Eu não sei quanto mais eu posso aguentar disso. Minha substituta vai dar um teste hoje à noite — ele murmurou. — Se ela não conseguir dar a eles o questionário, todo o meu sistema de avaliação será totalmente jogado fora. O telefone de Darcy tocou, e ela gemeu. — É Becky de novo. Ela vai me matar se eu perder essa festa. — Já chega! — eu soltei, me levantando. De repente, eu senti que não podia me sentar ao lado dela por mais nenhum segundo. — Há um assassino à solta e ele está atrás de nós! Eu não posso acreditar que você está preocupada com uma festa! — Eu queria gritar para o meu pai parar de se preocupar com um teste estúpido, também, mas é claro que eu não fiz isso.
Todos os meus pensamentos furiosos sobre o meu pai não passavam disso — pensamentos. Darcy revirou os olhos. — Eu sei que você nunca foi em uma, Rory — ela disse sarcasticamente. — Mas elas são realmente divertidas. — Então ela me olhou de cima a baixo e lentamente embolsou seu telefone. — A menos que você goste de estar sob prisão domiciliar. — Eu gosto de ficar segura — retorqui. — Por que não estou surpresa? — ela atirou de volta, levantando-se para me enfrentar. — Você está aqui praticamente o tempo todo mesmo, escondida em seu quarto com seu pequeno estetoscópio e todos os seus béqueres... — É um microscópio — eu cuspi. — Tanto faz. Tudo que eu sei é que não é de se admirar que você nunca teve um namorado. — Darcy! — Meu pai estalou. — Já chega. Darcy me lançou um olhar ácido. Minha boca se encheu com um gosto amargo. Tão desesperada como eu estava para manter o segredo sobre mim e Christopher, havia momentos, como agora, que tudo que eu queria fazer era jogar na cara dela. Provar que ela não era a única com uma vida, a única que as pessoas achavam atraente, a única que poderia ter uma chance. Nesse exato momento, meu telefone apitou com um sms. Eu sorri um pouco quando vi que era de Christopher. Alguma novidade? Chris tinha mandado mensagens algumas vezes para checar como eu estava. Algumas pessoas da equipe de corrida também tinham mandado. Todos eles tinham o mesmo conjunto de perguntas, perguntas que nunca teriam perguntado se eles realmente parassem para pensar. Como Você ficou com medo? ou Você achou que ia morrer? E a minha favorita, Toda a sua vida passou diante dos seus olhos? Não. Não, isso não aconteceu. O que passou diante dos meus olhos foram as coisas que estavam realmente lá. As folhas brotando das árvores, o céu nublado, a sujeira debaixo das minhas unhas. Tudo o que eu conseguia pensar era: Estas são as últimas coisas que eu vou ver. Eu vou morrer na floresta. A mesma floresta onde Darcy e eu costumávamos brincar de Peter Pan e Piratas do Caribe. A mesma floresta onde eu quebrei meu braço quando eu escalei uma árvore para espionar Darcy e seu primeiro namorado.
A floresta para onde eu costumava escapar e ler enciclopédias antigas da minha mãe quando a provocação de Darcy ficava tão impiedosa que eu não aguentava mais. Eu digitei uma resposta. Não... Ainda presa. Então eu coloquei meu celular de volta no bolso da frente do moletom. Darcy olhou para mim rapidamente. — Quem era? — Ninguém — eu disse rapidamente, esperando que meu rosto não parecesse tão quente como eu sentia. Messenger esfregou os olhos. — Você não contou a ninguém sobre as medidas de segurança aqui, certo? — Não, claro que não — eu disse rapidamente, com um tom defensivo na minha voz. Eu sempre fazia o que me era dito. Por um momento horrível, eu me perguntava se foi por isso que o Sr. Nell tinha me escolhido. Porque eu era tão previsível, tão organizada, tão fácil de seguir. Messenger balançou para trás em seus calcanhares, segurando as mãos em sinal de rendição. — Ok, ok. Eu só não quero que você se machuque novamente, Rory. Meu coração dobrou sobre si mesmo e apertou até doer. Era uma sensação nova, algo que começou após o ataque, sempre que eu pensava sobre Steven Nell. — Olha, gente, eu entendo que isso é difícil. Eu realmente entendo. Eu só preciso que vocês permaneçam aqui um pouco mais. Vocês podem fazer isso por mim? O tom de Messenger era sério. Mas ela não entendia. Nenhum deles entendia. Eles não entendiam como era correr pela floresta com um assassino em seus calcanhares. A única pessoa com quem eu queria estar, a única pessoa com quem eu me sentia segura desde o ataque, era Christopher. Meu coração deu outro aperto doloroso, e de repente me senti claustrofóbica, como se eu não pudesse respirar. Dane-se. Eu ia ligar para ele. Darcy nunca saberia. Se ela perguntasse, eu apenas diria a ela que eu estava conversando com o meu parceiro de laboratório. Então ela definitivamente me deixaria em paz. — Eu vou para o meu quarto — eu disse, já segurando meu telefone dentro do meu bolso.
Me virei e subi de dois em dois degraus, meu coração batendo com antecipação com a ideia de ouvir a voz de Christopher. O andar de cima da nossa casa se abria para um grande patamar com uma claraboia acima. Todas as cinco portas, que levavam a três quartos, um escritório, e um banheiro, estavam fechadas. Abri a primeira à direita, a que era do meu quarto, e fechei-a atrás de mim, inclinando-me contra a madeira familiar. Eu puxei o telefone, mas minhas mãos tremiam tanto que ele caiu no chão. Deixei-o lá por um segundo e respirei fundo. Eu não queria ligar para ele soando toda sem fôlego e histérica. Eu precisava me dar um segundo para me acalmar. Fechei os olhos, e imediatamente os pensamentos de nosso primeiro — e único — beijo me encheram. Havia sido quando eu ainda estava sendo tutora dele, antes de eu começar a trabalhar com sua irmã mais nova. Estávamos sentados à mesa em seu quarto. Eu estava em sua cadeira confortável na mesa, porque ele insistia, e ele estava em uma cadeira de cozinha dura que ele tinha arrastado pelas escadas. Eram cinco centímetros mais curta do que a minha, o que deixava nossos rostos na mesma altura. Eu tinha tido uma queda por ele durante semanas, mas ele tinha sido namorado de Darcy desde sempre, e eu tinha feito um bom trabalho em controlar a mim mesma ao recitar a tabela periódica ou ao listar os presidentes mesmo que eu quisesse olhar para ele. Por alguma razão, no entanto, naquela noite eu não conseguia impedir que o meu olhar vagasse para seu rosto a cada cinco segundos. Ele estava com um corte de cabelo curto, e pela primeira vez eu notei as manchas verde em seus olhos castanhos. Era difícil acreditar que alguém tão bonito existia na minha escola, e de repente senti tanta inveja de Darcy por ter chegado a beijá-lo. Ela deve ter sentido o que era estar em seus braços. Ela deve ter visto ele olhar para ela como se ela fosse a única garota na terra. Então Christopher de repente teve um progresso em cálculo e ele pulou, aplaudindo como se ele tivesse acabado de bater um home run, e girou minha cadeira ao redor. Eu ri e fechei os olhos para não ficar tonta, o que só me deixou mais tonta. Quando ele me parou, abri os olhos de novo e tudo o que eu vi foi o seu rosto quando ele trouxe seus lábios para baixo nos meus. No segundo que ele me tocou, foi como se algo dentro de mim tivesse sido liberado. Algo que eu nem sabia que estava lá. Mas ainda assim, eu o empurrei. — O que você está fazendo? — eu exigi. — Eu terminei com Darcy — ele exclamou, sem fôlego.
Eu senti como se tivesse acabado de ser derrubada de cabeça para baixo. — O quê? Quando? — Esta manhã. Você não soube? Revirei os olhos. Era tão natural para ele pensar que tudo sobre sua vida chegava a todos os ouvidos na escola em um nano segundo. — Não. Ela não... Eu ainda nem a vi — eu disse. — Bem, eu terminei com ela porque eu não aguentava mais — disse Christopher, agachando-se na frente da minha cadeira como se estivesse tomando a posição do seu receptor do beisebol. — Nas últimas semanas, sempre que você está aqui... — Ele fez uma pausa e estendeu a mão para os meus dedos. — Rory, sempre que você está aqui, tudo o que consigo pensar é nisso. Então, ele se inclinou e me beijou novamente. Coloquei meus braços ao redor de seu pescoço e ele me abraçou, me puxando até que nós dois estivéssemos de pé. Eu não podia acreditar que isso estava acontecendo. Christopher gostava de mim. Ele tinha terminado com Darcy por mim. Eu quis isso por tanto tempo, e, inacreditavelmente, descobri que ele queria, também. Christopher me beijou com força, como se estivesse faminto por isso, e eu me uni a cada movimento seu. Ele tinha gosto de Oreos e cheirava a banho fresco. Quando caí em sua cama, eu estava tão animada, confusa, lisonjeada e feliz. E então eu vi o rosto de Darcy e me afastei. — Nós não podemos fazer isso — eu disse, ofegante. — Por causa de Darcy? — disse ele, pegando meu pulso. Ele fechou os dedos em torno dele, e eu percebi o quão grande era a sua mão e quão pequeno era o meu pulso. Ele balançou a cabeça. — Ela vai ficar bem. Vamos apenas... Virei-me e sentei-me de costas para ele, minhas pernas penduradas para o lado da cama. — Ela é minha irmã, e ela está apaixonada por você — eu disse. — Eu não posso... — Mas, Rory. — Ele se sentou atrás de mim. — Eu não estou apaixonado por ela. — Chris... — Rory — disse ele, brincando. Ele deslizou para que eu pudesse ver seu rosto. — Eu tenho tentado não te beijar por uns dois meses. Toda vez que você vem aqui, eu fico animado como se fosse um encontro ou algo assim. É patético, mas eu realmente espero ansiosamente as suas aulas de
cálculo. Eu não aguento mais. E sim, é uma merda que você é a irmã da garota que eu estive nos últimos dois anos, mas isso é apenas o jeito que é. — Ele empurrou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. — Eu quero estar com você, não com ela. Estas foram as palavras mais doces que alguém já tinha dito para mim. Alguém tinha me escolhido. A tímida, inteligente demais e estranha ao invés da popular, linda e espirituosa Darcy. Mas para Darcy tudo se resumia a Christopher. Ela saltava quando ele mandava uma mensagem. Ela usava o casaco do time do colégio em casa mesmo quando ficava calor. Então eu lhe disse que não, me levantei e fui embora. Mas ele ainda veio no dia seguinte, quando Darcy foi ao treino de torcida e me convidou para o baile de férias. E embora eu não quisesse nada mais do que ir com ele, eu ainda disse que não. Porque Darcy tinha passado a noite inteira chorando em seu quarto. E eu não podia fazer isso com ela. O tique-taque rítmico do relógio com tema de química que minha mãe tinha comprado para mim no meu décimo aniversário me trouxe de volta ao presente. Minha respiração desacelerou e eu me senti um pouco mais calma. Talvez eu não pudesse ter saído com Christopher até então, mas eu poderia pelo menos dizer-lhe como eu me sentia agora, especialmente considerando como Darcy estava sendo malvada. No mínimo, a experiência com Steven Nell era um lembrete terrível que a vida era curta. Eu abri meus olhos, e meu quarto entrou lentamente em foco. Fora da janela, uma chuva começou a cair. Uma imagem de proteção de tela de mim e minha mãe na linha de chegada da minha primeira corrida corta-mato apareceu em meu laptop. Meu tapete de ioga azul estava desfraldado no chão de quando eu tinha feito meus exercícios abdominais, meu celular pousado no centro dele. Um tênis de corrida aparecia debaixo da minha cama com colcha branca. Então eu pisquei. Eu podia jurar que tinha deixado minha cama desfeita naquela manhã — eu tive pesadelos desde o ataque, e parecia inútil esticar os lençóis já que eu os amassava descontroladamente todas as noites. Mas agora ela estava arrumada perfeitamente, os travesseiros ordenadamente afofados. E lá, na minha colcha remendada, havia uma única rosa vermelha. Por um momento, eu me perguntei se Christopher havia deixado para mim. Um cartão de nota pequeno estava escondido debaixo do caule espinhoso da rosa. Uma respiração irregular ficou presa na minha garganta. No cartão, impresso em letras maiúsculas completamente familiares e sublinhadas três vezes, havia cinco palavras sinistras: NÓS ESTAREMOS JUNTOS. EM BREVE.
5 CORRER Traduzido por Matheus Martins
E
u gritei. Bem alto. Meus joelhos cederam e minha bunda bateu no chão. Encostei minhas costas contra a porta do armário e enroleime em uma bola, soluços quebrando meu peito. — Rory! — Meu pai entrou no quarto com Messenger e Darcy em seus calcanhares. — Rory, o que aconteceu? Tremendo, apontei para a cama. Instantaneamente, Messenger estava em seu walkie-talkie, gritando ordens. — Oh meu Deus — Darcy arfou. — Leve-a para fora daqui — meu pai disse a ela. Gentilmente, Darcy me puxou do chão para o corredor, onde ambas nos sentamos no chão. Lá fora, sirenes soaram. — Ele esteve aqui, Darcy — eu choraminguei. — Ele esteve no meu quarto. Ele passou por dois oficiais... o alarme... — Está tudo bem. Você está bem — disse Darcy, colocando o braço em volta de mim. — Não está tudo bem — eu disse. — Ele vai me matar, Darcy. Ele vai me matar. Eu apertei meus olhos e chorei. Lá fora, o barulho de um motor de helicóptero encheu a noite, e holofotes iluminavam o corredor. — Como isso pôde acontecer? — meu pai exigia de dentro do meu quarto. — Como ele entrou aqui? — Como ele entrou não é importante agora. O fato é que ele entrou — Messenger declarou, saindo para o corredor. A rosa e a nota pendiam de seus dedos em sacos de provas distintas. — Nós pensamos que nossas medidas seriam o suficiente, mas é evidente que ele é ainda mais capaz do que tínhamos pensado. Ela colocou a mão em seu coldre de arma, como se quisesse garantir que ele ainda estava lá. De repente, ela parecia uma nova pessoa — toda
energizada, pronta para entrar em ação. Seu telefone tocou e ela verificou a mensagem, em seguida, o guardou. Ela olhou para cada um de nós. — Vocês vão precisar ir para uma casa segura — ela nos disse. — Hoje à noite. — Ir embora? Agora? — exclamou o meu pai. Darcy levantou-se, arrastando-me do chão. — De jeito nenhum — disse ela. — Eu não posso simplesmente ir embora. Eu vou me formar semana que vem! — Uma casa segura? — eu disse. — Por quê? — Há algo que eu não lhe disse antes — Messenger explicou, me olhando nos olhos de uma forma que adultos nunca pareciam fazer — como se eu fosse igual a ela. — Ele nunca falhou em terminar um trabalho antes. Apenas outra vítima escapou dele, e duas semanas mais tarde, ele invadiu a casa dela e matou toda a sua família. — Ela me pegou pelos meus ombros. — Rory, eu não estou tentando assustá-la, mas ele vai continuar vindo. Ele nunca vai parar. Meu coração executou uma série de manobras dobráveis que me fez sentir fraca. — E quanto a você, eu tenho certeza que ainda vão te dar um diploma, mas você realmente vai se importar se você estiver morta? — a mulher perguntou a Darcy. — Uau. Você realmente não adoça nada, não é? — perguntou Darcy. Messenger olhou-a de cima a baixo. — Não é o meu estilo. Agora eu sugiro que vocês comecem a arrumar tudo. Vocês sairão em quinze minutos. Sem fotos, sem itens pessoais ou documentos. Nada que conecte vocês de alguma forma a esta vida. Virando as costas para nós e indo para a janela acima da escada, ela olhou para fora. Dezenas de policiais em capas de chuva vasculhavam o gramado molhado, o holofote dos helicópteros piscando seu feixe amplo sobre tudo, desde o nosso balanço antigo até o muro em ruínas em torno do que costumava ser a horta da minha mãe. — Nós realmente temos que fazer isso? Nós realmente temos que ir embora? — disse meu pai através de seus dentes, apoiando uma mão sobre a sua cabeça na parede perto da porta de seu quarto. Seu rosto estava pálido. Eu vi seus olhos viajarem para um quadro emoldurado na parede oposta. Uma foto profissional da minha família, tirada quando eu estava na terceira série, Darcy estava na quinta, e minha mãe era jovem, bonita e intocada pelo câncer. Ela sorriu de volta para ele, seu cabelo loiro brilhante, sua maquiagem perfeitamente aplicada, sua gola rulê rosa favorita nítida e
inalterável. Estava todo esfarrapado nas extremidades, com manchas de suor em todo o topo da gola e pequenos buracos desgastados na bainha, mas ela se recusou a tirá-lo. Era a sua coisa favorita e ela não queria tirá-lo. Meu coração lentamente rasgou ao meio. Eu desejei com todas as fibras do meu ser, com todos os ossos do meu corpo, com cada grama do meu sangue, que ela estivesse aqui agora. E eu sabia que ele estava pensando a mesma coisa, também. Minha mãe saberia o que dizer, o que fazer. Minha mãe teria dado conta. — Olha, Sr. Miller — Messenger disse, seu tom calmo. — Esperemos que não seja para sempre. Mas é a única maneira de manter a sua família segura. Meu batimento cardíaco martelava em meus ouvidos. Minha pele se arrepiou. Meus pés coçavam para se moverem, para correr, para fugir. Meu pai olhou por cima do ombro para nós, e nossos olhos se encontraram. Temos que sair daqui, eu queria gritar. Por favor, escute-a. Por favor. — Meninas — disse ele, sua voz rouca. — Façam as malas.
6 SAINDO DE CASA Traduzido por Manoel Alves
N
o meu quarto, peguei minha mochila grande, a que eu geralmente usava para o acampamento de ciência, e comecei a abrir as gavetas, tirando as roupas de forma aleatória, e empurrando-as para
dentro. Eu não podia acreditar que aquilo estava acontecendo. Eu não podia acreditar que o Sr. Nell tinha encontrado um jeito de passar pelo FBI e entrar em minha casa. Que eu estava sendo forçada a deixar o único lar que eu já tinha conhecido. A casa onde minha mãe tinha vivido. A casa onde ela morreu. Zangada, lágrimas encheram meus olhos, enquanto eu me movia para os lados, aterrorizada. Pregado no espelho ao redor da minha mesa havia dezenas de fitas azuis, vermelhas e amarelas, prêmios de ciência e competições acadêmicas. No canto na minha mesa estava meu microscópio, cercado por livros escolares, cadernos, slides e placas de amostras. Nada disso iria comigo, obviamente, mas eu peguei o Manual Merck na minha estante e joguei meu iPad na minha bolsa. Ele deslizou para fora e saltou pelo chão. — Não! — eu gritei, liberando toda a minha emoção em nome do meu bem mais valioso. Ajoelhei-me para pegá-lo, meus olhos transbordando de lágrimas quando eu verifiquei os arranhões. Virei-o, e ele piscou alegremente à vida. Irracionalmente, eu ri e o levei até o meu peito, em um abraço. — Rory? — meu pai chamou. — Que diabos foi isso? — Nada! Eu estou bem! — eu gritei de volta, minha voz embargada. Por quê? Por que eu tive que ir pela floresta naquele dia? Por que o Sr. Nell me escolheu? De repente, minhas lágrimas não paravam. Apenas respire, Rory. Acalme-se e respire.
Sentei-me em meus calcanhares e, silenciosamente, recitei a tabela periódica. Hidrogénio, hélio, lítio, berílio, boro, carbono, nitrogênio, oxigênio, flúor... Recitação era um grande mecanismo calmante. Minha mãe me ensinou quando ela estava doente, e isso me ajudou a passar por todas as visitas ao hospital, as longas noites depois que ela voltava para casa e não havia nada a fazer senão esperar pela morte dela. Isso me ajudou a aguentar ir ao funeral e ao velório, e as mil noites aterrorizantes desde então, desejando que ela estivesse aqui comigo. — Rory! Onde está o meu jeans preto? — Darcy exigiu, aparecendo na porta. — O quê? Como eu poderia saber onde seus jeans pretos estão? — Eu rapidamente empurrei meu iPad na mochila e virei de costas para ela, enxugando os olhos com as duas mãos. Olhei para a foto de mim e minha mãe no meu nono aniversário e tirei do meu armário. Eu não ligo para o que Messenger disse. A foto iria comigo. — Porque eu coloquei eles no meu armário esta manhã e agora eles não estão lá. Lancei à Darcy um olhar incrédulo. Ela sempre fazia isso, me acusava de pegar coisas que eu nunca iria pegar dela. — Como se seus jeans sequer coubessem em mim — eu respondi, com a voz trêmula, recolhendo meu carregador e alguns pares de meias da minha gaveta de cima. — Caso você não tenha notado, você não tem coxas. — Bem, então onde diabos eles estão? — ela gritou. — Eu não faço ideia! É realmente com isso que você está preocupada agora? — eu gritei. — Aquele é o meu jeans favorito! — ela gritou de volta. — Meninas! A agente Messenger tinha aparecido no topo das escadas. — O quê? — nós duas gritamos para ela. Então, meu coração afundou. Gritar com uma agente do FBI era, provavelmente, uma coisa ruim. — Vocês têm dois minutos — ela nos disse. — Se aprontem. Então ela virou-se e entrou no quarto do meu pai, onde ele estava ocupado batendo gavetas e tirando roupas dos cabides. — Eu não acredito nisso — Darcy balbuciou, arrancando os cordões de seu moletom. — Eu fiquei o ano inteiro ansiosa pela festa da Becky! Todo
mundo vai. Todo mundo! Mas adivinhe quem não vai estar lá em seus jeans favorito? Eu! Revirei meus olhos e respirei fundo. Ela estava apenas desabafando. Apenas lidando, do seu jeito, com a situação. Se eu podia gritar com meu iPad caindo no chão, ela poderia divagar loucamente sobre alguma festa estúpida. Isso era tudo o que importava para ela, afinal de contas. Seus amigos. Suas festas. Sua diversão. Ela correu para o corredor e começou a descer as escadas. De repente, houve um ruído alto seguido por um estrondo. Com o coração na garganta, eu corri para fora do meu quarto. — Filhoda... Darcy estava esparramada na parte inferior da escada, a cabeça contra o canto da cômoda pequena, onde nós jogamos as correspondências e tudo o mais que não sabíamos o que fazer. Ela sentou-se e trêmula tocou a parte de trás de sua cabeça. — Você está bem? — eu exigi. — Eu estou bem. Ela retirou a mão. Seus dedos estavam manchados de sangue. — Eu vou chamar o papai — eu disse. — Não! Eu disse que estou bem — Darcy gritou, obrigando-se a ficar de pé. — Eu vou verificar na lavanderia. Ela deu um passo cambaleante, então se endireitou e desapareceu virando em um corredor. Olhei por cima do ombro, surpreendida por meu pai e Messenger não terem ouvido a sua queda. Mas então eu percebi que eles estavam fazendo barulho suficiente para abafar qualquer coisa, ele caminhava ao redor do quarto e ela falava alto sobre o barulho. Lentamente, subi na ponta dos pés e fiquei perto da porta aberta, fora de vista. — Até quando vamos ter que ficar fora? — Eu ouvi meu pai perguntar, fechando uma gaveta. — Enquanto for preciso para encontrar esse cara e prendê-lo — disse Messenger. — Por enquanto, vamos falar de logística. — Tudo bem, certo — meu pai disse laconicamente. Ouvi um zip, depois outra pancada. — Então fale. — Assim que você e as meninas estiverem prontos, vamos trancar aqui e ir embora — disse ela. — O carro que estamos disponibilizando para você está estacionado na garagem. Tem um GPS programado com o seu destino final, juntamente com um pacote de informações sobre suas novas identidades, cartões de crédito, esse tipo de coisa.
— Novas identidades? — meu pai perguntou, incrédulo. — Isso é realmente necessário? — Será, se você precisar ficar escondido por mais de alguns dias — respondeu ela. — Seus primeiros nomes permanecerão o mesmo, mas vocês serão a família Thayer, de Manhattan. Meu pai soltou uma risada triste. — O que é tão engraçado? — perguntou a agente. — Eu sempre quis viver na cidade, mas minha esposa não podia suportar o barulho. Eu nunca soube que meu pai queria isso. Ele sempre parecia o Sr. Suburbano. — Você sempre arranja novas vidas tão rápido? — ele perguntou. — Ao lidar com um homem como Krauss, tentamos manter as nossas bases cobertas. Criamos este plano de contingência, logo que soubemos do ataque de Rory. — Oh — meu pai disse, com raiva na voz. — Havia uma razão para você não ter mencionado isso para mim antes? — Eu estou dizendo a você agora — disse Messenger com calma. — Não havia nenhuma necessidade de preocupar suas meninas mais do que já estavam. Houve uma longa pausa, seguido por outro zip. — Tudo pronto, Sr. Miller? — perguntou Messenger. — Você não quer dizer Sr. Thayer? — disse meu pai, pingando sarcasmo em todo o lugar. Meu rosto queimou. Por que ele não podia nunca responder a uma pergunta normalmente? Por que tudo tinha que ser uma briga? — Meninas! — disse o meu pai, entrando no corredor com uma velha mala preta. Darcy voltou de cima com o capuz sobre a cabeça e seus jeans pretos dobrados em seus braços. — Vocês estão prontas? — perguntou o meu pai. — Eu vou pegar minhas malas — Darcy respondeu, passando por ele e entrando em seu quarto. Peguei minhas coisas e as juntei, justo quando Darcy chegou na porta com a bolsa hobo em um ombro, a mochila sobre o outro, a mala de rodinhas atrás dela, e seus fones de ouvido em seus ouvidos. — Você vem com a gente? — eu perguntei à agente Messenger. Ela balançou a cabeça. — Eu tenho que ficar aqui. Eu sou a especialista em Krauss — disse ela, apontando para as luzes brilhantes de fora. — Oh, ok — eu disse suavemente, um tremor de nervos percorrendo através de mim.
— Eu preciso de seus celulares — disse Messenger, levantando a mão. — O quê? Por quê? — Os olhos de Darcy estavam arregalados. Ela era viciada em mensagens de texto. Eu tinha certeza que ela não poderia imaginar a próxima hora sem o telefone dela, muito menos possivelmente dias. — Vocês não podem contatar ninguém — Messenger respondeu quando eu entreguei o meu celular. — Se alguém souber onde vocês estão indo, isso colocará não só vocês, mas eles próprios em perigo também. E quando vocês chegarem onde estão indo, vocês não podem dizer quem vocês realmente são, ou de onde vocês vieram ou por que vocês estão lá. Para sua segurança e a deles. Meu pai deu-lhe o seu celular. Darcy puxou o dela e começou a apertar alguns botões. Messenger arrancou para fora de suas mãos. — Ei! — Darcy gritou. — Eu estava apenas apagando algumas coisas! — Não se preocupe. Eu não estava pensando em ler suas mensagens de amor — a agente disparou de volta. — Agora vamos embora. Seguimos Messenger descendo as escadas. Eu arranquei meu casaco de chuva do gancho e me arrastei com a minha família para fora da porta da frente, onde dezenas de carros da polícia estavam em silêncio, suas luzes piscando. A chuva caía forte. Eu puxei meu capuz para cobrir meu cabelo. Um grande SUV preto estava parado no centro da nossa garagem, suas calotas cromadas brilhantes da chuva. Meu pai estava estendo a mão para abrir a porta do lado do motorista, quando o telefone de Messenger tocou. Todos nós congelamos. Talvez eles tenham encontrado ele. Talvez a gente não tivesse que ir. — Sim. Sim, eu entendo — disse Messenger. — Claro, senhor. Sim. Estamos a caminho. — Ela empurrou o telefone no bolso e abriu a porta do carro para o meu pai. Tanta esperança para isso. — Não parem até que vocês estejam fora do estado — ela instruiu. — Não façam chamadas, não contem a ninguém quem vocês realmente são, e mantenham suas novas histórias. Alguma pergunta? — Algum agente nos encontrará lá? — disse o meu pai. Messenger balançou a cabeça. — Toda a nossa força de trabalho será dedicada à caça desse homem. Vocês têm segurança máxima — eu sou apenas uma de um punhado de agentes que sequer sabem onde esta casa segura fica, e não podemos correr o risco de falar a sua localização. Eu vou entrar em contato na próxima semana — mas eu espero trazer vocês para casa antes. Algo mais? — Não — disse ele. — Não, está tudo bem.
Mas havia medo por trás de seus olhos, e minhas mãos começaram a suar. Eu não tinha visto meu pai parecer assustado desde que minha mãe morreu. Triste, sim. Irritado, todos os dias. Mas com medo? Nunca. — Bom — disse ela. — Agora peguem a estrada. Ela virou-se, dobrou sua estrutura alta atrás do volante de seu carro, e fechou a porta. Por um longo momento, meu pai, Darcy e eu só ficamos lá. Tudo o que eu queria fazer era voltar para dentro, rastejar na cama, e enterrar minha cabeça sob os travesseiros. Era a nossa casa. Nossa casa. Eu vi minha irmã e eu brincar de fazer chá na varanda quando éramos pequenas. Vi minha mãe plantar flores ao longo da entrada da frente. Vi o meu pai me ensinar a andar de patins na garagem. Vi o carro fúnebre chegando e levando minha mãe para longe, no dia em que ela morreu. Vi meu pai chorando nos braços da minha avó no degrau da frente. Havia lembranças terríveis nesta casa, muitas que eu preferiria esquecer, mas havia uma grande quantidade de boas, também. Meu coração apertou ao pensar em deixá-las todas para trás — em deixar a minha mãe para trás. Quando abri a porta de trás, vi Darcy enxugando os olhos. Ela entrou após o meu pai e se encolheu. Alguns dos carros de patrulha saíram do caminho para dar espaço à medida que andávamos com o carro. Meu pai limpou a garganta e mudou a marcha no SUV, em seguida, dirigiu pela rua. Quando chegamos na placa de pare no final da rua, eu me virei para dar uma última olhada na fachada de tijolos da minha casa, meus dedos cavando o assento de couro falso. Então, meu pai virou a esquina, e a casa desapareceu atrás das árvores.
7 A EMOÇÃO Traduzido por Manoel Alves
E
então ela estava fugindo. Não era do jeito que ele sempre fazia as coisas, mas ele podia se ajustar. Ele poderia se adaptar. Essa era a marca de um ser humano altamente desenvolvido. Ele agachou-se no quintal dos vizinhos, atrás da casinha de brinquedos infantis, e observou. Ele assistiu a irmã xingar baixinho quando ela abriu a porta do carro. Assistiu o pai lutando com suas próprias emoções quando ele assumiu o volante. Aqueles dois eram tão previsíveis. Ele quase os quis matá-los primeiro. Para fazer isso por ela. Para livrá-la deles, antes que ele pegasse o que precisava. Então, ele a observou. A viu apertar o capuz por cima do cabelo lindo. Viu seus cachos em seu assento. A viu olhar para sua própria janela do quarto, sentindo saudade disso mesmo depois que ele o tinha invadido. Ele esperou até que o SUV tinha saído da garagem e começou a descer a rua. Então ele se levantou, sacudiu a água do seu chapéu de polícia, e acendeu a lanterna. Ninguém olhou para ele quando ele caminhou em torno do lado da casa, através das azaleias florescendo e por toda a passarela. Ninguém piscou quando ele abriu a porta do carro da polícia em marcha lenta. Ele sorriu e ligou o aparelho de som, então colocou o carro em marcha. Ninguém fazia a menor ideia.
8 À SOLTA Traduzido por Manoel Alves
A
s autoridades ainda estão vasculhando o estado atrás do serial killer chamado Roger Krauss — disse o locutor de rádio em sua voz nasal. — O homem que se acredita ter assassinado quatorze meninas e atacou mais uma ainda está à solta... Darcy apertar o botão DESLIGAR no rádio. Meu pai atirou-lhe um olhar, que ela ignorou. Eu gostaria de saber se Christopher estava assistindo ao noticiário. Se ele tinha tentado me ligar. Se na segunda-feira, quando eu não estivesse na escola, ele iria perceber que eu tive que fugir. Se pelo menos eu tivesse ligado para ele antes de achar o presente doentio que Steven Nell havia deixado na minha cama, antes que Messenger tivesse tomado nossos telefones. Eu teria dado qualquer coisa agora só para ouvir sua voz. Eram quatro da manhã e nós dirigíamos sem parar por sete horas. Mal tínhamos conversado, os únicos sons eram dos pneus vibrando ao longo da rodovia; o rádio, que Darcy ligava e desligava de forma intermitente; e a voz mecânica do GPS, que estava nos levando para a I-95 para o nosso destino final na Carolina do Sul. As estradas estavam quase vazias, exceto por causa de um sedan ocasional e alguma entrega de carga de um estado para o outro. — Este deve ser o trecho mais chato da terra na América — meu pai murmurou por entre os dentes, curvando sobre o volante enquanto olhava para fora do para-brisa. A chuva tinha parado em algum lugar em Maryland, e agora estávamos na Virgínia, cercados por um denso matagal de árvores em ambos os lados da rodovia, dividindo-nos do tráfego norte e das terras a oeste. Parecia que o cenário não mudava há horas. Meu corpo estava pesado. Eu vinha lutando para me manter acordada — com medo dos pesadelos que eu sabia que iriam me atacar assim que eu fechasse meus olhos — mas era uma batalha perdida. Eu vinha observando com os olhos turvos as saídas das estradas, uma a uma, contando os quilômetros que estávamos colocando entre nós e o lugar onde o Sr. Nell
—
tinha me atacado. Cada quilômetro fazia eu me sentir mais segura, mais calma, até que minha respiração ficou firme e minhas pálpebras caíram no momento em que senti o sono me atingir.
*** Uma buzina soou alto, e meus olhos se abriram. O carro foi subitamente inundado de luz. Eu virei no meu assento. Um enorme caminhão estava caindo em cima de nós, seu brilho tão ofuscante que eu mal conseguia distinguir a forma quadrada da cabine. Meu coração deu uma guinada em minha garganta, e meu pai sentou-se ereto, olhando para o espelho retrovisor. — O que esse idiota está fazendo? Uma buzina soou alto novamente e eu gritei. — Que diabos? — Darcy virou em seu assento e apertou os olhos, levantando a mão para bloquear a luz. — Apenas ultrapasse, imbecil! — ela gritou. — Darcy! — meu pai gritou. — A língua! E, em seguida, o caminhão nos acertou por trás. Agora nós três gritamos. Meu pai desviou, e houve um guincho de pneus. — Oh meu Deus, é ele. É ele! — eu chorei, curvando-me para frente, com a cabeça entre as mãos e a testa nos joelhos. Em minha mente, imaginei Steven Nell ao volante do caminhão, os lábios finos escancarados para revelar dentes amarelados, enquanto ele se abatia sobre a minha família. O caminhão bateu em nós de novo, e minha cabeça foi para frente. Imaginei suas mãos violentamente agarrando o volante, as olheiras feias sob os olhos sádicos, a camisa xadrez e a jaqueta de veludo horrível que ele estava usando na floresta quando desapareceu. — Não é ele, Rory — meu pai disse, parecendo em pânico. — É um bêbado que não sabe o que está fazendo. O motor do caminhão estava tão barulhento no meu ouvido que eu poderia jurar que estavam sob o capô do reboque do caminhão. Outra batida. O carro deu uma guinada. Meu pai xingou quando ele lutou com o volante. — O quê!? — Darcy gritou, com uma mão apoiada no painel. — O que é isso? — Nosso para-choque está preso em seu caminhão. De repente, o caminhão acelerou novamente, e nosso carro começou a acelerar fora de controle em direção a uma placa de saída verde se
aproximando. Meu estômago afundou. Era isso. Nós iríamos morrer. Minha família ia morrer. — Pai! O que você está fazendo? — gritou Darcy. — Não sou eu! É ele! — meu pai gritou, com as mãos fora do volante. — Pai! Faça alguma coisa! Faça alguma coisa! — eu gritei. Mas já era tarde demais. Houve um terrível chiado, emitido por cima do som de pneus queimando no pavimento. Então nós estávamos girando. A força me jogou contra o lado do veículo. Meu crânio bateu na janela. Tudo estava estremecido. Tudo doía. Meu ombro. Meus joelhos. As minhas costelas. Meu coração. O carro girou novamente, sacudindo minhas entranhas. Senti algo puxar meu peito, puxar meu espírito. Como se eu estivesse tentando flutuar para fora do carro para o éter, tentando escapar do que estava acontecendo. Por uma fração de segundo, eu estava pairando fora do meu corpo, olhando para baixo, vendo a mim mesma se acovardar. Então, virei mais uma vez, e eu senti o corte do cinto de segurança em minhas coxas. Os gritos de Darcy ficaram mais altos, aflitos, desesperados. E então, de repente, paramos. Houve outro rugido ensurdecedor do motor, e o som de pneus quando o caminhão saiu para a noite. Então tudo ficou dolorosamente, estranhamente silencioso.
9 ACABADO Traduzido por Matheus Martins
M
eninas? Meninas! — Os olhos do meu pai se arregalaram enquanto ele lutava com o cinto de segurança. Meu estômago se revirava de dentro para fora, em chamas, tentando rasgar-se do meu corpo. Eu desfiz o meu cinto e me dobrei, tentando recuperar o fôlego. — Pai? — Darcy resmungou. Virei o rosto e olhei para cima. Ela continuava vesga enquanto tentava se concentrar e quando ela finalmente fechou os olhos, esfregou-os, em seguida, abriu-os novamente. Ele estendeu a mão para tocar seu rosto, virando sua cabeça para trás e para frente lentamente enquanto ela piscava para ele. — Estou bem — ela murmurou. — Rory? — meu pai disse. — Estou bem — eu engasguei. — Eu acho. — Lentamente, comecei a me sentar, com a mão sobre minha barriga. A dor ainda estava lá, mas eu era capaz de tomar uma respiração profunda sem passar mal. O caminhão tinha nos empurrado para fora da estrada, e tínhamos vindo parar em um aterro íngreme coberto de grama, a poucos metros do concreto da saída da estrada. A rodovia aparecia em cima, fora de vista e tranquila. Meu pai engoliu tão forte que pude ouvir o gole. Ele abriu a porta com um rangido agudo. — Fiquem aqui. — Espera! Aonde você vai? — eu soltei, agarrando seu ombro sobre o encosto da cadeira. — Eu vou ver se ainda temos um para-choque — disse ele severamente, deixando claro que era duvidoso. — Eu preciso ver se ainda podemos dirigir o carro. — Mas...
—
— Mas o quê? — disse ele, impaciente. — E se ele ainda estiver lá fora? — eu perguntei em voz baixa. — E se ele estiver apenas esperando... — Não era Steven Nell, Rory — meu pai disse suavemente. Meus olhos ardiam com lágrimas quentes que eu mal conseguia segurar. — Como você sabe? — Ele está certo — disse Darcy, girando em seu assento. — Se fosse ele, ele teria nos rondado para ter certeza de que o trabalho foi feito, certo? Você ouviu alguma coisa? Você está vendo o caminhão? Eu engoli um soluço que estava alojado na minha garganta e olhei em volta. Estava muito escuro para ver muito além do muro denso de árvores, mas a saída da estrada estava silenciosa. Até mesmo a rodovia estava imóvel. — Ok — eu disse, minha voz embargada. Limpei a garganta e olhei para o meu pai. — Ok. Ele desligou o motor, colocou as chaves no bolso, e saiu. Eu pressionei meu nariz na janela, tentando vê-lo, mas não havia nada fora das janelas. Nada além de escuridão. — Darcy, você está vendo o papai? — eu disse com urgência. — Tenho certeza que ele está bem — disse ela, roendo sua unha pintada de prata. Um minuto se passou. Em seguida, outro. Meu coração batia dolorosamente. — Porque ele está demorando tanto? Darcy deu de ombros e foi abrir a porta. Disparei para frente. — Não vá lá! — Rory. — Minha irmã me nivelou com um olhar controlador. — Está tudo bem. Eu só vou dizer a ele que queremos dar o fora daqui. — Não — eu disse, balançando a cabeça. — Algo não está certo. E foi aí que eu ouvi. Um baixo assobio fúnebre, claro como o dia. Era a música “The Long and Winding Road” dos Beatles. — Darcy — eu engasguei. Os olhos de Darcy se arregalaram, e ela sentou-se em linha reta. — Oh meu Deus — ela arfou. — O Sr. Nell sempre assobiava isso nos corredores. Ela estendeu a mão para o lado do motorista e acendeu os faróis com um estalo decisivo. O brilho amarelo dos faróis capturaram o ar enevoado, iluminando a extensão do gramado ao lado do aterro, o emaranhado de árvores, e...
Eu respirei fundo, piscando rapidamente. Isso não poderia... isso simplesmente não poderia ser. — Esse é... o papai...? — Darcy disse, sua voz quase um sussurro. Nosso pai estava no meio da saída da estrada, com o pescoço dobrado em um ângulo antinatural. Sua boca congelada aberta em um grito. Seus olhos mortos olhando diretamente para nós. Antes que eu pudesse processar o que eu estava vendo, antes que eu pudesse colocar um nome no que estava acontecendo, uma pedra veio cambaleando pelo para-brisa de trás do SUV, quebrando o vidro e me pulverização com detritos. Darcy e eu gritamos. Estava acontecendo de novo. De novo. De novo. De novo. Só que desta vez Darcy estava comigo. E meu pai... Eu movi minhas unhas em minhas coxas, desejando que eu mesma agisse. O Sr. Nell estava lá fora. Meu pai estava morto. E em segundos, estaríamos mortas também. Era hora de agir. — Darcy, nós temos que ir. Agora — eu disse através dos meus dentes, empurrando minha porta para abrir. Ela não se moveu. Meus pés tocaram o chão, e corri ao redor do carro para o lado dela. Não olhe, eu me ordenei, angulando o meu olhar para longe do meu pai. Abri a porta do lado do passageiro e puxei Darcy do assento. — Vamos — insisti, mas Darcy ficou ali sentada, com uma expressão horrorizada no rosto. — Darcy! Temos de correr, você está me ouvindo? — eu disse, segurando suas mãos. — Corra! Finalmente, minha irmã rompeu-se do foco. Ela agarrou meus dedos e, juntas, corremos em direção ao matagal de árvores que separavam o tráfego sul das pistas sentido norte. — Temos que chegar do outro lado da estrada — eu disse a ela através de suspiros para respirar, um plano cristalizando no meu cérebro. Nosso lado da rodovia estava imóvel — mas talvez houvesse carros indo para o norte. — Temos de acenar para um carro. Darcy assentiu, acompanhando-me passo a passo. Os bosques pressionavam espessamente ao nosso redor. Não estava chovendo mais, mas gotículas gordas da chuva de mais cedo pingavam das folhas em cima, estatelando sobre meus ombros e cabelos. Minha respiração estava entrecortada em meu peito. Galhos rasgavam nossas peles, tatuando nossa carne com marcas vermelhas de raiva. Eu olhei rapidamente para trás, e um galho de árvore estalou em minha bochecha. Instintivamente, minha
mão foi para o meu rosto. Quando eu puxei-o para longe, estava pegajoso de sangue. — Rory Miller — uma voz familiar e doente chamou. — Para onde você foi? Os sons de passos trovejavam atrás de nós, do nosso lado, na nossa frente. Eles estavam por toda parte e em lugar nenhum, saltando fora das árvores com o mesmo eco desencarnado como a voz. — Rory — Darcy disse ofegante, com os olhos arregalados. — E se ele nos pegar? — Ele não vai! — eu insisti. Pensei em minha primeira corrida corta-mato na quinta série. No rosto sorridente da minha mãe, já magra pelos tratamentos, enquanto ela esperava por mim na linha de chegada. Eu tinha diminuído meus passos enquanto o marcador final vinha à vista, deixando a pessoa a alguns passos atrás de mim me passar e se afastar. Eu não queria ser o centro das atenções, desde então. Eu queria as sombras. Eu não corria para ganhar. Corria para libertar minha mente. Mas agora eu tinha que ganhar. Tínhamos que vencer. Porque se nós não o fizermos, se não fugirmos, se deixarmos o medo tomar conta, perderíamos tudo. Uma árvore enorme apareceu na frente, e Darcy soltou o aperto em minha mão para que pudéssemos correr em ambos os lados da mesma. Eu corri para frente, mas quando eu estendi a mão para pegar a mão dela mais uma vez, tudo o que eu peguei foi o ar. — Darcy — eu sussurrei, não abrandando o meu ritmo enquanto eu olhava ao redor. — Onde você foi? — Rory? — uma voz fraca chamou. — Darcy! — Rory? — a voz veio novamente. Eu parei e me virei. A área arborizada que dividia a estrada era muito maior do que eu esperava, e eu estava em uma clareira com cerca de vinte metros de largura. Houve uma pausa nas nuvens, revelando uma meia-lua perfeita pendurada no alto. — Darcy — gritei, de repente, não me importando se isso chamasse o Sr. Nell para mim. Eu tinha que encontrar a minha irmã. — Darcy! Onde você está? Aves decolaram de uma árvore acima. Um esquilo correu pelos meus pés. Um gemido suave soou à distância. Minutos pareceram horas quando eu me virei ao redor, à procura de Darcy.
Então eu vi. Um dedo longo e pálido em um emaranhado de arbustos baixos e galhos. A unha era pintada de um prata cintilante que brilhava a luz do luar. — Não — eu sussurrei, meu sangue fluindo como gelo nas minhas veias. — Não, não, não. Lentamente, muito lentamente, eu cortei através da clareira. Folhas mortas estalavam sob meus pés. Um galho estalou. Agulhas de pinheiro caídas farfalhavam como lixa em madeira, e uma coruja piou ao longe. Então logo alcancei a mão. Com o coração na minha garganta, eu puxei de trás dos arbustos. Um soluço alto escapou dos meus lábios. Minha irmã — minha linda irmã — estava bem ali. Ela estava de bruços, com os braços sobre a cabeça como se tivesse sido derrubada prestes a mergulhar em uma piscina. Seu cabelo escuro se espalhara em todos os ângulos, escondendo seu rosto — mas não o corte profundo na parte de trás de seu crânio. — Oh Deus, oh Deus. Pânico inchou dentro de mim assim que eu agarrei seu pulso. Sua pele ainda estava quente, mas quando eu tateei o pulso dela, meu coração se despedaçou. Não havia nada. Nada. Lágrimas escorriam pelo meu rosto, misturando-se com o sangue no cabelo emaranhado da minha irmã. Darcy, a menina que usou um tutu por um ano inteiro, que tinha chutado Grant Sibley quando ele puxou minha trança na quarta série, que às vezes tinha me provocado até eu chorar, mas que eu amava desesperadamente, estava morta. Assim como o meu pai. A minha família, todo mundo que eu amava, tinha morrido. — Rory Miller... — uma voz desencarnada sussurrou atrás de mim. Eu me virei. Uma figura estava ali, encapuzada e escurecida, uma sombra ganhando vida. Steven Nell. Ele usava a jaqueta de veludo cor de canela horrível sobre uma camisa azul escura. Seus óculos de aros de arame brilhavam à luz do luar, e ele segurava uma longa faca em uma mão e uma pedra sangrenta na outra. Seu nariz era plano onde eu tinha quebrado ele, as maçãs do rosto afiadas, e seus olhos azul-gelo se estreitaram para mim. — Sentiu minha falta? — ele sorriu afetadamente. Bile subiu na minha garganta. — Você matou a minha irmã — eu assobiei, raiva e tristeza lutando dentro de mim. — Você matou o meu pai. O Sr. Nell sorriu.
