Trabalho Final de Graduação_Monografia_Laís Labate

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[laís labate d’almeida e silva]



Laís Labate d’Almeida e Silva

CONSTRUÇÃO SIMBÓLICA DO LUGAR

Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie para obtenção do título de Arquiteto e Urbanista

Orientação Professora Drª Lizete Maria Rubano

São Paulo, 2014


“Mesmo a inspiração para viver é essencial à aprendizagem da expressão.” (KAHN, Louis I. Conversa com estudantes)


Agradeรงo Aos professores Lizete Rubano, Lucas Fehr e Daniel Corsi. A meus pais, irmรฃo e amigos.



1º MOMENTO: COMPREENDER

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trabalho 10 1.1 TRABALHO E CONSUMO 11 1.2 DOMÍNIO SOCIAL 17 aÇÃO 22 1.3 AÇÃO E CRIAÇÃO 23 OBRA 28 1.4 A CONSTRUÇÃO DO MUNDO 29 1.5 OBRA E UTILITARISMO 33

2º MOMENTO: REFLETIR 2.1 HABITAR O MUNDO 2.2 SIMBOLIZAÇÃO DO TERRITÓRIO 2.3 O VAZIO

39 43 49 61

3º MOMENTO: revelar

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3.1 LOCALIZAÇÃO E LUGAR 3.2 ESTRUTURA DO Lugar superfícies: o trabalho LINHA: A AÇÃO ponto: a obra espaços servidos e servidores pré-existências e intervenção 3.3 FILTROS E MATERIALIDADE

73 91 94 100 110 132 136 149

ANEXOS 155 bibliografia 175



1ยบ MOMENTO: COMPREENDER



[ CONTEXTO CONTEMPORÂNEO TRABALHO, AÇÃO E OBRA ]


trabalho


1.1

TRABALHO E CONSUMO

Ao percorrer as questões tecidas por Hannah Arendt em “A condição humana”, 2010, destacam-se três atividades fundamentais que correspondem às condições básicas sob as quais transcorre a vida do homem: trabalho, ação e obra. Estas três atividades se designam como formas de vida activa, ou seja, formas de vida em que existe um engajamento ativo no mundo. (ARENDT, 2010). O trabalho é a atividade que corresponde à própria sobrevivência do homem, às suas necessidades vitais; a obra é a criação de um mundo artificial fabricado, que supera a durabilidade da vida humana e a ação é a forma de relação direta do homem com o ‘outro’ e, portanto, fundamenta-se na pluralidade humana. O trabalho é a atividade que garante a sobrevivência do homem e, portanto, limita-se à esfera do ciclo do corpo humano. Surge como uma necessidade de atender ao processo biológico do corpo e por isso é visto, na antiguidade, como uma atividade inferior: aqueles que trabalhavam não eram homens livres, pois estavam sujeitos às suas necessidades, não tinham suas condições básicas de existência garantidas. É preciso ratificar que o ‘trabalho’ provê apenas o necessário e, desta forma, assim como o ciclo do corpo humano, é uma atividade cíclica, um processo contínuo que não gera um produto final que permaneça; tudo que pelo trabalho é gerado, é também consumido. Sendo assim,

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este processo atrela-se a uma temporalidade breve e transitória, pois sempre será transposta pela próxima etapa do ciclo. A temporalidade do trabalho é tão efêmera quanto a temporalidade da vida humana. “Das coisas tangíveis, as menos duráveis são aquelas necessárias ao processo da vida. Seu consumo mal sobrevive ao ato de sua produção; nas palavras de Locke, todas essas “boas coisas” que são “realmente úteis à vida do homem”, à “necessidade de substituir”, são “geralmente de curta duração, de tal modo que – se não forem consumidas pelo uso – se deteriorarão e perecerão por si mesmas”. (ARENDT, Hannah. 2010 : 118)

A era da industrialização e o processo de automação implantado na produção de bens aceleraram ainda mais a velocidade do trabalho, e assim do consumo. As máquinas implicaram em um ritmo infinitamente mais rápido de repetição que o processo natural, enfatizando ainda mais seu caráter interminável e contínuo. Devido a este desenvolvimento tecnológico, há urgência pela criação de uma recorrente necessidade de consumo que seja suprimida pela abundância de objetos gerada pelas novas técnicas, fazendo com que, no contexto atual, a durabilidade dos objetos deixe de ter qualquer importância e o consumo nunca seja o bastante para cessar a necessidade, pois esta é sempre “renovada” pelo mercado.

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“Koyaanisqatsi: Life Out of Balance” um filme de Godfrey Reggio.

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“A interminabilidade do processo de trabalho é garantida pelas semprerecorrentes necessidades de consumo; a interminabilidade da produção só pode ser garantida se os seus produtos perderem o caráter de objetos de uso e se tornarem cada vez mais objetos de consumo, ou em outras palavras, se o ritmo do uso for acelerado tão tremendamente que a diferença objetiva entre o uso e o consumo, entre a relativa durabilidade dos objetos de uso e o rápido ir e vir dos bens de consumo, reduzir-se até se tornar insignificante.” (ARENDT, Hannah. 2010 : 155)

Devido ao seu caráter cíclico e repetitivo, o trabalho faz com que o corpo humano, mesmo em atividade, seja lançado para dentro de si mesmo, comprometendo-se apenas em manter-se vivo e em contínuo exercício, permanecendo preso ao seu caráter individual, sem jamais transcender ou libertar-se do ciclo de funcionamento. Sendo o consumo parte do seu ciclo, é possível afirmar que este também gera alienação àquilo que é externo, sendo um processo recluso ao próprio organismo e suas necessidades. Por ser tão imediatamente vinculado ao corpo, o trabalho diz respeito à intimidade do indivíduo e, portanto, ao seu domínio particular. Este pode ser considerado uma atividade privada, pois nada é de natureza mais privada que o próprio homem e seu corpo (LOCKE apud ARENDT, 2010

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:137). Desta forma, o trabalho e todas as outras atividades corporais da existência humana se estabeleceram originalmente em um domínio particular - privado, onde não deveriam ser exibidos; por isso tanto mulheres como escravos, aqueles que trabalhavam, eram segregados e ocultados do domínio público. Viver uma vida exclusivamente dedicada ao trabalho significa, portanto, viver uma vida privada e, assim como o próprio termo determina, viver destituído de algo, neste caso, de relacionar-se objetivamente com o ‘outro’, ser visto e ouvido, qualidades exclusivas da vida pública. Uma ação que é feita apenas no espaço privativo e assim, na ausência de outros, não tem importância ou consequências reais para o mundo e, portanto, não tem durabilidade. Uma vida exclusivamente privada não traz a possibilidade de “realizar algo mais permanente que a própria vida” (ARENDT, 2010 : 71). É possível afirmar desta forma que o domínio privado exclui a possibilidade de ação.

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1.2

DOMÍNIO SOCIAL

Desde o surgimento da antiga cidade-Estado, as esferas público e privada existiam como entidades distintas e separadas, correspondentes ao domínio da pólis e da família, respectivamente. Mas, na era moderna, a fronteira entre o público e o privado borra-se devido ao aparecimento de uma nova concepção: o domínio social, uma esfera que não é estritamente nem pública, nem privada. (ARENDT, 2010) O domínio social tem sua eclosão na era moderna e na origem do Estadonação, momento em que surge a necessidade da união das famílias em uma organização política denominada “nação”. Portanto, em sua origem, o domínio social pode ser visto como uma mudança de escala da vida domiciliar, preservando assim, características do domínio privado antigo: o espaço do trabalho e da ausência de ação - modificadora do mundo -, onde a família trabalha para um bem comum, implicando em um princípio de igualdade entre os membros, que não se distinguem como indivíduos. “Nesse particular, pouco importa se uma nação se compõe de iguais ou desiguais, pois a sociedade exige sempre que os seus membros ajam como se fossem membros de uma enorme família que tem apenas uma opinião e um único interesse.” (ARENDT, Hannah. 2010 : 48).

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A conquista do domínio social diante do domínio público se consolida então na concepção da igualdade moderna, baseado no conformismo da sociedade devido à ausência da possibilidade de ação (ARENDT, 2010), atividade em que é necessária a pluralidade e individualidade do homem e não sua uniformização em busca de um ideal comum. Na sociedade, o homem é o considerado um animal condicionado que substituiu a ação pelo “comportamento social”, um modelo a ser seguido em todas as áreas de sua vida. As questões negativas da socialização não se encontram, portanto, na sociedade em si, mas na superação do domínio social ao domínio público e privado. A socialização tem questões importantes como a integração do indivíduo em um mundo comum aliado ao sentimento de ‘pertencer’, porém se converte em um processo perigoso quando os ajustes ao modelo são exagerados, produzindo rejeição a tudo que é diferente (NORBERGSCHULZ, 2008) e, desta forma, a própria individualidade do ser. “O domínio social, no qual o processo da vida estabeleceu o seu próprio âmbito público, desencadeou um crescimento artificial, por assim dizer, do natural; e é contra esse crescimento – não meramente contra a sociedade, mas contra um domínio social em constante crescimento – que o privado e o íntimo, de um lado, e, de outro, o político (no sentido mais restrito da palavra) mostram-se incapazes de se defender.” (ARENDT, Hannah. 2010 : 57)

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Paralelamente ao domínio privado que na antiguidade conformava-se apenas no necessário para a sobrevivência, o advento da sociedade reafirma o trabalho, promovendo-o como coisa pública e criando como modelo uma sociedade de trabalhadores e empregados, concentrados apenas nas atividades imediatas para o processo vital. Ao promovêlo, o domínio social não só admite a necessidade do trabalho como exalta-o como atividade principal. Sua acepção -processo circular e introspectivo- é então engrandecida, devido principalmente ao seu progressivo desenvolvimento técnico. “O desprezo pelo trabalho na teoria antiga e sua glorificação na teoria moderna baseavam-se ambos na atitude subjetiva ou na atividade do trabalhador – um desconfiando de seu doloroso esforço, outro louvando sua produtividade” (ARENDT, Hannah. 2010 : 115)

A elevação do trabalho como principal prática na era moderna, além de gerar uma sociedade isolada, presa no caráter ‘interminável’ de seu processo, eleva junto a atividade do consumo. Toda sociedade de trabalhadores é também uma sociedade de consumidores (ARENDT, 2010). Dessa maneira, ocorre a substituição de todo o artesanato pela produção em massa, fazendo com que todo produto de uso se tornasse em objeto de consumo.

