Fuga do Congo: A busca pelo recomeço

Page 1

Fuga do Congo A busca pelo recomeรงo Larissa Leรฃo Gondin



Larissa Leรฃo Gondin

Fuga do Congo A busca pelo recomeรงo


Universidade Paulista – UNIP Instituto de Ciências Sociais e Comunicação Curso de Graduação em Jornalismo Trabalho de Conclusão de Curso “Fuga do Congo – A busca pelo recomeço” Orientador Prof.ª Mônica Mandaji Autora Larissa Leão Gondin Projeto Gráfico Giovana Lima Camargo Universidade Paulista – UNIP 2017 São Paulo


“Sou Imigrante, emigrante, migrante Resistente, com força para viver, almejando viver Sou resistível como um Leão da África” (Moises António)



Para os refugiados entrevistados que em suas individualidades tocaram o meu coração.



Sumário Introdução 11 Cap. 1: O coração da África

13

Cap. 2: Conflito e Refúgio Documentação O Conector e outros obstáculos

33 41 44

Cap. 3: Desafio de ser refugiado

51

Anexo 69



Introdução Imagina ter que sair do seu país contra a sua vontade e despedir-se da sua família sem saber quando irá vê-los novamente. Seu caminho é atravessar um continente e o Oceano Atlântico para um lugar onde você não escolheu com uma cultura e língua diferente da sua. Em meio a um cenário de guerra e de perseguições, as tentativas de viver uma vida comum em um ambiente em que se luta diariamente pela vida, aumentaram. O seu governante não deixa você ter liberdade de expressão. Ele e os rebeldes de países vizinhos violentam a sua mulher como estratégia de guerra, te tortura, te persegue e te mata. A busca por paz, onde você possa caminhar pelas ruas e estar seguro é a razão de muitos refugiados deixarem o seu país, onde já não há mais esperança. Eles só querem viver, porque voltar não é uma opção para quem refugia-se em outro país. O perigo ao regressar para o lugar onde você nasceu pode lhe custar a vida. Segundo dados da ACNUR, ao final de 2016 havia cerca de 65,6 milhões de pessoas forçadas a deixar seus locais de origem por diferentes tipos de conflitos: perseguição política, religiosa, raça ou associação a determinado grupo social. Por mais de vinte anos, a República Democrática do Congo sofre com as guerras civis, com a exploração dos seus recursos naturais e com a ausência de um governo democrático. As consequências dessas ações têm efeitos drásticos que vão de encontro com a população. “Fuga do Congo – A busca pelo recomeço” é um livro que dá 11


vida e voz às estatísticas relacionadas ao número de refugiados congoleses que vem para São Paulo recomeçarem as suas vidas. Por meio de suas histórias que estão entrelaçadas com o Congo, eles contam as razões do pedido do refúgio, as dificuldades ao chegar em solos brasileiros e o preconceito que enfrentam. A luta em terras brasileiras é por um pedaço de paz e esperança de viver. *Para a segurança dos entrevistados os nomes foram mudados e abreviados.

12


Cap. 1

O coração da África



Capítulo 1

O coração da África

A República Democrática do Congo é um país desconhecido para a maioria das pessoas. Viver no Congo é como se fosse um paraíso devido a sua fauna, flora, cultura, comidas típicas, os seus recursos naturais e o seu povo que fazem parte da riqueza e da grandeza deste país. Lembro que quando conversei com A.K., um congolês muito simpático e sorridente estava fazendo muito sol na cidade de São Paulo. Apesar da conversa ter sido debaixo de uma sombra fresca, o calor conseguia nos queimar. A.K. me levou até uma cadeira para que pudéssemos conversar melhor. A mesa era retangular e ficamos de frente para o outro. Em meio a muitas risadas e trocas de experiências, A.K. me contou que está em São Paulo faz um ano. Ele morou no Congo até os cinco anos de idade, quando foi estudar na França e depois voltou para o seu país. Agora com quase vinte anos, ele veio com a sua família para São Paulo, pois corriam risco de morte. A.K. falou que tem boas memórias do Congo. “Um dia, eu fui a um restaurante e queriam que eu comesse carne de cobra” – ele me contou encenando como foi sua reação ao ver aquele prato. Seu olhar demonstrava nojo e mostrou estar espantado por ser uma cobra. Em troca, fiz uma careta de medo para ele e lhe perguntei: “E você comeu a cobra?!” – falei aflita imaginando a situação e o gosto que a cobra deve ter. “Claro que não” – ele riu de forma descontraída – Eu falei que não ia comer aquilo não... – e nós dois rimos com a situação. A.K. contou animado que ama a coxinha do Brasil, mas o arroz e o feijão ele não gosta muito. Em seguida, me explica em relação a cultura de seu país. As pessoas comem lá qualquer tipo de carne animal, exceto daquele animal “cultuado” pelos habitantes, situação que se repete por diversos países 15


Capítulo 1

O coração da África

da África. No caso do Congo, o leopardo é o símbolo nacional. A história conta que no Congo, há um grupo étnico chamado “Batetela”, em que para um menino se tornar homem, ele teria que passar por uma iniciação vestindo-se com a pele de leopardo. Somente nessa condição, ele poderia se tornar um guerreiro. Esses jovens eram chamados de “Guerrier Léopard” (Guerreiro Leopardo). Durante as invasões e ocupações pelos soldados coloniais da Bélgica ou a serviço da Bélgica, as comunidades Batetela se reuniram, aproveitando o silêncio da noite e armados com arcos e flechas atacaram os colonizadores enquanto dormiam. Esses mesmos jovens foram considerados os protetores do patrimônio do povo Batetela e das suas respectivas comunidades. O primeiro-ministro do Congo, Patrice Lumumba foi pai da independência do Congo e um Batetela. Foi então lhe oferecido um chapéu de pele de leopardo, simbolizando o “Guerrier Léopard”. Sendo assim, o leopardo representa a força e perseverança do povo congolês na luta pela liberdade e a sua independência. Foi também uma forma de despertar a juventude congolesa para que se tornassem jovens “Guerrier Leopard” e para que protegessem suas comunidades e o Congo inteiro. Outro prato cultural do Congo que tomei conhecimento foi pelo congolês F.F., que está no Brasil faz quatro anos. Ele então me falou sobre algo muito comum que o povo congolês come chamado “Fufu”. “O que é?” – perguntei curiosa. “Farinha de milho. Você faz uma pasta, como se fosse um purê” – explicou ele gesticulando com as mãos. – Nós comemos folha de mandioca também. Achei bem curioso a parte da folha da mandioca, já que aqui em São Paulo é algo incomum. Confesso que me despertou curiosidade 16


Capítulo 1

O coração da África

para experimentar. Será que é bom?! Um dia espero comer. O encontro com F.F. foi intenso. Fomos até o novo Sesc 24 de Maio localizado no centro da cidade de São Paulo. Lembro que cheguei cedo e fiquei esperando-o em um banco logo na entrada. Mais tarde, meu celular tocou e logo, o avistei e levantei a mão para que ele me visse. Em seguida, tomamos o elevador e subimos para a área de alimentação para que pudéssemos pegar uma mesa. Durante o encontro, conversamos sobre diversos assuntos, entre eles, a sua saída do Congo, suas dificuldades ao chegar no Brasil e como foi o seu acolhimento em terras brasileiras. F.F. me marcou muito. Desde a sua simplicidade ao brilho no seu olhar ao me contar seus sonhos e projetos futuros. F.F. me trouxe referência a palavra carinho, irmandade e generosidade. “Como é o Congo? Do que você sente falta?” – perguntei. “Eu sinto muita saudade do meu país. Lá eu tinha uma boa vida. Quando eu falo nessas palavras, não significa ter muito dinheiro. ‘Boa vida’ é viver com a sua família, com a sua comunidade e, além disso, ter a sua liberdade. Porque lá no Congo, nós vivemos como uma família. Mesmo nas ruas ou nas avenidas, eu posso entrar na casa do meu amigo ou do meu vizinho. Sinto muita falta do respeito” – sua voz por um instante falhou. Percebo que sua mente estava em outro lugar: em seu país junto da sua família. Naquele momento, me emocionei. Uma onda de sentimentos me envolveu ao ouvir aquelas palavras. Ele em seguida completa: “Nessa parte de comida, eu não sinto falta. O que eu sinto falta mesmo é a convivência que eu tinha lá com a minha família e com os meus amigos.” “Você veio sozinho para cá?” – questionei. “Sim. Quando eu penso nisso, eu fico muito triste. Mas com a minha situação, com a minha condição, eu não posso voltar.” 17


Capítulo 1

O coração da África

O diretor congolês de uma ONG localizada no centro de São Paulo, que me chamou a atenção pelo seu olhar sério e sua forma de pensar, me recebeu diversas vezes no seu escritório para que pudéssemos falar sobre a verdade que a mídia não divulga. V.G. fundou a organização para ajudar outros refugiados que chegam na cidade e precisam de auxílio. Lembro que quando estive lá, um rapaz congolês aguardava ser atendido por ele. Ele havia saído do Congo e foi para o país vizinho, Angola. Lá, ele conseguiu o seu visto e imediatamente veio para o Brasil em situação de refúgio. O cenário do Congo envolve diversos conflitos externos e internos que provocam a saída da sua população para outros países e até mesmo para outros continentes. A necessidade de sair do país de origem pode lhe custar a vida e muitos refugiados buscam uma forma mais rápida para se salvar. V.G. me explicou que o Congo vive há mais de vinte anos em guerra. Desde o começo, a população sofre para manter a estabilidade política, com os massacres e com os governantes corruptos. A guerra no Congo é tratada pela mídia como algo que já aconteceu e que não existe mais. Porém, não é a verdade. A realidade é que o conflito se intensificou e pode piorar se fecharmos os olhos para o povo africano. “O Congo é um país rico. Cerca de 80% do minério coltan, que faz o celular, está no meu país. Hoje, todo mundo quer ter celular novo, mas será que as pessoas sabem que ele vem do Congo? – ele levanta a sobrancelha e em seguida lista algumas marcas que possuem uma parte do Congo em sua composição tecnológica – IPad, IPhone... Tudo está lá. É uma injustiça – seu olhar fica mais sério – Um quilo de coltan lá, se paga cinco dólares e na Europa se vende por quinhentos mil dólares. É um lucro absurdo. Essas são as coisas que acontecem no Congo, um país rico assim não vai ter a paz” – ressaltou. 18


Capítulo 1

O coração da África

O coltan ou “ouro azul” como também é chamado, pois sua combinação é composta pelos minerais columbita e a tantalita, dos quais se extraem metais mais cobiçados do que o ouro, pode ser utilizado em diversos produtos como: telefones celulares, tablets, computadores, aparelhos de surdez, soldas para turbinas e entre outros. As consequências desse minério ao ser explorado muitas vezes acessível de forma artesanal, facilita que os interessados possam atuar ilegalmente e contrabandear essas riquezas para o mercado negro. Com isso, aventureiros e empresas estrangeiras vão até o território onde o poder central tem dificuldades para controlar, especialmente na República Democrática do Congo. Com o avanço da tecnologia, podemos refletir sobre como a questão do Congo é algo que interfere em todas as vidas, seja ela, negro, branco, americano, brasileiro, chileno ou coreano. Não importa a nacionalidade e a religião. O assunto é global. É perceptível que a tendência da guerra é aumentar com o avanço das novas ferramentas tecnológicas. Mas nossa atenção deveria voltar-se para o Congo. Como o coltan é explorado para a sua obtenção? Essa deveria ser uma das perguntas que toda potência envolvida deveria questionar. Mas a maioria da população do planeta desconhece a origem das peças do seu celular. Em suas mãos há o sangue de talvez duas crianças que morreram para você ter o seu celular. De acordo com a matéria do jornal Brasil de Fato1, publicada em 2012, a extração de coltan contribui para manter um dos maiores conflitos armados da África. Nos últimos vinte anos, ele causou mais de cinco milhões de mortos e 300 mil violações de mulheres, segundo organizações de direitos humanos. Além disso, de acordo com a matéria, um grupo de especialistas

1

Link da matéria: https://www.brasildefato.com.br/node/10572/

19


Capítulo 1

O coração da África

convocado pelo Conselho registrou até 2003 cerca de 157 empresas e indivíduos de todo o mundo vinculados, de um modo ou de outro, à extração ilegal de matérias-primas valiosas no Congo. Devido a sua exploração em dezenas de minas informais, o coltan financia grupos armados e corrompe os militares. A extração artesanal, sem nenhum controle de qualidade, leva os trabalhadores a estarem próximos de um trabalho escravo, um grande dano ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores, incluindo crianças que são obrigadas trabalhar nesse ambiente. Para V.G., as crianças que morrem sendo exploradas para a obtenção do minério, não precisam do celular e sim da paz para cultivarem suas terras, e conseguirem o que comer. “É disso que eles precisam – ele afirma – Mas até isso eles não conseguem, porque a riqueza do país não serve mais para eles. Eles estão querendo viver. – contou inconformado – Então vai caçar, conseguir algum um animal para comer e pronto. Mas até isso não tem! Estamos em um país rico nos recursos naturais, mas a sua população está pobre e mais pobre.” V.G. me contou também que a Floresta do Congo é uma floresta tropical e equatorial, considerada uma das mais antigas do mundo. Ela é a segunda maior floresta tropical do mundo, depois da brasileira, a Floresta Amazônica. O Congo, por estar localizado na África Central, o país recebe essa denominação “Coração da África”. Sua capital é a Kinshasa e há quatro línguas nacionais: Lingala, Kingongo, Shawilhi e Tshiluba. A língua oficial é o francês. Atualmente, o país possui 77,2 milhões de habitantes2.

