Revista História

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URBS 515

luciano salom達o gustavo leonel Larissa Guerra


EDITORIAL A revista Urbs 515, deste mês de julho, busca compreender as diferentes infra-estruturas em importantes centros urbanos do Brasil, considerando principalmente, sua urbanização no período Colônia - Império. Nela estão publicados os seguintes artigos: O Porto de Santos e a formação da cidade, São Paulo: ontem, hoje e amanhã e a Iconografia do saneamento no Rio de Janeiro. Todos os objetos analisados tiveram grande importância no traço urbano atual de suas respectivas cidades. O Porto de Santos, por exemplo, proporcionou o elo comercial do Brasil com o restante do mundo, desde à sua origem até os dias atuais. Assim como os grandes rios presentes em São Paulo, que favoreceram a criação de ferrovias nos vales dos seus leitos, aproximando o interior do Brasil até o Porto de Santos. Além disso, esses mesmos rios, auxiliaram na fixação dos povoados nas antigas vilas de São Paulo. Todo o desenvolvimento populacional está relacionado à infra-estrutura desenvolvida para o atendimento das áreas urbanas, como: o desenvolvimento do saneamento público, a presença dos rios atreladas às necessidades primárias e os portos que permitem o abastecimento das cidades. Os artigos procuram retratar como esses aspectos eram primordiais no processo de Urbanização de um Brasil em crescente desenvolvimento. Hoje, após 515 anos da "descoberta" do Brasil pelos portugueses, é possível contextualizarmos e criticar a conduta de colonização de séculos atrás. Poderia ter sido diferente? Os problemas urbanos atuais são inevitáveis em consequência do crescimento das cidades? A revista não procura ditar regras e sim promover o questionamento de questões relevantes.


NESTA EDIÇÃO JULHO | 2015

01 SÃO PAULO: ONTEM, HOJE E AMANHÃ

15 O PORTO DE SANTOS E A FORMAÇÃO DA CIDADE

26 iconografia do rio de janeiro no século xix

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TRABALHO

URBS 515


São Paulo: Ontem, Hoje e Amanhã Autora: Larissa Guerra O artigo “São Paulo: Ontem, Hoje e Amanhã” é uma reflexão acerca da Crise Hídrica Paulistana associada aos diversos acontecimentos relatados no período do Brasil Colônia e Império. Busca compreender o impacto por traz das alterações urbanísticas realizadas no passado e que acabaram afetando no quadro urbano atual da cidade de São Paulo. Os objetos analisados foram: o Rio Tamanduateí, o Rio Tietê e o Rio Pinheiros. Que são os principais rios presentes na cidade de São Paulo e que tiveram uma grande influência em promover condições favoráveis a instalação dos índios, e posteriormente, os colonizadores portugueses. Os capítulos 1,2 e 3, tratam da origem populacional das primeiras vilas e retrata os momentos marcantes da influência dos rios no decorrer dos séculos, após a colonização portuguesa. O capitulo 4, trata das mudanças urbanas enfrentadas pela cidade após o grande impulso modernístico proporcionado pela expansão cafeeira e que ocasionou um forte estouro populacional na capital. Neste mesmo período os problemas relacionados ao saneamento e preservação dos rios, foram solucionados sem qualquer planejamento a longo prazo.

Entre eles estão os aterramentos de diversas várzeas da cidade. Já o capitulo 5 retrata os principais projetos de reestruturação de São Paulo, em destaque o engenheiro Saturnino de Brito e o técnico de saneamento Prestes Maia. Também cita a valorização que foi dada ao transporte rodoviário, em função das obras de saneamentos de rios. Todo esse contexto histórico está intimamente ligado aos problemas enfrentados pela maioria das metrópoles do Brasil: a supervalorização do transporte sobre rodas e a consequente não preservação dos seus rios. Analises que nos mostram que problemáticas como essa, estão interligadas por uma complexa carga histórica, de gestões governamentais que não deram sua devida importância e que até hoje vem sendo repetidas. Eu, Larissa, autora deste artigo, nascida no hospital Leão XXIII às margens do Rio Ipiranga, criada na cidade de São Paulo, estudante e futura arquiteta-urbanista, me vejo na obrigação de difundir este assunto. Não se trata apenas de economizar os 30% da conta de água da Sabesp, trata-se de uma história de exploração da rede hídrica de São Paulo, que possui raízes no período do Brasil Colônia e Império.

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RIO TAMANDUATEÍ

Estudar a história de São Paulo, sem citarmos a importância que o rio Tamanduateí teve na formação deste centro urbano, é algo inadmissível e altamente inquestionável de argumentos que justifique o seu esquecimento. Tomaremos como partida a análise da inserção do rio Tamanduateí, devido a sua relação primordial com os primeiros povoamentos que se instalaram na região. 1.1 - TAMANDUATEÍ PRÉ COLONIZAÇÃO Em meados de 1550, na região que atualmente corresponde ao velho centro de São Paulo, existiam ali populações indígenas que habitavam o topo da uma colina. Entre a colina, haviam dois rios de grande importância na vida dos povos locais, eram os rios: Tamanduateí e o Anhangabaú. O rio Tamanduateí com o fluxo de água bem mais intenso que o Anhangabaú, é também um afluente do Rio Tietê, que possibilitava uma interligação estratégica para o deslocamento dos indígenas, em direção aos sertões mais interiores do Brasil. Tamanduateí, também chamado de Piratininga pelos índios, significava “Rio do Peixe Seco” e o seu nome está inteiramente relacionado ao sistema de vazões. Na época das chuvas o rio chegava ao nível máximo de sua capacidade hidrográfica, porém meses após as cheias, se aproximava a época do inverno e as águas reduziam drasticamente do seu fluxo normal, formando várzeas nos vales baixos próximos à colina. Com isso, muitos peixes ficavam presos e morriam nessa região. A morte desses peixes, atraiam as formigas, que vinham em busca dos restos de matéria orgânica, e consequentemente, as formigas atraiam os tamanduás, que se alimentavam desses tipos de insetos. O peixe era também fonte de alimento para os próprios índios e devido ao grande número de tamanduás situados nas várzeas do vale, o rio passou a ser chamado de Tamanduateí, que é um termo referente à esse animal na linguagem tupi. Já o rio Anhangabaú estava situado na direção oeste da colina, ao contrário do Tamanduateí que a ladeava no sentido leste.

O Anhangabaú, possuía um porte mais doméstico na vida dos nativos, era uma espécie de ribeirão, com fácil acesso à água limpa para as atividades do dia-a-dia. Durante muitos anos viveram ali populações tupis, que estabeleciam uma relação de respeito e subsistência com a natureza. Os rios eram parte integrante e fundamental nas atividades cotidianas das aldeias, os nativos se relacionavam com a hidrografia local de forma a priorizar e valorizar a sua existência. Nunca foi visto como obstáculo e sim como uma riqueza maior presente em suas vidas. 2.2 - TAMANDUATEÍ: COLONIZAÇÃO Em 1554, com o surgimento das missões jesuíticas que tinha como objetivo explorar os sertões da colônia, vieram muitos viajantes portugueses afim de reconhecer os territórios inexplorados, nos confins de um Brasil recém descoberto. Ao chegarem nas aldeias próximas à colina, encontraram os povos tupis que já estavam estabelecidos na região há décadas da descoberta do Brasil. Os portugueses perceberam o excelente ponto de localização e o forte potencial que tinha na região para a instalação de uma vila de catequização indígena. Em janeiro de 1554 foi instalado o Pátio do Colégio, a pedido da Companhia de Jesus de Portugal. Aproveitaram dos conhecimentos geográficos dos nativos, para instalar a futura vila no alto plano da colina, entre as atuais aldeias indígenas. Assim, estariam protegidos das cheias do Tamanduateí e permaneceriam inseridos no meio de uma grande rede hidrográfica. A escolha nos revela diversos fatores que influenciaram, como: a já citada topografia estratégica e também como as condições favoráveis à defesa de um povoado. Porém, o êxito dado à povoação no seu início é também influenciado pela cooperação entre portugueses e indígenas. A tribo dos Guaianazes cedeu espaço de suas terras para que os portugueses pudessem se instaurar na região, em área próxima à sua ocara.

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RIO TAMANDUATEÍ

2.2 - TAMANDUATEÍ: COLONIZAÇÃO

Havia então, mútuos Interesses, os jesuítas que buscavam conhecimentos da terra, através da sabedoria indígena e os Guaianazes que se admiraram com os “presentes” e a cultura transmitidos pelos portugueses. Essa relação de mutualismo entre portugueses e índios não se mantém durante toda a história do processo de urbanização de São Paulo, muitas tribos foram expulsas de suas terras, por representarem um empecilho ao desenvolvimento das vilas. Os rios seriam vistos posteriormente como barreiras às expansões urbanas, aqueles nos quais foram a razão da existência da antiga São Paulo de Piratininga, vila que surgiu no alto de uma colina, entre rios vastos que promoveram a relação de convivência entre jesuítas e Guaianazes. Aos poucos, as construções da antiga Vila de Piratininga foram se desenvolvendo nos arredores dos rios Tamanduateí e Anhangabaú, que formaram uma espécie de triângulo urbano, com os seus três conhecidos pontos principais: o Colégio do Carmo (1592), Colégio de São Bento (1600) e Colégio de São Francisco (1640). Infraestrutura adequada para o processo de catequização e urbanização que funcionava em volta das aldeias locais (Figura 01).

Figura 01 – O triângulo histórico de São Paulo. Autor desconhecido. Disponível em: <http://images.slideplayer.com.br/1/289281/slides/slide_4.jpg> Acesso desconhecido.

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RIO TIETÊ

O rio que corre pelas “costas do mar”, até o século XVII era conhecido como rio Anhembi, historiadores consideram que o nome é derivado de uma ave muito comum na região, as anhumas, significando “rio das Anhumas”. Além da sua forte participação histórica para São Paulo, também foi um local de lazer e entretenimento, porém, desrespeitado pela cidade, que o transformou em um rio descuidado, que passou a receber o esgoto urbano.