— Eu não teria que ter feito isso se você tivesse apenas vindo comigo. Mas você não joga pelas regras. — A faca de prata ao lado dele brilhou. — Você vai ser uma boa menina agora e se comportar? Se eu seria uma boa menina? Ele estava falando sério? Adrenalina correu através de mim, e eu soltei um grito selvagem. Eu vi o olhar assustado em seus olhos pouco antes de eu bater nele, como se ele não esperasse que eu lutasse. Como se ele pensasse que eu era apenas uma garota dócil que tinha tido sorte em Nova Jersey. Como se eu fosse simplesmente aceitar que ele matasse a minha família, que ele tivesse tomado tudo o que eu tinha como se não fosse nada mais do que apagar uma vela. Como se eu fosse ser sua décima quinta menina depois de tudo. Décima sexta, uma voz mecânica disse na minha cabeça. Ele já tinha matado Darcy. Meu joelho bateu em sua coxa com um estalo alto. Ele soltou um grito de dor, mas eu não senti nada, exceto a raiva que corria através de mim como lava derretida. A faca escorregou da sua mão, pousando com um baque suave no chão aos nossos pés. Ele agarrou meu ombro, mas eu abaixei, dando uma cotovelada no seu estômago. Ele engasgou, soltando um oof alto, e caiu. Antes que eu pudesse me mover, sua mão envolveu o meu tornozelo. Ele deu um puxão forte, e eu me senti cair para trás. Eu chutei forte, batendo meus membros, e meu pé esquerdo enganchou em algo assim que minhas costas bateram no chão. Ouvi um ruído e olhei para cima para ver o Sr. Nell agachado com as mãos sobre o rosto. Com satisfação sombria, eu percebi que eu requebrei seu nariz. — Sua vadia — ele gaguejou, o sangue escorrendo pelo rosto. Tentei chutá-lo novamente, mas ele pegou meu pé e torceu-o, com força. Senti algo estourar na minha perna, e dor explodiu pelo meu corpo. Ele me prendeu e empurrou seu joelho contra minhas costelas, me pressionando contra o chão. Um momento depois, duas mãos ásperas fecharam-se ao redor do meu pescoço e apertaram. Engoli em seco, tensa, minhas mãos puxando a sua para tentar me libertar de suas garras, mas ele era muito poderoso. Seus olhos azuis perfuraram os meus, e uma gota de sangue de seu nariz quebrado pingava sobre a minha bochecha. — Eu disse que eu teria você — disse ele com um sorriso. Suas palavras eram quentes e doentes de amor. — Eu disse a você. — Ele apertou com mais força.
Pontos cinza formaram-se na borda da minha visão. Agarrei o chão, tentando me segurar, e minha mão sentiu algo frio, metálico. A faca. Meus dedos se fecharam em torno do punho. Reunindo toda a minha força restante, eu arqueei a faca e enfiei a lâmina em suas costas. Ele soltou um rugido alto e saiu de cima de mim. Oxigênio correu em meus pulmões, e eu rolei sobre o meu lado, engolindo avidamente. O Sr. Nell contorceu seu corpo e puxou a faca em suas costas. Apenas a ponta estava vermelha. A ferida não era profunda — minha pouca força não tinha adiantado para isso. Uma dor rasgou através de mim enquanto eu estava lá, olhando para o meu pretensioso assassino. Minha perna latejava, meu pescoço estava sensível e a inspiração enviava agulhas para o meu peito; o Sr. Nell tinha quebrado minhas costelas quando ele se ajoelhou em mim. Mas eu ainda tinha uma perna boa, meus braços, e minha raiva. Quando Steven me atacou novamente, com a faca na mão, eu estava pronta para ele. Um segundo antes de ele me alcançar, eu balancei minha perna direita e disparei nele, em seguida, prendi minhas pernas nas dele. Foi uma agonia, mas eu segurei. O movimento era algo meio Darcy, e eu tinha feito quando estávamos habituadas a jogar Crocodile no nosso quintal quando éramos pequenas. Nossas pernas eram as mandíbulas, e nós derrubávamos uma a outra e os nossos amigos quando eles tentavam saltar por cima de nós. E, assim como os nossos amigos, Steven caiu em cima de mim, com as pernas presas na minha. Ele torceu, tentando ficar em pé, mas caiu, aterrissando com força em suas costas, a mão direita batendo no meu estômago, enquanto a esquerda caía inutilmente contra o chão. Eu engasguei com o impacto, e ele soltou um gemido baixo, o vento o nocauteando. — Eu disse que eu ia pegar você — ele rosnou mais uma vez, um pequeno sorriso em seus lábios sangrentos. Eu pisquei, confusa. Mas enquanto eu lutava para me sentar, uma dor aguda atravessou meu abdômen. Foi então que eu percebi que a faca ainda estava na mão de Steven — e essa lâmina estava enterrada no meu estômago. Apenas o cabo era visível, e tudo ao redor daquilo foi ficando escuro, numa mancha crescente. Notei com um desprendimento ímpar que era a mesma tonalidade exata da rosa vermelha que Steven tinha deixado na minha cama. Ele estava certo. Ele tinha me pegado. Ele tinha pegado o meu pai, e então Darcy, e agora a mim. Desta vez, enquanto eu estava lá com as árvores
verdes me circulando, a minha vida ficou passando diante de meus olhos. Vi o rosto risonho da minha mãe quando nos sentamos à mesa de jantar. O sorriso orgulhoso do meu pai quando eu ganhei o primeiro lugar na feira de ciências. O piscar de olhos verdes de Darcy quando ela sorrateiramente pegava uma colher extra de sorvete. O doce sorriso de Christopher antes de me beijar. O Sr. Nell tinha vencido. Ou não tinha? Eu envolvi minhas mãos em torno do punho da faca, todo o meu corpo em chamas. Eu tinha estudado o suficiente de biologia para saber que a única coisa me impedindo de sangrar era a faca, e que a remoção seria a última coisa que eu faria. A segunda última coisa, eu jurei. Olhei para Steven, com as pernas presas nas minhas, seu torso espalhado no chão da floresta enlameada. Seus olhos estavam fechados por trás de seus óculos rachados, com aros de metal, e ele estava deitado de costas, respirando ruidosamente através de seus dentes quebrados. Sua jaqueta de veludo cor de canela estava manchada com sujeira e sangue, as abas abertas, expondo sua camisa de flanela rasgada — e seu coração. Rangendo os dentes, eu puxei a faca do meu estômago. Mal registei a dor, mas eu estava muito perto do fim de sentir qualquer coisa, além da minha necessidade de vingança. Os olhos de Steven se abriram agitados. Suas pupilas estavam enormes e tão negras quanto sua alma. Então a lua saiu de novo, derramando luz sobre nós, e tudo que eu podia ver era o meu próprio reflexo nas lentes de seus óculos. Minhas mãos levantaram a faca. Meu sangue escorreu na lâmina de metal. Um sorriso sombrio apareceu em meus lábios enquanto eu descia com força, direto sobre o coração de Steven. Quando isso foi feito, eu me deitei de novo, exausta, encarando o céu negro. — Rory — uma voz gritou de algum lugar. — Rory! De repente, eu acordei no banco de trás do nosso novo SUV, um grito entalado na minha garganta. A mão de Darcy agarrou a frente do meu suéter. — Shhh! Papai está dormindo — ela sussurrou, me liberando e torcendo para trás em seu assento ao lado do meu pai. — Você estava tendo um pesadelo. — Um pesadelo? Eu balancei minha cabeça, meu coração batendo descontroladamente. Minha camiseta estava agarrada à minha volta em manchas de suor e meu
pescoço estava molhado debaixo da minha trança. Corri minhas mãos sobre o banco e sobre o meu corpo, tocando em qualquer coisa real para provar que o que eu tinha acabado de experimentar era nada mais que um sonho. Meu corpo estava inteiro. Minha irmã, muito viva, estava olhando para mim, e no meu colo tinha o envelope contendo a história de Nick, Darcy e Rory Thayer, que não era muito diferente da nossa história real. Exceto pelo fato de que nós viemos de Manhattan e que o meu pai era um professor particular em vez de um professor de literatura na Universidade de Princeton. Eu inspirei e expirei lentamente, tentando me acalmar e me orientar. — Onde estamos agora? — eu pressionei minha testa contra a janela, o vidro frio me trazendo totalmente de volta à realidade. O carro estava cercado pela névoa, e meu pai estava roncando atrás do volante. Uma buzina de neblina soou e eu percebi que o motor não estava nem ligado. Eu olhei para fora da janela e vi o espelho lateral de outro carro a poucos centímetros de distância, sem se mover. Nós estávamos em uma balsa, assim como aquela que tínhamos pegado quando fomos para o casamento da minha prima Talia em Massachusetts. Darcy deu de ombros. — Não tenho ideia. Eu acabei acordando porque você estava gritando. — Nós paramos desde o acidente? — perguntei. — Que acidente? — perguntou Darcy, franzindo a testa confusa. Eu hesitei. — O acidente na saída, na Virgínia. Darcy olhou para mim como se eu fosse uma louca. — Rory, você desmaiou na Virgínia. Não houve acidente. Não houve acidente. Conforme as palavras de Darcy me atingiam, deixei escapar um suspiro de alívio. — Graças a Deus. Darcy revirou os olhos. — Ok, se você já acabou de pirar, eu vou dormir um pouco mais. Eu balancei a cabeça fracamente, retirando meu iPad e clicando sobre a minha cópia de O Imperador de Todos os Males. Eu estava com muito medo de voltar a dormir, no caso de eu começar a sonhar novamente. Mas enquanto eu olhava para a tela brilhante, um leve sorriso cruzou meus lábios. Nós estávamos em uma balsa para uma casa segura. Estávamos vivos. E nós estávamos longe, muito longe de Steven Nell.
10 JUNIPER LANDING Traduzido por Matheus Martins
M
eu pai e Darcy agitaram-se conforme o nevoeiro começava a se levantar. À minha direita havia água escura azulada e ondas com cristas de espumas tanto quanto o olho pudesse ver. Houve um barulho e um grito diretivo, seguido por outro e outro. A balsa estava ancorada. — Já chegamos? — Darcy perguntou com um bocejo, olhando pela janela. Meu pai piscou o sono dos olhos e estendeu a mão para o GPS. Ele soltou um bipe duplo alto e piscou à vida. A tela branca exibiu a mensagem que ninguém nunca queria ver: SEM SINAL. À nossa frente, a rampa para o carro estava abaixada. Um homem em uma camisa pólo azul com um cisne branco bordado no bolso do peito nos acenou na frente. Meu pai ligou o motor e endireitou-se, limpando a garganta. — Acho que estamos prestes a descobrir. Ele nos levou para fora da balsa, descendo a rampa para um pequeno estacionamento, onde um homem estava distribuindo mapas. Meu pai abriu a janela para tomar um ar, e uma brisa quente e salgada do mar fez cócegas na minha pele. Apertei o botão para a minha própria janela, também, respirando o ar fresco que me cercava. Lá fora, as gaivotas crocitavam e um sino em uma boia soou. Assim que meu pai entrou em uma vaga de estacionamento para olhar para o mapa, eu assisti os passageiros desembarcando para a passarela de pedestres. Eram em sua maioria crianças da minha idade e adultos mais jovens, com algumas pessoas de meia-idade e idosos apimentados. Eu vi dois caras de mãos dadas, a definição de os opostos se atraem. O cara mais alto tinha a pele escura e cabelo escuro e usava uma camisa estampada apertada e um chapéu de palha descolado, enquanto seu namorado tinha cabelo loiro-
branco e sardas, e usava uma camisa pólo verde sobre o short. Mas quase todo mundo parecia estar sozinho, perdido em seus próprios pensamentos. Sentei-me um pouco mais reta quando notei uma placa de madeira esculpida, que era pintada de azul escuro no fundo, as palavras escritas em letras brancas destacadas: BEM-VINDO À JUNIPER LANDING Acima da mensagem havia um cisne de madeira, inflando seu peito com orgulho, suas asas para trás e sua cabeça erguida. — Rory, os panfletos que Messenger nos deu tem um endereço? — perguntou meu pai, virando o mapa para cima. Eu folheei os papéis em meu colo e encontrei um pequeno cartão na pasta de bolso com uma chave da casa grudado nele. — Sim. Rua Magnolia, número noventa e nove. Meu pai deixou cair um dedo no mapa. — Aqui — disse ele. — Na praia. — Legal — comentou Darcy, colocando um par de óculos de sol. Meu pai saiu do estacionamento e dirigiu-se lentamente para a cidade. Os prédios eram amontoados todos juntos, suas telhas de madeira eram resistentes e cinza, a ornamentação branca em torno de suas janelas estava estilhaçada em alguns lugares. Havia varandas de tábuas; brilhantes, birutas com temas de praia eram balançadas pela brisa; e pranchas de surf encostadas nas portas. Pelo menos uma dúzia de bicicletas estavam estacionadas por toda parte, nenhuma delas presa, e quando nós passamos por um açougue, ouvi cinquenta músicas piegas tocando em um alto-falante velho e rachado. Cada janela tinha uma caixa de flor, e cada local de trabalho tinha uma placa pintada à mão e um toldo colorido. Passamos por tudo, desde uma padaria a uma loja de roupas de banho até um estande de esquina que vendia óculos de sol. Isso na verdade me fez lembrar de Ocean City, onde alugávamos uma casa por uma semana todo mês de agosto. Definitivamente era um destino de férias, o que explicaria todos os jovens solteiros na balsa. Eles provavelmente vinham do continente todas as manhãs para o trabalho. Um lugar como este tinha que estar bombando no verão. A estrada se abriu em uma praça da cidade e um bonito parque com um cisne numa fonte de pedra que jorrava água no ar. Um cara com dreads compridos e um gorro estava no centro de uma das passarelas entrecruzadas, cantando “One Love”. Ele tinha um violão vermelho,
amarelo e verde, que parecia que tinha tido dias melhores, e a case do seu violão estava aberta no chão na frente dele. Ele se manteve o tempo todo tocando com o pé descalço. — Está longe de abraçar o estereótipo, cara — disse Darcy baixinho. Acima de sua cabeça, amarrada de poste a poste, havia uma grande placa azul que dizia EXIBIÇÃO ANUAL DE FOGOS DE ARTIFÍCIO DE JUNIPER LANDING! SEXTA-FEIRA, AO PÔR DO SOL! Eu me virei quando passamos pelo Departamento de Polícia de Juniper Landing, querendo solidificar a localização do pequeno prédio de tijolos na minha memória, só por precaução. À distância, eu podia distinguir os dois principais pontos de uma ponte acima das nuvens brancas flutuando no nevoeiro, que ainda pairavam sobre a água. — Por que não pegamos a ponte? — eu perguntei, sentando-me para frente novamente. Parando em uma placa de pare, meu pai olhou no retrovisor, então se virou para olhar por cima do ombro. — Porque o GPS nos levou até a balsa — disse ele, impaciente. Meu rosto queimou. Eu estava tão cansada do tom humilhante do meu pai que eu poderia ter gritado. Mas, é claro, eu não disse nada. Como sempre. Nós começamos a nos mover novamente. Duas meninas caminhavam na calçada e olharam para o nosso carro como se estivessem tentando ver se havia alguém famoso no interior. Uma delas, uma garota alta, de aparência confiável, com cabelo vermelho encaracolado, olhou nos meus olhos e não desviou o olhar. Ela segurou o meu olhar até que eu finalmente me senti tão desconfortável que eu virei minha cabeça e fingi tossir. — Oh meu Deus, olha só aquele moreno-alto-e-bonito! — Darcy assobiou. Ela inclinou-se para frente em seu assento quando passamos pela Loja de Departamentos Juniper Landing, que tinha um toldo listrado azul e branco, um par de mesas de fio branco do lado de fora, e uma grande placa na janela anunciando o serviço de café da manhã e de almoço, bem como o MELHOR SORVETE CASEIRO DA ILHA. Um cara de cabelos escuros, de ombros largos, de queixo quadrado estava encostado à janela com um pé pressionado no vidro. Ele estava casualmente lançando uma moeda que brilhava ao sol, o que lhe dava a aparência de ouro ou bronze, e rindo de algo que a menina loira ao lado dele tinha dito. Sua risada foi carregada através da estrada. Do outro lado dele havia um cara com cabelo loiro comprido, maçãs do rosto acentuadas, e olhos azuis tão marcantes que eu podia vê-los mesmo
desta distância. Suas mãos estavam cruzadas atrás das costas, os cotovelos para fora, e ele estava olhando para o nosso carro. Enquanto eu olhava, ele cutucou o menino de cabelos escuros e ele olhou para nós, também. Então a menina loira também, em seguida, a menina asiática pequena ao lado dela, em seguida, os outros três adolescentes sentados em uma mesa próxima. Eles simplesmente pararam de falar e olharam. Darcy sentou-se imediatamente para trás e olhou para frente, tentando parecer legal, mas eu não conseguia tirar os olhos do cara loiro. Seu olhar estava travado no meu, muito parecido com o que aconteceu com a ruiva na calçada. Mas de alguma forma, isso era diferente. Ele estava olhando para mim como se me conhecesse. Como se já nos conhecêssemos. Mas também como se ele estivesse triste em me ver. Meu coração começou a bater de uma forma totalmente nova. Como se eu estivesse à beira de alguma coisa, mas eu não sabia se era algo bom ou algo ruim. — Deus. Ele é literalmente o cara mais gostoso que eu já vi — disse Darcy quando meu pai virou o carro em direção a uma curva na estrada. — Talvez essa coisa toda de fugir de Princeton não tenha sido a pior ideia de todas. Eu não lhe respondi. Em vez disso, eu me virei em meu banco para olhar para a multidão mais uma vez. Eles ainda estavam olhando. E eles continuaram encarando fixamente até que finalmente descemos a colina e ficamos fora de vista.
11 PRESA Traduzido por Matheus Martins
P
erfeição. Este lugar era a perfeição. A cidade das férias. Moradores de cidades das férias eram blasés por natureza. Eles nunca tomavam conhecimento de um rosto estranho, porque cada rosto era estranho. E lugares como este eram notórios por sua força de polícia descuidada — indivíduos mal treinados que não tinham ideia de como lidar com qualquer coisa mais urgente do que filhos perdidos e brigas de bêbados na praia. Sem mencionar o fato de que era uma ilha. Uma ilha com, na medida em que ele era capaz de discernir, apenas duas possíveis rotas de volta para o continente — uma balsa com uma programação esporádica e uma ponte no extremo norte, uma boa meia-hora de carro até a cidade. Ela não iria escapar dele. Ela estava presa. Ele não poderia ter pedido ao FBI para enviar Rory Miller e sua família para um local mais oportuno. Ele teria que se lembrar de enviar um cartão de agradecimento quando isso acabasse.
12 SENSAÇÃO FAMILIAR Traduzido por Matheus Martins
O
lhei pela janela enquanto o meu pai parava na frente de uma bela casa branca com janelas azuis, uma enorme varanda na frente, e uma cerca branca. Um chorão pairava sobre a calçada, e o jardim estava cheio de lírios alaranjados e equináceas roxas. Atrás da casa, o oceano se estendia em direção ao horizonte distante. A água era verde brilhante perto da costa arenosa e aprofundava para o azul marinho além da rebentação. — Então é isso? — eu disse com ar de dúvida. Eu estava imaginando um prédio cinza deprimente com três camas e um chuveiro. Talvez o governo tivesse mais empatia do que eu pensava. Talvez eles imaginassem que se você estivesse fugindo de um serial killer, você merecia um pouco de mimos. — É o número noventa e nove — Darcy gritou alegremente, disparando para abrir a porta do carro. Eu saí e inclinei a cabeça para trás, saboreando o sol quente no meu rosto. Um pungente aroma floral arrepiou meu nariz de uma forma agradável. Eu respirei-o, na esperança de que uma boa inspiração fosse acalmar os meus nervos em frangalhos e parar a batida irregular em meu peito. Eu segurei o ar dentro dos meus pulmões enquanto eu podia enquanto Darcy destravava o portão e caminhava para a varanda, onde um grande balanço rangia para frente e para trás na brisa. Então eu finalmente soltei o ar. Meu coração bateu contra as minhas costelas. Não. Ainda apavorada. Mas pelo menos havia o sol, a brisa era fria, e não havia seriais killers à vista. Por enquanto. — Porta trancada — Darcy anunciou, sacudindo o punho. Meu pai andou a passos largos para se juntar a ela enquanto eu ficava atrás.
— Aqui — eu disse, jogando a chave do pacote para ele. Ele pegou-a facilmente. Darcy saltou para cima e para baixo quando meu pai abriu a porta. Notar alguns garotos surfistas gostosos tinha claramente melhorado o seu humor. A porta rangeu alto, como se não tivesse sido movida nos últimos anos. No interior, a casa estava clara e ensolarada, e tudo estava polido e brilhoso. Darcy correu até as escadas, sem dúvida com a intenção de obter o melhor quarto. Meu pai e eu só ficamos lá por um momento, observando os tapetes antigos desbotados, os pisos de madeira escuros, a mobília antiga. Uma cozinha pastel estilo-anos-cinquenta se elevava na parte de trás da casa. Minha mãe teria adorado. — Eu acho que nós deveríamos desfazer as malas — disse meu pai, parecendo cansado e soando exausto. — Ok. Vou verificar o... Mas ele já estava se afastando de mim de volta para o carro. Subi a escada de madeira frágil, meus membros parecendo subitamente pesados. Darcy saiu do primeiro quarto à direita, quase me derrubando. — Esse é meu — ela anunciou antes de correr as escadas e sair pela porta da frente. Eu pisei em seu novo quarto, examinando o papel de parede listrado de amarelo e branco e a cama queen-size. A enorme janela da sacada dava para a rua, e eu podia ver Darcy quando ela abriu a mala do carro e puxou sua mala. Sua escolha estava boa para mim. Depois de tudo o que tinha acontecido, a última coisa que eu queria era encarar a rua. Do outro lado do corredor havia uma suíte principal feita em azul e cinza, que meu pai iria reclamar, e a próxima porta se abriu para um banheiro de azulejos brancos. No final do corredor, uma terceira porta estava entreaberta, revelando uma escada em caracol. Olhei dentro e inclinei a cabeça, mas tudo que eu podia ver era um teto com painéis de madeira. A escada era tão estreita que eu era capaz de arrastar os dedos ao longo das paredes opostas, conforme eu fazia o meu caminho para cima, as escadas rangiam a cada passo meu. No topo, fiz uma pausa. O quarto era grande, quase tão grande quanto a casa, com um teto inclinado e paredes caiadas de branco. A cama de casal estava no centro sob a parte mais alta do teto, com uma janela de seis painéis do chão ao teto por trás dela de frente para a água. A única outra janela tinha como vista a praia ao norte. A mobília era escassa — um guarda-roupa, uma mesa, uma estante de livros cheia de volumes cobertos de tecido arrumados aleatoriamente.
Em qualquer outra circunstância, eu teria adorado. Mas naquele momento, eu não queria nada mais do que ir para casa. Eu sentia falta do meu quarto. Eu sentia falta da minha mesa e de todas as minhas coisas. E estar longe de casa, longe do papel de parede da minha mãe, seus utensílios de cozinha, a obra de arte que ela tinha arranjado tão cuidadosamente na sala de estar, estava me fazendo sentir falta dela ainda mais. É apenas temporário, eu me lembrei com uma profunda e forte respiração. Mas eu sabia que a primeira coisa que eu iria desempacotar seria o retrato emoldurado de nós duas. Virando-me, eu desci as escadas para pegar minhas coisas. Quando passei pela porta aberta do quarto de Darcy, ela puxou o capuz de seu cabelo. Na parte de trás de sua cabeça havia uma enorme mancha de sangue, toda seca em seus cabelos emaranhados. — Darcy! Sua cabeça! Ainda está sangrando! — eu engasguei. Ela virou-se para mim, os olhos verdes piscando enquanto ela tentava encobri-lo novamente. — Está tudo bem. — Não está tudo bem — eu disse, um arrepio correndo por mim. Do nada, um flash ultrapassou minha visão. A mão pálida sob o luar prateado. O pio distante de uma coruja. Um emaranhado de cabelo preto sangrento sobre um crânio esmagado. Mas quando eu pisquei, a visão tinha desaparecido. Foi apenas um pesadelo, eu me lembrei. Eu apertei a mão na parede mais próxima e tentei respirar. — Rory? O que foi? O que há de errado? — perguntou Darcy, alarmada. — Nada — eu disse, olhando para longe, evitando seus olhos. — Isso não parece não ser nada. Isso parece com... você tinha esse mesmo olhar em seu rosto quando você tinha... — Os flashes — ambas dissemos ao mesmo tempo. Engoli em seco e sentei-me ao lado dela. Meu coração batia forte com o pânico, e eu tentei fazer o que meu psiquiatra me disse para fazer todos esses anos — focar no que era real, me concentrar no que estava aqui. Havia uma mancha cinza no meu tênis. Um grande nó negro na tábua de madeira debaixo do meu pé. Uma cutícula rasgada no meu dedo anelar direito. Essas coisas eram reais. Este quarto, este assento, e Darcy. Eles estavam aqui. — Eu sabia! — Darcy exclamou, seu rosto enrugado de preocupação. — Está acontecendo de novo? Desde quando? — Eu não sei. Só... essa foi a primeira vez — eu disse. — Tenho certeza que não é nada. Não se preocupe com isso.
Mas assim que eu disse isso, meu estômago se amarrou em nós. Depois que minha mãe havia morrido, eu passei meses tendo flashes a cada dia. Visões vívidas de sua tosse com sangue, ou dela gemendo de dor ou chorando para o meu pai. Mas elas não eram apenas lembranças. Era como se eu fosse transportada de volta para o momento em que eu tinha visto essas coisas acontecendo e eu estava lá de novo, revivendo-as em puro 3-D. Meu pai tinha me levado a um psiquiatra, que me diagnosticou com transtorno de estresse pós-traumático, e depois de alguns meses de terapia, os flashes tinham abrandado, então finalmente pararam. Mas agora, aparentemente, eles estavam de volta. E eu estava tendo um flash do pior pesadelo que eu já tive. — Tem certeza? — Darcy me perguntou. — Sim. Eu estou bem — eu disse, levantando-me de novo. O quarto girou por uma fração de segundo, mas eu me forcei a focar e respirar. — Eu já volto. Temos que te limpar. — Não. Eu posso lidar com isso. Você devia se sentar — disse Darcy. Mas eu a ignorei e me dirigi para o banheiro. Eu estava muito feliz por ter algo para fazer — algo para me distrair do flash. Encontrei uma toalha em um armário de linho atrás da porta do banheiro e a água correu na pia de cerâmica, até que ficou quente. Então eu espirrei um pouco de água no meu rosto e me dei um olhar reforçado no espelho. Quando voltei para o quarto de Darcy, ela estava sentada no assento da janela, esperando por mim. — Você quer que eu faça isso? — perguntei. Ela não disse sim, mas ela também não me jogou para fora de seu quarto, o que eu tomei como um sinal positivo. Em vez disso, ela trouxe os pés para cima da almofada xadrez do banco e virou-se para olhar para a rua. Timidamente, eu toquei o pano úmido na ferida. Ela fez uma careta. — Dói muito? — eu perguntei. — Só acabe com isso — respondeu ela secamente. Limpei o sangue e fiquei aliviada ao descobrir que por baixo de tudo era simplesmente uma raspagem superficial. Quando eu terminei, eu trouxe sua bolsa de couro até o banco, sabendo que ela iria querer trabalhar em seu cabelo. Ela vasculhou-a até que encontrou sua escova e começou a desembaraçar as pontas. — Devíamos andar pela cidade e encontrar aqueles caras — Darcy falou, puxando as pontas de seu cabelo ao redor para estudar um nó teimoso. — Se vamos ficar aqui por um tempo, podemos fazer amigos também.
Virei meu perfil para Darcy e olhei para o chão de madeira. Três nós escuros no grão de madeira formavam um rosto sorridente vacilante. — Quanto tempo você acha que vamos ficar aqui? — eu perguntei em voz baixa. Darcy se encolheu, trabalhando em seus emaranhados. — Eu diria que é um mau sinal que eles estejam perseguindo-o por dez anos. — Sim — eu disse, meu coração dobrando sobre si mesmo. — Eu acho que ele é muito inteligente. Darcy ficou em silêncio por um momento. Ela estava olhando para fora da janela, como se perdida em pensamentos, a escova mole na mão. — Você quer ouvir algo realmente doente? — ela finalmente disse em uma voz enojada. — Eu realmente gostava do Sr. Nell. Ele sempre explicava matemática de uma maneira que eu poderia realmente usar na vida real, o que tornava muito mais interessante. E eu gostava de como ele fazia competições de velocidade de matemática nos últimos cinco minutos de cada aula, porque ele sabia que, caso contrário, todo mundo ia ficar olhando para o relógio. — Ela estremeceu. — Eu sei. Eu gostava dele, também — eu admiti. E eu gostava. Eu gostava de como ele levava seu café em uma caneca dos Beatles, como ele sempre tinha uma cópia orelhuda de Auto Reparo para Idiotas escondida debaixo do braço, e como ele nunca tinha mal hálito, quando ele se inclinava para ver o meu trabalho, ao contrário de todos os outros professores em Princeton Hills High. Eu costumava sorrir quando eu o via passeando pelos corredores, segurando a alça de sua bolsa carteiro cinza com as duas mãos, assobiando como se ele não tivesse nenhuma preocupação. — Eu acho que você nunca pode realmente saber o que está acontecendo na cabeça de alguém — Darcy falou, começando a escovar o cabelo novamente. Olhei para seus olhos verdes brilhantes, que eram tão parecidos com os da nossa mãe. Nós não tínhamos sido as melhores amigas há muito tempo, não desde antes da nossa mãe morrer. Mas depois de Christopher chutar Darcy, ela tinha mudado completamente. Cada frase que saia de sua boca era uma repreensão ou um insulto. A única coisa que tinha continuado na mesma era ela se elevando contra o papai. Ela sempre era a única a respondê-lo enquanto eu me encolhia no canto. Eu era grata a ela por isso — por encará-lo um pouco para que eu não precisasse. Mas eu não sabia como dizer isso a ela.
Minha mãe teria me dito apenas para dizer de uma vez. Que era importante que as pessoas soubessem como eu me sentia. Meu coração batia forte com uma energia nervosa em minhas veias só de pensar nisso, mas eu decidi tentar de qualquer maneira. Eu poderia estar morta agora, afinal de contas. Então ela nunca saberia. Aparentemente “A vida é curta” ia ser meu novo mantra. — Darcy, Eu... Ela se levantou abruptamente. — Vou verificar o resto da casa — disse ela, virando-se, evitando me olhar nos olhos. Era como se tivesse ouvido a emoção na minha voz e tivesse medo dela. — Hum, tudo bem. Coloquei minhas mãos sob minha bunda, envergonhada, mas ela já estava saindo pela porta. Suspirando, eu me virei para a janela e olhei para fora para meu novo bairro. Ele era pitoresco, com casas coloridas em verde limão e hortelã. Cada jardim continha uma profusão de flores e árvores bem aparadas. Apenas a casa do outro lado da rua parecia fora do lugar. Era cinza clara com persianas pintadas de preto. Não tinha árvores, nem jardim, nem arbustos. A única coisa interessante sobre ela era a grade quadrada no centro da porta da frente — um daqueles antiquados olhos mágicos que se abriam como uma mini porta por dentro. Enquanto eu olhava, a cortina caiu sobre a janela em frente à de Darcy e eu vi uma mão desaparecer de vista. Meu coração bateu na minha garganta. Tinha alguém nos observando? Eu me inclinei para frente, apertando os olhos quando a cortina se agitou. Algo caiu no andar de baixo, e minha mão voou para o meu coração. Meu pai amaldiçoou a plenos pulmões. Levantei-me e caminhei para o meu novo quarto. Deixando para trás o susto rápido que eu tive no quarto de Darcy, eu fechei a porta silenciosamente atrás de mim. Nós estávamos seguros aqui. Ninguém estava me observando mais. Pessoas eram autorizadas a olhar para fora de suas janelas. Subi as escadas, sentei-me na cama e olhei para o teto com vigas de madeira com um suspiro. Então era isso. Esta era a minha vida nova. Com a minha família, mas completamente sozinha. Pelo menos alguma coisa neste lugar era familiar.
13 A GAROTA NOVA Traduzido por Manoel Alves
R
—
ory...
Sentei-me em linha reta na cama. Meus olhos correram ao redor do quarto desconhecido, dos cantos escuros, das sombras distorcidas. Alguém havia acabado de sussurrar meu nome. — Rory Miller! — a voz soou novamente. — Rory Miller pode sair e brincar? Joguei as cobertas de lado, meus pés descalços batendo no chão de madeira fria. Um giro rápido no quarto me convenceu de que não havia ninguém lá, mas a voz veio novamente. — Vamos lá, Rory. Venha brincar comigo. Arrepios surgiram pelos meus braços nus enquanto eu, trêmula, andava em direção as escadas e olhava por cima da grade de proteção. Ninguém estava lá. Apenas os passos descalços desacelerando na escuridão. — Rory? — Era Darcy, desta vez. — Rory — ela gritou. — Rory, me ajude! Com o coração na garganta, desci as escadas. Quando abri a porta, parei com um baque. Eu olhei para baixo e lá estava Darcy, enrolada em posição fetal no chão. Seus olhos estavam abertos e fixos, mortos. Sua cabeça estava tão esmagada que parecia impossível aquilo um dia ter sido uma cabeça humana. — Não! — eu gritei, cobrindo meus olhos. — Não! Não! Não! Eu me virei na escada, indo diretamente para os braços de Steven Nell. — Não! Acordei assustada no domingo de manhã, minhas mãos sobre minha barriga, o sol brilhante agredindo meus olhos. O suor cobria cada centímetro do meu corpo e minha pele parecia que estava pegando fogo. Minha barriga doía como se eu tivesse comido sacos de algodão doce demais e me enchido com uma garrafa inteira de Coca-Cola. Eu cobri meu rosto e
disse a mim mesma que era apenas um sonho. Era apenas um sonho. Era apenas um sonho. Respire, Rory. Respire. No momento em que minha respiração começou a acalmar, eu ouvi o som do meu pai batendo panelas e frigideiras na cozinha. Enfiei meus pés em meus chinelos e puxei meu suéter E=mc2 antes de descer os dois lances de escada. Na ponta dos pés, através do foyer, parei ao lado da mesa perto da porta. Meu pai tinha colocado a foto de família ali — aquela que costumava ficar pendurada na nossa parede no andar de cima. Eu nem sequer o tinha visto tirá-la de nossa casa. Quando um outro barulho soou, eu deslizei até a porta da cozinha e espiei dentro. Meu pai usava jeans e uma camiseta, vasculhando um armário baixo, de vez em quando jogando uma frigideira Teflon ou uma panela de bronze atrás dele no chão. — Eles nos disseram que precisávamos deixar nossa casa e, em seguida, nos enviam para uma ilha sem nenhum serviço de telefone e nenhum Wi-Fi — ele murmurou para o oco do armário. Eu tinha notado o problema do Wi-Fi ontem à noite quando tinha tentado fazer logon na internet do meu iPad, mas esperava que fosse uma falha temporária. — Que tipo de jeito é este que executam em uma agência do governo? — Ele começou a se levantar e bateu a cabeça na borda da abertura. — Filhos da... Eu pulei para trás para me esconder antes que ele pudesse me identificar e começar a gritar comigo, também. Do lado de fora, ouvi um sino de bicicleta, e me encaminhei para a porta da frente. Eu escorreguei para a varanda, fechando a porta silenciosamente atrás de mim. O ar quente de verão me envolveu dos pés à cabeça. Andei na ponta dos pés para o balanço da varanda e sentei-me, passando os braços em volta de mim mesma. Mesmo da frente da casa, eu podia ouvir as ondas correndo contra a praia lá atrás, e o ar cheio de um picante aroma salgado do mar, além de uma doce infusão floral que eu não pude identificar totalmente. Alguém por perto estava cantarolando. A música soava vagamente familiar assim que flutuou na brisa. Familiarizada o suficiente, eu comecei a cantarolar junto. Até que eu percebi exatamente porque eu sabia a melodia. Eu pulei do balanço, girando ao redor. Era “The Long and Winding Road”. Eu estava tendo um flash novamente. Eu tinha que estar tendo um flash novamente. Mas, então, um pequeno pássaro amarelo sobrevoou e pousou no parapeito da varanda. Eu ouvi o som distante de um sino. A árvore magnólia do outro lado da rua sussurrava na brisa. Eu estava aqui. Em Juniper Landing. No agora. E o zumbido era real.
Tremendo, caminhei para o fim da varanda e espiei por cima da grade para a parte traseira da casa. Sândalos e capim se estendiam como um colchão irregular por um calçadão que separava nossa casa da praia. Mas diferente de um melro empoleirado em uma árvore em floração e algumas abelhas zumbindo em torno de uma equinácea, não havia nada lá. Eu caminhei para o outro lado e voltei a olhar a garagem. Nosso carro novo estava na calçada, seu capô preto brilhando no sol da manhã. Prendi a respiração, fechei os olhos, e escutei. Nada mais do que o quebrar das ondas e o grasnar do melro. Mas quando eu abri meus olhos novamente, a mesma cortina na mesma janela da casa do outro lado da rua se fechou. Desta vez, eu peguei um vislumbre de cabelos loiros quando alguém se afastou da janela. — Que diabos? — Antes que eu pudesse perder a coragem, eu corri nos degraus da varanda, abri o trinco, e sai para a calçada, para ver melhor. — Uou! Eu quase pulei para fora da minha pele quando duas meninas da minha idade derraparam até parar em suas bicicletas, apenas alguns centímetros do portão e de mim. Uma era bonita, de pele escura, bochechuda, com cachos saindo em todas as direções e um piercing na sobrancelha que brilhava ao sol. Ela usava uma jaqueta do exército, apesar de o clima estar quente, junto com um vestido preto, um cachecol listrado, e botas pretas altas. A outra era a garota pequena que eu havia visto com a nova conquista de Darcy na loja de departamentos ontem. Ela tinha cabelos pretos e lisos que caiam no queixo, olhos escuros, e usava uma camiseta com JUNIPER LANDING sobre shorts jeans. Uma pulseira de couro desgastada agarrava-se a seu pulso direito. — Essa foi por pouco — a menina com o piercing na sobrancelha disse, recuando sua bicicleta. — Hum, sim — eu disse, meus olhos correndo de volta para a janela. A cortina estava parada. — Você é nova — disse a menina pequena friamente. Ela me olhou com uma pontada de curiosidade, como se estivesse estudando meu rosto. — É tão óbvio assim? — perguntei. — Para um nativo, sim — ela disse com uma risada curta que senti quase zombeteira. Como se houvesse alguma piada particular que eu tivesse perdido. — Menos óbvio para mim, mas eu estou apenas visitando. — A outra garota chutou para baixo o tripé de sua bicicleta e me ofereceu sua mão. — Eu sou Olive Walden. Esta é Lauren Caldwell.
Eu apertei a mão dela, ainda olhando para o outro lado da rua, para a casa cinza. — E você é...? — Olive solicitou, claramente se divertindo. — Oh, desculpe — eu disse, me trazendo de volta para o momento. — Rory. Rory... Thayer. — O novo nome parecia estranho na minha língua. Lauren olhou para a minha casa longe de casa. — Lugar maneiro. — Obrigada. Você tem alguma ideia de quem vive do outro lado da rua? — eu perguntei, levantando meu queixo para a casa cinza. Lauren e Olive trocaram um olhar, então olharam de volta para a casa. — Já está tentando saber os podres de seus vizinhos, não é? — Lauren disse, com um brilho malicioso nos olhos. Corei. — Não. Eu apenas pensei que eu vi... Eu quero dizer... — Eu parei, sem saber como terminar a frase. Eu não poderia explicar exatamente que um serial killer estava me perseguindo, e que cortinas se movendo misteriosamente estavam me deixando maluca. — Não se preocupe. Ela está apenas bancando a difícil. — Olive riu, acotovelando Lauren, para ela se comportar. — Quer ir dar um passeio com a gente? Podemos levá-la para um passeio pela cidade. Eu olhei de volta para a casa. Eu não gostava da ideia de sair com Darcy mal humorada e papai irritado, mas o zumbido sinistro ainda ecoava na minha cabeça. — Obrigada, mas eu não tenho uma bicicleta — eu disse, feliz pela desculpa. — Além disso, eu sou mais do tipo que corre. — Você corre? Sério? — Olive protegeu os olhos contra o sol. — Eu nunca tive vontade. — Não? É ótimo. Eu adoro — eu disse a ela. — Mesmo? Eu levantei meus ombros e respirei fundo. — É... Eu apenas gosto de estar sozinha e não ter que pensar em nada, além do ritmo dos meus passos e a velocidade do meu pulso — eu disse. — É muito... — Zen — ela respondeu. — Ok, Zen — eu disse com uma risada. Eu olhei nos olhos dela. Ela olhou de volta com uma expressão intrigada. Lauren, por outro lado, estava começando a ficar entediada. — Vamos indo, Olive — disse ela, impaciente, rolando para frente em sua bicicleta. — Estou morrendo de fome. Olive pulou para trás em seu assento, ergueu o estribo lateral com o calcanhar e, em seguida, virou-se para mim mais uma vez. — Oh! — ela disse, seus olhos brilhando. — Você deveria vir para a festa hoje à noite.
— Festa? — eu perguntei cautelosamente. Eu detestava festas. As evitava tanto quanto possível. Eu sempre me dava bem com um amigo ou outro, mas as multidões não eram a minha praia. De fato, uma das maneiras que eu me consolei sobre nunca ter tido um encontro com Christopher era dizendo a mim mesma que ele teria me arrastado para pelo menos uma das festas de fim de semana. É claro, agora aquilo parecia um pensamento bobo. Meu coração apertou só de pensar nisso. Eu deveria ter dito sim a ele. Eu teria tido o prazer de ter ido a dez milhões de festas, se isso significasse estar com ele. — Nós vamos fazer uma fogueira na praia — explicou Lauren, brincando com a pulseira de couro. — Nós sempre convidamos todos os turistas — acrescentou ela, como se quisesse ter certeza de que eu não me achasse especial de alguma forma. — Começa por volta das nove e nós estaremos lá até qualquer hora — disse Olive. — Basta olhar para fora de sua janela. Você vai nos ver. — Hum... ok. Talvez — eu disse, mesmo que não tivesse a intenção de ir. Claro, era totalmente o estilo de Darcy, mas se eu dissesse a ela, ela iria querer ir, meu pai diria que não, ela iria fugir e a III Guerra Mundial explodiria dentro da nossa casa temporária. — Legal. Vejo você mais tarde, então. Talvez — disse Olive com um sorriso irônico. Em seguida, as duas se foram. Assim que elas foram embora, a porta da frente se abriu e meu pai saiu vestindo shorts Adidas e uma antiga camiseta de Harvard. Ele saltou sobre os pés algumas vezes, sua barriga se movendo para cima e para baixo como uma bola pesada. — Eu estou indo dar uma corrida — disse ele, tenso. — Você quer vir? Eu pisquei. Meu pai não tinha me convidado para uma corrida desde antes de minha mãe morrer. Ele não tinha me convidado para fazer qualquer coisa desde antes de minha mãe morrer. O próprio pensamento de ir com ele fez meus ombros ondularem, como se ele esperasse que eu esquecesse cinco anos dele ignorando minha existência. — Hum... Eu ainda preciso tomar café da manhã — eu disse, sem jeito. — Ok. Estarei de volta em uma hora. Então ele abriu o portão e correu para longe. Eu ainda estava de pé lá, boquiaberta atrás dele, quando pelo canto do meu olho, eu vi outra vibração em uma das janelas da casa cinza. Com o coração na garganta, me virei e corri para dentro, fechando ambas as fechaduras atrás de mim. Então eu me movi para a janela da sala e me escondi atrás da pesada cortina floral, inclinando-me para que eu pudesse ver o lado de fora.
De repente, a porta da frente da casa cinza abriu com um rangido. Um cara com o cabelo louro, um bronzeado de matar e olhos azuis penetrantes desceu as escadas, olhou para a nossa casa furtivamente, e depois rapidamente virou o quarteirão, com a cabeça baixa. Eu o reconheci imediatamente. Ele era o cara do lado de fora da loja de departamentos. Aquele que tinha olhado para mim como se me conhecesse. Minha respiração ficou presa na minha garganta. Cabelo loiro. Olhos penetrantes. Teria sido ele que tinha estado me observado da janela? E se ele morasse lá, Lauren não teria dito? Eles tinham saído ontem. Parecia que eles eram amigos. Eu o observei chegar ao fim da rua e desaparecer na esquina, que levava à cidade. Então eu verifiquei novamente as fechaduras, fui para o meu quarto e tranquei a porta atrás de mim. Se havia uma coisa que Steven Nell tinha me ensinado, era para não confiar em ninguém — especialmente as pessoas que pareciam ter uma queda por me observar.
14 FOGUEIRA Traduzido por Manoel Alves
E
u estava terminando um capítulo da biografia de Marie Curie, quando ouvi a porta no fundo das escadas abrir. Meu coração quase parou, e meus olhos correram para o relógio cinza e branco pendurado na parede oposta. Era meia-noite. — Olá? — eu disse, minha voz falhando quando me sentei reta. Passos rápidos soaram subindo as escadas, e eu me enrolei contra a cabeceira da cama, agarrando o meu iPad contra o meu peito. Eu estava me perguntando quanto eu iria danificá-lo se tivesse que usá-lo como uma arma quando Darcy apareceu. Ela estava completamente vestida em jeans skinny e uma regata brilhante, e usava maquiagem completa. — Você me assustou! — eu disse. — Olha só! — disse ela, me ignorando enquanto gesticulava para a janela voltada para o norte. — Fogueira na praia! Droga. Eu deveria ter sabido que ela podia sentir o cheiro de uma festa no ar. Eu suspirei, colocando meu iPad/potencial estrela ninja para baixo, e caminhei até a janela. De fato, havia uma fulgurante fogueira, talvez três casas até a praia, com pelo menos vinte jovens em torno dela. Daquela distância, tudo o que eu pude notar foram suas sombras. Parecia vagamente como a capa de O Senhor das Moscas, um romance que eu tinha sido forçada a ler na aula de inglês no ano passado. Ficção realmente nunca tinha sido a minha praia. — Eu aposto que aquele cara da loja de departamentos estará lá — Darcy sussurrou animadamente, levantando as sobrancelhas. Ela virou-se e começou a vasculhar o guarda-roupa em frente ao pé da cama, deslizando os cabides para o lado de um por um. — O que você está fazendo? — eu perguntei cautelosamente.