2

Fonte: Banco Mundial, 2017.

20


Capítulo 1

O coração da África

Apesar desse cenário rico, as pessoas que vivem no Congo estão morrendo todos os dias. Todos querem um pedaço do coração da África. Há uma frase que diz: “o Congo é um pesadelo no paraíso. As pessoas estão vivendo como se estivessem no inferno.” Essa realidade reflete nos números que estão sendo divulgados quando falamos de pessoas em situação de refúgio. Apesar do amor pelo país, os congoleses estão sendo obrigados a sair em busca de um lugar para viver. Afinal, a riqueza do país tem alimentado não só a sua miséria, mas a condição de vida de seu povo, ao andar pelas ruas, de ter liberdade de expressão e opinião política. Para entender o que acontece no Congo precisamos voltar em sua história que desde 1885 sofre com as atitudes de seus governantes. Na época, a República Democrática do Congo era denominado Congo Belga, pois pertencia a colônia da Bélgica. Esse período foi comandado pelo rei Leopoldo II, que ficou marcado por um mandato brutal, de chicotadas, sequestros e abusos. Na época, o rei deu ao ser assessor a missão de investigar o que a África podia proporcionar para os seus futuros colonizadores. Foi descoberto dessa forma, por exemplo, o Rio Congo e novas terras para ser exploradas. Na África, já existia civilização e então, o rei belga e outros países europeus dividiram as partes do continente entre si. O Congo sobrou para o rei Leopoldo que fez dessas terras a sua propriedade particular, usando trabalho escravo. Na época, a riqueza era o látex que da matéria prima fazia-se pneus. Porém, por causa desse comércio houve um massacre no Congo. Mais de um milhão de pessoas mortas no período em que o Leopoldo esteve presente (vinte e três anos). Nessa mesma época, foi descoberto também o cobre, o outro, o diamante, o cobalto e outros recursos naturais. Antes de conseguir a sua independência, o Congo sofreu com a colonização. V.G. explica: “O Congo conseguiu a sua independência em 30 de junho de 21


Capítulo 1

O coração da África

1960. Em que o presidente eleito, que se chamava Joseph KasaVubu e o primeiro ministro Patrice Lumumba. Como naquele período o branco não queria sair, deixar esse país tão rico da África, eles decidiram criar bagunça. Essa confusão foi aumentando, em que o primeiro ministro foi acusado, criando conflitos entre eles e o presidente. Foi uma bagunça geral. E eles queriam colocar JosephDésiré Mobutu, que era um deles, que não foi eleito, mas que foi um militar que ficou no poder de 1965 até 1997”, explicou o congolês. “Ele foi colocado mesmo lá então?” – questionei intrigada confirmando o que eu acabei de ouvir. “Sim, ele foi colocado. A gente passou por esse período de ditadura militar. Ele ficou no poder mais de trinta anos”, disse. Nesse período, o ditador Mobutu é uma imagem importante para a compreensão dos conflitos atuais vividos no Congo. Durante seu governo, a corrupção foi a forma de estruturar o Estado, enaltecendo a cultura política congolesa que ficou notada pela corrupção. Foi durante seu governo, em 1971, que o nome do país foi mudado para Zaire e sua capital Kinshasa. Com o Genocídio em Ruanda em 1994, a história do povo congolês sofre impacto com o contexto vivido. O genocídio sucedeu devido a motivação étnica entre hutus e tutsis, que viviam em território ruandês. O cenário em Ruanda, em relação a insatisfação governamental, motivou os hutus a atacar os tutsis. Entre 6 de abril e 4 de julho, cerca de 800 mil tutsis e hutus moderados foram assassinados. Por essa razão, o fluxo migratório da população ruandesa passa a aumentar. Antes, os ruandeses estavam migrando para buscar emprego, agora, os motivos se tornaram outros. A região de Kivus, no Congo, foi referência para os indivíduos que estavam na condição de refugiados. Na sociedade congolesa, era evidente a discriminação entre os tutsis congoleses e os tutsis ruandeses. 22


Capítulo 1

O coração da África

Junto com o fluxo migratório de tutsis, os hutus, que participaram do genocídio em Ruanda, também começaram a migrar. Assim como hutus que não tiveram participação dos assassinatos, por medo do que poderia vir, migraram para o leste congolês e dividiram a região com o povo nativo. Nessa perspectiva, os mesmos envolvidos apenas mudaram de local, iriam conviver novamente com as mesmas desavenças. O governo de Mobutu nada fez perante essas migrações. Os atos de violência foram aumentando após esse acontecimento, levando ao Congo a um cenário de instabilidade, e dando origem a Primeira Guerra do Congo. Os tutsis ruandeses foram hostilizados pelos congoleses quanto por hutus e Ruanda aproveitou a situação para apoiar tais grupos contra os refugiados hutus. Com o governo passivo e corrupto de Mobutu, surge a Aliança das Forças Democráticas pela Libertação do Congo-Zaire (AFDL) composta por tutsis e tendo como apoio forças externas, vindo de Ruanda, Angola e Uganda. Esse grupo era liderado pelo guerrilheiro Laurent-Desiré Kabila, que possuía interesses étnicos e econômicos. Ele e seu grupo, diversas vezes avançaram pelo território congolês e ganharam várias batalhas em campo. Junto com o exército de Ruanda, seu grupo foi responsável por grandes massacres de refugiados ruandeses. Em 1997, os rebeldes tomaram Kinshasa, ocasionando no exílio de Mobutu. E em seguida, Laurent Kabila se declara presidente da República Democrática do Congo, e assim, Zaire, perde-se seu nome em seu mandato. A sucessão dos fatos se dá por encerrada, porém, com a permanência do exército de Ruanda em território congolês e com a tomada dos rebeldes no governo, o problema não estava solucionado. 23


Capítulo 1

O coração da África

V.G. explica: “Ele (Kabila) assinou muitos tratados com os aliados dele, como Uganda, por exemplo, mas ele viu que não estava dando certo. Então, ele decidiu enviar os militares de outros países aliados para voltarem para os seus países. Mas eles, como já viam a riqueza do Congo, eles não queriam mais sair do Congo. Então criam outro movimento rebelde, para no mesmo período, mandar ele (Kabila) embora, e como a população gostava dele, não deixaram.” Com isso, o Congo entrou em conflitos, pois mais de onze países estavam lutando em território congolês só pela riqueza que o país oferecia. “Seria como se aqui no Brasil, a força armada do Brasil, Colômbia, Equador, Chile, todo mundo lutasse aqui. Só pela riqueza que está no país”, disse V.G. A incapacidade do Estado em prover segurança externa para seus cidadãos ocasionou em outros caos para o país, denominada Segunda Guerra do Congo. O conflito atingiu níveis altamente estendidos. As alianças tomaram partido favoráveis ou contrários à Kinshasa, levando à novas perspectivas ocasionando a guerra. O território congolês foi repartido em quatro zonas de controle distintas: o MLC controlava o norte; a RCD-Goma8 , o nordeste; a RCD-ML9 , o leste; e o governo central, o restante. As áreas funcionavam como pequenos Estados independentes e o controle estatal não atingia essas áreas de controle miliciano. Em 1999, todos os Estados envolvidos nos conflitos firmaram os Acordos de Lusaka, que consistia em cessar fogo e retirar tropas estrangeiras do país. Entretanto, esse acordo foi desrespeitado e pouco valeria, devido as milícias que formavam guerras estavam mais intensas diante do conflito. “O país foi dividido em grupos armados. O que topou os donos da terra? Porque eles se acham donos. Eles decidiram por eliminar 24


Capítulo 1

O coração da África

Kabila. No dia 16 de janeiro de 2001, Laurent-Désiré Kabila foi assassinado em sua casa.” – disse V.G. Com isso, seu filho, Joseph Kabila assumiu a presidência após a morte de seu pai. Muito se fala sobre as origens dele, se ele é ou não filho de Laurent e se é ruandês. V.G. explicou: “Não tem como provar que é filho dele. Tem quantos ‘da Silva’ no Brasil? Muitos. Será que todos com esse sobrenome são filhos do mesmo pai? Não. Então ter o nome Kabila não significa que você é filho de Laurent-Désiré Kabila.” Segundo o diretor, no começo ele tinha boas ideias. Ele negociou com todos os grupos rebeldes e fez um governo que aproximava a população do país. O momento foi de calmaria e de esperança de que as coisas fossem dar certo. “Eles elaboraram uma nova constituição, para ter as eleições em 2006. Eu votei, nunca tinha votado”, - contou V.G. e sua experiência ao votar – “Mas teve muitas fraudes só para legitimar ele. Em 2011, ia acontecer a segunda eleição, ele não ganhou na votação. Mas como ele tem a força armada e todos os poderes em sua mão, ele se pronunciou ganhador. Essa constituição dá para Kabila só dois mandados, para ele sair e ficar depois como ex-presidente. Mas ele não quer isso, ele quer ser presidente por toda a vida, até morrer.” Apesar do “Democrático” no nome no país, a população sofre com a falta de democracia e a responsabilidade do governo. As consequências desses conflitos levaram a uma desestrutura estatal. O congolês encontra-se em uma situação que o impossibilita exercer a função de Estado, como garantir os direitos básicos da população e a ordem interna do país. Como desculpa para evitar que as eleições ocorram, Kabila cria movimentos rebeldes para falar que o país está uma bagunça e por essa razão, as eleições não poderão ocorrer. “Lá você não tem o direito de falar e nem pode falar uma proposta 25


Capítulo 1

O coração da África

contrária. A televisão só fala da beleza do presidente. Além disso, falta segurança para as pessoas. Tudo isso significa um país sem direito” – destacou V.G. sobre o que o Congo enfrenta atualmente – “Ele usa a força para conquistar, mas ele é um presidente que não foi amado pelo seu povo”, disse V.G. Além disso, com o genocídio em Ruanda, muitas armas passaram pela fronteira. Porém, o Congo não fabrica arma e elas ainda estão ali no território congolês. De onde ela vem? De onde vem a força do presidente? Quem está financiando? Para V.G., a força que Joseph Kabila possui vem de territórios imperialistas. “E em relação a parte de armas, quais países estão envolvidos, que financiam os rebeldes?” – perguntei. “São os grandes poderosos, como os Estados Unidos e a Rússia. Essas pessoas acham que se pegar a África, vai dominar o mundo. E o Congo está no centro da África.” “Pode ser que eles deixam o Congo assim, nessa situação, porque eles querem explorar né?” – indaguei. “Sim. Essas são questões estratégicas da política internacional. A colonização é um processo que começou na escravidão. O escravagismo não começou com o branco e com o negro, mas começou com o negro contra o negro. No Egito, a população era negra também. Isso, a história não fala. As pessoas pensam em escravo e já pensam no negro. Essa história está torta, não está alinhada.” Além disso, a primeira civilização começou no Egito, onde as pessoas eram negras. “Egito não era branco, era negro” – enfatizou V.G. – Mas foi copiado pelos árabes, os asiáticos, eles que tem essas classes, dinastias, do pobre e do rico. Eles têm um mapeamento de três cores: branco amarelo e o negro. Os brancos são os ricos, amarelo é a classe média, que matava os escravos e o preto. Falar negro não é cor do preto. O certo é falar preto.” Ele contou também que na cultura do povo congolês eles não 26