2.1 - TIETÊ: A GRANDEZA DE UM RIO O Rio Tietê nasce na Serra do Mar, à uma altitude de 1.030 metros, no atual município de Salesópolis - SP, a pouco mais de 20 km do oceano Atlântico e a 96 km da cidade de São Paulo. Possuí uma característica principal que o diferencia de muitos outros rios, ele se contrapõe a natureza por não conseguir atravessar os picos rochosos em direção ao litoral, diferenciando-o da maioria que segue o sentido de desaguamento do oceano. O Tietê atravessa o interior do Estado de São Paulo, desaguando no rio Paraná, num percurso de quase 1.100 km. Consegue imaginar o quanto que este rio se tornou um grande desafio para os bandeirantes do século XVI? Sua curiosa geografia em sentido ao interior de um Brasil que prometia riquezas aos seus exploradores, motivaram muitos aventureiros a sair rio adentro em busca de onde o grande Tietê os levariam. Era também um mecanismo de acesso a terras desconhecidas, de forma a evitar as viagens de missões em caminhos obscuros das grandes florestas brasileiras. Símbolo e influencia na criação da cidade de São Paulo, trata-se de um personagem fundamental durante os seguintes períodos econômicos: bandeiras, monções, cafeicultura e industrialização. Capistrano de Abreu, cita em suas observações sobre epopeias de penetração em cartas durante o período, a seguinte frase:

“Rio cujas nascentes mais se aproximam do litoral e que, banhando o primeiro núcleo colonial interior, era estrada natural e admirável, ligado a um amplo sistema fluvial, por onde era possível chegar ao íntimo de nossa terra” [Nóbrega, Humberto Mello, A História de um rio (o Tietê), 1901, p.35] 2.2 - TIETÊ: COLONIZAÇÃO A única via de acesso ao interior da província de São Paulo era o Tietê e, embora não navegável em algumas frações do seu leito, se tornou a via mais breve para se alcançar o Estado do Mato Grosso, o então conhecido ciclo das monções, que perdurou durante o século XVIII. As monções eram expedições fluviais, com intuito comercial e de povoação que partiam do porto de Araritaguaba, em Porto Feliz, região de Sorocaba. O período de exaltação das Monções iniciou-se com a descoberta das minas em Cuiabá. Nessa época, o Tietê foi o caminho dos aventureiros que saíam em busca do desconhecido, sendo assim, foram fundadas vilas e povoados em suas margens, período de povoação de um país incógnito aos seus colonizadores (Figura 02).

Figura 02 – O ciclo de Monções no Tietê Autor Flavio Coutinho. Disponível em: <http://www.tocadacotia.com/wp-content/uploads/2013/12/as-moncoes-no-brasil-2.jpg> Acesso desconhecido.

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RIO TIETÊ

2.2 - TIETÊ COLONIZAÇÃO

O rio Tietê nas proximidades da cidade de São Paulo possuía características tipicamente de rios de planície, que são rios lentos, que serpenteiam nas planícies e formam meandros sobre a vargem. De uma cheia a outra o Tietê mudava de lugar sobre a planície e seu fluxo e margens eram inconstantes, possuindo uma vargem de inundação periódica entre suas áreas mais próximas. Com isso, era arriscado estabelecer vilas muito próximas do seu leito, pelo fato de ser imprevisível sabermos sua projeção. Os viajantes de monções, os bandeirantes e tropeiros, que navegavam por este rio, adentravam no afluente do Tamanduateí e chegavam com facilidade na Vila de Piratininga. Durante muito tempo o rio Tietê foi de extrema importância no comércio entre viajantes que traziam drogas e mercadorias vindas dos sertões para a Vila de São Paulo, que com o passar dos séculos se tornou um ponto referência de comércio entre a colônia.

Nas proximidades do curso do Tietê há vestígios de casas bandeirista, que são edificações rurais, geralmente a sede de uma fazenda, localizada nas proximidades da vila de Piratininga durante os séculos XVII e XVIII. Alguns poucos exemplos de casas bandeiristas resistiram ao tempo e chegaram até os nossos dias, como: a Casa do Bandeirante, a Casa do Sertanista, a Casa do Sítio Tatuapé, a Casa da Chácara do Rosário, em Itu, e o Museu Barão de Mauá, na cidade de Mauá. Além das casas haveriam também pousos, que eram lugares de descanso que se estabeleceram no caminho de viajantes de monções. Vestígios do povoamento próximo ao Tietê, que nem sempre resistiram ao tempo. Os rios no geral são verdadeiros berços das civilizações, por proporcionarem uma ligação entre as outras redes fluviais, afim de ocorrer a possibilidade de atividades mercantis entre povos. Essas relações possibilitam os princípios de povoamentos, vilas e cidades, nas bordas de seus rios, promovendo a agricultura de subsistência nas suas margens, através do húmus acumulado em suas variações de cheias e vazias. Os rios são verdadeiros agentes percursores da origem das civilizações.

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RIO PINHEIROS

A urbanização de São Paulo foi característica pela expansão inicial nas margens dos seus rios, sendo as fontes de sobrevivência dos primeiros povos que se fixaram nessas regiões. A expansão crescente em função das planícies dos rios, foi proporcionada pelas condições favoráveis do fundo dos vales. A topografia e as condições naturais, são os principais atores desta história, podendo ser protagonizado pela influência da sua fértil rede hidroviária, abastecida por rios importantes, como o Rio Pinheiros. 3.1 - PINHEIROS: COLONIZAÇÃO Considerado o bairro mais antigo localizado à sudoeste da Vila de São Paulo de Piratininga, ao longo do rio Pinheiros, região na qual os indígenas se instalaram em 1560, após o crescente domínio e repressão dos portugueses, em suas antigas terras localizadas na colina de Piratininga. Além dos Pinheiros, os indígenas se espalharam também em terras como: São Miguel e Itaquacetuba. Aldeias e povoamentos que fariam parte do Círculo da Capital e mais posteriormente se juntariam para formar a grande cidade de São Paulo. Foi esse pequeno grupo de índios que deram origem ao bairro dos Pinheiros, às margens do Rio Grande - assim nomeado o Rio Pinheiros pelos antigos indígenas. O atual largo dos Pinheiros, era o antigo pátio de cabanas dos indígenas que se situaram no grande terraço fluvial, estendendo-se nas bordas do Rio Grande. Pinheiros serviu por muito tempo como passagem dos tropeiros para a Região Sul do Brasil, devido ao acesso proporcionado pelo rio, que adentrava a mata e possibilitava junto aos terraços fluviais uma espécie de caminho, favorecendo como rota de passagem de viajantes e bandeirantes. Durante muitos anos a aldeia se solidificou, auxiliada pelas circunstâncias que o rio proporcionava às suas

famílias, como: peixes, água limpa, agricultura de subsistência e posição estratégica favorável aos diversos caminhos, inclusive o Tietê. Uma grande via hidroviária, que interligava todos os rios locais. Anos após a ocupação da região pelos povos indígenas, jesuítas missionários passaram a frequentar suas proximidades e aos poucos foram se fixando nas aldeias próximas aos índios. Com o intuito da catequização, foi construída a igreja de Nossa Senhora da Conceição. A vila indígena que passou a ser conhecida como Aldeia dos Pinheiros, ficava separada de Piratininga devido às dificuldades topográficas do seu entorno. Apesar disso, a aldeia sempre foi muito importante devido a sua proximidade com o Rio Pinheiros, que a colocava como trecho obrigatório de diversas rotas e caminhos que cruzavam as redondezas, seja pelos indígenas ou bandeirantes. Devido a essas circunstâncias a aldeia de Pinheiros era tomada como referência pelas proximidades locais, como por exemplo: as vilas de Parnaíba, Cotia, Itu, Sorocaba, Tietê e São Paulo de Piratininga. Sua importância acentuou-se com a construção de uma ponte atravessando o Rio Pinheiros que em 1865 foi substituída por outra mais reforçada de metal, devido aos constantes desgastes afetados pelas enchentes no decorrer dos séculos. A ponte foi um ponto determinante nas relações econômicas e sociais da população do bairro dos Pinheiros e em contrapartida influenciou na agregação da região com os arredores urbanos. Valorizada o interesse populacional pela região, que até então era constituído por poucas casas e sítios. A partir daí a população regional e também os seus governantes, passaram a criar um laço de interdepêndencia em relação à Vila de Pinheiros. O Caminho de Pinheiros, até meados do século XVII, era um dos mais relevantes da Vila de São Paulo; por ser o único caminho que levava à outras terras além da aldeia dos Pinheiros.

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RIO pinheiros

Figura 03 – Rio Pinheiros pré-retificação. Autor desconhecido. Disponível em: <http://vilamundo.org.br/wp-content/uploads/2011/11/Rio-Pinheiros-pre-retificacao-dec-30-546x411.jpg > Acesso desconhecido

3.2 - PINHEIROS: SÉCULO XX

Mais futuramente, em 1904, a primeira linha de bonde chegaria à região de Pinheiros passando pelo cemitério do Araçá, chegando até o cruzamento da rua Capote Valente com a Teodoro Sampaio e expandindo-se até o Largo apenas em 1909, após a construção de obras de saneamento, como drenagem e aterro, em toda a área que possuísse vargens nesta região. Porém o Rio dos Pinheiros sofreria com o processo de canalização, também enfrentados pelo Tietê, relacionados à situação de suas margens de inundação periódica (Figura 03). Foi o tortuoso curso fluvial retificado, dando-lhe passagem às águas “rumo ao mar”, em direção oposta ao seu

desague natural no sentido de seu curso, na barragem da Pedreira até a confluência com o Rio Tietê, reduzindo de quarenta e seis quilômetros para uma distância de aproximadamente vinte e seis quilômetros, possibilitando o encaminhamento das águas ao reservatório Billings. As áreas até então ocupadas pela margem abundante dos Pinheiros, passou a se tornar importantes áreas do mercado imobiliário, com aproximadamente vinte e cinco milhões de metros quadrados, de terrenos novos completamente saneados, onde estão localizados atualmente a Cidade Jardim, o Jóquei Clube e a Cidade Universitária. Claramente percebemos a desvalorização do principal rio local e a não preservação do seu curso atrelada aos diversos processos de especulações imobiliárias já enfrentados por São Paulo.

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MUDANÇAS URBANAS

Durante aproximadamente 300 anos, São Paulo se consolidou como cidade devido a esses rios, que proporcionaram as primeiras vilas e cidades. Hoje, a maioria da população nem nota sua presença, que era a razão inicial de todo o processo urbano.

cidade e alterou de forma marcante sua relação com os rios. Os peixes que até então era proporcionado pelos rios, agora vinham diretamente do mar em vagões. As distâncias se encurtaram e lentamente, os rios, que eram o motivo principal das raízes urbanas, se tornaram obstáculos ao seu crescimento (Figura 05).