— Encontrando algo para você vestir — respondeu ela em sua voz condescendente favorita. — Vá fazer alguma coisa com o seu cabelo. Parece que passarinhos estão fazendo ninhos aí dentro. — Darcy, eu não quero ir a uma festa — eu protestei, passando minhas mãos sobre minha trança, no entanto. — Bem, eu quero, e eu não quero aparecer sozinha. — As mãos dela caíram para os lados e ela gemeu. — Você não tem alguma coisa que não seja um moletom? — Oh, bem. Eu não tenho nada para vestir, então eu acho que seria melhor ficar em casa — eu tentei, temendo a ideia de ficar por aí, tentando jogar conversa fora com estranhos. Darcy me olhou de cima a baixo, analisando minha blusa branca e cinza, e minha larga calça com uma faixa lateral. — Você pode pegar alguma coisa minha — disse ela, pegando a minha mão e me puxando em direção às escadas. — Papai vai nos matar se sairmos escondidas — eu disse, agitada. — E daí? Qual a novidade? — Darcy... — Oh, vamos lá, Rory! — ela gemeu, inclinando a cabeça para trás no instante que tomou minhas mãos nas dela. — Por favor? Por favor, por favor, por favor? Estou morrendo de tédio aqui. Ficamos trancadas em casa por dois dias inteiros depois de ficarmos trancadas em nossa casa por uma semana. Por favor, vem comigo? Eu estou te implorando. Por favor? Você me deve. Eu olhei nos olhos da minha irmã e senti um baque de mau pressentimento misturado com uma culpa esmagadora. — Por que eu devo a você? — eu perguntei lentamente. Ela não sabia, não é? Como ela poderia saber? Ela desviou o olhar e levantou os ombros. — Eu não sei. Por defender você do papai no outro dia? Por defender você do papai todos os dias? Por deixar para trás todos os meus amigos, a festa da Becky e desaparecer da minha formatura para vir para cá? — Como isso é minha culpa? — eu apontei. Mas ainda assim. Eu poderia respirar um pequeno suspiro de alívio, porque pelo menos ela não tinha falado sobre Christopher. Pelo menos ela não tinha de alguma forma descoberto. Mas o estrago estava feito, e a culpa estava agora pressionada no meu peito. Além disso, Darcy estava certa. Ela tinha desistido de muita coisa para vir aqui. Quando Steven Nell tinha me atacado, ela estava esperando
avidamente não só a sua formatura e a festa de Becky, mas também cerca de meia dúzia de outras festas e uma viagem até a costa. Para não falar de outro verão trabalhando no restaurante da família de seu amigo, Liam. Este ano, ela seria velha o suficiente para servir bebidas e trazer para casa “altas gorjetas”. Eu nunca tinha gostado ou compreendidos seus amigos, mas ela vivia para eles, e tudo isso tinha sido tirado dela. — Tudo bem, tudo bem. Nós vamos — eu disse, empurrando os meus pés nos tênis que eu tinha jogado ao lado da minha cama mais cedo. — Mas eu vou usar minhas próprias roupas. — Eba! — Darcy realmente me abraçou por meio segundo, e um sorriso brincou em meus lábios. Fui até o guarda-roupa, arranquei o meu suéter azul-marinho e o coloquei. Então eu segui a minha irmã, descendo as escadas e saindo pela porta dos fundos. O ar estava frio do lado de fora, e até mesmo antes da praia, eu podia sentir o cheiro de cinzas na brisa. Longas linhas finas estavam penteadas na areia debaixo dos nossos pés, como se tivessem sido recentemente niveladas e enfeitadas por uma equipe de manutenção. Enfiei as mãos nos bolsos e combinei com o ritmo ocasional de Darcy quando nos aproximamos da fogueira. Meu pulso acelerou quando as primeiras pessoas na margem da multidão começaram a nos notar. Eu me senti bem visível, como se não pertencesse à aqui. Mas Darcy estava no seu habitat. Ela parou a poucos metros do fogo e empurrou uma mão no bolso de trás da calça jeans, e agitou seu cabelo longe de seu rosto. — Lá está ele — disse ela por entre os dentes, deslizando os olhos para a direita. O gato de cabelos escuros de Darcy estava com Lauren e Olive perto de um cooler azul. Eles estavam com os dois meninos e a menina loira da loja de departamentos, juntamente com mais dois caras do tipo surfista e a ruiva que tinha olhado para nós da calçada. Todos eles eram bonitos e estavam completamente à vontade, seus cabelos jogados ao vento, seus sorrisos despreocupados, suas roupas soltas e casuais, em um estilo de litoral. — O segredo é deixar o cara vir até você — Darcy me informou, inclinando-se um pouco em direção ao meu ouvido. — Nunca, jamais, ir até... — Oi! Nós duas saltamos. A paixão de Darcy estava à sua direita, segurando um copo vermelho e exibindo um sorriso perfeito e suave. Ele tinha uma covinha na bochecha esquerda. Seu cabelo castanho caía sobre o olho direito, e as mangas de sua camiseta vermelha se agarravam a seus bíceps. Seus jeans
estavam desgastados na parte inferior, e ele estava com os pés descalços, como o resto do seu grupo. Até mesmo Darcy tinha ido descalça. De repente, eu me senti deslocada no meu tênis. Então o cara loiro do outro lado fixou os olhos nos meus. Uma fração de segundo depois, ele desviou o olhar e tomou um gole de sua bebida. Lambi meus lábios secos e agarrei minhas mãos atrás das minhas costas. Meu pulso começou a acelerar, enquanto eu me perguntava se ele iria falar comigo, e o que eu diria para ele se ele o fizesse. — Oi. Sou Darcy Thayer — a minha irmã estava dizendo. Ela inclinou a cabeça com um sorriso. Seus longos cabelos castanhos caíram sobre seu ombro nu. — Joaquin Marquez — disse o rapaz. Ele apontou para o cara loiro, e eu notei que Joaquin estava usando a mesma pulseira de couro que eu vira em Lauren antes. — Este é Tristan Parrish. Tristan simplesmente assentiu. Meus olhos dispararam para seus braços. Como esperado, uma pulseira de couro estava amarrada em seu pulso. — E esta é sua irmã, Krista — disse Joaquin, erguendo o copo em direção à loira, que usava um vestido branco transparente; um colar de ouro longo e delicado; e o bracelete, embora o dela parecesse mais novo do que os outros. — Olá — disse ela, me examinando da cabeça aos pés, como se fosse uma designer de moda examinando seu trabalho. Havia uma confiança sofisticada nela, o que não era tão surpreendente, considerando como ela era bonita. Ela tinha as mesmas maçãs do rosto acentuadas que seu irmão e os mesmos olhos azuis impressionantes. — Eu amei o seu cabelo — ela disse, tocando o fim da minha trança. — Hum, obrigada. — Eu me contorci sob seu toque. — Que tal passarmos as introduções antes de você apalpar ela, Krista? — Joaquin sugeriu levemente. — Desculpe — Krista se desculpou, soltando meu cabelo. — Não se preocupe com ela. Ela é bonita, mas socialmente desajeitada — disse Joaquin baixinho, inclinando-se um pouco para nós. — Cale a boca! — Krista disse, empurrando seu braço, mas sorrindo de uma forma autodepreciativa no mesmo instante que todo mundo riu. Então, ele era esse tipo de cara. Não importava se o que ele dizia era rude ou desagradável, todos apenas o deixavam dizer. Darcy tinha um desses em seu grupo — o amigo dela, Liam — e eu não conseguia suportá-lo.
— Esse pessoal lá atrás são Bea, Fisher e Kevin — Krista me disse, deslizando um braço ao redor do meu e apontando para a ruiva e dois rapazes. Eles silenciosamente levantaram suas bebidas em saudação. Fisher era alto, largo-como-um-linebacker, de pele escura e o cabelo tão raspado que era quase inexistente. Kevin era magro e pálido, com cabelos pretos e uma tatuagem de fogo intrincada atravessando seu antebraço direito. — E você já conhece Lauren e Olive. Darcy me lançou um olhar confuso. Limpei a garganta, desembaraçando meu braço de Krista. — Hum, eu conheci Lauren e Olive mais cedo — eu expliquei a Darcy. — Elas estavam andando de bicicleta na frente da casa. Lauren vestia a mesma camiseta e calções que usara naquela manhã, mas Olive tinha mudado para uma blusa preta de mangas compridas sobre calças largas. Seus cachos escuros saltavam loucamente com a brisa do oceano. Ela era a única sem uma pulseira de couro no braço, a não ser que estivesse escondido debaixo da manga. — Oi, Rory — disse Olive. — Oi — eu disse. — Esta é minha irmã, Darcy. As meninas sorriram educadamente para Darcy, mas não disseram nada. Darcy pigarreou e mudou seu peso. — Então, Rory, como está sendo Juniper Landing até agora? — Joaquin me perguntou, passando por Darcy e indo para o meu lado. Enquanto o resto do grupo ficava me olhando, eu olhei de lado para Darcy, cujo sorriso vacilou. Ela não estava acostumada a ser ignorada, especialmente por minha culpa. Meu rosto ficou quente, e de repente meu coração parecia estar pulsando diretamente contra a minha pele. — Hum, está... legal — eu disse. — Você já foi à cidade? — perguntou Krista, brincando com seu colar. — O sorvete na loja de departamentos é de matar — Olive adicionou. — E você tem que ir à biblioteca — acrescentou Krista. — Eles têm uma seção de ciência incrível. Meu coração pulou. Como Krista saberia que eu gostava de ciência? — Porque você estava usando aquele moletom E=mc2 esta manhã — explicou Krista, lendo claramente o meu olhar assustado. — Pelo menos foi o que Lauren me disse. — Oh — eu disse com cautela, lançando um olhar para Lauren, que olhou diretamente para mim, como se não fosse estranho que ela houvesse relatado a minha roupa. — Certo.
— Ela estava? Deus — disse Darcy de forma apologética, tocando meu braço. — Perdoem a minha irmã. Ela ainda está aprendendo a se vestir. Levantei uma sobrancelha irritada para a minha irmã. — Eu acho que ela está bem — Tristan disse, falando pela primeira vez. O timbre grave de sua voz enviou um arrepio pela minha espinha. — Cada um tem seu estilo — Darcy falou, jogando o cabelo para trás. Mas eu podia ver o vermelho se formando em suas bochechas por ter sido contrariada. As pessoas bonitas deveriam estar na sua, não na minha. — Então, Rory, vamos encontrar um lugar para sentar — disse Joaquin, colocando o braço em volta de mim e dando em meu ombro um aperto familiar. — Eu gosto de conhecer todos os nossos novos visitantes. Aposto que sim, eu pensei, me perguntando com quantas garotas aquela fala já tinha funcionado no passado. Tristan olhou mortificadamente para mim com isso, com uma expressão de mágoa. — Na verdade, eu estou com sede — eu disse, esquivando-me do toque de Joaquin. — Fisher vai pegar algo — disse Joaquin, inclinando a cabeça em direção aos outros. — Certo, Fish? Instantaneamente, Fisher estava ao lado de Joaquin, como se estivesse pronto para fazer o que ele mandasse. Olhei para Darcy, assustada, mas ela simplesmente olhou de volta para mim. — Hum, obrigada, mas eu posso pegar sozinha — eu disse, me inclinando para que eu pudesse deslizar por ele. — Tem certeza? — perguntou Joaquim. — Sim! Absoluta. Eu já volto — eu disse a Darcy. Mas pelo jeito que ela estava olhando para mim, estava muito claro que ela não teria se importado se nunca me visse novamente.
15 ZONA MORTA Traduzido por Manoel Alves
E
u caminhei para o outro lado da fogueira, agarrada a uma garrafa de água do cooler, e tentando parecer que bebericava aquilo perfeitamente satisfeita, enquanto observava as ondas. Discretamente, eu mantive um olho em Darcy e nos outros. Ela estava flertando com Joaquin agora, mas de vez em quando ele olhava em minha direção. Olive e Tristan estavam conversando sozinhos, suas cabeças inclinadas juntas, enquanto Fisher, Kevin e Bea tinham encontrado alguns coolers para se sentar, de frente para o fogo. Lauren e Krista estavam ao lado deles, sussurrando e olhando na minha direção. Apenas respire. Apenas respire e recite. Hidrogênio, hélio, lítio, berílio, boro, carbono, nitrogênio, oxigênio, flúor... Uma rodada de riso feminino me chamou a atenção. A poucos metros de distância, mais perto da borda da água, um cara da minha idade estava conversando com duas meninas mais jovens. Ele tinha o cabelo castanho e olhos castanhos, um rosto bonito, e era a única outra pessoa usando tênis. Ele estava ouvindo o que as meninas estavam dizendo, mas de vez em quando, quando elas não estavam olhando, ele olhava em volta, como se estivesse entediado. Enquanto ele observava a festa, seu olhar captou o meu. Um momento depois, ele desculpou-se da sua conversa e se aproximou de mim. — Importa-se de me salvar da conversa mais ridícula de todos os tempos? — ele perguntou com um sotaque britânico cadenciado. Claramente, ele não era da ilha, o que significava que ele não fazia parte do Grupo Super Popular de Juniper Landing. Olhei para seu pulso, testando uma teoria. Sem pulseira de couro. Parecia que era algum tipo de tendência local, ou talvez uma coisa do tipo clube exclusivo. Talvez houvesse alguma
sociedade secreta dos moradores locais, deixando todos os outros saberem o quanto exclusivo era por usarem um mesmo acessório. Muito maduro. — Qual era a conversa? — perguntei. Ele soltou de seus lábios. — Você acredita que elas estavam falando sobre o casal real, me perguntando se eu os conhecia? Como se todas as pessoas britânicas conhecessem um ao outro. — Você não os conhece? — eu brinquei. Ele riu, e o som quente me deixou à vontade. — Eu sou Rory. — Aaron — disse ele com um leve aceno de cabeça. Ele moveu-se mais perto de mim, observando a festa. Do outro lado do fogo, dois rapazes lutavam, enquanto um grupo de meninas gritava. Na minha direita, um esguicho soou enquanto um cara sem camisa tentava se sustentar sobre o barril. Algo que eu não teria sequer reconhecido se não fosse uma exposição recente sobre trotes de fraternidades no noticiário noturno. Joaquin e Darcy estavam entre eles. Aaron estalou a língua. — Você não odeia essas coisas? — Muito, muito mesmo — eu respondi. Então lhe atirei um sorriso provocante. — Os seus amigos Lady Kate e o Príncipe Will se ergueriam sobre o barril? Aaron deixou escapar um gemido exagerado. — Na minha última festa, eu tive que chamar a guarda real para ter que tirá-los — disse ele, seus olhos castanhos dançando. — Mas eu vi você falando com as pessoas bonitas. Qual é o problema com o moreno alto? — ele perguntou, olhando Joaquin de cima a baixo apreciativamente. Eu balancei minha cabeça. — Não faço ideia. Não é o meu tipo. — Mas é o meu — disse ele, tomando um gole de sua bebida. — Eles não se aventuram desse jeito neste lado do oceano. Infelizmente, ele parece jogar no seu time, não no meu — disse ele, lançando um olhar para a minha irmã, que agarrou o braço de Joaquin enquanto ria. — Se isso faz você se sentir melhor, ele meio que parece ser um idiota — eu disse. Ele sorriu. — Obrigado por isso. Eu sorri. — Então, de que parte da Inglaterra você é? — Eu sou um menino Birmingham, mas estou indo para Oxford no outono. — Oxford, uau. Então você é ridiculamente inteligente — eu disse.
Ele deu de ombros, sacudindo a cabeça. — Não. Estou na nona geração, então eles tinham que me deixar entrar. Eu decidi estudar arqueologia, para grande desgosto dos meus pais literários de espírito. — Arqueologia não soa muito prosaico para mim — eu disse. — E você? O que você quer estudar? — Ele tomou um gole de sua bebida, virou um pouco o rosto para mim, e plantou os pés, como se decidindo que era ali que queria ficar, pelo menos por enquanto. — Eu? — Eu coloquei minha garrafa de água para baixo no cooler, em seguida, puxei minha trança por cima do meu ombro e comecei a mexer no final dela. — Ciência. Medicina, especificamente. Eu quero ser uma oncologista. Eu queria salvar pessoas como a minha mãe. Pessoas que não mereciam morrer. Pessoas cujas famílias não mereciam ser deixadas para trás. Mas eu achei que era muito mórbido para uma festa. — Uau. Você tem sua vida traçada. Impressionante — disse ele. Houve um longo momento de silêncio entre nós, mas não foi desconfortável. Nós dois tomamos nossas bebidas. — Então, você está de férias, ou... Mordi o interior da minha bochecha. — Sim. Nós chegamos aqui ontem. — Nós? — ele questionou. — Eu, meu pai, minha irmã. — Meu coração pulou uma batida. Falar sobre a minha família podia significar que eu teria que começar a contar a nossa história de fachada. Eu tinha memorizado os fatos da nossa vida nova no carro, mas ser capaz de contar as mentiras era uma coisa completamente diferente. — E você? — Acabei de chegar esta manhã — disse ele. Ele terminou sua bebida, pegou minha garrafa vazia, e lançou-as em um saco de lixo nas proximidades, que já estava transbordando com copos e latas. — Na verdade, eu vim aqui para visitar o meu tio, que mora em Boston, mas houve um incêndio enquanto eu estava lá e toda a família foi desalojada. — Oh meu Deus — eu engasguei. — Espero que todos estejam bem. — Sim, todos nós conseguimos sair ilesos, milagrosamente — disse ele, brincando com um anel de prata em sua mão direita. — Que bom — eu respondi, pensando em minha própria fuga de casa. Não que eu pudesse falar com ele sobre isso. — De qualquer forma, eles decidiram voar de volta para o Reino Unido até que os reparos na casa fossem feitos, mas eu não estava pronto para voltar, então eu decidi que eu iria ver um pouco do país primeiro — ele explicou.
— Oh. Legal. — Desta vez a pausa foi estranha. Eu senti como se devesse elaborar sobre as nossas férias, mas minha língua estava amarrada. — Nós apenas... viajamos todos os anos logo após a escola liberar — eu improvisei. Na verdade, nosso ano escolar terminaria em uma semana, mas ele não tinha como saber disso. — Minha família sempre vai à praia no feriado — disse Aaron, com um sorriso melancólico. — Estar aqui está me fazendo sentir falta da minha irmã, devo confessar. Eu não tenho ninguém para ir fazer suf de vela. — Ele me olhou com curiosidade. — Eu suponho que você não...? — Surf de vela? Não — eu zombei. — Então, eu gostaria de lhe ensinar. O que você diz? — ele perguntou, seus olhos iluminados com o entusiasmo. Meu coração acelerou de nervosismo. Eu nunca tinha sido de mergulhar em coisas novas. Com estranhos. Em lugares estranhos. — Eu prometo que vou ser gentil — ele brincou, levantando uma mão. — Por favor? Eu realmente quero ir, mas eu prefiro ir com um amigo. E você definitivamente parece ser uma boa amiga. Corei, lisonjeada, depois encontrei-me imaginando como Darcy reagiria se eu lhe dissesse que estava indo fazer surf de vela. Ela provavelmente iria rir na minha cara com um “Sim, claro” e o próprio pensamento fez minha pele queimar. Eu não queria mais ser previsível. Eu não queria ser a menina fraca e chata que Steven Nell escolheu da multidão. Eu queria abraçar todo este lema de “A vida é curta”, e se eu fosse fazer isso, era hora de começar a enfrentar meus medos e tentar coisas novas. — Tudo bem — eu disse. — Por que não? — Fantástico! — ele exclamou. — Encontre-me na baía amanhã à tarde, às duas. Há um lugar de alugueis lá. Não tem como não encontrar. — Eu estarei lá — eu prometi. Ouvi a risada de flerte da minha irmã do outro lado da festa e suspirei quando ela praticamente caiu em Joaquin rindo. Duas meninas nas proximidades pareciam irritadas. Eu desejei que ela não tivesse que ser tão evidente. — Bem, alguém está se divertindo — disse Aaron, seguindo o meu olhar. — Você disse que tem uma irmã? — eu perguntei, na esperança de mudar de assunto. — E um irmão — disse ele. Ele abaixou-se para pegar uma pedra e atirou-a na água. — Eu tentei ligar para eles hoje pela primeira vez em
muito tempo, mas não tinha serviço. — Ele apertou os olhos quando olhou para mim. — Eu acho que o seu celular não funciona aqui, não é? Eu não sei, eu não tenho um em minha posse. Mas o GPS tinha morrido quando chegamos aqui, meu iPad ainda não estava funcionando, e meu pai tinha dito que até mesmo os telefones fixos não funcionavam. Talvez seja por isso que o FBI nos enviou aqui, não havia nenhuma maneira possível de nós entrarmos em contato com as pessoas da nossa vida antiga e estragar nosso disfarce. — Não. Aparentemente, a ilha é uma zona morta. Ele suspirou. — Eu estava com medo disso. — Por que é a primeira vez que você liga há algum tempo? — eu perguntei. Aaron chutou a areia. — Isso é meio que uma longa história, mas basicamente, eu tive uma enorme briga com o meu pai antes de ir embora, então eu tenho evitado ligar para casa. — Ah — eu disse. — Isso faz sentido. — É claro que, a grande ironia das ironias, eu finalmente me sinto pronto para pedir desculpas e ligar para ele, e eu não consigo falar com ele. — Ele encolheu os ombros. Antes que eu pudesse responder, as garotas que ele tinha falado anteriormente correram até ele com um grito alto. — Aí está você! — A garota de cabelos castanhos disse, envolvendo seu braço no dele. — Pensamos que havíamos perdido você! — sua amiga loira arfou, balançando levemente na areia. O copo vermelho em sua mão estava quase vazio. — Aqui estou eu — disse ele fracamente, olhando para mim se desculpando. — Vejo você amanhã — ele murmurou enquanto o puxavam para longe. — Ok! — Eu dei-lhe um aceno e um sorriso encorajador, que ele respondeu com uma careta, mas eu tinha certeza que ele poderia cuidar de si mesmo. Pelo menos, eu esperava que sim. Deixada sozinha novamente, bati meus punhos juntos, querendo saber o que fazer a seguir. Eu verifiquei Darcy, esperando que ela pudesse estar ficando entediada, mas ela estava olhando para Joaquin, extasiada, enquanto ele gesticulava contando uma história. Deixei escapar um suspiro e estava prestes a me virar quando notei Lauren, Krista, Kevin, Fisher e Bea sentados de frente para o fogo com bebidas na mão. As chamas lançavam sombras escuras sobre os seus rostos, e as faíscas do fogo faziam os seus olhos
brilharem vermelho. Nenhum deles estava falando. Em vez disso, eles estavam todos olhando para mim, com expressões ilegíveis em seus rostos. Seu rosto. O rosto de Nell. Salpicado de sangue. Olhando para mim. O flash de uma faca. O ramo torcido de uma árvore. Alguém gritou. Sentei-me com força no cooler mais próximo, com falta de ar. Outro flash. O grito tinha sido apenas uma garota qualquer, fugindo de dois rapazes na água. Eu apertei a mão na minha testa e disse a mim mesma que não era real. Concentrei-me no cooler frio abaixo das minhas coxas. As ondas quebrando em meus ouvidos. O calor do fogo contra a minha pele. Isso me trouxe de volta para a Terra, mas tudo o que eu queria era estar de volta em casa, lendo meu livro na segurança do meu quarto no terceiro andar. Eu me levantei, caminhando trêmula para Darcy, e toquei seu ombro. — Podemos ir agora? — eu perguntei em voz baixa. — Por favor? — Rory, acabamos de chegar aqui — disse ela. Joaquin tomou um gole de bebida, me estudando. — Vamos lá, Darcy. Eu vim com você, agora eu preciso que você venha para casa comigo — eu sussurrei. — Está tudo bem? — perguntou Joaquim, aproximando-se de nós. — Rory — disse Darcy por entre os dentes, com os olhos arregalados. — Mas eu... — Se você quer ir para casa, vá. Eu vou ficar bem — disse ela um pouco mais alto. Olhei para ela. Certo. Claro. Ela ficaria bem. Mas e quanto a mim? Eu não estava exatamente feliz com a ideia de voltar sozinha. — Estamos há cinco passos de casa — disse ela em voz baixa, seu tom apaziguador. — Não se preocupe. Eu não vou ficar até muito tarde. Eu me virei e olhei da praia para a nossa casa. Não era realmente tão longe, e todas as casas entre aqui e lá tinha luzes em seus terraços. Além disso, se alguma coisa acontecesse comigo, alguém na festa iria me ouvir gritar. Assim eu esperava. — Tudo bem, tudo bem. Eu vou. Mas tenha cuidado — eu disse, me inclinando em direção a sua orelha. — Deus. Se acalme — ela replicou. Então ela virou-se para Joaquim. — Então, como exatamente você começou a salvar vidas? Voltei a olhar para o fogo, e meu olhar caiu sobre Tristan. Olive estava falando com ele, mas ele estava olhando diretamente para mim de novo, me estudando, como se estivesse tentando ler meus pensamentos. Meu coração começou a bater de uma forma superficial, oscilante, e parte de mim queria
apenas ir lá e falar com ele. Perguntar a ele o porquê de todos aqueles olhares. Mas eu não poderia fazer isso. Talvez ele não estivesse olhando para mim. Talvez ele só gostasse de olhar. E tudo que eu ganharia por confrontá-lo seria trazer mais atenção para mim e sair como uma idiota egoísta no processo. Então, em vez disso, eu virei de costas para ele e me dirigi até a praia sozinha, meu queixo enfiado na gola alta do meu suéter. Eu tinha andado cerca de cinquenta passos quando uma névoa cinzenta começou a girar em torno de meus tornozelos. Meu coração deu um pulo assustado, e então meus pés desapareceram inteiramente de vista. O ar ao meu redor parecia estar se movendo, se encolhendo, ondulando. Com o coração na garganta, eu me virei para olhar para trás, o fogo não era nada mais do que uma bola fosca e brilhante no cinza. Eu não podia distinguir nem um único rosto, nem uma única pessoa. O nevoeiro tinha rolado e distorcido tudo. Eu me virei novamente, sentindo-me totalmente desorientada, e acelerei meu ritmo. Eu não podia ver mais de meio metro à frente, então eu desviei para a direita, procurando um ponto de referência. Um conjunto de escadas apareceu, levando até uma das casas, mas não era a nossa. Uma risada veio do nada. Eu congelei no meu caminho, e um calafrio deslizou pela minha espinha. O som arrepiou meus ouvidos. Era exatamente como o riso de meus pesadelos. Exatamente como o de Steven Nell. — Não — eu disse baixinho. — Não. Ele veio de novo, desta vez mais perto. Gargalhando. O mais silenciosamente que pude, comecei a correr. A areia sob meus pés me fez tropeçar e eu estendi a mão, pronta para cair, mas minha mão bateu em algo duro. Um grito subiu na minha garganta até que eu percebi que era apenas um corrimão. Um corrimão de um outro conjunto de escadas. Eu não tinha ideia se era a nossa casa ou de um vizinho, mas naquele momento eu não me importava. Subi de dois ou três degraus de cada vez. Tudo o que importava era entrar. Ficar longe dele. Quando cheguei ao topo da escada, ouvi a risada de novo. Pairou na névoa, quase em cima de mim. Subi através das tábuas de madeira e descobri que eu estava no terraço da nossa casa. Depois de me atrapalhar com a chave no meu bolso, eu consegui deslizar para dentro e fechar a porta atrás de mim, girando a fechadura o mais rápido que pude. A névoa cinza rodou contra a vidraça quando eu recuei, deixando um rastro molhado de condensação. No outro lado do vidro, a névoa movia em pequenas pulsações.
Como se alguém estivesse lá fora, em pé a poucos centímetros de distância de mim, respirando lentamente para dentro e para fora. Dentro e fora. Virei-me e corri até as escadas para o segundo andar, meu coração batendo em meu crânio. No topo da escada, ouvi um barulho e parei, agarrando-me ao canto do papel de parede. Mas, desta vez, não era um riso. Era algo totalmente diferente. Ofegando, eu andei na ponta dos pés pelo corredor e fiquei do lado de fora da porta fechada do quarto do meu pai. Ele deixou escapar um soluço tão aflito que pude senti-lo dentro do meu coração. Meu pai estava lá, sozinho, chorando. Uma coisa que eu não tinha ouvido dele desde o dia que tínhamos enterrado a minha mãe. Eu fiquei lá, com minha mão na porta, e escutei. Escutei até que o medo desapareceu. Até que eu comecei a perceber o quão irracional eu tinha sido. Como eu devia ter imaginado tudo. Como eu deixei um fenômeno climático natural me assustar a ponto do pânico. Nada disso era real. Isso era real. A dor do meu pai. Ele finalmente desmoronando. Isso era real. E por mais que doesse, estar ali de pé no corredor, ouvindo a sua dor, isso me deu esperança.
16 UM CONVITE Traduzido por Lua Moreira
A
pós o café da manhã na manhã seguinte, eu decidi andar na cidade e ver se conseguia encontrar um jornal. Não havia uma única TV em casa, e eu precisava saber o que estava acontecendo com a busca por Steven Nell. Talvez a polícia o houvesse encontrado. Talvez tudo estivesse bem e nós poderíamos ir para casa. Assim que coloquei minha mão na maçaneta da porta da frente, vi algo se mover em uma das janelas do outro lado. — O que você está fazendo? Minha mão voou para cobrir meu coração. — Darcy! Você me assustou! — Bem, por que você está aí congelada? — ela perguntou, olhando-me de cima a baixo do degrau como se não pudesse acreditar que estava relacionada com alguém tão estranha. Ela estendeu a mão para amarrar o cabelo preto brilhante em um rabo de cavalo alto com uma faixa dourada. — Você pareceu catatônica por um segundo. Você teve outro flash? — Não. — Eu não podia acreditar que ela sabia o que significava catatônica. — Eu estava prestes a fazer uma caminhada — dar uma olhada na cidade. — Eu abri a porta e fiz uma pausa. — Quer ir? Ela estreitou os olhos. Eu tinha certeza que ela estava pensando a mesma coisa que eu estava pensando. Nós duas saindo juntas duas vezes em menos de vinte e quatro horas? Parecia que o inferno havia finalmente congelado. — Claro — ela disse finalmente, pegando sua bolsa da mesa ao lado da porta e quase derrubando a foto da família no processo. — Devemos dizer ao papai que vamos sair? — eu perguntei. — Ele foi dar uma corrida, tipo, de uma hora — disse ela enquanto colocava seus óculos escuros. — Sério? — eu perguntei, seguindo-a para fora da porta e do outro lado da varanda. — De novo?
— O quê? Isso é tão bizarro? — ela perguntou. Ela abriu o portão e atravessou, sem se preocupar em mantê-lo aberto para mim. — Papai não sai para uma corrida há cerca de cinco anos — eu disse a ela. Era estranho Darcy não ter notado. — Agora ele foi duas vezes desde que estamos aqui. Ela ergueu um ombro, andando para trás até a calçada iluminada pelo sol. — Bem, bom para ele. Talvez isso o relaxe. Então ela se virou, jogando o cabelo, e caminhou na minha frente. Quando chegamos à esquina, olhei para trás para a casa cinza, meio que esperando ver o rosto de Tristan em uma das janelas, mas ela estava quieta. O lugar parecia deserto. Mesmo assim, eu acelerei meus passos, tentando fazer parecer que eu só queria acompanhar Darcy, não que eu estivesse com medo. Um homem de meia-idade em uma bicicleta pedalava com uma prancha debaixo do braço, e tocou sua buzina quando passou. Do outro lado da rua, um cara de vinte e poucos anos estava regando seu pequeno gramado. Respirei profundamente o ar excepcionalmente perfumado e tentei relaxar. — Que cheiro é esse? — eu meditei. — É madressilva? Lavanda? Não consigo identificá-lo. Darcy inalou. — Eu não sei, mas é bom. — Ela parou sua mão no topo de uma roseira ordenadamente cortada crescendo ao longo da calçada. — É meio... — Calmante — eu falei. Ela inclinou a cabeça, considerando. — É. Como aromaterapia. Andamos alguns quarteirões, passando por casas coloniais coloridas com jardins floridos, balanços na varanda e pessegueiros, cada uma mais impressionante que a anterior. Era tudo muito bonito, mas quase perfeito demais. Como se alguém tivesse chegado e dito a todos para começar a aprontar suas casas para o fotógrafo de cartão postal. — Então, você não me perguntou como foi com Joaquin ontem à noite — disse Darcy. — Como foi com Joaquin ontem à noite? — perguntei. — Incrível! — respondeu ela, inclinando-se um pouco nos joelhos. — Ele é um salva-vidas. Isso não é incrível? E ele trabalha em um bar na baía, então temos isso em comum. — Que legal — eu disse. — Ele é tão bonito, e ele totalmente acreditou em toda a história sobre nós sermos de Manhattan. Ele ficou fascinado — disse Darcy, apertando as mãos sob o queixo e, em seguida, balançando os braços. — Graças a Deus
que nos fizeram ser de algum lugar legal e não da cidade do Kansas ou algo assim. Eu mal posso esperar para vê-lo novamente. Bem, pelo menos ela tinha conseguido espalhar nossa história de disfarce por aí. Talvez agora todos soubessem e eu não teria que responder a perguntas sobre nosso suposto passado. — Isso é ótimo, Darcy, de verdade. — Eu estava feliz que ela parecesse ter esquecido toda a atenção que Joaquin tinha dado a mim quando tínhamos chegado lá. E sua raiva contra mim por isso. Aparentemente, o charme de Darcy tinha feito sua magia. Quando virávamos em uma rua lateral e íamos para o centro da cidade, uma brisa fria deslizou pela minha espinha e eu tive um sentimento opressivo de que eu estava sendo vigiada. Virei-me lentamente, verificando cada uma das janelas, mas a maioria das cortinas estava fechada. Não havia nada. Enquanto eu fiquei parada, Darcy tinha andado em frente e estava quase no topo da colina. Eu me abracei enquanto passava por um velho parque cheio de mato. Tinha dois balanços, um escorregador, e um conjunto de barras de macaco enferrujadas. A cerca estava quebrada, e as ervas daninhas já tinham ultrapassado um banco destinado a pais atentos. Era a primeira coisa feia que eu tinha visto na ilha, e meu passo automaticamente diminuiu novamente. Um dos balanços rangeu para trás e para frente com a brisa do oceano, o seu ritmo parecendo com o de um relógio. À frente, Darcy virou à esquerda e desapareceu de vista. Com o canto do meu olho, eu notei um pedaço de tecido de veludo cor de canela preso a uma das cercas enferrujadas. A mesma cor exata da jaqueta que Steven Nell estava usando quando me atacou. Minha garganta se contraiu de medo. Eu me virei, mas não havia ninguém lá. Apertando os lábios, eu puxei o pedaço de tecido. Costurado no largo vergão havia dois pequenos remendos quadrados. Um era xadrez branco e azul. O outro era azul ao redor da borda, com um quadrado branco dentro do contorno e um quadrado vermelho sólido no centro. Pareciam bandeiras de marinheiros usadas para sinalizar a passagem de barcos. Nell não tinha nada parecido com isso em sua jaqueta. Eu respirei fundo e o larguei. Eu tinha que relaxar. Steven Nell não possuía a única peça de veludo cor de canela do planeta. Respirei profundamente e corri atrás da minha irmã. Dez segundos depois, fui parar na Main Street, onde podia ver a loja de departamentos no final do bloco. No parque no centro da cidade, dois homens jogavam boliche de gramado enquanto o menino menestrel cantava
uma versão reggae de “The Remedy” sob o banner de publicidade dos fogos de artifício de sexta-feira. O menino balançava a cabeça enquanto cantava e tocava seu violão. Ele havia atraído uma multidão, e um cara estava tocando bateria no ar com a batida. Vi Tristan e Fisher se aproximarem do grupo vindo da direção oposta, e meu coração pulou. Toda vez que eu via Tristan, era como se eu fosse surpreendida mais uma vez pela forma como ele era lindo — seu cabelo loiro roçando aquelas alucinantes maçãs do rosto, seu bronzeado, seus braços fortes. Ele olhou para mim, então direcionou rapidamente a sua atenção para o cantor. Corei ao ser pega olhando. Fisher estava chupando um picolé, e eu o vi dobrar a embalagem e começar a jogá-la por cima do ombro, mas Tristan o deteve com uma mão em seu braço. Ele disse alguma coisa, e Fisher deu de ombros, colocando a embalagem no bolso. Acho que Tristan era tão ecológico quanto era bonito. — Sabe, ele realmente não é tão ruim — Darcy falou, balançando junto com a canção do menestrel. Revirei os olhos. Essa era a Darcy. Zombando de algo um dia, amandoo no outro. — Vamos — eu disse. — Vamos dar uma olhada na loja de departamentos. Caminhamos até o final da rua, e Darcy colocou a mão na porta, então congelou, olhando para algo sobre o ombro. Pairando sobre o oceano em uma falésia no ponto mais ao sul da ilha estava uma casa enorme com uma varanda ao redor. Era pintada de azul, com intrincados detalhes esculpidos em torno das muitas janelas e dezenas de vasos de flores pendurados na varanda. Tinha duas torres, quase como um castelo, e as janelas ficavam de frente para cidade, além de um enorme pátio com treliças cobertas de videiras que as rodeavam. No topo de uma das torres estava um cata-vento dourado com um tema de cisne, que eu notei que estava apontando para o norte, embora o vento estivesse definitivamente soprando do oeste. — Isso é um hotel? — perguntei. — Tem que ser — disse Darcy. — Ou isso ou alguém podre de rico vive lá. Viramos para entrar na loja, mas a porta se abriu e nós duas pulamos para trás quando Joaquin saiu. — Ei, Rory — disse ele em sua voz profunda, dando-me um sorriso do tipo Você não está feliz porque esbarrou em mim?. — Um, oi — eu disse, olhando para Darcy.
— E Darcy! — ele acrescentou rapidamente. Ele estava vestindo uma camisa polo preta, com um cisne bordado no bolso do peito esquerdo, as palavras THIRSTY SWAN costuradas em letras cursivas sobre a cabeça do cisne. Notei Darcy admirando seus bíceps enquanto ele torcia a tampa de uma garrafa de chá gelado. — Oi! — ela disse. — Eu pensei que você estava trabalhando dois turnos hoje. — Eu estou. — Ele tomou um gole, então abaixou novamente a garrafa e se afastou da porta para deixar duas meninas entrarem na loja. Eu as reconheci como as meninas que tinham falado com Aaron ontem à noite, mas elas não se preocuparam em dizer oi. — Eu só vim aqui para um lanche. — Oh. Nós também — disse Darcy. Nenhuma de nós disse uma palavra sobre lanchar, mas era como se ela tivesse que concordar com tudo o que ele dissesse. — Pena que eu já tenha lanchado — disse ele, olhando-a de cima a baixo. — Eu não teria me importado em ter as garotas Thayer como minhas acompanhantes. Ela corou em um vermelho profundo. Eu tentei não vomitar. Ele deu um passo em direção a nós, forçando-nos a dar um passo para trás para que ele pudesse passar. — Vocês deveriam vir para o Swan esta noite — disse ele, parando perto da beira da calçada e olhando diretamente para mim. — Por quê? — eu disse. Darcy deu um tapa no meu braço com as costas da mão. — Porque eu vou estar lá — respondeu ele. O brilho em seus olhos estava meio brincalhão, meio arrogante. — Ha-ha — eu disse, sem rodeios. — Eu realmente não vou receber nenhuma afeição de você, não é? — ele perguntou, ainda sorrindo. A adoração óbvia da minha irmã não era o suficiente para ele? — Não, é sério — acrescentou ele, quando eu não me incomodei em responder. — Todo mundo aparece lá. É o nosso tipo de coisa. — Legal. Nós vamos — disse Darcy, empurrando as mãos nos bolsos de trás da calça jeans, o que forçou seu peito para cima e para fora. Eu atirei-lhe um olhar. Não iríamos nos safar tantas vezes por escapar de casa. — Legal — disse Joaquin. — Basta ir até as docas e procurar a escultura do cisne bêbado. Não tem como não encontrar.
Então ele abriu um par de óculos aviador, deslizou pelo nariz com um dedo, e se afastou. Eu não pude deixar de notar que todas as mulheres que passaram por ele na rua, desde as de doze anos de idade com sorvete de casquinha à idosa com o cabelo azul, viraram-se para olhá-lo. — Por que você gosta desse cara? — eu perguntei a Darcy, logo que ele estava fora do alcance da voz. — Como você pode não gostar daquele cara? — ela perguntou. Porque ele era arrogante. Porque ele era muito seguro de si mesmo e, obviamente, um conquistador. Além disso, mesmo depois de sua suposta sessão de intimidade ontem à noite, ele continuava a falar comigo como se ela nem estivesse lá. — Nós não vamos sair hoje à noite — eu disse a ela, pensando de novo no nevoeiro que me envolveu na praia. Risada imaginada ou não, ficar em casa parecia uma opção muito mais segura. — Sim, nós vamos — respondeu ela, puxando a porta da loja. — Não. Nós não vamos — eu respondi. Darcy gemeu alto e entrou na minha frente. Ela já estava experimentando óculos de sol em uma grade quando eu fechei a porta atrás de nós. Lentamente, eu fiz o meu caminho ao redor da loja, para cima e para baixo pelos três corredores curtos. O lugar era abastecido com tudo, de cereais a luvas de jardinagem, até roupas íntimas, mas não havia nenhuma seção de revistas. Isso era estranho. Pensei que as pessoas em cidades de férias estavam sempre pedindo as últimas edições da US Weekly ou qualquer coisa para ler na praia. Aproximei-me do balcão, onde uma mulher de cabelos brancos estava secando copos altos da fonte de soda. Ela estava com um vestido de algodão azul e branco e um avental branco com acabamento de renda. — Com licença — eu disse. Seu sorriso era mais brilhante do que o sol do lado de fora. — O que posso fazer por você, querida? — Você tem jornais? — eu perguntei. Ela apontou o queixo em direção à registradora. — Tem esses. Eles são gratuitos. — Próximo à registradora antiga estava uma pilha de papéis dobrados que pareciam com o meu jornal da escola, que só era impresso quatro vezes por ano. Fui até lá e levantei a primeira folha. REGISTRO DIÁRIO: A ÚNICA FONTE DE NOTÍCIAS DE JUNIPER LANDING
O primeiro artigo estava intitulado UM DIA NA VIDA DE UM SALVA-VIDAS DE JL. Sob o título estava uma grande fotografia de um sorridente Joaquin Marquez. — Só isso? — eu soltei. — As pessoas vêm aqui para ficar longe de tudo isso — disse a mulher com um encolher de ombros. Em seguida, ela empurrou a porta balançando atrás do balcão e desapareceu na cozinha. Inacreditável. — Eu vou lá pra fora! — eu gritei para Darcy. — Tanto faz — respondeu ela. A campainha tilintou novamente quando eu empurrei a porta e sentei na primeira cadeira de arame. Eu rapidamente folheei a folha fina, minhas esperanças caindo a cada virada de página. Havia histórias do desfile do próximo Dia do Fundador, uma parte sobre um joalheiro local, e um aviso sobre uma mesa-redonda que o prefeito estava organizando, mas não havia nenhuma página de notícias nacionais. Nem mesmo uma coluna. Nem uma única menção a Roger Krauss/Steven Nell ou à “adolescente sem nome” que ele atacou na floresta fora de Princeton. Lá em casa, a nossa história tinha sido notícia de primeira página todas as manhãs e estampada em todas as estações locais. Tinha estado na CNN e na Dateline. Mas aqui em Juniper Landing era como se nenhum de nós sequer existisse.
17 COISAS NOVAS Traduzido por Matheus Martins
O
traje de mergulho era surpreendentemente confortável, uma vez que todo o neoprene tinha sido esticado, ajustado e endireitado. Mas graças a Deus que eu nunca tinha sido tão autoconsciente sobre o meu corpo, porque esta coisa mostrava cada curva dele. Eu dei um passo para dentro do compartimento de água fria e caminhei até onde Aaron estava de pé com um traje semelhante, embora o seu fosse de dois tons de azul e moderno, enquanto o meu era preto liso e parecia algo saído de um filme de espionagem de 1950. — Então. O que você acha? — ele perguntou, batendo palmas e esfregando-as juntas. Eu olhei para a prancha de surf de vela florida vermelha e branca e a sua vela alagada no lado oposto. Foi só nesse momento que eu senti a enorme força do vento e o ouvi tentar cavar um túnel através do meu ouvido. A poucos metros de distância, a água estava agitada e com ondas espumantes. Ao longe, vi os principais pontos da ponte aparecendo acima da sempre presente neblina, que se agarrava à água ao norte de nós, mesmo que o céu estivesse azul brilhante sobre nossas cabeças. Eu senti um arrepio com a simples visão da névoa rodopiando. — Eu acho que isso é insano — eu disse. Uma possibilidade concreta após o episódio de pânico no nevoeiro da noite passada e o zumbido que eu poderia ou não ter ouvido na nossa varanda. Não que eu fosse dizer algo do tipo para ele. Aaron riu e deu um passo em cima da prancha como se não fosse nada. — Você vai adorar. — Ele pegou uma corda presa à vela com uma mão e segurou a outra para mim. — Nós vamos sair juntos da primeira vez, e quando você ver como é simples, vamos voltar e pegar a sua própria prancha. Essa ideia era um pouco menos assustadora.