Capítulo 1

O coração da África

chamam as pessoas pela cor. “Essa colocação de pele pela cor, é uma linguagem do capitalismo, do imperialismo. Depois de cometer tanto mal na escravidão, vamos para a próxima fase: a colonização. Não vamos levar eles para lá, vamos descer até lá. Depois da colonização, ele pensou ‘vamos neocolonizar eles’. Significa o que? Vamos pegar um brasileiro, vamos colocar ele como presidente, mesmo sabendo que ele não tem a população por de trás dele. Isso é a neocolonização. Dominar é o que? Dominar é colonizar, dominar é fazer do outro escravo.” Para V.G. a democracia foi criada com o objetivo de disfarçar a neocolonização. “Mas cadê a democracia? Não tem. Esse é o sistema. Eles que fazem as armas, os Estados Unidos não têm rebeldes, a Rússia não tem, a França não tem. Então eles fabricam as armas para quem? Quem vende arma, sabe para quem ele vende e o seu objetivo” – disse. Ele ainda acrescenta que o mundo está evoluindo, mas a cabeça não está acompanhando esse crescimento. “A ciência fala que o branco é evoluído como o negro, todo mundo acha racismo, pois acredita que o homem branco está acima e o negro abaixo. Mas vamos voltar historicamente. O Egito é o começo da civilização, não é na Europa, não é os Estados Unidos. Começou na África, que é considerado o continente dos negros. As grandes invenções foram feitas pelos negros, como por exemplo, a matemática. Mas ninguém fala. O que está na cabeça? O branco está muito desenvolvido, o negro não tem inteligência e só força física” – explicou. Apesar da pressão da oposição para que haja novas eleições, o presidente Kabila controla a liberdade de expressão da população, e por essa razão, as mortes cada vez aumentam se algum indivíduo se colocar contra as ações do governo. “Tem pessoas que morrem todo o dia. As pessoas que morrem no Congo são mais do que as pessoas que morrem na Síria. Ninguém fala, 27


Capítulo 1

O coração da África

ninguém fala – V.G. mexeu a cabeça demonstrando um “não” em um tom de reprovação ao falar que as pessoas falam apenas da guerra na Síria. Quando perguntei para A.K sobre as suas lembranças boas e ruins do Congo, ele destacou a guerra como algo ruim e falou que ninguém gosta dela. “O que te marcou?” – questionei. “O som dos tiros... – e nesse momento percebo que seu olhar mudou de essência. Seus olhos mudaram para uma tristeza infinita ao se lembrar do barulho que ele mesmo faz para que eu compreendesse melhor: crack, crack, crack, crack – ele demonstra – Além disso, lá no Congo você pode acordar e ver os corpos no outro dia estirados no chão”, disse mostrando com as mãos como se visse algum caído ali onde estávamos. Outra situação que A.K recordou foi a fome. Por um dia ele não comeu nada em seu país. Ele me contou também quais os motivos da sua saída do Congo para São Paulo. “Meu pai tinha uma ONG lá no meu país que ajudava as crianças mulheres. Mas lá elas não podem crescer. Essa organização que o meu pai fez, o governo não gostou e muito menos concordou. E assim, meu pai a cada dia que passava corria risco de morte. Foi assim que ele veio para cá” – A.K. me explicou. “Depois que ele veio, a família veio junto?” – perguntei. “Sim. Uma família brasileira o ajudou a vir pra cá. Eu e os meus cinco irmãos viemos depois.” Em São Paulo, o seu pai fundou a ONG3 com o objetivo de dar apoio aos refugiados em sua adaptação à nova realidade. As mulheres e crianças são prioridades para a organização. Elas estão mais vulneráveis e assim, a ONG acompanha essas pessoas no processo

3

O nome da organização foi preservado.

28


Capítulo 1

O coração da África

de integração na sociedade e no ingresso do mercado de trabalho. Em relação as mulheres, elas são usadas como arma de guerra no Congo. Ou seja, elas sofrem violações em público. É uma forma de aterrorizar as comunidades e deixar cicatrizes. Muitas das vítimas sofrem doenças fatais, enquanto os autores destes crimes permanecem impunes. Quando conversei com o voluntário de uma ONG4, Mateus Lima que trabalha com a temática refúgio faz dois anos e atua em prol dos refugiados e outros estrangeiros vítimas de migrações forçadas em São Paulo, ele se recorda de uma experiência que teve com uma refugiada congolesa. “Eu me lembro de um caso, de uma congolesa que saiu do Congo faz dois anos e veio para o Brasil – ele me contou de forma pausada e seu olhar ficou mais sério – Ela saiu de lá depois que sofreu diversas violências. Os militares invadiram a casa dela e ela fugiu para a Angola. Depois, ela voltou para o Congo, mas invadiram de novo sua casa e violaram a sua filha de dez anos.” Depois dessa situação, ela fugiu para o Congo-Bazaville e acabou se perdendo do marido e dos seus filhos. “Ela veio grávida sozinha para o Brasil. Depois de um ano só que ela conseguiu reencontrar a sua família por meio da ajuda da Cáritas – que é uma entidade que atua socialmente na defesa dos direitos humanos – Mas ela teve que deixar a filha no Congo aos cuidados de um pastor. Sua filha está doente e ela não tinha condições de pagar a viagem da filha. Ela não sabe quando sua filha vai conseguir vir para cá.” Apesar de estarem empregados, eles não conseguem pagar um lugar estável para viver. Atualmente, moram em uma ocupação, 4

O nome da organização foi preservado.

29


Capítulo 1

O coração da África

que é um lugar mais barato e correm o risco de ser despejados a qualquer momento. Mateus me contou também, que segundos dados de 2012, a ONU caracterizou o Congo como a capital mundial do estupro. “Eram cerca de 40 estupros por hora” – ele falou olhando fundo nos meus olhos – “São mais de seis anos... Hoje, por meio de notícias e relatos, percebemos que os seus direitos estão sendo melhorados. O país ainda é um lugar perigoso para mulher, mas elas estão lutando para garantir os seus direitos.” A minha conversa com o V,G., nos faz tocar em um ponto relacionado a imprensa. Ela que possui a missão de veicular denúncias e informar o público deveria cumprir o seu papel na questão do Congo. Mas não é assim que acontece. O que percebemos é o silêncio dos jornais. “Mas por que você acha que a questão do Congo não é pauta na mídia?” - perguntei para ele franzindo a testa e me ajeitando na cadeira. “Porque quem está morando no Congo são macacos. Isso que podemos falar...” – ele falou revoltado. “Você acha que a mídia não fala do Congo pela questão econômica, como falamos anteriormente sobre o minério coltan, que é um dos fatores que intensifica o conflito ou devido ao preconceito racial?” – perguntei. “A mídia é feita pelos imperialistas, pelos capitalistas. Eles são os donos da mídia. Mesmo aqui no Brasil, as coisas boas não passam na mídia. Ela vai falar apenas do que agrega a eles e o que é bom para a televisão. Ou seja, o que faz as pessoas ficarem calmas e dormir.” Para ele, depois da igreja, a mídia é um meio para alienar as pessoas e pautar o que o leitor deve ou não pensar. Como ele explica: “A igreja e a mídia são a mesma coisa, a igreja vai falar ‘morre pobre para você ir para o céu’, quem te falou? Que garantia você tem? Assim que a mídia também faz, só para enrolar as pessoas.” Quando voltamos a falar sobre os conflitos no Congo, V.G. afirmou que 30


Capítulo 1

O coração da África

não há segurança para o povo, em suas palavras “você pode perder a vida, ser assassinado. Como você vai viver em um país assim?” Ele acentua também que as pessoas que fizeram faculdade, que possuem uma carreira profissional não podem se manter calados para sempre. Dessa forma, aumentou a saída dos congoleses. Ele explicou que o Brasil é a última opção que se tem para alguém que sai do Congo. “A imagem que se tem do Brasil no meu país, não é uma imagem de gostar do Brasil.” “O que eles mostram do país?” – perguntei. “Mulher pelada, na praia, samba, favela, matando uma pessoa, estuprando e matando uma mulher. Isso que foi divulgado lá, nada de bom. O futebol significa que quem vem aqui, veio para jogar. Além disso, vem para ir na areia com mulher pelada na praia” – ele respondeu. Segundo V.G., o caminho seria fugir para a França, pois todos sabem que você vai para estudar, para ter uma carreira e possui determinação. Muitos congoleses escolhem um país que fala francês, porque a língua é a porta de entrada para uma cultura. “Viemos para o Brasil para salvar a nossa vida. Mas será que estamos sendo bem-vindos?” – ele me perguntou.

31



Cap. 2

Conflito e RefĂşgio


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

O atual conflito na República Democrática do Congo tem deslocado muitas pessoas para outros países. Segundo o relatório do ACNUR5 “Tendências Globais” com dados de 2016, a República Democrática do Congo está em sexto lugar, entre os dez principais países de origem de onde os refugiados fogem com 537,473 mil pessoas. Segundo a matéria do ACNUR6, os países com maior número de refugiados reconhecidos no Brasil em 2016 foram Síria (326), República Democrática do Congo (189), Paquistão (98), Palestina (57) e Angola (26). A maioria das pessoas em situação de refúgio traz em seu depoimento a falta de liberdade de expressão, já que o governo de Kabila têm se colocado de forma ditatorial perante a população. O presidente – que era para ter saído em 2016 – possui o exército a seu favor. Ele tem todas as forças no seu poder. Além disso, na parte leste do Congo, o ambiente de conflito é mais intenso devido a extração do minério coltan. Nesse local, além da exploração infantil, há os grupos rebeldes de Ruanda e os do Congo Mai Mai em conflito de território. Mesmo em posição ilegítima no poder, Kabila mostra-se um político silencioso, que não conta a realidade para a imprensa sobre o que está acontecendo no país. Com isso, os congoleses fogem em busca de salvar suas vidas. Assim conta o congolês C.K. sobre a sua história no Congo e no Brasil. Quando conversei com ele lembro-me de seu sorriso marcante ao me receber. Quando entrei em sua sala, reparei que a porta da sacada estava aberta e uma luz natural engolia o cômodo. Sentei-me em uma cadeira e a aproximei para ficar de frente com ele.