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Esta transformação estabelece uma mudança radical na relação do homem com o mundo, que passa a ter como princípio seu consumo ao invés de sua construção ou criação. Se o artesanato e a obra são produtos concretos e duráveis de uma atividade, os objetos de consumo não deixam nenhum resquício, tem uma duração efêmera e não criam vínculos e significados profundos. Logo, a sociedade fundamenta sua relação com o mundo que habita da mesma forma: efêmera e sem a criação de significados.

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aÇÃO


1.3

AÇÃO E CRIAÇÃO “Pois em toda ação o que é visado primeiramente pelo agente, quer ele aja por necessidade natural ou por livre arbítrio, é revelar sua própria imagem.” (DANTE apud ARENDT, 2010 : 219)

A ação é a única das três formas de vida activa que estabelece uma relação direta, em que não há necessidade de um intermediário, com o mundo e com o ‘outro’. Tem como princípio o viver entre os homens e está atrelada a organização da vida humana, que é essencialmente coletiva. Assim, a pluralidade é uma condição básica para existência da ação: é devido à alteridade da pluralidade humana que se faz necessária a ação e o discurso (ARENDT, 2010) pois é diante da diferença que se faz preciso a compreensão. A alteridade faz com que os homens percebam-se a si mesmos, pois a diferença possibilita a distinção no coletivo. A consciência de si sobressai a partir da consciência e da identificação do ‘outro’ e é a partir da ação que o homem pode expressar a si próprio, revelando a distinção única de cada indivíduo. Desta forma os homens passam a distinguir a si próprios, além de permanecerem distintos – é pela ação e pelo discurso que os homens aparecem e se expressam uns para os outros (ARENDT, 2010). A identificação do outro revela a nós mesmos e só diante da

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percepção que o outro tem sobre nós é que temos certeza de nossa própria existência. “Pois o milagre da percepção do outro reside primeiro no fato de que tudo o que pode valer como ser a meus olhos só ocorre tendo acesso, diretamente ou não, a meu campo, aparecendo no balanço de minha experiência, entrando em meu mundo, o que quer dizer que tudo o que é verdadeiro é meu, mas também que tudo o que é meu é verdadeiro e reivindica como sua testemunha não apenas eu mesmo no que tenho limitado, mas também um outro x (...)” (MERLEAU-PONTY, Maurice. 2007 : 223)

Mesmo exaltando a individualidade do ser, pois cada indivíduo percebe e age de maneira única, a ação só tem verdadeiro significado em um âmbito coletivo, quando é capaz de atingir o outro e o mundo comum, este não faria sentido se visto somente sob um aspecto e se apresentado sob uma única perspectiva logo, pode-se afirmar que a ação depende inteiramente da presença do outro. (ARENDT, 2010) A ação é a forma de relacionar-se com o mundo e assim, é incitada por sua mudança. O caráter continuamente cambiante do mundo, seja em questões ambientais e climáticas, como sociais e econômicas, exige do homem uma constante renovação em sua forma de agir que corresponda a estas mudanças. Da mesma forma que o ambiente externo pode

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provocar uma nova reação, a ação também é modificadora do território. Agir, em seu sentido mais amplo, significa ‘iniciar’, ‘tomar iniciativa’, ‘começar’, logo depende da ação o ato da criação. Por ser capaz de agir, o homem é capaz de criar e, portanto, realizar o inesperado, aquilo que é novo e desconhecido e transformar aquilo que lhe é externo. “o novo sempre acontece em oposição à esmagadora possibilidade das leis estatísticas e à sua probabilidade que, para todos os fins práticos e cotidianos, equivale à certeza; assim, o novo sempre aparece na forma de um milagre. O fato de o homem ser capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável.” (ARENDT, Hannah. 2010 : 222)

Dentro da esfera do viver existe o caráter individual, aquilo que é próprio ao processo vital e localiza-se no domínio privado, e o caráter comum, que relaciona os homens entre si e, portanto, pertence ao domínio público. Se a esfera privada, originalmente, condizia a tudo que era necessário e “útil”, a esfera pública era aonde justamente o contrário ocorria: tudo aquilo que estava atrelado às questões da sobrevivência do corpo era estritamente excluído. Desta forma, o homem só poderia ter acesso ao domínio público quando estava “livre” de suas necessidades.

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Sendo assim, o domínio público suplanta o caráter “animal” do homem, a busca apenas pela sobrevivência, sendo algo essencialmente humano. Por superar o processo vital, a ação tem a possibilidade de transcender também a temporalidade breve da corporeidade humana. Todo ato tem um ator, aquele que o inicia, porém uma vez iniciado, seu movimento é indeterminado, gerando novos integrantes: aqueles que são atingidos por ele e por suas consequências. Toda ação gera uma reação e assim, uma teia de atos e consequências interdependentes, fazendo com que “a ação sempre estabeleça relações, e tem, portanto, a tendência inerente de romper todos os limites e transpor todas as fronteiras.” (ARENDT, 2010 : 239) Por ser no domínio público que as relações entre os homens se estabelecem, este deve ter a importância e o propósito de buscar a permanência. “Só a existência de um domínio público e a subsequente transformação do mundo em uma comunidade de coisas que reúne os homens e estabelece uma relação entre eles dependem inteiramente da permanência. Se o mundo deve conter um espaço público, não pode ser construído apenas para uma geração e planejado somente para os que estão vivos, mas tem de transcender a duração da vida de homens mortais.” (ARENDT, Hannah. 2010 : 67)

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OBRA


1.4

A CONSTRUÇÃO DO MUNDO

A obra, diferentemente do trabalho, transforma a natureza em produtos duráveis, com o objetivo de serem utilizados e não consumidos. Enquanto o consumo supõe a dissipação daquilo que é produzido, a obra permanece. O processo de fabricação, transformador da natureza, estabelece uma relação entre o artesão e a obra que gera produtos singulares. Diferentemente do trabalho, que promove a abundância, a obra promove a singularidade. Esta particularidade a faz sobressair, gerando a possibilidade de identificá-la. O homem, de natureza cambiante assim como seu ambiente, estabelece sua própria identidade através de relações cotidianas. O convívio com os mesmos objetos, quando passíveis de diferenciação, traz identidade e significado a eles, um sentimento de reconhecimento gerado através da memória. A relação estabelecida entre o homem e o mundo artificial que constrói faz com que estes objetos singulares sejam absorvidos em sua própria identidade e memória. A memória permite que o tempo ultrapasse seus limites como ‘presente’, aquilo que unicamente acontece no ‘agora’, e crie uma continuidade com momentos passados, movimentos cessados que podem, através desta dilatação, ainda serem sentidos e estabelecerem significados com a temporalidade real.

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“Assim, quanto mais pensava, mais coisas esquecidas ia tirando da memória. Compreendi, então, que um homem que houvesse vivido um único dia, poderia sem dificuldade passar cem anos numa prisão. Teria recordações suficientes para não se entediar.” (CAMUS, Albert. 2012 : 83)

É possível afirmar que a memória, mesmo sendo despregada de realidade, mantém conexões - sentimentos de reconhecimento e identificação necessárias para a continuidade da temporalidade humana, que busca a transcendência de sua insignificância. Logo, a durabilidade da obra proporciona estabilidade e solidez para a instabilidade e brevidade fundamentalmente humanas. “A realidade e a confiabilidade do mundo humano repousam basicamente no fato de que estamos rodeados de coisas mais permanentes que a atividade por meio da qual foram produzidas, e potencialmente ainda mais permanentes que as vidas de seus autores. A vida humana, na medida em que é edificadora-de-mundo [world-building], está empenhada em um constante processo de reificação; e o grau de mundanidade das coisas produzidas, cuja soma total constitui o artifício humano, depende de sua maior ou menor permanência no mundo.” (ARENDT, Hannah, 2010 : 118)

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De acordo com Heidegger, “A memória é a origem da poesia” e a “poesia é um construir” que busca a “compenetração de um sentido”. (HEIDEGGER, 2012). Desta forma, memória e poesia constroem significados, uma necessidade fundamental à vida humana (NORBERGSCHULZ apud NESBITT, 2006). Se a ‘obra’ possibilita o estabelecimento da memória, também pode criar laços mais profundos de sentido; sendo que a memória pode se configurar tanto através da relação cotidiana com objetos comuns, repousada na escala do “pequeno” e do “detalhe”, como através de relações excepcionais com objetos ‘notáveis’.

