MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
MORFOLOGIA E SEXISMO EM
ESPAÇOS DOMÉSTICOS: uma análise crítica de três ícones modernistas de habitação social sob a ótica da sintaxe espacial
LARISSA NUNES SENA GOMES
1
2
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
3
MORFOLOGIA E SEXISMO EM
ESPAÇOS DOMÉSTICOS: uma análise crítica de três ícones modernistas de habitação social sob a ótica da sintaxe espacial
Autora:
Larissa Nunes Sena Gomes Orientadora:
Ana Luisa Rolim
Universidade Católica de Pernambuco Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Trabalho de Graduação II Dezembro - 2017
Imagem da Capa: Femme Maison Louise Bourgeois, 1994.
4
SUMÁRIO
RESUMO
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
5
6
RESUMO
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
7
O Trabalho de Graduação a seguir se propõe a compreender como as relações de gênero se manifestam na esfera doméstica e como as relações espaciais se manifestam na construção do gênero. Para se chegar ao entendimento de como se dá a perpetuação de esteriótipos de gênero e a vivência do espaço privado, esta pesquisa pretende investigar a influência da implantação de sistemas coletivos de serviços domésticos ao longo da história e o reflexo desta nas desigualdades sociais oriundas da divisão sexual do trabalho, a partir do conceito de que diferentes formas de reprodução social requerem e se materializam em diferentes tipos de ordem espacial, utilizando a metodologia analítica de afeição da sintaxe espacial, proposta por Hanson (1998). Apesar do reconhecimento da pluralidade de gêneros, o presente trabalho restringe-se às relações tradicionais pautadas pelo binarismo, entre homens e mulheres. Desta forma, pretende-se, investigar a morfologia do espaço doméstico modernista em três projetos ícones da habitação de interesse social que possuem os referidos locais coletivos: o conjunto Narkomfin, localizado na Rússia, a unidade habitacional de Marselha, na França, e o conjunto Pedregulho, situado no Brasil. Palavras-chave: Relações de gênero; Habitação de interesse social; Sintaxe espacial; Espaços coletivos de serviço doméstico
8
SUMÁRIO
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
9
SUMÁRIO
10
SUMÁRIO INTRODUÇÃO - p. 14 1. NARRATIVA - p. 20 O lar é lugar de mulher?
2. JUSTIFICATIVA - p. 24 3. OBJETIVOS - p. 32 3.1 Gerais 3.2 Específicos
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS - p. 36 5. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS - p. 40 5.1 A semântica do lar - p. 40 5.1.1 O papel social da mulher - p. 40 5.1.2 A divisão sexual do trabalho doméstico - p. 43 5.1.3 A exclusão do espaço doméstico - p. 46 5.2 Revisão bibliográfica - p. 49 5.2.1 Dolores Hayden - p. 49 5.2.2 Beatriz Colomina - p. 50 5.2.3 Jane Rendel, Ian Borden, Barbara Penner - p. 51 5.2.4 Julienne Hanson - p. 52 5.2.5 Luiz Amorim - p. 53
6. ORGANIZAÇÃO ESPACIAL - p. 56 6.1 A Sintaxe Espacial - p. 58 6.2 Representações do espaço - p. 61 6.3 Propriedades sintáticas - p. 66 6.3.1 Profundidade - p. 67 6.3.2 Integração - p. 68 6.3.3 Distributividade - p. 69 6.3.4 Simetria - p. 69 6.3.5 Conectividade - p. 69 7. O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMILIARES - p. 76 7.1 Hanson e a lógica social do espaço doméstico - p. 77 7.2 Amorim e o paradigma dos setores das habitações - p. 87 7.3 Analise das propriedades sintáticas - p. 94 7.4 Definição dos genótipos - p. 101
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
8. HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO - p. 106 8.1 Experiências precedentes - p. 109 8.2 Narkomfin - p. 109 8.2.1 O movimento Novyy byt - p. 110 8.2.2 O papel do comitê Stroykom - p. 113 8.2.3 Racionalização das cozinhas em modelos A e B - p. 114 8.2.4 Moisey Ginburg - p. 119 8.2.5 O projeto - p. 120 8.3 Unidade habitacional de Marselha - p. 137 8.3.1 A representação do olhar masculino e o Le Modulor - p. 137 8.3.2 O processo de industrialização da construção de moradia na França - p. 141 8.3.3 Os conceitos de habitações desenvolvidos por Le Corbusier - p. 143 8.3.4 O projeto - p. 146 8.4 Conjunto habitacional Mendes de Moraes - Pedregulho - p. 155 8.4.1 A questão da habitação social no Brasil - p. 160 8.4.2 Os conceitos de liberdade feminina e a figura de Carmem Portinho - p. 162 8.4.3 O papel do DHP - p. 164 8.4.4 O projeto - p. 165 8.4.5 Regulamento interno - p. 176 8.5 Discursos e práticas projetuais: semelhanças e diferenças - p. 180
9. GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS - p. 186
9.1 Análise dos espaços de serviço na escala do conjunto - p. 186 9.1.1 Métodos - p. 188 9.1.2 Resultados - p.188 9.2 Análise dos espaços de serviço na escala da célula residencial - p. 197 9.2.1 Métodos - p. 197 9.2.2 Resultados - p. 202 9.3 Genótipo das células habitacionais - p. 219
CONSIDERAÇÕES FINAIS - p. 224 Lista de Figuras - p. 228 Lista de Tabelas - p. 238 Referências - p. 242