5

ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

6

Fonte: http://www.acnur.org/portugues/recursos/estatisticas/

34


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

No momento em que perguntei sobre a sua infância, recebi outro sorriso que me fez sorrir. Em seguida, ele se expressou com um “Ual” do qual eu sempre vou recordar em nossas conversas, quando ele se espantava com algo. A sensação que ele teve foi como se fosse a primeira vez que ele respondia àquela pergunta. C.K. tem uma voz doce e contou em meio a uma recordação: “Lembro de uma foto, quando eu tinha seis meses. Nesse tempo eu não pensava nada, mas agora lembrei quando estava na África e vivia com a minha família.” Após alguns segundos de alegria, seu rosto entristece quando me conta que em São Paulo estava vivendo sem eles e destacou que aqui estava sozinho. Faz três anos que ele está em São Paulo e um conhecido o recebeu e indicou a ir às entidades que ajudam os refugiados. Ele saiu do Congo por causa de perseguição política. “Não foi a minha opinião e sim a do meu pai. O regime atual entendeu essa opinião como se fosse a da família. Meu pai foi político e ativista político, e participou de manifestações. E fazer manifestação em um país que tem resistência com a democracia é um problema” – explicou. Depois dessa participação na manifestação, o juiz falou que seu pai ofendeu o presidente da república e foi considerada uma alta traição ao governo. Depois, seu pai foi acusado e preso. Mas foram as organizações internacionais que o ajudaram a fugir da cadeia. Com isso o juiz quis entrar na família para saber mais. Com isso, as entrevistas com C.K. começaram. “Eu nasci no Congo, sou congolês, mas ele começou a falar ‘que não, eu fiquei muito tempo fora do Congo’, e ele tentou me considerar como estrangeiro.” “Sendo que você nasceu no Congo né?!” – questionei intrigada. “Sim, eu falo as quatro línguas do Congo, significa que sou congolês mesmo” – e em meio à indignação, rimos. 35


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

C.K. contou que o juiz começou a tentar na entrevista encontrar algo contra para justificar “algo errado na nossa lei”, como C.K. usou em suas palavras. Em Jonesburgo, ele estudava Ciência Política, – onde foi o único momento que ele esteve fora do Congo – e o juiz perguntou ‘qual sua opinião política sobre o regime do seu país?’, C.K. disse que automaticamente percebeu que o juiz estava tentando incriminá-lo por algo. “Eu falei direito para ele que não sou político, se ele tem algo contra os políticos, melhor procurar eles, então. E assim, o Ministério Público disse que isso foi uma ofensa nas leis e pediu cinco anos de cadeia para mim. O juiz falou que ia ver se esses cinco anos seria aceito ou não, mas esse processo demorava muito”. Aflita com a situação, sua mãe começou a conversar com Organizações Internacionais e procurou a Human Right Watch, que trata dos direitos humanos. C.K. explicou que virou um problema com a Justiça. Porém não puderam intervir porque era um problema interno do país. Em busca de alguém que pudesse ajuda-lo, sua mãe, a qual ele destaca sua enorme admiração, em suas palavras: “A inteligência dela e sua criatividade”, conversou com o secretário das Nações Unidas, e depois esse representante conversou com um general brasileiro, que antes de chegar no Congo, estava no Haiti. Ele que pediu seu visto com o embaixador do Brasil do Congo. “Como foi chegar aqui em São Paulo?” – perguntei atenta. “Quando cheguei aqui estava muito difícil. Eu saí de outra vida e cheguei em outra. Eu mudei tudo no começo. Lá eu apenas estudava, e aqui eu trabalho e estudo Direito.” – contou. Durante a conversa falamos dos diplomas que são aceitos no Brasil, porém, há uma burocracia para que eles sejam validados. Devido a legislação ser diferente no Brasil, a entidade que irá validar 36


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

o diploma vai verificar e analisar a grade curricular do curso da pessoa. Porém, a maioria dos cursos são diferentes dos países estrangeiros na questão da formação. Por exemplo, se uma pessoa se formou no curso de Direito fora do Brasil, logo, o advogado terá que se profissionalizar de acordo com a Legislação Brasileira e entender as leis do país que ele está. Essa situação acaba levando a pessoa a reescrever a sua história, tendo que cursar novamente o curso. C.K. me contou triste que estava mais feliz em seu país. Lá, ele estava quase no final do curso de Literatura Francesa, e chegou aqui em São Paulo sem diploma e sem qualificação, atrapalhando-o bastante e fazendo-o recomeçar. Assim, aconteceu com o congolês B.P. que foi perseguido e torturado por agentes da segurança do governo e teve que deixar seu país. Ele explica que o Congo é um lugar onde muitas coisas erradas acontecem. “A população fica cada vez mais pobre. Os jovens querem mudar as coisas, mas sofrem com a perseguição do governo, por exemplo”, explica. A primeira vez que vi B.P. foi em uma palestra sobre o Panorama de Refúgio na cidade de São Paulo, em que ele chamou a atenção de todos com sua frase: “o importante é ter paz”. Assim é para todos os refugiados que estão em estado de refúgio. B.P. é uma pessoa que me cativou pelo seu olhar, seu sorriso e sua gentileza. Em nosso segundo encontro, fomos para o SESC 24 de maio. Sua gentileza ao me receber foi algo marcante. Subimos para o andar 11º onde tinha uma vista aberta para a rua com uma piscina de espelho. A nossa conversa trouxe aprendizado político e reflexões sobre a vida. Ele me contou que foi ativista em uma ONG de direitos humanos, no Congo. Lá, ele realizava pesquisas dos abusos do poder do governo. Um exemplo são as estatísticas dos massacres que aconteciam e de mulheres estupradas. 37


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

“Havia uma seita que envolvia religião e política. O governo matou 500 pessoas. Eu sei dos números porque a ONG estava pesquisando o que tinha acontecido para divulgar isso. Mas o governo ficou de olho e eles disseram que apenas cinco pessoas morreram. Eu não podia deixar assim... É direito das pessoas se reunirem e se expressar” – ele me falou inconformado com a atitude do governo. Ele contou também que nessa época, ele foi preso e torturado várias vezes e alguns de seus colegas morreram. Ele me mostrou as marcas de faca que estão em sua cabeça devido as atrocidades do governo. Como a sua situação era grave, sua família alertou que não dava mais para ele continuar no país. Assim como C.K. ele não escolheu vir para o Brasil, sua vida estava em jogo, ele precisava fugir. “Eu estava vendo outros países para fugir, mas eu precisava de algo mais fácil e rápido para eu sair”. O congolês B.P. tinha um contato com um conhecido que trabalhava na embaixada do Brasil no Congo e assim, ele o ajudou. “Qual foi a sua primeira dificuldade quando chegou aqui?” – perguntei. “A língua foi uma barreira. Sem ela nós não fazemos nada. No começo, eu não conseguia falar as coisas básicas, como banheiro e água” – B.P. endurece a face e me contou sério. Antes de chegar em São Paulo, ele ficou no Rio de Janeiro por duas semanas em um hotel, mas seu dinheiro começou a acabar. Lá, ele conheceu um rapaz do Congo que o orientou a vir para São Paulo, pois seria um lugar melhor para dormir. Assim ele usou a palavra “dormir”. Logo que chegou na cidade, ele procurou uma instituição que o ajudou a encontrar um albergue. “Foi um lugar onde eu comia café da manhã e a noite tinha a janta.” “O almoço não tinha?” – pergunto. “Não tinha. O que estranhei aqui foi acordar muito cedo, 6h da 38


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

manhã, tomar café e sair para a rua e voltar apenas à noite. Não tinha como tomar banho e sem dinheiro.” Ele conta que ficou no albergue por seis meses e foi um lugar quente para ele dormir, onde ele aprendeu muito. F.F me contou também as razões para ele sair do seu país: “Devido a um problema político que está tendo em meu país, que já dura há vinte anos, eu fugi mesmo de lá. Fugi porque as coisas estavam ruins, estavam difíceis. Então eu cheguei no Brasil para solicitar o refúgio, para começar de novo a vida.” Ele contou que o seu país não tem futuro profissional devido as guerras. Ele estava estudando no Congo e terminou a faculdade de Tecnologia da Informação, mas não encontrava emprego por causa da guerra que está acontecendo. Com o país quebrado politicamente, o governo não deixa a sua população crescer em uma carreira e na vida. O país vive um regime ditatorial e restringe qualquer indício de liberdade de expressão. Lá, você não pode se sentir livre. F.F. explicou que por não conseguir encontrar um emprego em sua área, ele começou a montar o seu próprio comércio: “Eu ia até a região oeste do país para comprar as mercadorias, como por exemplo, feijão e batata. Tudo em uma quantidade para vender na capital, porque lá não tem essa produção, só lá que tinha. Um dia, eu estava dentro desse lugar, aonde tem muitas guerras, muitos conflitos. Os rebeldes tomaram essa parte, e neste dia, eu estava nessa área também. Porque, na verdade, toda a população não gosta do governo. Meu país foi liberado, mas eles (os rebeldes) são considerados outra liberação, porque esse governo falhou e eles não estão querendo sair. Então quando a população vê um grupo rebelde, a população sempre fica do lado desse grupo para ver se eles vão liberar ou não. Eu não estava nesses negócios aí... 39


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

e quando retornei, o governo achou que eu estava em contato com esse grupo rebelde. Nessa época que começou muita perseguição e muita tortura.” “Você ia para Kivu para pegar alimento para levar para a capital?” – perguntei tentando entender melhor. “Isso. Eu fui torturado e depois me liberaram. Depois, de novo me torturaram. E então eu resolvi com os meus parentes a sair do país. Por isso, eu vim aqui para o Brasil.” “O Brasil foi a primeira opção que você tinha para ser rápido?” “Isso, isso. Meus pais que me ajudaram nesse sentido e estou aqui no Brasil. Minha vida no começo foi muito difícil, eu fiquei em abrigo. Agora, tem muito refugiado, mas na época que eu cheguei, não tinha bastante.” “Qual foi a sua maior dificuldade ao chegar?” – perguntei. “A minha maior dificuldade foi a língua e um lugar para morar. Eu tinha que morar em um abrigo.” “Você tem irmão? Sua família está segura lá?” “Tenho. Meus irmãos estão em outro país. Somos cinco. Eu sou o primeiro, o segundo e o caçula estão em outro país e minhas duas irmãs estão no Congo. Para os meninos é muito perigoso ficar lá em Kinshasa.” “Por que é perigoso?” – questionei. “Porque o governo sabe que a população não gosta dele, ele sente isso. Para ele, os meninos são perigosos. Eles são uma ameaça ao governo. O governo é mantido pela força, você quer sair para protestar e ele te mata. O presidente que está agora no poder, já está lá há muito tempo e não quer sair para deixar outra pessoa assumir. Se quer sair para protestar, o exército mata mesmo. Em 2015/2016 ele matou em manifestação, em um dia, quase 150 pessoas. Em um dia. Em outro, acho que foram 15 manifestações. No total foram, acho, que 500 mortos” – ele me contou. “Mas o presidente fala algo sobre isso?” – perguntei perplexa e indignada com a situação que a população congolesa vive. “Não. Mesmo que o exército matou, ele é quem manda. Nem para prestar sentimentos, mas ele não fala nada e demonstra não saber 40


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

nada. Mas ele sabe que o povo não gosta dele. Então se morrem, o problema é deles.” Ele me dá um exemplo comparando o governo do Brasil com o do Congo: “Por exemplo, aqui eu vi ontem, uma notícia de uma escola que pegou fogo e morreram acho que quatro pessoas. O presidente Temer fez uma declaração. Lá, são 500, mil pessoas e ele não fala nada. Para ele, é como se estivesse tudo bem.” Documentação Em relação a documentação para o pedido de refúgio é preciso estar presente no território nacional. Após a chegada, o estrangeiro que se considera vítima de perseguição em seu país de origem deve procurar uma delegacia da Polícia Federal ou autoridade migratória na fronteira e solicitar o refúgio para ter a proteção do governo brasileiro. V.G. explicou como os refugiados retiram os documentos: “Lá na Polícia Federal, você preenche um formulário de pedido de refúgio, depois você tira uma foto, recolhem a sua digital e vão te passar um protocolo, um documento provisório mostrando que você está passando por um processo de análise. Com esse documento, você vai retirar o CPF, que te dá direito de se inserir no mercado de trabalho, você tem direito ao trabalho, saúde e medicação.” O único documento de identificação que o solicitante de refúgio tem enquanto aguarda a resposta do Conare é um papel de sulfite, com foto e carimbo entregue pela Polícia Federal. “Um documento feio para mostrar....feio, feio – ele enfatizou – Esse não é um papel especifico, é um papel que qualquer um pode fazer.” Após essa etapa, o estrangeiro será entrevistado por um funcionário do CONARE, que irá lhe perguntar em detalhes os motivos que o levaram a sair do seu país. A entrevista será realizada num idioma que 41