— Agora suba aqui — disse ele com um sorriso. Meu coração acelerou, e eu peguei a mão dele. Ele me puxou e me deslizou na frente dele. Ele se inclinou para o lado e puxou a corda até que a vela subisse lentamente para fora da água. Meus pés escorregaram e quase caí, mas Aaron de alguma forma me segurou contra seu peito enquanto continuava a hastear a vela com as duas mãos. — Segure-se na vela e encoste-se em mim — disse ele, uma vez que iríamos ficar em pé todo o caminho. Havia um bar à frente de nós, e eu me agarrei a ele como um salva-vidas. Ele rapidamente pegou uma corda de nylon e amarrou em torno das nossas cinturas, ancorando-nos um ao outro e ao mastro. Ele estava tão seguro de si e tão rápido que eu senti minha pulsação começar a correr. — As três coisas mais importantes são que você segure a vela, se mantenha inclinada para trás, e mantenha os pés o mais próximo do mastro que puder — disse ele no meu ouvido. — Eu vou virar a prancha para continuarmos indo. — Tudo bem. — Eu balancei a cabeça, olhando para os meus pés. Meus dedos estavam enrolados, segurando a superfície escorregadia como um salva-vidas, e os músculos de meus tendões já estavam começando a doer. — Onde você aprendeu a fazer tudo isso? Seus braços e pés estavam ambos trabalhando, movendo a prancha ao redor sob os nossos pés. Eu dei um passo para cima e para baixo, também, sentindo como se a cada segundo eu fosse perder o equilíbrio e cair de cara na água. Mas eu supus que seria outra primeira vez. — Meu pai me ensinou — disse ele. — Tiramos férias todo Natal em St. Croix. Minha família inteira faz surf de vela. — Que legal — eu disse. Eu não poderia imaginar minha família inteira fazendo nada juntos. Bem, nada a não ser fugir de um serial killer. Meu coração acelerou com o pensamento de Steven Nell, mas tão rápido quanto eu pude, eu empurrei-o de lado. Eu não queria ter medo. Não agora. Agora eu queria tentar algo novo. Eu queria ser livre. O vento tinha acabado de atingir a vela, e de repente nós cambaleamos para frente, dirigindo-nos para a baía aberta. Eu caí para frente, mas Aaron rapidamente travou os braços perto dos meus lados, apertando meus ombros para me firmar, e eu fui capaz de me endireitar. — Se incline para trás! — ele gritava para ser ouvido sobre o vento. — Incline-se em mim. Fiz o que me foi dito, deixando meu corpo roçar o dele.
— Não é o suficiente — ele gritou. — Você tem que confiar em mim, Rory. Incline-se para mim. Eu engoli o meu medo, deixei meus cotovelos relaxarem, e me inclinei para trás. Instantaneamente eu pude sentir a diferença. A prancha estava mais equilibrada e eu me sentia dez vezes mais segura com o meu corpo contra o dele. — É isso aí — disse ele. — Mantenha os joelhos dobrados assim, se a prancha saltar você pode absorver o impacto. Relaxei meus joelhos. A prancha pulou e saltou, mas não demorou muito para que eu encontrasse o ritmo e estarmos nos movendo juntos como profissionais. Ou pelo menos como se tivéssemos feito isso antes. — Daqui a pouco, eu vou te ensinar como mudar de direção, mas, por enquanto, apenas fique calma e desfrute do passeio. Eu respirei fundo e soltei o ar lentamente. O sol estava quente no meu rosto, mesmo quando o vento soprava meu cabelo molhado para trás de meus olhos. Aaron tinha o controle completo da prancha, e eu relaxei um pouco na vela. Olhei para longe no horizonte, encarando o céu azul, as gaivotas mergulhando, o sal picante da água. Pulamos uma onda particularmente grande, e eu soltei um grito de alegria, me entregando mais ao passeio. Uma hora depois, eu cambaleei até a baía e caí do meu lado na areia quente. Todos os músculos do meu corpo pareciam geleia. Meus ombros doíam. Meus pés estavam em chamas. Meu rosto estava tão queimado que eu ia precisar de um galão de Aloe vera. Mas eu não conseguia tirar o sorriso do meu rosto. Aaron caiu esparramado ao meu lado, e rolou de costas, deixando escapar um gemido de satisfação. — Você não pode me dizer que essa não foi a coisa mais divertida que você já fez em sua vida — disse ele, piscando um olho ao olhar para mim. Empurrei-me para cima em meus cotovelos trêmulos e olhei para as duas pranchas de surf de vela, que estavam sendo transportadas para fora da água pela tripulação do aluguel. — Você está certo. Eu não posso te dizer isso — eu disse. Sentei-me e inclinei a cabeça para trás para olhar as nuvens perseguirem umas as outras pelo céu. A areia agarrou-se a cada centímetro da minha roupa de mergulho, e meu rosto se arrepiou com o vento quente, mas eu nunca me senti melhor em toda a minha vida. Eu me sentia realizada. Me sentia livre. Me sentia viva. — Obrigada por me trazer até aqui — eu disse. — Eu precisava disso.
Havia manchas verdes e douradas em seus olhos castanhos e uma camada de areia presa em sua bochecha. — Quando quiser, Rory Thayer. Minha pulsação parou. Aaron era o meu novo amigo, e ele ainda nem sabia meu nome verdadeiro ou qualquer coisa sobre de onde eu vim. Mas isso era uma coisa boa, eu me lembrei. Isso significava que eu estava a salvo. Que ele estava a salvo. E enquanto eu estivesse lá, o sol aquecendo meu corpo e o cheiro do ar calmante de madressilva envolvendo meus sentidos, eu acho que talvez, apenas talvez, tudo ficaria bem.
18 O THIRSTY SWAN Traduzido por Matheus Martins
A
ssim que meu pé em tênis passou pela porta do Thirsty Swan na segunda-feira à noite, eu quis dar a volta e ir para casa. Cada uma das mesas de madeira estava cheia de pessoas e cada pessoa no lugar parecia ter vinte e cinco anos ou menos. A música era alta, as conversas eram feitas aos gritos, e de vez em quando uma rodada de risos estridentes irrompiam a partir de um canto do salão. Três paredes eram completamente compostas de janelas de tela com vista para a baía, e a brisa fresca circulava por toda o salão, misturando o ar salgado do mar com os aromas de fritura de alimentos e cerveja derramada. — Isso é incrível! — Darcy gritou, olhando quando dois rapazes no bar beberam um conjunto de copos de doses, cada um preenchido com um líquido marrom escuro. — Na verdade, eu acho que isso é meio ilegal — eu respondi, quando um dos caras já bêbado entornou sua última dose. Todo mundo ao redor dele aplaudiu, incluindo Fisher e Kevin. O garoto parecia ter cerca de 14 anos de idade. Eu explorei a multidão procurando Aaron, mas ele estava longe de ser encontrado. Eu tinha mencionado isso para ele esta tarde, mas aparentemente ele era esperto o suficiente para evitar esta cena em particular. — Rory — Joaquin gritou de trás do bar. Ele inclinou-se para o balcão quando nos aproximamos, e sorriu. — Eu sabia que você não poderia ficar de fora. Eu senti Darcy endurecer ao meu lado. — Na verdade, eu só estou aqui para ser braço direito de Darcy — eu disse. — Você se lembra de Darcy, certo? — eu adicionei incisivamente, apontando para a minha irmã. — Lealdade. Eu gosto disso — disse ele, ignorando minha alfinetada. — Ei, Darce — disse ele, levantando o queixo para ela. — Por que vocês
não pegam um lugar? — Ele fez um gesto em direção a três bancos livres no final do bar. Krista acenou para nós a partir do quarto, ao lado da parede. — Ei, pessoal — disse ela, batendo no banco à sua esquerda. — Guardei um assento para vocês, Ror. Darce? Ror? Sério? Não tínhamos acabado de conhecer essas pessoas? Sentei-me ao lado de Krista enquanto Darcy tomava o banquinho na extremidade, deixando um vazio entre nós. Isso fez eu me sentir conspícua e desajeitada, o que era provavelmente o que ela estava esperando. Tristan estava ocupado cortando limões no balcão de trás. Na frente dele estava uma enorme parede espelhada, repleta de prateleiras longas cheias de garrafas de bebidas alcoólicas. Ele não disse oi nem ao menos olhou por cima de sua tarefa. Joaquin virou de lado e deslizou por ele, então inclinou uma mão para o bar na minha frente. Sua pulseira de couro se agarrava a sua pele tão forte que parecia desconfortável. — O que posso pegar para você? — ele questionou. — Água, por favor — eu disse. — Qualquer coisa que você tiver na torneira — Darcy respondeu, tirando sua jaqueta de couro. — É isso aí — disse ele com um sorriso. — Você vai servi-la? — eu perguntei, surpresa. — Rory! — disse Darcy, olhando para mim. Tristan olhou para cima brevemente, olhando em meus olhos, em seguida, voltou para seus limões. — Ele serve a todos — disse Krista com um encolher de ombros. Ela parecia uma supermodelo em um vestido maxi colorido, joias de bom gosto, e, é claro, a sua pulseira de couro. Como se tivesse notado o meu olhar, ela colocou a mão sobre o bracelete de couro. — Esse é o nosso Joaquim. — Não é o meu trabalho dizer às pessoas o que elas podem e não podem fazer — Joaquin respondeu, enchendo uma caneca de cerveja até a borda. — Mas eu gosto que você tenha um saudável senso de moralidade, Rory. Krista sorriu para isso, e eu não pude evitar me perguntar se eles estavam tirando sarro de mim de alguma forma. Com um suspiro, ela retirou uma moeda do bolso e segurou-a na posição vertical em cima do balcão com a ponta do seu dedo. Quando ela jogou-a para fazê-la girar, percebi que não era qualquer moeda americana normal. Era do tamanho de uma moeda, mas era de uma cor bronze claro, e eu me perguntei de que país ela vinha. Os Parrishs eram viajantes pelo mundo? Eu não tive tempo de ver o entalhe, no entanto, antes que ela estivesse girando sobre o balcão. Tristan olhou
para cima e seus olhos se arregalaram um pouco. Ele bateu sua mão sobre a moeda e a deslizou de volta para ela. — Não brinque com isso — ele disse através de seus dentes. Ela revirou os olhos e guardou a moeda. — Já é a centésima vez que você me diz o que fazer hoje, ou é apenas a nonagésima nona? — ela brincou. Tristan ignorou-a e voltou para o seu trabalho. Olhei para Darcy para ver se ela tinha notado suas atitudes estranhas, mas ela estava muito ocupada olhando para Joaquin enquanto ele colocava os nossos copos na frente de nós, em seguida, afastava-se para ajudar alguém. Darcy tomou um gole de cerveja, e eu a vi tentando não estremecer. Eu me forcei a não rolar os olhos e tomei um gole de água. — Então, vocês já estiveram na loja de departamentos? — perguntou Krista, voltando a inclinar-se para trás contra o balcão. Era como se ela estivesse trabalhando em uma série de poses pré-definidas. — Fomos esta tarde — Darcy respondeu, tomando outro gole. — Oh! Pena que eu não vi vocês — disse Krista com uma pequena careta. — Eu teria oferecido sorvete grátis para vocês. — Você trabalha lá? — perguntei. — Sim — disse ela, revirando os olhos novamente. — Mamãe insistiu para que eu conseguisse um emprego. Tenho que me manter ocu... Tristan jogou uma toalha em seu rosto, onde ela se agarrou a seu cabelo e cobriu tudo, até sua boca. Ela puxou-a lentamente, ficando brilhantemente vermelha. — Muito obrigada, mano — disse ela com sarcasmo, chicoteando-a de volta para ele. Ele pegou-a do ar e deu-lhe um olhar de advertência. — Ele acha que assuntos de família devem permanecer na família — explicou ela. Olhei para Tristan, cujo rosto parecia um pouco rosa, também. — E aí, pessoal? Olive deslizou para o banco ao lado do meu, preenchendo o vazio entre mim e Darcy. — Dá para acreditar nesse lugar? — perguntou Olive, sorrindo afetadamente quando um cara do outro lado do bar deu uma cuspida em sua bebida e todo mundo riu. — É como férias de primavera elevado ao cubo. Como se fosse uma sugestão, um grupo de meninas perto das janelas soltou um sonoro “Wuu-huuu!” Olive e eu nos olhamos nos olhos e rimos. — Ei, Olive. Meu coração aqueceu ao som da voz de Tristan.
— Ei, T — ela respondeu de uma forma familiar, ajustando a manga de sua blusa preta florida. — Olá — eu disse incisivamente, tentando destacar o fato de que ele ainda não tinha cumprimentado nem eu nem Darcy. Ele se virou para olhar para mim, mas não disse nada. O azul de seus olhos era profundo, quase a cor do Oceano Caribenho, sólido e liso, não marcado por variação ou manchas. Ele usava uma camiseta do Thirsty Swan azul que exibia os músculos do seu peito e seu bronzeado escuro. — Posso pegar alguma coisa pra você, Olive? — ele perguntou, ainda olhando para mim. — Você me conhece, T — ela respondeu, brincando com um guardanapo. — Coca-Diet. Ele deu um pequeno sorriso, o primeiro que eu tinha visto nele, e isso mudou seu rosto completamente. Se possível, o deixou ainda mais bonito. — É pra já. Ele virou-se e pegou um copo limpo. Olive me cutucou. — Então, eu estive pensando sobre essa coisa toda de corrida, e eu decidi dar uma chance — disse ela, levantando-se no degrau de seu banquinho e se estendendo por cima do bar para pegar uma varinha de coquetel. Ela colocou-a entre os lábios e mastigou a extremidade. — Você quer ir comigo amanhã? — Eu adoraria ir dar uma corrida! — Krista entusiasmou-se. — Você não corre — disse Tristan, colocando a Coca-Diet de Olive na frente dela. — Mas eu... — Você não vai estar trabalhando amanhã de qualquer maneira? — ele questionou. O rosto de Krista caiu, e ela fez beicinho de novo. — É — disse ela por entre os dentes assim que Tristan afastou-se para encher um copo para outro cliente. Eu mordi meu lábio inferior, considerando. Eu não havia saído para uma corrida desde que tinha chegado aqui, e eu sabia que eu nunca iria sozinha, não com o espectro de Steven Nell pairando sobre mim. Ainda assim, sob o meu banquinho, os meus pés saltavam loucamente, ansiosos com a ideia de um bom treino. — Por que não? — eu disse finalmente. — Quanto mais pessoas mais seguro é, certo? — Seguro? — perguntou Joaquim, convergindo para nós. — Com o que você está preocupada?
Meu rosto ficou vermelho. Droga. Por que eu disse isso em voz alta? Atirei a Darcy um olhar de me salve, mas ela estava congelada com os lábios na borda do copo. Tristan se aproximou e deu um tapa nas costas de Joaquin, mas ele parou quando viu a cena de mim e Darcy em modo suspense opa! e Olive, Krista e Joaquin esperando pela minha resposta. — Ok. No que eu acabei de me meter? — perguntou Tristan. — Nós estávamos prestes a descobrir por que Rory está preocupada com sua segurança — disse Krista enquanto Joaquin apoiava os cotovelos no balcão. Darcy colocou seu copo na mesa e limpou a garganta. — Oh — disse Tristan, e uma sombra passou através de seus olhos. — Isso soa sinistro. Meu coração batia horrivelmente forte. E quando vocês chegarem onde estiverem indo, vocês não podem dizer quem vocês realmente são, ou de onde vocês são ou por que vocês estão lá, a voz da Agente Messenger disse no meu ouvido. Para sua segurança e a deles. — Não é nada. Eu só... eu não gosto de correr sozinha — eu improvisei, tomando outro gole de água. — É sempre melhor com um amigo. — Mas você disse que gostava de ser Zen — Olive me disse. — Você disse que era o que você amava sobre isso. — Eu disse isso, não disse? — eu disse. Coloquei o copo no balcão com um barulho. — Eu só... eu não sei. — Meu corpo inteiro queimou quando todos ao meu redor ficaram me olhando. Deus, eu odiava isso. — Hum, correr em torno de um lugar estranho... sem saber para onde está indo... parece mais inteligente ter alguém com você, certo? Eu só... eu... eu só... — Rory, não há nada para se preocupar. — Do nada, Tristan pegou minha mão, colocando seus dedos em cima dos meus. Eu instantaneamente fiquei rígida. Darcy, Olive, Krista e Joaquin olharam para nossas mãos, mas Tristan não pareceu notar. Sua pele estava incrivelmente quente, a ponta dos seus dedos confortavelmente calejadas, e seu toque enviou arrepios pelo meu braço. — Juniper Landing é praticamente o lugar mais seguro do universo. Honestamente. Nada de ruim acontece aqui. Olhei em seus olhos, sem fôlego, e acreditei em cada palavra que ele disse. Ou, pelo menos, eu acreditei que ele acreditava nisso. Minha frequência cardíaca começou a desacelerar. Quando Tristan rompeu o contato e jogou algumas cascas de limão e guardanapos em uma pequena lata de lixo, meus dedos formigaram onde sua mão tinha estado. Eu tive uma imagem mental súbita de me derreter nele e fiquei tão assustada com isso que eu realmente tive de sacudir a minha cabeça para limpá-la.
Tristan agarrou a lata de lixo e empurrou-a de volta sob o balcão. Eu tive uma clara visão de dentro quando ele fez isso e senti um estalo no meu cérebro, como uma chicotada. Mesmo que ele tivesse acabado de jogar lixos lá dentro, a lata de lixo estava vazia. Olive estreitou os olhos para mim. — Você está bem? Seu rosto está vermelho brilhante. Tristan limpou as mãos em seu meio avental, como se nada estivesse errado. — Oh, hum. Eu estou bem. Eu só preciso... correr para o banheiro — eu falei atrapalhada, empurrando meu banquinho. O que eu precisava era de um minuto para me recompor. Eu não só era a pior mentirosa do planeta, mas agora, ao que parecia, eu não podia nem mesmo confiar em meus próprios olhos. Eu evitei um bêbado cambaleante e estava tecendo meu caminho por entre as mesas em direção à parede de separação, quando de repente a música no jukebox mudou. A música de dança que estava tocando foi cortada abruptamente e, de repente, uma familiar melodia aguda encheu o bar. “The Long and Winding Road”. Eu parei de me mover. Parei de respirar. — Rory Miller — alguém sussurrou. Meu coração virou pedra. Eu me virei. E virei. E virei. — Rory Miller — a mesma voz sussurrou novamente. Alguém estava dizendo o meu nome. Exceto que ninguém em Juniper Landing conhecia esse nome. Para eles eu era Rory Thayer. De repente, eu estava correndo pela floresta, meu pescoço molhado de suor, meu coração batendo em pânico. Havia escuridão em toda parte. Um galho estala. Uma risada. Uma risada horrível, horrível. Alguém bate no meu ombro. — Ai! — eu disse em voz alta, voltando ao presente. — Desculpe — um cara em uma camisa de flanela disse sarcasticamente, olhando-me de cima a baixo como se eu fosse uma aberração. Meus olhos correram pela sala. Darcy continuava sentada olhando Joaquin ansiosamente. Olive estava fazendo algum tipo de trabalho artístico no bar com as varinhas de coquetel e pretzels enquanto Tristan estava de costas para mim por trás do balcão, olhando fixamente para algo que eu não podia ver. Fisher e Kevin estavam inclinando-se para o balcão, sussurrando algo para Joaquin. De repente, os três se viraram para olhar para mim, suas expressões em branco, e eu rapidamente desviei o olhar. Havia jovens com bonés de beisebol, meninas em saias apertadas, um casal discutindo perto do
banheiro. Mas em nenhum lugar, em nenhum lugar, em nenhum lugar estava Steven Nell. Eu fiquei lá por um momento, escutando. Não havia nada. Nada mais do que gritos, risos e aquela música horrível. Mas quando eu olhei uma última vez para o bar, eu vi Tristan me olhando de novo também, com os olhos mais azuis do que nunca, olhando para mim como se soubesse cada detalhe da minha vida. Até o meu nome verdadeiro.
19 FUGA Traduzido por Matheus Martins
—E
u acho que Joaquin é o cara mais gostoso que eu já conheci — disse Darcy quando nós pisamos no calçadão fora da Thirsty Swan. — Bem mais gostoso do que Christopher,
você não acha? Eu atirei-lhe um olhar rápido, mas ela estava muito ocupada inclinando a cabeça para trás para olhar as estrelas. Christopher. Eu não tinha pensado nele o dia todo. Eu acho que entre Aaron, Tristan, Olive e Joaquin, além de toda a diversão potencialmente-enlouquecendo-minha-mente, eu tinha estado meio distraída. — Claro. Eu acho — eu disse cuidadosamente, ouvindo o som da água da baía batendo suavemente contra as torres enquanto caminhávamos. Era um alívio estar fora do bar e longe do barulho. Longe daquela multidão e da jukebox com suas seleções estranhamente desconcertantes. Toda vez que eu pensava naquela música tocando, naquele sussurro, no zumbido que eu ouvi no outro dia, no riso no meio do nevoeiro e no pedaço de tecido no parque, meu coração paralisava dolorosamente e eu me sentia como se quisesse gritar. Se eu não conversasse sobre isso com alguém, eu ia enlouquecer. — Darcy, eu tenho algo para lhe dizer, mas por favor não surte — eu disse. Ela parou de andar e me olhou com interesse. — O quê? — Eu pensei ter ouvido Steven Nell no bar hoje à noite — eu disse. A mandíbula da minha irmã caiu. Era quase como se ela esperasse que eu iria dizer uma coisa, e eu tinha dito uma completamente diferente. — O quê?
— Alguém sussurrou meu nome. E não foi Rory Thayer, foi Rory Miller — eu disse. — Você não ouviu “The Long and Winding Road” na jukebox? Darcy piscou. — Sim, mas os Beatles são a banda mais popular de todas — ela ressaltou. — E eu ouvi alguém cantarolando fora da nossa casa no outro dia, também — eu insisti. — E então, nesta manhã, eu encontrei um pedaço de tecido no parque que se parecia com aquele casaco cor de canela que ele sempre usava. Por um longo momento, ela apenas olhou para mim, como se estivesse à espera de mais. — É isso? — O que você quer dizer com é isso? — eu rangi. — Isso não é o suficiente? — Rory — disse ela, estalando a língua com impaciência. — Você já parou para pensar que talvez você esteja apenas ouvindo coisas? — Ouvindo coisas? — eu repeti. Ela levantou os ombros. — Eu não sei. Talvez esses seus flashes sejam um sintoma de estresse pós-traumático. Faz total sentido que esteja acontecendo de novo, certo? Quero dizer, você quase foi morta. Eu cerrei os dentes. — Isso não era como os flashes, Darcy — eu disse a ela. — Eu posso dizer a diferença entre os flashes e a realidade. Eu sei o que eu vi! Eu sei o que eu ouvi! Darcy revirou os olhos e gemeu. — Podemos apenas ir? Está ficando frio aqui fora. Eu deveria ter sabido que ela nunca me levaria a sério. No mundo de Darcy, nada de ruim acontecia. E se acontecesse, ela simplesmente ignorava ou nunca conversava sobre isso. Como depois que minha mãe morreu. Tudo o que Darcy fez foi fazer mais amigos, comprar mais roupas no shopping, ir a mais festas. Ela nunca chegou a ficar deprimida ou nostálgica; ela nunca quis relembrar. Ela estava muito ocupada se divertindo. Muito ocupada seguindo em frente. — Tudo bem — eu disse com firmeza. — Vamos. Estávamos prestes a virar o calçadão e nos dirigir para a cidade, quando vi algo se mover na água. O ar parecia estar se movendo. Eu agarrei o braço de Darcy, e minha garganta ficou seca. Era o nevoeiro de novo, e estava rolando rapidamente. — Darcy, olha! — eu sussurrei. — O quê? Steven Nell está pendurado em um dos barcos?
No momento em que ela virou a cabeça, a névoa já estava girando em torno de nós. O som sibilante estranho começou a fazer meu pulso bater nos meus ouvidos. Darcy estava tão tensa que eu podia praticamente sentir isso saindo dela em rajadas. — Venha. Está ficando tarde. — Darcy começou a subir a colina e desapareceu completamente. O nevoeiro engoliu-a por inteiro. Com o coração na minha garganta, eu avancei e corri alguns passos até que avistei suas panturrilhas — duas listras brancas deslizando no cinza enquanto ela acelerava para caminhar na minha frente. — Darcy — eu sussurrei. — Vai mais devagar. — Por que você não me acompanha, estrela das corridas? — ela atirou de volta. Eu tentei, mas o nevoeiro era muito desorientador. No topo da colina, meu pé bateu numa rachadura irregular na calçada, e meu tornozelo torceu. No momento em que eu me endireitei, minha irmã tinha desaparecido de novo inteiramente. — Darcy! — eu assobiei, virando-me na névoa. — Darcy! Onde você está? Nenhuma resposta. Nada além do silvo da névoa ondulante. — Darcy? — eu choraminguei. — Eu estou aqui! — Sua voz estava praticamente no meu ouvido. — Você me assustou — eu sussurrei, lançando o braço para frente. Minha mão bateu em seu ombro. Eu não tinha ideia de que ela estava tão perto. — Ai! — ela disse. Peguei a mão dela para que não nos separássemos novamente. — Isso é realmente necessário? — ela reclamou, tentando se afastar. — Sim. É sim — eu respondi, esmagando seus dedos. — Deus! Tudo bem! Apenas solte-os, ok? Eu soltei. Mas apenas um pouco. Combinando os nossos passos, cortamos na diagonal da grama molhada do parque e descemos a colina em direção a nossa casa. Eu podia ouvir as ondas rolando na praia à frente e comecei a relaxar. Estávamos quase lá. Quase seguras. Então, em algum lugar dentro do nevoeiro, alguém riu. Darcy e eu congelamos. Ela apertou minha mão com tanta força que eu senti um estalo. — Você ouviu isso? — ela disse. — Sim — eu arfei.
Então veio de novo. Outra risada. Uma espécie de risada baixa e ameaçadora. — Darcy? — eu sussurrei com a voz rouca. — Corre — ela ordenou. Viramos e arrancamos pela rua, tropeçando para fora da borda invisível da calçada e tropeçando em toda a estrada larga. O nevoeiro puxou meu cabelo enquanto eu corria, puxando-o do meu rosto e deixando sua calorosa trilha úmida ao longo da minha pele. Meu pé bateu no meio-fio oposto, e eu voei para frente sem peso, mas Darcy parou a minha queda com um puxão forte no meu braço. — A porta está bem aqui! — ela sussurrou. Nós viramos e gritamos enquanto corríamos de cabeça para o peito de alguém. Uma mão forte apertou em torno de meu braço. Eu estava prestes a começar a implorar por nossas vidas quando eu reconheci o cheiro do gel de banho do meu pai. — Garotas! Para dentro! Agora! — meu pai exigiu. Eu senti como se meu coração fosse explodir. Darcy agarrou-se ao meu lado, cambaleamos até o portão aberto, subimos os degraus, e entramos em nossa casa. As luzes brilhantes feriram meus olhos após a escuridão da rua, e levaram um segundo para se focarem. Meu pai bateu a porta atrás de nós, e eu pulei quando ele a trancou. — O que vocês estavam pensando? — meu pai se irritou, girando sobre nós. — Vocês saem de casa sem me dizer? Ficam fora até meia-noite? O que vocês acham que isso é, uma espécie de férias? Darcy cruzou os braços sobre o peito. — O que você espera que façamos? Que fiquemos trancadas aqui o tempo todo? — Sim — ele gritou, tremendo enquanto seu rosto ficava fúcsia. — Isso é exatamente o que eu espero que vocês façam! Não conheço ninguém nesta cidade. Vocês duas poderiam ter sido feridas! Ou mortas! — Mas nós não fomos! — Darcy destacou com raiva. — Nós estamos muito bem! Mas meu pai não parecia ouvi-la. — A partir de agora, vocês duas estão de castigo. Sem sair de casa à noite. E durante o dia vocês vão me dizer exatamente onde vocês estão indo e com quem vocês estão indo. Sem discussão. Ele se virou e começou a pisar duro pelas escadas. — Mas, pai — Darcy lamentou. — Não me responda! — ele rugiu. — É para sua própria segurança.
Os olhos de Darcy brilharam. — Quando foi a última vez que você me perguntou onde eu estava indo à noite? Quando eu iria voltar para casa depois da escola? Quem eram meus amigos? Quem era o meu namorado? — ela vociferou, lágrimas transbordando em suas bochechas vermelhas. — Você nunca me perguntou nada! Você nunca ouvia qualquer coisa que eu dizia! E agora, de repente, você quer me dizer o que fazer, quem eu posso ver, onde eu posso ir? Não! De jeito nenhum! Você não pode simplesmente decidir de repente ser um pai novamente após cinco anos de completo silêncio! Ela passou por ele e caminhou até as escadas. — Darcy! — ele gritou atrás dela. — Não! — ela gritou de volta. E, em seguida, a porta dela bateu. Eu estava contra a parede, olhando para a nossa foto de família sobre a mesa com os olhos embaçados, tentando recuperar o fôlego. Darcy já tinha respondido o meu pai antes, mas nunca assim. Ela nunca gritou com ele. Nunca colocou para fora todos os seus defeitos. E agora, aqui estávamos, nós dois, de pé em meio à destruição de sua bomba nuclear. Depois de um longo momento, eu ouvi meu pai suspirar. Olhei para cima, derramando uma lágrima, e ele olhou para mim. Seus olhos estavam pesados e tristes. Sua postura curvada. Pela primeira vez em muito tempo, ele parecia arrependido. — Eu apenas vou para a cama — eu disse calmamente. Ele sentou-se na escada, como se o ar tivesse sido soltado dele. Até o momento que eu passei por ele, ele tinha o rosto enterrado nas mãos. Pensei no que eu tinha ouvido na noite passada, ele chorando sozinho em seu quarto, e meu coração se penalizou por ele. — Boa noite, pai — eu disse, percebendo que eu não tinha dito isso em um impossível longo tempo. Ele não respondeu a princípio, mas quando cheguei ao topo da escada, ele se virou e olhou para mim, com lágrimas brilhando em seus olhos. — Boa noite, Rory.
20 PRESENTES Traduzido por L. G.
E
sta ilha não economizava em seus presentes. A neblina. A fantástica neblina. Sua capacidade de cegar era tão completa. Tão absolutamente abrangente. Não era igual a nada que ele já tivesse visto, lido ou ouvido falar, mas era adorável. Era estimulante. Ele tinha estado tão perto dela esta noite. Muito, muito perto. Ele provou o seu medo de novo, tão doce e salgado. Ele se segurou para não estender a mão e arrancar um fio daquele cabelo para si. Para prová-lo novamente. Para obtê-lo. A possibilidade era quase demais para suportar. Mas agora não era o momento. Ele já tinha colocado o seu plano em ação e não podia arriscar agora. Desta vez, tudo iria acontecer como o planejado. Desta vez, nada e ninguém iria impedi-lo. Desta vez, ela seria dele.
21 PERFEITO Traduzido por L. G.
M
eus músculos da coxa estavam em chamas, e minhas panturrilhas com câimbra. Havia uma bolha se formando no lado do meu dedão do pé, e suor encharcava as costas da minha camiseta cinza. Meus pulmões queimavam, meus olhos estavam aguados, e meu pescoço coçava sempre que meu cabelo roçava contra ele. Eu estava no paraíso. Por que eu tinha esperado tanto tempo para fazer isso? Quando cheguei a uma curva na pista, o topo da falésia apareceu à vista. No primeiro quilômetro, Olive tinha acompanhado o meu ritmo, ofegando ao meu lado. Depois disso ela ficou para trás e agora não havia nada além das ondas quebrando no mar e o vento chicoteando. Eu esperava que ela estivesse bem, porque eu não iria parar. Isso era muito divertido. Imaginando a linha de chegada à frente, ativei minha excitação e me empurrei para uma arrancada para o último declive. Assim que cheguei ao topo, deixei escapar um riso triunfante e eufórico. Eu diminuí meus passos para uma caminhada e segurei meus dedos no pescoço para ver o meu pulso. Perfeito. Tudo, neste momento, estava perfeito. Decidi saborear isso. Saborear o sol no meu rosto, o ar limpo sibilando dentro e fora dos meus pulmões, o aroma floral encantador ao meu redor. Eu não iria pensar na casa estranha cinza, no pedaço de tecido e nem nos sussurros, nas risadas ou nos assobios. Eu não iria refletir sobre o fato de que Darcy se recusou a me levar a sério ontem à noite, ou que meu pai não tinha saído de seu quarto esta manhã. Eu ia ficar aqui e respirar. Bem abaixo de mim na colina havia um pequeno afloramento com um mirante muito branco em seu centro, e mais abaixo eu podia ver o telhado da nossa casa na Rua Magnolia. Depois disso, o mar seguia até o infinito. Eu ergui meus braços sobre minha cabeça e estiquei.
Minha mãe teria adorado este lugar. Ela vivia para a praia, para cidades pequenas e pitorescas. Os jardins daqui fariam ela morrer de inveja, e eu podia imaginá-la polvilhando os moradores locais com perguntas sobre como eles conseguiram fazer suas tulipas florescerem assim no final da estação e se suas rosas precisavam de mais ou menos poda. Senti uma pontada de tristeza, desejando que ela estivesse aqui neste lugar que parecia feito sob medida para ela, e me esforcei para deixá-la de lado. Essas dores eram parte da minha vida agora — elas seriam para sempre — e embora eu às vezes me deixasse chafurdar nelas, este não era um desses momentos. Não enquanto eu estava tentando apreciar a perfeição. À minha esquerda, uma trilha fina e pavimentada cortava a grama, e eventualmente rompia em duas direções. Uma levava à direita para a grande casa azul que Darcy tinha notado ontem, a outra para a rua, onde se transformava em uma grande calçada. Fui até um banco situado à direita na bifurcação no caminho e me sentei nas costas dele alongando a panturrilha enquanto eu esperava por Olive. Assim que eu virei de costas para a casa, senti um arrepio como se alguém estivesse me observando e olhei por cima do meu ombro. As plantas balançavam na brisa, e o cata-vento no topo do telhado estava voltado para o sul. De resto, o lugar estava quieto. — Deus, você não estava brincando quando disse que você era uma corredora! — disse Olive entre suspiros quando ela finalmente se juntou a mim uns bons cinco minutos mais tarde. Ela caiu sobre o banco e colocou a cabeça entre os joelhos. Sua camiseta listrada preta e cinza de mangas compridas estava saturada com o suor. — Você é perversamente rápida. — É, eu sou um terceiro lugar sólido — disse eu, levantando um ombro. Os olhos dela se arregalaram. — Terceiro lugar? As pessoas que chegam em primeiro têm asas em seus pés? Eu ri e voltei a alcançar meu tornozelo para alongar meus quadríceps. — Então você decidiu que correr não é sua praia? — Nem um pouco — disse Olive, segurando sua mão em seu coração, enquanto tentava regular a respiração. Eu dei-lhe um sorriso torto. — Bem, obrigada, de qualquer maneira, por me pedir para vir com você. Era exatamente o que eu precisava. Pela última meia hora, eu não tive um pensamento sério. — Sem problema — Olive respondeu. Ela puxou sua faixa para fora de seu cabelo. — Você geralmente tem um monte de pensamentos sérios?
Meu coração golpeou com todos os pensamentos escurecendo minha mente — pensamentos que eu não podia compartilhar. Eu contornei o banco e me sentei ao lado dela, descansando os antebraços em meus joelhos. — As coisas têm sido realmente... difíceis para a minha família ultimamente — eu restringi. Olive franziu os lábios. — Eu entendo. — Ela colocou sua faixa dentro do bolso de seu short volumoso, que não foi feito para correr, e se inclinou para trás, curvando os braços atrás da cabeça. — É claro que eu sou a que torna as coisas difíceis, então... Ela parou, puxando seus pés para cima do banco e olhando para além do meu ombro para o oeste. Nesse sentido estavam as docas do estaleiro e cerca de meia dúzia de barcos balançando pacificamente na baía. Aparecendo à distância ao norte estava a ponte, cercada como sempre pela névoa espessa. Havia algo de fascinante na névoa cinza que lentamente girava. De longe, não era tão aterrorizante. — Como assim? — perguntei. Ela me olhou nos olhos, e a profundidade da tristeza e pesar que eu vi fez algo virar dentro de mim. — Quero dizer, você não tem que me dizer se não quiser — eu voltei atrás. — Não, é só que... nos últimos anos, eu não fui exatamente a melhor filha. E então um dia eu ultrapassei os limites — disse Olive, levantando os ombros. — Estou melhor agora... quero dizer, eu me fiz melhorar, mas eu sei que realmente machuquei a minha mãe. Fiz coisas... — Ela suspirou com tristeza e balançou a cabeça. — Bem, de qualquer maneira, eu tenho que pedir desculpas a ela, encontrar uma maneira de fazer as pazes com ela, eu só... não sei como. — Eu sinto muito — eu disse a ela, sem saber o que dizer. Eu não era boa nesse tipo de coisa. Eu nunca tinha tido qualquer amizade próxima, a menos que Darcy contasse, e mesmo assim parecia ser há um milhão de anos atrás. Olive olhou em volta para o céu, e vi que havia lágrimas em seus olhos. Engoli em seco, odiando quão estúpida e inútil eu me sentia. — E você? — ela perguntou. — Quer falar sobre o que está acontecendo com a sua família? Senti-me quente e sem fôlego, desejando que eu pudesse dizer a ela, desejando que eu pudesse apenas deixar escapar toda a história louca. Eu tinha a sensação de que iríamos nos sentir melhor, ela sabendo que não era a única com um passado deprimente, e eu porque desabafar tudo seria tão
libertador. Mas eu não podia. Eu tinha que manter tudo em segredo. Talvez fosse por isso que eu estivesse tendo pesadelos. Porque eu não tinha ninguém para conversar sobre essas coisas. Não tinha libertação. Isso era só mais uma coisa que Steven Nell tinha tirado de mim. — Eu não posso — eu disse finalmente. — É muito... complicado. — Eu entendo — disse Olive. — Ninguém sabe todos os detalhes da minha vida, também. Bem, exceto Tristan. — Ela corou e olhou para seus pés. Então Olive gostava de Tristan. Claro que ela gostava. Lembrei-me da primeira noite na praia quando eles estavam muito envolvidos em uma conversa. A forma familiar na qual eles falavam um com o outro no bar e como ela não parava de olhar para ele quando ele não estava olhando. Senti um lampejo de ciúme antes de me lembrar de que eu não queria Tristan. Eu queria Christopher. Eu só queria que ele não estivesse a centenas de quilômetros de distância. E fosse ex da minha irmã. — Mas se você quiser conversar, eu sou uma ouvinte fantástica — Olive acrescentou, me empurrando com o ombro. Eu cutuquei suas costas. — Eu acredito nisso. — Eu me levantei. — Quer voltar para a cidade? — Claro. Mas vamos caminhando, só pra você saber, porque eu acho que minhas pernas podem se revoltar se eu tentar alguma coisa mais rápida. — Sem problemas — eu respondi com uma risada. Antes de irmos em direção à rua, virei para olhar a casa azul mais uma vez. Havia algo quase assustador, mesmo em sua alegre beleza. Ele ficava lá como uma espécie de fortaleza ou castelo, impondo sua imensa presença sobre o resto da pitoresca cidade. — Lindo, não é? — disse Olive, olhando por cima do ombro enquanto caminhávamos na descida. — Você deveria ver o interior. — Você já esteve lá dentro? — eu disse. — Quem mora lá? Suas sobrancelhas se juntaram, e ela olhou para mim como se eu tivesse acabado de lhe perguntar como se soletra “que”. — Essa é a casa do Tristan e da Krista. Sua mãe é a prefeita. Eu parei em minha caminhada e olhei para ela, sentindo como se alguém tivesse acabado de arrancar o asfalto de debaixo de mim. — Espera. Tristan mora lá? Eu pensei que ele morasse na casa em frente à minha — eu disse. — Hum, não — disse ela. — O príncipe de Juniper Landing vive aqui em cima no castelo com a princesa e a rainha, assim como deve ser — disse ela, levantando o nariz no ar comicamente. — Não é que eles hajam como um príncipe e uma princesa. Eles são apenas tratados dessa maneira.
— Eu teria pensado que Joaquin era o príncipe deste lugar — eu disse vagamente. — Sério? Eu o vejo mais como um cavaleiro desonesto — Olive respondeu. Eu presumi que tudo era questão de percepção, e se ela gostava de Tristan, talvez ela o visse como o líder da matilha. Mas eu ainda tinha que vê-lo mandar em alguém como Joaquin fez com Fisher. Tristan parecia mais refinado. Mais modesto. Mais confortável nas sombras. Mais como eu. — Interessante — eu disse, só para dizer alguma coisa. Eu me virei e estreitei os olhos para a casa, e meu coração ficou preso na minha garganta. Alguém estava de pé na varanda, à sombra de uma aba do telhado, olhando para mim. — Oh meu Deus — eu disse, inclinando-me para longe do espreitador e falando com os dentes cerrados. Eu agarrei o braço de Olive. — Alguém lá em cima está nos observando. Olive seguiu meu olhar. — Onde? — disse ela, franzindo as sobrancelhas em confusão. — Bem ali. — Encorajada por seu movimento flagrante, eu me virei também, mas depois congelei. A varanda estava deserta. Quem quer que estivesse lá, nos observando, tinha desaparecido.
22 CONFRONTAÇÃO Traduzido por Ivana
M
eus pés batiam contra o pavimento enquanto eu corria para baixo em direção à cidade. Se Tristan vivia aqui em cima, por que ele estava espreitando da casa do outro lado da minha rua? Será que ele estava lá apenas para me observar? Ele era algum tipo de perseguidor bizarro que ficava de olho na garota nova? E quem estava me observando de sua verdadeira casa? Eu queria respostas, e eu queria elas agora. Eu cruzei a cidade, passando pelo nosso local favorito no parque, onde um músico estava tocando seu violão com os olhos fechados e um sorriso no rosto. Em um canto, eu flagrei um par de olhares perturbados de um casal mais velho em um banco. Não que eu tivesse ficado surpresa. Devo estar parecendo uma lunática maluca, correndo vigorosamente e ignorando completamente a calçada. Eu só esperava que Olive não tivesse pensado que eu estava louca quando eu disse que tinha que ir e fui embora, deixando-a para trás. Corri pela rua em diagonal, propositadamente evitando olhar o parque degradado, e tomei o caminho para o nosso bloco, derrapando com tanta força que quase tropecei no lixo. Eu estava prestes a tomar o caminho mais curto para a casa cinza, quando vi algo pendurado no portão da frente. Parei e recuperei o fôlego. Era uma bolsa estilo carteiro, cinza, com uma correia desgastada. Exatamente a mesma bolsa que Steven Nell levava para a escola todos os dias. O ar estava frio e o chão molhado contra minhas costas. Agulhas de pinheiro perfuraram meus braços. As nuvens se abriram em cima. Uma meia-lua perfeita e o sorriso sádico de Steven Nell, com os olhos lacrimejantes, os lábios finos e secos. Um sino tocou e me trouxe de volta para o agora. O sol quente fez cócegas na minha carne. Pisquei enquanto um homem de meia-idade com sua maleta passava por mim com um sorriso. Além dele, a rua estava deserta,
mas essa bolsa ainda estava lá. Aquilo não podia estar acontecendo. Não podia ser real. Parte de mim queria dar meia volta e correr direto para a polícia, mas o que eu ia dizer a eles? Que alguém tinha deixado uma bolsa em nosso portão? Eu ia ter que lidar com isso sozinha. Talvez não fosse nada. Desafiadoramente, eu atravessei para o outro lado da rua até a bolsa. Ela estava aberta, praticamente me convidando a olhar para dentro. Mas o que eu ia encontrar se eu olhasse? Um bilhete ameaçador? Uma mão decepada? O quê? Segurando minha respiração, eu puxei a bolsa aberta. Eu pisquei, surpresa. Estava cheia até a borda com modelos de faróis de vários tamanhos. O menor tinha cerca de cinco centímetros de altura, esculpido em pedra e meticulosamente pintado. O maior tinha cerca de quinze centímetros de altura, feito de plástico de baixa qualidade e encimado por uma pequena luz que iluminava ao pressionar um botão. Haviam dezenas deles, cada um com um cisne de Juniper Landing estampado em suas laterais. — Ei. Eu me virei, deixando cair a bolsa de volta onde ela estava, deixandoa bater contra o muro. Tristan estava bem na minha frente, simplesmente perfeito em uma camiseta branca e bermuda cargo, seu cabelo loiro caindo para a frente em suas bochechas. — Que diabos? — eu gritei, empurrando-o com as duas mãos tão forte quanto eu podia. Ele não se moveu um centímetro, mas ele olhou para mim, surpreso. — Você me assustou! — Sinto muito — disse ele, com uma expressão sincera. Por cima do ombro dele, vi a porta da casa cinza balançando lentamente, se fechando. De repente, lembrei-me por que eu corri para casa. — Por que você está sempre aqui? — eu exigi, cruzando os braços sobre o peito. Meu rosto estava em chamas, e eu senti minha garganta tentando fechar — a maneira do meu corpo de rejeitar o confronto — mas eu pressionei. — Olive me disse que você vive em cima da falésia, então por que você passa tanto tempo nessa casa? — eu disse, apontando do outro lado da rua. — Por que você está sempre me olhando? Tristan olhou por cima do ombro. — Eu só... Eu conheço a pessoa que mora lá — disse ele. Então ele colocou as mãos sob seus braços e me olhou diretamente, como se isso explicasse tudo. — Ah, é? Quem? Quem mora lá? — eu exigi.