11
12
INTRODUÇÃO
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
13 Figura 01: Femme Fonte: BORGEOIS, 2005.
O ambiente construído é [...] o artefato socialmente mais significativo que os homens criaram, e dentro do ambiente construído, o edifício mais básico, amplamente difundido e necessário é, indiscutivelmente a casa (HANSON, 1998, p.312)
14
O presente Trabalho de Graduação se propõe a compreender, de forma ampla, como as relações de gênero se manifestam no espaço doméstico e como as relações espaciais se manifestam na construção do gênero. Para se chegar ao entendimento de como se dá a relação de perpetuação de esteriótipos de gênero e a vivência do espaço privado, esta pesquisa pretende investigar a importância da implantação de Sistemas de Serviços Domésticos Coletivos ao longo da história como ferramenta de contribuição na maior equalização da divisão sexual do trabalho, dentro da esfera doméstica. A partir da ideia de Hayden (1982) de que o ambiente construído não é um espaço neutro, mas um artefato cultural, moldado pelas intenções e intervenções humanas, podemos extrair as prioridades, valores e crenças dos tomadores de decisão em nossa sociedade. Ao longo das décadas vivenciamos uma cidade planejada e construída por homens que criaram um ambiente construído a partir de sua própria imagem. Weisman (2000) afirma que os arranha-céus urbanos do século XX, ápice da simbologia patriarcal, estão enraizados na mística masculina do grande,
INTRODUÇÃO
ereto e vigoroso. Do mesmo modo a casa, lugar no qual as mulheres estiveram intimamente ligadas, é tão reverenciada na qualidade de ícone arquitetônico como o arranha-céu (ibidem). Alambert (1997) coloca que a vida das mulheres foi e é baseada em seu papel de reprodução, tanto pela criação dos filhos, como pela responsabilidade de manutenção da vida familiar. A casa então, reforça esteriótipos e papéis de gênero, além de perpetuar valores tradicionais da familia. Como sublinha Weisman (2000) o homem, enquanto “chefe da familia”, sempre possuiu lugares de autoridade, privacidade e lazer dentro da casa: a cabeceira da mesa, a sala de estudos, uma espreguiçadeira especial. Ao passo que a mulher, além de não ter um espaço próprio, está ligada sempre aos ambientes de serviço. Ela é uma cozinheira na cozinha, uma mãe no quarto das crianças, uma empregada na área de serviço, um amante no quarto. Se vivemos em uma sociedade marcada pelo patriarcado e a casa, enquanto espaço doméstico, é um reflexo da coletividade, qual a influência da arquitetura na construção
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
de uma habitação não-sexista? Ao longo do século XIX, mais especificamente no final, o movimento feminista defendeu a ideia de que homens e mulheres deveriam viver e trabalhar como cidadãos iguais e, para conseguir isso, as construções sociais tradicionais das relações de gênero deveriam ser destruídas. Neste período, a habitação era entendida como uma ferramenta de transformação social e, como consequência desse pensamento, uma nova tipologia arquitetônica foi concebida: os espaços coletivos de serviços domésticos surgem com o intuito de possibilitar a produção em larga escala da habitação mínima modernista e também para desvincular completamente a mulher das atividades de manutenção da casa. O trabalho em questão estrutura-se em 9 capítulos. No Capítulo 1 discorre-se a narrativa, abordando conceitos de domesticidade e sua vinculação à figura feminina, no qual se busca questionar a máxima de que o lugar da mulher é o lar. No capítulo 2, tem-se a justificativa, ao enfocar a desconstrução de um possível senso comum de que as questões de gênero já estariam ultrapassadas e que não haveria influência da ar-
15
quitetura na construção do espaço sexista (WEISMAN, 2000). Acredita-se que, com base na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada em 2014, a tipologia atual das habitações não atende as necessidades de seus usuários, homens e mulheres, uma vez que confirma a responsabilidade do lar para a mulher, que passa mais que o dobro do tempo, em relação ao homem, realizando trabalhos domésticos. O Capitulo 3, objetivos, introduz o objetivo geral de propor estratégias projetuais para unidades habitacionais, com base nas análises de espaços domésticos modernistas convencionais e aqueles que comtemplam locais coletivos de serviços domésticos, seguindo a metodologia da sintaxe espacial proposta por Hanson (1998) e os objetivos específicos que se almejam alcançar com a pesquisa. No capítulo 4, apresenta-se os procedimentos metodológicos a serem desenvolvidos no decorrer deste trabalho, partindo da revisão bibliográfica que foi dividida em duas categorias distintas: produções que discutem a arquitetura a partir da perspectiva de gênero e estudos que analisam o ambiente doméstico atra-
16
vés da sintaxe espacial; Em seguida, têm-se as etapas necessárias a serem seguidas para a compreensão do sexismo presente na morfologia dos espaços domésticos modernistas. O capítulo 5, busca cumprir o papel de embasamento teórico anterior à análise do objeto. O desenvolvimento deste aporte teórico é entendido, portanto, como essencial para a compreensão do contexto de estudo. Sendo assim, o item 5.1, a semântica do lar versa sobre os significados que a casa carrega, o papel da mulher na sociedade, as relações de divisão sexual do trabalho doméstico e as particularidades observadas entre as habitações tradicionais e as habitações coletivas no tocante ao tema. Enquanto que no item 5.2, apresenta-se um levantamento bibliográfico das principais produções que discutem o espaço doméstico e as suas relações sociais. No capítulo 6, organização espacial, são descritos os conceitos, ferramentas e propriedades utilizadas para representar, quantificar e interpretar os atributos físicos do espaço, conforme a teoria da Sintaxe Espacial, proposta por Hanson (1998). No capítulo 7, o genótipo das habitações unifamiliares, busca-se com-
INTRODUÇÃO
preender a lógica projetual definida no movimento moderno e suas consequências no estabelecimento de relações sociais desiguais pautadas pelo sexismo, a partir da ideia de afinidade na constituição das edificações que a sintaxe espacial possibilita. Utilizando os casos estudados por Amorim (1999) e Hanson (1998) de habitações emblemáticas de arquitetos modernistas, de âmbito nacional e mundial, analisou-se de forma especifica os ambientes que constituem o setor de serviço, cozinha, lavanderia e dependência de empregados. A partir dos resultados encontrados na comparação destes casos, definiu-se um genótipo comum entre estes arquétipos, com a finalidade de traçar os aspectos sexistas inerentes à estrutura espacial das residências que influenciam a divisão sexual do trabalho doméstico. O capitulo 8, habitação para igualdade de gênero, apresenta as experiências precedentes de conjuntos habitacionais emblemáticos, seja pela autoria ou pela importância do projeto em si, que buscaram tratar o espaço doméstico como ferramenta de transformação social e implementaram espaços específicos, como cozinhas e lavanderias, para a reali-
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
zação das atividades de serviços do lar de modo coletivo. Após a compreensão do contexto socioeconômico e político de cada conjunto, relaciona-se as medidas e estratégias utilizadas, seja por parte do Estado ou pelos autores dos projetos, que influenciam as relações desiguais de gênero na esfera doméstica. Por fim, o capítulo 9, constitui uma busca pela identificação das relações sociais e espaciais destes conjuntos habitacionais, a partir da sua morfologia. Esse capítulo está dividido em três partes: a primeira, uma análise dos espaços de serviço de uso coletivo na escala do conjunto, compara as relações morfológicas e sociais entre estas áreas e os demais espaços de cada projeto; a segunda é constituída por uma leitura das unidades habitacionais e busca compreender as relações entre os setores, através das análises das propriedades sintáticas, com o foco no setor de serviço; a terceira e última análise baseia-se na definição do genótipo das tipologias habitacionais estudadas, com o intuito de compreender as características sexistas presentes em cada uma das lógicas projetuais.