4.1 - MUDANÇAS URBANAS: IMPULSO A MODERNIDADE O canal que passa ao lado do Mercado Municipal já chegou a se aproximar da atual 25 de março nos períodos de cheia do antigo Tamanduateí. Nas suas margens havia um porto, onde atualmente podemos observar a ladeira Porto Geral, paralela a 25. Naquele tempo essa era uma intensa área de comércio popular, ali se encontravam o mercado dos caipiras, local onde pescadores e produtores rurais comercializavam seus produtos. Anos depois, esse comercio tomaria um grande impulso devido a proliferação da cultura cafeeira no interior do estado (Figura 04). A ferrovia São Paulo Railway foi inaugurada em 1867, período do fulgor cafeeiro, sendo a única ferrovia de ligação entre o interior do Estado de São Paulo e os portos do litoral. As linhas férreas aproveitaram da situação topográfica que os diversos rios proporcionavam através da parte baixa dos seus vales. O vale do Tamanduateí por exemplo, foi utilizado como passagem da linha Railway pela cidade de São Paulo. Reforçando a posição estratégica da cidade como ponto de encontro de ferrovias importantes para a economia do Brasil. A rede ferroviária era constituída por redes secundárias como a linha da Central do Brasil e a linha de Sorocaba, que se somavam junto a grande Railway em direção à portos importantes, como o de Santos localizado no litoral paulista. Esses trilhos estabeleciam a entrada do Brasil no mercado internacional. A velocidade da máquina transformou a vida na

Figura 04 – Canal em frente ao Mercado Municipal. Autor desconhecido. Disponível em: <http://www.lumagmaquinasgraficas.com.br/images/localizacaofotos/mercado_municipal2.jpg > Acesso desconhecido

Figura 05 – São Paulo Railway. Arquivo Fotográfico. Disponível em: <http://guaruja1.xpg.uol.com.br/sp_railway.jpg > Acesso 05 jan 2006.

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MUDANÇAS urbanas

4.2 - MUDANÇAS URBANAS: CRESCIMENTO POPULACIONAL Afim de proporcionar “soluções” às barreiras que os rios ofereciam a expansão da cidade, foi determinada, em 1892, a construção do Viaduto do Chá sob o vale do Anhangabaú, o primeiro marco de sobrevelação às barreiras naturais. Ele ligou o centro velho aos novos loteamentos que surgiam a oeste da cidade. Esses bairros designados a classe alta paulistana que vinham do interior do estado para a capital com a intenção de gozarem das facilidades urbanas prevalecidas. A infraestrutura dos saneamentos evoluiu com o intuito de atender esse grande fluxo populacional, que mudaria ainda mais a sua relação da cidade com seus rios: a água encanada. O objetivo principal era o de atrair estes investidores imobiliários para a cidade, possibilitado pela moderna infraestrutura local. Os loteadores fundaram o primeiro sistema de abastecimento de água de São Paulo em 1878, a Companhia de Águas e Esgotos Cantareira. O século XIX foi demarcado como um período de grande crescimento populacional na cidade de São Paulo, sendo um dos principais centros

comerciais do Brasil, senão o pricipal de todo o Império. A cidade contava com o fervor da produção cafeeira, a migração dos italianos e o grande complexo ferroviário que impulsionavam o constante crescimento urbano da capital. Junto ao desordenado crescimento populacional, estava o despreparo enfrentado pelos sistemas de saneamentos, que não planejaram com base em uma logística urbana de tratamento e destinação de águas sujas. As medidas adotadas não tratavam a situação de uso das águas como um planejamento a longo prazo. Na segunda metade do século XIX, a maioria das antigas várzeas já eram utilizadas como descarte dos esgotos produzidos por uma população em crescimento constante, entre elas a conhecida Várzea do Carmo. As especulações sanitaristas eram baseadas somente em interesses do mercado imobiliário de São Paulo. Os presidentes da província, aterravam várzeas já contaminadas, aquelas das quais já estavam abandonadas e sem função, que haviam se tornado verdadeiros depósitos de mosquitos. Medidas como essas, de esconder um problema através de outro, cercados pela política do capitalismo imobiliário, se tornaram constantes na urbanização da cidade.

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PROJETOS DE SANEAMENTO DO SÉCULO XX

São Paulo se tornou o grande centro de investimentos financeiros dos grandes empresários e famílias enriquecidas, a elite sonhava com uma capital semelhante as cidades europeias que conheciam em suas viagens e os seus rios e várzeas que até então já estavam abandonados, fugiam do padrão ideal de uma cidade europeia. Os políticos influentes daquele período, também se constituíam nestes grupos sociais e tinham a ideia de modernidade atrelada como o padrão urbanístico ideal: aterrar ou canalizar rios e construir grandes autopistas e viadutos, situações como essas, eram consideradas as principais tendências e prioridades modernísticas da época. No início do século XX as principais obras políticas estavam associadas a canalização dos principais rios da cidade. Entre as transformações estavam: cortar as curvas dos rios (sistema de canalização) e afundar seus leitos, afim de proporcionar o percurso mais rápido do esgoto pelos canais. O rio Tamanduateí perdeu toda a graciosidade de suas margens, tão marcantes no cotidiano das pessoas da antiga São Paulo de Piratininga. Os rios tiveram que ceder os seus

espaços e foram os principais prejudicados com as reformas urbanas. Anos depois, os antigos rios Anhangabaú e Tamanduateí, seriam transformados em parques, o Parque Anhangabaú e o Parque Dom Pedro II respectivamente. O antigo riacho do Anhangabaú foi aterrado abaixo do parque e o Tamanduateí canalizado. Na primeira metade do século XX, a grande mancha urbana já se estendia às proximidades dos rios Tietê e Pinheiros. Apenas a população de baixo custo se aventurava em morar nas baixadas de inundação periódica desses rios. Entretanto, esses dois rios, possuíam um espaço inconstante de ocupação, que era uma grande área que atraiam os olhares dos loteadores, observando o grande crescimento populacional se expandir à essas regiões, até então consideradas periféricas no início de formação da cidade.As discussões acerca de um projeto urbano que solucionasse o problema da alta demanda populacional, associada a grande área ocupada pelos rios, era considerada um grande desperdício imobiliário e de expansão urbana, pautas como essas, tornaram-se um dos assuntos mais importantes nas reuniões dos grandes políticos.

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PROJETOS DE SANEAMENTO DO SÉCULO XX

5.1 - PROJETOS DE SANEAMENTO: SATURNINO X PRESTES MAIA

Francisco Rodrigues Saturnino de Brito, foi um sanitarista que discutiu a temática de canalização do Rio Tietê e Pinheiros em São Paulo. Segundo ele, os rios deveriam ser preservados em todo o seu leito com a criação de parques urbanos, afim de preservar suas vargens, com o resgate da orla fluvial urbana do primordial logradouro público da futura metrópole. Na confluência Tietê Pinheiros deveria ser formado um lago que seria o coração de um grande cinturão de parques. Ao contrário de Saturnino, existia a proposta de dois outros técnicos muito influentes daquele período, o Francisco Prestes Maia e Ulhôa Cintra que criaram o Plano de Avenidas para São Paulo. Segundo eles, a cidade deveria estar estabelecida em um plano radial concêntrico sustentado por suas grandes avenidas, assim como várias outras cidades no mundo (Moscou, Paris e Viena). Porém a prática não se aplicava ao caso de São Paulo, pois não havia na proposta a etapa do anel hidroviário que

preservaria seus rios, além do favorecimento de um sistema de avenidas. Em todas as outras cidades referências da proposta radial concêntrica, havia tido um amadurecimento da proposta também embasada na articulação do anel hidroviário. O rio Tietê nas proximidades da cidade de São Paulo possuía características tipicamente de rios de planície, que são rios lentos, que serpenteiam nas planícies e formam meandros sobre a vargem. De uma cheia a outra o Tietê mudava de lugar sobre a planície e seu fluxo e margens eram inconstantes, possuindo uma vargem de inundação periódica entre suas áreas mais próximas. Com isso, era arriscado estabelecer vilas muito próximas do seu leito, pelo fato de ser imprevisível sabermos sua projeção. Os viajantes de monções, os bandeirantes e tropeiros, que navegavam por este rio, adentravam no afluente do Tamanduateí e chegavam com facilidade na Vila de Piratininga. Durante muito tempo o rio Tietê foi de extrema importância no comércio entre viajantes que traziam drogas e mercadorias vindas dos sertões para a Vila de São Paulo, que com o passar dos séculos se tornou um ponto referência de comércio entre a colônia.

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PROJETOS DE SANEAMENTO DO SÉCULO XX

5.1 - PROJETOS DE SANEAMENTO: ASSOCIAÇÃO AO TRANSPORTE RODOVIÁRIO É fácil imaginarmos qual proposta foi priorizada para ser estabelecida na cidade, o plano de Avenidas se encaixaria perfeitamente nas perspectivas políticas regentes. Naquele período, a indústria automobilística expandia seu mercado muito rapidamente pelo Brasil, os políticos e empresários através de mecanismos de licitações e benefício próprio, sempre priorizavam o transporte sobre rodas, nunca ouve um interesse nas administrações governamentais em possibilitar opções variadas de transportes públicos. Porém, a escolha do incentivo ao transporte rodoviário no futuro crescente populacional, é sem sombras de dúvidas, a escolha mais burra de todas! Porém, negociações políticas e econômicas vão muito além do que estamos aptos a participar. A cidade de São Paulo, utilizou do

aterramento e canalização dos seus rios, afim de valorizar o sistema rodoviário, toda a cidade foi pensada na valorização desses mecanismos. Ao observarmos as grandes autopistas da cidade, sempre encontraremos um rio canalizado muito próximo das vias, ou então, escondidos no aterramento abaixo das pistas e carros. Não somente em São Paulo, mas a grande maioria dos centros urbanos seguiram o ideal de valorização do transporte rodoferroviário, como a futura capital do Brasil, que retornaria a ser discutida no período da República Velha, para a criação de Brasília no planalto central brasileiro. Problemas atrelados no contexto político-urbano que poderiam ter sido pensados no passado, e contribuiriam nas soluções de diversos problemas de degradação pública (descuido dos rios) e transporte público (valorização transporte rodoferroviário).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Claramente percebemos, como o tratamento dado aos rios influenciariam bruscamente no traçado urbano da metrópole de São Paulo. Assim como, suas ações urbanísticas afetariam em problemas futuros. Os rios continuam lá, Tamanduateí, Tietê, Anhangabaú e Pinheiros, mesmo que aterrados, canalizados escondidos e sufocados pela mão dos humanos. Os paulistanos passam sufoco no período da chuva e se perguntam: “da onde vem todas as enchentes e por que mesmo assim ainda faltam água nas casas? ” A resposta é simples, elas não vêm, elas sempre estiveram ali, tentaram mudar a natureza dos rios, porém eles são muito mais fortes e a tendência é a de sempre voltar ao seu estado natural. A humanidade caminhou para o progresso desordenado e esqueceu do seu principal parceiro: a natureza. A crise hídrica na metrópole de São Paulo, se agrava a cada ano e em 2014 a situação piorou como estado de calamidade pública (Figura 06). Como cita a reportagem da revista Abril, no ápice da situação em 2014: “Mesmo se chover mais do que qualquer meteorologista é capaz de prever, mesmo se a população compreender a necessidade urgente de uma redução drástica no consumo de