Ele franziu a testa ligeiramente. — Minha nanna — disse ele. — A minha avó. Da parte do meu pai. Ela está confinada a uma cadeira de rodas por isso que eu... nós... eu e Krista tentamos vir visitá-la sempre que possível. — Oh. — Me enchi de culpa. Lá estava eu, julgando antecipadamente, e tudo o que ele estava fazendo era ser o neto perfeito. — Ela gosta de se sentar e ficar olhando por muito tempo para fora da janela, então se você vê as cortinas se movendo ou o que for, provavelmente é ela — ele acrescentou com um encolher de ombros. — Então foi ela que eu vi me observando aquela primeira manhã? — eu perguntei. — Provavelmente — ele respondeu. — Na verdade, eu me lembro dela mencionar algo. A menina loira bonita caminhando no outro lado da rua. Ele parou e limpou a garganta, olhando para longe. Como se talvez ele tivesse falado demais. Como se talvez ele concordasse com Nanna. — Oh — eu disse de novo, corando. — Bem, isso é legal da parte dela. — É. Tristan bateu suas mãos juntas, e eu vi seu pomo de adão quando ele apertou os lábios em uma linha. Por um longo momento, nós só ficamos ali, até a situação ficar completamente estranha. Eu estava prestes a inventar uma desculpa para ir para dentro quando Joaquin veio vindo da esquina e caminhou propositadamente em direção à mim, uma linha vincada em sua testa. — Rory. Aí está você — ele disse, sua respiração um pouco irregular. Ele caminhou até mim e me envolveu em um grande e caloroso abraço, forçando Tristan a dar um passo para longe de mim. Eu me contorci e mergulhei para fora do círculo de seus braços, quase perdendo o equilíbrio. Tristan estendeu a mão e rapidamente me segurou. — Hum, o que foi isso? — Eu acabei de ver Olive na cidade. Você está bem? — perguntou Joaquim, segurando meu pulso. — Ela disse que vocês estavam juntas quando de repente você fugiu como se tivesse visto um fantasma. Olhei para Tristan e corei. — Oh, isso. Eu estou bem — eu disse, puxando meu braço para fora do agarre de Tristan. — Eu disse a ela que eu tinha que voltar para casa. Ela está brava? — Nem um pouco — disse Joaquin. — Só preocupada. — Bem, eu estou bem — eu repeti, olhando de Tristan para Joaquin e de volta. Dois exemplos de perfeição — fisicamente, a propósito — e tudo que eu conseguia pensar era em ficar longe deles. As meninas da corrida a
corta mato do meu antigo lar provavelmente teriam pensando que eu havia sofrido sérios danos cerebrais. — De qualquer forma, é melhor eu... — Então, você já convidou ela? — Joaquin perguntou a Tristan. — Eu estava prestes a fazer isso — Tristan respondeu. — Me convidar para o quê? — perguntei. — Tristan e Krista darão uma festa amanhã à noite — disse Joaquin, cruzando os braços sobre o peito. — Eu acho que você deveria vir. Eu senti meu rubor se aprofundar. — Você acha que eu deveria vir — eu repeti. Olhei para Tristan. — O que você acha? Ele piscou, surpreso. — O quê? Ah, com certeza. Sim. Você definitivamente deve vir. Se você quiser. Uau. Então um deles esperava que eu fosse apenas porque ele achava que eu deveria e outro claramente não poderia se importar menos se eu iria ou não. — Isso é um belo convite, pessoal. Obrigada — eu disse sarcasticamente. — Eu vou com certeza pensar bastante a respeito. — Rory — disse Joaquin em um tom condescendente quando me virei para ir embora. Mas eu não queria parar. Corri em passos largos para casa, batendo a porta atrás de mim e recostando-me contra ela. O que acontecia com esses caras? Por que eles não poderiam perseguir Darcy em vez de mim? Ela teria adorado cada minuto. Olhei pela janela e vi Joaquin dizer algumas palavras para Tristan antes de ir embora. Uma vez que ele se foi, Tristan olhou para a bolsa cinza, e eu senti meu coração pular uma batida. Eu momentaneamente havia esquecido que ela estava lá. Ele levantou a bolsa e espiou para dentro, as sobrancelhas vincando em confusão. Pelo menos eu não era a única que pensava que uma bolsa cheio de faróis era estranho. Ele olhou para a minha casa, e eu abaixei para trás da parede novamente. Quando eu olhei para fora da janela novamente, eu meio que esperava que Tristan ainda estivesse lá, mas ele já havia ido. A bolsa cinza, no entanto, continuava pendurada no portão, me provocando. Eu chequei se a porta estava trancada e, em seguida, fui para o meu quarto. Eu esperava que quem quer que tivesse deixado lá fosse voltar para buscá-la em breve, mas eu também não queria estar ali quando eles voltassem.
23 RENDIÇÃO Traduzido por Ivana
O
momento estava chegando. O momento em que ele iria finalmente ter o que era seu por direito. Ele tinha estado tão perto tantas vezes, mas agora, nada iria ficar em seu caminho. Uma vez que a última etapa de seu plano estivesse concluída, não haveria nenhuma maneira dela dizer não a ele. Não havia nenhuma maneira dela resistir. Sim. Ela viria a ele, de bom grado. E, talvez, talvez, talvez... Talvez esse seria o fim mais satisfatório para essa perseguição. Saber que ele tinha vencido ela, finalmente. Que ela não iria lutar. Que a sua rendição seria completa.
24 MILAGRE Traduzido por Ivana
Q
uarta-feira de manhã eu me sentei na mesa de fórmica da cozinha, comendo sucrilhos de uma tigela lascada, observando o telefone velho que estava pendurado na parede mais distante. Nós tínhamos estado em Juniper Landing por quatro dias. Ele não tinha tocado uma única vez. — Ok, qual é a sua? — Darcy perguntou, entrando na cozinha vestida com seu pijama de seda preto e puxando uma cadeira na diagonal da minha. Ela tinha o cabelo para trás em um rabo de cavalo elegante e já tinha lavado o rosto. — Você lançou um feitiço sobre esta ilha ou algo assim? — Do que você está falando? — eu perguntei, pegando minha tigela para beber o último gole do leite. Darcy ficou me olhando com um olhar de repugnância e esperou eu colocar a tigela para baixo novamente. — Ontem à noite, Joaquin finalmente me convidou para ir a uma festa na casa de Tristan esta noite, e eu estava toda animada, até que ele basicamente deu a entender que eu tinha que levar você ou eu não poderia ir — ela disse, curvando-se para trás na cadeira com os braços cruzados sobre a blusa de alcinha. — Oh, isso — eu disse. — Você já sabe sobre isso? — perguntou Darcy, com os olhos incrédulos. — Eles me convidaram ontem, também — eu disse a ela. — Inacreditável — disse ela, empurrando a cadeira para trás e caminhando para o armário. Ela pegou uma caixa de Froot Loops e colocou de volta na mesa. — E isso teria sido quando Joaquin foi até você lá fora e deu-lhe aquele abraço totalmente íntimo? Senti minha pele quente. — Você viu isso? — Todo mundo no bloco viu — Darcy respondeu, jogando um Froot Loop em sua boca. — Eu aposto que alguém lá fora ficou inspirado a
escrever um blog sobre isso. Eu acho que não havia um centímetro sequer de seus corpos que não estivessem se tocando. Estremeci. O próprio pensamento me deu arrepios. — Darcy... — Você e Joaquin estão tendo alguma coisa pelas minhas costas? — ela interrompeu. Eu soltei uma risada. — O quê? Darcy deu a volta até o final da mesa para que ela pudesse me olhar nos olhos. A expressão em seu rosto, apontando, levantando seu queixo, a ligeira apreensão em seus olhos, fez meu coração parar. Será que ela sabia sobre Christopher e eu? Era por isso que ela estava imaginando alguma intimidade entre mim e Joaquin? — Ele vive me perguntando sobre você, em primeiro lugar. E depois há todos os abraços, sorrisos e cumprimentos... Me diga a verdade, Rory. Eu sou uma menina grande. Eu posso lidar com isso — disse ela. As pontas de seus dedos ficaram brancos quando ela agarrou a caixa de cereal. — Darcy, eu posso te garantir com cem por cento de certeza que não tenho interesse em Joaquin — eu disse a ela com firmeza. — Eu prometo. Ela me olhou por mais um momento, antes de caminhar de volta para sua cadeira e cavar o saco de cereal com a mão. — Ótimo. Vi quando ela saiu com um punhado de bolinhas de cereal coloridas. Não havia nenhuma maneira que ela pudesse saber sobre mim e Christopher. Eu não tinha contado a ela, e eu tinha certeza que ele não tinha dito a ela também, e mais ninguém na Terra sabia. Eu estava apenas sendo paranoica. Como de costume. — O que, exatamente, Joaquin disse para você? — eu perguntei, inclinando o meu peito em cima da mesa. — Por que você acha que tem que me levar? — Ele veio com uma conversa estranha sobre não ter o mesmo número de rapazes e garotas... — Ela parou, colocando pedaços de cereais em sua boca enquanto ela estreitava os olhos. — Fez sentido no momento, quando ele tinha o braço em volta de mim, eu estava um pouco distraída... — Que idiota — pensei, pegando meu suco de laranja. — Tanto faz — disse Darcy, colocando a caixa em cima da mesa. — Mas isso é bom! Você já ia mesmo, então não é uma grande coisa. Isso era uma loucura. Como ela ainda podia querer ir na festa? Como ela ainda podia gostar desse cara depois que ele veio com uma conversa tão óbvia? Eu nunca ia entender o cérebro de Darcy. Nunca em um milhão de anos. — Só que eu não vou — eu disse, levantando e indo para longe da mesa.
— Uh, sim, você vai — disse Darcy. — Não. Eu não vou — eu disse enquanto eu largava minha tigela e copo na pia de cerâmica. Deus, eu desejava que nós voltássemos para casa. Se estivéssemos em casa, eu estaria na aula de cálculo agora, resolvendo problemas que eu poderia resolver. Não lidando com o dilema de saber se eu deveria ajudar a manter a vida social de Darcy viva — um dilema que eu nunca pensei que fosse ter que lidar em um milhão de anos e eu não tinha ideia de como lidar. — E você não vai, tampouco. Nós estamos de castigo, lembra? Naquele momento, meu pai parou perto da porta aberta entre a cozinha e o hall de entrada. Ele estava completamente vestido em jeans e uma camiseta, com o rosto barbeado e seu cabelo penteado para trás. Ele tinha começado a pegar um bronzeado, provavelmente das suas corridas, e ele parecia diferente. Saudável. — Na verdade, eu queria falar com vocês, meninas, sobre isso. — Ele examinou nós duas e seu rosto caiu um pouco. — Oh. Vocês já comeram? — Não, na verdade — disse Darcy com cautela, seu rosto ainda cheio de cereal. — Eu só comi cereais — eu disse. — Por quê? — Vamos sair para tomar café da manhã — disse ele. — Eu ouvi que a loja de departamentos tem excelentes panquecas. Darcy e eu trocamos um olhar. Quem era essa pessoa e o que ele tinha feito com o nosso verdadeiro pai? — Hum... eu teria que me vestir — disse Darcy, engolindo. — Eu também — eu acrescentei, olhando para a camiseta e calças de moletom que eu vestia para dormir. — Eu posso esperar — disse ele com um sorriso. Nenhuma de nós se moveu. — Vamos lá, meninas — meu pai incentivou. — É apenas um café da manhã. — Ok — eu disse finalmente. — Claro — acrescentou Darcy. Então nós duas caminhamos para fora da cozinha passando por ele. — O que há com ele? — Darcy sussurrou enquanto subíamos os degraus rangentes. — Eu não tenho ideia — eu respondi, seguindo-a em seu quarto. — Talvez você gritar com ele na outra noite mexeu com ele. — Você acha? — ela perguntou, surpresa.
— Nunca se sabe. Mas seja legal com ele no café da manhã — eu disse enquanto ela deslizava para dentro de seu guarda-roupa. Encostei-me em uma de suas cômodas e olhei através da rua para as janelas da casa cinza. Meu coração pulou uma batida com a visão da casa. — Talvez você tenha deixado ele sem chão. — E então, você vai à festa comigo? — perguntou Darcy, segurando um suéter branco em seu peito quando ela veio até a porta do guarda-roupa. Revirei os olhos, mas sorri. Era bom compartilhar este momento fraternal com ela. Me senti esperançosa sobre o meu pai. — Tudo bem — eu disse a ela. — Se, por algum milagre, ficarmos sem chão, eu prometo que vou à festa com você. — Uhul! — Ela pulou nas pontas dos pés, então mergulhou de volta para o guarda-roupa para se vestir. Eu ri e comecei a me virar para que eu pudesse ir me vestir, mas, naquele momento, a cortina do outro lado se moveu. E dessa vez, eu podia jurar que vi uma pulseira de couro desaparecer por trás dela.
25 UM PEDIDO DE DESCULPAS Traduzido por Manoel Alves
T
ristan estava definitivamente me observando. A não ser que a vovozinha tivesse uma pulseira de couro, também. Mas o que havia de tão estupidamente interessante em mim que fazia ele ficar espionando de uma casa de um décimo do tamanho da sua própria? E era possível que fosse algo inocente? Que talvez ele apenas... tivesse uma queda por mim? — Está tudo bem, Rory? — perguntou meu pai, olhando para mim. Minha pele estava queimando após o meu último pensamento, e rapidamente desviei o olhar. Estávamos apenas passando pelo parque estranhamente silencioso, onde as oscilações temporais pairavam sobre as ervas daninhas desordenadas. O portão estava tão totalmente aberto que estava nivelado com a cerca do lado de dentro, e como de costume, não havia crianças à vista. — Está — eu disse distraidamente. — Por quê? — Você só parecia... séria — disse ele com um pequeno sorriso. Darcy me lançou um olhar assustado, e eu sabia que ela queria saber se eu tinha acabado de ter um flash. Eu dei uma sacudida quase imperceptível de cabeça e relaxei os ombros. Eu não tinha dito ao meu pai sobre os flashes, porque eu não precisava que ele se preocupasse e vasculhasse em alguma lista telefônica para encontrar um psiquiatra na ilha para mim. Não que eu já tivesse visto alguma lista telefônica desde que tinha chegado aqui, embora na nossa antiga casa o nosso carteiro as deixava em nossa varanda, a cada duas semanas. Na verdade, agora que eu pensava sobre isso, eu não tinha visto nenhum carteiro aqui, também. Ou uma caixa de correio. Olhei em volta para as casas e, de fato, não havia uma única caixa de correio à vista. Hum. Talvez todos aqui tivessem suas encomendas entregues diretamente para uma caixa postal. Não seria a primeira coisa antiquada e pitoresca nesta ilha.
— Eu estava apenas... tentando me lembrar da última vez que todos nós comemos juntos — eu disse em resposta ao meu pai. — Oh. Não foi há muito tempo — disse o meu pai vagamente. Darcy e eu trocamos um olhar. Deveria fazer, pelo menos, quatro anos. O único instante que eu conseguia me lembrar era o décimo terceiro aniversário de Darcy e uma viagem mal aconselhada para o restaurante Friendly’s, a qual meu pai tinha insistido que ela comesse um daqueles sundaes de palhaço, como se ela tivesse seis anos de idade. Desde que ela tivera sua primeira menstruação e começara sua primeira dieta sem a mamãe por perto para aconselhá-la em ambos, Darcy começou a chorar e correr para fora do restaurante. E talvez tenha sido por isso que não comíamos juntos desde então. Chegamos ao topo da colina e viramos para a Main Street. Meu pai olhou para o céu e sorriu. Agora isso eu estava certa de que não via há anos. Pelo menos não desde que minha mãe havia morrido. Do outro lado da rua, a fonte no centro do parque borbulhava e espirrava enquanto dois caras com cabelos longos e bermudas xadrez saltavam em seus skates fora da borda da piscina. O banner dos fogos de artifícios ondulava na brisa. — Ei, Darcy, seu namorado rastafári que tinha sumido — eu brinquei, empurrando meus óculos de sol para cima em meu cabelo. O lugar no topo do caminho, onde ele normalmente ficava, parecia estranhamente solitário sem ele. Darcy olhou para mim sem entender. — O quê? — Olha — eu disse, levantando o queixo em direção ao parque. — Você acha que ele conseguiu dinheiro o suficiente para levar sua habilidade para a estrada ou algo assim? Eu não podia ver os olhos de Darcy por trás de seus óculos escuros, mas sua expressão estava pálida quando ela se virou para olhar para o parque. — Ok, eu não tenho ideia do que você está falando. Eu fiquei boquiaberta para ela, meu coração dando um aperto desagradável, nervoso. Meu pai tinha andado em frente e estava a poucos passos das mesas ao ar livre da loja de departamentos. — Darcy, vamos lá. Ele esteve lá todas as manhãs desde que chegamos aqui? — eu disse, forçando uma risada na minha voz. — O cara que parece Bob Marley...? Você disse que ele estava abraçando o clichê? Darcy olhou para mim como se eu fosse louca.
— Eu acho que você precisa ter sua cabeça examinada — disse ela, virando-se. Sua minissaia floral voava enquanto ela se afastava. Senti como se meu cérebro tivesse acabado de ser ligado em hiperdrive. Não era como se eu o tivesse imaginado. Eu o tinha visto três ou quatro vezes, eu tinha visto outras pessoas em pé ao redor dele desfrutando de sua música, eu poderia citar todas as músicas que eu o ouvi cantar, e Darcy e eu tínhamos falado sobre ele em mais de uma ocasião. Ter caído da escada e batido com a cabeça havia, de alguma forma, afetado a sua memória a curto prazo? Respirando fundo, eu olhei de volta para o parque mais uma vez antes de entrar na loja de departamentos. Papai e Darcy já tinham encontrado uma pequena cabine em frente ao antigo contador de aro cromado. O casal que eu tinha visto descer da balsa em nosso primeiro dia estava aqui no balcão, seus mindinhos ligados enquanto bebericavam seu café. O alto chapéu de feltro do homem estava pousado ao lado dele. Ele sorriu quando ele me pegou olhando, e eu sorri de volta enquanto me escorregava no banco ao lado de Darcy. Meu pai me entregou um pequeno cardápio de plástico. Eu deixei meus olhos deslizarem sobre as seleções clássicas do restaurante, então entreguei para Darcy. Ela estava sem os óculos escuros e sentada com a cabeça casualmente descansando em sua mão enquanto examinava o cardápio. — Ei, pessoal! O que vão querer? — Uma garçonete em um vestido de algodão azul e branco apareceu na nossa mesa, com a caneta já pronta. — Meninas? — perguntou o meu pai. — Eu vou querer uma pequena pilha de panquecas com mirtilo — disse Darcy, empurrando o cardápio do outro lado da mesa. — E café. — Bagel tostado e suco de laranja, por favor — eu disse. — Eu vou experimentar essas panquecas de trigo com bacon e café também — meu pai disse. Ele empilhou os cardápios e os entregou para ela. — Obrigado. — Obrigada vocês — disse ela com um sorriso, então se virou e se afastou. Meu pai soltou um suspiro e entrelaçou as mãos em cima da mesa. — Ouçam. Eu devo um pedido de desculpas a vocês. Agarrei a borda do assento de vinil em ambos os lados das minhas pernas. Perto de mim, Darcy parou de respirar. — Tem sido muito difícil para mim... desde que sua mãe morreu, e eu sei que isso não é desculpa, mas eu não percebi até recentemente o quão... fechado eu estava — ele disse, olhando para nós duas. — E... furioso. Limpei a garganta. Darcy se moveu em seu assento.
— Na verdade, isso não é verdade — disse ele, esfregando a testa. — Eu percebia o quanto eu estava com raiva, mas eu não queria admitir isso, porque eu estava com raiva dela e me sentia mal. Meu estômago espremeu-se, porque eu sabia exatamente o que ele queria dizer. Houve momentos em que eu senti raiva da minha mãe por me deixar, por nos deixar. Como se ela tivesse tido qualquer controle sobre aquilo. No ano passado eu havia ganhado o primeiro lugar na feira de ciências regional com o meu estudo de células cancerosas em ratos de campo, derrotando Samir Clark e seu braço robótico, e enquanto todos os funcionários, professores e alunos aplaudiam a minha vitória, eu apenas olhava para a multidão, desejando que ela estivesse lá. Ela tinha se formado em biologia na faculdade e ensinava em Princeton, assim como meu pai, e eu sabia o quão orgulhosa ela teria ficado, mas não era o suficiente. Eu queria ela lá. De alguma forma eu tinha conseguido passar por toda a recepção e todas as fotos, mas assim que eu cheguei em casa, joguei o troféu no sofá, corri para o meu quarto, e comecei a gritar em um travesseiro. Eu gritei, gritei e gritei até que comecei a me sentir estúpida por estar gritando. Até que eu percebi que ela estaria lá se ela pudesse. E então eu me senti muito estúpida. — Eu não acho que realmente aceitei que nunca vou ver sua mãe de novo — meu pai disse, lágrimas brilhando em seus olhos. Darcy fungou. Seus olhos estavam marejados, também. Talvez ela pensasse em nossa mãe. Talvez ela sentisse falta dela. — E vocês, meninas, têm muito dela em vocês... Eu a vejo sempre que olho para vocês. E isso me deixa muito orgulhoso, mas ao mesmo tempo, isso me deixa triste. Eu apenas nunca sei como lidar com isso. Eu nunca soube como ser a pessoa que vocês precisavam que eu fosse. Ele engoliu em seco, contendo as lágrimas. Darcy pegou um guardanapo do dispensador e cobriu os olhos por alguns instantes. — Eu entendo, pai — eu disse, minha voz um coaxar. — Eu realmente entendo. Eu só... Eu acho que ela quer que façamos melhor. Acho que ela quer que a gente se esforce mais para sermos... — Uma boa família — concluiu Darcy, fungando novamente. — Ela queria que fôssemos uma família. Papai assentiu e desviou o olhar. — Vocês acham que nós poderíamos fazer isso? — ele perguntou depois de um momento. — Vocês acham que nós poderíamos tentar? Por ela? — Eu acho que nós poderíamos — eu disse, meu coração batendo contra minhas costelas.
Darcy assentiu, ainda tentando não chorar. — Ótimo — disse meu pai. Ele respirou fundo, sentando-se em linha reta enquanto tomava ar e soltava, apoiando os braços na mesa. — Obrigado — disse ele. — Por me ouvirem. — Obrigada — disse Darcy suavemente, sua voz chorosa. Ainda havia uma tonelada de porcarias entre nós. Todos os gritos, toda a confusão e a raiva. Mas bem ali, naquele momento, o meu pai parecia, soava, como antigamente. Como o pai que eu conhecia antes da palavra câncer ter entrado em nossas vidas. Eu amava esse pai. Então eu forcei um sorriso. — A qualquer hora. Olhei para Darcy, esperando que ela aproveitasse a chance para perguntar ao papai sobre a festa, mas ela estava olhando para a mesa, o lábio inferior tremendo enquanto ela brincava com os dedos trêmulos em seu colo. Ela parecia frágil, como se caso eu a tocasse de forma errada ela fosse desmoronar. Engoli em seco. Eu me senti tão culpada, de repente, por pensar que ela não se importava que a mamãe tivesse partido. Talvez ela lidasse com isso de forma diferente da que eu lidei. Talvez todas as festas, as compras e a torcida tenha sido sua maneira de distrair-se. Porque não era tudo o que eu estava fazendo, estudando pra caramba o tempo todo, correndo sempre que eu tinha muito tempo para pensar? — Pai? — eu disse de repente. — Há uma festa hoje à noite, e Darcy e eu estávamos pensando se poderíamos ir. Darcy levantou o queixo e olhou para mim como se nunca tivesse me visto antes. — Uma festa? — disse ele, hesitante. — Eu não sei se... Um prato de panquecas caiu na nossa mesa fazendo barulho. — Vocês vão para a festa? Krista estava ao lado de nossa mesa em um minivestido azul que fazia suas pernas parecer com palitos de dente, o seu cabelo para trás em um rabo de cavalo alto, e um sorriso de expectativa em seu rosto. Ela colocou a comida de Darcy na frente dela, e então na minha. Olhei por trás ela e vi que a nossa garçonete original estava ocupada fazendo um novo copo de café. — Isso é ótimo! Tristan achava que você não ia! — disse Krista, juntando as mãos enquanto sorria para mim. — E você é? — meu pai perguntou agradavelmente. — Pai, esta é Krista — Darcy saltou. — A festa vai ser na casa dela. — Oh — meu pai disse, limpando a garganta. — Prazer em conhecêla, Krista. Haverá adultos nessa festa? — Pai! — disse Darcy entredentes.
— Oh, é claro! — Krista respondeu, rindo. — Minha mãe é a prefeita, então ela sempre faz questão de deixar a polícia a postos quando meu irmão e eu damos uma festa. Ela é totalmente superprotetora, por isso eles costumam enviar alguns oficiais para termos “vigilância policial” — disse ela, acrescentando algumas aspas no ar. — Elas são, tipo, as festas mais calmas de todas. — Então ela olhou para mim e Darcy. — Mas ainda assim são divertidas! — Viu? — eu disse, erguendo as sobrancelhas. — Uma festa com a presença da polícia. Não vamos ter mais segurança do que isso, certo, Darcy? — Totalmente! — exclamou Darcy. — Você tem que deixá-las ir, Sr. Thayer — disse Krista, tocando o braço do meu pai. Olhei para a sua pulseira de couro, que parecia dura, em comparação com a macia de seu irmão. — Estou morrendo de vontade de conhecer Rory melhor. — Ela sorriu para mim. Obriguei-me a sorrir de volta, apesar de que a última coisa que eu queria era que Krista disparasse perguntas para mim a noite toda. Eu não conseguia entender, mas sentia como se ela estivesse à procura de uma razão para ficar perto de mim. Para algo nos unir. Ela segurou meu olhar, e um punhado de arrepios passou ao longo dos meus braços. — Tudo bem. Se for na casa da prefeita, eu tenho certeza que vai ficar tudo bem — disse meu pai, finalmente. — Vocês, meninas, podem ir. — Eba! Obrigada, obrigada, obrigada! — Darcy aplaudiu. Eu soltei um suspiro. — Obrigada, pai. — Obrigada, Sr. Thayer! — disse Krista. Meu pai sorriu. Talvez ele estivesse percebendo que fazia um bom tempo desde que ele tinha feito alguma coisa para fazer tantas pessoas felizes ao mesmo tempo. — Vocês me avisem se precisarem de alguma coisa, está bem? — disse Krista. — Eu estarei bem atrás do balcão! Ela praticamente pulou para longe, sua saia flutuando, e pegou o telefone velho atrás do balcão. Depois de discar rapidamente, ela virou as costas para nós, sussurrando para quem estava na extremidade oposta. Quando ouvi seu grito, eu sabia que ela estava dizendo a alguém que nós havíamos decidido ir à festa. Eu me perguntei se era Tristan. Eu me perguntei se ele estava sorrindo. E eu me perguntei por que eu me importava.
26 UM LIFER Traduzido por Manoel Alves
C
orri pela rua que levava às docas naquela tarde, dizendo a mim mesma que eu não estava indo por ali porque queria topar com Tristan. Eu estava indo por aquele caminho porque queria fazer um tour pela ilha, eu queria experimentar diferentes rotas para corrida — algum lugar povoado, para me sentir um pouco mais segura em minha primeira corrida sozinha desde Nell. Mas, conforme eu virava a esquina e me dirigia ao Thirsty Swan, meu coração acelerou e me perguntei se eu estava muito suada, se meu rosto estava muito vermelho, e se — oh, meu Deus — e se eu cheirava mal? O que diabos eu estava pensando, vindo aqui? Eu aumentei o meu ritmo quando passei pelo bar, uma rodada de riso flutuando para fora e me engolindo. Um vislumbre de dentro não me disse nada. Tudo o que eu via era um borrão de rostos, as luzes da jukebox, e alguém nas sombras gerenciando o bar. Corri passando pelo beco entre o bar e um restaurante ao lado, chamado Crab Shack, e fiz uma pausa, apoiando minhas mãos acima dos meus joelhos e tentando recuperar o fôlego. Eu não podia acreditar que tinha corrido todo o caminho até aqui para nada. Talvez eu devesse virar e ir para a loja de departamentos agora, onde eu poderia prontamente nutrir minha humilhação interior com uma grande e boa tigela de sorvete. Levantei-me em linha reta e estava prestes a colocar meu plano em ação quando uma porta próxima se abriu e ouvi a voz de Tristan. — Tudo o que eu estou dizendo é que você tem que recuar um pouco dela. Meu coração pulsou cerca de duas mil batidas. Com quem quer que fosse que ele estivesse falando, eles estavam no beco virando a esquina de onde eu estava. Eu me inclinei contra a parede do Crab Shack e, tão cuidadosamente quanto pude, vislumbrei a dobra da esquina. Krista estava
na frente de Tristan no beco limpo e vazio, ainda em seu uniforme da loja de departamentos. Ela disse algo em resposta, que eu não consegui entender. Tristan suspirou profundamente. — Eu entendo o porquê de você estar tão... A porta do Crab Shack abriu e fechou, abafando suas próximas palavras. Xinguei sob a minha respiração e tentei parecer natural enquanto um grupo de rapazes saíam pela porta e passavam por mim. — ...quero conhecê-la. Isso é tudo — Krista estava dizendo quando fui capaz de me ajustar novamente. — Eu entendo, mas você está começando a assustá-la — Tristan respondeu. — Eu posso dizer. — Como você sabe que não é você que está assustando-a? — Krista exigiu. — Talvez eu também esteja. Eu não sei — disse Tristan. — Ela é diferente. — Bem, dã! — exclamou Krista. — Até eu sei disso! A porta do Crab Shack se abriu de novo e alguns homens mais velhos saíram, falando alto sobre alguma viagem de pesca. Pareceu levar uma eternidade para se afastarem da porta e irem embora. Assim que eles desapareceram ao virar da esquina, eu prendi a respiração e escutei. — ...mesmo que ela seja um lifer — Tristan estava dizendo. — Tanto faz — disse Krista. — Se você quer que eu recue, tudo bem. Eu vou recuar. Você deixou bem claro quem está no comando por aqui. Ela estava prestes a se distanciar. Se ela saísse do beco para o calçadão eu estava ferrada. Olhando ao redor, eu rapidamente me escondi atrás de um alto arbusto em um vaso fora do Crab Shack e prendi a respiração. Depois de alguns segundos, eu arrisquei um olhar ao redor do lado da topiaria e vi Krista ao longo das pranchas de madeira indo na direção de onde eu vim, voltando para a cidade. Eu fiquei lá, escondida, esperando que Tristan voltasse para dentro. E esperei. E esperei. A cada segundo eu esperava que ele aparecesse na dobra da esquina e me pegasse. Mas então, depois do que pareceu uma eternidade, eu finalmente ouvi o ranger da porta abrindo e se fechando novamente. Deixei escapar a respiração que estava segurando e caminhei lentamente em direção à água. Havia alguns bancos vazios de frente para a baía, pairando sobre uma pequena praia onde duas gaivotas estavam empoleiradas na areia recém penteada.
Sentei-me na areia quente, vendo um grande barco de pesca se mover em direção ao cais à minha direita, seu sino retinindo. Suspirei e repassei a conversa de Tristan e Krista em minha mente. Primeiro de tudo, não havia nenhuma razão para acreditar que Tristan e Krista estavam falando sobre mim. Eles poderiam estar falando sobre qualquer um. Mas, aí é que estava. Por outro lado, Krista tinha estado realmente interessada nela, e depois de ontem, Tristan sabia que eu tinha um monte de perguntas sobre ele, também. Assim, eles poderiam estar falando sobre mim. Eu acho que deveria estar me sentindo grata por Tristan tentar me ajudar com Krista. Mas o que era um lifer, e por que seria um? Eu terminei o meu alongamento e caminhei para casa, nem sequer me atrevendo a dar ao Thirsty Swan ou ao beco outra olhada.
27 HORA DA FESTA Traduzido por Manoel Alves
E
ntão, espere. Você nunca tocou um instrumento musical? Nem mesmo, tipo, uma música fácil no piano? — perguntou Olive, com os olhos arregalados. Estávamos sentados em um sofá de brocado contra uma das paredes amarelo claro da sala de Tristan, e dezenas de jovens conversavam, riam e flertavam ao nosso redor. O ar estava frio, graças à brisa movendo-se através das grandes janelas, e o zumbido constante de conversa enchia-me de dentro para fora. Olive tinha razão sobre o interior da casa, tão impressionante quanto o exterior. Todo o lugar cheirava a madeira polonesa e protetor solar de coco, como uma espécie de resort de praia de luxo. Toda a mobília era antiga e perfeitamente conservada, com almofadas coloridas e caprichosamente incompatíveis. Do outro lado da sala havia uma enorme lareira com um vaso de mosaico único no centro da sua abóbada. Não havia outras bugigangas, nem pilhas de revistas, nem fotos de família. Claramente os pais de Tristan adoravam a simplicidade. Eu ainda não tinha visto Tristan ou Krista. Darcy ficou perto das portas de correr para o pátio, flertando com Joaquin, o que era bom. Esta noite era importante para ela. Graças a Deus Joaquin não estava estragando tudo. — Bem, na escola tínhamos aula de música, então eu acho que usei um pandeiro e alguns bongôs, mas não desde que eu tinha oito ou nove anos. — Eu me mexi no meu lugar, movendo minha bolsa para o meu lado. — Eu nunca fui interessada nisso. — Uau. — Olive recostou-se, olhando para a festa em estado de choque. — Você gostaria de aprender? Eu poderia ensiná-la a tocar violão. Eu hesitei. Eu gostava de Olive e eu não queria decepcioná-la, mas aprender a tocar um instrumento nunca tinha passado pela minha cabeça na minha vida.
—
— Vamos lá! — ela exclamou, apertando meu braço. — Eu corri com você! Quem sabe, talvez você goste. Seja imprevisível, Rory, eu disse a mim mesma. A vida é curta. — Sabe de uma coisa? Ok. Eu adoraria aprender — eu disse. — Legal. — O rosto de Olive iluminou-se completamente. — Por que não nos encontramos no café da manhã de amanhã na loja de departamentos? Então, podemos voltar para o meu quarto na pensão, e eu vou lhe mostrar o básico. — Parece ótimo. Ela procurou em sua bolsa e tirou um pequeno bloco e um lápis. — Eu vou anotar o endereço e o número para você — disse ela. — É a pensão da Sra. Chen na Freesia. A dona é totalmente intrometida, mas o lugar tem uma acústica de matar. Ela arrancou o pedaço de papel, e eu o enfiei no bolso. — Há quanto tempo você toca violão? — Desde que eu era pequena — ela respondeu, pegando seu copo de água. A manga de sua blusa começou a subir, e ela puxou-a de volta para baixo novamente. Ela enfiou a mão livre debaixo do braço como se estivesse com frio. — Então, você provavelmente deve ter notado o cara no parque — eu disse. — O que toca por dinheiro todos os dias? Os olhos de Olive estreitaram sobre a borda de seu copo vermelho enquanto ela considerava. — Não. Quando foi isso? Naquele momento, Tristan e Krista apareceram na parte inferior da escada larga. Ele vestia uma camiseta branca abaixo de uma jaqueta azul aberta e bermuda. Ela estava com um vestido rosa floral, que balançava em torno de seus joelhos quando ela se movia. Eles realmente faziam um par impressionante, e pela primeira vez eu entendi o que Olive quis dizer com eles serem tratados como o príncipe e a princesa de Juniper Landing. À medida que se moviam pela sala de estar, todos pararam o que estavam fazendo para cumprimentá-los. Eu quase poderia imaginar alguns deles querendo mergulhar em reverências e aplausos. Assim que eu pensei nisso, Tristan olhou para nós, e nossos olhos se encontraram. Eu estava quente por toda parte, como se de alguma forma ele soubesse o que eu estava pensando. Então Kevin e Fisher o levaram para o barril, e o momento passou. Eu meio que esperava que Krista viesse e exigisse uma reforma no cabelo, mas em vez disso ela encontrou Lauren e Bea ao lado da lareira e começou a conversar. Talvez ela e Tristan tenham
falado sobre mim esta tarde. Definitivamente parecia que ela estava atendendo o seu aviso para se afastar. Meu coração disparou com a ideia, mas eu voltei minha atenção para Olive e limpei minha garganta. — O que estávamos falando? — Um cara que toca violão no parque? — Olive me lembrou. — Certo! Ele estava lá em algumas manhãs e então hoje ele apenas... não estava. — Talvez ele tenha feito bastante dinheiro e pegou um avião para Nova York — Olive brincou. — Talvez, mas a coisa realmente estranha é que Darcy não se lembra dele — eu disse, brincando com o zíper do meu suéter enquanto eu observava Krista. Ela não olhou para mim nenhuma vez. — O que você quer dizer? — perguntou Olive. — Ela foi a primeira a apontá-lo no dia em que eu cheguei aqui — eu expliquei, mantendo um olho em Krista e suas amigas. — E, em seguida, alguns dias depois, nós o vimos tocar por alguns minutos e ela disse que ele estava dando em cima dela. Mas quando eu disse que ele tinha ido embora, ela não tinha ideia de quem eu estava falando. — Isso é estranho — disse Olive, totalmente alerta. Ela colocou o copo na mesa e endireitou-se, como uma convidada de um programa de entrevistas particularmente interessante. A possibilidade do menestrel ter desaparecido não a tinha incomodado, mas claramente a ideia do esquecimento de Darcy sim. — Ela simplesmente não se lembra dele? — Não — eu disse, feliz que alguém pensasse que essa coisa toda era tão estranha quanto eu achava. — Era como se ele tivesse sido apagado da sua memória. — Isso costumava acontecer com um de meus amigos em casa — Olive me disse, baixando a voz. — De vez em quando, ele esquecia horas inteiras da sua vida. Às vezes, até mesmo dias. — Sério? — eu perguntei, intrigada. — Ele foi ao médico? Olive riu sarcasticamente. — Eu meio que acho que um médico teria apenas lhe dito para parar com a heroína. Meu queixo caiu, e eu senti meu pescoço aquecer. — Você acha que a minha irmã é viciada em drogas? — eu sussurrei, surpresa e meio ofendida. — Darcy nunca usou drogas na sua vida. Olive me olhou como se ela tivesse acabado de ser esbofeteada. — O que foi? Você está bem? — perguntei.
— Eu estou bem — disse Olive. — Eu só... algo voou no meu olho. — Ela se levantou e pegou sua bolsa, segurando os dedos sobre sua pálpebra direita. — Eu só vou correr para o banheiro. Volto em um segundo. — Olive, espera. — Quando ela se abaixou em torno de um canto, levantei-me também, mas quando eu peguei minha bolsa, ela abriu e tudo derramou-se para fora — minha carteira, minhas faixas de cabelo, o meu batom. Eu rapidamente coloquei tudo de volta na bolsa e segui Olive, mas no momento em que eu virei no canto, encontrei-me no final de um longo corredor com pelo menos meia dúzia de portas fechadas. Suspirando, eu bati na primeira. — Olive? Nada. Mudei-me para a segunda. — Olive? Você está aí? Nenhuma resposta. Movendo-me lentamente pelo corredor, o barulho da festa começou a desvanecer-se. Bati na terceira porta e ouvi uma resposta abafada. Lentamente, eu testei a antiga maçaneta de bronze, e a porta se abriu, mas não era um banheiro. Era um quarto enorme e ele estava cheio do chão ao teto, com lixo. — Uau — eu disse baixinho. Minha curiosidade levou a melhor, e eu dei um passo para dentro. Prateleiras preenchiam cada parede, cada uma repleta de todo tipo de coisa, e ainda mais itens estavam amontoados em oscilantes torres no centro do chão. Havia livros e revistas, várias joias emaranhadas, bolsas, mochilas e malas de todas as formas e tamanhos, alguns deles recheados até as aberturas. Havia computadores portáteis amontoados no chão, fios enrolados em todos os lugares, e uma grande prateleira pregada na parede cheia com iPads e outros tablets. Quando entrei mais, meu quadril bateu em uma caixa de papelão enorme que estava cheia até a borda com telefones celulares. — Que diabos...? Talvez por isso a casa de Tristan parecesse tão vazia. Sua família mantinha todos os pertences atrás de portas fechadas. Lentamente, eu me virei para sair, e eu congelei. Ao longo da parede ao lado da porta estava um cabideiro de roupas, e ao lado um cabide cheio de bonés de beisebol e de taxistas, chapéus de sol e viseiras. Pendurado no gancho superior estava uma gasta correia de violão amarela, verde e vermelha.
28 RESPOSTAS Traduzido por Matheus Martins
R
—
ory.
Eu pisquei. Tristan estava em pé na minha frente, emoldurado pela porta, sua postura ereta. — O que você está fazendo aqui? — ele perguntou, sem rodeios. — M-me desculpe, eu só... — Eu limpei minha garganta, o calor subindo no meu pescoço. Meus olhos dispararam de volta para a correia do violão. Ela estava lá. Estava definitivamente lá. Isto não era um flash. — Eu estava procurando por Olive. — Bem, ela não parece estar aqui, então... Ele segurou a porta aberta para mim. Tomei a dica e deslizei por ele. Ele fechou a porta firmemente atrás de mim e colocou as mãos nos bolsos da frente de sua bermuda. — Desculpe. Minha mãe não gosta que ninguém venha aqui. Ele se virou e me levou de volta para o corredor, em direção à festa. — Oh. Desculpe. Olive disse que ia ao banheiro, então... — O banheiro é do outro lado da cozinha — disse ele, inclinando o rosto para baixo, e o seu cabelo caiu sobre sua bochecha. — Se você precisar dele. — Oh, bem... obrigada — eu disse. Tínhamos chegado ao fim do corredor. À minha direita, Darcy e Joaquin conversavam com Bea e Kevin. À minha esquerda estava a sala e o sofá de brocado que eu tinha desocupado. Olive ainda não tinha voltado. Virei-me para Tristan, morrendo de vontade de perguntar a ele sobre esse quarto, sobre a correia do violão. Ela pertencia ao menino menestrel desaparecido. Eu tinha certeza disso. Mas como tinha vindo parar aqui? Será que Tristan conhecia o cara? E se ele tivesse dado a ele? Ou será que alguém da família de Tristan o pegou? — Então — disse Tristan. — Você veio.
Um rubor rodou pelo meu rosto. — Darcy queria vir, então... — Você sempre faz coisas que você não quer fazer pela sua irmã? — ele questionou. Ele caminhou para o sofá de brocado e se sentou. Ainda tentando descobrir como abordar as minhas perguntas, eu me sentei ao lado dele. A pele das minhas pernas formigava só pela proximidade de seu joelho com o meu. Eu me virei no meu assento ligeiramente, angulando para longe dele. — Não — eu disse. — Isso era muito importante para ela. — Por quê? — ele perguntou, olhando do outro lado da sala, onde Darcy estava rindo com a mão no braço de Joaquin. Porque ela tem uma queda grande pelo seu amigo chato foi a primeira resposta que me veio à mente. — Ela gosta de festas — eu disse simplesmente. — E você não? — perguntou ele, voltando-se para mim de novo. Ele estava olhando para mim, como se estivesse olhando para a minha alma. Nenhum cara nunca me olhou assim. Talvez nem mesmo Christopher. Os olhos dele estavam sempre muito inquietos, ou olhando além de mim para algo melhor. Eles tinham um desvio de atenção. Mas não Tristan. Tristan sabia como focar. Eu só não sabia como ser o objeto desse foco. — Por que você se importa? — eu perguntei, minha temperatura corporal se elevando sob seu escrutínio. — Eu apenas me importo — ele disse simplesmente. — Eu imagino que você evita esse tipo de coisa porque é inferior a você. — Uau. Então você acha que eu sou orgulhosa — eu o desafiei. — Nem um pouco — disse ele com naturalidade. — Eu acho que você sabe quem você é e não cede à pressão do grupo. Mas com a sua irmã é diferente, por isso você está aqui. Isso não torna você uma orgulhosa. Isso torna você especial. Engoli em seco, sentindo-me lisonjeada, mas também desconcertada. — Você gosta de observar as pessoas? — ele perguntou. — O que você quer dizer? — Às vezes, quando estou em uma festa, eu só sento e observo — disse ele, olhando ao redor da sala. — Como aquele cara ali. — Ele acenou para um menino ruivo adorável e nerd, mas encostado na parede oposta. — Ele está claramente nervoso. O menino estava enrolando o cordão em seu moletom ao redor de seu dedo com tanta força que a ponta estava ficando branca. Enquanto isso, a menina com quem ele estava conversando levantou o braço para alisar o cabelo e disfarçadamente olhar para o relógio.
— E aquela menina não poderia se importar menos — eu apontei. — Exatamente — disse Tristan, sorrindo para mim por cima do ombro. — Então, eu estava certo. Você é uma observadora natural. Me movi sob seu olhar, achando isso levemente inquietante, que ele continuasse a agir como se soubesse muito sobre mim. — Talvez — eu respondi. — Mas pelo menos eu nunca espiei ninguém abertamente. Tristan piscou, então finalmente desviou o olhar. Ele descansou seus antebraços sobre os joelhos e entrelaçou os dedos. A pulseira de couro trançada se agarrava firmemente a seu pulso. Parecia que era fundida à sua pele. Como se tivesse estado lá desde sempre. Ele começou a brincar distraidamente com a trança dela. — Existe algo que você queira me perguntar, Rory? — disse ele finalmente, olhando através da sala para Krista, que ainda estava de pé ao lado da lareira. — Sim, tem algo — eu disse, sentando-me em linha reta e de frente para ele completamente. De alguma forma, a sua pergunta direta me tornou valente. — O que aconteceu com o garoto no parque? Ele me olhou nos olhos. — O garoto no parque. — O tocador de violão. Aquele com os dreadlocks. Eu vi que você o estava vendo tocar com Fisher no outro dia, então eu sei que você sabe de quem estou falando — eu disse, aquecendo a minha investigação. — Onde ele está, e por que a minha irmã não se lembra dele? Ah, e por que a correia do violão dele está pendurada no seu quarto de armazenamento lá atrás? — Rory... — ele começou em voz baixa. A maneira como ele disse meu nome, como se ele realmente me conhecesse — como se sempre me conhecesse — enviou um ímpeto quente no meu peito. Eu olhei para ele, bem nos olhos, e descobri que não conseguia desviar o olhar. — Rory! — uma voz familiar chamou. — Oh, oi, Aaron! — eu disse, levantando-me para lhe dar um abraço e tentando não gemer pelo seu timing. Tristan ia me dizer algo sobre o menestrel. Eu podia sentir isso. — Você já conhece Tristan? Esta é a casa dele. — Oh, sim. Claro. — Aaron ofereceu sua mão, e Tristan se levantou para apertar a dele. — Festa de matar, cara. — Obrigado. — Então ele olhou para sua irmã, que estava dando a ele algum tipo de olhar. Palavras não ditas entre irmãos, eu imaginei. — Eu
tenho que ir... fazer uma coisa — disse Tristan. Ele olhou de mim para Aaron e de volta para mim novamente. Eu poderia dizer que havia algo que ele queria dizer, mas ele pensou melhor. — Vocês dois se divirtam. Então, ele fez o seu caminho através da multidão, até a sua irmã. — Ele parece ser um cara legal — disse Aaron. Eu tomei uma respiração profunda. — Isso ainda está a ser determinado. — Então, você sentiu dores no outro dia? — perguntou Aaron, tomando um gole de sua bebida. Eu fiz uma careta com o pensamento. — Não, na verdade. Isso é estranho. Eu estava exausta depois do surf de vela — no bom sentido — e certa de que os músculos que eu quase nunca usei estariam sofrendo nos dias que viriam. Aaron riu. — Acho que você é uma atleta melhor do que pensa. — Aparentemente — eu disse. — Então, vamos sair de novo? Tipo, sexta-feira de manhã? Eu pego você na sua casa? — Aaron sugeriu. — Eu estou dentro — eu disse com um sorriso. Podia ser bom para mim passar mais tempo com Aaron e menos com os moradores locais. Até agora, ele era a pessoa menos enigmática que eu conheci nessa ilha maluca. — Ei, olha só — ele disse, olhando por cima do meu ombro. — A neblina está vindo de novo. De fato, o ar lá fora estava rodando, as luzes ao longo da falésia piscando uma por uma. Todos os festeiros começaram a se reunir nas janelas para assistir, e Aaron me puxou para me juntar a eles. — Isso é tão legal — alguém na multidão arfou. — Assustador, você quis dizer — alguém respondeu. — Eu li um livro, uma vez, e haviam monstros que viviam na névoa — um cara disse, usando uma voz estranha. Alguns de seus amigos riram, e todos ficamos em silêncio, observando o nevoeiro envolver a casa. Do nada, senti um arrepio na parte de trás do meu pescoço e eu me virei. Krista estava escorregando por uma porta lateral perto de mim, enquanto, no outro extremo do corredor, Tristan estava abrindo a porta de vidro para o pátio, segurando para Olive. Ela sorriu para ele quando eles colocaram o pé para fora, a névoa cinza rodando em torno deles. Senti um baque súbito de medo, e abri a boca para chamá-los, mas as palavras não
vieram. O que eu diria? Tenham cuidado? Não vão por aí? Tristan vivia aqui. Ele conhecia este lugar e ele sabia sobre a névoa. Ele não estaria levando Olive para fora se fosse perigoso. Eu esperava. Enquanto todo mundo na festa ficava boquiaberto na frente da janela, eu assisti Tristan e Olive descendo os degraus, a mão dele na parte inferior das costas dela, até que ambos desapareceram na neblina.