17
18
1.
NARRATIVA
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
19 Figura 02: Maison-Femme Fonte: BORGEOIS, 1947.
[...] eu não me vejo na palavra Fêmea: alvo de caça conformada, vítima prefiro queimar o mapa traçar de novo a estrada ver cores nas cinzas e a vida reinventar. um homem não me define minha casa não me define minha carne não me define eu sou meu próprio lar. (FRANSCISO, EL HOMBRE, 2016)
NARRATIVA
20
O LAR
É LUGAR DE MULHER?
“O lugar de uma mulher é dentro de casa! ” tem sido uma das máximas mais influente que vem impulsionando a luta do movimento feminista e a análise crítica do espaço doméstico1. O significado de domesticidade está diretamente associado à definição tradicional e conservadora de família, constituída por mãe, pai e filhos. No entanto é indiscutível que domesticidade e a figura feminina estão inseparavelmente ligadas no nosso discurso social e cultural, demonstrando o papel crucial que o gênero (feminino) desempenha no discurso do lar. Um recente e emblemático exemplo disto pôde ser constatado no pronunciamento do presidente do Brasil, Michel Temer, no dia Internacional das Mulheres, 08 de março de 20172: 1 Para uma análise mais detalhadas sobre a relação entre a luta do movimento feminista e as imposições sociais, consulte Beauvoir (1969) . 2 Trecho do discurso do dia Internacional da Mulher do Presidente Michel Temer retirado do artigo “Temer reduz papel da mulher à casa e é alvo de protestos nas redes so-
Tenho absoluta convicção, até por formação familiar e por estar ao lado da Marcela [Temer], do quanto a mulher faz pela casa, pelo lar. Do que faz pelos filhos. E, se a sociedade de alguma maneira vai bem e os filhos crescem, é porque tiveram uma adequada formação em suas casas e, seguramente, isso quem faz não é o homem, é a mulher.
Hayden (1982) sublinha que vivenciamos, ao longo das décadas, uma cidade planejada por homens que criaram um ambiente construído em sua própria imagem, ignorando a presença e necessidades femininas. Como resultado, homens passaram a ser atores dos espaço públicos e consequentemente, estão aptos a buscar seu lugar na esfera pública do trabalho e do poder, enquanto mulheres tornaram-se espectadoras passivas presas as suas casas particulares (dadas as devidas proporções de raça e classe) para nutrir e cuidar da familia. Assim como a cidade, a casa, enquanto reflexo da coletividade, reflete a estrutura patriarcal da sociedade ao criar espaços que reforçam os papéis e estereótipos de gênero. ciais” do jornal El país. Disponível em: http:// brasil.elpais.com/brasil/2017/03/08/politica/1489008097_657541.html
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
A zona de serviço, constituída pela cozinha, lavanderia e dependência de empregada, é um local estreitamente atrelado à figura feminina ao ser a materialização espacial das atividades de manutenção da vida e cuidado da família. Ocupando o local mais inferior na hierarquia dos espaços de uma habitação, a essa zona são destinadas as piores localizações, revestimentos e dimensões durante o processo de elaboração do projeto de uma residência. Em diferentes momentos da história, teóricos e o movimento feminista defenderam que homens e mulheres deveriam viver e trabalhar como cidadãos iguais e, para conseguir isso, as construções sociais tradicionais das relações de gênero deveriam ser destruídas. Na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), por exemplo, esse ideal foi instituído a partir da criação de espaços coletivos de serviço doméstico (como cozinhas e lavanderias coletivas) com o objetivo de transformar a casa em um local de trabalho e estimular a colaboração de todos seus habitantes na realização das atividades de manutenção do lar. Essa proposição pretendia reorganizar espacialmente não só a habitação, mas também a
21
vida diária da população e libertar as mulheres da solidão do trabalho doméstico. Apesar do reconhecimento da pluralidade de gêneros que derivam de fenômenos sociais, e não de um destino biológico, o presente trabalho restringe-se às relações tradicionais pautadas pelo binarismo, entre homens e mulheres. Desta forma, pretende-se, analisar as configurações espaciais de sistemas coletivos de serviço doméstico a partir da conceito de Hillier e Hanson (1984, apud HOLANDA, 2003 p. 85) de que diferentes formas de reprodução social requerem e materializam-se em diferentes tipos de ordem espacial, utilizando a metodologia analítica de afeição da sintaxe espacial proposta por Hanson (1998). Uma vez analisados casos emblemáticos de residências unifamiliares e de conjuntos habitacionais de interesse social que desafiaram o referido paradigma de gênero, o intuito desta pesquisa é investigar e identificar as características sexistas presentes na estrutura espacial do espaço doméstico modernista que influenciam as relações desiguais oriundas da divisão sexual do trabalho.