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1.5

OBRA E UTILITARISMO

De acordo com Hannah Arendt, o processo de fabricação da obra fundamenta-se em transformar a matéria-prima da natureza, que não tem necessariamente valor objetivo, em um produto final que tem real importância, organizando e justificando todos meios para o fim. Desta forma, neste processo de transformação da natureza em artifício humano “tudo é julgado em termos de adequação e serventia [usefulness] em relação ao fim desejado, e nada mais.” (ARENDT, 2010 : 191) Levando em conta o ideal de funcionalidade, muitas vezes exaltado no contexto contemporâneo, o valor de um produto final distinguese apenas através de seu uso, fazendo com que a obra vire apenas um ‘meio’ para algo, um intermediário entre o homem e o uso que ele fará dela. Através deste pensamento, o produto final, que justificaria todo o processo de fabricação, torna-se novamente um meio para outro fim. Em outras palavras, “em um mundo estritamente utilitário, todos os fins são constrangidos a serem de curta duração e a transformarem-se em meio para alcançar outros fins”. (ARENDT, 2010 : 129) O mundo estritamente utilitário transforma qualquer obra em apenas um meio de um processo, algo sem valor por si próprio. Portanto, dentro desta realidade, é preciso que haja um questionamento sobre o valor da obra repousar sobre seu significado e não simploriamente apenas em sua

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função. Para que a cadeia de ‘meios e fins’ instituída na reificação do mundo se encerre, é preciso que haja um valor na coisa em si, “um fim em si mesma”, deixando de ser apenas um instrumento para obtenção de outra coisa. O funcionalismo abandona questões fundamentalmente humanas que não são necessárias para o ciclo vital puramente ‘animal’, mas que buscam a compreensão de aspectos imateriais que cercam a vida humana. A busca por estabelecer significados e transcender o isolamento individual ao qual estamos sujeitos através da expressão de nossa consciência única nunca poderia ser amplamente amparada apenas pela função da vida, já que esta não promove sentido algum por si só. “A ordem de construir muros revelou uma ordem de construir muros com aberturas. Assim surgiu a coluna, como uma ordem maquinal de construir aquilo que se abre e aquilo que não se abre.(...) Essas realizações não são encontradas na natureza. Elas surgem da misteriosa faculdade Que o homem tem de expressar as maravilhas da alma que requerem ser expressas.” (KAHN, Louis I. 2002 : 19)

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Impressões de 32 mil anos atrás da palma da mão de um único homem em “Caverna dos sonhos esquecidos” um documentário de Werner Herzog.

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Se a obra apenas como um objeto que exerce uma função não consegue abarcar todas as questões humanas, é preciso que ela estabeleça um significado real, através de sua durabilidade e singularidade, deixando de ser apenas uma ferramenta para tornar-se parte da própria identidade humana, condicionada pelo mundo onde se estabelece.

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2ยบ MOMENTO: REFLETIR



[ DIFERENTES FORMAS DE HABITAR E PERCEBER O MUNDO ]


“Tempo que diz

De tempo somos. Somos seus pés e suas bocas. Os pés do tempo caminham em nossos pés. Cedo ou tarde, já sabemos, os ventos do tempo apagarão as pegadas. Travessia do nada, passos de ninguém? As bocas do tempo contam a viagem.”

(GALEANO, Eduardo. Bocas do tempo)


2.1

HABITAR O MUNDO

O homem habita a terra e sua relação com o espaço se dá de maneira essencial a partir da ação de habitar. Uma das formas primárias em que se sucede esta relação é o descobrimento e compreensão do território espaço em que habita. Esta forma de interação entre homem e território acontece através do caminhar, um ato natural de movimento intrínseco à própria sobrevivência. O ato de atravessar ou percorrer o espaço modifica seu sentido pois, ao ser conhecido, torna-se passível de identificação, reconhecimento e valor simbólico. Portanto, por modificar o significado dos espaços percorridos, o caminhar tornou-se a primeira ação estética de construção simbólica da paisagem (CARERI, 2013). “Visualização, simbolização e reunião são aspectos do processo geral de fixar-se num determinado lugar; e habitar, no sentido existencial da palavra, depende dessas funções”. (NORBERG-SCHULZ apud NESBITT, 2006 : 453)

De acordo com CARERI, 2013, a divisão primitiva da humanidade entre nômades e sedentários originou duas formas distintas de trabalho, uso do espaço e do tempo, ou seja, duas formas distintas de ‘habitar’, sendo este “o modo como os mortais são e estão sobre a terra” (HEIDEGGER, 2012 : 128).

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Primeiramente, os sedentários trabalhavam com o cultivo da terra e por isso, eram enraizados ao seu território, construindo-o materialmente para sua sobrevivência. Podem ser compreendidos dentro da categoria do ‘Homo Faber’, os fabricantes do mundo. Este homem sedentário habita o espaço cheio, construído e emprega todo seu tempo em sua relação com a produção do cultivo. Está sujeito à sua própria condição fixa à terra e ao trabalho. Já os homens nômades eram os pastores dos rebanhos, cujo trabalho fundava-se no caminhar errante. Sua relação com o espaço era completamente distinta da do homem sedentário, pois consistia em sua exploração, seu descobrimento. Sua interação com a paisagem não se fundamentava em sua transformação, mas em seu reconhecimento e observação, pois habitavam os espaços vazios. Isto gerava também uma nova relação com o tempo: o ato de caminhar, que não demanda tanto quanto o de lavrar, possibilitou um tempo excedente, livre para o ócio, para a exploração do pensamento e do mundo, um tempo lúdico. Logo, o homem nômade pode ser compreendido dentro da categoria de ‘Homo Ludens’. O nomadismo é, portanto, a primeira forma de controlar o espaço através de sua assimilação. “Da atividade de caminhar através da paisagem para inspecionar o rebanho deriva um primeiro mapeamento do espaço, bem como a atribuição de valores simbólicos e estéticos do território que levará ao nascimento da

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arquitetura da paisagem. Por isso já na origem, associam-se ao caminhar tanto a criação artística como o rechaço do trabalho (...)” (CARERI, Francesco. 2013 : 36)

Essas duas formas de habitar, portanto, concebem duas formas de se relacionar com o espaço e assim, compreender a própria arquitetura. A primeira, correspondente ao homem sedentário, gera a arquitetura que constrói fisicamente o espaço e a forma, a arquitetura como obra que dá durabilidade e permanência ao caráter passageiro do homem (ARENDT, 2010) e constitui o espaço do estar. A segunda, correspondente ao homem nômade, fundamenta-se através da percepção e da construção simbólica do território, constituindo o espaço do transitar. Esta ambivalência encontrada na construção do espaço, e do próprio habitar, está inserida também na linguagem: a palavra do antigo alemão ”bauen”, utilizada para denominar o verbo “construir” e também o verbo “habitar”, compreende o significado do construir como edificar construções e, ao mesmo tempo, como proteger e cultivar, (HEIDEGGER, 2012) sendo estes modos menos modificadores da natureza. Ou seja, o habitar é em essência muito mais amplo que o ato de construir ou edificar; é a extensão da existência.

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“Paris, Texas” um filme de Wim Wenders.

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2.2

SIMBOLIZAÇÃO DO TERRITÓRIO

Enquanto o espaço do estar está fixado por muros, o espaço do transitar é vazio, determinado apenas por marcas ou traços mutáveis. Para a construção simbólica do território, qualquer pequena distinção na paisagem pode ser utilizada como referência: pontos (lugares específicos, elementos geográficos), linhas (caminhos percorridos) e superfícies (territórios homogêneos). Através destes Pontos, Linhas e Superfícies se atribuíam significados aos espaços físicos, apropriandose destes e transformando-os em espaços qualitativos. Logo, o ato de caminhar era ao mesmo tempo perceptivo e criativo (construtivo), de forma que constituía uma leitura e escritura do território (CARERI, 2013). Esta simbolização do território fundamenta-se na necessidade do homem entender a natureza e inclusive ele mesmo. Simbolizar é “traduzir” para outro meio um significado prévio, como por exemplo, tentar construir artificialmente a propriedade de um espaço natural ou demarcar um local de um acontecimento importante. Dessa forma, o homem cria para si mesmo um espaço concreto com significados, que foram compreendidos através da experiência e transpostos através da simbolização para seu próprio território. (NORBERG-SCHULZ apud NESBITT, 2006)

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A primeira transformação da paisagem no mundo nômade acontece justamente devido à necessidade de simbolização e se dá através do monolito, ou menir. A palavra menir significa de forma literal ‘pedra larga’ e trata-se da disposição de uma grande pedra no sentido vertical, que reconstitui o significado de uma paisagem natural para uma paisagem modificada pelo homem. É a partir deste objeto que se desenvolverá posteriormente a arquitetura (coluna tripartida) e a escultura (HAIZER apud CARERI, 2013). A verticalidade do menir é elementar para sua conotação simbólica, o apontamento para o céu é a busca pelo inalcançável, pelo incompreensível, pela eternidade, além de torná-lo um marco visível que desenha o território e revela sua geografia. Os menires sinalizavam, portanto, espaços sagrados ou de alguma importância, como limites de territórios, tornando-se um sistema de orientação para os viajantes. Assim, é possível compreender um propósito para a verticalização do menir, deixando claro que a percepção é além de uma recepção apenas passiva de impressões, mas também um ato com caráter ativo, que pode ser compreendido como intenção. (NORBERG-SCHULZ, 2008). O monolito cria um ponto específico. Este espaço gerado em torno das pedras era utilizado para celebração de rituais, ou seja, para a prática da ‘cultura’, como dança, teatro, música, festas, entre outros. É, desta forma, o primeiro objeto que constrói o significado do espaço, transformando-

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o em ‘lugar’, algo além de uma localização, que pode ou não ter um significado anterior, mas passa a ter um novo significado como espaço de acontecimento e marco territorial. O ato de modificar a superfície da terra, alterando-a com um novo objeto que influencia a vida do homem e determina um novo uso do território, é o nascimento da arquitetura como princípio de estruturação da paisagem. Essa necessidade surge vinculada ao mundo nômade devido à ocupação de espaços vazios, imateriais e sempre cambiantes, cuja necessidade de compreensão e demarcação do território se torna essencial para o seu percorrer. É possível afirmar que a pedra monolítica como matéria não tinha importância objetiva, porém sua implantação e verticalização, que demandavam um olhar para o céu - a reflexão da própria mortalidade -, revelavam um lugar simbólico, atribuindo valor tanto ao espaço, como ao monolito que lhe conformava. Essa condição coloca à construção do lugar um sentido para além do material: constitui-se na forma de apropriação do espaço e em sua simbolização, que se consolida através do tempo. Isto pode ser dado mesmo em um sistema efêmero de relação com o território, onde o tempo de apropriação do espaço é de curta duração, já que o próprio ‘caráter’ do lugar não é estático. “É importante assinalar que geralmente todos os lugares possuem um caráter, e que essa qualidade peculiar é a maneira básica em que o mundo nos é ‘dado’. Até certo ponto, o caráter de um lugar é uma função do

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tempo; ele muda com as estações, com o correr do dia e com as situações meteorológicas, fatores que, acima de tudo, determinam diferentes condições de luz.” (NORBERG-SCHULZ apud NESBITT, 2006 : 451.)