água, ainda será preciso haver umplano de gestão mais eficiente. A recuperação do nível do Sistema Cantareira pode levar até 10 anos. Enquanto isso, a população vai continuar a crescer. Em algumas décadas, pode ser que nem os reservatórios atuais cheios deem conta do recado. “ Nós, estudantes e futuros arquitetos e urbanistas, temos uma problemática enorme a espera de soluções urbanísticas abrangendo as relações dos centros urbanos. A degradação e a falta de respeito às condições naturais, no período de consolidação urbana, proporcionaram problemas relacionados a falta de água potável e o excesso de enchentes em São Paulo atualmente. A solução está associada a criação de projetos que tratam da recuperação urbana atrelada a mudança nos hábitos de transportes, com a ampliação de soluções variadas, como: metro, transporte fluvial, ciclovias e etc. De forma que as grandes áreas ocupadas pelas atuais autopistas sejam reaproveitadas, através da crição de parques que integre a malha urbana. A valorização dos rios, como parte integrante e fundamental na concepção de projetos - esse é o futuro para nós, planejadores de cidade.

Figura 06 – Gráfico nível dos reservatórios em São Paulo.Sabesp. Disponível em: <http://msalx.casa.abril. com.br/ 2015/01/15/2048 /02-crise-hidrica-emsao-paulo-e-agora.jpeg ?1421362855> Acesso 19 jan 2015.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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O PORTO DE SANTOS E A FORMAÇÃO DA CIDADE Autor: Luciano Salomão Desde o descobrimento já se tem registros de atividades portuárias ao longo de todo o litoral brasileiro. Dentre tantos portos constituídos desde o início da colonização do Brasil, o Porto de Santos é um dos mais antigos do país e possui uma história muito rica, a qual nos deteremos ao decorrer desse artigo. O porto, ainda em condições muito escassas, tem o início de suas atividades em 1502 e sua importância para o desenvolvimento do país é notável. Desde este período, nas proximidades do porto, surgiu um pequeno povoado que habitava no local devido as atividades comerciais que ali iniciavam-se, sendo este o início da cidade que hoje conhecemos como Santos. O principal objetivo deste artigo é mostrar como o Porto de Santos influenciou na formação e crescimento da cidade, pontuando os fatos históricos mais relevantes nesta relação. Para contextualiza melhor o assunto é importante entender como um porto, seja ele qual for e onde esteja localizado, influencia na formação da

cidade onde está inserido. Essa influência se dá em diversos aspectos, desde no sentido urbanístico, até no sentido ideológico e cultural sendo este um aspecto de muita importância. Os portos como elementos modeladores de cidades [...] vez que, em suas imediações são desenvolvidas relações sociais, de trabalho, econômicas e com os espaços urbanos, constituindo-se em um verdadeiro microcosmo a partir do qual é possível delinear os contornos de uma sociedade e de um contexto histórico. (SANTOS, 2011, p.11) Estes equipamentos urbanos de altíssima importância denominados portos, atuam também como instrumentos que definem funções das cidades, influenciam nas estruturas urbanas e criam espaços específicos para o embarque, desembarque, armazenamento das mercadorias. É o local por onde circulam pessoas e ideias. Agregam também, em seu entorno, espaços que se definem para abrigar viajantes, áreas comerciais, financeiras, dentre outras.

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A RELAÇÃO ENTRE AS CIDADES BRASILEIRAS E OS PORTOS

Assim como em diversos países, a história portuária brasileira ocorreu de forma similar: das instalações rudimentares, implantadas logo após o descobrimento, até os grandes complexos portuários ao longo de toda sua costa. De uma forma ou de outra o desenvolvimento do Brasil sempre esteve vinculado à atividade portuária mesmo que em alguns momentos de forma indireta. Os portos, principalmente aqueles localizados no litoral, durante o período colonial (1530-1822) e o Período Monárquico (1822-1889), funcionavam como as únicas portas de entrada e saída de mercadorias procedentes de qualquer outro lugar. O mar, somente o mar, apresentava-se como forma de caminho e acesso ao mundo exterior, o mundo além do Atlântico. Por esse motivo os portos eram também a porta de entrada de homens e de ideias, daí podemos notar que estes eram também modeladores culturais, sendo o local onde circulavam e irradiavam os novos pensamentos provenientes da Europa, principalmente de Portugal. Dentre as influências culturais propor

cionadas pelo porto podemos destacar as relações sociais, de trabalho, do homem com o meio, política e comercial. Os portos eram verdadeiros microcosmos a partir do qual era possível delinear uma sociedade e o contexto histórico o qual se formava. A exploração das áreas coloniais constituía-se como um dos mais importantes elementos do processo de fortalecimento dos Estados Modernos, de superação e de desenvolvimento da economia capitalista que se esboçava na Europa Ocidental. Este fator também é muito importante pois reflete na questão cultural influenciada pelos portos no litoral brasileiro. Vale destacar outra função dos portos das “terras do Brasil” à época do Antigo Sistema Colonial: a atuação como instrumentos de guarda e defesa. Eram peças fundamentais na composição da infraestrutura de defesa militar montada nas colônias. As fortalezas, as feitorias, os fortes, os fortins, os redutos e as torres, aram objetos utilizados nesse sistema de defesa militar.

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O INÍCIO DO PORTO

O Porto de Santos nasceu junto com a colonização do Brasil. O local (Ponta da Praia, Estuário de Santos) foi descoberto em 1502 por Gonçalo Coelho e funcionou durante muitos anos apenas como local onde os navios atracavam para os navegantes chegarem à terra firme. Em janeiro de 1531, veio ao Brasil a expedição portuguesa de Martim Afonso de Souza. Braz Cubas, integrante da expedição, foi quem propôs a ideia de transferir o porto da baía de Santos para o seu interior, em águas protegidas de ataques de piratas, contumazes visitantes e saqueadores da região. Escolhido o sítio denominado Enguaguaçu, no acesso do canal de Bertioga, logo se formou um povoado, motivo para a construção de uma capela e de um hospital, cujas obras se concluíram em 1543. O hospital recebeu o nome de Santa Casa da Misericórdia de Todos os Santos, ambos de grande importância para acelerar o desenvolvimento local. A partir daí começa a se perceber os primeiros traços urbanos sendo definidos de modo a atender as necessidades do porto. A vida local, durante muito tempo, girou em torno do plantio e do engenho local. Em 1546, o povoado foi elevado à condição de Vila do Porto de Santos. Em 1550 instalou-se a Alfândega (construída por Braz Cubas), responsável por vistoriar e controlar todas as atividades do porto. O primeiro relato da existência da alfandega foi feito por Tomé de Sousa, ao aportar em São Vicente (local onde se localizava a Vila de Santos).

Figura 1 - Benedito Calixto, Fundação da Vila de Santos, 1922, óleo sobre tela

Figura 2 – Jan Janes, Mapa da Invasão do Corsário Holandes Spilbergen, 1621. Biblioteca da Ajuda (Lisboa, Portugal), publicado na Enciclopédia Mirador Internacional (São Paulo)

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O MOVIMENTO DAS ATIVIDADES COMERCIAIS

Em 1631 a Vila de Santos recebe via marítima e passa a fornecer sal para toda a Capitania. Este fato estimulou consideravelmente a economia e o crescimento da vila. Já em 1693, em pleno Ciclo do Ouro, Santos passa a embarcar produção de Ouro Preto, Mariana, Sabará, Caeté e Congonhas do Campo, escoada por Bragança Paulista. A partir desse período a vila conta com a Casa de Fundição recém construída. No período colonial, o deslocamento do eixo do desenvolvimento regional do nordeste para o sudeste (especial Minas Gerais e Rio de Janeiro), atrasou muito o desenvolvimento porto de Santos. Nessa época, o porto de era apenas um conjunto de rústicos trapiches e pontes de madeira. Pode-se dizer que durante todo o século XVII e parte do XVIII o porto

santista teve pouco movimento e comércio e por esse motivo a vila também se desenvolveu bem lentamente podendo-se até dizer que tiveram momentos de decadência.Assim como em outros mapas da época, esta planta foi feita para dar explicações com relação Santos na Europa. A "Planta da Villa de Santos e de seu Porto, com suas Fortificaçoens dessinadas de novo", elaborada em 1714 por João Massé (engenheiro militar português que veio ao Brasil para trabalhar a questão das fortificações e segurança), mostra a preocupação do autor em detalhar o traçado da vila, reproduzindo com menor fidelidade a região circundante. O autor colocou letras para designar os principais locais, descritos na “Explicação” (legenda) no canto inferior esquerdo da imagem.

Figura 03 – Gráfico nível dos reservatórios em São Paulo. Sabesp. Disponível em: <http://msalx. casa.abril. com.br/ 2015/01/15/2048 /02-crise-hidrica-emsao-paulo-e-agora. jpeg ?1421362855> Acesso19 jan 2015.

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O MOVIMENTO DAS ATIVIDADES COMERCIAIS

Nesse desenho podemos perceber os primeiros traços urbanos sendo formados na vila. As setas indicam o sentido do fluxo da água, a qual os navios precisavam vencer para chegar ao porto. O engenheiro propõe, na entrada do canal, a construção de uma fortaleza e, contornando a vila, propõe um muro com o objetivo de defende-la de ataques piratas. O Convento de São Bento está afastado e localizado em um ponto mais alto, representando a santidade e grandiosidade da Igreja Católica. Já as demais igrejas, localizam-se no interior da vila para a realização das atividades religiosas. Na planta também está indicada a alfandega, instalada exatamente no local onde os navios ancoram e próxima ao novo cais projetado. O quartel está posicionado logo na entrada da vila com o objetivo de prover segurança. Podemos perceber na planta a formação das primeiras vias e uma hierarquização entre elas, dando o primeiro traçado urbano local. Diante da quase inexistência de outras práticas comercias além da atividade por

tuária, a vila se desenvolveu em função do porto e suas instalações. Ainda nesse período surgiram caminhos que ligavam a Vila do Porto de Santos a outras vilas da região com o objetivo de estimular o fluxo de viajantes e o crescimento das exportações de mineração. Porém, a distância entre a vila e as novas jazidas não favoreceu este fluxo como o esperado. Em 1796, a vila contava ainda com apenas 2081 habitantes, os quais residiam ao redor da atual Praça da República. As mercadorias exportadas por Santos para a metrópole portuguesa correspondiam a somente 0,4% do total exportado pelas colônias. Por quase três séculos e meio, o Porto de Santos, embora tivesse crescido, manteve-se em padrões de baixo desenvolvimento, com o mínimo de mecanização e muita exigência de trabalho físico. Além disso, as condições de higiene e salubridade do porto e da vila estavam altamente comprometidas, propiciando o aparecimento de doenças de caráter epidêmico.