22
JUSTIFICATIVA
2.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
23 Figura 03: Metamorphosis Fonte: FALCÃO, 2016.
24
A arquitetura deve ser tratada como constituída e constituinte das relações sociais no espaço, uma vez que enquanto artefatos sociais, os edifícios são uma fonte de informação sobre as sociedades que os criaram (HANSON, 1998). Neste sentido, Amorim (2001) destaca que a organização espacial da casa brasileira mudou ao longo do tempo, adaptando-se constantemente para responder às exigências impostas pelas relações sociais, códigos de comportamento e estruturas familiares, bem como expressar os avanços na construção de tecnologia e absorver os novos eletrodomésticos. Apesar disso, observamos que o modelo atual da casa não atende às necessidades de seus usuários, homens e mulheres, à quantidade de horas gastas para realizar atividades domésticas e à desigualdade de responsabilidade pelo cumprimento destas atividades. Conforme dados da Síntese dos Indicadores Sociais (SIS) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2016, as mulheres constituem 45,5% da População Economicamente Ativa (PEA) no Brasil, havendo um crescimento gradativo deste número nas últimas décadas. Entretanto, a condição da
JUSTIFICATIVA
inserção destas no mercado de trabalho ainda se dá de forma desigual. Uma prova disso foi a conclusão do relatório “Progresso das Mulheres no Mundo 2015-2016: Transformar as economias para realizar direitos”, divulgado em 2016 pela Organização das Nações Unidas (ONU), de que uma das principais razões para a manutenção das desigualdades socioeconômicas entre homens e mulheres e da pequena participação destas na política é fruto da cultura da responsabilidade doméstica. O avanço no mercado de trabalho não as desvencilhou da obrigação no lar: em comparação com os homens elas chegam a gastar o dobro do tempo realizando atividades como cozinhar, limpar e cuidar dos membros da unidade familiar (ver Figuras 04 e 05). No cenário brasileiro, Abreu e Bonneti (2011) apontam que as mulheres que se encontram no mercado de trabalho dedicam uma média não inferior a 15 horas por semana às tarefas domésticas, portanto, cumprem jornadas entre 20 e 44 horas semanais fora de casa. Já as mulheres que se encontram desempregadas chegam a gastar até 40 horas semanais de seu tempo às atividades domésticas. A dedicação ao trabalho
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
25
Figura 04: Visão geral das desigualdades de gênero nas relacções de trabalho em todo o mundo.
O OLHO DA DESIGUALDADE A diferença global de gênero de participação na força de trabalho Em todas as regiões, quase todos os homens em plena idade de trabalho (25-54 anos) participam da força de trabalho, enquanto as taxas de participação variam amplamente para as mulheres. A diferença de gênero é notável e persistente: em nenhuma região foi eliminada.
Ce nt ra
Sa
su b-
E
N
ARG BHS BRB BLZ BOL BRA CHL COL CRI CUB DOM ECU SLV GTM GUY HTI HND JAM MEX NIC PAN PRY PER LCA VCT SUR TTO UR VE Y N
L KW BN JO T R IR EG Q BH Y DZ R A
th e
nd
L PH SM W GP S LB S A TH S TL N TO T VU M VN
ta as
an d
E le
as tA sia
dd Mi
Latin
c
ia th As Sou
BRN KH CH M FJI N HK IDN G PR K K LA OR O M M YS M NG PN MR G
Americ a and the Caribbean
Fonte: ONU Mulheres, 2016, modificado pela autora.
ed Regions
0%
YEME AR N TU R SY U SA AT Q N M O SE P AR M BY L
Af ric a
S AU T AU L BE N CA K DN FIN FRA DEU GRC ISL IRL ISR ITA JPN LUX MLT NLD NZL NOR PRT ESP SWE GHE BRG USA
50%
LKA PAK NPL MDV IRN IND BTN BGD AFG
or th
l
N SV JK T UR T M TK KR U B UZ
c ifi
Af ri
an d
Mulher
Pa
ha ra n
100%
Eu rop e
lop Deve
L LS BR K O GN EN G B GH IN GM A GA B ETHB ERI GN Q DJI CIV COD COG COM TCD CAF CPV CMR BDI BFA BWA BEN AGO
ast er n
ia As
ZWE ZMB UGA TGO TZA SWZ SDN ZAF SOM SLE SEN STP A RW A NG ER N M NA OZ M US M RT M LI M WI M DG M
ca
Homem
l an dE
ALB ARM AZE BLR BIH BGR HRV CYP CZE EST GEO HU KA N KGZZ LV LT A MK U M D M DA P NE ROOL R U S US SV RB K
Centr a
JUSTIFICATIVA
26
Figura 05: Visão geral da divisão sexual do trabalho em todo o mundo.
UMA VISÃO DOS DIREITOS DAS MULHERES PARA TRABALHAR E NO TRABALHO
igualdade no acesso ao trabalho remunerado
trabalho decente com proteção social
ganhos justos e adequados
divisão igual do trabalho de cuidado não remunerado
26
75%
24%
2.5 X
A diferença percentual A proporção de A diferença entre a participação na mulheres empregadas salarial força de trabalho informalmente e média global feminina e masculina desprotegidas em entre homens regiões em e mulheres desenvolvimento
Quantidade tempo que as mulheres gastam em atividades de cuidado e domésticas não-remuneradas em relação aos homens
A REALIDADE
Fonte: ONU Mulheres, 2016, modificado pela autora. 79
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
27
Figura 06: Média de horas semanais gastas no trabalho principal, horas semanais gastas em afazeres domésticos e jornada total segundo sexo no Brasil 2005-2015
Fonte: IBGE, PNAD, 2005-2015.
doméstico independe da condição de ocupação segundo sexo. Mesmo os homens sem ocupação se dedicam às tarefas domésticas em menor proporção que as mulheres. (ver Figura 06). Ramos (2016) afirma que ao considerar a diferença de raças, é observável que uma maior proporção das mulheres negras (90,2% delas em 2008) se dedicava aos afazeres domésticos, em comparação as mulheres brancas, (86,2%), dos homens brancos (46,3%) e dos homens negros (45,8%). Se faz necessário então buscar no-
vos arranjos tipológicos habitacionais que contribuam no desenvolvimento de uma sociedade mais igualitária. A casa, assim como a arquitetura, deve ser vista como uma ferramenta de transformação social. Vários estudos sobre o espaço doméstico foram feitos sob diferentes aspectos. A história do espaço doméstico, sob a perspectiva de gênero, foi contada de forma pioneira por Hayden (1982) e nos estudos de Colomina (1992) e Rendel, Penner e Borden (2000). Outros estudos têm procurado reunir alguns dos aspec-
28
JUSTIFICATIVA
tos sociais, culturais e antropológicos sob um novo enfoque, privilegiando a análise do espaço doméstico a partir de suas características morfológicas como, por exemplo, aqueles de Hanson (1998) e Amorim (1999). Apesar disso, verifica-se uma escassez de trabalhos que versem sobre a habitação e sua relação com a construção dos papéis de gênero em língua Portuguesa. Durante o século XX, a implantação de sistemas de serviço domésticos coletivos surgiu com o intuito de promover uma renovação tipológica da casa tradicional e a desvinculação da mulher das responsabilidades domésticas. A proposta deste trabalho, portanto, objetiva colaborar no debate sobre gênero e arquitetura, ao analisar como as estruturas morfológicas do espaço doméstico influenciam a perpetuação dos papéis tradicionais de gênero e as desigualdades das relações sociais impostas pela divisão sexual do trabalho.5.1 A
Figura 07: Colagem das manchetes de jornais do brasil e do mundo entre 2010-2016. Fonte: Elaboração própria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
29
30 Figura 08: Femme Maison Fonte: BORGEOIS, 1946
OBJETIVOS
3.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
31
OBJETIVOS
32
Figura 09: Diagrama dos objetivos geral e específicos desta pesquisa.