Desta forma, compreende-se que o significado de um lugar, assim como seu caráter, são passíveis de transformações por diferentes motivos. Primeiramente, através de mudanças físicas que ocorrem no espaço ao longo do tempo, que variam sua qualidade espacial alterando também sua vivência e percepção. Além disso, sua ressignificação pode estar atrelada à mudança do próprio contexto em que se localiza. O significado atribuído tanto ao monolito quanto ao lugar que ele gera pode ser cambiante e se adequar de acordo com a cultura e valores daqueles que habitam o território. Desta forma, sua importância pode percorrer o tempo sendo constituída de diversas experiências distintas. Da mesma forma, a arquitetura também pode ser um objeto simbólico cambiante, que tem o seu significado construído através de sua vivência e não dado como valor precedente. “Qual é sua “radicalidade”? Sim, qual é a radicalidade da arquitetura: essa é a melhor forma de orientar a questão da verdade na arquitetura. Essa verdade é um pouco o que busca alcançar a arquitetura sem ter vontade de dizê-lo – o que é uma forma de radicalidade involuntária-. Dito de outro

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modo, é o que o usuário faz dela, no que se transforma sob o domínio do uso, quer dizer, sob o domínio de um atuante que é incontrolável. Esta reflexão me leva a formular outro aspecto das coisas que é a literalidade. Segundo o que vejo, a literalidade significa que além do desenvolvimento social e histórico, o objeto arquitetônico como o que dá lugar ao acontecimento não é suscetível de ser inteiramente interpretado, explicado.” (BAUDRILLARD, Jean. 2007 : 57 - tradução livre pela autora )

A construção simbólica não se encerra em um único significado ou forma de vivenciar o espaço. Além das mudanças físicas e históricas que alteram seu significado, a forma de percepção de cada indivíduo também gera sua multiplicidade, sendo que esta experiência individual de um espaço e sua compreensão nunca pode ser inteiramente compartilhada. “(...) porque o mundo que percebo arrasta ainda consigo minha corporeidade, porque minha percepção é impacto do mundo sobre mim e influência de meus gestos sobre ele, de modo que, entre as coisas visadas pelos gestos mesmos do adormecido e esses gestos mesmos, na medida em que ambos fazem parte de meu campo, já não apenas a relação exterior de um objeto com um objeto, mas como do mundo comigo, impacto, como de mim com o mundo, conquista.” (MERLEAU-PONTY, Maurice. 2007 : 224)

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“A vida dupla de Veronique” um filme de Krzysztof Kieslowski.

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A relação individual do homem com o espaço, a sua forma única de habitar, é o que gera diversidade de compreensão e de uso de um espaço. Sendo a leitura do espaço desenvolvida a partir de uma experimentação particular, sua escritura também será. É a diversidade de percepção que gera a diversidade de ação e, portanto, uma construção mais ampla de significados de um lugar. Porém, essa multiplicidade de significados, quando reclusa, ou seja, quando mantida dentro do limite do privado, é breve e fluida. A construção simbólica do lugar pressupõe uma interação maior, que vai do indivíduo singular ao comum. Dessa forma, é necessário o compartilhamento do espaço e de seu significado com o ‘outro’ para a criação de significados que transcendem a transitoriedade humana. Estes significados, assim como o próprio lugar e aqueles que o habitam, podem sofrer alterações, serem renovados, porém se retêm na passagem do tempo, mesmo que às vezes apenas como memória, gerando identidade através da percepção e construção simbólica coletiva. “Há uma universalidade do sentir – e é sobre ela que repousa nossa identificação, a generalização de meu corpo, a percepção do outro.” (MERLEAU-PONTY, Maurice. 2007 : 224)

Assim, é possível dizer que a construção simbólica de um território acontece em dois momentos: um momento individual, onde a experiência

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particular reflete diretamente na leitura e criação de um significado transitório; e um segundo momento, em que há o compartilhamento da multiplicidade de interpretações, assim como a vivência conjunta de um espaço. É através desta interação conjunta entre os homens e o espaço – que se torna assim público- que há um aprofundamento dos significados particulares para a progressão em um significado coletivo, que gera uma relação maior e mais forte entre este e um lugar. É intrínseca à humanidade este duplo aspecto da pluralidade humana, aonde se encontra a igualdade e a distinção, o comum e o peculiar. Ambos os aspectos são essenciais para a construção de significado, já que a necessidade de interação entre os homens surge de suas diferenças, porém a capacidade de compreensão do outro só existe devido à sua semelhança. (ARENDT, 2010) Logo, a criação de significados coletivos não denota a ausência de multiplicidade de interpretações, pelo contrário, esta multiplicidade deve se manter, pois a heterogeneidade é o que possibilita que haja uma constante ação, e criação, diante do mundo. A alteridade do homem, que vem sendo descartada ou “purificada”, é um aspecto essencial para a riqueza de compreensão e utilização do território. Diferentes leituras condizem com diferentes construções e ações diante de um espaço, garantindo uma possibilidade maior dos significados serem renovados. A constante renovação da qualidade simbólica de um lugar é importante para que haja continuidade na

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relação entre homem e seu território. Um lugar que se altera, em caráter qualitativo ou simbólico, tem a possibilidade de gerar novos vínculos com aqueles que o percorrem e, consequentemente, provocar novas formas de criar, ao invés da passividade estabelecida pela homogeneização do homem como ser social. Torna-se possível assim a transformação do mundo, que é dada diante de ações e não diante de uma produção homogênea e sistemática, acomodada e inerte, em que não existe conflito (BALLESTEROS apud GAUSA, 2001). Um lugar que incita a variedade de percepções singulares, a interação entre os homens e a criatividade, exaltando a multiplicidade dentro do coletivo, estará sendo constantemente reinterpretado e apropriado, pois está aberto a condições mutáveis e poderá ter uma durabilidade maior no tempo, transcendendo os limites impostos pela efemeridade humana através de um pensamento que não pretende estabelecer previamente funções e significados enraizados, mas que busca na ação e na interação a construção da memória.

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“Além da estrada” um filme de Charly Braun.


2.3

O VAZIO

Dentro de um mundo aonde tudo se revela em uma “promiscuidade total”, aquilo que não se mostra por inteiro, que mantém algo a ser revelado ou interpretado, é aonde ainda existe a liberdade de imaginar, aonde as coisas adquirem todos os sentidos possíveis. Este lugar que não se revela inteiramente é o lugar do secreto, do interstício, do vazio. (BAUDRILLARD, 2007) O vazio é ambíguo: sem construção ou cultivo, indeterminado e sem limites, vazio de sentido, não faz parte das estruturas produtivas e funcionais da cidade contemporânea, mas, paralelamente, pode ser considerado a ‘contra imagem’ da cidade, e assim, sua própria superação. O terrain vague, ao mesmo tempo em que sofre pela ausência de utilização, evoca uma liberdade fundamental para compreender seu potencial (SOLÁ-MORALES apud CARERI, 2013). A ausência de significado incita justamente a possibilidade de liberdade e criação, já que não deve corresponder a um potencial funcional; sua indefinição pela falta de limites claros é também um recurso quase ilimitado a ser explorado. “Deveríamos terminar dizendo que a atividade criativa joga um papel fundamental na evolução da sociedade. Enriquece o mundo, dando um caráter público a novos objetos intermediários” (NORBERG-SCHULZ, Christian. 2008 : 52 – tradução livre da autora)


As grandes metrópoles contemporâneas são construídas para serem centros de produção e consumo, publicidade e imagens. O excesso de informações, ruídos e construções torna o ambiente urbano massacrante, fazendo com que a percepção daquilo que é externo seja confusa e vaga. Desta forma, este ambiente conformado pelo caos torna os vínculos do homem com seu território muito frágeis. A busca pelo vazio é, portanto, a busca pela pausa para os sentidos, é a busca pelo que é pequeno dentro da hegemonia do grande. (WENDERS, 1994). “(...)os franceses tornaram-se mestres na arte de serem felizes entre “pequenas coisas”, no espaço de suas quatro paredes, entre a cômoda e a cama, a mesa e a cadeira, entre o cachorro, o gato e o vaso de flores, estendendo a essas coisas um cuidado e uma ternura que, em um mundo onde a industrialização rápida extermina constantemente as coisas de ontem para produzir os objetos de hoje, podem até parecer o último recanto puramente humano do mundo.” (ARENDT, Hannah. 2010 : 63)

É através da contestação abertamente proclamada dos dadaístas contra a arte tradicional, e dessa forma também o campo de ação dos arquitetos e urbanistas, que se inicia um processo de valorização do banal, do pequeno e, também do vazio. É através do reconhecimento de lugares banais e de objetos cotidianos que os dadaístas buscam a

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“Acossado” um filme de Godard.