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

você compreenda e, se necessário, você tem direito a um intérprete. O solicitante de refúgio que teve a sua condição de refugiado reconhecida pelo Brasil tem o direito de permanecer no país como refugiado e obter o Registro Nacional de Estrangeiros (RNE), documento de identidade dos estrangeiros no Brasil. B.P. contou que foi até a Polícia Federal e explicou o procedimento para o pedido de refúgio: “Você precisa levar alguém para traduzir para sua língua. Eu não conhecia ninguém. A instituição que procurei ajudou me dando dinheiro para a condução e o mapa da cidade. E você se vira” – Nisso, ele contou que ainda bem que ele conseguiu um amigo, que o ajudou a traduzir. O seu pedido de refúgio demorou dois meses. Após quatro meses, ele já havia sido reconhecido como refugiado no Brasil. Porém, há casos e casos. B.P. mesmo me contou que o pedido de alguns de seus amigos demoraram dois anos. C.K é um deles em que o seu processo está demorando para ser concluído. Ele está em processo para pegar o CPF e vai fazer novamente a entrevista com o Conare para ver se passa novamente. Afinal faz dois anos que ele está aguardando ser totalmente aprovada a sua permanência em São Paulo. F.F me contou que o primeiro apoio que ele teve assim que chegou foi de uma instituição. “Quando eu cheguei eu fui até a essa instituição que me encaminhou para um lugar onde eu pudesse morar. Depois, ela me encaminhou para fazer o curso de português. Só depois que eu comecei a fazer esse curso, que eu comecei a entender um pouco do Brasil.” A instituição também lhe auxiliou a ir a Polícia Federal para dar andamento na parte de documentação. “E foi rápido?” – questionei. 42


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

“Não, não foi rápido. Demorou dois meses para conseguir os documentos. Quando eu cheguei, essa instituição fez uma intermediação entre o Conare, a Polícia Federal e o Ministério da Justiça. Então, ela (a instituição) vai acolher para poder orientar.” F.F contou que quando chegou na Polícia Federal ele teve que passar por uma entrevista para contar a sua história. “E como é essa entrevista?” “Na entrevista eles perguntam por que eu vim, como eu cheguei e o que aconteceu lá no meu país. Você faz essa entrevista e depois eles determinam se você tem o refúgio ou não. Eu passei nessa entrevista na Polícia Federal, mas foi também difícil.” “Por que foi difícil?” “Porque eu não tinha uma pessoa para falar a minha língua, a Polícia Federal precisou arrumar um intérprete. Então imagina... Mas graças a Deus, no dia que eu fui, tinha uma moça lá quando eu cheguei. Eu tinha que chegar às 14h, eu cheguei as 12h45. Quando eu cheguei, depois de quinze minutos a moça da entrevista veio me chamar “Cadê o F.F.?”. Eu me apresentei, fui fazer a entrevista. Ela falava francês, e então ela me ajudou na tradução.” Depois da entrevista na Polícia Federal, F.F fez uma no Conare. “São duas entrevistas para ver se você fala a mesma coisa duas vezes, para comprovar que aquilo aconteceu mesmo. É nessa entrevista eles vão analisar o seu caso. Eu fiz a minha em janeiro de 2014, em agosto eu consegui com que o governo me reconhecesse.” V,G. explica como é estar em situação de refugiado: “Como falamos ‘nascer com uma idade maior’. Quando você nasce com a idade zero-zero, tudo bem. Mas imagina você nascer com trinta anos? Você inicia agora. É muito difícil. Aprender a língua, mapear o lugar, conhecer como as coisas funcionam. Tudo isso é um desafio. Você não tem escolha, você já está aqui. Será que é difícil? Será que é fácil?” Para ele a maior dificuldade é a língua e a documentação quando chega no país: 43


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

“Como você vai viver em um país tão diferente do seu, se você não sabe falar? Eu me lembro que quando eu cheguei aqui, um dia eu queria fazer xixi e eu não sabia falar banheiro. O brasileiro não fala inglês, poucos falam inglês e isso dificulta demais para nós”. V.G. comentou em relação a parte de documentação, em que não há um prazo para conseguir o documento, após o procedimento: “Eu, desde que eu fiz, em 2013, até agora não foi nem negado e nem reconhecido. Significa o que? Quatro anos, eu vou esperar até quando? Tem que ter um prazo. Você manda mensagem para uma pessoa no Whatsapp, ela vê a mensagem, me responde, me fala tchau, você manda de novo e não respondem. O que você vai pensar? Será que ignoram a sua presença?” Para ele, esse é o sofrimento dos refugiados. Eles fugiram de uma perseguição física para uma perseguição moral que perdura no dia a dia. Em que não reconhecem provas e não reconhecem carreiras. O Conector e outros obstáculos V.G. me contou também que 95% das pessoas que saem do Congo para vir pra cá vem de avião. “Não tem voo de graça. Porque muita gente fala ‘oh eles estão fugindo de fome’. Quem consegue pagar avião para vir aqui está fugindo de fome? Porque ele está pagando, o voo mais barato custa 1500 dólares, converte esse dinheiro em real e você vai ver quanto que é (R$4,703). Aí você vai ver que não é questão de fome, é questão da vida. Quem tem esse dinheiro está morrendo de fome? Está com fome como? Significa que a maioria que vem para cá, sem contar visto, pedágio, hotel, valor de subsistência (comprovar que tem recursos para se manter no país). Quem não tem o suficiente, o Brasil pede mil dólares de subsistência, quem tem quinhentos dólares, que vale mil e quinhentos reais, o Brasil não deixa entrar.” 44


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

Em seguida, ele me informou que há um lugar localizado no aeroporto de Guarulhos, onde os refugiados ficam confinados em uma sala do aeroporto. “Eles ficam no Conector – como é chamada a sala – que é um lugar neutro, fechado, isolado, onde as pessoas ficam presas, com cerca de 90 pessoas, sem direito de fazer ligações para saber se está vivo ou morto. Até que consiga o direito de migração e entrar no país” – explicou V.G. O Conector é uma área de segurança internacional localizada no Terminal 3 do Aeroporto Internacional de Guarulhos. Apenas com a roupa do corpo, os refugiados ficam ali, já que foram impedidos pelas empresas aéreas de seguir viagem para outro país e os que não querem ou não podem voltar para seu país de origem. Essas pessoas chegam a passar semanas e meses, sem advogado ou contato com a família e sob a vigilância da Polícia Federal. A sala possui 200 metros quadrados, envoltos por cadeiras e com janelas de vidro. A maioria das pessoas são negros, jovens e de países da África. Segundo a matéria do jornal O Globo7 e da revista ISTOÉ8, ambas de 2016, a versão da Polícia Federal em relação ao caso é que eles não podem informar os migrantes sobre a opção de refúgio, em casos que poderiam ser usados. Para a Polícia Federal, as pessoas que ficam retidas nesse local são “legítimas refugiadas” e sim, “pessoas que saíram de países

7

Matéria online: https://oglobo.globo.com/brasil/candidatos-refugio-ficam-no-limbo-em-sala-de-ae-

roporto-16509800 8

Matéria online: https://istoe.com.br/424648_UM+DEPOSITO+DE+ESTRANGEIROS+EM+CUMBICA/

45


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

complicados” que “às vezes, até cometeram crimes” e estariam usando o refúgio como um “plano B”. Segundo a matéria da ISTOÉ, o espaço já chegou a abrigar 40 estrangeiros que foram impedidos de seguir viagem por terem sido avaliados como migrantes suspeitos ou por apresentarem problemas na documentação. Apesar das matérias terem sido publicadas em 2016, o problema persiste até os dias de hoje. A matéria da ISTOÉ também explica a questão de duas leis que vigoram no Brasil que são consideradas contraditórias por especialistas. A Lei do Refúgio de 1997, que prevê proteção a qualquer imigrante que chega ao País, sem necessidade de documentos específicos. Por outro lado, o Estatuto do Estrangeiro, de 1979, que remete o imigrante ao controle Polícia Federal.

Sobre o Conector, V.G. continua: “As pessoas têm o direito de migração, a pessoa está fugindo. Vamos supor que ela está fugindo de fome, você vai devolver ela para onde estava com fome? Você percebe que ele pagou alguma coisa para vir de lá? Porque não tem avião de graça, ninguém enrola para entrar em um avião. Mas esse Conector, as pessoas não falam 46


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

disso. A comida lá é a sobra da comida de avião. O que tem de comida no avião? Bolachas. Não tem uma coisa sustentável, não é comida. São coisas leves, como uma sopa. Eles ficam com fome.” – contou V.G. que já esteve presente nessa área para ajudar alguns refugiados que não conseguiram entrar no Brasil. Ele recordou-se de um caso: “Eu tenho um irmão que passou duas semanas lá, sem ser liberado, mesmo falando que era refugiado. Lá, eles não conseguem ser liberados rápido, porque não tem o valor de subsistência.” “E há alguma forma de sair de lá?” – perguntei inconformada com a situação. “Ah... Se você tem dinheiro. Se você está preso lá, algumas pessoas já avisam quando saem do país, avisam que vão chegar tal horário, e quando não consegue, a família liga para a gente aqui avisando que a pessoa ainda não chegou e está no Conector. E então, nós (ONG XX) ligamos para a Caritas, e ela liga para o Conare e o Conare liga para a Polícia Federal para tentar liberar esse rapaz, esse refugiado. Porque ele não pode ser devolvido para o país dele. Aí leva um tempinho para ele ser liberado e aí sim entrar no Brasil.” V.G. me contou que há pessoas que já passaram quatro dias, uma semana ou duas semanas. A língua é uma dificuldade geral para os congoleses e outros africanos que não conseguem se comunicar com as autoridades no Conector. A situação nesse lugar é um ataque aos direitos humanos. Muitos ficam doentes e não possui acesso a medicação. Ele me contou também que recentemente foi instalado um chuveiro lá, porque nem isso eles tinham e era possível sentir o cheiro forte na sala. “Nós que viemos de fora, não somos moradores de rua. Não significa que os moradores não são pessoas, eles escolheram ser assim, tem quem escolhe e tem quem não escolheu. Você escolheu ser jornalista, não escolheu ser pedreiro. Ninguém 47


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

vai te falar ‘não, você é pedreiro’, nós escolhemos. Mas essas pessoas que vem de lá, elas não escolheram ser moradores de rua, mas elas estão nessa situação. Estão nessa situação porque as políticas públicas não privilegiaram algumas dicas sobre essa situação. Veja bem, o refúgio, é um período. É o período de começar a ser refugiado e o período de acabar de ser refugiado” – explicou V.G. Ele ressaltou também que está em situação de refúgio e não é refugiado. “Hoje tem guerra da Síria, os sírios são refugiados. Amanhã vai acabar a guerra e eles vão voltar e vão deixar de ser refugiados. Há um período.” “Você também pretende voltar então para o seu país?” “Sim! Se o Kabila sair, eu volto.” F.F. apesar de achar que tirando o presidente as coisas vão melhorar, ele disse que não sabe se voltaria para o Congo. “Não dá. Eu me apaixonei muito pelo Brasil, mudou muitas coisas. Minha vida mudou, no Brasil eu tenho coisas que eu não tenho no meu país. Aqui eu já trabalhei, tenho experiência, não sei se lá eu teria. Eu acho que para retornar ao meu país, vai depender muito. Não sei. Talvez para visitar a minha família.” Voltando para o conflito, perguntei para F.F sobre a ação da Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO). Já que segundo uma notícia divulgada no site das Nações Unidas9 deste ano, informou que o Conselho de Segurança da ONU estendeu o mandato da operação de paz da MONUSCO por mais um ano, ou seja, até o dia 31 de março de 2018. Porém, não entendo na prática como está funcionando o trabalho da MONUSCO no país. 9

Link da matéria: https://nacoesunidas.org/conselho-de-seguranca-estende-mandato-da-missao-da-