Fonte: Elaboração própria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
33
OBJETIVO
3.1 GERAL Investigar a morfologia do espaço doméstico modernista em três conjuntos ícones da habitação de interesse social que possuem locais coletivos de serviços domésticos, para verificar a influência destes na perpetuação dos papéis de gênero, seguindo a metodologia analítica da sintaxe espacial proposta por Hanson (1998).
OBJETIVOS
3.2 ESPECÍFICOS 1. Analisar a estrutura espacial das lavanderias coletivas dos conjuntos Narkomfin, Pedregulho e da unidade habitacional de Marselha, através das propriedades sintáticas definidas por Hanson (1998); 2. Identificar se a presença de equipamentos de uso coletivo influencia a estrutura espacial da célula habitacional, tendo como parâmetro os estudos de Amorim (1999) e Hanson (1998); 3. Definir o genótipo das unidades habitacionais dos três conjuntos, descrevendo as consistências espaciais do setor de serviço e o seu reflexo nas relações da divisão sexual do trabalho; 4. Relacionar o contexto socioeconômico e político de cada projeto para compreender o reflexo deste na estruturação dos espaços de serviço doméstico, tanto na célula, quanto nos conjuntos habitacionais, como um todo.
34
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
4.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
35 Figura 10: Femme Maison Fonte: BORGEOIS, 1994.
36
Para atingir os objetivos almejados supracitados, o presente trabalho estrutura-se nas seguintes metodologias de pesquisa: 1. Revisão Bibliográfica 1.1 Produções que discutam a arquitetura e a produção do espaço doméstico, sob a perspectiva de gênero, como pode ser verificado nas obras de HAYDEN (1982), COLOMINA (1992) e RENDEL, BORDEN e PENNER (2000); 1.2 Estudos que analisam o ambiente doméstico através da sintaxe espacial, como os de HANSON (1998) e AMORIM (1999); Fundamentando-se nesta revisão, foram definidos os objetos de análise, com base na importância simbólica de cada projeto para a historiografia da arquitetura moderna. 2. Coleta de dados dos objetos arquitetônicos 2.1 Levantamento das informações técnicas e fotográficas dos exemplares; 2.2 No tocante às intenções projetuais desenvolvidos por cada autor; 2.3 A cerca do cenário político e socioeconômico em que estavam
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
inseridos; 3. Análise qualitativa da amostra, à luz da sintaxe espacial, para verificar a perpetuação dos papéis de gênero presente na sua morfologia 3.1 Definição do genótipo da literatura, baseando-se nos estudos de Hanson (1998) e Amorim (1999) 3.2 Elaboração de mapas convexos, axiais, grafos justificados, de visibilidade e isovistas das lavanderias coletivas e das células habitacionais de cada conjunto; 3.3 Investigação das propriedades sintáticas e definição do genótipo da amostra.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
Figura 11: Diagrama dos procedimentos metodológicos.
Fonte: Elaboração própria.
37
38
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
5.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
39 Figura 12: Femme couteau Fonte: BORGEOIS, 2002
40
5.1 A semântica do lar Lar, doce lar. Como expressa Bachelard (1969), o lar é o feliz espaço onde a pessoa se defende das forças adversas. Sua primeira função é abrigar o sonho, proteger o sonhador e permitir que se sonhe em paz. Lar, então, relaciona-se à conexão emocional e significativa entre as pessoas e suas casas. Lar é onde o coração mora. É o local de estabilidade em meio ao caos da sociedade capitalista, no qual nos sentimos protegidos, acolhidos e guardamos nossas memórias mais amadas. Sobre este conceito de lar, Madigan e Munro afimam: a construção social que o lar apresenta, especialmente nas culturas ocidentais, abrange ideias de segurança, afeição e bem-estar. (MADIGAN E MUNRO, 1991, apud LASHLEY, 2004 p. 157). Apesar do ideal de lar ter sofrido alterações constantes devido às pressões sociais e aos desenvolvimentos capitalistas ou avanços tecnológicos, ainda hoje o lar continua vinculado a figura feminina, às avós ou as mães que nutrem enquanto cozinham e nos amam. Há bons motivos para acreditar que a casa ocupa uma maior centralidade na vida das mulheres do que na dos homens, como
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
resultado do papel doméstico das mulheres. (BESTSKY, 1995) 5.1.1 O papel social da mulher As condições em que vivemos enquanto homens e mulheres não resultam de um destino biológico, mas são, antes de tudo, construções sociais. Os papéis que exercemos então, são a forma que a sociedade em que vivemos construiu para que agíssemos de um modo específico diante do mundo. Como aponta Beauvoir: Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora este produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. (1967, p.9).