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NOVAS MUDANÇAS

4.1 - O CAMINHO DO MAR

O trecho com desnível de 800 metros conhecido como Serra do Mar era o grande empecilho da comunicação entre a Vila de Santos e São Paulo, o caminho era considerado impraticável. Porém, a história começa a ganhar novos rumos a partir de 1790 com a construção da Calçada do Lorena na Serra do Mar, primeiro corredor de exportação brasileiro (produção do planalto) ligando Santos a São Paulo. A construção da Calçada, que ficou conhecida como Caminho do Mar, foi planejada previamente e, devido ao seu sucesso, o porto passou a embarcar açúcar e café para diversas regiões. Começava assim o retorno do movimento ao porto fortalecendo também a relação dele com a população local. A vila retomou o desenvolvimento e sua população voltou a crescer. Foi instalada iluminação pública e pavimentação na vila. O porto passou por uma série de melhorias e em 1851 o café já liderava a movimentação portuária.

regente, D. João. O decreto foi assinado quatro dias após a chegada da Família Real e da Corte portuguesa a cidade de Salvador, na Capitania da Baía de Todos os Santos. Antes da Abertura dos Portos, os produtos que saiam do Brasil passavam, obrigatoriamente, pela alfândega em Portugal. Dessa forma, como os produtos importados a serem enviados para a Colônia. O Pacto Colonial garantia a Portugal o monopólio do comércio exterior da Colônia. Nada se comprava ou vendia na Colônia sem passar antes por Portugal. A decisão de D. João foi festejada pela população por anos, apesar de tal decisão, na verdade, ter sido tomada por necessidade e conveniência. Com a transferência da Família Real para o Brasil, e com Portugal nas mãos de Napoleão, o comércio com os demais países precisou ser feito sem intermediários. Mesmo porque, a família Real estava falida, e sua sobrevivência dependia da venda das riquezas extraídas e produzidas em solo brasileiro. Muitos historiadores consideram que este foi o primeiro passo para que o Brasil deixasse de ser Colônia de Portugal, o que foi oficializado em 1815, quando o Brasil foi elevado à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves.

Figura 4 – Fotógrafo desconhecido, Calçada do Lorena, 2002. Trecho próx. à São Paulo

4.2 - ABERTURA DOS PORTOS

Em 28 de janeiro de 1808 a abertura dos portos brasileiros às nações amigas foi promulgada por meio de uma Carta Régia, pelo príncipe

Figura 5 - Benedito Calixto, Vila de Santos em 1822, 1922 óleo sobre tela. Ocasião da visita de D. Pedro

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NOVAS MUDANÇAS

4.2 - ABERTURA DOS PORTOS

Figura 6 - Sizenando Calixto, “Planta da Villa de Santos na epoca da Independencia”. Arquivo Histórico Municipal de Santos, 1822.

Através da pintura de Benedito Calixto e da planta acima, podemos notar que a vila continua concentrada nas margens do canal devido a atividade portuária, porém, agora cresce em direção à serra. É possível perceber que a malha urbana está melhor definida. Já é possível notar algumas edificações de maior importância, hierarquização de vias e gabaritos. O pintor também retrata na serra, estradas que conectam Santos à outras

vilas em direção a São Paulo passando pelo Mosteiro de São Bento. Santos passou da categoria de “vila” para “cidade” em 26 de janeiro de 1839 quando a Assembleia Provincial resolveu aprovar uma Lei que elevou a Vila de Santos à condição de Cidade de Santos, assinada por Venâncio José Lisboa, presidente da Assembleia. Logo, comemora-se a cada dia 26 de janeiro o aniversário da cidade

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a são paulo railway

É em 1867 que o cenário da cidade começa definitivamente a mudar com o início da operação da São Paulo Railway. O caminho ligava por via ferroviária a região da Baixada Santista ao Planalto (envolvendo o estuário). Melhorou drasticamente o sistema de transportes, com estímulo ao comércio e ao desenvolvimento da cidade e de todo o Estado de S. Paulo. A economia do café no Brasil representou um impulso sem precedentes de crescimento para Santos. Foi uma fonte de progresso inestimável, principalmente para o porto. A partir daí o café do planalto passou a levar cerca de apenas 4 horas para chegar a Santos. A cultura do café estendia-se, na ocasião, por todo o Planalto Paulista, atingindo até algumas áreas da Baixada Santista, o que pressionava as autoridades para a necessidade de ampliação e modernização das instalações portuárias. Afinal, o café poderia ser exportado em maior escala e rapidez. A cidade aumentou sua população sobremaneira, ocupando toda a área entre o porto e o Monte Serrat, e as áreas conhecidas como Paquetá e Macuco.

Figura 7 - Benedito Calixto, Vila de Santos em 1822, 1922 óleo sobre tela. Ocasião da visita de D. Pedro

A cidade também fervilhava de ideias: foi um dos centros do movimento abolicionista, com a figura de Quintino de Lacerda e seu famoso quilombo no bairro do Jabaquara. O Teatro Guarany, primeiro grande teatro da cidade e palco de manifestações pela abolição, foi inaugurado em 1888. A cidade aumentou sua população sobremaneira, ocupando toda a área entre o porto e o Monte Serrat, e as áreas conhecidas como Paquetá e Macuco. A cidade também fervilhava de ideias: foi um dos centros do movimento abolicionista, com a figura de Quintino de Lacerda e seu famoso quilombo no bairro do Jabaquara. O Teatro Guarany, primeiro grande teatro da cidade e palco de manifestações pela abolição, foi inaugurado em 1888. Com a abolição da escravatura e a vinda de mão de obra italiana para substituir o trabalho dos negros na agricultura, Santos se caracterizou como a porta de entrada do Brasil para os esperançosos imigrantes italianos e japoneses. Muitos acabaram se fixando na própria cidade em vez de seguirem o destino até então traçado para eles. O aumento populacional também acarretou problemas: uma grande epidemia de febre amarela em 1889 dizimou setecentas pessoas. Santos sofria constantemente com as doenças e alagamentos. A falta de saneamento básico era um problema, as doenças e os cortiços também. O Porto de Santos era temido, considerado o "porto da morte". Para sanar tais problemas, duas obras foram fundamentais: o Porto Organizado, inaugurado em 1892, e o Saneamento de Santos, que é o responsável pelo fim definitivo das doenças e pela salubridade de Santos. A genialidade do projeto de engenharia teve o triplo mérito de drenar as planícies alagadas com os canais de drenagem (hoje marcos da paisagem urbana santista), de preservar a memória histórica do Centro e de ordenar a ocupação urbana da Ilha de São Vicente.

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A INAUGURAÇÃO DO PORTO ORGANIZADO DE SANTOS

Finalmente, em 1892, é inaugurado o Porto de Santos contando com todo o aparato necessário para suas atividades. A partir daí o porto não parou de se expandir, atravessando todos os ciclos de crescimento econômico do país e exportando e importando a mais diversa quantidade de produtos. O Porto de Santos, antes temido como "porto da morte", para sanar tais problemas, duas obras foram fundamentais: o Porto Organizado e o Saneamento de Santos, que é o responsável pelo fim definitivo das doenças e pela salubridade da cidade.

A genialidade do projeto de engenharia teve o triplo mérito de drenar as planícies alagadas com os canais de drenagem (hoje marcos da paisagem urbana santista), de preservar a memória histórica do Centro e de influenciar ordenação da ocupação urbana da Ilha de São Vicente. Com a inauguração, iniciou-se, também, uma nova fase para a vida da cidade, pois os velhos trapiches e pontes fincados em terrenos lodosos, foram sendo substituídos por aterros e muralhas de pedra. Agora, os novos armazéns e a via férrea instalada compunham as obras do Porto Organizado, consolidando definitivamente

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos perceber que a cidade de Santos, desde o seu princípio, esteve fortemente vinculada a atividade portuária. Esta atividade acabou por direcionar a cidade em diversos aspectos que ainda hoje são presentes na cidade. Podemos dizer que não somente Santos, mas também diversas outras cidades, sofreram considerável influência portuária. Portanto, podemos concluir que os portos realmente são elementos modeladores de cidades no sentido de suas relações sociais, econômicas, ideológicas, de trabalho, culturais e urbanísticas. Como foi dito: durante muitos anos eles foram as únicas portas de entrada de homens e ideias no Brasil.

Na Vila de Santos, podemos dizer que o porto era semelhante a um organismo vivo que agia silenciosamente na cidade. Sua influência, talvez pouco notada pelos habitantes, ao decorrer dos anos acabou por definir a forma e a função da cidade. O porto influenciou a estrutura urbana viária e gerou espaços específicos na cidade. Era como um microuniverso que irradiava diretrizes e lentamente delineava a cidade. Portanto, podemos perceber a importância que o sistema portuário teve e ainda tem no o Brasil. Por esse motivo, é importante que ele seja bem utilizado, cuidado e aproveitado, pois são elementos que ainda hoje tem forte influência no urbanismo das cidades brasileiras

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CALDAS, Sérgio. Os Portos do Brasil. A História Passa Pelo Mar. São Paulo: Editora Horizontes, 2008. MARONE, Eduardo. Os Portos Brasileiros Frente À Ciência, Tecnologia E Inovação. Um Novo Desafio Para A Sociedade. Paraná: UFPR. SANTOS, Flávio. Portos e cidades. Movimentos Diáspora Africana. Ilhéus: Editora da UESC, 2011.

Portuários, Atlântico

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ICONOGRAFIA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO NO início do Século XIX:

com Ênfase no Higienismo, na Saúde e no Saneamento Básico. Autor: Gustavo Leonel RESUMO

ABSTRACT

Pesquisa desenvolvida ao longo da disciplina “História Arquitetura e Urbanismo no Brasil Colônia e Império” da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Buscou-se catalogar a produção iconográfica da cidade do Rio de Janeiro do Século XIX e contextualiza-la às questões de higiene, saúde e saneamento básico.