29 QUEBRADA Traduzido por Matheus Martins
N
o momento em que ele via uma menina, ele sabia ou não se ela era o tipo dele. Isso não era físico. Não. Fisicamente, a variedade de suas conquistas eram ótimas. Tão ótimas que todos os traçadores de perfis em Washington, na Califórnia, na Virgínia e em DC tiveram dificuldade para descobri-lo. Ele tinha certeza de que, num primeiro momento, eles acreditavam que ele não tinha um tipo. Lacey Turner era, afinal, baixa, gorda e loira, enquanto Gigi Abassian era alta e esbelta, de pele escura, olhos escuros, cabelo escuro. Jenna Moskowitz tinha acne, eczema e suspensórios, enquanto Felicia Renee havia modelado para revistas. E então havia Rory Miller. Rory Miller, a mais simples de todas. Exceto pelo cabelo. Aquele lindo e delicioso cabelo... Então, não. Não era uma coisa física. Isso era interno. Toda garota que ele já tinha escolhido era quebrada. Não importava o quão valente ela era, ou o quão alto ela se levava ou como ela olhava para o mundo desafiadoramente. Ele poderia apontar uma menina quebrada a um quilômetro de distância. Estava tudo nos olhos. E esta amiga de Rory Miller, ela era a mais destruída de todas elas.
30 DISPENSADA Traduzido por Matheus Martins
C
onforme eu subia ao topo da colina na Main Street na quinta-feira de manhã, eu cruzei meus dedos, esperando que o menino cantor estivesse de volta ao seu lugar, cantando uma versão reggae de “Sweet Dreams” ou algo assim. Esperando que eu tivesse imaginado o que eu tinha visto na casa de Tristan. Mas ele não estava. Em vez disso, uma jovem mulher em calças de ioga cinza fazia uma pose contorcida sob o banner dos fogos de artifício, levantando o rosto para o sol. Meus ombros caíram, e eu virei meus passos em direção à loja de departamentos. Talvez eu prove as panquecas de mirtilo que Darcy tinha pedido ontem. Elas pareciam incríveis. Talvez isso me animasse e me preparasse para essa conversa. Eu queria perguntar a Olive o que eu havia dito que tinha feito ela correr para o banheiro na noite passada, mas eu estava nervosa para trazer isso à tona. Eu esperava que isso não fosse nada. Esperava que eu tivesse imaginado isso, também. Assim que eu abri a porta, eu disse a mim mesma que este era o caso, só para acalmar meus nervos. Olhando para o balcão, fiquei aliviada ao encontrar duas garçonetes desconhecidas movimentando em torno da cafeteira. Eu não queria que Krista aparecesse no nosso café da manhã. Sentei-me de frente para a porta para que eu pudesse ver Olive quando ela entrasse. — O que eu posso pegar para você, senhorita? — uma mulher idosa com o uniforme da loja de departamentos perguntou, aproximando-se da mesa. — Suco de laranja por enquanto, por favor. Eu estou esperando uma amiga — eu disse a ela. Ela bateu a ponta de seu lápis contra seu bloco. — Está bem! Eu me estabeleci no assento confortável e li o cardápio, item por item, apenas no caso de haver algo melhor do que panquecas de mirtilo para eu provar. A porta se abriu e eu olhei para cima, mas era apenas um dos caras
do casal que eu tinha visto comer aqui ontem, o estudante meio loiro. Eu olhei para a porta, à espera de seu namorado acompanhá-lo, mas ninguém apareceu. O cara caminhou para o balcão e cumprimentou a garçonete com um sorriso, em seguida, pediu um copo de café e um bagel. Eu li o cardápio novamente, palavra por palavra. Ainda nada de Olive. Olhei para o relógio. Ela só estava atrasada sete minutos. Meu suco chegou, e eu o engoli, meu estômago roncando. Eu li o cardápio novamente. A porta se abriu, e eu olhei para cima mais uma vez. Desta vez, era Tristan. Ele estava vestindo um calção úmido, e sua camiseta branca agarrava-se a ele em manchas molhadas. Seu cabelo estava penteado para trás de seu rosto, acentuando suas maçãs do rosto afiadas e o azul surpreendente de seus olhos. Meu coração fez uma cambalhota estranha de esperança-mas-cheia-deapreensão quando eu me lembrei da nossa conversa ontem à noite. Eu comecei a abrir minha boca para dizer olá, mas ele deu uma olhada em mim, ficou vermelho, e saiu. Isso era novo. Olhei em volta, envergonhada, até que eu percebi que ninguém tinha notado ele ou a sua retirada. Eles não tinham nenhuma maneira de saber que eu tinha sido a responsável por assustá-lo, de qualquer maneira. O cara no balcão pegou seu bagel e começou a comer. Tomei um gole do suco e tentei não pensar no quanto eu estava com fome. A garçonete se aproximou da minha mesa e limpou a garganta. — Posso pegar mais alguma coisa para você, querida? — ela perguntou. Eu sorri para ela. — Eu acho que só vou esperar por minha amiga. — Nós duas olhamos para o meu copo agora vazio. — Você poderia reenchêlo, por favor? — perguntei. — Claro. Ela pegou o meu copo e voltou com ele cheio. — Aproveite! Esperei mais quinze minutos, desejando que eu tivesse um celular para que eu pudesse mandar uma mensagem para Olive. Ela teria se esquecido do nosso encontro para o café da manhã? Ou será que eu possivelmente a ofendi tanto ontem à noite que ela simplesmente decidiu me dispensar? Eu drenei meu suco novamente. Verifiquei o meu relógio. Ela estava mais de meia hora atrasada. Claramente ela não viria. Finalmente, eu levantei, pegando alguns dólares na minha carteira. — Desistiu? — a garçonete perguntou, pairando sobre mim.
— Ela provavelmente dormiu demais — eu disse a ela com um sorriso embaraçado. — Eu vou ver como ela está, e espero que voltemos aqui. — Tudo bem, então — disse a garçonete com um sorriso de pena, como se ela não acreditasse que eu voltaria. Quando eu abri a porta, o sino acima dela tilintou e a garçonete levantou uma mão. — Tenha um bom dia! Eu puxei o pedaço de papel com o endereço da pensão de Olive para fora do meu bolso. Freesia Lane, número 22, quarto 2A. Olhei em volta, percebendo que eu não tinha ideia para onde eu estava indo. Então eu vi o cara ruivo da festa de Tristan virando à direita na rua lateral com o parque. Corri atrás dele, imaginando que eu poderia perguntar se ele conhecia a rua, e parei no caminho. Em uma placa diretamente sobre a minha cabeça lia-se FREESIA LANE. Eu simplesmente não tinha notado antes. — Ótimo. Ela tinha que viver na rua do parque assustador — eu disse baixinho, empurrando o pedaço de papel no bolso. Engolindo meu nervosismo, eu me virei na rua. Felizmente o número vinte e dois era a apenas algumas casas a frente, a um quarteirão de distância do parque. Havia uma casa alta, estreita e branca que lançava uma longa sombra sobre a rua. Sua caixa de flores de ferro forjado estourava com samambaias vermelhas. Parei na calçada por um segundo para reunir coragem para entrar, esperando que ela não estivesse tentando me evitar. Eu caminhei pela calçada da frente, o assoalho do alpendre rangendo sob os meus pés. Quando eu tentei abrir a porta, ela se abriu com facilidade, as velhas dobradiças deixando escapar um gemido agudo. Não havia ninguém à vista, todas as luzes estavam apagadas, e lá havia um frio diferente no ar, apesar do calor do dia. Minha pele se arrepiou e meu peito ficou apertado. Eu verifiquei por cima do meu ombro, meio que esperando ver Steven Nell se lançando em direção a mim. Mas tudo o que havia lá eram as casas silenciosas e sem vida do outro lado da rua. Engoli em seco e entrei. — Olá? — eu chamei. Uma escada alta e estreita levava ao segundo andar, e um desbotado papel florido cor de canela e verde cobria as paredes. — Olá? Tem alguém aqui? Não houve resposta. Em algum lugar das profundezas da casa, ouvi um murmurar. A melodia era familiar, mas eu não pude identificá-la. Lambi meus lábios e engoli em seco. Olive entrava e saía de casa todos os dias. Não havia nada a temer. Agarrei o corrimão lascado e me arrastei lentamente pelas escadas. Depois de alguns passos, comecei a me sentir como se eu
estivesse no meio de um filme de terror e corri o resto do caminho casualmente, recusando-me a fazer o papel da garota nervosa. A primeira porta à esquerda tinha um 2A banhado a ouro cravado em seu centro. Prendi a respiração e bati. A porta se abriu um centímetro ao meu toque. Com o coração acelerado, eu olhei através da fresta. Lá dentro, eu podia apenas distinguir a manga de uma das blusas de Olive, jogada sobre a cama. Então, notei o sinal sonoro incessante e empurrei a porta. Ao lado da cama arrumada dela, o alarme de Olive estava badalando. — Ela não está aqui. Eu me virei, minhas mãos voando para me preparar contra a porta aberta. Uma mulher chinesa pequena com cabelo branco e óculos enormes estava atrás de mim. — Quem é você? — perguntei. — Sra. Chen. Eu gerencio este lugar — disse ela, gesticulando com um aro enorme cheio de chaves. — Ela não voltou para casa ontem à noite. — Ah... ok — eu disse. Em seguida, ela balançou a cabeça e começou a descer as escadas muito lentamente, os chinelos fazendo um som contra a madeira envelhecida. Meu batimento cardíaco pulsava descontroladamente, e me voltei para o quarto de Olive. Eu sabia que vir era uma enorme invasão a sua privacidade, mas racionalizei com o pensamento de que alguém realmente devia desligar o alarme antes de começar a incomodar seus vizinhos. Eu andei para dentro e apertei o botão no relógio. Silêncio misericordioso. A porta do armário de Olive estava aberta e apenas algumas peças de roupa estavam penduradas no interior. Seu violão estava encostado na cadeira do outro lado da sala, e algumas partituras estavam espalhadas sobre uma mesa baixa. Havia flores frescas no parapeito da janela mais distante. Um sino de bicicleta soou na rua, e eu me virei para a janela mais próxima de mim, acima da mesa. No segundo que eu o fiz, um grande pássaro preto levantou voo do peitoril da janela, suas asas fazendo um barulho que enviou meu coração para minha garganta. Inclinei as duas mãos na mesa, lutando para poder me sustentar. Claramente, eu estava tensa demais se uma velha senhora e um pássaro poderiam fazer tudo isso comigo. Eu inspirei e expirei, dizendo a mim mesma para relaxar, mas eu simplesmente não conseguia. Quando eu levantei a minha mão, um pedaço de papel estava preso à palma da minha mão. Era um bilhete de recolhimento de uma restauradora de bicicletas, que deveria ser pega hoje. Abaixo dele havia um pedaço de
papel de carta rosa antigo. No topo, Olive tinha escrito as palavras QUERIDA MÃE. A carta estava apenas metade concluída. Fiz uma pausa. Eu sabia o que era, e eu não estava com vontade de lêla. Virei-me para o quarto dela mais uma vez. A cama feita. As roupas espalhadas. O copo vazio na mesa de cabeceira. Era estranho. Como se alguém tivesse congelado a vida de Olive no tempo. De repente, uma sensação horrível e inquietante criou raízes dentro do meu peito. Algo tinha acontecido com Olive. Algo terrível. E eu sabia quem tinha feito isso.
31 LOUCA Traduzido por Ivana
C
orri para casa tão rápido que qualquer pessoa que me visse teria pensado que eu estava sendo perseguida. Eu senti como se estivesse sendo perseguida. Toda vez que eu tomava ar, eu tinha certeza que eu estava prestes a correr de cabeça para Steven Nell. Toda vez que eu pensava em parar para tomar um fôlego, eu o via saltar de trás de uma cerca viva. Eu não podia acreditar que eu tinha ignorado os sinais de alerta, que eu tinha escolhido fechar os olhos e fingir estar segura quando tudo apontava para o contrário. Steven Nell estava aqui. Ele estava me perseguindo, me provocando, e agora ele tinha Olive. Eu tinha que avisar Darcy. Eu tinha que avisar o meu pai. Eu derrapei ao virar da esquina para o nosso bloco e corri em frente a nossa casa, meu cabelo batendo na parte de trás do meu pescoço. Quando eu passei pela porta da frente, meu pai e Darcy estavam ambos sentados à mesa da cozinha, comendo em tigelas de cerâmica. — Rory? O que há de errado? — perguntou o meu pai, de pé. Ele estava usando seu uniforme de corrida e um boné de beisebol. Amontadas na frente dele em cima da mesa haviam pilhas de páginas datilografadas. Eu as reconheci em pânico. Essas páginas ficavam dispostas em nossa mesa de jantar toda a minha infância, mas tinham desaparecido quando a minha mãe ficou doente. Era o romance dele. Ele parou de trabalhar nisso anos atrás. Eu teria ficado animada por ele estar recomeçando novamente, se eu não estivesse prestes a explodir de terror. — Ele está aqui! — eu engasguei, cambaleando em direção a eles. — Steven Nell está aqui. — Rory... — Darcy começou. — Você o viu? Onde? — meu pai perguntou, pálido. — Não. Eu não... eu não o vi. — Eu me inclinei para a parte de trás da cadeira de Darcy, com a minha mão ao meu peito, tentando recuperar o
fôlego. — Mas ele está aqui. Darcy, diga a ele! Lembra da outra noite, quando ouvimos o riso no nevoeiro? Era ele! Darcy suspirou. — Sem essa, Rory. Tenho certeza de que era apenas alguém brincando com a gente. — Sim, e Steven Nell é esse alguém! — gritei. Virei-me para enfrentar o meu pai, desesperada. — Pai, escuta. Na primeira manhã aqui, eu ouvi alguém fora da casa cantarolar “The Long and Winding Road”, que o Sr. Nell sempre costumava cantarolar nos corredores. E então alguém colocou a música na jukebox no Thirsty Swan na noite em que nós fugimos. Eu ouvi ele rindo, eu o ouvi sussurrar meu nome. E havia um pedaço de tecido exatamente como o da sua jaqueta e uma bolsa carteiro pendurada em nossa cerca a alguns dias atrás, assim como a que ele costumava levar para a aula. — Espere um minuto, espere um minuto — meu pai disse, estendendo a mão para segurar meus dois braços. — Você está baseando tudo isso em uma série de coincidências aleatórias? Meu coração se afundou. Ele não acreditou em mim. Eu senti como se estivesse prestes a explodir. — Não! Estou baseando no fato de que todas essas coisas aconteceram, e agora Olive desapareceu! — eu soltei. — Quem é Olive? — ele e Darcy perguntaram ao mesmo tempo. Meu sangue se transformou em gelo em minhas veias. Eu senti como se alguém tivesse acabado de me bater na cabeça com uma barra de madeira. Lentamente, eu me virei para enfrentar Darcy. Minha visão estava borrada. — O que você quer dizer com quem é Olive? — eu perguntei. Ela levantou os ombros e levantou-se da mesa, pegando sua tigela e colher. — Eu quero dizer, quem é Olive? Casualmente, ela passou por mim e meu pai para despejar seus pratos na pia. Ela correu a água por um segundo, em seguida, sacudiu as mãos e se virou para mim, encostando-se ao balcão. Eu procurei seus olhos. Ela olhou para mim com curiosidade, esperando. Esperando que eu respondesse para ela. Para explicar a ela quem era essa pessoa — a pessoa com quem ela saiu em várias ocasiões. — Darcy, qual é — eu disse. — Agora eu sei que você está de sacanagem comigo. — Por que eu estou de sacanagem com você? — ela perguntou. — Você sabe quem é Olive — gritei. — Nós saímos com ela na fogueira e, novamente, no Thristy Swan! Eu saí para uma corrida com ela dois dias atrás e você falou com ela na festa de ontem à noite antes de se encontrar com Joaquin. — Minha voz ficou progressivamente mais alta, enquanto ela
continuava a olhar para mim como se eu estivesse falando em alguma língua estrangeira. — Espere um minuto, quem é Joaquin? — meu pai perguntou a Darcy, completamente alheio ao meu pânico crescente. Ela tornou-se agradavelmente rosa. — Ele é um cara que eu... — Darcy — eu interrompi. — Você sabe quem é Olive! — Deus, Rory! Desista! — Darcy deixou escapar, claramente frustrada. — Eu conheço Krista, eu conheço Lauren e Bea, mas eu não me lembro de Olive. E eu acho que eu me lembraria, porque com esse nome? Eca. Meus joelhos cederam e eu me deixei cair em sua cadeira desocupada. Isso não estava acontecendo. Isso não estava acontecendo. Primeiro o menino menestrel e agora Olive? Eu não estava fabricando essas pessoas. Elas eram reais. Darcy os conhecia. Era como se ela tivesse desenvolvido algum tipo de amnésia seletiva estranha que a fez apagar certas pessoas. Eu fiquei boquiaberta para ela quando ela saiu da cozinha e se dirigiu para as escadas. — Eu vou tomar um banho e, em seguida, vou para a praia — disse ela. — Me avise se você quiser vir. — Nós vamos precisar falar sobre esse Joaquin! — o meu pai a chamou. — Sim, sim — disse ela suavemente. — Mais tarde. Eu esperei até que ouvi a porta bater e o chuveiro ligar antes de me virar para o meu pai, meio que esperando ele me repreender por assustá-lo. Essa teria sido sua reação normal. Mas hoje ele apenas ficou lá, olhando para mim com uma expressão preocupada. — Pai, há algo seriamente estranho acontecendo por aqui — eu disse. — Darcy conhece Olive. Eu juro a você. Eu a conheci na primeira manhã aqui, e nós saímos com ela a semana toda. Ela é a amiga que correu comigo. E eu deveria encontrá-la no café da manhã, mas ela não apareceu, e quando eu fui para a pensão, ela não esteve em casa durante toda a noite, e todas as coisas dela ainda estavam lá. — Talvez ela tenha dormido na casa de uma amiga — disse meu pai. — Ou talvez ela saiu esta manhã para um café ou uma corrida. Ela poderia ter se esquecido dos seus planos. Isso acontece. — Sim, ou talvez quando ela estava caminhando para casa da festa da noite passada algum serial killer psicopata a agarrou, a assassinou e enterrou seu corpo na praia em algum lugar! — eu disse, enrolando meus dedos em punhos. Por que ele não acreditava em mim? Por que a minha irmã enlouqueceu?
Ou era eu? Eu era a única que estava ficando louca? Mas não era como se eu tivesse criado Olive. Ela era uma pessoa real, com coisas reais em seu quarto e verdadeiros sentimentos sobre seu passado, sua mãe e seu futuro. E agora ela se foi. Meu pai sentou-se em diagonal à mim e pegou uma das minhas mãos entre as suas. Suas mãos eram quentes e aconchegantes. — Rory, escuta, eu entendo por que você está chateada — disse ele pacientemente, olhando-me nos olhos. Pisquei e olhei para as nossas mãos, não acostumada com esse tipo de contato, este tipo de tratamento gentil. — Você acabou de passar por uma experiência horrível. Lembra de depois que a sua mãe morreu? Os flashes que você costumava ter? Talvez isso seja algo parecido. Talvez seja apenas mais uma manifestação de estresse póstraumático. Ele estendeu a mão e colocou meu cabelo atrás da minha orelha, assim como ele costumava fazer quando eu era pequena e esfolava meu joelho ou caía da cama. Eu apertei minhas mãos até minhas unhas cortarem a carne da minha palma. Mal sabia ele que eu estava tendo flashes e que essas outras coisas que eu estava vendo, ouvindo, sentindo, experimentando nada tinham em comum com aqueles. Mas, agora, não parecia ser o momento para trazer minhas pequenas desconexões da realidade. Só provaria o seu ponto — que eu estava perdendo o controle. — Por que você não vai para a praia com Darcy e tenta relaxar? — ele sugeriu. Minha boca estava completamente seca, o meu coração trabalhando horas extras. Enquanto eu estava sentada lá, com a minha mão dentro das mãos do meu pai, eu nunca me senti tão sozinha, tão absolutamente desnorteada, tão assustada. Ele não acreditou em mim. Ele nunca iria acreditar em mim. Mas eu sabia que Steven Nell estava lá fora, e era só uma questão de tempo antes que ele atacasse.
32 A VERDADEIRA AMEAÇA Traduzido por Ivana
E
u acordei com um susto no meio da noite, certa de que o som de vidro quebrando tinha interrompido meu sono. Com o coração na minha garganta, eu joguei os lençóis de lado e me arrastei para baixo. O nevoeiro estava espesso lá fora em todas as janelas, e tudo que eu podia ouvir eram incessantes assobios enquanto a névoa úmida rastejava ao longo das telhas, do telhado, das vidraças. Fiz uma pausa fora da porta do quarto de Darcy, meu pulso batendo nos meus ouvidos, e a abri. Sua cama estava vazia. — Pai? — eu gritei. Atravessei o corredor e abri a porta dele. Não havia ninguém lá. Outro barulho, desta vez mais perto. Eu me virei e corri para baixo. — Pai? Darcy? Foi quando eu ouvi a risada. Eu gritei com toda força dos meus pulmões e me lancei para a porta da frente. Minhas mãos tremiam enquanto eu forçava as fechaduras e corri para fora, para o terraço. A neblina estava tão espessa que eu poderia ter segurado na minha mão. Tudo o que eu podia ouvir era o assobio. O assobio e o som da respiração irregular. — Por favor, não — eu gemi baixinho. — Papai? Me ajude. A névoa rodopiava morta em frente, e foi quando eu vi seus corpos, todos alinhados em uma fileira pequena e arrumada. Darcy com a parte de trás de sua cabeça ferida. Meu pai com a perna quebrada, sua garganta cortada. E Olive. Olive estava... quase irreconhecível. — Não! — eu gritei, afastando-me deles. — Nããããããããão. Eu esbarrei em alguém, e uma mão seca desceu sobre a minha boca. — Sentiu minha falta?
***
Sentei-me em linha reta na minha cama com um estalo ensurdecedor de um trovão acompanhado de um clarão de relâmpago. Lutando para respirar, eu coloquei minha mão sobre minha barriga, que estava dolorida. Agarrei os lençóis com a outra mão e segurei a respiração até que diminuísse a dor. — Foi apenas um sonho — eu disse em voz alta. — Apenas um sonho. Lentamente, eu deitei de novo no meu travesseiro encharcado de suor. Este era o inconveniente de estar no terceiro andar. O isolamento aqui não era tão bom, e eu tinha certeza que eu estava ouvindo cada gota de chuva, cada estrondo, muito mais claro do que Darcy ou meu pai. Levantei-me, peguei meu iPad da mesa, e o levei para a cama. Eu tentei várias vezes hoje e ainda não tinha sido capaz de conseguir qualquer sinal, mas não ia doer tentar novamente. Eu tinha que pelo menos verificar os sites de notícias e descobrir se havia alguma informação nova sobre Steven Nell. Talvez eu estivesse sendo paranoica. Talvez eles o pegaram. Talvez amanhã nós poderíamos ir para casa. Mas quando eu cliquei no navegador e ele abriu, não havia nada além de uma tela em branco e uma roda colorida girando. Suspirei e desliguei o iPad. Rolando sobre meu estômago, eu olhei pela janela enorme, observando os raios sobre o oceano. Cada raio irregular iluminava bolsões de ondas, esburacados pela chuva conforme a água se enfurecia e enervava. Inspirei e expirei, inspirei e expirei, e lentamente o pesadelo desapareceu. De repente, ouvi um grito, e quando o céu se iluminou mais brilhante ainda, eu pude distinguir quatro silhuetas na água, segurando pranchas de surf. Subi de joelhos e me inclinei para frente. As pessoas estavam surfando nessa confusão? Eles estavam loucos? Duas das figuras viraram em direção à costa e começaram a remar furiosamente. Eles pularam nas pranchas em seus pés e subiram uma onda maciça, lado a lado, até que um deles caiu para a frente, de cara na água. Minhas mãos voaram para cobrir minha boca e ficaram lá até que ele apareceu mais uma vez. Ele meio nadou, meio cambaleou para a costa, onde seu amigo cumprimentou-o com um aceno. Logo depois, outro dos quatro montou uma onda e se juntou a eles perto da areia. Chuva escorria por seus ombros, mas eles não pareciam se importar — como se eles pensassem que eram invencíveis. Eu os invejava. Eu costumava me sentir assim, e eu gostaria de voltar à isso. Relâmpagos brilharam novamente, e naquela fração de segundo eu os reconheci. Kevin, Fisher e Bea. Os três conversaram por alguns minutos
antes de todos se virarem para olhar para a água. Eu me virei para olhar também. O quarto surfista ainda estava lá. Ele remou passando por uma onda grande e agora estava sentado, com as pernas balançando casualmente em ambos os lados de sua prancha enquanto ele balançava para cima e para baixo sobre o mar agitado. Ele estava indo em direção ao horizonte, apenas olhando, com as mãos pousadas sobre suas coxas. Meu coração deu uma batida extra. Uma batida triste. Havia algo naquela figura solitária, algo na maneira como ele olhava fixamente, que lembrava solidão, tristeza, talvez até arrependimento. Então os caras na praia gritaram alguma coisa, e ele virou a cabeça, com o céu iluminando novamente. Minha respiração ficou presa. O rosto anguloso e os cabelos loiros molhados e casuais. Era Tristan. Por alguma razão, eu me joguei para trás na minha cama. No segundo que eu fiz, eu me senti tola. Não era como se ele fosse olhar para cima e me identificar. E mesmo se o fizesse, quem se importava? Eu vivia aqui. Eu estava autorizada a olhar para fora da minha janela. Além disso, ele tinha me espionado bastante. Seria um jogo justo. Arrastei-me para a frente com minhas mãos e joelhos e espiei pela janela novamente. Ele remou na frente de uma onda e disparou para cima em sua prancha. Fiquei maravilhada com o quão gracioso que ele era, quão fácil ele fazia aquilo parecer, equilibrando com os pés descalços sobre uma prancha encharcada, enquanto a chuva golpeava seu rosto. Finalmente, ele chegou com segurança em terra, colocou sua prancha debaixo do braço, e correu até a praia. Ele riu com seus amigos, batendo as mãos e balançando o cabelo molhado para trás de seu rosto. Eu pressionei meus lábios enquanto eu observava, e de repente uma lembrança me bateu tão forte que eu engasguei. Ontem à noite, Olive tinha deixado a festa com Tristan. Eu tinha visto eles saindo juntos na névoa. Isso não quis dizer nada para mim na hora, porque eles eram amigos. Porque ela gostava dele. Mas então me lembrei de como ele tentou ficar longe de mim esta manhã na loja. Será que ele sabia algo sobre Olive? Talvez todo esse tempo ele não tinha estado me espionado, mas espionado Olive. Talvez ele realmente fosse algum tipo de perseguidor obcecado, mas não o meu perseguidor sinistro e obcecado. Eu senti um frio agora, pensando em como eu tinha deixado ele me tocar. Como eu tinha deixado ele me confortar. Com os braços e pernas tremendo, eu me arrastei para mais perto da janela, observando como os quatro amigos bebiam cervejas e tilintavam garrafas. Tristan tomou um longo gole, depois inclinou a cabeça para trás e
sacudiu o cabelo longe de seu rosto, deixando a chuva cair sobre ele como se ele estivesse sendo limpo. Eu enrolei minha mão sobre o parapeito da janela, segurando apertado. Talvez o Sr. Nell não fosse a única ameaça lá fora. Talvez houvesse uma ameaça ainda maior muito, muito perto de casa.
33 DPJL Traduzido por Ivana
O
sol estava pairando sobre o oceano na sexta-feira de manhã quando eu fechei o meu moletom com capuz e sai pela porta da frente. O ar estava frio, e eu tremi enquanto eu olhava para a casa cinza do outro lado da rua. As cortinas ainda estavam fechadas. Olhei para a esquerda e para a direita. Não havia sinal de ninguém à espreita, mas por precaução, eu coloquei o capuz para cobrir o meu cabelo e desci correndo os degraus da frente. Lá fora no oceano, um veleiro cortava a água em direção ao horizonte. Gaivotas grasnavam, mergulhando em direção aos golfinhos. Em algum lugar, um conjunto de sinos de vento tocou feliz. Não havia nenhum zumbido. Nem risada. Apenas o som da minha respiração e a batida nervosa, mas determinada do meu coração. Eu acelerei na esquina e quase atropelei Aaron. — Oi! — disse ele alegremente. Ele tinha uma bolsa pendurada no ombro. — Eu achei que ia te encontrar em sua casa. Eu pisquei para ele. Seu rosto já estava se entristecendo quando eu finalmente me lembrei. — Nós íamos praticar surf de vela! — exclamei. — Você esqueceu — disse ele, mordendo o lábio inferior. — Eu sinto muito. — Eu levei as duas mãos na minha testa. — Há muita coisa acontecendo. Eu estou indo para a delegacia de polícia. Seus olhos se arregalaram. — Para quê? — É uma longa história, mas... minha amiga Olive desapareceu — eu disse a ele. — Olive? — ele questionou. — Já me encontrei com ela? Uma brisa fresca bateu no meu nariz enquanto o meu coração dava um baque extra-forte. Eu queria estender a mão e sacudir ele. Por que ninguém se lembrava de Olive? Mas então eu lembrei que apesar de haverem estado
nas mesmas festas, eles não chegaram a ser apresentados. Não havia nenhuma razão para ele se lembrar dela. — Eu acho que não. Eu a conheci quando eu cheguei aqui, e nós deveríamos sair para um café da manhã ontem, mas ela não apareceu — eu disse, começando a andar novamente. Ele me seguiu em sintonia ao meu lado. Eu não poderia dizer-lhe sobre as minhas suspeitas sobre Steven Nell, e eu não sabia como colocar em palavras o que eu sentia por Tristan. Em vez disso, eu torci minhas mãos e me forcei a manter isso simples. — Ela não ligou, ela não veio falar comigo. Eu só estou realmente preocupada. Eu estou a caminho da delegacia agora. — Ir à polícia não é um pouco extremo? — disse ele, sua bolsa batendo contra sua perna enquanto ele caminhava. — Talvez ela simplesmente se esqueceu de seus planos. Mordi a língua, desejando poder apenas dizer-lhe a verdade. — Eu sei. Eu acho que sou uma pessoa que acredita que “o-seguro-morreu-de-velho”. Chegamos ao topo da colina. Do outro lado da rua estava a fachada de tijolos do Departamento de Polícia de Juniper Landing. — Você não precisa vir comigo, se você não quiser — eu disse a ele. Ele pegou minha mão e apertou-a. — Não. Eu quero. Meu coração aqueceu, e trocamos um breve sorriso. Subimos os degraus de pedra em uma corrida leve e entramos. O ar estava gelado, graças ao ar-condicionado, e eu não pude deixar de notar o quão limpo estava tudo. O piso de mármore brilhava, o banco de madeira sob a placa de anúncio parecia recém encerado, e a placa de anúncio em si estava praticamente vazia. O único aviso nela era um anúncio para a noite de cinema na sala de atividades da biblioteca. Não haviam fotos de criminosos procurados, nenhum aviso sobre a segurança da noite, nem lembretes para renovar sua carta de motorista ou manter sua propriedade livre de perigos. Aaron abriu a porta de vidro para a sala principal e segurou-a para mim. Eu senti uma onda avassaladora de gratidão à ele por não me deixar sozinha, mesmo que ele pensasse claramente que eu estava exagerando. Encostado ao balcão de madeira não estava outro senão o meu habitante local favorito, Joaquin, vestindo uma jaqueta de capuz vermelho e conversando com quatro policiais fardados, que estavam em um círculo muito unido atrás do balcão. Havia uma caixa de donuts e um grande livro com capa de couro aberto entre eles. Quase parecia que Joaquin estava explicando alguma coisa para eles. Um oficial alto assentiu enquanto ouvia, e outro foi tomando notas. Então Joaquin deve ter dito algo engraçado,
porque todos riram, os olhos brilhando enquanto eles olhavam para ele, como se ele fosse o segundo Jesus Cristo. É claro. É claro que Joaquin era amigo dos policiais. Ele provavelmente trazia rosquinhas todas as manhãs para que eles ignorassem suas pequenas infrações, como fogueiras nas praias e menores de idade no Thirsty Swan. Meu coração caiu quando nós lentamente nos aproximamos. Como eu deveria dizer à polícia o que eu suspeitava, que Tristan tinha algo a ver com o desaparecimento de Olive, com seu melhor amigo bem ali? A porta finalmente se fechou atrás de nós, e todos olharam para cima. Joaquin sorriu, empurrando o livro em direção a um dos policiais, que rapidamente o fechou e colocou sob o balcão. Os policiais, por sua vez, dispararam olhares irritados, como se tudo o que Joaquin estava dizendo a eles fosse muito importante para ser interrompido. — Rory! — disse Joaquin, sacudindo seus olhos sobre Aaron com desdém. — O que você está fazendo aqui? Eu busquei a minha coragem e enfrentei os homens por trás do balcão. — Eu preciso falar com alguém sobre uma pessoa desaparecida — eu disse, ignorando Joaquin. Todos eles ficaram em silêncio. Um deles trocou um olhar com Joaquin, que engoliu a última de suas rosquinhas com uma mordida. O oficial era alto e robusto e parecia tão forte como uma rocha. Parecia um exfuzileiro naval — e não alguém que uma pessoa iria querer mexer. Eu poderia ter me sentido confortada por esse fato se ele não estivesse me dando um olhar como se eu fosse algo rançoso que ele tinha raspado da parte inferior da sua bota. — Bem-vinda ao Departamento de Polícia de Juniper Landing. Eu sou o Oficial Dorn — disse ele, como se não tivesse ouvido uma palavra do que eu havia dito. Ele pôs as mãos espalmadas sobre a mesa. — Agora, o que é isso de uma pessoa estar desaparecida? — Minha amiga sumiu — eu disse. — Fomos a uma festa juntas há duas noites atrás, e ninguém a viu desde então. Os lábios de Dorn se contraíram levemente. Joaquin limpou a garganta e fechou o topo da caixa de rosquinha, empurrando para longe. — Esta menina era uma local ou um dos nossos turistas? — perguntou Dorn. Algo dentro de mim se moveu. Por que ele usou a palavra era? — Ela é uma turista — eu disse. — Ela está ficando na pensão na Freesia.
— Ah, o lugar da Sra. Chen — disse Dorn com um grande sorriso. Seus dentes eram muito retos e brancos. — Boa senhora. Ela faz um ótimo pão com limão. Os outros oficiais riram e fizeram sons de concordância geral. Aaron e eu trocamos um olhar. Ok, ótimo. Ele estava tão irritado com este comportamento como eu estava. — Espere um minuto — disse Joaquin, esfregando suas mãos. — Você está falando de Olive? Meu espírito se iluminou imediatamente, e eu senti uma onda de gratidão para com ele que era totalmente incongruente com tudo o que eu sentia sobre o cara. Pelo menos alguém lembrava da existência de Olive. Pelo menos eu não estava totalmente insana. — Sim! — exclamei. — Você a conhece? — perguntou Aaron. — Sim, eu a conheço. É claro que eu conheço — disse Joaquin em um tom de “dã”. Ele se inclinou para o lado no balcão, apoiando-se num cotovelo e cruzando os pés. — Não se preocupe com Olive. Ela está bem. — Você sabe onde ela está? — perguntei. — Não, mas eu tenho certeza que ela está bem — disse Joaquin, abrindo a caixa de rosquinhas e casualmente se levantando. — Ela é Olive. O que diabos isso queria dizer? — Ela não está bem — eu disse. — Ela está desaparecida. — Ouça, senhorita — disse Dorn, claramente perdendo a paciência. — O que você disse a nós é que vocês duas foram a uma festa e ela não voltou para a Sra. Chen — disse ele, olhando para mim. Ele inclinou para trás para endireitar sua cintura e suspirou. — O que eu acho é que ela teve sorte e ficou com algum outro... amigo... — Então ele ficou rindo com seus companheiros. — Ou ela decidiu terminar suas férias e foi para casa. — Ela não foi para casa — eu insisti. — E como você sabe disso? — ele questionou. — Eu fui ao quarto dela. Todas as coisas dela ainda estão lá — eu disse. Dorn piscou, e o sorriso de Joaquin congelou no rosto. Os caras atrás dele sussurraram algo uns para os outros e, em seguida, um deles atravessou a sala, entrou em outro escritório, e fechou a porta. Meus dedos começaram a tremer. — Além disso, ela não pode ir para casa — eu pressionei. — Ela está brigada com sua mãe, e ela não pode ir até que ela faça as pazes com ela. — Olhei de soslaio para Joaquin, odiando ter que dizer isso na frente dele, que eu tivesse que deixar ele ouvir os segredos de Olive.
— Sabem de uma coisa? Eu tenho que ir — disse Joaquin de repente, olhando para um relógio na parede oposta. — Vocês podem desfrutar dos donuts — ele disse à polícia. Então ele olhou para mim e Aaron. — Até mais. Deixei escapar um suspiro de alívio com sua partida. Pelo menos agora eu poderia falar livremente sobre Tristan. Quando a porta se fechou atrás de Joaquin, o Oficial Dorn exalou alto. — Ouça, querida... Meu rosto ficou vermelho tomate. Querida? Sério? — Eu quero que você fale com Tristan Parrish — eu disse em voz alta. Eu não era geralmente assim em torno de figuras de autoridade, mas minha raiva e terror estavam, ironicamente, me deixando corajosa. — Ele foi a última pessoa que eu vi com ela. Houve um silêncio prolongado, e depois o Oficial Dorn e os outros dois policiais restantes caíram na gargalhada. — Tristan Parrish — disse Dorn, incrédulo. — O filho da prefeita. — Sim! — exclamei. — Talvez ele saiba onde ela está. — Nós não vamos interrogar o filho da prefeita — disse Dorn. Ele pegou sua xícara de café e tomou um gole casual. Mas a partir do canto do meu olho, eu vi um pequeno indício de um tremor em suas mãos. — Por que não? Só porque ele é o filho da prefeita? E se ele sabe de alguma coisa? — eu perguntei. — Eu não estou pedindo para você prendêlo. Eu só quero que você fale com ele. Finalmente, um dos outros policiais se aproximou para se juntar a nós. Ele era mais velho do que Dorn, mais baixo e mais feio. — Ouça, senhorita. As pessoas vêm e vão por aqui o tempo todo. Isso é apenas a maneira como são as cidades de veraneio. Agora, por que você e seu amigo não saem e vão desfrutar desta bela manhã que estamos tendo? — Eu estou dizendo que isso é diferente — eu disse estridentemente. — Alguma coisa aconteceu com ela. Eu posso sentir isso. O cara barrigudo cruzou os braços por cima de sua barriga. Ele me estudou pelo que pareceu ser para sempre. — Tudo bem, tudo bem. Se vai fazer você se sentir melhor, vamos enviar alguns oficiais para a praia e para as docas, para ver se alguém a viu, está bem? — ele disse. — Agora, vocês dois saiam daqui e vão se divertir. Vamos procurar a sua amiga. Aaron colocou a mão nas minhas costas, e eu relutantemente me virei para ir, mas no momento em que estávamos saindo, eu percebi uma coisa e corri de volta subindo os degraus.
— Eu nem sequer lhe disse seu sobrenome — eu anunciei assim que entrei pela porta. — Ou como ela é. Mas não havia mais ninguém atrás do balcão. O barrigudo, Dorn, os outros oficiais... todo mundo tinha ido embora.
34 VAZIO Traduzido por Matheus Martins
P
ara onde vamos agora? — Aaron perguntou quando eu passei por ele e corri escada abaixo. Meu rosto estava em chamas. Meu coração batia forte contra o meu crânio. Eu cerrei os dentes quando acelerei e atravessei o parque, me abraçando contra a brisa fria. — Eles não acreditam em mim? Ótimo. Eu vou conseguir uma prova — eu disse, furiosa. Fisher e Lauren estavam sentados na borda da fonte conversando, mas ambos pararam para olhar quando eu corri para eles, seus olhares duros e silenciosos. Eu quase tropecei quando eu tive um vislumbre do que Fisher estava usando. Colocado em um ângulo arrogante em sua cabeça havia um chapéu de palha moderno, um que eu reconheci muito bem. — Que diabos? — eu disse, parando de repente. Mesmo que estivessem a metros de distância, Fisher e Lauren se levantaram, como se tivessem ouvido o que eu disse, e começassem a se afastar em outra direção. Na borda do parque, Fisher colocou o chapéu em sua cabeça e segurou-o na frente dele, fora da minha linha de visão. — O que foi? — perguntou Aaron, assistindo eles irem. — Nada — eu disse, balançando a cabeça. Eu senti como se uma série de peças de um quebra-cabeça estivessem tentando se ajustar dentro da minha mente. Primeiro, o menestrel desapareceu e, em seguida, sua correia do violão aparece misteriosamente na casa de Tristan. Então, o cara loiro aparece na loja de departamentos sozinho, e agora o chapéu do seu namorado ausente estava na cabeça de Fisher. Será que os adolescentes locais estavam envolvidos em algum tipo de onda de crimes? Roubando acessórios aleatórios dos visitantes?
—
A menos, é claro, que o cara alto tinha dado o chapéu para Fisher. Talvez foi por isso que ele não estava com seu namorado ontem. Eles poderiam ter terminado. Ele poderia ter deixado o outro cara por Fisher. Exceto que eles pareciam tão felizes, com seus dedos mindinhos ligados, seus sorrisos verdadeiros. Eles poderiam ter realmente terminado assim do nada? — Rory? Você está começando a me assustar — disse Aaron. — Desculpe — eu disse, começando a andar novamente. — Eu estou bem. — Aaron se empurrou para me acompanhar enquanto eu atravessava a Main Street e virava à esquerda para a Freesia Lane. — Que tipo de prova que você está procurando? — ele me perguntou. Essa era uma boa pergunta. O que eu estava procurando? Provas do fato de que ela ainda não estava lá? Do canto do meu olho eu vi uma sombra em uma das janelas superiores de uma casa amarela, e eu andei ainda mais rápido. No parque, os balanços rangiam no vento crescente. Acima, nuvens cinzentas começavam a se reunir. — Eu não sei — eu disse a ele. Balançando a cabeça, eu abri a porta da frente. — Mas tem que ter alguma coisa. — Eu vou esperar aqui fora! — Aaron falou atrás de mim. — Apenas no caso de ela estar lá e vocês duas precisarem conversar! No caso de ela estar lá. Deus, seria tão surpreendente se ela simplesmente estivesse lá. Uma gota gorda de chuva se estatelou na parte de trás da minha mão quando cheguei ao corrimão do alpendre, e, de repente, eu estava na floresta. Gotas de chuva caíam de folhas molhadas e lisas. Havia lama como lodo sob minhas unhas. A dor no meu intestino era insuportável quando eu levantei a faca e balancei. A porta da frente abriu, e Joaquin saiu dela. Pisquei, forçando-me de volta ao presente. À realidade. Eu saltei os cinco passos para a varanda. — Que diabos você está fazendo aqui? — eu exigi. Ele olhou por cima do ombro e fechou a porta atrás dele, me forçando a ficar na varanda. — O que você está fazendo, me seguindo? — ele perguntou com um sorriso casual. — Não, eu não estou seguindo você — eu respondi. — O que você está fazendo aqui, Joaquin? — Eu só vim checar Olive — ele disse, virando as palmas das mãos, em seguida, cruzando os braços sobre o peito. — Você está certa. Ela não está aqui.
Meu coração caiu ligeiramente. Olhei para Aaron, que deu de ombros para mim a partir da rua, como se perguntasse “O que está acontecendo?” — Eu volto já! — eu gritei para ele, pegando a maçaneta da porta. — Ei, espere. Aonde você vai? — perguntou Joaquim, agarrando meu pulso. — Eu acabei de dizer que ela não está lá. Eu nunca gostei de Joaquin, mas esta era a primeira vez que eu sentia seu toque ser ameaçador. Minhas mãos ficaram úmidas quando a adrenalina correu quente nas minhas veias. — Eu não achava que ela estivesse aqui — eu disse a ele, tentando, sem sucesso, me esquivar de suas garras. — Eu só quero ver se consigo alguma prova de que algo aconteceu com ela. — Você não vai encontrar nada — disse Joaquin com um sorriso condescendente. — Você pode, por favor, tirar a sua mão de cima de mim? — eu perguntei, uma raiva quente fervendo sob a minha pele. — Ei, amigo! Acho que ela disse para você tirar a mão dela — Aaron gritou, começando a subir as escadas. Instantaneamente, Joaquin levantou as mãos em sinal de rendição. — Desculpe, cara. Não sabia que você era o guarda-costas dela. No momento em que eu estava livre, eu me empurrei para dentro, rasgando as escadas para o segundo andar, e abri a porta do quarto de Olive. Ele estava vazio. A cama estava feita, todos os cantos dobrados ordenadamente e os travesseiros arranjados perfeitamente. A mobília tinha sido encerrada e brilhava à luz do sol derramada através das janelas recém apagadas. Não havia papéis sobre a mesa, nem roupas na cadeira. Mesmo as flores frescas foram embora. Era como se Olive nunca tivesse estado aqui. Eu dei um passo hesitante no quarto. As janelas estavam fechadas e trancadas e o ar estava parado e sufocante. Eu olhei para o local onde seu violão tinha estado, como se eu pudesse fazê-lo reaparecer. Lentamente, eu andei ao redor da cama para a mesa. Corri meus dedos sobre a superfície, parando no lugar onde a carta para a mãe dela tinha estado. O silêncio era tão completo que minha respiração irregular soava como um trem de carga. Teria ela voltado, feito as malas e depois partido? Por que ela não tinha vindo me ver? Por que ela não disse adeus? Um grito soou perto, e me virei. A porta do guarda-roupa estava entreaberta e eu podia jurar que havia visto uma sombra deslizar para seu interior, fora de vista. Eu congelei no lugar. — Olá? Tem alguém aí? — eu disse, minha voz embargada de medo. Nada. Com os dedos trêmulos, eu alcancei a maçaneta de latão.