Santos (2013) afirma ainda que a mulher é uma construção masculina. O que ela é ou faz é definido pelo que o homem entende do que é ser mulher e qual o papel que ela deve desempenhar na sociedade. As faixas etárias femininas são importantes para frear ou estimular quais ações elas estão autorizadas ou desautorizadas a desempenhar. O corpo deve ser visto como o primeiro
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
lugar de experiência social, o veículo que ajuda a fixar o vocabulário dos papeis de gênero: (...) a ideia básica de que se o homem não domina, não controla a situação, esta pode vir a controlá-lo até faze-lo perder sua masculinidade e recair em posturas femininas”. A subordinação feminina pode ser explicada pela idealização ativa do corpo do homem, que vê na ação a oportunidade para medir sua sexualidade constantemente. (CORTES, 2008, p. 125)
A subordinação feminina pode ser explicada pela idealização ativa do corpo o homem, que vê na ação a
41
oportunidade para medir sua sexualidade constantemente. Ao se analisar um panorama da humanidade, podemos observar que, mesmo nas sociedades mais antigas, as mulheres eram colocadas em lugar inferior em relação aos homens. Loi (1988) destaca que, na Índia, o Código de Manu, datado de 1280 a.C., que era utilizado como normativa social, moral e religiosa, apresentava diversas diretrizes direcionadas às mulheres, remetendo-a à opressão, repressão, total dependência e submissão ao homem. Outro exemplo pode ser verificado nas residências da Grécia,
Figura 13: Divisão dos ambientes da típica casa espartana.
Fonte: ZENKNER, 2012, modificado pela autora.
42
especificamente em Esparta. Segundo Alambert (1997), existiam espaços divididos por gênero, tais como o andrón – espaço masculino, onde ocorriam simpósios e pequenas reuniões e o gineceu – espaço feminino, marcado por pontos mais isolados da casa e próximo à cozinha (ver Figura 13). Durante o período do Renascimento, a mulher era vista como o ponto de controle do homem e de sua família, por consequência, controlá-la significaria controlar todas as outras partes. A imagem da mulher casada passou então, a ser propagada como sua representação ideal, pois significava respeito e dignidade. “ A mulher não tem estatuto fora do casamento. Ele é a única instituição que lhe permite realizar-se enquanto ser social. “ (DEL PRIORE; MARY, 1993, p.141). Cavalcante (2016) afirma que a restrição da vivência pública de meninas ou mulheres ricas que pretendiam se casar era uma forma de se manter o status de valor, já que sua vida se resumia a sua moradia às atividades destes espaços. Apesar de vivermos em uma sociedade patriarcal marcada pelo racismo, que distingue o tratamento entre mulheres brancas e negras, a idea-
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
lização da figura feminina e o seu papel ligado ao lar e à família recai sobre ambas. Risério (2015) aponta que durante os séculos XVII e XVIII, enquanto mulheres ricas e brancas não saiam às ruas, as mulheres pobres, em sua maioria negras, eram obrigadas a batalhar, quando escravas, para tentar comprar a própria alforria e, já libertas, para se sustentar e à sua família, realizando atividades que envolviam trabalho manual e doméstico. Na sociedade capitalista contemporânea, mesmo com todos os avanços e progressos dos direitos humanos, sobretudo das mulheres, as limitações enfrentadas na conquista destes direitos ainda são enormes. A mulher almejada pela sociedade ainda é aquela que cumpre seu papel ligado às responsabilidades de manutenção de sua vida e de seus familiares, mantendo-se na maior parte do tempo no espaço privado. Em todos os dados colhidos no processo de pesquisa sobre a história das condições de vida das mulheres através dos tempos, pode-se sentir que as pobres sempre foram o “burro de carga”, afundadas no trabalho, as ricas ou privilegiadas sempre viveram mergulhadas em seus
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
triunfos intelectuais e mundanos, e todas elas foram sempre apenas reprodutoras da espécie, escravas declaradas incapazes pelas leis e códigos”. (Alambert, 1997, p.51).
5.1.2 A divisão sexual do trabalho A divisão sexual do trabalho é a maneira como o trabalho foi formado, modificado e dividido socialmente nas relações entre os sexos ao longo da história em cada sociedade. Nesta pesquisa são utilizados os conceitos marxistas de produção e reprodução social para se abordar a divisão sexual do trabalho. Segundo Kergoat (1987), o trabalho produtivo, ligado à figura masculina, está relacionado às atividades que resultam na produção de bens ou serviços com valor econômico e remunerado enquanto que o trabalho reprodutivo, ligado à figura feminina, inclui uma série de atividades não remuneradas – como limpar, cozinhar, cuidar de crianças, idosos e enfermos – que permitem a sobrevivência da família e o funcionamento da sociedade como um todo trabalho e, não é remunerado. Deste modo, todo o cuidado e responsabilidade pelo lar sempre foi
43
e é designado às mulheres, desde seu nascimento. A pesquisa “Por Ser Menina no Brasil - Crescendo entre Direitos e Violências”, realizada pela organização não-governamental PLAN International Brasil (2013), revela que a obrigação doméstica já é dividida de forma desigual entre meninas e meninos desde a infância (ver Figura 14). A sociedade define o ideal de lar como sendo um lugar acolhedor para as pessoas, mas não leva em conta que para a “dona de casa” o lar tem sido sempre um local de trabalho. Como Gilman (apud ALLEN, 1988, p. 35) apontou no final do século XIX, “Lar, doce lar, nunca significou trabalho doméstico, querido trabalho doméstico”. Hartmann (1981) estimou em seus estudos que uma boa vida doméstica para uma família formada por 4 pessoas demanda cerca de 60 horas de trabalho doméstico por semana. Portanto, a mais lógico pergunta a se fazer é: Como é que a casa convencional serve a mulher que trabalha (fora dela) e necessidades da família? De acordo com Hayden a resposta é: De maneira ruim. Independente de tomarmos como referência uma casa tradicional suburba-
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
44
Figura 14: Distribuição de tarefas entre meninas e meninos.