Research developed for de course “History of Architecture and Urbanism in Colonial Brazil and Empire” in the College of Architecture and Urbanism of the University of Brasilia. It sought to catalog the iconographic production of the city of Rio de Janeiro in the XIX century e contextualize it to issues of hygiene, health and basic sanitation.

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A iconografia brasileira e o estudo sobre história da saúde

O tema da pesquisa surgiu através da observação de que os estudos sobre a história da saúde na primeira metade do século XIX usam pouco do artifício de ilustrar seus temas com imagem que remetem à época, ao contrário dos estudos sobre a história da saúde no século XX que utilizam constantemente do didatismo da iconografia produzida neste século, como por exemplo as diversas charges que ilustram a Revolução da Vacina e as Reformas Sanitaristas de Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro nos anos 1900. O estudo da iconografia brasileira em geral é dificultado pela baixa produção iconográfica brasileira, como argumenta Barbosa (1976, p. 5):

"É pobre a nossa iconografia história. E por dois motivos: durante a colônia, o sistema português, demasiadamente rígido, proibia a entrada de artistas e cientistas (sob a regência do futuro rei D. João VI, Humboldt não conseguiu obter licença para visitar o Brasil): segundo, pela censura rigorosa da imprensa. Nada de livros, nada de jornais, nada de tipografias, nada de coisa nenhuma que pudesse despertar a curiosidade pela colônia, aguçada pela terrível invenção das máquinas de imprimir de Gutenberg, que em Portugal muito tardiamente seriam introduzidas, e que no Brasil só chegariam ostensivamente na bagagem da família real, por ocasião da sua transmigração em 1808. Duas tipografias clandestinas, que existiram na colônia, e assim mesmo de vida efêmera, uma em Pernambuco, outra no Rio de Janeiro, foram impedidas de funcionar pelo poder real."

Já segundo Gonzaga (2012) a vinda da Família Real Portuguesa para a Colônia Brasileira e posteriormente a abertura dos portos no começo do Século XIX marca a produção iconográfica brasileira com a vinda de artistas estrangeiros:

" O período em questão [início do Século XIX], vários artistas estrangeiros estavam na cidade brasileira. Entre os mais conhecidos pela história constam os franceses integrantes da Missão Artística Francesa, também conhecida como Missão Lebreton, dentre eles os pintores Nicholas-Antoine Taunay e Jean-Baptiste Debret e o arquiteto Grandjean de Montigny. Além dos franceses, estava também no Brasil o artista austríaco Thomas Ender, que acompanhara a comitiva da futura imperatriz Leopoldina. Faziam parte deste grupo também os naturalistas Spix e Von Martius [...]. Finalmente havia também a missão científica russa, mais conhecida com Missão Langsdorff, que contava inicialmente com o pintor alemão Johan Moritz Rugendas na condição de artista oficial. Merece ser lembrado também o artista inglês Charles Landseer, filho do conhecido gravador John Landscer.” (Gonzaga, 2012, p. 59)

Durante a busca por repertório de imagens do Rio de Janeiro novecentista, foram encontrados em maioria produções de artistas brasileiros, sendo a maioria produções de Jean-Baptiste Debret

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Higiene no Rio de Janeiro novecentista

As questões relativas à saúde no período colonial e imperial do Brasil são amplamente estudadas pela literatura. Já é consenso que as ruas do Rio de Janeiro possuíam um péssimo aspecto higiênico, até para os padrões do século XI. A péssima higiene era resultante tanto dos aspectos culturais da cidade quantos da infraestrutura urbana. Silva (2009, p.12) disserta sobre os aspectos culturais e de infraestrutura:

" No entanto, o mais grave problema que a cidade possuía na época da chegada da família real era a sua condição sanitária. Assim que pôs os pés na cidade Dom João pode perceber o quão malcheirosa ela era, apesar dos esforços dos comerciantes em tentar diminuir o mau-cheiro, utilizando algumas ervas16. Tal situação decorria da péssima qualidade do escoamento do lixo e do esgoto, que se amontoavam na cidade. Em uma época em que não existia sistema de esgoto, muito menos de tratamento deste, havia apenas três soluções, para o escoamento dos dejetos humanos no Rio de Janeiro, conforme lista o viajante inglês John Luccock17. 3 A primeira, utilizada pelas casas não tão abastadas, consistia em acumular o lixo no pátio da residência esperando que as chuvas tropicais o levassem. O segundo, e muito pitoresco, era a utilização de escravos que deveriam carregar os dejetos em tinas levadas às costas e despejá-las na Baía de Guanabara [...]. A terceira solução era derramar o lixo nas ruas que possuíam valas ou nas próprias, e esperar que estas o levassem até o mar. Dada a facilidade e abundância delas, este se tornou

o As principal questões meio relativas de despejo à saúde dos dejetos, no período bem colonial como e deimperial outros mado teriais. Brasil são " amplamente estudadas pela literatura. Já é consenso Gomes que as ruas (2007, do Rio p.157) de Janeiro também relata possuíam a situação um péssimo higiênica aspecto do Rio de higiênico, Janeiroaté napara época os padrões da vindado da Família século XI. Real: A péssima higiene era resultante tanto dos aspectos culturais da cidade quantos da infraestrutura urbana. Silva (2009, p.12) disserta sobre os as"pectos Observada culturais do e mar, de infraestrutuenquanto os navios ra: se aproximavam do porto, era uma cidadezinha tranquila, de aparência bucólica, perfeitamente integrada " No entanto, ao esplendor o mais grave da natureprobza lema queque a cercava. a cidade Depossuía perto, a na impressão época damudava chegada rapidamente. da família real Os problemas era a suaeram condição a umidade, sanitária. a sujeira Assim e que a falta pôs de osbons pés modos na cidade dos moradores. Dom João pode “Vista perceber de fora, o quão as casas malcheirosa têm a ela mesma era, aparência apesar dos de limpeza esforços que dos comerciantes observamos em nas residências tentar diminuir dos o melhores mau-cheiro, vilarejos utilida zando Inglaterra”, algumasrelatou ervas16. em Tal 1803 situ- o oficial ação decorria da Marinha da péssima britânica qualiJames Tucker. dade do“A escoamento boa impressão, do lixo contue do do, esgoto, desvanece que se àamontoavam medida que na nos aproximamos. cidade. Em uma Logo época que se em metem que os nãopés existia parasistema dentro, de constata-se esgoto, que muito a limpeza menos não de passa tratamento de um efeito deste,da cal havia que reveste apenas as paretrês des soluções, exteriores para oeescoamento que no interior dos habitam dejetos humanos a sujeira eno a preguiça Rio de Ja[...] " neiro, conforme lista o viajante inglês John Luccock17. 3 A primeira, utilizada pelas casas não tão abastadas, consistia em acumular o lixo no pátio da residência esperando que as chuvas tropicais o levassem. O segundo, e muito pitoresco, era a utilização de escravos que deveriam carregar os dejetos em tinas levadas às costas e despejá-las na Baía de Guanabara [...]. A terceira solução era derramar o lixo nas ruas que possuíam valas ou

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Os artistas e o higienismo

Ainda no fim do século XVIII já se inicia o desenvolvimento da teoria miasmática com o tratado do médico francês Vicq d’Azir em 1778 (Jorge, 2005, p.19). A teoria miasmática foi umas das primeiras a relacionar a saúde humana ao local de moradia e habitat. A teoria, argumentava que as doenças seriam causadas pelos miasmas. Os miasmas seriam os gases exalados pelas matérias orgânicas em decomposição, os maus cheiros das coisas podres. Jorge ressalta que as ideias miasmáticas já circulavam pelo Brasil: “Esse tratado circulou no Brasil, visto que foi encontrado um exemplar completo [...] no Real Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro” (Jorge, 2005, p.19).

As ideias miasmáticas e de saúde também já circulavam entre os membros das missões artísticas. No “Viagens Pitoresca”, Debret comenta na aquarela “Primeiras ocupações da manhã” (fig.1) a preocupação com os miasmas: " A cena se passa na ruada Ajuda no Rio de Janeiro [...] É muito útil evitar igualmente, ao longo do dia, as proximidades dos armazéns da administração, que depois de abertos formam um foco de emanação de miasmas perniciosos de óleo de baleia." (in :Bandeira, 2008, p.159

Figura 8 - Fig.1: Primeiras ocupações da manhã. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1826

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Hábitos pessoais e intimidade

Foram catalogadas três aquarelas referentes a hábitos pessoais de higiene, ambas de Debret. Na primeira (fig.2) que não está presente no Viagens Pitorescas Debret registra um homem que desmonta de seu cavalo e urina na rua enquanto é ajudado por seu serviçal. Debret costuma nomear as suas aquarelas de forma bem detalhista porém está é nomeada simplesmente de “Cena de rua”, o que pode indicar que Debret registrou uma cena tão habitual que nem mereceu descrição mais detalhada. A figura 3, retrata o interior de uma casa pobre. São notáveis o pouco mobiliário, o chão de terra e o convívio em certos pontos com animais de criação (galinhas ciscando no chão da sala). Gomes (2007, p.157) relata a quantidade de ratos na cidade e cita Alexander Caldcleugh, viajante inglês: “Muitas das melhores casas estão repletas deles [ratos] que durante um jantar não é incomum vê-los passeando pela sala” Na terceira aquarela, Volta à cidade de um proprietário de chácara (fig.4) Debret comenta: " Esta litografia [a ilustração foi reproduzida em litografia] representa o retorno de um proprietário de chácara à cidade [...]sob a aparência simples esconde um rico capitalista, herdeiro de antiga família cujo luxo, muito louvável, é de possuir escravos de compleição robusta, opulentos e de um asseio extremo” (in :Bandeira, 2008, p.175)

Fig.2: Cena de rua (patrão e escravo). Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1817-1829

Fig.3 : Família pobre recolhendo o produto do trabalho da negra que carrega água. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1827

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HABitos pessoais e intimidade

Fig.4 : Volta à cidade de um proprietário de chácara. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1822

O “asseio extremo” se refere principalmente ao banho, hábito pessoal com pouca adesão durante o início do Século XIX, como realça Lapa (1996, p.187): " No Brasil do século XIX, mesmo no Rio de Janeiro, com a corte aqui instalada, não era difícil encontrar pessoas que nunca haviam tomado um banho na vida, o que, segundo consta, encontrava respaldo na religião católica e na moralidade pública, com o exemplo vindo de cima, pois D. João VI tomara seu primeiro banho aos 50 anos [...] As novas noções de medicina e higiene que antes que antes relegavam, quando não até criticavam o banho frequente como causa de desequilíbrio orgânico, dada a permeabilidade da pele, recomendando-se antes os banhos secos, abluções e uso de perfumes, traziam agora propostas que alteravam de maneira significativa a cultura dos povos do Ocidente. "