Outro rangido. Olhei para cima e vi a Sra. Chen parada do lado de fora. Deixei escapar um suspiro de alívio. Era só a dona da pensão. Claramente, minha mente estava brincando comigo. — Olá, Sra. Chen — eu disse. — Você sabe se... Ela estava tão parada que a bainha de seu roupão florido desbotado pastava as tábuas do assoalho, mas no momento em que eu falei, ela começou a se mover novamente, mais rápido do que eu teria imaginado. — Sra. Chen? — eu disse. Ela me ignorou, correndo as escadas para o terceiro andar. — Espere! Sra. Chen! — eu disse, indo atrás dela. — Onde estão todas as coisas de Olive? — A Sra. Chen parou em uma porta e se atrapalhou com seu enorme conjunto de chaves, com os dedos tremendo. — Ela mandou buscá-las — ela disse. — Ela mandou? — eu disse, meio aliviada, meio perplexa. — Quando? Para onde ela teria enviado? — Eu não sei. — Ela empurrou a chave na maçaneta da porta na frente dela. — Você precisa ir. — O que você está querendo dizer com você não sabe? — eu disse assim que ela abriu a porta e se moveu para dentro. Eu podia ver uma sala de estar pouco decorada atrás dela e pilhas de revistas amontoadas sob uma janela, tudo desde Mecânica Popular até a InStyle e a Cottage Home. — Você que empacotou tudo? — eu perguntei. — Alguém veio buscar ou você teve que enviar? — Não é da minha conta e você está invadindo — disse a Sra. Chen, já fechando a porta para mim. — Agora vá! — Não, espere! Sra. Chen! Eu só quero saber onde ela está. Eu quero saber se ela está bem — eu disse. A porta parou de fechar com centímetros de sobra. A Sra. Chen espiou, com os olhos lacrimejantes por trás de seus óculos de lentes grossas. — Ela está bem, senhorita — ela sussurrou, olhando para as escadas. Um calafrio passou por mim. Por que ela estava sussurrando? E o que ela quis dizer com bem? Então ela estendeu uma mão íngreme e apertou-a em volta do meu pulso. Sua pele era surpreendentemente quente, e eu senti uma agradável vibração quase reconfortante dentro do meu peito. — Ela... está melhor onde ela está. Agora vá. E então ela fechou a porta.
35 EXPLICAÇÃO Traduzido por Matheus Martins
Q
uando eu cambaleei descendo os degraus em direção à Aaron, tudo pareceu se inclinar. Eu agarrei o corrimão e fiz uma pausa, levando a mão até a testa, tentando respirar. — Ela ainda não está lá? — Aaron me perguntou. Eu balancei minha cabeça, não confiando em minha voz ou no que eu poderia deixar escapar, e comecei a passar lentamente por ele. Joaquin tinha ido embora, graças a Deus. Eu não tinha certeza se poderia lidar com ele agora. Por que ela mandou buscar suas coisas? Por que ela não poderia passar aqui e explicar? — Rory? Aonde você vai? — perguntou Aaron. — Para casa — eu disse, olhando para a calçada quando me virei para a direita e comecei a descer a colina. — Eu não me sinto bem. — Grande eufemismo. Eu sentia náuseas. E cansaço. E nervosismo. E confusão. Ele correu para me alcançar, colocando uma mão reconfortante no meu ombro. — Me deixe acompanhá-la. Eu me distanciei. — Obrigada, mas eu vou ficar bem — eu disse a ele firmemente. — Tudo bem — disse ele, segurando a alça de sua bolsa com as duas mãos. Ele continuou no centro da calçada enquanto me via ir embora, um olhar confuso e ligeiramente ferido no rosto. — Ei! Eu ia perguntar se poderíamos ir para os fogos de artifício juntos mais tarde! — Claro! — eu gritei de volta, principalmente para tirá-lo do meu pé. — Eu passo na sua casa às oito! — Ok! — eu gritei, acelerando o passo. Tudo que eu queria era sair da rua. Voltar para o meu quarto. Sentarme e pensar. Nada fazia sentido agora. Nem Darcy excluindo a existência
de Olive de sua memória. Nem Tristan e seus amigos me encarando constantemente. Nem os policiais desrespeitando completamente os meus medos. Nem Joaquin aparecendo na pensão ou a explicação da Sra. Chen de que Olive estava melhor onde quer que ela esteja agora. E o que era aquele quarto de armazenamento na casa de Tristan? Por que Fisher estava com o chapéu daquele cara? E o que todas essas lembranças de Steven Nell tinham a ver com tudo isso? Quando eu pisei no portão em frente da nossa casa, uma cortina se moveu em uma janela do outro lado da rua. Instantaneamente, toda a minha confusão e terror transformou-se em uma bola gigante de raiva, e tudo isso foi dirigido a Tristan. Ele sabia alguma coisa. Eu tinha certeza disso. E eu ia fazer com que ele me dissesse. Eu atravessei para o outro lado da rua até a porta da frente, e bati nela tão forte quanto eu pude. Dor irradiou pelos meus braços e pelos meus ombros, mas isso só me fez bater mais forte. Eu estava começando a me perguntar se a sua avó realmente morava lá. Se alguém realmente morava lá. Ou se ele estava se escondendo na casa para que ele pudesse ficar de olho em mim. Ou em Olive. Ou em todos. De repente, a porta se abriu, e lá estava Tristan em toda a sua bronzeada, loira e esculpida perfeição. Sua camiseta branca salientava o brilho do seu bronze, e quando ele empurrou seu cabelo dourado de seu rosto, ele caiu de volta onde ele tinha estado, pastoreando suas maçãs do rosto incríveis. Ele me olhou de cima a baixo com uma espécie de tristeza resignada no rosto. Estava claro que ele não estava surpreso por me ver. — Olá, Rory — ele disse. — Visitando a vovó? — eu disse sarcasticamente. Ele simplesmente me olhou, como se tal comportamento fosse abaixo de mim. E ele estava certo. Engoli de volta a minha humilhação. Eu estava aqui por uma razão. — O que você sabe? — eu exigi. — O que eu sei sobre o quê? — ele perguntou calmamente. — Olive — eu disse, irritada. — Onde ela foi depois da festa na sua casa? Onde você a levou? Seus olhos azuis escureceram. — O que fez você pensar que eu a levei a algum lugar? — Ele começou a passar por mim, mas eu o parei com a mão em seu peito. — Eu vi você sair da festa com ela. Ele fez uma pausa e olhou para os meus dedos. Eu não pude deixar de notar quão sólido era seu peito. Lentamente, trêmula, tirei minha mão.
Ele estreitou os olhos e piscou para o sol. — Nós não deixamos a festa. Saímos com alguns amigos para a falésia. — Naquele nevoeiro? — eu exigi. — Os visitantes sempre querem verificar o nevoeiro — ele disse, soando levemente divertido, como se nós, os turistas, fôssemos algum tipo de subconjunto menor e ignorante da humanidade. — E depois? — perguntei. Olhando nos meus olhos, ele deu de ombros. — Eu não sei — disse ele lentamente. — Era uma festa. Havia dezenas de pessoas lá. Eu não posso manter o controle de todos. — Sim, bem, ela sumiu — eu disse. — E até onde eu sei, você foi a última pessoa a vê-la. Tristan balançou a cabeça, olhando para algum ponto por cima do meu ombro. — Sinto muito. Eu não posso ajudá-la. — Ótimo! — eu disse, com lágrimas brotando de repente dos meus olhos. Ele olhou para mim, alarmado. — Assim como todo mundo nesta cidade confusa. O que tem de errado com vocês? Como é que ninguém se importa que as pessoas continuem a desaparecer? Eu levei a minha mão para a minha cabeça e me virei, chutando um plantador de madeira vazio perto da borda do degrau da frente. Eu esperava que Tristan se afastasse para evitar meu colapso, especialmente desde que estava tão claro que ele queria fugir antes mesmo de eu começar a chorar, mas ele estendeu a mão e a colocou no meu ombro. Seus dedos eram tão quentes que eu podia sentir seu calor através do tecido do meu moletom fino. Ele me puxou, me forçando a encará-lo. Seus olhos estavam brilhantes. — Você realmente quer saber? — Sim — eu disse, mantendo a minha voz baixa como a dele. — Eu realmente quero saber. — Não — ele disse com um aceno de sua cabeça, frustrado. — Não. Você precisa pensar sobre isso por um segundo, Rory. Olhe para mim. Olhe para mim e me diga. Você realmente quer saber? Eu olhei para ele, olhei-o nos olhos, e pensei sobre isso. Será que eu realmente queria saber o que tinha acontecido com Olive? Será que eu realmente queria saber o que estava acontecendo com a minha irmã? Será que eu realmente queria saber por que o cara que estava tocando no parque todas as manhãs parecia ter desaparecido? Será que eu realmente queria respostas para as minhas mil-e-uma outras questões, como por que ele estava me espionando? Por que Joaquin e Krista pareciam obcecados por
mim? E eu estava louca pensando que Steven Nell estava me deixando alucinada, me provocando com presentes? Olhei em seus belos olhos azuis caribenhos, e de repente algo se abriu dentro de mim. Começou pequeno, como um pontinho de dúvida profundo dentro do meu peito. Mas rapidamente cresceu. Tornou-se um buraco grande, largo, escancarado, preto e vazio que congelou meu sangue dentro das minhas veias. O mundo à minha volta pareceu acalmar e escurecer, todas as cores silenciaram, todos os cheiros azedaram. Meu coração batia tão forte que eu senti como se estivesse perdendo os sentidos. Eu tive uma súbita sensação de que a calçada estava inclinando para trás abaixo de mim. Foi como se o chão estivesse se abrindo, ameaçando me engolir inteira. Sufocando um grito, eu agarrei a mão de Tristan para não escorregar para o abismo. No segundo que seus dedos se fecharam ao redor dos meus, o mundo voltou ao foco. Som, olfato, visão, tudo voltou rapidamente. As aves piaram em uma árvore na floresta próxima, alguém em algum lugar estava cortando seu gramado, o cheiro de bacon frito flutuava no ar através de uma janela da cozinha aberta. Eu poderia respirar novamente. Tristan se aproximou de mim, quase como se ele estivesse me puxando para um beijo, mas parou a centímetros da minha boca. Ele parecia triste. Ele parecia arrependido. — Ouça — disse ele em voz baixa. — Olive tem alguns problemas. Eu pisquei. — Que tipo de problemas? — Problemas com... vício — ele disse. — O quê? — eu recuei um passo. Ainda assim, ele manteve o controle sobre meus ombros. — Que tipo de vício? Tristan engoliu em seco. Ele olhou para a calçada por um segundo, em seguida, de volta para os meus olhos. Alguma coisa estava diferente agora. Ele parecia menos seguro de si. — Ela está bem agora — ela tem que se manter limpa — mas eu sei que ela realmente queria fazer as pazes com sua mãe — disse ele. — Isso é o que ela foi fazer. Ela está bem. Na verdade, ela está mais do que bem. Ela está... seguindo em frente. O rítmico zumbido do cortador se aproximava, cantarolando dentro dos meus ouvidos. De repente, eu me lembrei do que Olive tinha me dito no dia da nossa corrida. Que ela tinha conseguido melhorar. Ela deve ter querido dizer que ela tinha melhorado de seu vício. E, em seguida, na outra noite na festa, quando eu tinha ficado tão ofendida por ela ter pensado que Darcy estava usando drogas... eu tinha ofendido ela. Eu tinha ofendido com
o meu choque e desgosto, porque ela mesma era uma viciada. Ela disse que seu amigo tinha desmaiado graças à heroína. Deve ser por isso que ela sempre usava mangas compridas, por que ela fazia questão de encobrir seus braços. Ela estava encobrindo marcas de agulhas. — Eu sou tão estúpida. — Eu respirei fundo, fechando os olhos enquanto uma onda de vergonha tomava conta de mim. Quando eu os abri novamente, Tristan ainda estava lá, ainda me segurando, ainda estudando meu rosto. — Ela te contou isso? — eu perguntei, sentindo-me quase com inveja. Olive claramente se sentia mais próxima de Tristan do que ela se sentia de mim. — Era algo que falávamos a respeito — respondeu ele. — Mas por que ela não me disse que estava indo embora? — eu perguntei, minha voz embargada. — Por que ela ao menos não disse adeus? — Tenho certeza que ela teve suas razões, mas o ponto é que tudo vai ficar bem — disse ele com firmeza. — As pessoas vêm e vão por aqui o tempo todo. É apenas o jeito como as coisas são em cidades de veraneio. Eu me acostumei com isso, e você também vai. — Você soa exatamente como os policiais — eu disse com escárnio. Eu me virei, me libertando de suas garras, e sentei-me no degrau mais alto. Tristan sentou ao meu lado, nossas coxas se tocando. — Você foi até a polícia? — ele perguntou, surpreso. — Bem, o que mais você faz quando sua amiga desaparece? — eu perguntei. Tristan olhou para a rua, em direção ao oceano, com um pequeno sorriso divertido. — Deve ter sido interessante — disse ele em voz baixa. — O quê? — eu perguntei. — Oh, nada — respondeu ele. — É como nós dissemos no outro dia. Nada de ruim acontece por aqui. Eles provavelmente não sabem o que fazer com você, certo? Deixei escapar uma risada silenciosa. — Praticamente. — Vai ficar tudo bem — disse Tristan com confiança, colocando uma mão reconfortante nas minhas costas. — Vai? — eu disse. — Vai — ele respondeu, virando-se para olhar para mim. Enquanto eu olhava para seus olhos firmes, a terrível sensação de aperto ao redor do meu coração começou a diminuir. Quem era eu para pensar que depois de três dias de amizade eu merecia uma explicação ou até mesmo um adeus? Olive não era do meu mundo, e ela
claramente tinha problemas que eu não podia sequer começar a entender. Era perfeitamente razoável supor que ela era o tipo de pessoa que fugia, e se ela tinha ido para casa para fazer as pazes com sua mãe, bom para ela. Justo então, Joaquin apareceu no final da calçada. Eu nem tinha notado ele virar para a rua. — Tudo bem? — perguntou ele, inclinando-se de um lado casualmente no poste. Empurrei-me de pé, ainda irritada com a forma como ele me tratou na pensão e riu de mim mais cedo. — Eu já estava de saída. — O que eu fiz? — perguntou Joaquim, erguendo as mãos quando eu empurrei mais o portão para passar por ele. — Como se você não soubesse — eu respondi. — Rory, espere — disse ele, pegando meu pulso, mas muito mais suave desta vez. Ele olhou significativamente para Tristan, mas eu não tinha ideia do que ele estava tentando comunicar. — Precisamos contar algo para você. — Eu acabei de dizer a ela, cara — disse Tristan, levantando e empurrando as mãos nos bolsos. Joaquin piscou, com um aborrecimento piscando em seu rosto. — Você contou? — Sim. Sobre o problema com drogas de Olive — Tristan respondeu, seu tom pontual. Joaquin deixou meu pulso cair e cruzou os braços sobre o peito. — Não é disso que eu estou falando. Tristan correu descendo os degraus e atravessou a calçada em duas longas passadas. — É sim. — Não. Não é — disse Joaquin com uma risada sarcástica. Meu pulso disparou com curiosidade. Por um segundo, eles apenas encararam um ao outro. As narinas de Joaquin queimavam. A respiração de Tristan aumentou gradativamente. — Será que um de vocês pode me dizer o que diabos está acontecendo? — eu exigi. — Precisamos conversar — Tristan disse a Joaquin com os dentes cerrados. — Em particular. Ele virou-se e caminhou de volta para a casa. Depois de hesitar por um longo momento, Joaquin o seguiu. Eles ficaram sob a sombra de uma laranjeira, suas cabeças inclinadas e próximas enquanto eles discutiam em voz baixa. Eu tentei ouvir, mas o zumbido do cortador de grama agora estava irritantemente perto e eu podia ouvir apenas algumas palavras.
— Mas ela me viu na delegacia com... — Não importa! Ela não é... — E então Krista estava no meio de... — Eu estou dizendo a você, eu tentei e ela não pode... — Tudo bem! — Joaquin disse de repente. — Você quem manda, menino de ouro. Ele virou-se e correu voando para mim, com o rosto contorcido de raiva, mas parou na calçada e pareceu tomar uma decisão. Ele colocou as duas mãos sobre os meus ombros e inclinou-se perto do meu ouvido. Eu estava tão assustada que quase recuei, mas seu aperto me segurou firme no lugar. — Rory, se você quiser saber alguma coisa... se você tiver qualquer pergunta sobre tudo... venha me ver, ok? — Ele se inclinou para trás para me olhar nos olhos, e pela primeira vez o brilho superior tinha ido embora. Ele era todo sinceridade. Meu coração bateu com surpresa. — Qualquer coisa — disse ele. — Entendeu? Eu balancei a cabeça lentamente, perplexa e intrigada. — Entendi. Ele me soltou e atirou a Tristan uma espécie de olhar desafiador e triunfante antes de virar e começar a correr rua acima. Virei-me para perguntar a Tristan o que era aquilo tudo, mas ele já tinha ido embora. Tudo o que eu vi foi a porta da casa cinza se fechar com um baque retumbante.
36 A BRIGA Traduzido por Matheus Martins
E
le provavelmente se esqueceu que tinha me dito que ia me pegar — Darcy teorizou mais tarde naquela noite, puxando as longas mangas de seu suéter branco sobre suas mãos enquanto caminhávamos até o caminho íngreme em direção ao penhasco onde veríamos os fogos de artifício. O sol estava afundando rapidamente no oeste, e uma brisa fresca nos fazia estremecer. — Em um momento estávamos apenas falando em nos encontrarmos no penhasco. Aposto que ele apenas se confundiu. — Tenho certeza de que você está certa — disse Aaron. — Ele vai se sentir como um idiota estúpido quando você contar a ele. Ou ele realmente é um idiota estúpido. Mas eu decidi manter minha boca fechada. Eu queria me divertir hoje à noite, e isso significava não brigar com Darcy. Aaron parecia tão adorável em uma camisa de rúgbi listrada branca e azul e short bege, seu desleixado cabelo castanho agitava contra o vento. Ele me fez desejar que Joaquin fosse gay, assim Aaron teria uma chance e Darcy poderia seguir em frente. — Ei, obrigado. Você está bonita, também — disse Aaron, de repente, atirando o braço por cima dos meus ombros. Corei. — Como você sabia o que eu estava pensando? — Nunca perco um olhar de admiração, especialmente quando se está focado em mim — ele respondeu com um sorriso. — Mas eu estou falando sério. O vestido ficou bem em você. Você deveria usar vestidos mais vezes. Olhei para o vestido que eu tinha pegado emprestado de Darcy, com suas mangas e uma saia gritante que fazia cócegas em minhas coxas enquanto caminhávamos. Eu até abandonei a trança, indo com um rabo de cavalo baixo ao invés. Todo o traje me fez sentir mais leve de alguma forma. Mais livre. — Talvez eu use — respondi.
—
Conforme chegamos ao topo do penhasco, a multidão de moradores e visitantes com bronzeados frescos ficava a vista, tomei uma respiração profunda de ar floral e suspirei. — Feliz por ter vindo? — perguntou Aaron, dando-me um aperto. — Definitivamente. Caminhamos em direção ao mirante no centro do afloramento. A maioria das pessoas parecia estar se reunindo perto dos degraus, e conforme chegamos mais perto, vi o porquê. Havia uma grande mesa oferecendo bandejas de cupcakes, cookies e barras de frutas. Um casal estava perto dos coolers com limonada e chá gelado. Um pouco além do mirante, vi a casa de Tristan, localizada no ponto mais alto da ilha, a bandeira americana balançando na brisa. Eu me vi de pé ali naquele dia que Olive e eu tínhamos ido para uma corrida juntas — me vi olhando para esse mirante, sentindo, ainda que brevemente, que tudo estava bem no mundo enquanto eu esperava ela me alcançar. Eu me perguntei onde Olive estava naquela noite, e eu esperava que, onde quer que ela estivesse, que ela estivesse se sentindo assim agora. — Por que vocês não encontram um lugar para nos sentarmos e eu pego um pouco de comida para nós? — Aaron sugeriu, entregando-me a manta xadrez que ele tinha trazido. — Isso soa bem. Darcy? — perguntei. Ela estava em pé na ponta dos pés, esticando o pescoço, procurando pela multidão. Revirei os olhos e agarrei-lhe a mão. — Vamos — eu disse. — Deixe os caras virem até você, lembra? Ela suspirou, trazendo os calcanhares de volta à Terra. — Eu disse isso? Caminhamos ao redor do mirante e vi que as pessoas estavam nas cadeiras e mantas de frente para a água. Desdobrei a nossa manta, e Darcy me ajudou a achatá-la na grama. Nós nos sentamos perto uma da outra, e eu inclinei minhas mãos para trás. — Que pena que papai decidiu escrever esta noite — eu disse com um suspiro. — Ele costumava amar fogos de artifício. — Pois é. Correr, escrever, pedir desculpas... é como se os últimos cinco anos nunca tivessem acontecido — respondeu Darcy. Ela sentou-se sobre os joelhos, a bunda dela se inclinou para trás em seus pés, examinando a multidão. — Estranho, não é? — eu disse, aquecendo o tópico. Darcy e eu quase nunca falávamos a sério sobre qualquer coisa. — Você acha que ele vai...
— Sinto muito. Eu não posso simplesmente sentar aqui — interrompeu Darcy. — Eu aposto que ele está procurando por mim. Eu gemi. Tanta coisa para isso. — Então deixe-o encontrar você — eu sugeri. — Não era a mamãe que sempre dizia que se você se perder, a melhor maneira de ser encontrado é ficando parado em um só lugar? Darcy mordeu o interior de sua bochecha. — Ela disse isso. — Ela respirou fundo, e por um segundo eu pensei que ela estava prestes a relaxar, mas em vez disso ela saltou sobre seus pés. O céu tinha escurecido para um roxo profundo, e as pessoas estavam começando a se mover a partir do mirante, se aproximando de nós. — Eu vou dar uma olhada rápida na multidão. — Darcy — eu disse, empurrando-me para cima. — Olhe para si mesma. Essa não é você. Por que você vai perder tempo com alguém que está claramente descartando você? Seus olhos verdes brilharam. — Eu não posso acreditar que você acabou de dizer isso para mim — disse ela, cruzando os braços sobre o estômago. Eu tentei pensar em alguma maneira de retirar o que eu disse, mas já era tarde demais agora. E, além disso, eu estava certa e ela precisava ouvir o que eu pensava. — Sinto muito, mas acho que Joaquin é um conquistador, eu só não quero que você se machuque — eu disse a ela. — Se você se importa tanto em não me machucar, então talvez você deva parar de flertar com ele na frente de todos — ela cuspiu. — O quê? — eu disse, com meu rosto em confusão. — Oh, por favor! Largue a atuação de inocente, Rory! — ela gritou, jogando os braços para cima e deixando-os cair para baixo em seus lados. Eu vi um casal de transeuntes sussurrar sobre nós, mas eu não poderia ter me importado menos. — Primeiro, eu vejo vocês se abraçando, então hoje de manhã ele está sussurrando em seu ouvido na frente da casa? Você gosta dele, Rory! Admita! — Você passa todo o seu tempo me espionando da sua janela? — eu atirei de volta. — E para sua informação, eu não pedi a ele para fazer qualquer uma dessas coisas! — Ah, não? Bem, e quanto a Christopher? Você pediu a ele para terminar comigo, ou foi tudo ideia dele, também?
Um único fogo de artifício estourou acima, uma branca explosão brilhante anunciando o início do show. Todo mundo em torno de nós gritou e aplaudiu. Darcy e eu simplesmente ficamos ali, nos encarando. Ela sabia sobre Christopher. Ela sabia. Eu senti como se o penhasco estivesse lentamente se desintegrando sob os meus pés. — Como... como você... a quanto tempo você sabe? — eu gaguejei. — Oh, só desde o dia em que o ouvi pedindo para você ir ao baile de inverno com ele — ela atirou de volta, inclinando-se na cintura. Outro fogo de artifício explodiu, seguido por uma série de estalos alegres. Eu balancei minha cabeça, completamente desnorteada. Christopher e eu tivemos essa conversa em nossa casa depois da escola. Darcy estava no treino de líder de torcida, onde ela estava todos os dias. Ou onde ela deveria estar. — Você estava lá? — eu perguntei humildemente. — Eu disse a treinadora Haskins que eu não estava me sentindo bem e fui para casa. Eu estava tendo um monte de problemas para dormir, no caso de você não se lembrar — ela disse amargamente. Ela estava tendo problemas para dormir, porque ela estava chorando praticamente sem parar durante as 48 horas desde que Christopher tinha terminado com ela. Eu ainda me lembrava de estar deitada na cama, contando os adesivos de estrelas que eu tinha pregado no meu teto na quarta série, agarrando meu cobertor ao meu peito enquanto eu a ouvia soluçar. — Mas, se... se você estava lá, então você sabe que eu recusei — eu gaguejei. — Você... você sabe que eu disse a ele que não podia fazer isso com você. Darcy soltou uma risada tensa quando todo mundo começou a dizer Ooooaah e Aaahhh sobre uma série barulhenta de fogos de artifício. — Oh, sim, eu ouvi. E muito obrigada por sua piedade — disse ela, com lágrimas escorrendo pelo rosto, cortando linhas através de sua maquiagem cuidadosamente aplicada. — Isso é apenas o que toda garota quer. Ouvir o amor de sua vida implorando para sua irmã mais nova e estúpida para estar com ele e ouvi-la dizer que não para poupar os sentimentos dela. Muito obrigada, Rory. E eu acredito que tudo isso aconteceu depois de você ter passado uma tarde inteira ficando com ele? Eu definitivamente me lembro dele dizendo algo sobre isso. Uma enorme bola molhada estava sufocando o meu suprimento de ar. — Vocês já... vocês já tinham terminado.
— Oh, nós já tínhamos terminado! — Ela jogou as mãos para cima. — Uau! Muito obrigada por dar ao nosso relacionamento de dois anos oito horas para esfriar. Eu levei as minhas mãos para a minha testa por um segundo, tentando recuperar o fôlego, tentando organizar meus pensamentos. Quando eu olhei para ela novamente, havia lágrimas nos meus olhos. — Darcy... — Não. Você não tem permissão para olhar para mim desse jeito. Eu estou indo me encontrar com Joaquin, e se você não gosta disso, ou se você não gosta dele, então ótimo — disse ela. — Pelo menos isso significa que você não vai tentar roubá-lo também. Então ela se virou e cortou no meio da multidão, praticamente empurrando Aaron e seu prato cuidadosamente equilibrado de guloseimas fora de seu caminho. — O que está acontecendo? — ele perguntou, mergulhando para baixo para colocar a comida em nossa manta. — Onde Darcy esta indo? — Ele inclinou a cabeça com preocupação antes de dar um olhar mais atento sobre o meu rosto. — Rory, por que você está chorando? — Eu tenho que ir atrás dela — eu disse. — Agora? — Ele fez um gesto para o céu que ficava azul, depois roxo, e, em seguida, ouro brilhante. — Eu sei, mas... é coisa demais para explicar. Eu só tenho que falar com ela — eu disse. — Você me ajudaria? — É claro — disse ele. — Me siga. Ele pegou minha mão e a puxou por uma pequena abertura no meio da multidão. Minhas costas roçaram uma jaqueta jeans, e eu tropecei na perna de metal de uma cadeira de gramado quando eu me agarrei a seus dedos. O céu pareceu escurecer no segundo em que mais pessoas se amontoaram e os fogos de artifício estouraram, transformando os rostos desconhecidos em torno de mim em azul, depois roxo, depois vermelho. — Você a viu? — eu perguntei a Aaron. — Ainda não — ele gritou para ser ouvido sobre o show. — Ela estava procurando por Joaquin? Talvez devêssemos encontrar ele, e então vamos encontrá-la. Virei-me para andar para trás, deixando-o esculpir um caminho para mim. O menino ruivo da festa de Tristan apareceu perto do mirante, conversando com uma menina com óculos de lentes grossas. O loiro da loja de armazenamentos estava de costas para a treliça do mirante, ainda sozinho, enquanto observava o céu. Uma chuva de faíscas brancas iluminava
o mundo, e eu vi Bea, Lauren, Fisher e Kevin inclinando-se para a grade do mirante alguns passos acima. Meu coração parou. Havia uma centena de pessoas no meio da multidão, mas cada um dos quatro moradores estavam me observando. Eu torci minha mão na de Aaron e empurrei meu caminho para o mirante. — Vocês viram Darcy? — eu exigi. — Quem? — perguntou Fisher. — Minha irmã! Darcy — gritei. Todos olharam para mim sem entender. Eu senti como se quisesse arremessar algo neles. Algo seriamente pesado. — Deixa pra lá. Onde está Joaquin? — Não sei — respondeu Kevin. Ele deu de ombros, então virou as costas para mim e os fogos de artifício, encostando a bunda na grade. — Não o vi. — Bem, se vocês vê-lo, vocês podem... Alguém me empurrou por trás, e eu me virei, esperando que fosse Darcy. Em vez disso, eu peguei um vislumbre de uma jaqueta de veludo cor de canela pouco antes de ela ser engolida pela multidão. Meu sangue gelou nas veias. — Não — eu disse baixinho. Era ele. Ele estava aqui. Corri atrás do casaco. A multidão era grossa e pressionava em torno de mim. Uma menina com uma toca de porco olhou para mim quando eu pisei na ponta do seu pé, e um cara musculoso em um moletom me xingou quando eu lhe dei uma cotovelada na costela para passar. O céu brilhava rosa. Eu me virei, examinando a multidão para ter um vislumbre da jaqueta de veludo. Uma brecha surgiu no meio da multidão, e lá estava ele, bem a frente. Aquela cor feia de vomito. Aquela calça grande e horrível. Engoli em seco quando o homem que a usava virou a cabeça, e eu vi sua silhueta em perfil. Ele usava óculos. Óculos de aros de arame. Ele se afastou de mim, e seu ritmo estava acelerado. — Steven Nell! — gritei no topo dos meus pulmões. Ele congelou. E então ele realmente começou a se mover. Com o coração na minha garganta, eu me mantive acotovelando por entre a multidão e persegui Nell. Minha manga pegou o botão de alguém e rasgou. Empurrei um cara em uma camisa xadrez com tanta força que ele bateu os joelhos no chão. Meu tornozelo pegou uma perna esticada, e eu voei para a frente e caí no colo de uma menina magra.
— Desculpe — eu murmurei, arremessada sobre ela. Ele estava perto da borda da multidão agora, voltando para a cidade. Ele estava tentando fugir. Mas, então, um grupo todo de meninas em minissaias e tops minúsculos caminharam na frente dele, de braços dados, fofocando, rindo e se divertindo, e ele foi forçado a parar. Ele estava a metros de distância. Centímetros. Eu estava bem perto. — Onde ela está? — eu gritei, minha mão caindo sobre seu ombro. Ele virou-se de frente para mim, e eu senti meu coração explodir. Acnes vermelhas e irritadas pontilhavam sua bochecha direita. Uma pequena cicatriz cortava a carne sobre seu lábio. Sua testa larga estava pontilhada com suor e os óculos não tinham armações de arame, mas sim grossas e azuis. Não era Steven Nell afinal de contas. — O quê? — disse o rapaz, erguendo as palmas de carne branca. — O que eu fiz? Eu senti meu estômago revirar, e me esforcei para não vomitar em seus Nikes brancos. — Sinto muito. Eu... eu pensei que você fosse outra pessoa — eu disse a ele. — Tanto faz — disse ele, balançando a cabeça. Então ele fungou, murmurou “maluca” baixinho, e voltou para a cidade. Eu empurrei minhas mãos no meu cabelo e me forcei a respirar. Talvez eu estivesse louca. Talvez Darcy estivesse bem. Ela provavelmente estava com Joaquin agora, beijando a noite toda. Talvez eu devesse me acalmar. Voltei para a multidão, com a intenção de encontrar Aaron e ficar com ele durante a noite. Houve um breve momento de silêncio entre explosões de fogos de artifício, e então ouvi um grito. O grito de Darcy. Seu grito quando o caminhão bateu em nosso carro. Quando ele bateu na cabeça dela. Seu cabelo emaranhado em seu rosto, seus dedos pálidos espalhados sobre a sujeira. Seu pulso ainda quente, mas sem pulso. Outro fogo de artifício estourou, e meu coração bateu dentro da minha caixa torácica. — Darcy! — eu gritei para as pessoas na minha frente. — Darcy! Onde você está? Me responda! Algumas pessoas perto da borda traseira da multidão atiraram-me olhares irritados. Lentamente, eu me virei em um círculo, tentando abafar o som da minha respiração, as batidas do meu pulso em meus ouvidos, esperando ouvir outro grito, algo que iria identificar sua localização para mim. Tudo piscava rapidamente. Árvores, luzes, mirante, oceano, fogos de
artifício, multidão, rochas, telhados. Árvores, luzes, mirante, oceano, fogos de artifício, multidão, rochas, telhados. Uma e outra e outra vez, eu girei ao redor, mas não vi Darcy. Eu parei de girar e apertei minhas mãos em meus olhos, esperando que o mundo parasse de girar. À espera de algum som, alguma pista. Mas não havia nada. Nada, mas além das explosões de fogos de artifício acima, os gritos dos espectadores encantados. Quando eu finalmente abri meus olhos, eu me concentrei direto em uma coisa branca no chão a poucos metros na minha frente. Meu pulso saltou mil batidas. Corri e parei. Era o cardigã de Darcy. Estava pousado no chão ao lado de uma lata de lixo, enlameado com uma pegada de um homem pressionada em seu tecido que já fora intocável. Minha visão ficou turva. — Darcy? — eu choraminguei. — Darcy? Minhas mãos tremeram quando me inclinei para pegá-lo. Outro artifício explodiu, regando a cidade de Juniper Landing com faíscas vermelhas. — Darcy! — eu gritei o mais alto que pude. — Darcy, onde está você? De repente, as luzes da cidade entorpeceram, em seguida, foram extintas por completo. Dei um passo cambaleante para trás quando o ar ao meu redor começou a se mover, começou a rastejar em direção a mim. Em poucos segundos, o nevoeiro tinha chicoteado em torno de meus tornozelos e rodou até os joelhos. Eu ouvi a multidão atrás de mim gemer com a névoa espessa e cinza formando uma vedação entre nós e o céu, apagando os fogos de artifício. — Darcy! — eu gritei novamente. — Darcy, por favor, me responda! Em algum lugar ao longe, em algum lugar incrivelmente longe, ouvi um grito. Ouvi Darcy gritar. Minhas mãos estenderam-se para cobrir minha boca. Não havia nenhuma maneira de saber de onde o grito tinha vindo. Não havia forma de saber qual direção que eu tinha que tomar. Eu fiquei lá e ouvi, na esperança de outro grito, outro sinal, qualquer coisa. Mas tudo o que eu ouvi foi o bater do meu coração e o assobio incessante da névoa. Darcy tinha ido embora. E Nell tinha pegado ela.
37 IRMÃS Traduzido por Lua Moreira
A
o longo dos anos, ele havia aprendido que as irmãs não eram a mesma coisa. Não importava quão parecidas elas fossem, quão próximas na idade eram, que tivessem crescido na mesma casa sob as mesmas regras. Em sua experiência não havia quase nada sobre elas que era semelhante. Nem o seu cheiro, nem o seu gosto, e nem seu espírito. Muitas vezes, uma irmã era muito mais bem-sucedida, em termos coloquiais, do que a outra. Mais bonita, mais extrovertida, mais popular. Alguns teorizam que este era um simples acaso da natureza, mas não ele. Ele acreditava que era tudo por causa de uma guerra psicológica. As irmãs poderiam nem mesmo saber dessa guerra que estava sendo travada, mas sempre estava, e era frequentemente a segunda ou terceira nascida que sofria. Ela saiu do ventre fresco, cheia de esperança e propósito, mas foi rapidamente ensinada que ela não era especial, ela nunca mais seria a única, ela nunca seria tão boa ou tão amada quanto à primeira. E assim, ela recuou. Ela enrolou em si mesma. Ela encontrou uma maneira de sobreviver, mas não de brilhar. Rory Miller merecia ter uma chance de brilhar, mas, infelizmente, ela era a segunda filha. Talvez ela fosse lhe agradecer quando ela visse o que ele tinha feito para ela. Agradecer-lhe por dar-lhe a oportunidade que ela nunca teve, de ser a única, a estrela. Claro, ela teria um precioso e rápido momento para tomar seu lugar de direito na sua família, antes que ele a matasse, também.
38 AINDA NÃO Traduzido por Lua Moreira
A
lguém bateu no meu lado, e eu cambaleei para a esquerda, minha mão segurando o lixo de metal frio para me impedir de cair no chão. — Desculpe. Não te vi — disse uma voz de homem. A multidão estava se movendo em torno de mim, voltando para a cidade na névoa desorientadora. Alguém pisou no meu pé. Uma mão roçou meu quadril. Outra pessoa caminhou direto para a lata de lixo, quase a derrubando. Agarrei-me ao casaco de Darcy e virei-me ao redor, tentando encontrar alguém que eu reconhecesse, desesperada para fazer alguma coisa. Uma mão desceu sobre o meu ombro, e eu gritei. — Rory! Sou apenas eu! — Tristan segurou meus dois braços. Ele deu uma olhada em meus olhos e empalideceu. — O que há de errado? — Minha irmã — eu disse. — Eu não consigo encontrar a minha irmã. Joaquin e Krista se materializaram para fora da névoa, em pé logo atrás de Tristan. Joaquin estava vestindo uma camisa polo listrada vermelha e branca com a gola virada para cima, e todo o visual playboy-superior me fez querer bater nele. — O quê? — disse Joaquin, uma sombra cruzando seu rosto. — Ela saiu à sua procura depois que você deu um bolo nela! — eu falei, vomitando veneno da minha língua. — E agora ele está... Parei, mordendo minha língua. Eu não podia dizer-lhes sobre Steven Nell. Eu não tinha permissão. — E agora ela simplesmente desapareceu! — eu terminei. — Desapareceu? — perguntou Krista, alarmada. — E não me diga: “Ela é Darcy, ela está bem!” — eu gritei para Joaquin sarcasticamente, imitando sua voz. — E não se atreva a me dizer que as pessoas vêm e vão por aqui o tempo todo! — eu acrescentei, girando em torno de Tristan. — É da minha irmã que estamos falando. — O que está acontecendo? — perguntou Kevin.
Ele, Fisher, Bea e Lauren apareceram como que do nada, se reunindo em torno de Tristan, com suas expressões sérias. Ah, então agora que Joaquin estava oficialmente envolvido eles estavam dispostos a ajudar. — Darcy Thayer está desaparecida — disse Tristan. — Espere, tipo desaparecida desaparecida? — perguntou Fisher. — O quê? — perguntou Lauren. — Mas isso não é... — Nós sabemos — disse Joaquin, cortando-a. — Todo mundo, espalhem-se. Nós temos que encontrá-la. Fisher, você começa na praia. Kevin, você fica nas docas. Lauren e Bea, vocês vão para a cidade, e Krista... — Eu sei — disse Krista. — Eu estou dentro. Ela virou-se e saiu para o nevoeiro quando os outros desapareceram também, se movendo em todas as direções. A névoa se moveu e rolou antes de engoli-los por inteiro, um por um. Em algum lugar distante, o sino de um barco soou, o som silenciado pela espessura do ar. — O que está acontecendo? — perguntei. — Em quê Krista “está dentro”? Joaquin olhou friamente para longe de mim. — Olá? Você disse que eu podia te perguntar qualquer coisa, certo? — eu disse, agarrando-lhe o braço. — Então, o que ela sabe? Onde ela está indo? Meu peito estava prestes a estourar em frustração, mas Joaquin permaneceu em silêncio. Virei-me para Tristan. — Será que alguém poderia me dizer o que diabos está acontecendo? — Rory... — Tristan começou. — Cara, agora não é o momento — disse Joaquin em advertência, agarrando o ombro de Tristan. — Nós temos que ir. O rosto de Tristan corou. — Você deve estar brincando comigo. Agora você quer deixá-la de fora? É da irmã dela que estamos falando! Meu pulso batia em meus olhos. O que eles estavam falando? O que eles estavam escondendo de mim? — Isso é diferente, Tristan — disse Joaquin através de seus dentes. — Isso é o DEFCON1 UM. Alguma coisa está errada. A menina não estava pronta ainda. Temos que entrar. Temos de dizer-lhes o que está acontecendo. Você sabe disso. — Ele virou para mim, com a mandíbula abrindo e fechando. — Eu sinto muito, Rory — disse ele, com um tom de negócios. 1
DEFCON (Defense Condition): Escala de 1 a 5 utilizada pelo exército norte-americano para avaliar o seu nível de preparação para a guerra (5=estado de preparação normal, 1=estado de alerta máximo).
Então ele se virou e começou a andar na direção da casa de Tristan. Pelo menos, eu pensava que a casa dele estava naquele caminho. Na neblina, era quase impossível saber com certeza. Tristan olhou para mim e apertou os lábios, claramente desesperado para falar. Eu senti como se estivesse sendo dobrada ao avesso. — Vamos lá, cara — Joaquin disse, sua voz vindo de algum lugar profundo dentro do nevoeiro. Tristan deu um passo para trás, um passo de distância. — Sinto muito — disse ele. — Tristan, não. Não vá — eu implorei. — Por favor, diga-me o que está acontecendo. Eu sei que você quer. Apenas me diga! Ele balançou a cabeça. — Eu não posso — disse ele. — Ainda não. — O que significa “ainda não”? — eu chorei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Com um último olhar arrependido, ele se virou e se afastou de mim, o turbilhão de névoa ao seu redor. — Espere! O que significa “ainda não”? Tristan! Tristan, volte! Não me deixe aqui! Mas Tristan não voltou, e eu fui deixada sozinha no nevoeiro, segurando o casaco da minha irmã.
39 CANADÁ Traduzido por L. G.
E
u estava grudada aos calcanhares do meu pai quando ele empurrou as portas do Departamento de Polícia de Juniper Landing e se moveu rápido no lobby frio, tirando seu boné de beisebol dos Yankees de sua cabeça. — É a minha filha — ele gritou. — Ela... Nós dois paramos no meio do caminho, no centro da sala ampla. Havia cerca de cinquenta pessoas reunidas lá com jaquetas azul escuras em que se lia JUNIPER LANDING, e todos eles ficaram em silêncio e olharam. A maioria deles se reunia em torno do balcão, onde parecia que a polícia tinha estabelecido um mapa de algum tipo. Eu ouvi um barulho e, de repente, o mesmo policial corpulento daquela manhã saiu de trás do balcão, ajustando sua calça na parte de trás. — Você deve ser o Sr. Thayer — disse ele, estendendo a mão. — Eu sou o chefe de polícia Grantz. Nós já sabemos sobre a sua filha, senhor. Estamos montando um grupo de busca. Ele gesticulou ao redor da sala, e algumas das pessoas que nos rodeavam assentiram. Um homem com cabelo branco enfiou um pedaço de papel atrás das costas, e eu pensei ter visto nele um vislumbre do rosto de Darcy. Olhei em volta e vi rapidamente algumas outras pessoas enfiarem fotos em seus bolsos também. Onde eles tinham arrumado uma foto de Darcy? — Obrigado, mas não precisamos de um grupo de busca — disse meu pai com a voz rouca. — O que precisamos é chamar o FBI. Um murmúrio atravessou a multidão e rapidamente virou um barulho. Chefe Grantz olhou em volta nervosamente. — Vamos ao meu escritório para conversarmos, pode ser? O chefe agarrou o braço do meu pai e conduziu-o para trás do balcão. Eu o segui, sentindo dezenas de pares de olhos me seguindo enquanto ia.
Contornamos algumas mesas cuidadosamente organizadas no centro da sala e, em seguida, Grantz abriu uma porta, esperando por nós entrarmos antes de fechá-la atrás de si. O escritório do chefe era pequeno e quadrado, com uma mesa de metal no centro e um enorme emblema de metal com DP DE JUNIPER LANDING na parede atrás dele. Não havia armários, nem equipamentos de alta tecnologia. Nada além de um telefone e um portacasacos com um casaco e um chapéu pendurados. No centro da mesa estava a foto do último ano de Darcy da escola. Meu sangue gelou. Como eles haviam conseguido essa foto? Ninguém nesta ilha tinha aquela foto exceto, talvez, o meu pai, e se ele a tivesse estaria em sua carteira. O chefe me viu olhando para ela e empurrou-a em uma gaveta. Olhei para o meu pai, mas ele não pareceu notar que alguma coisa estava errada. Na sala ao lado, um par de vozes tensas brigavam, mas eu não conseguia entender o que eles estavam dizendo. — Não há nenhuma necessidade de alertar os federais, senhor — disse o chefe baixinho. — Sua filha sumiu há menos de uma hora. — Mas há uma razão — meu pai disse, atirando-me um olhar cauteloso enquanto apertava seu boné de beisebol nas mãos. — Minha família está aqui como parte do programa de proteção a testemunhas. Minha filha Rory foi atacada por um serial killer chamado Roger Krauss na semana passada e, tanto quanto sabemos, ele nunca foi pego. Há uma possibilidade de ele estar com Darcy agora. O homem olhou para nós. Houve uma pausa longa e arrastada, e eu senti que eu podia ouvir as engrenagens em sua cabeça trabalhando com esta informação. — Senhor, isso é altamente improvável. — Eu não me importo o quão improvável é! — meu pai gritou. — Eu quero uma ligação para eles, agora! O chefe de polícia deu um passo para trás e pela primeira vez na minha vida eu estava feliz que meu pai fosse tão assustador quando estava chateado. Na sala ao lado, algo bateu e houve um grito de surpresa. — Tudo bem. Tudo bem, então. Vou ligar para o meu contato do FBI. O homem foi até a mesa e pegou o telefone preto perto do canto. A briga na sala ao lado continuou cada vez mais alta, mais tensa, mas ainda ininteligível. — Vocês poderiam, por favor, esperar lá fora? — perguntou o chefe, olhando para a parede entre nós e a briga. — Não. Eu quero estar aqui — disse meu pai.