Fonte: PLAN Internatinal Brasil, 2013. na, uma casa de fazenda, uma obra prima moderna de concreto e vidro, ou um cortiço de tijolo velho, a casa ou apartamento é quase invariavelmente organizada em torno do mesmo arranjo dos seguintes espaços: cozinha, sala de jantar, sala de estar, quartos, quintal ou jardim. Estes espaços exigem que alguém demande seu tempo para cuidar da limpeza, do abastecimento, alimentação e dos cuidados infantis. (1980, p. 170)
No Brasil, o número de mulheres empregadas nunca esteve tão alto, quanto atualmente. Como demonstrado pelo IBGE, em 2016, 45,5% das mulheres são parte da força de trabalho do país. Apesar das mulheres terem entrado no mercado de trabalho remunerado em números
exponenciais, continuam gerenciando sozinhas 90% do trabalho doméstico. Esperando que as mulheres empregadas sigam consistentemente fazendo desta forma, ou seja, dedicando mais tempo às tarefas domésticas e aos cuidados infantis do que os seus parceiros empregados. Inevitavelmente, o desequilíbrio do trabalho doméstico, imposto pela construção social tradicional e a inflexibilidade do local de trabalho, interfere com os progressos na carreira das mulheres, consequentemente influenciando a decisão de muitas mulheres optarem por uma jornada de trabalho de meio-período. Apesar das mulheres não estarem mais em casa, mas não obstante, continuam pressionadas pela obrigação de con-
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
45
Figura 15: Homes Games
Fonte: JABLONKA, 2002, modificado pela autora.
ciliar uma carreira bem-sucedida e uma família saudável. Hayden (1980) afirma que o problema é contraditório: as mulheres não conseguem melhorar seu status em casa, a menos que sua posição econômica geral na sociedade seja alterada; as mulheres não conseguem melhorar seu estado na força de trabalho remunerada, a menos que suas responsabilidades domésticas sejam alteradas. O trabalho doméstico é e deve ser considerado um trabalho formal, uma vez que as mulheres ainda não se tornaram super-heróis ou heroínas (ver Figura 15). É necessário, portanto, encontrar uma solução para ultrapassar a divisão
tradicional entre a economia de mercado e o agregado familiar, o local de trabalho e a habitação privada. O trabalho doméstico, que tem sido negligenciado e não remunerado, não é apenas uma questão privada da família nuclear, mas também é economicamente e socialmente necessário à sociedade. Para superar estas questões, deve-se primeiro, e acima de tudo, entender como a ideia de que o lugar da mulher seria prioritariamente o lar tem se feito presente, tanto no passado quanto no presente em nossas sociedades, e como a habitação e seu funcionamento não deve ser entendido como a privatização da família nuclear.
46
5.1.3 A exclusão do espaço doméstico A configuração espacial da presente moradia é resultado de uma síntese tipológica das unidades habitacionais que objetivava, cada vez mais, a racionalização dos espaços domésticos. Neste sentido o habitar urbano brasileiro é praticamente uniforme: O setor social, com sua porta de acesso, é claramente separado do eixo de serviços que tem sua entrada independentemente do restante da habitação e apenas uma ligação entre eles (LARA, 2009). Este arranjo segmentado de acordo com sua função teve origem no movimento modernista, que defendia a ideia de que a casa deveria ser entendida como uma “máquina de morar”. Le Corbusier acreditava que cada elemento presente na máquina deveria desempenhar um papel mecânico específico, de modo que a casa, como maquinário, passaria a ser indispensável na resolução do problema de moradia, e quiçá da Arquitetura (VILAÇA, 2015). No contexto brasileiro, este modus operandi veio arreigado do recente passado escravista. A localização da área de serviço com sua porta especifica junto à cozinha e o próprio
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
quarto de empregada, são resquícios claros da relação entre a casa grande e a senzala (ver Figura 16). Como dito no capitulo 01, estes espaços estão dotados de imposições sexistas, uma vez que estão estreitamente ligados à figura feminina (e negra), ao ser a materialização espacial das atividades de manutenção da vida e cuidado da família. Figura 16: Ilustração da exclusão da habitação contemporânea brasileira.
Fo n t e : h t t p : / / w w w. r e v i s t a f o r u m . c o m . br/2013/05/02/a-exclusao-no-espaco-domestico/
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
De acordo com os dados de 2013 divulgados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de 93% das crianças e dos adolescentes envolvidos em trabalho doméstico no Brasil são negras. Apesar disso, após a institucionalização da Lei Complementar nº 150/2015 que regulamentou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 66/2012, as trabalhadoras domésticas passaram a ter seus direitos assegurados e o ostracismo do quarto de empregada ficou ainda mais evidente. Está se tornando raro as empregadas que não tinham vida social e estavam disponíveis 24 horas por dia, como podemos ver nas telenovelas que tem como base o modelo de sociedade de elite, em que as empregadas levantam na madrugada para recepcionar os patrões e saber se necessitam de algo sempre que chegam de alguma atividade noturna. (RIBEIRO, 2015). Em paralelo a esta situação, novas formas de se pensar a arquitetura tem se manifestado tanto no cenário local quanto no âmbito mundial. Em 1927, na cidade de São Paulo, por exemplo, o arquiteto Júlio de Abreu projetou uma edificação onde as acomodações das empregadas do-
47
mésticas estavam concentradas na cobertura, garantido a privacidade das funcionárias no local mais valorizado do prédio e trazendo à tona esta discussão (ver figura 17). Também no final do século XIX e no início do século XX, nos EUA e na Europa, com o desenvolvimento da Revolução Industrial, teóricas do movimento feminista, propuseram três modos alternativos nos quais o lar poderia ser industrializado, adequadamente à nova sociedade em evolução: a estratégia de estandardização das casas, que consistia numa proposta de habitação de grandes proporções que funcionassem como fábricas e permitissem às mulheres contribuir para a produção industrial; a estratégia de serviços domésticos coletivos, que propunha a criação de cozinhas e lavanderias centrais que seriam dirigidas pelos membros das famílias da vizinhança; e a estratégia de habitações de serviço que consistia na proposta de grandes blocos de apartamentos com serviços internos de menores proporções, ligados as cozinhas e lavanderias centrais (HAYDEN, 1982). Com estas propostas surgiram programas de construção de modelos esquemáticos que reorganizaram
48
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
espacialmente a vida cotidiana, a partir da possibilidade da igualdade e libertação das mulheres do fardo doméstico.
Figura 17: Edifício de Apartamentos na Av. Angélica, projetado por Julio de Abreu em 1927, São Paulo.