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INFRA ESTRUTURA PARA ACESSO à água

Foram catalogadas três aquarelas reA infraestrutura para acesso d’água era preocupação do governo local, já no Século XVIII. Foi catalogado uma pintura retratando o Aqueduto de Santa Tereza (fig. 5) que foi inaugurado em 1750. Outras duas gravuras retratam o Aqueduto no início do Século XIX (fig. 6 e 7). Na pintura de Leonardo Joaquim é visto o antigo mangue, que já se encontrava aterrado 20 anos depois: aterramentos que visavam a salubridade da cidade (Silva, 2009, p.16) Como no começo do Século XIX não havia sistema de água encanada no Rio de Janeiro o acesso à água potável era dado pelas fontes e chafarizes (Ferrez, 1976, p.62). A figura 8, aquarela de Thomas Ender, retrata o Chafariz do Terreiro do Paço. Projeto de Valentim da Fonseca e Silva, se encontra atualmente no local original, atual praça XV de Novembro. “O chafariz abastecia a população e os navios ancorados no porto” (Ferrez, 1976, p.43) Thomas Ender também registra outro chafariz: o Chafariz do Largo de Moura (fig.9). Construído em 1794 no local da Praça do Mercado Central (Ferrez, 1976, p.86) As figuras 10 e 11, de Ender e Debret, respectivamente, retratam o Chafariz da Carioca. Foi construído em 1723 com projeto de Aires de Saldanha, possuía 16 bicas de cobre, em 1834 foi demolido e no lugar construído outro chafariz, com projeto de Grandjean de Montigny . (Ferrez,1976, p.121) Já a distribuição da água para o consumo final era feito por meio dos “aguaceiros” que segundo Ferrez (1976, p62): “iam busca-la em carros-pipas ou, o que era mais comum, em barris, para vende-la ou leva-la à casa dos seus donos”. Foram catalogadas 8 gravuras que focam no ofício de aguaceiro. Nas figuras 12, 13 e 15 é registrado a captação de água nas fontes públicas da cidade, assim como registrado em menor escala nas figuras 8, 9

Fig.8 : Fontes do Terreiro do Passo. Aquarela de Thomas Ender: 1817-1818

Fig.9 : Chafariz do Largo de Moura. Aquarela de Thomas Ender: 1817-1818

Fig.10 : Vista do chafariz da Carioca. Aquarela de Thomas Ender: 1817-1818

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INFRA ESTRUTURA PARA ACESSO à água

Fig.11 : Largo da Carioca Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1816-1830

Foram catalogadas 8 gravuras que focam no ofício de aguaceiro. Nas figuras 12, 13 e 15 é registrado a captação de água nas fontes públicas da cidade, assim como registrado em menor escala nas figuras 8, 9 e 10. A figura 14 é um dos muitos estudos de desenho realizados por Debret. Nessa aquarela foi registrado duas formas comum de transporte de água: a jarra de barro ou o barril de madeira. A figura 16 registra outro tipo de barril e o carro-pipa (como dito por Ferrez) puxado por uma mula. A provisão da água também era por vezes feitas pelos prisioneiros, como registrado nas figuras 17 e 18. A primeira documenta uma provisão que descansa por um momento enquanto os escravos compram tabaco numa loja de rapé (Bandeira, 2008, p.175). A Seg unda figura, outra de Debret, é o registro um prisioneiro branco fazendo o trabalho dado geralmente aos negros. O próprio artista contextualiza a cena: “Soldado de cavalaria escoltando um tonel d’água para o quartel, a carroça sendo conduzida por militar condenado aos trabalhos forçados” (in: Bandeira, 2008, p.231)

Fig.12 : Escravos carregando água. Aquarela de Johann Moritz Rugendas: 1824

Fig.13 : Chafariz de Mata Cavalos no caminho para São Cristovão. Aquarela de Thomas Ender: 1817-1818

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INFRA ESTRUTURA PARA ACESSO à água

Já a descrição da figura 3, feita pelo próprio artista documenta a econômica por trás do aguaceiro. Debret comenta: " No primeiro plano a moça [...] enquanto a velha negra, útil companheira de infortúnio, [emprega] o barril sobre a cabeça, passa o dia todo no ofício de carregadora de água nas ruas da cidade para trazer às suas senhoras a cada noite de seis a oito vinténs. " (in: Bandeira, 2008, p.182) Debret também registra um ocorrido na gravura “Uma Tarde no Palácio” figura 19: "Ardiloso por satisfazer a necessidade da sede, o bebedor malicioso chama de preferência um vendedor de aspecto tímido e, certo de confundi-lo depreciando sua mercadoria em um tom extremamente duro, aproveita a confusão do negro para se apossar bruscamente da moringa e beber a água de graça." (in: Bandeira, 2008, p.173)e 10.

Fig.14 : Negra e negro carregadores de água estudo. Aquarela de Jean-Baptiste

Fig.15 : Chafarriz das Marrecas. Aquarela de Armand Julien Pallière: 1817-1830

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INFRA ESTRUTURA PARA ACESSO à água

Fig.16 : Aguadeiros no Rio de Janeiro. Aquarela de Thomas Ender: 1817-1818

Fig.18 : Soldadoda cavalaria acompanhando uma pipa d’água. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1822

Fig.17 : Loja de Rapé. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1823

Fig.19 : Uma tarde na Praça do Palacio. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1826

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ESGOTO

Outro grande problema que piorava as condições sanitárias da cidade era os dejetos , tanto esgoto quanto lixo. A construção de fossas era proibida devido à baixa profundidade dos lençóis freáticos do Rio de Janeiro (Gomes, 2007, p.157) Como listado por Silva (2009) uma das soluções era usar escravos que levavam os dejetos para serem jogados ao mar. Essa solução era usada pelos mais abastados que podia arcar com o serviço dos “tigreiros”: À tina [tina onde era depositado dejetos] era dado o nome de “tigre” e aos negros que desempenhavam tal função era dado o nome de “tigreiros”, " Em virtude das listras brancas que se formavam em suas costas, decorrentes das queimaduras provocadas pela amônia e pela ureia, presentes nos dejetos, que eventualmente escorriam sobre eles. " (Silva, 2009, p.13) Foram encontrados apenas dois registros iconográficos da prática, ambos desenhados já na segunda metade dó Século XIX, de autoria de Henrique Fleyuss e publicada no jornal Semana Ilustrada. A figura 20 foi publicada na edição n°05 de 1861 e a figura 21, na edição n°35 do mesmo ano. A última, bastante caricatural, já revela uma crítica da sociedade à prática. Gomes (2007, p. 158) cita o sociólogo Gilberto Freyre e argumenta que a fácil disponibilidade de tigreiros retardou a implantação de redes de saneamento básico nas cidades litorâneas

Fig.20: [sem título]Litogravura de Henrique Fleyuss: 1861

Fig.21 : Tigreiros. Litogravura de Henrique Fleyuss : 1861

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Política de saúde

A existência de medidas políticas para o cuidado com a higiene já existe no Rio de Janeiro. Como ilustrado pela aquarela “Coletores de imposto” de Debret (fig.22). Ela não está presente no Viagens Pitorescas e não possui nenhuma descrição mais detalhada, porém o há uma nota de rodapé na gravura original que diz: “O almotacel impõe uma multa pela água que se deixa correr pela rua”. Na cena há um trio de almotaceis aplicando

uma multa num comerciante enquanto outro trio chega ao local provavelmente por causa da mesma infração. Um escravo agachado, com ajuda de uma criança, limpa a sujeira vinda do ralo. O teor da sujeira não é descrito, mas o negro recolhe está recolhendo algo solido com ajuda de uma pá, possivelmente conteúdo bastante insalubre. Outras três gravuras de Debret documentam o mesmo delito sendo cometido em outros lugares.

Fig.18 : Soldadoda cavalaria acompanhando uma pipa d’água. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1822

Fig.22 : Coletores de impostos. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1826

Fig.24 : Quintandeiras de diversas qualidades. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1826

Fig.23 : Vendedores de sapé e capim seco. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1827

Fig.25 : Voto d’uma missa pedida como esmola. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1826

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo das iconografias se mostra como um ótimo recurso para se entender a vida cotidiana de um local e época. Deve-se ser portanto agregado aos estudos de histórico, qualquer que seja o tema secundário. Porém é prudente o constante questionamento das iconografias. O registro do ícone passa antes por um filtro ideológico do artista e eles podem se aproveitar de licenças poéticas para registrar além do que ele ver, não registrar alguns aspectos, ou não registra alguma cena.

O que chamou atenção ao longo da pesquisa foi não ter sido encontrado registros iconográficos relativos a grandes acontecimentos na salubridade do Rio de Janeiro, como proibição de enterros dentro de capelas e a criação dos primeiros cemitérios na cidade (Jorge, 2005) e os surtos de febre-amarela em 1849 e de cólera em 1855 (Kodama, 2012). Logo deixa-se margens para pesquisas futuras com foco na produção iconográfica na segunda metade do século XIX.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUSTRIA, MINISTÉRIO FEDERAL de ASSUNTOS EUROPEUS E INTERNACIONAIS ; Abre Alas, Thomas Ender-Encontro com Uma Nova Luz. Brasília. Embaixada da Áustria, 2007 BANDEIRA, Julio; LAGO, Pedro Corrêa do. Debret e o Brasil, obra completa. Rio de Janeiro: Capivara Editora, 2008 BARBOSA, Francisco de Assis. Prefácio. In: FERREZ, Gilberto. O Brasil de Thomas Ender. Rio de Janeiro: Fundação João Moreira Salles, 1976 EDMUNDO, Luis. O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2000 ESCOREL, Sarah; TEIXEIRA, Luiz Antonio. Historia das Politicas de Saúde no Brasil de 1822 a 1963: do Império ao desenvolvimentismo popular. In: GIOCANELLA, Lígia. Políticas e Sistema de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2008 FOCAULT, Michel. Microfísica do poder. 16ª ed.. Rio de Janeiro: Editora Graal. 2001 FUNASA- FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE (BRASIL). Cronologia Histórica da Saúde Pública; Uma Visão Histórica da Saúde Brasileira. Disponível e m : < h t t p : / / w w w . f u n a s a . g o v. b r / s i t e / m u s e u - d a - f u n a s a / c r o n o l o gia-historica-da-saude-publica/>. Acesso em: 3 jun. 2015 GOMES, Laurentino. 1808; como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007 GONZAGA, Guilherme Goretti. Augustus Earle (1793 - 1838):Pintor Viajante, Uma aventura solitária pelos mares do sul. Dissertação (Mestre em Artes)– Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade de Brasília. Brasília 2012. JORGE, Karina Camarneiro . Urbanismo no Brasil Império: A Saúde Pública Na Cidade de São Paulo no Século XIX (Hospitais, Lazaretos e Cemitérios). In: IX Encontro de Pesquisadores II Simpósio de Trabalhos de Pós-Graduação, 2005, Campinas. IX Encontro de Pesquisadores II Simpósio de Trabalhos de Pós-Graduação Resumos,2005 KODAMA, Kaori et al . Mortalidade escrava durante a epidemia de cólera no Rio de Janeiro (1855-1856): uma análise preliminar. História ciência saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 19, supl. 1, p. 59-79, Dec. 2012 . Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702012000500005&script=sci_arttext >. Acesso em: 1 jun. 2015 LAGO, Pedro Corrêa do. Iconografia Paulistana do Século XIX. São Paulo: Metalivros, 1998 LIMA, Tania Andrade. Humores e odores: ordem corporal e ordem social no Rio de Janeiro, século XIX.Hist. cienc. Saúde-Manguinhos [online]. 1996, vol.2, n.3, pp. 44-94. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v2n3/a04v2n3.pdf>, Acesso em: 11 de jun. 2º15