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“dessacralização total da arte, a fim de alcançar a união entre arte e vida, entre sublime e cotidiano” (CARERI, 2013 : 74). Assim, é através das visitações dos dadaístas a espaços “inoperantes” que o espaço vazio sofre pela primeira vez uma operação em que lhe é atribuído valor. Estas investigações da realidade urbana são importantes para a percepção de que a cidade é um suporte para ações cotidianas e pequenas que podem se tornar simbólicas e desta forma, o vazio, aquilo que é esquecido ou renegado, pode ser reinterpretado por aqueles que o percorrem e o percebem. O vazio é essencialmente o espaço sobressalente, ou seja, o espaço supérfluo, desnecessário. Se é desnecessário, não é funcional e seu valor fundamenta-se justamente nesta concepção. Devido à ordem da funcionalidade da cidade contemporânea, todos os espaços são pensados através de sua produtividade e racionalização, não existe excedente1, já que tudo é previsto. Porém, o vazio permite que exista o imprevisto, ele rompe com o pensamento da funcionalidade e promove o espaço-livre – de uso, de significado, de programa - que não está atrelado ao ciclo do trabalho e consumo, necessário para produtividade. “Desfrutar do vazio é um pré-requisito para todo autêntico ato de criação” (BAUDRILLARD, 1 O excesso existente não é o ‘excedente’, ou seja, aquilo que não foi calculado ou controlado, porém o excesso de consumo e comercialização, que pode ser encontrado em quase todas as relações do homem, sendo assim abusivo e repressor.

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2007 : 115 – tradução livre da autora). Dessa forma, o excedente permite a exploração e é indispensável para a mudança da lógica atual onde apenas o ‘necessário’ é considerado, podendo entender desta forma a necessidade como privação. “Hoje é necessário fomentar este processo de fabricação de lugares. Permite sair das normas dimensionais, de ter este excesso, este supérfluo, que é indispensável e improgramável, que provoca a demasia, o demasiado grande, o demasiado alto, o demasiado sombrio, o demasiado feio, o demasiado rígido, o imprevisto, o radical.” (NOUVEL, Jean. 2007 : 66 – tradução livre da autora)

O supérfluo é importante para a instigação da criatividade do homem e sua compreensão do mundo que habita. Esse espaço pleno de possibilidades, oposto à produtividade, pode ser encontrado também nas brechas que as construções geram, são os espaços residuais existentes. Quando o vazio é um espaço residual, ou seja, existe dentro de um contexto concreto que o delimita, sua ressignificação pode ser disposta através da inserção de um novo ciclo a este local, ou seja, através de sua reciclagem. Esta reciclagem urbana reintroduz as velhas estruturas na cidade através de uma nova condição, operação distinta à reconstrução urbana – construir de novo o que existia. A reciclagem, ou ressignificação do vazio, surge a partir do reconhecimento que um

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“Asas do Desejo� um filme de Wim Wenders.

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período de vida chegou a um fim - ou talvez nunca tenha começado – gerando uma falta de valorização. É necessário, portanto, começar um novo ciclo, a partir de uma situação existente. Para isso, encontrase dentro das pré-existências e do contexto urbano, uma base para o desenvolvimento de uma nova condição, coerente em si mesma e em seu entorno, alterando não só o aspecto físico do “espaço vazio”, mas todo o sistema que compõe a cidade e o comportamento de seus moradores. (GUALLART, Vicente, 2001).

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3ยบ MOMENTO: revelar



[ NOVA ESTRUTURA DO TERRITÓRIO ]


Gegran, 1970.


3.1

LOCALIZAÇÃO E LUGAR

As grandes metrópoles estão muitas vezes presas à hegemonia do grande e do excessivo. Porém, é também pela diversidade gerada por esses conflituosos e complexos territórios, que existe uma grande manifestação de iniciativas criativas do uso dos espaços. A cidade de São Paulo sofre dentro deste contexto em que a esfera privada domina a cidade e gera ‘territorialidades’ segregadas e isoladas, mas também enriquece, através da apropriação de novos espaços, como é possível ver, por exemplo, na recente ocupação artística de um prédio abandonado na rua Ouvidor ou também da festa chamada ‘Buraco da minhoca’ que acontece no túnel sob a Praça Roosevelt. Mas em meio à sua complexidade, a cidade ainda guarda o pequeno, lugares muitas vezes desconhecidos ou esquecidos, que devido à constante mercantilização da cidade, tornam-se cada vez mais raros. Estes lugares são ‘vazios’ que ainda guardam a temporalidade do homem, ao invés da temporalidade da máquina. Dentro da realidade desordenada e fugaz, firmemente estabelecida no espaço urbano, os vazios são pausas, silêncios, que podem proporcionar um aprofundamento na relação das pessoas com o território que habitam. O bairro de Pinheiros é uma dessas localizações onde podem ser encontradas estruturas residuais de uma cidade já ‘superada’. O bairro

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Mapeamento, 1916.

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historicamente fora um núcleo modesto residencial que teve sua ocupação devido a sua proximidade com o Rio Pinheiros, importante rota de transporte. Desenvolveu-se apenas no começo do século XX em virtude das linhas de bonde que chegavam até o largo de Pinheiros junto com a abertura da rua Teodoro Sampaio. A inauguração do Mercado Municipal de Pinheiros também foi um importante marco na integração do bairro com a cidade, que se converteu em um núcleo receptor da produção agrícola da região paulista o que, consequentemente, motivou o estabelecimento de Pinheiros como um centro de comércio atacadista. A região, que já tem uma topografia muito acentuada, sofreu alterações que ressaltaram ainda mais seus desníveis topográficos devido à instalação das linhas de bonde: por questões de frenagem da linha que descia até o Largo de Pinheiros, instalada na rua Cardeal Arcoverde, criou-se um grande declive instaurado entre ela e a rua Teodoro Sampaio. Esta condição peculiar da região gerou uma conexão problemática entre essas duas artérias da metrópole; porém, uma leitura mais atenta do território demonstra que ela também proporcionou espaços diferenciados na região, como escadarias, pequenos viadutos ou passarelas, vilas e ruas sem saída, além de espaços possíveis de visualizar o horizonte, condição rara em cidades verticalizadas como São Paulo. Entre esses espaços, é possível considerar as escadarias como uma de suas grandes potencialidades -o que oferece possibilidades- por serem

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Mapeamento, 1924.

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vazios consolidados, ou seja, espaços ‘livres’ já conformados dentro do tecido urbano que dificilmente serão mercantilizados ou construídos. Além disso, por permitir unicamente a passagem do pedestre, as escadarias criam ruas ‘sem saída’ para carros, valorizando o caminhar. Além das escadarias, outra peculiaridade da região de Pinheiros que abarca a esfera do vazio são as várias vilas residenciais, conformadas por uma travessa com um pátio central que dá acesso às casas. Estas vielas surgiram como espaços exclusivamente privados, grandes lotes divididos em pequenas casas. Porém, a partir dos anos 1970, seus acessos estabeleceram-se como ruas ‘públicas’ por facilitar a manutenção de sua infraestrutura. Mesmo seus acessos sendo públicos, o isolamento destas vilas vêm ocorrendo através da instalação de portões em suas entradas, sendo poucas, hoje em dia, as que têm acesso livre. Outra mudança visível que se estabelece no bairro é a crescente verticalização instaurada pelos grandes edifícios residenciais: a região, que inicialmente era uma zona apenas residencial de classe média-baixa passa a ter um caráter mais central após a expansão do centro em direção a zona sudoeste da cidade – avenida Faria Lima e Paulista – a partir dos anos 60 e 70. Junto a este movimento, veio uma forte pressão imobiliária na região de Pinheiros, trasformando-a em uma zona de classe-média alta e comercial e gerando sua verticalização, processo que está se repetindo nos últimos anos, com um novo ‘boom imoboliário’ que se instaura na região.

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Foto aĂŠrea, 1958.

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Foto aĂŠrea, 2008.