— Eu entendo senhor, mas eu receio que não seja o protocolo — disse o chefe, com a mão tremendo um pouco quando ele levantou o receptor. — Eu não posso ter civis na sala enquanto eu discuto um caso com o FBI. Meu pai soltou um suspiro de frustração, mas abriu a porta. Ele me deixou passar primeiro e, em seguida, a bateu, causando outra interrupção de som no lobby. Eu vi algumas pessoas olhando para nós sobre o balcão e virei de costas para eles. Dentro do escritório, Chefe Grantz começou a falar em voz baixa. — Eu sinto muito, Rory — meu pai disse, esfregando a testa com uma mão, sentado em um banco do lado de fora do escritório. Ele olhou para mim, com os olhos pesados. — Desculpa por não ter acreditado em você. — Está tudo bem — eu disse calmamente. — Eu nem sabia no que acreditar. Até agora. Ele pegou minha mão e a segurou. — Se eu a perder... — Eu sei — eu disse, minha voz cheia. — Nós não podemos sequer pensar nisso. — Eu respirei fundo. — Pai? Posso ver sua carteira? Suas sobrancelhas se uniram, mas ele estendeu a mão até o seu bolso traseiro. — Por quê? — Eu só quero ver uma coisa — eu disse. Abri a carteira de couro macio e enfiei a mão no bolso onde meu pai guardava fotos da família. Havia a minha foto do segundo ano, minha franja muito curta e meu sorriso muito grande, e logo atrás estava a foto de Darcy. Ela ainda estava lá. Ele não tinha perdido. Darcy não tinha pegado e dado a Joaquin. Ninguém tinha roubado para fazer cópias. Então, como diabos a polícia a tinha distribuído? A porta atrás de nós se abriu, e o chefe veio caminhando para fora. — Boas notícias. Não é Roger Krauss. — O quê? — eu arfei. Meu pai levantou-se, ainda agarrado à minha mão. As vozes na sala ao lado se elevaram. — Acabei de falar com o Agente Lawrence do FBI — disse o chefe, se endireitando em pé. — Ele disse que esse cara, Nell, partiu para o Canadá, e eles estão seguindo várias pistas dele por lá. Eles parecem pensar que estão chegando perto. Eles querem que você fique aqui por mais alguns dias até que eles o alcancem, mas eles me garantiram que o homem está longe de Juniper Landing. Deixei escapar um suspiro, alívio inundando através de mim. Canadá. Darcy estava bem. — Graças a Deus — meu pai disse, relaxando um pouco. — Mas, então, onde está Darcy? Onde está a minha filha?
— É para isso que serve a equipe de busca, senhor — disse o chefe, colocando a mão nas costas de meu pai e levando-o em direção ao balcão, longe da rápida elevação de vozes atrás das portas fechadas. — De vez em quando, um dos nossos visitantes se perde na praia ou entra naquele nevoeiro desagradável e nós temos que sair e encontrá-los. Já fizemos isso antes, e sempre fomos bem sucedidos. Então, se você nos deixar fazer o nosso trabalho... — Bem, nós queremos nos juntar ao grupo de busca — disse meu pai com força. — Rory e eu podemos ajudar. Alguém tossiu nas proximidades, e o chefe de polícia puxou sua orelha. — Isso não será necessário — disse ele. — Por que não? Quanto mais pessoas procurarem por ela, melhor, não é? — eu disse. — Bem, suponho que sim, em teoria, mas eu acho que é melhor se vocês dois esperarem por ela em sua casa. Nunca se sabe. Ela poderia ir para casa, e se ninguém estiver por lá, nós não teremos nenhuma maneira de saber. Meu pai olhou para mim, considerando a lógica disso. Eu poderia dizer que ele se sentia muito melhor, muito mais seguro, sabendo que Steven Nell ou Roger Krauss ou qualquer que fosse o nome dele, estava fora de cogitação. Eu queria me sentir assim também, mas eu não conseguia afastar a sensação que eu tive durante toda a semana de que algo estava errado. — Ok, tudo bem — meu pai disse, finalmente, colocando o braço em volta de mim. — Vamos voltar para casa. Mas você vai nos informar no segundo em que encontrar alguma coisa? — É claro — respondeu o chefe solícito. Uma porta do escritório atrás do balcão abriu e vozes iradas ecoaram pela sala. — O que faz você achar que sabe mais sobre isso do que eu? — uma voz familiar gritou. Eu me virei a tempo de ver Joaquin, com o rosto vermelho como sangue, gritar por cima do ombro para o escritório. — Quem diabos você pensa que é? Ele saiu em direção à parte de trás do prédio, sem perceber eu ou o meu pai, e bateu a porta de metal pesado. Um segundo depois, o Policial Dorn entrou pela porta do escritório, parecendo abalado — como se tivesse acabado de tomar uma bronca. — Quem diabos era aquele? — meu pai me perguntou em voz baixa enquanto se movia em direção à porta da frente. — Era o Joaquin — eu respondi, minhas pernas tremendo.
— O menino que Darcy gosta? — ele perguntou, segurando a porta aberta para mim. — Uau. Ele parecia realmente chateado. Ele deve gostar dela também. — Sim — eu disse vagamente. — Ele deve. Mas o meu pai não tinha registrado o que ele disse, o que nós tínhamos acabado de ver? O que Joaquin estava fazendo, repreendendo um policial? O que ele quis dizer com “Quem diabos você pensa que é?” E o que, exatamente, ele sabia mais do que Dorn?
40 A BUSCA Traduzido por Manoel Alves
S
entei-me no terraço traseiro da nossa casa duas horas depois, encarando o norte, observando enquanto o grupo de busca de moradores caminhava em direção à praia, os flashes de sua lanternas mergulhavam através da terra e do céu. Eu estive esperando a noite toda para vê-los em ação, e agora, ali estavam eles, uma longa fila de cerca de duas dezenas de pessoas, caminhando lado a lado ao longo da areia. A fila se estendia desde as dunas até todo o caminho para a água, e eles caminhavam lentamente, seus olhos baixos, olhando o chão sob seus pés com suas lanternas. Deste modo, eu pensei, eles asseguravam-se de que não iriam perder nada. Mas enquanto eu os observava se aproximarem da minha casa, senti uma pontada de profundo desconforto no estômago. Por que seus olhos miravam o chão? Eles estavam procurando a minha irmã ou procurando um corpo? Eu respirei fundo e olhei para o céu. O nevoeiro havia sumido assim que meu pai e eu voltamos para casa, e agora milhões de estrelas piscavam alegremente acima, claramente alheias à tortura que eu estava experimentando sob sua vigília. Onde estava Darcy? Se Steven Nell realmente não estava aqui, então para onde ela havia ido? Por que eu a ouvi gritar? À minha esquerda, ouvi vozes. Havia uma tenda branca entendida entre a calçada e as duas casas próximas, uma espécie de sede improvisada para a busca. Holofotes iluminavam o rosto do meu pai enquanto ele discutia com os dois policiais ali parados. Um deles era o oficial Dorn. O outro, eu não conhecia. Depois, no clássico estilo do papai, ele pegou a prancheta das mãos de Dorn e a jogou ao longo da praia, onde ela voou como um frisbee a uns bons trinta metros antes de derrapar na areia. Ele afastou-se furioso e, momentos depois, nossa porta da frente se abriu e fechou. Ele se juntou a mim no
terraço, e eu podia ouvi-lo trabalhando para manter sua respiração sob controle. — Eles ainda não me deixam participar da busca — disse ele, por fim, de pé ao lado da minha cadeira. — Mesmo eu dizendo a eles que você ficaria aqui. O que se passa com essa gente? É como se eles fossem algum tipo de facção insular. Parece que Deus os proibiu de deixar alguém de fora da cidade participar das coisas de alguma forma. Eu não disse nada. Tudo em que eu conseguia pensar era que o FBI poderia estar errado. Steven Nell era brilhante, fora o que Messenger tinha dito. Ele poderia muito bem tê-los levado em uma busca inútil e vir para cá, enquanto eles estavam distraídos. Ele poderia estar com Darcy em algum lugar desta ilha, neste exato momento, e tudo o que estávamos fazendo era ficar sentados, esperando o seu retorno. Uma brisa fria arrepiou o cabelo do meu pescoço. Eu olhei para a água e congelei. Tristan estava em pé na praia lá em baixo, vestindo um moletom preto com o capuz cobrindo seu cabelo, olhando diretamente para mim. — Eu vou pegar um suéter — meu pai disse, esfregando a mão nas minhas costas. Ainda de frente para o grupo de busca que se aproximava do norte, ele não tinha percebido o nosso espreitador. — Você precisa de alguma coisa? Eu olhei para ele e forcei um sorriso, só querendo que ele fosse, para que eu pudesse falar com Tristan. — Não, pai. Obrigada. Ele olhou para mim, infeliz, beijou minha testa, depois foi. Levanteime, jogando o cobertor das minhas pernas, e corri para a casinha de salvavidas em frente à água, meu coração pulsando com dezenas de perguntas que se aglomeravam em meu cérebro. Mas quando eu olhei para a areia novamente, Tristan havia sumido.
41 AJUDA Traduzido por Manoel Alves
E
spinhos rasgaram meus tornozelos. Um ramo úmido chicoteou minha bochecha. Eu caí de joelhos, uma pedra afiada perfurou minha pele. Mas, tudo aquilo era nada. Nada. Nada comparado com o que Steven Nell ia fazer comigo. Quando tentei me levantar, meu joelho dobrou e tudo que eu podia fazer era rastejar. Se eu soubesse onde eu estava. Se ao menos eu pudesse ver onde eu estava indo, mas estava tão escuro. Muito, muito escuro. Então, algo me chamou a atenção — algo branco e liso aparecendo na escuridão. Choramingando, eu me inclinei para frente para dar um olhar mais atento. Dedos brancos com as unhas pintadas. A mão de Darcy. Seu braço preso em um ângulo não natural por debaixo de um arbusto, a manga de seu suéter torcida e encharcada de sangue. Tremendo, eu empurrei os ramos de lado. Os olhos de Darcy estavam abertos, sem vida, a parte de trás de sua cabeça esmagada. — Darcy! — eu gritei. — Não! Eu afundei em minhas mãos. Steven Nell tinha matado ela, e eu era a próxima. Eu abri minha boca para gritar de novo, e uma mão enluvada tampou meus lábios. — Não! Eu abri meus olhos e encontrei-me olhando para o teto do meu quarto. Eu ainda estava viva, mas Darcy... No momento que lembrei de tudo que tinha acontecido mais cedo, eu levantei e gritei. Alguém estava sentado na minha cadeira, vestido de preto da cabeça aos pés. Seus joelhos tocavam meu colchão, seu capuz cobria seu rosto, e sua postura estava para frente como se estivesse de luto. Assim que eu gritei, ele olhou para cima, o capuz caindo para trás de seu cabelo loiro. Tristan. — Shhhh! — ele sussurrou, levando um dedo aos lábios.
Meu peito arfava enquanto eu lutava para respirar e tentava entender o que estava acontecendo. Olhei para baixo e percebi que estava vestindo apenas uma blusa fina sem sutiã, e eu puxei meu cobertor para cobrir meus peitos. — Que diabos você está fazendo? — eu exigi. — Como você entrou aqui? — Nós precisamos de sua ajuda — respondeu ele, ignorando minha pergunta. Ele se inclinou para mim, apoiando os antebraços sobre os joelhos e esfregando as mãos. Percebi a pulseira de couro espreitando para fora da manga. Seu cabelo loiro caiu para frente, tocando as maçãs do seu rosto quando ele olhou-me nos olhos. — Steven Nell está com a sua irmã em algum lugar na ilha. — O quê? — eu gritei, sobressaltada, ainda segurando o cobertor. Meu pulso correu tão rápido que eu estava prestes a desmaiar. Eu levei uma mão para a cabeça e tentei me concentrar. — Eu sabia! Eu sabia... Fiz uma pausa e olhei para Tristan. Ele me olhou com uma espécie de expectativa relutante. Como se ele estivesse esperando que eu percebesse o que eu estava lentamente percebendo. — Como você sabe sobre Steven Nell? — eu perguntei, tremendo. — A polícia lhe disse? Eles disseram para Joaquin? — Não importa como eu sei — disse ele, em pé. — Eu apenas sei. Pisquei, completamente confusa. — Chefe Grantz disse que ele tinha ido para o Canadá. Ele disse que o FBI... — Chefe Grantz mentiu — disse Tristan categoricamente. — O quê? — eu arfei. — Por quê? Ele soltou um suspiro, olhando para o chão enquanto balançava a cabeça. — É uma longa história. Andei na frente dele, segurando a minha cabeça com uma das mãos. — Ok, ok — eu disse, meu cérebro trabalhava arduamente para processar tudo isso. — Como você sabe que ele está aqui? Ele entrou em contato com você? — Não — ele disse, balançando a cabeça. — Tristan, você não está colaborando. O que está acontecendo? — eu perguntei, cada vez mais frustrada, mais desesperada a cada segundo. — O que você quer dizer com você precisa da minha ajuda? Tristan foi até a janela voltada para o norte e inclinou seu cotovelo contra a borda superior do painel inferior. Ele fechou os olhos e apertou a palma da mão na testa, como se as minhas perguntas perturbassem ele. Como se ele não soubesse o que responder.
— Tudo o que posso dizer é que você é a única que pode encontrá-la — disse ele, voltando-se para olhar para mim, seus olhos azuis aflitos. Então, ele olhou pela janela de uma maneira que fez meu coração pulsar uma batida. Ele estava olhando para algo ou alguém lá embaixo. Minha respiração ficou curta e superficial, e eu caminhei até ele, meu cobertor longo farfalhando atrás de mim. No início tudo que eu vi foi o brilho, mas quando me aproximei da janela, a multidão entrou em foco. Havia pelo menos uma dúzia deles reunidos em um grupo muito unido na areia. Cada um deles usava um moletom com capuz, e cada um carregava uma lanterna preta. Eu podia ver Joaquin, Lauren, Krista, Fisher, Bea e Kevin, além de alguns outros que eu tinha notado em torno da cidade. Estavam todos ali, e eles todos olhavam para mim em um silêncio sombrio. — Você vai nos ajudar? — perguntou Tristan calmamente. Engoli em seco. Minha garganta estava seca, meu coração estava batendo forte, adrenalina incandescente aquecia a minha pele de dentro para fora. Eu sabia que deveria ir acordar o meu pai. Eu sabia que devia fazê-lo entrar em contato com a polícia. Nada disso fazia sentido. E de maneira alguma eu deveria sair com um grupo de estranhos, um bando de jovens, para tentar pegar um serial killer. Mas quando eu olhei nos olhos de Tristan, eu sabia que havia apenas uma resposta para sua pergunta. — Claro que eu vou — eu disse. — Ela é minha irmã.
42 AS PISTAS Traduzido por Manoel Alves
A
areia era suave e fria sob meus pés descalços enquanto Tristan e eu fazíamos nosso caminho através da praia com seus amigos encapuzados. Cada um deles assistiu a minha aproximação como se eu fosse algum tipo de profeta. Como se eu estivesse brilhando de dentro para fora e fosse expelir o sentido da vida. Eu segurei meus tênis de corrida contra meu peito, segurando-os em minhas mãos suadas. Isto realmente estava acontecendo. Steven Nell tinha nos encontrado. — Rory — disse Joaquin em uma voz profunda e prática. — O que você sabe sobre Steven Nell? — Não muito — eu disse. — Eu pensei que ele era apenas um professor de matemática normal até que ele me atacou na floresta perto da minha casa. Eu não sou realmente de Manhattan — eu esclareci, lembrando como Darcy tinha enchido Joaquin com nossa história falsa. — Eu sou de Nova Jersey. Ninguém sequer piscou. — Continue — disse Tristan, tocando minhas costas por alguns instantes. — Bem... Acontece que ele assassinou quatorze meninas em todo o país, e eu fui a única a conseguir fugir — eu disse. Tristan e Krista trocaram um olhar sombrio. — A agente do FBI que nos colocou na proteção à testemunha nos disse que Nell nunca havia falhado antes, então havia uma boa chance de que ele tentaria vir atrás de nós, mas isso é tudo que eu sei. Eu estava esperando que o apanhassem, até... — Até agora — Tristan terminou para mim. — É. — Engoli em seco um soluço e olhei para os tênis contra o meu peito, sabendo quão aterrorizada Darcy deveria estar. Se ela ainda estivesse viva. — Até agora. Por que a polícia não está aqui? — eu perguntei, olhando para cima novamente, reprimindo uma lágrima. — Não deveríamos falar com eles sobre isso? Ou, pelo menos, dizer a algum adulto?
— Os adultos são inúteis — disse Joaquin com escárnio. — Eles estão todos em negação. — Eles acham que é impossível que este homem esteja aqui — explicou Krista. — Eles se recusam a acreditar em nós. Olhei para Joaquin, cuja mandíbula estava cerrada. Era isso o que ele tinha discutido com o oficial Dorn? — Mas vocês acham que ele está aqui? — eu disse. — Por quê? — Porque nada como isso já aconteceu antes — Lauren respondeu, com a voz estridente. — Jamais. Tristan e Joaquin atiraram-lhe um olhar de censura, e ela abaixou a cabeça, corando. — Nada como o quê? — perguntei. — Alguém desaparecendo? Mas Grantz disse que isso acontece de vez em quando. Que eles sempre formam um grupo de busca e... Minhas palavras morreram na minha língua. Tristan estava olhando para mim como se ele estivesse esperando que eu compreendesse. — Oh — eu disse, meu coração se transformando em pedra. — Isso foi uma mentira, também. Mas, por quê? Por que o chefe de polícia iria mentir para mim e meu pai? Ele estava envolvido? Será que ele sabia sobre Steven Nell de alguma forma? — O que eu não entendo é por que ele pegou Darcy — disse Joaquin, cerrando o punho na frente de sua boca. — Se ele está tão chateado por ter falhado, porque ele simplesmente não veio atrás de você de novo? — Porque ele está brincando comigo — eu disse, abraçando meu sapato ainda mais apertado. — Ele quer me fazer pagar antes de... Eu não consegui terminar a frase. A multidão se deslocou em seus pés, murmurando, sussurrando. Olhei para Tristan. — Ele entrou em contato com você desde que você chegou aqui? — ele questionou. Pensei no bilhete que ele deixou na minha cama, na minha casa em Princeton. — Não — eu disse. — Tem certeza? — Ele me virou, me olhando de igual para igual, e pegou minha mão direita. Ele segurou-a levemente em sua própria por um segundo, em seguida, a apertou. — Pense, Rory. Você não recebeu nenhuma mensagem dele de qualquer tipo? Eu olhei nos olhos de Tristan, e de repente algo me acertou. Me acertou com tanta força como o vento ao redor. A risada, o murmurado, a música na jukebox. O pedaço de tecido, a bolsa carteiro, os faróis. Talvez
não tivesse sido coincidências. Talvez não tivesse sido provocações ou lembretes. Talvez tivessem sido mensagens. — “The Long and Winding Road” — eu arfei. — O quê? — perguntou Joaquim. — A música. “The Long and Winding Road” — eu disse, meu cérebro correndo enquanto eu segurava a mão de Tristan. — É a música favorita dele. Ouvi alguém cantarolando na minha primeira manhã aqui, e então ela estava na jukebox no Thirsty Swan. Joaquin olhou para Tristan. — “The Long and Winding Road.” O que isso quer dizer? — Eu não sei — disse Tristan, ainda olhando nos meus olhos. — O que mais, Rory? — Havia um pedaço de tecido que parecia que tinha sido arrancado de sua jaqueta — eu disse. — Tinha dois remendos costurados sobre ele. Eu acho que eles eram como aquelas bandeiras que se vê em um veleiro. — Você pode desenhá-las? — perguntou Krista, sem fôlego. — Com o quê? — perguntei. — Na areia — Joaquin sugeriu, apontando para baixo. Eu puxei meus dedos para longe de Tristan, deixando cair os meus sapatos, e caí de joelhos na praia fria. Todo o grupo de moradores se reuniu em torno de mim, seus capuzes escurecendo seus rostos quando eles apontaram suas lanternas em um único ponto na areia. Trêmula, eu consegui desenhar as duas bandeiras. — Esta era xadrez azul e branca, e esta era azul, branca e vermelha no centro — eu disse, olhando em volta para eles. — Elas são bandeiras de sinalização. Isso significa um N — disse Kevin, apontando para a xadrez. — E a outra é um O. — Noroeste — acrescentou Tristan. Outro murmúrio atravessou a multidão. Todos os minúsculos pêlos na parte de trás do meu pescoço se arrepiaram. Meu estômago virou, e eu tive que prender a respiração para não vomitar nos pés de alguém. — A Via Dryer — disse Lauren. — Essa é uma estrada longa e sinuosa. — E termina no ponto noroeste da ilha — acrescentou Joaquin. Levantei-me, limpando a areia dos meus pés. Outra onda de náusea me atingiu, e eu instintivamente agarrei o braço de Tristan. Eu respirei, limpei minha garganta, e o soltei. — Havia uma outra coisa — eu disse. — Sua bolsa carteiro. Ele deixou pendurada na minha cerca, e ela estava cheia de pequenos faróis. Joaquin piscou. — Não há nenhum farol em Juniper Landing.
Eu senti meu coração começar a despencar. Eu pensei que nós estávamos chegando a algum lugar. — Costumava haver — disse Tristan. Todos se viraram para olhar para ele. — O que você quer dizer? — perguntou Joaquim. — Ela estava situada no ponto noroeste — disse ele, parecendo assustado, mas resignado. — Eles o derrubaram porque as pessoas... os visitantes... costumavam se machucar lá em cima. Mas o alicerce ainda está lá. E também a casa do faroleiro. — Como é que eu não sei disso? — perguntou Joaquim. Tristan brincou com sua pulseira. — Nós nunca fomos lá em cima. A não ser para a ponte — disse ele, olhando para Krista. Todos os amigos trocaram olhares entendedores. Claramente, isso significava alguma coisa para eles. — Ele queria que eu o encontrasse — eu disse, tremendo. — Ele estava planejando isso o tempo todo, e agora ele tem a sua isca. Tristan deu um passo adiante. — Mas ele não espera que todos nós iremos com você. Olhei para eles. Para Lauren e Krista, Fisher, Bea e Kevin, todos os outros cujos nomes eu não sabia. Até mesmo Joaquin. Todos eles estavam dispostos a me ajudar a resgatar Darcy. Todos eles estavam dispostos a arriscar tudo para salvá-la. Eu não entendia por que, mas eu estava grata. De pé no meio deles, eu me sentia segura. Sentia-me como se ainda fosse possível que tudo poderia ficar bem. Olhei para Tristan, esperançosa. Seus olhos estavam determinados, mas de alguma forma tristes. — Bem, o que estamos esperando? — disse Joaquin. — Vamos pegála.
43 O ASSASSINO Traduzido por Lua Moreira
N
ós nos dirigimos ao ponto noroeste da ilha em silêncio, eu entalada no banco da frente de uma velha caminhonete enferrujada entre Joaquin e Tristan, com os pés calçados com tênis de Krista sobre minha coxa. Joaquin estava dirigindo, e Krista estava sentada de lado no colo de Tristan. Três carros cheios com os outros se arrastavam atrás de nós, seus faróis ocasionalmente refletindo no espelho retrovisor, cegandome a intervalos aleatórios. O farol encheu o carro. O barulho dissonante quando o caminhão bateu em nosso para-choque. Darcy gritando. Meu pai desesperado ao volante. Em seguida a leveza, a dor, o terror. Meu pai morto espalhado no chão. — Vire à esquerda aqui — disse Tristan. Eu voltei ao presente. Percebi que eu estava segurando o braço de Tristan, e liberei lentamente o aperto. Ele me olhou nos olhos, mas não de uma forma perturbada ou julgadora. Ele olhou para mim como se entendesse. Joaquin inclinou-se sobre o volante, olhando para a escuridão através do para-brisa. — Onde? — Bem ali! — disse Tristan, erguendo a voz pela primeira vez desde que eu o conheci. Vi a estrada de terra ao mesmo tempo em que Joaquin, e, em seguida, a caminhonete virou à esquerda e os pneus cantaram, levantando areia e sujeira para trás. Segurei o ombro de Tristan enquanto fazíamos a curva. A cabeça de Krista bateu contra a janela do lado do passageiro. — Ai — ela disse claramente, esfregando-a. Ninguém perguntou se ela estava bem. Todo mundo estava muito focado na pequena casa agredida pelo vento entrando e saindo de vista enquanto Joaquin seguia pela estrada esburacada. Minha irmã estava dentro daquela casa. Viva ou morta, ela estava lá. Eu tinha certeza disso.
A névoa se agarrava à baía como o merengue em cima de uma torta de limão, e alguns dedos da névoa enrolavam em torno da base da casa. À nossa esquerda estava a ponte, uma estrutura alta, de cobre, com duas torres, que conduzia da ilha até dentro da névoa. Ela era ainda maior do que eu pensava, pairando sobre a água como uma estrutura alienígena maciça. — Pare aqui — disse Tristan. Joaquin pisou no freio, estacionando ao virar a curva da casa, o carro camuflado por uma enorme floresta de juncos crescidos. — Apague os faróis — Tristan instruiu. Joaquin fez como ordenado. Atrás de nós, os outros carros apagaram seus faróis também e andaram lento até parar. Várias portas de carro bateram. Em poucos segundos, o resto do grupo se reuniu em torno da nossa caminhonete, capuzes colocados, lanternas desligadas. — O que vamos fazer agora? — perguntou Fisher, com sua voz profunda. Suas narinas estavam arregaladas, sua mandíbula apertada. Parecia que ele estava pronto para uma briga. — Nós vamos entrar — Joaquin começou a abrir a porta, mas eu senti uma onda de pânico e agarrei seu ombro. — Não. — O que você quer dizer com “não”? — Joaquin estalou. — Nós estamos perdendo tempo. — Ouça ela — disse Tristan. Joaquin exalou alto pelo nariz, mas sentou-se, as molas sob o seu antigo assento de vinil do carro guinchando. — Esse cara é um gênio — eu disse a eles. — Ele viajou o país matando meninas e conseguiu iludir as autoridades por dez anos. Ele me atraiu até aqui. Entrar pode ser uma armadilha. — Então o que você quer fazer? — perguntou Krista calmamente. Eu pressionei meus lábios. Eu podia ver a parte superior do telhado sobre os juncos. — Nós vamos fazê-lo vir até nós — eu disse com determinação. Fiz um gesto para Joaquin sair da caminhonete. Deslizei atrás dele, e meus joelhos quase dobraram quando meus pés tocaram o chão. Eu respirei fundo e caminhei até a frente do carro, a multidão de moradores se dividindo ao meu redor. Meus pés esmagavam os seixos, a areia e as conchas enquanto eu andava pela pista em direção à casa. Parei a três metros da porta, Tristan atrás do meu ombro direito, Joaquin atrás do meu esquerdo, o resto deles reunidos em torno como um pequeno exército.
Em minha mente, eu vi as mãos secas de Steven Nell quando ele me agarrou. Senti sua respiração contra meu rosto. Vi a membrana aquosa em seus olhos. Cada centímetro de mim estava tremendo, mas enrolei meus dedos em punhos. Eu tinha que fazer isso. Eu tinha que salvar minha irmã. — Steven Nell! — gritei no topo dos meus pulmões. Silencio mortal. Não havia vento, nem ondas, nada. — Estou aqui! Eu fiz o que você queria! — eu gritei, minha voz embargada. — Agora me deixe ver a minha irmã! Esperamos. Eu inspirei e expirei, contando as batidas do meu coração. Umdoistrêsquatrocincoseisseteoitonovedezonzedoze... A porta se abriu. Minha respiração parou. Tristan deu um passo mais perto de mim. Eu senti seu peito contra a parte de trás do meu ombro. O raio de luz ficou mais amplo. Mais amplo. — Rory Miller! — a voz esganiçada de Steven Nell chamou. — Você não vai entrar e jogar? Bile subiu no fundo da minha garganta. Tristan pegou minha mão, seus dedos quentes entrelaçando em torno dos meus. — Não! Eu quero ver a minha irmã primeiro. — Você só vai ver a sua irmã se você entrar — ele zombou, ainda pairando fora de vista. Meu coração bateu forte em meu peito. Meu pulso batia nas minhas têmporas. Nunca na minha vida eu tinha sentido esse terror, este frio, esta incerteza. Mas eu tinha que salvar Darcy. Eu vim aqui para salvar Darcy. Dei um passo para frente. — O que você está fazendo? — Joaquin sussurrou. — Você mesma disse que entrar pode ser uma armadilha. — Deixe-a ir — disse Tristan, soltando minha mão. — Eu não sei sobre isso, cara — disse Joaquin. — Eu não gosto disso. Algo dentro de mim estalou. Eu estava cansada deles falarem de mim como se eu não estivesse lá. Decidir o que me dizer e quando me manter no escuro. Isso não tinha nada a ver com eles. Isto era sobre eu e minha irmã. — Eu não me importo se você gosta ou não — eu disse rapidamente. — Darcy está naquela casa, e eu vou lá buscá-la. Joaquin e Tristan se entreolharam. Nenhum dos dois disse uma palavra. Uma leve brisa passou quando me aproximei da casa branca. Uma luz brilhava através de uma janela quebrada. O telhado cedeu no centro, e toda a varanda da frente se inclinava para a direita. As tábuas soltaram um gemido alto quando pisei em direção à porta da frente, e o vento levantou meu cabelo do meu pescoço. Olhei para trás uma vez para Tristan e Joaquin.
Eles estavam tão imóveis quanto estátuas. Então eu me virei e passei pelo limiar. Darcy levantou-se do chão e pulou em mim. — Rory! Oh meu Deus! Rory! Eu empurrei o cabelo emaranhado do seu rosto, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. — Você está bem? — eu sussurrei. — O que ele fez com você? Ela balançou a cabeça. Havia sujeira por toda sua blusa rosa e sangue em seu ombro, mas apesar disso, ela parecia bem. Aterrorizada, mas bem. — Nada. Ele disse que queria você — ela chorou. — Ele disse que nós estávamos esperando por você. — Onde ele está? — eu perguntei, tremendo enquanto meus olhos corriam ao redor da pequena sala. Havia uma pequena mesa de madeira com duas cadeiras quebradas em torno dela. Uma panela quente estava apoiada no chão no canto, e havia um sofá azul perto da parede com um buraco enorme rasgado na parte traseira do mesmo. Lentamente, os olhos de Darcy se deslocaram para a direita. Comecei a me virar, assim que Steven Nell saiu de trás da porta aberta. Ele agarrou o braço de Darcy e puxou-a para fora do meu alcance, lançando-a para fora como uma boneca de pano. Ela ainda estava gritando quando a porta bateu em seu rosto. E de repente eu estava sozinha com o meu pior pesadelo. — Olá, Rory — disse ele, com um pequeno sorriso rastejando em seus lábios. — Eu sabia que você viria para mim. Ele inclinou a cabeça para o lado, olhando-me de cima a baixo com uma expressão avarenta e faminta. De repente eu queria atacá-lo, queria enfrentar ele, queria surrá-lo até o esquecimento. — Eu estava planejando ter a sua irmã, mas depois pensei que não seria justo para nenhum de nós — disse ele, fazendo minha pele arrepiar. — Você sempre foi o que eu queria, Rory. Só você. A estrela desconhecida. Ele deu um passo em minha direção e estendeu a mão. Eu vacilei enquanto ele acariciava meu cabelo com as costas de seus dedos. — Vamos terminar o que começamos, vamos? Com isso, ele investiu contra mim e me virou, travando o braço em volta do meu pescoço. Eu estava prestes a gritar quando uma dor perfurante e excruciante cortou meu intestino. Naquele exato momento, Nell gritou e me soltou, cambaleando de costas contra a parede e afundando no chão, mas eu estava com tanta dor que eu mal tinha consciência dele. Eu me dobrei, engasguei, tossi, busquei por ar. Minhas mãos voaram para frente, mas meu rosto ainda colidiu com o chão de madeira. De repente, a porta se abriu, e os joelhos de Darcy caíram no chão ao meu lado.
— Rory? O que está acontecendo? Você está bem? — Darcy estava em cima de mim, me sacudindo. A dor era tão horrível que as imagens na minha frente se inclinaram e balançaram. Virei o rosto devagar, meu nariz raspando contra as tábuas de madeira lascadas, e olhei para a parede. Steven Nell estava se contorcendo no chão também. Gritando. Implorando por misericórdia. — O que é isso? — Darcy me perguntou desesperadamente. — O que está errado? Tossi e fechei os olhos. Eu só queria que isso parasse. Eu só queria que a dor parasse. E então Darcy desapareceu. Eu a ouvi gritando, mas alguém tinha puxado ela para longe. Uma mão tocou a parte de trás do meu pescoço, e um zumbido reconfortante e quente encheu meu corpo. Aos poucos, a dor começou a diminuir. Resfriada a um pulsar lento. Eu tentei respirar e o oxigênio doce encheu os meus pulmões. — Está tudo bem — Tristan sussurrou em meu ouvido. — Você está bem. Tudo vai ficar bem. Abri os olhos. O mundo voltou lentamente de volta ao foco. Cuidadosamente, eu sentei, os dedos de Tristan ainda apoiando a parte de trás do meu pescoço. Ele se sentou na minha frente, as pernas tortas para o lado, e me olhou nos olhos. — Respire — disse ele. — Respire. Então eu o fiz. Por cima do ombro, vi Kevin e Fisher arrastando Steven Nell pelo chão enquanto ele se contorcia e gritava entre eles. Juntos, eles se moveram até a porta, mas Nell cambaleou para o lado, com os joelhos cedendo enquanto ele cuspia, chorava e se debatia. De alguma forma eles conseguiram levá-lo para o lado de fora. Conseguiram arrastá-lo para longe. — Olhe para mim — Tristan ordenou. — Rory. Olhe para mim. Fiz o que me foi dito. Eu olhei nos olhos de Tristan. — Você está pronta — disse ele, sem fôlego. — Você está pronta agora. — Pronta para quê? Mas mesmo enquanto eu dizia as palavras, estava acontecendo de novo. Uma alfinetada de vazio começou dentro do meu peito e ampliou, aumentou, aumentou até me engolir. Estendi a mão e agarrei-me aos braços de Tristan quando me senti começar a deslizar para trás, começar a perder a gravidade e a forma, começar a escorregar. Pânico tomou conta de cada poro meu, espremendo o ar para fora, apagando o céu acima. Mas não, isso era apenas o nevoeiro. Apenas o nevoeiro entrando. — Olhe para mim, Rory — disse ele com firmeza. — Confie em mim.
Seus olhos eram tão azuis. A cor tão real, tão verdadeira, tão bonita. — Eu não consigo, Tristan — eu me ouvi gemendo, apertando os olhos fechados. — Sim, você consegue. Está na hora — ele me disse, me segurando. — Você consegue fazer isso, Rory. Está tudo bem. Apenas respire. Eu respirei fundo e soltei o ar. De repente, as imagens vieram correndo para mim. Minha mãe me empurrando no balanço no nosso quintal. Meu pai apagando velas de aniversário na nossa cozinha, antes de mamãe reformá-la. Darcy rindo de mim por cima do ombro enquanto eu a perseguia em uma brincadeira de pega-pega. A tartaruga que eu tive por três semanas na quinta série. O primeiro prêmio de ciências que ganhei, sendo pendurado no meu pescoço. Minha mãe na cama, tão frágil e pequena, apertando a minha mão e dizendo adeus. Ganhando o terceiro lugar nas regionais do ano passado. Ganhando a fita na feira de ciências e a cara ranzinza de Samir enquanto observava. Christopher me beijando no quarto dele. Steven Nell me agarrando na floresta. Messenger nos dizendo que tínhamos que ir embora. E então meu pai jogado na estrada. A cabeça de Darcy machucada. O sangue, as lágrimas, o grito. O corte de uma faca. Abri os olhos, e o mundo voltou ao foco. Os dedos de Tristan estavam apertados ao redor dos meus braços, os olhos presos nos meus, o nevoeiro aumentando ao nosso redor. E foi assim que eu entendi. — Rory? — Darcy gritou, aparecendo com Joaquin. Ela caiu no chão ao meu lado e segurou minha mão. — Você está bem? Limpei a garganta, ainda olhando para Tristan. Havia lágrimas em seus olhos enquanto ele estudava meu rosto. Darcy me abraçou, interrompendo o contato entre mim e Tristan, e eu a abracei de volta tão firme quanto eu poderia, não querendo nunca deixála ir. Lá fora, Steven Nell gritou um contínuo gemido agudo, enquanto Kevin e Fisher o levantaram como uma boneca de pano e o jogaram na parte de trás da caminhonete de Joaquin com um estrondo. Tristan se levantou. Ele me ajudou a levantar, e Darcy apoiou meu lado direito enquanto juntos caminhamos para fora. Krista pairava perto da porta da cabine com Joaquin e Lauren enquanto Nell esmurrava a plataforma da caminhonete, fazendo barulho suficiente para acordar os mortos. — Leve-o — disse Tristan a Krista. Ela assentiu com a cabeça, correu até a caminhonete, e ficou atrás do volante, sozinha. Os caras se afastaram quando ela engatou a marcha com
autoridade e decolou em direção à ponte, levantando areia enquanto ia. O caminhão estava há cerca de meia milha de distância, quando de repente o nevoeiro envolveu as luzes traseiras, e abruptamente, os gritos pararam.
44 REPARAÇÃO Traduzido por L. G.
A
inda estava escuro quando voltamos para casa. Meus sentidos estavam aumentados. Eu sentia cada batida do meu coração. Cheirava cada aroma do ar florido. Tudo parecia diferente para mim. A água do mar estava muito perfeita. As árvores floridas pareciam falsas. Era tudo como um set de filmagem. — Eu estou muito elétrica para dormir — Darcy disse quando nos aproximamos da porta da frente. — Vamos sair de novo. Caminhamos ao redor da lateral da casa até o quintal, onde nos sentamos por um longo tempo, observando as ondas rolarem até a margem. Com cada quebra de onda meu coração parecia mais e mais pesado. Eu tinha dez milhões de perguntas, mas não havia ninguém aqui para perguntar. — Eu sinto muito — disse Darcy de repente. — Pelo quê? — perguntei. Ela não tinha nada para se desculpar. Se dependesse de mim, ela nunca se sentiria mal sobre qualquer coisa nunca mais. — Por não acreditar em você. Por brigar com você. Por ser uma vadia nos últimos meses — ela disse, olhando para a sujeira debaixo de suas unhas. — Eu não deveria ter descontado em você. Christopher é o idiota. Ela riu amargamente e fungou, limpando o nariz com as costas da mão. Havia uma mancha de lama no seu rosto, e seu cabelo estava uma bagunça de emaranhados. Eu nunca tinha pensado nisso dessa maneira, mas ele meio que era. Não importava o quanto eu gostava dele, não importava o quanto ele gostava de mim, que tipo de cara terminava com uma menina e depois beijava sua irmã na mesma tarde? Eu me virei e olhei para ela. — Você está certa. Darcy e eu rimos. — Pena que não podemos ligar para ele para lhe falar isso — disse ela, abraçando os joelhos contra o peito e descansando o queixo no topo de um. — Talvez quando chegarmos em casa.
Meu coração bateu forte, e lágrimas encheram meus olhos. Eu olhei para longe, em direção à água, não querendo que ela visse. — Me desculpe por beijá-lo — eu disse, mordendo meu lábio. — Me desculpe por ter tomado aquele atalho estúpido que nos mandou para cá. Eu apertei meus olhos fechados contra uma enxurrada de emoção e contive as lágrimas. — Rory — Darcy falou com firmeza, pegando minha mão, — não é sua culpa que um psicopata tenha te atacado. Você sabe disso, não é? Eu balancei a cabeça, incapaz de formar uma palavra. — E quer saber? Tirando o fato de ter sido sequestrada por um serial killer, eu meio que gosto daqui — ela acrescentou. Eu engoli o nó que se formou na minha garganta e assenti. — Sim, Juniper Landing é legal. Darcy bocejou imensamente e esticou os braços sobre a cabeça. — Estou começando a ficar cansada. Acho que vou tomar um banho e ir para a cama. — Talvez você devesse acordar o papai primeiro e falar que está tudo bem — eu disse. — Bem lembrado — Darcy disse com uma risada, sacudindo a cabeça. Ela começou a ir, mas parou perto da porta. — O que você acha que os policiais vão fazer com o Sr. Nell? Será que eles ao menos têm uma prisão nessa ilha? Provavelmente não, eu pensei. Eu olhei para ela, me sentindo em conflito. Era quase triste como ela não sabia de nada. Mas eu também a invejava. — Tenho certeza que eles vão entregá-lo direto para o FBI — falei. Ela assentiu com a cabeça, aceitando isso. — Ótimo. E então sua bunda vai estar longe daqui para sempre. — É. Acho que essa é a ideia. — Boa noite, Rory — disse ela. — Boa noite. Então ela se virou e entrou. Sentei-me nas almofadas e olhei através do oceano sem fim. Quando eu era pequena, costumava assistir as ondas e imaginar que eu pudesse ver através dele as terras estrangeiras do outro lado do mundo. Eu imaginava visitar todos esses lugares exóticos um dia e ficar na praia deles olhando o lugar onde eu costumava estar. Agora eu me perguntava o que tinha de verdade lá fora. Será que continuava para sempre ou terminava em algum lugar? Eu senti um arrepio que não tinha nada a ver com a brisa e me abracei o mais apertado que consegui.
— Rory? Eu me virei, quase pulando para fora da minha pele. Aaron estava na ponta dos pés na lateral da casa, olhando para o quintal. — O que você está fazendo aqui? — eu perguntei, levantando em um pulo. — São três horas da manhã! — Eu sei — ele disse, olhando para cima. — Eu não conseguia dormir. Você achou sua irmã? Meu coração bateu mais forte do que o normal. Ele era tão doce, incapaz de dormir por causa de mim. Uma pessoa tão boa. Uma pessoa que não merecia isso. Eu senti uma nova onda de lágrimas e balancei a cabeça. Tudo iria me fazer chorar de agora em diante? — É. Ela está de volta — eu disse simplesmente. Seu sorriso quase quebrou meu coração. — Isso é ótimo! Posso entrar? Parte de mim queria dizer sim. Eu queria passar um tempo com ele, conversar e sentir esse tipo de sentimento seguro, confortável, sem complicações que eu tinha quando eu estava perto dele. Mas eu não podia simplesmente sair. Não agora. Não quando eu estava me sentindo tão crua. — Estou muito cansada, na verdade — eu disse a ele. — Eu acho que vou para a cama. Aaron já tinha feito um movimento para as escadas e parou em seu caminho. — Você tem certeza? — Sim. Vejo você amanhã — eu disse a ele. Pelo menos eu esperava que sim. — Mas obrigada — acrescentei. — Por vir ver como eu estava. — A qualquer hora — disse ele com um sorriso. — É pra isso que servem os amigos. Ele ergueu a mão em um aceno, então se virou e caminhou de volta para a rua. Eu o observei até ele sair de vista, melancolicamente me perguntando se eu iria vê-lo novamente. Querendo saber se amanhã Darcy teria esquecido quem ele era.
45 A VERDADE Traduzido por Manoel Alves
D
epois de um tempo, eu desci os degraus para a praia, sentei na areia fria, recentemente suavizada. O amanhecer estava se aproximando rapidamente, e eu queria ver o sol nascer. Era algo que minha mãe, Darcy e eu costumávamos fazer juntas quando éramos pequenas, em Ocean City. Ela nos acordava quando ainda estava escuro e prendia-me no meu carrinho, em seguida, carregava Darcy até a água, enquanto me empurrava na frente delas. Eu cochilava no caminho, mas ela sempre me acordava justamente quando o céu começava a ficar rosa. Então nós duas nos aninhávamos em seu colo no momento em que a primeira luz surgia para nós sobre a água e até a praia. Assistíamos a benção de um novo dia começando diante de nós. Era assim que ela sempre chamava. Uma benção. Eu nunca percebi o quanto ela estava certa até agora. A minha mãe tinha vindo alguma vez à Juniper Landing? Ela já assistira a este nascer do sol em particular? Eu respirei fundo e soltei o ar. Um formigamento deslizava pela minha espinha enquanto eu sentia Tristan se aproximando. Seus pés pararam próximos a mim na areia. — Você quer falar sobre isso? — ele questionou. Eu balancei minha cabeça e abracei meus joelhos no meu peito. — Ainda não. Ele caiu ao meu lado, puxando as pernas até o queixo. Escutei o som rítmico de sua respiração e olhei para sua pulseira de couro, sua mão pressionada na areia perto do meu quadril. — Ele já foi? — eu perguntei depois de um tempo. — Steven Nell. Ele realmente se foi? — Oh, ele se foi — disse Tristan, levantando o queixo um pouco quando a primeira névoa rosa apareceu no horizonte.
— E quanto a Olive? — perguntei. — E o cantor do parque? — Eles... seguiram em frente — disse Tristan com cuidado. — E o cara com o chapéu? — perguntei. — Ele também. — Ele nem sequer pausou. Ele sabia exatamente do que eu estava falando. — Então, quando a Sra. Chen disse que Olive tinha mandado pegar suas coisas... — Isso foi uma mentira — disse Tristan francamente. — Krista fez besteira. Acontece. Raramente, mas acontece. Claro, geralmente não há ninguém procurando os visitantes então... você tornou as coisas um pouco mais difíceis. Ninguém procurando. É por isso que Darcy a esquecera. Porque Aaron a esquecera. Porque os habitantes locais não se lembravam dela. Aquilo era simples. Mas então, por que eu me lembrava? — Ela ainda estava lá naquele dia, quando você veio com Aaron — disse ele. — Joaquin foi até lá com ela, e eles estavam quase acabando de pegar suas coisas quando você chegou lá, mas Krista ainda estava no quarto. Ela me disse que se escondeu no armário até que você foi embora. Eu sabia. Eu sabia que alguém estava lá dentro. Virei na areia de frente para ele, e ele se virou para mim. Eu cruzei as pernas, assim como ele, e nossos joelhos se tocaram. — Eu preciso que você diga, Tristan — eu disse, minha voz embargada. — Apenas me diga. Basta dizer isso em voz alta. Isso é o que eu penso que é? Eu estou...? Eu não conseguia me obrigar a pronunciar a palavra que se agarrava na ponta da minha língua. Eu não podia forçá-la a sair. Era completamente inacreditável. Completamente surreal. Completamente errado. Tristan pegou a minha mão, e depois a outra. Ele segurou as duas entre nós, seus dedos quentes como o sol que agora estava explodindo no horizonte. — Eu sinto muito, Rory, mas sim, é exatamente o que você pensa — disse ele. — Você, sua irmã, seu pai... todos nós aqui na ilha... estamos todos mortos.
FIM!
PRÓXIMO LIVRO: HEREAFTER (A SEGUIR)
Sinopse: Rory Miller pensou que sua vida havia acabado quando um serial killer voltou suas atenções para ela e a forçou a entrar na proteção a testemunhas. Mas um novo começo na Ilha Juniper Landing era exatamente o que ela e sua família precisava. Pela primeira vez em anos, ela e sua irmã iam à praia, fofocavam sobre meninos e festejavam juntas. Ela também fez amizade com um grupo local — incluindo um menino magnético e misterioso chamado Tristan. Mas o mundo de Rory está prestes a mudar novamente. A pitoresca Juniper Landing não é o que parece. A verdade sobre a névoa que rodopia todas as manhãs, a ponte que leva a lugar nenhum, e aqueles belos moradores locais que parecem vigiar cada movimento de Rory é mais aterrorizante do que estar sendo caçada por Steven Nell. E tudo que Rory queria era a verdade. Mesmo que isso significasse saber que ela nunca mais poderia voltar para casa.