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LAPA, José Roberto do Amaral. A Cidade: Os Cantos e os Antros: Campinas 1850-1900. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996 MELLO, Bruno César Euphrasio de. E o negro na arquitetura brasileira? Arquitextos, São Paulo, ano 13, n. 145.01, Vitruvius, jun. 2012. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/13.145/4372>. Acesso em: 4 jun. 2015 PONTE, Carlos Fidelis. O sanitarismo e os projetos de nação. In: Ponte, Carlos Fidelis; Falleiros, Ialê (Org.). Na corda bamba de sombrinha: a saúde no fio da história. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz; Fundação Oswaldo Cruz. 2010. Disponível em:<http://www.observatorio.epsjv.fiocruz.br/upload/na%20corda%20bamba/cap_3.pdf>. Acesso em: 1 jun. 2015 SILVA, Matheus Alves Duarte da. A Família Real No Rio de Janeiro:Doenças e Práticas Terapêuticas no Período Joanino. Portal da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em:<http://www. u f f . b r / h i g i e n e s o c i a l / i m a g e s / s t o r i e s / a r q u i v o s / Texto_apoio_aula_2_-_A_Famlia_Real_No_Rio_de_Janeiro.pdf> . Acesso em: 1 jun. 2015 TOURINHO, Adriana de Oliveira. A influência das reformas urbanas parisienses no Rio de Janeiro dos anos 20. Anais da III Jornada de Estudos Históricos do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em:<https://revistadiscenteppghis.files.wordpress.com/2009/05/adriana-tourinho-a-influencia-das-reformas-urbanas-parisi enses-no-rio-de-janeiro-dos-anos-20.pdf>. Acesso em: 5 jun. 2015 Referências das figuras: Fig.1: Primeiras ocupações da manhã. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1826. In: (Bandeira,2008, p.159) Fig.2 : Cena de rua (patrão e escravo). Aquarela de Jean-Baptiste Debret. 1817-1829. In: (Bandeira,2008,p. 442) Fig.3 : Família pobre recolhendo o produto do trabalho da negra que carrega água. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1827. In: (Bandeira,2008, p. 182) Fig.4 : Volta à cidade de um proprietário de chácara. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1822. In: (Bandeira,2008, p.175) Fig.5 : Vista da Lagoa do Boqueirão e do Aqueduto de Santa Teresa. Óleo sobre tela de Leandro Joaquim: 1790. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa23553/leandro-joaquim> Fig.6 : Vista do Aqueduto do Rio de Janeiro. Aquarela de Thomas Ender: 1817-1818. In: (Ferrez,1976, p. 95) Fig.7 : Arcos e o Convento de Santa Tereza Richard Bate: 1820. Disponível em: <http://d3swacfcujrr1g.cloudfront.net/img/uploads/2000/01/002200001013.jpg> Fig.8 : Fontes do Terreiro do Passo. Aquarela de Thomas Ender: 1817-1818. In: (Ferrez, 1976, p.43)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Fig.9 : Chafariz do Largo de Moura. Aquarela de Thomas Ender: 1817-1818. In: (Ferrez, 1976, p.86) Fig.10 : Vista do chafariz da Carioca. Aquarela de Thomas Ender: 1817-1818. In: (Ferrez, 1976, p.121) Fig.11 : Largo da Carioca Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1816-1830. In: (Bandeira,2008, p.451) Fig.12 : Escravos carregando água. Aquarela de Johann Moritz Rugendas : 1824. Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/discovirtual/aulas/3849/imagens/agua.jpg> Fig.13 : Chafariz de Mata Cavalos no caminho para São Cristóvão. Aquarela de Thomas Ender: 1817-1818. In: (Ferrez, 1976, p.133) Fig.14 : Negra e negro carregadores de água - estudo. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1817-1829. In: (Bandeira,2008, p.403) Fig.15 : Chafariz das Marrecas. Aquarela de Armand Julien Pallière: 1817-1830. Disponível em: <http://www.museuhistoriconacional.com.br/images/galeria22/mh-g22a002.htm> Fig.17 : Loja de Rapé. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1823. In: (Bandeira,2008, p.190) Fig.16 : Aguadeiros no Rio de 1817-1818. (Ferrez, 1976, p.16)

Janeiro. Aquarela

de

Thomas

Ender:

Fig.18 : Soldado da cavalaria acompanhando uma pipa d’água. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1822. In: (Bandeira,2008, p.231) Fig.20 : Tigres. Litogravura de Henrique Fleyuss: 1861. Disponível em: < h t t p : / / w w w. o l i m p i a d a d e h i s t o r i a . c o m . b r / 7 - o l i m p i a d a / d o c u m e n tos/documento/95> Fig.19 : Uma tarde na Praça do Palácio. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1826. In: (Bandeira,2008, p.173) Fig.20: [sem título].Litogravura de Henrique Fleyuss: 1861. Disponível em: < h t t p : / / w w w. o l i m p i a d a d e h i s t o r i a . c o m . b r / 7 - o l i m p i a d a / d o c u m e n tos/documento/91> Fig.21 : Tigreiros. Litogravura de Henrique Fleyuss :1861. Disponível em: < h t t p : / / w w w. o l i m p i a d a d e h i s t o r i a . c o m . b r / 7 - o l i m p i a d a / d o c u m e n tos/documento/96> Fig.22 : O almotacel impõe uma multa pela água que se deixa correr pela rua. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1826. In: (Bandeira,2008, p.256) Fig.23 : Vendedores de sapé e capim seco. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1827. In:(Bandeira,2008, p.219) Fig.24 : Quitandeiras de diversas qualidades. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1826. In: (Bandeira,2008, p.199) Fig.25 : Voto d’uma missa pedida como esmola. Aquarela de Jean-Baptiste Debret: 1826. In: (Bandeira,2008, p.160)

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TRABALHO igrejas BARROCa:

São Pedro dos Clérigos - Mariana

x Nossa Senhora do Rosário - Ouro Preto

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COMPARATIVO: IMPLANTAÇÃO

° Fundada pela irmandade de NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS, EM 1752 ° PRÓXIMO DO CENTRO HISTÓRICO ° Fachada deslocada do eixo da rua

Nossa Senhora do Rosário - Ouro Preto

° Planta alinhada com a curva de nivel do terreno

° Fundada pela irmandade de São Pedro dos Clérigos, em 1731 ° Afastada do centro histórico ° Fachada deslocada do eixo da rua ° Planta alinhada com a curva de nivel do terreno

são pedro dos clérigos - MARIANA

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COMPARATIVO:

PLANTAS | ZONEAMENTO Nossa Senhora do Rosário - Ouro Preto NOSSA SENHORA DO Rosário Esquema dupla oval: nave oval, parede facetadas em segmentos planos (dois octógonos). Acesso à escada do coro pela nave, Púlpito localizado nas laterias da nave.

GALILE NAVE PRESBITERIO ALTAR SACRISTIA

são pedro dos clérigos - MARIANA

CORO PULPITO CORREDOR LATERAL

CONSISTORIO TRIBUNA RETABULO

são pedro dos clérigos Esquema dupla oval: nave oval, parede facetadas em segmentos planos (dois octógonos). Entrada separada da nave pelo galilé. Acesso à escada do coro pelo galilé, Púlpito localizado na parte frontal da nave.

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COMPARATIVO: ESTUDO DE FACHADA

Nossa Senhora do Rosário Ouro Preto

são pedro dos clérigos MARIANA

ASua fachada é circular e, por isso, singular. É considerada pelos especialistas como “a expressão máxima do barroco colonial mineiro” (IPHAN).

Apesar de sua planta em formato oval, sua fachada é plana e ornamentada. As torres tem seção quadrada e o teto é côncavo.

LEGENDA: 1 CRUZ 2 PINÁCULO 3 CAMPANÁRIO

4 PORTADA 5 GALILÉ 6 ENTABLAMENTO

7 PILASTRA 8 CÚPULA 9 CURUCHÉU

10 VOLUTA 11 ÓCULO 12 ESTÁTUA DE SÃO PEDRO 13 FRONTÃO

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COMPARATIVO: PARTE INTERNA

- MENOS ORNAMENTADA - SANTOS BRANCOS - JANELAS CURVILÍNEAS - ALTARES LATERAIS LISOS - ALTAR EM PIRÂMIDE COM - SÃO PEDRO ACOMPANHADO DE 2 ANJOS BRANCOS - ESTÁTUA DE GALO EM CEDRO - ALTAR EM CEDRO ESCURO - FRONTISPÍCIO DO ALTAR COM 4 COLUNAS

Nossa Senhora do Rosário Ouro Preto

- MAIS ORNAMNETADA - SANTAS NEGRAS - JANELAS CIRCULARES - ALTARES LATERAIS ORNAMENTADOS - ALTAR EM PIRÂMIDE COM N. SRA DO ROSÁRIO ACOMPANHADA DE 2 ANJOS BRANCOS - ALTAR MAIS CLARO, COM PINTURAS DECORATIVAS - FRONTÍSPICIO DO ALTAR MOR COM 2 GRANDES COLUNAS

são pedro dos clérigos MARIANA

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