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Uma paisagem contrastante é gerada: prédios altos com grandes recuos fechados para a rua diante de residências de baixo gabarito sem muros que proporcionam uma integração tanto visual quanto física ao espaço público. Esta dinâmica urbana do ‘pequeno’ estabelecida entre as residências e a rua é importante de ser mantida e revalorizada para fornecer um lugar mais humano dentro da cidade construída apenas pela lógica econômica. Apesar da existência de espaços singulares em Pinheiros, muitos são invisíveis. Subjugados pela metrópole e esquecidos pelo cotidiano, estes espaços podem ser repensados e reestruturados para promoverem sua apropriação e criação, para explorar sua própria qualidade ‘invisível’ colocando em cheque a ‘visibilidade hegemônica’ que domina a cidade em que tudo é imediatamente decifrável. (BAUDRILLARD, 2007). A busca é por uma estratégia de ‘revelação’ destes espaços, que mude sua forma de serem percebidos por aqueles que o percorrem, sem deixarem de ser essencialmente espaços vazios e “supérfluos”. “Trata-se de buscar cada vez uma espécie de prazer do lugar, tomando em conta coisas que não foram consideradas com anterioridade, que frequentemente são da ordem do azar, e inventar estratégias de valorização, uma poética das situações, avaliar elementos completamente aleatórios e decretar que é uma geografia: “É belo. E eu vou revelá-lo...” É uma estética da revelação, uma forma de tomar uma parte do mundo e dizer: “Me

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aproprio e o brindo para ser visto de outra forma”. A arquitetura neste século se encontra confrontada com dimensões que são imensuráveis, metafísicas.” (NOUVEL, Jean. 2007 : 33 – tradução livre da autora)

Assim, este ensaio foi elaborado buscando uma reinterpretação destes espaços através da inserção de uma nova estrutura organizadora do ‘lugar’, que proporciona sua construção simbólica. Partindo deste pensamento, era importante que estes ‘espaços singulares’ fossem conectados entre si e também às potencialidades próximas. Os espaços fragmentados são, assim, substituídos por um sistema que se sobrepõe ao tecido urbano existente. Estas articulações devem ser feitas de forma precisa para que os elementos dispostos neste novo sistema sejam propriedades de um ‘todo’ e estabeleçam sentido entre si e com seu entorno -uma cidade consolidada, que devido sua densidade dificulta a criação de passagens e novos espaços abertos. Se a construção simbólica é dada através do ato de caminhar, que permite a compreensão e apropriação do território através de sua travessia, esta nova ‘camada’ que se insere à cidade deve ser compreendida como um espaço propício a ação, percepção e ao percorrer. É o lugar ‘vazio’, permeável, percorrido apenas por pedestres, que redescobrem a velocidade da percepção corpórea.

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Assim, este sistema busca a maior permeabilidade possível, para que seus caminhos sejam sempre acessíveis e, portanto, conforme-se em um conjunto somado às ruas, que priorizam os carros e muitas vezes não estabelecem uma escala agradável ao pedestre.

Situação Atual

Projeto Proposto

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Fotos de Levantamento

Vila Residencial acesso pela escadaria rua Alves Guimar達es.

Vila Residencial acesso pela rua Cristiano Viana.

Acesso de Vila Residencial pela rua Alves Guimar達es.

Terreno Vazio rua Cardeal Arcoverde.

Escadaria rua Cristiano Viana.

Horizonte visto pela rua Cristiano Viana.

85 Grafite em processo na rua Cardeal Arcoverde.

Evento muscial na em loja da rua Teodoro Sampaio.

Escadaria rua Alves Guimar達es.


SITUAÇÃO ATUAL Potencialidades Construções Baixo Gabarito Construções Alto Gabarito

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SITUAÇÃO ATUAL 01. Igreja do Calvario 02. Hospital Sancta Maggiore 03. Biblioteca Pulbica Alceu Amoroso Lima 04. praça John Graz 05. praça Benedito Calixto 06. Colégio Objetivo 07. Fundacentro 08. Conselho Regional de Química

Edificações de Destaque Construções Vazios Existentes

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PROPOSTA PROJETUAL Potencialidades Vazios Existentes Linhas Conectivas Pontos Centralizadores Recorte Proposto

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PROPOSTA PROJETUAL 01. Igreja do Calvario 02. Hospital Sancta Maggiore 03. Biblioteca Pulbica Alceu Amoroso Lima 04. praça John Graz 05. praça Benedito Calixto 06. Colégio Objetivo 07. Fundacentro 08. Conselho Regional de Química

Edificações de Destaque Construções Proposta: Novas Articulações Recorte Proposto

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1924

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2014

Projeto

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3.2

ESTRUTURA DO Lugar “Diz-se frequentemente que a sociedade atual é caótica e que este fato há de conduzir à desordem arquitetônica: este argumento é superficial. Toda sociedade tem necessariamente uma <estrutura> determinada, que deveria encontrar seu correspondente marco físico. Seus aspectos caóticos se devem, a maioria das vezes, à falta desta correspondência.” (NORBERG-SCHULZ, Christian. 2008 : 12 – tradução livre da autora)

Era necessária uma ‘estrutura’ para esta nova ‘camada’, que permitisse um sentido além de sua realidade objetiva. Foi utilizado para isso o mesmo sistema de referências que originalmente atribuía sentido ao espaço vazio: Superfícies, Linhas e Pontos. Para que este sistema de referência abarcasse as diferentes atividades que o homem fundamentalmente pratica, foi relacionado com as três formas de vida activa segundo Hannah Arendt: Trabalho, Ação e Obra. Destaca-se assim, a importância de cada uma dessas três atividades : a necessidade do trabalho, a pluralidade da criação e a permanência da obra. “Interessa, em efeito, (…) esse possível ritmo entre o ocupado, o omitido e o enlaçado: cheio, vazio e enlaces (ou articulações), é dizer, superfícies, pontos e linhas que se interpelam em sequências e combinações espaciais.” (GAUSA, Manuel. 2001 : 194 - tradução livre da autora)

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Para o exercício projetual, a área de implantação foi reduzida para uma única quadra, para que desta forma, fosse possível um aprofundamento em cada um dos elementos estruturais do projeto. O recorte proposto se estabeleceu como a quadra que se localiza entre as ruas Cardeal Arcoverde, Cristiano Viana, Teodoro Sampaio e Alves Guimarães. A escolha desta quadra foi feita para que as duas escadarias existentes neste local fossem englobadas no projeto, além do grande número de vilas residenciais e vazios já existentes.

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RUA CARDEAL ARCOVERDE

RUA TEODORO SAMPAIO

ESTRUTURA DO LUGAR. Estruturas de Uso Livre Percursos e Vazios Pontos: Estruturas

de

Uso Livre

Superfícies: Programas Estabelecidos Linhas: Percursos + Vazios

Mudança de Uso Programas Estabelecidos Áreas Verdes

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superfĂ­cies: o trabalho

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As

superfícies são referências a territórios homogêneos e estão associadas ao ‘Trabalho’ por esta ser atividade exaltada dentro do domínio social, que prevê a homogeneização dos indivíduos e de seus espaços. Dentro da concepção do projeto, o Trabalho -atividade que se atém à funcionalidade, ao previsto- se relaciona aos Programas: espaços estabelecidos com usos premeditados. Estas superfícies onde ocorrem o programa são espaços construídos, ‘cheios’. Para estabelecer uma articulação plena dentro do sistema, era necessário que os programas fossem condizentes com seu entorno, em questões de uso e de localização. Para tal, os programas foram implantados próximos aos acessos das ruas, determinando os fluxos fixos e cotidianos. Deveriam ser facilmente acessíveis para que assim estabelecessem uma relação com a rua e pudessem gerar sempre certa visibilidade aos caminhos.


A quadra é rodeada por quatro ruas, portanto são criados quatro elementos programáticos. Estes tiveram seus usos estabelecidos de acordo com referenciais vinculados ao entorno próximo. Os programas associados ao acesso com a rua Cardeal Arcoverde e a rua Alves Guimarães são respectivamente um espaços expositivo e uma incubadora – espaço para o desenvolvimento de pequenos projetos que incitam uma diversidade de iniciativas. Ambos os programas se relacionam com o forte potencial cultural da rua Cardeal Arcoverde, um eixo reconhecido pela arte urbana e pelas iniciativas de pequenos projetos culturais independentes: saraus, encontros, performances, mostras, trocas de livros, que acontecem pelos centros culturais ou espaços para eventos de suas travessas. Já os outros dois elementos programáticos são convertidos em espaços voltados à música, uma atividade importante para grande parte do comércio da rua Teodoro Sampaio, que muitas vezes promove eventos musicais dentro de suas lojas. São estes um auditório, que se localiza no acesso com a rua Teodoro Sampaio, e um local para aulas de música acessível pela rua Cristiano Viana. Era importante que os programas, mesmo simbolizando a atividade do ‘trabalho’, tentassem escapar de sua lógica do consumo, por isso são concebidos para que tenham um caráter cultural.

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ELEMENTOS PROGRAMÁTICOS 01. Auditório 02. Espaço para aulas de música 03. Incubadora 04. Galeria/ Espaço Expositivo

rua Cristiano Viana

02

03

rua Cardeal Arcoverde

rua Teodoro Sampaio

04

01

rua Alves Guimarães

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GALERIA/ESPAÇO EXPOSITIVO Acesso pela rua Cardeal Arcoverde

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audit贸rio

Acesso pela rua Teodoro Sampaio

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LINHA: A AÇÃO


As

linhas são os caminhos a serem percorridos junto às praças que conectam os outros elementos do sistema; são lugares livres e abertos, que contrastam com a solidez e verticalização urbana que se encontram em suas bordas. Estas conexões promovem os atos de caminhar e perceber e assim, associam-se com a ‘ação’. O percurso é o ‘durante’, o espaço entre chegada e saída. Quando valorizado e transformado em um elemento organizador do espaço, este possibilita uma dilatação no tempo do ‘durante’, um período de percepção do ‘lugar’, que sofre diferentes apropriações de sentido através daqueles que o percorrem. Estes caminhos precisam vencer desconexões geradas pela topografia acentuada, portanto, a implantação de novos elementos de circulação vertical -rampas e escadarias- é de extrema importância para existir conexão entre os todos os níveis em que os acessos são feitos. Ao mesmo tempo que são elementos conectores, foram projetados para oferecer uma espacialidade que possibilite uma utilização mais flexível como, por exemplo, arquibancadas para a visualização de performances ou espaços de permanência. As praças são projetadas para terem amplitude necessária para serem confortáveis e permitir a integração visual e física de todos os elementos do sistema. Se a ação pertence intrinsecamente ao domínio público, o