-onu-na-rd-congo-numero-de-tropas-e-reduzido/

48


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

“Algum tempo atrás e até mesmo atualmente, a ONU está em uma missão pela paz no Congo e eu queria entender porque ninguém faz nada lá?” – perguntei revoltada e confusa por não ter algo concreto e uma solução para o que está acontecendo. “Nessa questão, a grande missão da ONU está em meu país, tem acho que cerca de 2000 pessoas. Mas a gente acha um absurdo, não sabemos o papel da ONU. Quando eu via a guerra, a ONU estava lá e não fazia nada. Ela passava com os carros e não tinha nenhuma ação. Tinha a ONU ali, os rebeldes chegaram e a ONU não fez nada. Ela deixa a guerra para o exército congolês e os rebeldes.” “Mas o que eles falam?” “Que estão em uma missão de paz em nosso país, mas isso não é verdade. Eu acho que eles têm outra missão no Congo, acho que eles não estão lá por paz. Desde que eles estão lá, o país não tem isso. Não dá para entender. O governo paga por essa missão, então quando eles chegaram, nós pensamos que as coisas iriam melhorar e só pioraram. Agora, estávamos vendo, nos meses passados, a ONU estava do lado da população, denunciando o que o governo faz, por exemplo, as mortes. Porque todas essas pessoas que o governo mata, é a ONU que denuncia isso. Mas às vezes eu fico analisando as questões políticas do meu país e eu vejo que a ONU tem duas caras.” Para ele, a ONU fala uma coisa e faz outra. Além disso, o presidente está disposto a dar tudo para poder se manter no poder, até mesmo, cometendo corrupção. “O mandato do presidente acabou. Como as eleições em 2016 não aconteceram, agora tem uma luta para o atual governo sair do poder para fazer uma eleição junto com a ONU. Só que eu fui ver e ela (ONU) ainda não tem uma data para isso. Saiu uma notícia de que eles vão divulgar a data quando o governo estiver pronto para uma eleição. Aí você não entende qual é a deles. – disse F.F inconformado com a situação. – Eu gosto da justiça brasileira, mesmo que eu não entenda muito e todo dia tenha alguma coisa. Mas ao menos tem um julgamento, descobre roubos e corrupção. 49


Capítulo 2

Conflito e Refúgio

Lá, a justiça é o presidente. Então se ele não sair, o que a justiça pode fazer? Ele vai ficar.” Ele me explicou também como Kabila mudou a lei e como ela funciona agora. “A constituição do nosso país fala que o atual presidente vai ficar até o próximo presidente assumir e fizer o discurso. O novo presidente, depois que se torna presidente, ele vai deixar para outro. Mandado dele acabou, ele tem que sair. Mas o presidente atual alterou a lei, ele deixa de ser presidente quando for eleito um novo. Mas como, se não tem eleição?! – ele falou inconformado –Quando acaba o mandato, ele tem que deixar para o senado, que vai passar para o próximo presidente. Mas como lá não existe a justiça, aí tudo fica como está. O problema do país é só uma pessoa, o presidente. Ele matou bastante, e como ele matou bastante pessoas. Ele dá muito dinheiro para a justiça também. O que acontecer lá.” F.F me explicou também que há a o Tribunal Penal Internacional (TPI), que é voltado para pessoas que cometeram crimes graves contra a humanidade. O Kabila então seria julgado por eles. Mas eles não podem prender ele e julga-lo, porque ele está no poder. “Ele sabe disso e não quer sair para não ser julgado. Meu país está com muita dificuldade, aqui vocês acham difícil, mas lá tem que estar sempre tomando cuidado... Aqui tem essas coisas de preconceito, que eu não ligo. Viver em paz mesmo, eu até vivo, mas não totalmente. Eu vim em busca de paz, mas deixei uma vida lá” – ele se emocionou ao dizer essas palavras.

A guerra não acabou no país. Se alguém fala que não tem guerra no Congo, é mentira. (F.F) 50


Cap. 3

Desafio de ser refugiado


Capítulo 3

Desafio de ser refugiado

Outro dia, eu estava no metrô da linha vermelha. Lembro que era um dia que fazia muito calor. No vagão, um músico tocava violino e cantava uma bela música que tocou o coração de muitas pessoas ali, que o aplaudiram assim que ele terminou de tocar. A mensagem que ele passou, por coincidência foi do africano Nelson Mandela, em que ele parafraseou uma de suas frases mais conhecidas sobre amor e o ódio. “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.” O rapaz que estava na minha frente em pé, pude sentir sua alegria ao ser sensibilizado pelo músico. Aliás, eu e todas as pessoas do vagão sentimos a energia que o músico passou por meio da sua música e da sua sabedoria. Porém, um homem aproximou deste que estava na minha frente, que era negro e possuía um sotaque. Logo o homem lhe perguntou: “Você não é daqui. Da onde você é?” – perguntou o homem curioso. “Sou da Angola” – o africano respondeu. Em seguida, escutei a seguinte pergunta vinda do brasileiro “você trabalha no Brás?” O espanto ao ouvir aquelas palavras me enlouqueceu. O preconceito enrustido era nítido de sentir. Muitos refugiados vêm para o Brasil e lhe faltam oportunidades de trabalho. Dessa forma, quando vamos para o centro, notamos a presença deles vendendo mercadorias nas beiradas das calçadas. Essa situação é tratada pela população como um estereótipo, ou seja, de que todos refugiado só pode trabalhar no Brás. A forma como o brasileiro tratou o angolano nos faz refletir sobre como as pessoas são preconceituosas e ignorantes em relação as pessoas em situação de refúgio. O desafio se der refugiado está no dia a dia, no enfrentamento 52


Capítulo 3

Desafio de ser refugiado

de ser refugiado, e mais do que isso, é o preconceito racial que perdura ainda na humanidade. C.K. contou que quando chegou em São Paulo, ele não tinha uma casa para morar, então ele foi até um abrigo, que acolhia pessoas em situação de refúgio. “Lá tinham pessoas de diferentes cabeças. Muito dos educadores gostavam de mim” “E sentiram ciúme?” – questionei. “Sim, eles falavam que eu era insuportável. E eu perguntei ‘por que?’ e eles responderam que ‘porque todos os educadores todos gostam de você’. E teve uma situação, em que uma dessas pessoas me chamou de macaco da África. Eu não sabia que os negros, os pretos são macacos aqui. Eu morei na África e lá tem os brancos, e os brancos são africanos” – conta inconformado. Para B.P. que ao falar desse assunto, seus olhos se entristecem, os brasileiros não se importam com os africanos e isso reflete na falta de oportunidade de trabalho. “Aqui, as pessoas pensam que nós – em situação de refúgio – estamos aqui para roubar o trabalho dos brasileiros. Quando o imigrante não é negro, ele consegue as coisas mais rapidamente. Já nós, que somos refugiados e negros temos que nos esforçar MUITO para mostrar que somos capazes... Eu gosto do Brasil, mas vocês não vivem o preconceito.” – contou. B.P. tinha no Congo um carro, uma casa e uma família e explica que foi obrigado a sair. Para ele, sua luta na França será melhor, pois os refugiados são tratados de forma igualitária. “Minha vida é melhor no Congo. Você não consegue ser feliz na casa do vizinho. Seus vizinhos falam para você ficar a vontade, que a casa é sua. Mas a casa não é sua. Você vai ficar? Eu trabalho e ganho meu pão, mas não sou feliz. Eu não fico à vontade no Brasil.”

53


Capítulo 3

Desafio de ser refugiado

Em seguida, ele conta duas situações que ele presenciou que o revoltou na forma que os refugiados negros são tratados diferentes dos refugiados brancos. “Um dia, eu liguei a TV e estava passando um programa que falava de investimentos e que deram para o casal sírio uma barraca para eles fazerem lanches! – ele conta com raiva – e outro dia, outra situação me chateou. Eu estava indo comprar para o meu filho mais velho leite de soja, porque ele é alérgico a lactose. E eu vi uma lanchonete árabe. Fui comprar um lanche e me deparei com um sírio. Ele falava mal português e com quatro meses no Brasil, ele já estava trabalhando e a loja era dele. Surreal! Fiquei muito revoltado.” B.P. diz que os africanos também possuem talento para diversas áreas, mas não conseguem mostrar o que sabem fazer. Com isso, acabam atuando em algo que não corresponde com a realidade. Ou seja, com aquilo que a pessoa estudou. Quando os refugiados chegam em São Paulo, os mais estudados geralmente começam a lecionar em escolas de idiomas. É a primeira opção que lhes é dada. Mas isso não impede também de não serem contratados como, por exemplo, ser um professor apenas para tirar as dúvidas do aluno e não o titular. Há na sociedade um preconceito enrustido. Por mais que o refugiado fale o nativo francês, o brasileiro é escolhido para assumir a sala. A necessidade de trabalho leva os refugiados a aceitar qualquer tipo de trabalho, sendo até mesmo explorados como mão de obra e ajudante. A necessidade está na questão de tentar ter uma vida normal. Poucos refugiados estão vivendo a vida indo ao cinema, junto da família ou trabalhando. B.P destacou: “Muitos haitianos se mudaram porque não aguentaram o preconceito. Ele pode ser inteligente, mas o racismo é mais forte para 54


Capítulo 3

Desafio de ser refugiado

deixa-lo mostrar suas habilidades. O racismo no Brasil é institucional, existe sim. A mídia vai abafar até quando? Um dia vai explodir.” F.F. me contou que assim que chegou no Brasil, ele foi procurar um emprego. Ele falou que há muitas dificuldades nesse meio para conseguir fazer uma entrevista, por exemplo. “Quando eu cheguei, eu fui o primeiro arrumar um emprego, mas a língua era um problema. Você até tem a capacidade para trabalhar, mas se você não sabe a língua dificulta muito. Mas depois que eu passei por várias entrevistas, eu passei a entender o que estavam me perguntando e conseguia entender melhor. Eu fui aprendendo a gravar tudo isso que iam falando comigo nas conversas. Eu fiz, acho que sete ou oito entrevistas. Na última vez que fui fazer, eu consegui responder todas as perguntas e comecei a trabalhar como ajudante de pintor. Isso foi em dezembro de 2013.” Ele conta que com o trabalho ele foi melhorando o seu português, mas o curso que ele fez não agregou tanto. “O curso da *10 é de apenas um mês, só para você saber se apresentar ‘Oi, eu sou o F.F’. Mas não integra. Isso eu aprendi com os meus amigos de trabalho. Lá eu me esforcei mesmo para entender, aprender a falar.” Mas F.F. enfrentou o que os outros refugiados também enfrentam: o preconceito. “O meu antigo chefe tinha preconceito e as coisas não estavam bem. Então eu fui até a Cáritas e uma moça me ajudou. Ela me encaminhou para outro emprego no *11 e trabalhei como atendente. Eu fui lá e fiz a entrevista e passei. E lá eu trabalhei bastante, fiquei

10

A instituição teve sua identidade preservada.

11

A empresa teve sua identidade preservada.

55


Capítulo 3

Desafio de ser refugiado

lá quase três anos” – disse. “O preconceito que o seu antigo chefe tinha era racial ou por ser refugiado?” “Acredito que tenha sido racial, porque eu não entendia direito. Meus amigos falaram para mim que o que ele estava fazendo era errado. Meu antigo chefe falava muitas coisas para mim, muitas coisas”, ele enfatizou e contou com os olhos entristecidos. F.F, como falou anteriormente, estudou Tecnologia da Informação no seu país e estava trabalhando em São Paulo fora da área que havia estudado. Ele foi atendente e encaminhava os trabalhadores com o seguro desemprego e outras coisas. Ele então decidiu estudar T.I aqui para poder trabalhar na área que ele gostava. Assim, ele começou novamente a se formar no curso. Segundo ele, o processo para validar o seu diploma iria demorar mais de dois anos e assim, iria prejudicar muito mais a sua vida. Então, ele optou por refazer a faculdade aqui no Brasil, de acordo com a legislação brasileira para que ele pudesse ter uma qualificação reconhecida. Ele contou chateado que tentou procurar estágio, mas não encontrou nada. Muito menos trabalho. E então decidiu trancar a faculdade. Depois apareceu uma vaga para trabalhar no *12 Lá ele faz a mesma coisa que eu fazia no outro emprego: auxiliar as pessoas com vulnerabilidade, estrangeiros, refugiados, idosos, pessoas com deficiência, e oferecer assistência para conseguir um trabalho. “Agora, é quase a mesma coisa. As pessoas chegam de outros países e estão com problemas e nós ajudamos. Eu penso em voltar a faculdade e fazer um curso voltado para isso (acolhida e capacitação), mas antes vou tentar terminar o curso que eu tranquei. Agora, para eu conseguir acabar é preciso experiência né. É preciso

12

O nome da empresa teve sua identidade preservada.