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vazio é o espaço público que relaciona os que estão presentes. Partindo desta diretriz, duas grandes praças abrem-se no interior da quadra: uma já existente (o pátio de uma das vilas que compõe o projeto) e outra criada através da retirada de quatro residências. Devido a sua amplitude e centralidade, esta é compreendida como a praça principal do projeto. Estes espaços passam por um processo de ressignificação através da implantação geral deste sistema, deixando de ser vazios residuais para tornarem-se lugares substanciais onde as geometrias que o contornam conseguem “inspirar e expirar”(GAUSA, 2001). Por estarem entre os edifícios residenciais situados na quadra, essas praças têm bordas delimitadas por grandes muros. Por ser uma situação existente, era preciso tornar estes muros parte de sua composição, ao invés de negá-los. Dessa forma, os muros podem ser pensados como suportes para possibilidades, como projeção de filmes, ‘telas’ para arte urbana e grafite, jardins verticais, painéis informativos com datas de eventos ou simplesmente muros que simbolizam o limite entre espaço privado e público. “Uma paisagem parece aberta ou fechada porque suas formas expressam nossos movimentos possíveis.” (NORBERG-SCHULZ, Christian. 2008 : 110 - tradução livre da autora

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PRAÇA EXISTENTE Eleveções da Praça Existente após Intervenção

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PRAÇA PRINCIPAL Eleveções da Praça Central [Situação 01]

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PRAÇA PRINCIPAL Eleveções da Praça Central [Situação 01]

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PRAÇA PRINCIPAL [Situação 01]

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ponto: a obra


“Atualmente, a vida social carece de coerência e significado. Devemos recordar, portanto, que a arquitetura não só conforma um marco em torno das atividades existentes, como esse marco pode dar lugar a novas atividades; a arquitetura atua sobre a sociedade e pode favorecer a criação de uma comunidade mais rica.” (NORBERG-SCHULZ, Christian. 2008 : 84 – tradução livre da autora)

Os pontos simbolizam marcos, lugares específicos, como por exemplo os espaços gerados através dos monolitos. A verticalização de uma pedra representava um marco no território que se expressava na paisagem como um ponto singular. Por demarcar o território, os menires deveriam perdurar. Eles simbolizavam espaços sagrados, ritualísticos, que precisavam ter sua memória mantida através do tempo, além de comporem um sistema de localização que não poderia ser efêmero. Por constituírem espaços singulares e por sua necessidade de permanência, os pontos fazem referência à ‘obra’. A obra constrói o mundo através de sua materialidade e da memória gerada por meio da experiência do homem com a matéria. Dentro da concepção do projeto, era importante que esta fosse simbolizada por um elemento também singular que, através de sua materialidade, promovesse uma abrangência de experiências que criasse vínculos mais profundos entre homem e lugar, possibilitando sua permanência e durabilidade.

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“Os objetos, ou seja a forma que designamos o mundo, se expressam através do nosso comportamento” (NORBERG-SCHULZ, Christian. 2008 : 36 – tradução livre da autora)

A obra foi então concebida como três grandes ‘Estruturas Metálicas de Uso Livre’ onde não há um programa funcional pré-concebido, mas justamente a busca pela experiência e pela apropriação do espaço através de diferentes formas de uso possíveis. Essas estruturas deveriam incitar um uso criativo e seriam determinadas através dos acontecimentos que fossem gerados em seu interior. Se através do ideal utilitarista a obra muitas vezes perde seu próprio sentido, pois torna-se sempre ‘um meio para o fim’, partindo do propósito contrário, do uso ‘supérfluo’ e desnecessário, ela poderia ter um valor em si mesma. “Em um certo momento, com tudo passa como com o poema: pode dar-lhe todas as interpretações que quiser, mas ele está aí. O objeto se esgota em si mesmo, nisso é literal; já não te apresenta mais a questão da arquitetura ou da poesia, tem um objeto que literalmente te absorve, que se resolve nele mesmo a perfeição. Há aí minha forma de dizer singularidade... E é preciso que, em um certo momento, esta singularidade produza acontecimento desta maneira.” (BAUDRILLARD, Jean. 2007 : 103 – tradução livre da autora)

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Para a possibilidade de uma pluralidade experiências, essas ‘caixas metálicas’ buscam revelar as variações do tempo, da luz, das estações e captar também os movimentos dos visitantes, par a que tudo isso faça parte da composição arquitetônica (NOUVEL, 2007). Para isso, a estrutura primária é sobreposta por um invólucro composto por brises – chapas de aço corten – colocados lado a lado por toda extensão da estrutura. Este envoltório cria condições de luz e sombra variantes gerando uma ‘espacialidade interna’, mesmo sendo mantida uma permeabilidade muito grande fluxo de pessoas e ventilação natural. Era importante também que seu sistema construtivo permitisse uma flexibilidade de uso e facilidade novas instalações, provisórias ou não: níveis, pequenas construções para eventos, estruturas atirantadas para exposições, intervenções artísticas, entre outros.

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DIVERSOS USOS

ESPAÇO

DE

FEIRAS

LIVRES

SHOWS

EXPOSIÇÕES

PERMANÊNCIA

Atividades Físicas Atividades Esportivas Encontros Manifestações Palestras Assembléias Discursos Vernissages Concertos Apresentações Exposições Intervenções Workshops Oficinas Arte Urbana Feiras livres Feiras de Antiguidades Shows Concertos Passeios Espaço de Leitura Espaço de Permanência Ensaios Festas Eventos


ESTRUTURAS METÁLICAS DE USO LIVRE Sistema Construtivo

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Cada uma destas ‘caixas’ tem pequenas singularidades que as distinguem e as relacionam com sua localização dentro do sistema. A primeira delas repousa sobre o acesso do auditório, na rua Teodoro Sampaio. Contém um rasgo lateral para iluminação do jardim que se encontra no nível de baixo – junto ao auditório. Sua grande abertura olha para a rua, emoldurando a paisagem urbana. O mesmo acontece com a segunda estrutura: posicionada sobre à rua Cardeal Arcoverde, abrange o horizonte amplo que o desnível acentuado da topografia revela. Para valorizar esta visão rara na cidade, a estrutura tem uma fachada basculante, que se abre, transformando-se em um ‘mirante’. Estas duas estruturas são posicionadas nas extremidades opostas do projeto, para que sejam visíveis e permitam a identidade desse sistema. Um transeunte, ao identificar estruturas semelhantes, reconhecerá que fazem parte de um ‘todo’ que se estende ao longo da quadra, despertando sua curiosidade pelo que está ‘entre’ elas. Neste ponto, localiza-se a terceira estrutura. Situada em um ponto importante do interior da quadra, pressionada em suas duas laterais por construções muito altas, ela conecta a duas praças principais. Esta última ‘caixa’ estabelece continuidade com a primeira através da extensão do seu rasgo lateral, que agora se conforma como uma rampa de acesso ao nível inferior – onde se localiza a ‘infraestrutura’ (elemento que será tratado adiante). Para que seu uso fosse ainda mais explorado e diverso, esta estrutura

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se movimenta, adentrando a nova praça criada e abrindo uma de suas fachadas para criar uma cobertura. Essa possibilidade de transformação era importante para que o projeto estabelecesse vínculos com o ambiente externo também cambiante e para que sua interação com os outros elementos do sistema fosse maior, provocando situações diversas. Quando a fachada se abre, tornandose uma cobertura, esta estrutura pode abrigar outros acontecimentos, maiores, que envolvem à espacialidade da praça, da escadaria e da vila residencial existente ao nível superior. “Mas talvez a função mais importante da arte é criar novos objetos. A obra de arte pode concretizar um possível complexo de fenômenos, quer dizer, situações manifestas de vida possíveis, mesmo que ainda não experimentadas, e exige novos tipos de percepções, experiências que se fazem significativas de acordo com sua relação com o mundo de objetos já existente. Assim a obra de arte pode mudar o homem e seu mundo e se explica o velho ditado de que <a arte nos ensina a ver as coisas de outra maneira>. Por outro lado, a arte pode ter também uma função <estabilizadora> ao repetir situações de vidas conhecidas, um dever que é, socialmente, também importante” (NORBERG-SCHULZ, Christian. 2008 : 49 – tradução livre da autora)

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O movimento da estrutura provoca uma interação entre diversos elementos, que merecem ser compreendidos como integrantes de um sistema e não partes fragmentadas. É por este motivo que era necessário que estas três estruturas tivessem um ponto em comum que fosse além de sua materialidade ou sistema construtivo. Elas deveriam ser lidas da mesma maneira. Se os menires tornavam-se marcos através de sua verticalização, a ‘obra’, neste caso, deveria provocar o mesmo através do mesma estratégia. Assim é estabelecida uma cota de nível (+ 793.00) para todas as coberturas das estruturas se encerrarem no mesmo momento, independentemente do nível em que se apoiam no chão. Dentro de um sistema maior, que abarcasse mais que uma quadra, esta determinação criaria um plano visível no nível estabelecido, demarcando o território.