56


Capítulo 3

Desafio de ser refugiado

do estágio” – disse. Sobre o acolhimento do Brasil em relação aos refugiados, ele destaca dois pontos: o primeiro, de que o procedimento é justo. O segundo, os brasileiros são difíceis. “O brasileiro ainda tem muitos problemas em aceitar e ter um bom tratamento. É difícil. Eu mesmo, não tenho amigo brasileiro”, falou. “Você tem mais amigos na comunidade?” – perguntei. “Nem na comunidade. Eu prefiro ficar entre os brasileiros, porque se você está no Brasil, é melhor você estar com os brasileiros para aprender a falar e se adaptar. As pessoas (refugiados) chegam aqui e não querem se integrar, ficam reclamando sobre a comida, sobre a situação. Não querem aceitar a cultura do país. Eu amo a comida brasileira. Adoro a comida do meu país. Eu gosto da comida daqui.” B.P me contou que não existem sírios nos albergues, porque quando eles chegam ao Brasil, já tem uma estrutura para eles “uma separação”, como ele diz. “Quando tenho que ir em alguma ONG para pedir algo, vejo famílias africanas que conseguem pagar passagem, mas chegam aqui são tratados igual lixo. Estão ali pedindo arroz, feijão... Eu não quero essa diferença. É preciso dar oportunidade. A chance não deveria ser igual?” Para F.F. a imprensa tem um tratamento diferente ao falar sobre os refugiados sírios e os congoleses. “A imprensa fala só sobre a guerra da Síria. Já, a do Congo, não falam. Eu acho estranho, absurdo” em seguida ele se recorda de uma situação que teve em um país da África”, Teve no mês passado uma tragédia em Serra Leoa onde morreram quase 400 pessoas. Mas se morre uma pessoa na França eles falam. A população negra, africana, as pessoas são bichos? Não sei...” – ele se questionou. Mas destacou também que as pessoas podem fazer algo: 57


Capítulo 3

Desafio de ser refugiado

“A gente não vai ficar só reclamando das mídias, a gente pode fazer também. Eu já estou fazendo algumas coisas sobre essa questão do refúgio para as pessoas entenderem, porque muitos precisam entender um pouco os refugiados.” – ele contou que está se preparando para dar palestras para que as pessoas possam conhecer melhor quem é o refugiado. F.F também falou que os sírios chegam e somem. Eles não ficam em albergues. Eles chegam e tem uma facilidade maior no país. “Eles são mais bem recebidos e tem mais oportunidades. Isso envolve um pouco do racismo que tem no Brasil, o preconceito racial. A gente é como uma gota no oceano, mas temos que falar, denunciar e reclamar.” – disse esperançoso. Segundo ele, os refugiados estão conseguindo emprego pela ajuda das organizações. Ele relatou que por mais que a pessoa tenha capacidade, o mercado de trabalho está difícil. “Você fala que é refugiado na entrevista e já muda. Eu quando consegui esses empregos, eu fiquei feliz. Não só por ter o emprego, mas por essa empresa ter aberto as portas para o refugiado.” – afirmou contente. B.P me contou que o seu primeiro trabalho foi na construção civil. Do qual ele fala que foi um trabalho pesado. “Era na verdade um bico para me ajudar a ter um pouco de dinheiro para almoçar. Eu fiquei duas semanas, eu não aguentei...” – ele riu – Depois de duas semanas arrumei um trabalho na 25 de março. Este sim foi o meu primeiro emprego. Era um trabalho pesado também. Eu era ajudante em uma loja de coreanos. O salário não era bom, mas eu não me arrependo. Eu conheci pessoas que me ajudaram ali para aprender a língua”, falou. Ele contou que um amigo o ajudava no português e em troca, ele o ajudava no francês. Mas ele explicou que começou a aprender 58


Capítulo 3

Desafio de ser refugiado

sozinho a língua portuguesa com a ajuda também de novelas de crianças. “Os melhores professores são as crianças e assim, comecei a aprender e estudar”. “Eu fiquei sete meses na loja e observava muito para aprender as coisas” – porém, ele se lembra de algo que o deixou revoltado – A loja ia se mudar e ela tinha quatro andares, não tinha elevador. Eles queriam que ficássemos subindo e descendo as coisas. Eu falei ‘eu não sou escravo’ e eu preferi ficar desempregado a passar por aquilo” relatou. Após esse episódio, ele foi até uma instituição que ajuda os refugiados na questão de arrumar um trabalho e pediu ajuda para encontrar algo que o fizesse se sentir bem para trabalhar. Mas desse período, depois de duas semanas, ele foi trabalhar em São Caetano. “Era um trabalho em uma construção civil. Eu ganhava bem, tinha benefícios. Eu não tinha opções, apenas aceitei. Já no segundo dia, essa instituição me ligou falando que conseguiram uma entrevista em um hotel. Eu fiquei ‘caramba, recepção? Hotel?” – B.P. me contou encenando as suas caras para a situação. A entrevista era logo no dia seguinte. Tinha vários brasileiros e dois africanos. Foi na época da Copa do Brasil como ele contou. “Na prova, pedia para escrever sobre um livro que a gente tinha lido há alguns meses. E eu fiquei ‘véi, o que eu vou escrever?’ – nós dois ficarmos com aquela cara de “quê? Escrever sobre um livro?” Ele lembra que foi o último a ser chamado para a conversa com uma das chefes. E ele foi questionado sobre uma qualidade para a empresa pudesse contratá-lo. E ele contou que respondeu “não sei, eu sou gentil” e a moça gostou. “Ela é hoje a minha amiga. E na época ela disse que ia ligar. Eu cheguei a passar na entrevista e fiquei pensando ‘eu vou trabalhar 59


Capítulo 3

Desafio de ser refugiado

ali?’ – contou ele animado, mas com medo do desafio. – No outro dia, tinha outra entrevista, com uma outra gerente. Eu cheguei atrasado de novo. Um africano tinha passado também. Depois da entrevista, a instituição ligou para ele no mesmo dia, dando a notícia de que não tinha passado. Mas que em vinte dias eles iriam contratá-lo. “Eu fiquei pensando será?” – disse ele desconfiado se ligariam – Eu fiquei na mão de obra como servente de pedreiro. Eu recebi elogios de que eu seria um bom pedreiro. Aquilo me deixou muito chocado e triste. Não estou desmerecendo o trabalho, mas eu estudei para trabalhar na minha área de relações internacionais. – em seu olhar eu percebi o quanto aquilo o deixou chateado. Em seguida ele conta: “Eu nunca vou esquecer. Eu estava no trem e a outra gerente me ligou falando ‘topa trabalhar com a gente?’ Realmente foi em vinte dias mesmo. E comecei a me perguntar ‘Será que vou conseguir?’ Meu português não é tão bom, mas eles estão confiando em mim’. E após ele aceitar, ele conversou com o seu chefe da construção civil e contou sobre a oferta de emprego. B.P me explicou que eles conversavam muito e ele sabia sobre a sua história também. Quando ele falou do emprego no hotel, ele virou e gritou: “Tira essa roupa agora, estou te mandando embora agora!!!!” – B.P gritou baixinho encenando o que o seu chefe falou para ele. “Que bom! Ele te apoiou!” – falei animada com a situação e rindo com ele contando sobre a forma como o chefe disse para ele aceitar o emprego. Hoje, ele está faz três anos e alguns meses no hotel. Ele contou que gosta de escrever e o seu trabalho o ajudou a melhorar o português. Ele me falou também sobre a sua mulher.

60


Capítulo 3

Desafio de ser refugiado

“Quando eu saí, não tinha perspectiva dela vir pra cá, ela estava estudando. E então depois casamos por procuração, um casamento a distância. Ela conseguiu chegar dois anos depois. Já faz um ano e pouco e agora ela está na França, estudando.” O desafio de ser refugiado, de ser inserido na sociedade e no mercado de trabalho foram outros assuntos que conversei também com o voluntário Mateus Lima sobre o papel da instituição que ele atua e tem a missão de auxiliar o refugiado. “Como é o dia a dia na ONG?” – questionei. “A ONG trabalha pra integrar os refugiados na sociedade por meio de aulas de português e busca de vagas de trabalho para essas pessoas. A maior demanda que temos com essa comunidade são as vagas de emprego. O pessoal quer arrumar um trabalho e o que fazemos é capacitá-los para que eles entrem de uma forma mais fácil no mercado de trabalho” – explicou. “Quando você fala em capacitá-los para que eles possam entrar mais fácil no mercado, seria apenas com as aulas de português?”– questiono querendo saber quais são os métodos. “Não, além disso, seria também por meio de um treinamento para capacitar sobre qual é a cultura do brasileiro, por exemplo, como se comportar em uma entrevista. A pessoa que vem de outro país não vai saber o fazer e o que não fazer. Cada país tem a sua cultura de empregar uma pessoa” – ele explicou. “E em relação a essa demanda a procura de trabalhos, a maioria são africanos?” “60% das pessoas que atendemos são oriundos da África e a maioria das pessoas são da República Democrática do Congo, Nigéria e outros países da África. Não temos atendimento tão enfático com a comunidade síria, com a comunidade mais do oriente médio, ajudamos mais os africanos.” “Não tem demanda dos sírios?” – perguntei. “A comunidade síria é mais organizada no Brasil, então quando o refugiado chega, ele já consegue se reinserir no meio dele. Já 61


Capítulo 3

Desafio de ser refugiado

a africana, não tem uma organização muito concreta, não tem a estabilidade que os sírios possuem aqui. Então eles precisam de uma assistência maior. As condições financeiras são diferentes. Há a desvalorização do diploma que dificulta as coisas também.” V.G. ressalta a importância do conhecimento sobre um país para evitar o preconceito. “A maioria dos brasileiros não conhecem a África. Por causa desse desconhecimento, surge o preconceito pelos africanos. Por isso, eles ficam falando “eles estão fugindo de fome”, eles perguntam por que você escolheu o Brasil. Achando que as pessoas tinham escolha. Mas o refugiado é alguém que não teve tempo de escolher. Se ele tivesse tempo para escolher, o Brasil nunca poderia passar na minha cabeça. Para escolher, tem França, tem Bélgica, tem Canadá, tem a Europa inteira.” – ele continua – “Eu nunca pensei no Brasil. Mas na hora que o padre me levou o passaporte e falou que só tinha conseguido o visto para o Brasil, fazer o que? Não tem mais opção. Isso que as pessoas têm que entender.” O congolês explicou que os refugiados são imigrantes, mas que a imigração tem dois lados: a voluntariada e a forçada. “A imigração voluntariada, você quer ir na França, você compra a sua passagem, paga a sua hospedagem e você sabe o dia que você vai e o dia que você vai voltar. Já, a imigração forçada, é alguém que não se preparou, que nem tinha dia de ir, e nem dia de voltar. Mas ele tem que sair. Pode ser hoje, pode ser amanhã. Mas ele tem que sair. E quando ele vai voltar? Não sei. Essas pessoas são diferentes.” V.G. compara também o Brasil com a situação que o seu país vive. “Refugiado é o nome internacional e são as pessoas que não possuem proteção no próprio país. Aqui você grita ‘Fora, Temer’ e vai dormir. Tudo bem. Mas vai gritar lá no Congo ‘Fora, Kabila’, você é morto. Porque é ele que manda. Quem vai te proteger? Ninguém. Você vai acusar Kabila com o que? Entendeu? Você é obrigado a 62


Capítulo 3

Desafio de ser refugiado

fugir. Se ele te pega, ninguém vai pedir desculpas para você. Ele já matou muito, ninguém pediu desculpas, não é para você que vão pedir. Não tem exceção. Já matou muito antes, e depois vai matar. Você está lá naquela fila, e você vai falar o que?” Em relação ao trabalho, ele explicou ser contra sobre como é feita a integração do refugiado no país. Afinal, não tem essa integração e isso pode prejudicar o refugiado. “Será que quando a gente vem, nós estamos preparados? Em outros países, como que funciona? Em países desenvolvidos, como a França, outros da Europa? Quando você chega, você não pode trabalhar, você não pode se candidatar para um trabalho. Eu conheço alguém que chegou no aeroporto, chegou aqui, segundo dia fez todos os documentos, depois de dez dias que começou a trabalhar. Isso é loucura, o que ele conhece sobre o país? Sobre a lei? Sobre o trabalho escravo? Não conhece nada! Ele deveria ser inserido na sociedade, para depois trabalhar. Essa que é a dificuldade de integração.” Além disso, as dificuldades e o desafio em ser refugiado refletem não só na integração, no trabalho, mas na moradia e na saúde. Perguntei para V.G. como funciona para eles a questão da saúde, se eles podem utilizar o Sistema Único de Saúde (SUS). “Nós vamos no SUS, que de alguma maneira é bom. Mas eu acho que é uma saúde precária, paliativa, que não ajuda mesmo. Você vem com doença e te dão agendamento. A gente não brinca com saúde. Agendamento pela saúde não existe. Porque eu vou falar para a doença ‘Escuta, eu sei, espera. Me deixa, depois dessa data você volta e eu te levo no hospital’. Não tem agendamento pela saúde, não pode ter. Documentação certo. Outras coisas, certo. Mas saúde é tudo. Saúde é ligado pela vida, perde saúde, perde a vida. Como vai ter agendamento pela vida? Quando você está agendando pela saúde, você está agendando pela vida. Para ser tratado você tem 63