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ESTRUTURA DE USO LIVRE 01 Acesso pela rua Teodoro Sampaio

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ESTRUTURA DE USO LIVRE 01 Acesso pela rua Teodoro Sampaio

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ESTRUTURA DE USO LIVRE 02 Acesso pela rua Cardeal Arcoverde

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ESTRUTURA DE USO LIVRE 02 Acesso pela rua Cardeal Arcoverde

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ESTRUTURA DE USO LIVRE 03 Estrutura Central

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ESTRUTURA DE USO LIVRE 03 Estrutura Central [Situação 01]

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PRAÇA PRINCIPAL [Situação 02]

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espaรงos servidos e servidores


O projeto exalta o espaço livre, que não tem necessidade de corresponder à nenhuma questão funcional objetiva, propondo com que sua base seja este excedente que possa se dedicar a questões mais humanas e menos ‘sociais’, que a funcionalidade, o trabalho e o consumo. Porém os elementos organizadores deste espaço – superfície, linha e ponto – conformam espaços principais que devem ser servidos. Para isto, existe a necessidade de um momento que se fundamente na infraestrutura. O equilíbrio do espaço ‘livre’ deve ser garantido por serviços ‘necessários’ que conformariam assim os espaços ‘servidos’ e ‘servidores’ (KAHN, 2002). A existência da infraestrutura vem se contrapor à liberdade das ‘caixas’ metálicas que simbolizam a ‘obra’. Portanto, um eixo infra estrutural instala-se sob a estrutura de uso livre central do projeto, junto à praça principal, materializando o contraste entre o ‘cheio’ da necessidade com o ‘vazio’ da liberdade. Este espaço abarca os sanitários, depósitos, áreas administrativas, entre outras áreas sobressalentes para a instalação de equipamentos futuros se necessários. Esta área de infraestrutura integra-se à praça através da continuidade do rasgo estabelecido por sua rampa de acesso: um eixo de vidro se estende ao longo do piso da praça, promovendo a iluminação do espaço inferior e a permeabilidade visual entre os dois níveis.

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“Trata-se então de projetar o vazio, sua forma e disposição. Não como um acontecimento residual ilhado ou excepcional mas como um sistema operativo associado a própria canalização de fluxos. Se durante anos o trabalho da arquitetura se concentrou no pleno – o edifício, o edificado-, hoje ambos os termos devem e podem combinar-se articuladamente. Estes contratos entre lugares podem se articular, em efeito, em sucessivas séries positivo-negativo, vazio-pleno, que –bem desenhadas em todas as escalas – favoreceriam a diversidade, o contraste e a identidade através do próprio papel outorgado aos espaços relacionais.” (GAUSA, Manuel. 2001 : 605 – tradução livre da autora)

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INFRAESTRUTURA Espaรงos Servidores

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pré-existências e intervenção


De

acordo com a intenção inicial, o projeto deveria revelar espaços diferenciados da cidade que exaltam a pausa e o pequeno, como as vilas residenciais existentes e as escadarias. Portanto, era claro que elas deveriam ser integradas como parte do sistema. Novos caminhos foram criados para que elas pudessem ser descobertas; seus pátios das vilas foram anexados aos espaços vazios, tornando-se mais um local aberto ao público. Mesmo que a ‘operação’ procurasse o menor impacto, algumas intervenções transformadoras foram necessárias para que o projeto pudesse abarcar todas as suas intenções. Desta forma, quatro residências foram retiradas para que a praça principal pudesse se abrir no meio da quadra. Além disso, a vila que tem seu acesso pela rua Cristiano Viana próximo à escadaria, sofre uma mudança de uso. Para que este novo espaço na cidade consiga incluir diversos usos e usuários, estas casas são apropriadas como cafés e restaurantes. O desenho original das construções se mantém, mas são propostos pequenos rasgos para criação de espaços externos com áreas verdes. Uma única casa é retirada para que um novo caminho seja estabelecido: ao subir a escadaria proposta na rua Cardeal Arcoverde, o transeunte se defrontaria com o novo percurso arborizado entre os restaurantes, que o permite ver o que existe do outro lado, no outro nível, inspirando sua travessia.

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Nas outras vilas, tanto uso como materialidade são respeitados e mantidos intactos, mas sempre buscando sua integração com o projeto. Desta forma, seus quintais passam a conformar parte do espaço público e seus acessos são sempre feitos pelos percursos abertos. Assim, encerra-se a ‘operação’ de introduzir um novo ciclo a esta estrutura urbana existente, alterando não só seu aspecto físico restrito, como parte do sistema de mobilidade que compõe a cidade e o comportamento daqueles que percorrem esta área.

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MUDANÇA DE USO

Adaptação de Vila residencial em área de restaurantes e cafés.

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PLANTA

Cota +779.00

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rua TEODORO SAMPAIO

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rua cardeal arcoverde

PLANTA

Cota +781.00

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rua TEODORO SAMPAIO

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rua cardeal arcoverde

PLANTA

Cota +784.00

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rua TEODORO SAMPAIO

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rua cardeal arcoverde

IMPLANTAÇÃO Cota +793.00

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3.3

FILTROS E MATERIALIDADE “(…) um edifício pode compreender-se como um <filtro> que transforma as condições <geográficas> existentes. Deixamos penetrar a luz e o calor, ou o impedimos, de acordo com nossas necessidades, e mudamos a estrutura espacial do entorno para facilitar o exercício de funções específicas.” (NORBERG-SCHULZ, ANO, P 110 – tradução livre da autora)

Pensando os diferentes elementos estruturais do projeto como ‘filtros’, era claro que cada um deveria ‘filtrar’ as condições externas distintamente, conformando a materialidade das construções de forma correspondente à atividade sugerida –trabalho, ação ou obra. Os ‘programas’ pré-estabelecidos relacionam-se com o ‘trabalho’, atividade que gera introspecção. Por isso, os programas são concebidos como objetos de concreto fechados, sem aberturas laterais que promovam relação com o meio externo. Toda iluminação e ventilação são zenitais, permitindo a entrada de luz e o conforto térmico sem a continuidade visual que as janelas proporcionam. No caso, dois programas são ‘enterrados’ e suas coberturas são aproveitadas para se vincularem aos espaços vazios. Desta forma, somente enquanto estabelecem atividades programadas estes objetos se mantêm fechados, assim como o corpo se mantém voltado para si durante o processo do trabalho. A escolha do concreto parte de sua habitual utilização nas construções civis. O

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‘trabalho’ produz o que é previsto, o comum, que em questões materiais se traduziriam pelo concreto. As praças e os percursos são o oposto. Proclamam a liberdade e por isso, devem ser completamente abertos. Como a ‘ação’ é a única forma de relação do homem com o mundo em que não há necessidade de um intermediário, os vazios não tem intermediários com o espaço externo, pois são o espaço externo. Assim, estão vulneráveis a todos as situações climáticas -insolação, chuva, vento, garoa. Deixando os homens ‘livres’ de condicionamentos artificiais, estes espaços podem provocar situações imprevistas e formas de interação diferenciadas. Já as estruturas de uso livre buscam uma iluminação diferenciada através de feixes de luz que se alteram ao longo do dia e sombreamentos inesperados. Se o programa é fechado e o vazio aberto, as estruturas de uso livre são o equilíbrio entre ambos; ‘peneiras’ que permitem a entrada parcial de luz e ventilação em diferentes situações, incitando estímulos sensoriais. Ao mesmo tempo em que protegem e criam uma espacialidade interna, não contém grandes superfícies fechadas, o que fornece uma grande permeabilidade entre espaço interno e externo. “E assim há edifícios que são considerados lugares de bem-estar, onde podemos desenvolver a percepção de que o corpo é o nosso instrumento mais precioso, e onde podemos, então, conhecê-lo e honrá-lo.” (KAHN, Louis. 2002 : 49)

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Para diferenciar o uso de materiais, questão importante para a identificação destas ‘caixas’, suas estruturas são concebidas em aço corten, material distinto que sobressai diante da homogeneidade da cidade e permite a durabilidade que a ‘obra’ necessita, além de promover a flexibilidade de uso desejada para o projeto. A verticalidade das estruturas também é uma importante simbolização. Atingem alturas de 9 e 12 metros de pé-direito livre, uma escala condizente com o propósito de demarcar do território e simbolizar à ‘obra’, aquilo que tem permanência e pode ser ‘maior’ que o homem em sua individualidade.

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IMAGEM AÉREA [Implantação do projeto]. 155


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IMAGEM AÉREA [Implantação do projeto]. 157


IMAGEM AÉREA [Implantação do projeto]. 158


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“(...) não projetem apenas construções, criem também espaços livres que preservem o vazio, para que o cheio não nos obstrua a vista, que ele deixe o vazio para nosso descanso.” (WENDERS, Wim. A Paisagem Urbana, 1994)



ANEXOS


CROQUI [planta] 164


165


CROQUI [corte] 166


167


CROQUIS [cortes] 168


169


CROQUIS [concepção] 170


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CROQUIS [concepção] 172


173


CROQUIS [concepção] 174


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bibliografia


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livros ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 2010. BAUDRILLARD, Jean e NOUVEL, Jean. Los objetos singulares. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2007. CAMUS, Albert. O estrangeiro. Rio de Janeiro: Record, 2012. CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Paulo: Editora G. Gili, 2013. GALEANO, Eduardo. Bocas do tempo. Porto Alegre: RD: L&PM, 2010. GAUSA, Manuel et allii. Diccionario metapolis de arquitectura avanzada. Barcelona: Actar, 2001. HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2012. MERLEAU-PONTY, Maurice. A prosa do mundo. São Paulo: Cosac Naify, 2007. NESBIT, Kate (org.) Uma nova agenda para arquitetura: antologia teórica 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

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NORBERG-SCHULZ, Christian. Intenciones en arquitectura. Barcelona: Ed. Gustavo Gili, 2008. KAHN, Louis I. Conversa com estudantes. São Paulo: Editora G. Gili, 2002 WENDERS, Wim. A Paisagem urbana, Revista do patrimônio histórico e artístico nacional n°23, 1994.

SITES PREFEITURA DE SÃO PAULO <prefeitu ra .sp.gov.br/cidade/secreta r ias/subprefeitu ras/pinheiros/ historico/> visitado na data: 12/04/2014

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