Capítulo 3

Desafio de ser refugiado

que sair sangrando, com sangue assim... Aí vão te tratar. Se você fala “eu tô bem, só com uma dor”, ai não. Você não está sentindo o que está dentro do outro.” Sobre a escolaridade, ele me espantou com a dificuldade que as famílias enfrentam ao preencher um formulário do bilhete único. “Falando da escolaridade, é difícil. Você vai entrar em uma planilha para preencher. Eu já tentei preencher para um filho de um refugiado, ele conseguiu vaga na escola, essa escola, para ir, ele tem que pegar o ônibus. Aí tem que fazer o bilhete único da criança. Lá tem escrito “RG”, significa que eles não reconhecem que tem refugiado, tem imigrante... Significa que todas as crianças no Brasil são brasileiras, não pode ter criança estrangeira. Não vou conseguir. Está obrigatório lá o RG. Não dá para estudar, porque não dá para embarcar no ônibus. Essas são as dificuldades. Transporte, saúde, escolaridade, reconhecimento de diploma. Esse também é um problema muito grande. Enfim, tem muitas coisas que se juntam as dificuldades a esse nome (refugiado) que temos aqui no Brasil.” F.F ressaltou a sua visão em relação ao imigrante e o refugiado: “O imigrante que sai do país dele, é para tentar melhorar a situação de vida dele. Já o refugiado é uma pessoa que teve que fugir do seu país, ela não está passando fome, sem emprego e dinheiro, ela veio por necessidade. Mas o povo brasileiro tem muito preconceito com nós, mas não podemos generalizar tudo. Tem muitos que são bons comigo, no meu trabalho. Muitos que me fazem bem, mas é difícil. As pessoas precisam se aproximar de nós, confiar em nós e em nossas capacidades.” A minha conversa com o C.K finalizou de uma forma curiosa, a vida é afinal, algo curioso se formos pensar. Eu estava organizando as minhas coisas para ir embora e uma pergunta me surgiu: “Hoje você está morando em qual bairro?” “Agora estou morando na Vila Leopoldina” – ele respondeu. “Ah tá! Eu estudei ali. Ali eu fiz a escola ali na rua Carlos Weber – 64


Capítulo 3

Desafio de ser refugiado

falei animada pela coincidência. “Ah sim! Carlos Weber, conheço sim!” – respondeu entusiasmado. A coincidência me levou a refletir sobre o que é a vida e a forma como a tocamos. Em seguida, lembrei de algo que V.G. me disse, que me fez sorrir ao pensar: “Na nossa cultura, tem algo que diz que ninguém pode ser feliz sozinho. A gente tem que adaptar nossa convivência e viver feliz em conjunto. Tem que ser feliz com todo mundo, gostar do outro, tirar essas mentiras que existem sobre os refugiados.” Ele tem toda a razão!

Sonho com o dia em que todos levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos. (Nelson Mandela)

Assim como tudo em nossas vidas há os dois lados da moeda: o positivo e o negativo. Com o avanço da tecnologia, o homem tem alcançado e feito diversas inovações. Mas a mesma mão que estende para alguém é a mesma que lhe causa a destruição. Hoje o homem constrói bombas, armas biológicas, químicas e nucleares para matar o próximo. A ganância e a ambição das nações têm refletido diretamente nos problemas globais que o mundo enfrenta: como a pobreza e a violência. Mas os seres humanos se esquecem de uma força poderosa chamada “amor” que não vê raça e religião. O que falta na humanidade é colocar em prática no dia a dia com as pessoas. Quando eu participei como voluntária da IV - Copa dos Refugiados, que aconteceu em setembro de 2017, organizado pela África do Coração envolvendo refugiados de 20 nacionalidades distintas nós percebemos o quanto o mundo deveria atuar mais na causa.

65


Capítulo 3

Desafio de ser refugiado

A partida vai muito além do jogo. Afinal, a proposta da Copa dos Refugiados é integrar tanto os imigrantes e refugiados quanto a população brasileira. O esporte une todas as pessoas, de qualquer religião, raça ou opinião política. Por meio dele é possível quebrar a xenofobia e o racismo que a sociedade tem perante o tema. Lembro que quando trabalhei na região norte, todos os dias eu tomava o ônibus e passava em frente a Polícia Federal. Todos os dias refugiados embarcavam e precisavam muitas vezes do auxílio do cobrador para poder descer no seu destino. Mesmo que eu estivesse com o meu fone de ouvido era possível ouvir a conversa entre eles e o cobrador. A ignorância e o descaso perante aos refugiados era bem nítido. O tratamento que o brasileiro oferece para o próximo é quase nulo no quesito respeito. Imagina para alguém que não é do seu país? O que eu percebi é que as pessoas evitavam os refugiados e os tratavam sem educação. Mas outro ponto estava realmente na questão da língua. Até mesmo quando o cobrador oferecia ajuda a conversa se tornava algo complicado e impossível se comunicar. O que quero dizer é que há muito preconceito em relação ao refúgio e principalmente aos africanos. A falta do conhecimento sobre esse assunto me motiva a falar para desmistificar preconceitos que a sociedade tem perante esses indivíduos que muitas vezes são tratados como “refugiados são fugitivos ou foragidos de seus países de origem” ou “refugiados estão ilegalmente aqui no Brasil.” A luta por uma vida mais decente acomete aos refugiados a necessidade de fugir daquela situação vivida, seja por perseguição política, raça ou religião. Muitos não têm para onde ir e outra pessoa escolhe por ele o novo país que ele vai morar. O país em questão, 66


Capítulo 3

Desafio de ser refugiado

o Brasil, na cidade de São Paulo acolhe e integra essas pessoas na sociedade. Mas sabemos que na prática que a acolhida deveria ser um ponto a melhorar para atender as necessidades do refugiado. A África tem sido ignorada ou assume uma posição de submissão diante as potências externas que se aproveitam dos seus recursos naturais. A única solução é um governo forte no Congo, que possa responder aos ataques, e um apoio internacional real que penalize aquelas empresas suspeitas de importar minerais de zonas em conflito. O Congo precisa ser reconhecido. Precisamos olhar para eles e ajudá-los. Em relação a mídia, o Brasil segue o padrão de jornalismo norte-americano e percebemos que os países africanos não viram notícia. Porém, quando isso acontece, é dedicado um espaço menor para tratar sobre a África. Parece que a cobertura é mais sucinta e não há uma forte comoção. É como se o sofrimento de países africanos não fosse digno de atenção pelos leitores e telespectadores. Isso leva a uma crítica aos jornalistas e uma reflexão sobre como o jornalismo está estruturado hoje. O jornalismo precisa sofrer mudanças. Ele precisa assumir o seu papel e defender a defesa dos princípios descritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Além disso, combater a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, econômicos, políticos, religiosos, de gênero, raciais ou de qualquer outra natureza. A verdade é que a humanidade perdeu o seu rumo. Perdemos o afeto com o próximo que são nossos irmãos e irmãs. A cultura do conforto e o egoísmo, nos torna insensível aos gritos de outras pessoas. O que resulta em uma indiferença globalizada em relação aos outros. Como disse um dia Albert Einstein, o mundo não será destruído pelo mal, mas por aqueles que olham e não fazem nada.

67



Anexo



Cartilha de auxílio para solicitantes de refúgio Refúgio no Brasil No Brasil, o mecanismo do refúgio é regido pela Lei 9.474 de 199. A Lei Brasileira de Refúgio considera como refugiado todo indivíduo que sai do seu país de origem devido a temores de perseguição por motivos de raça, nacionalidade, religião, grupo social ou opiniões políticas e generalizada violação de direitos humanos no seu país de origem. Todos os pedidos de refúgio no Brasil são decididos pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). O órgão está vinculado ao Ministério da Justiça e por representantes do Ministério da Justiça, do Departamento de Polícia Federal e outras organizações que oferecem assistência e proteção aos refugiados no Brasil.

Mas quem são esses órgãos? O Conare é um órgão do governo responsável por analisar e decidir todos os pedidos de refúgio no Brasil. A Polícia Federal é o órgão do governo encarregado de receber os pedidos de refúgio, emitir documentos para solicitantes de refúgio e refugiados, informar os solicitantes de refúgio sobre o resultado dos seus pedidos e receber recursos contra as decisões negativas do Conare. O Ministério da Justiça é a autoridade responsável por analisar e decidir todos os recursos dos solicitantes de refúgio no Brasil.

71


Os direitos dos solicitantes de refúgio no Brasil são: A não devolução para o país de origem, onde sua vida está em risco; O direito a documentos de identidade (Protocolo Provisório) e carteira de trabalho provisória. Estes são elementos que comprovam o seu direito de permanecer em território brasileiro até a decisão final do processo de solicitação de refúgio. Além disso, o direito ao trabalho, saúde e educação. Não ser discriminado (a), não sofrer violência sexual ou de gênero e praticar livremente sua religião

Como solicitar refúgio no Brasil? Para solicitar o pedido de refúgio no Brasil, é preciso estar presente no território nacional. Após a chegada, o estrangeiro que se considera vítima de perseguição em seu país de origem deve procurar uma delegacia da Polícia Federal ou autoridade migratória na fronteira e solicitar o refúgio para ter a proteção do governo brasileiro.

Qual é o procedimento? Para registrar o seu pedido de refúgio, você deve preencher um termo de solicitação de refúgio em qualquer posto da Polícia Federal. Informar um endereço (onde você mora ou está hospedado), telefone e e-mail para contato. É importante sempre atualizar as suas informações tanto na Polícia Federal, quanto no Conare para receber as informações caso seja preciso. 72


Após registrar sua solicitação na Polícia Federal você receberá um protocolo provisório, válido por um ano e renovável até a decisão da Conare sobre o seu pedido. Este protocolo será o seu documento de identidade. Ele serve para provar que sua situação migratória está regular e que não podem devolvê-lo para o país de origem. Com este protocolo você tem o direito de obter a Carteira de Trabalho (CTPS) e Cadastro de Pessoa Física (CPF) e, além disso, acessar os serviços públicos no Brasil. Caso a condição do solicitante de refúgio seja reconhecida, ele tem o direito de permanecer no Brasil como refugiado e obter o documento de identidade de estrangeiros, denominado Registro Nacional de Estrangeiros (RNE) Além disso, o refugiado terá direito a uma Carteira de Trabalho definitiva e adquire os mesmos direitos de qualquer outro estrangeiro em situação regular no Brasil. Se o pedido for negado, você pode apresentar um recurso para o Ministério da Justiça no prazo de quinze dias, contados a partir do recebimento da notificação. O pedido de revisão da decisão deve explicar detalhadamente as razões pelas quais você não concorda com a decisão.

73




w

“O importante é ter paz” – assim os refugiados congoleses falam como é viver em um lugar onde podem dormir sem que alguém invada a sua casa, os torture ou fira os seus direitos. Obrigados a sair do Congo por conta de uma guerra pelos recursos naturais e também por ter um governo corrupto que não realiza novas eleições, os congoleses buscam recomeçar a vida na cidade de São Paulo. Mas como eles são recebidos? Quais as dificuldades que vivem ao pisar em terras brasileiras? No livro, eles contam com detalhes as suas histórias que estão entrelaçadas com o Congo e a nova vida no Brasil.

Larissa Leão Gondin

Nascida em Monte Alto, é formada em Comunicação Social com ênfase em Jornalismo pela Universidade Paulista (UNIP).


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.