Fonte: http://www.vitruvius.com.br/evistas/read/arquiteturismo/05.056/4109
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
5.2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Este tópico apresenta uma breve síntese dos vários estudos envolvendo o espaço doméstico, a partir da sua construção social e arquitetônica, com dois enfoques principais: o primeiro que se apoia num viés feminista, relacionando os conceitos de domesticidade e a divisão sexual do trabalho; e o segundo, versa sobre aspectos culturais e antropológicos com enfoque nas características morfológicas das habitações. A maneira como foram agrupados não significa necessariamente que estes abordem só o tema em evidência. Este é um esforço para destacar os aspectos mais diretamente pertinentes à realização do presente trabalho. 5.2.1 Dolores Hayden A maneira de se projetar o espaço privado parte do modelo funcional – setorizado em zonas sociais, de serviço e privada – desenvolvido no movimento modernista, perpetua os papéis tradicionais de gênero ao manter os dogmas sobre a habitação e a forma de habitar. Nesse sentido, no livro The Grand Domestic Revolution: History of Feminist Designs for American Homes, Neighborhoods
49
and Cities, de 1982, Dolores Hayden traz uma nova abordagem arquitetônica às habitações através de experimentos que visavam reestruturar os arranjos do cotidiano, sublinhando a urgência de alterações na esfera doméstica e nas formas de se vivenciar este espaço. Hayden vai de encontro a ideia de romantização do lar e dos conceitos de domesticidade, focalizando a discussão nas questões de gênero, principalmente no papel social que é destinado à mulher. De forma bastante objetiva e clara, Hayden relata a história do movimento de duas gerações de feministas norte-americanas do início do século XX que se empenharam em construir bairros com espaços específicos para a realização de serviços coletivos, como cozinhas, refeitórios, lavanderias e creches. Seus esforços, entretanto, não foram motivados pela necessidade de renovar o sentimento de comunidade ou de incentivar a convivência. Em vez disso, estas feministas trabalharam para criar espaços coletivos de serviços domésticos a fim de libertar as mulheres do papel de responsável pelo lar e por sua manutenção. Este livro de Hayden adquire seu significado ao oferecer uma nova
50
perspectiva sobre a história da habitação moderna, adicionando vozes as principais personagens desta história. Embora este trabalho relate um movimento centenário que, não teve êxito em produzir uma mudança generalizada, o conhecimento desta história é, extremamente relevante para a infinidade de problemas domésticos que enfrentamos atualmente. Com questionamentos acerca do sexismo, do racismo e do classismo, a autora mostra como modificações arquitetônicas são extremamente necessárias para a reestruturação da vida doméstica. 5.2.2 Beatriz Colomina No livro Sexuality and Space, de 1992, Beatriz Colomina reuniu, de maneira pioneira, uma coleção de textos que relacionava e explorava a perspectiva de gênero em torno das diversas áreas das ciências sociais, como a antropologia e a filosofia, para subsidiar a crítica feminista à arquitetura produzida até então. No capitulo introdutório, Colomina aborda a apropriação da teoria contemporânea pela arquitetura e ressalta o caráter sexual que as políticas de espaço apresentam, no sentindo de que todos os estudos críticos ao
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
fazer arquitetônico, a partir do viés feminista, numa sociedade pautada pelo patriarcado acaba sendo relegada ao segundo plano em função do discurso da coletividade da produção espacial. O cerne de seu trabalho é a interdisciplinaridade das questões de gênero e da sexualidade sobre os campos arquitetônicos. Colomina, no capítulo “The Split Wall: Domestic Voyerism”, através da análise dos trabalhos (gráficos e escritos) dos famosos arquitetos modernistas Adolf Loos e Le Corbusier, explora as subjetividades das rela¬ções entre os corpos femininos e masculino, o espaço interior, o observador e o autor do projeto. Sua linha de raciocínio se firma então na construção política de que o corpo deve adquirir, como produto dos sistemas de representação. As distinções de gênero vivenciadas até então mostram-nos a subordinação da mulher nos diversos setores e campos de atuações da arquitetura, de modo que fica latente o planejamento dos espaços públicos e privados feito por homens que construíram um ambiente em sua própria imagem para atender prioritariamente as suas necessidades. De modo geral, o trabalho de Colomina
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
é de extrema relevância na discussão sobre arquitetura e gênero por introduzir na temática novas visões heterogêneas que exploram de maneira variada este tema, com diferentes abordagens e perspectivas. 5.2.3 Jane Rendel, Iain Borden, Barbara Penner A partir da ampliação do conceito de gênero, para além da ênfase na mulher, e dos seus desdobramentos, o livro Gender Space Architecture: An interdisciplinar introduction, que reúne vários ensaios sobre arquitetura, gênero e espaço, traz uma séria de questionamentos e inquietações acerca da produção arquitetônica e urbanística. Publicado em 2000, esta compilação, dividida em três partes (1. Gênero, 2. Gênero e espaço e 3. Gênero, espaço e arquitetura), busca reafirmar as distinções e particularidades das estruturas espaciais na história da sociedade ocidental, contestando a construção cultural de masculinidade. Na primeira parte do livro, Gender, traça-se um breve histórico do pensamento feminista, utilizando-se os textos clássicos de Beauvoir (1949) e de Woolf (1929), incluindo aspectos discutidos na contemporaneidade
51
como abordagem o gênero a partir da ideia de classe, raça e sexualidade, enquanto categorias relacionadas. O segundo capítulo, Gender Space, versa sobre o estudo das relações de espaço e género numa abordagem interdisciplinar. Como sublinha Antunes (2012, p. 40): (...) a partir da antropologia feminista, o espaço, enquanto cultura material, não é inerte nem medido geometricamente, de modo que um dos questionamentos centrais deste capitulo é a maneira como homens e mulheres interagem e vivenciam os espaços públicos e privados e como essas vivências e as relações espaciais se manifestam nas construções de gênero.
A terceira parte do livro, Gender, Space and Architecture, aborda a figura feminina, enquanto agente transformada e usuária do espaço, na qual Rendell discute a complexidade de associar as diferentes práticas arquitetô¬nicas e os conceitos do feminismo, atrelados as teorias de gênero, de forma clara, coerente e concisa. A importância deste compêndio de textos reside primeiramente no seu caráter pioneiro em discutir a arqui-
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
52
tetura através de uma perspectiva de gênero plural e não apenas a partir de uma visão feminina. Além disso, estes estudos exploram as relações de poder, autoridade, hierarquia, e as suas representações, com a possibilidade de novas ferramentas e estratégias capazes de influenciar a forma de se projetar o espaço. 5.2.4 Julianne Hanson A ideia central da sintaxe espacial é expor, enquanto teoria, a natureza intrínseca dos espaços moldada de acordo as necessidades humanas para carregar os padrões sociais em sua forma e organização. Nesse sentindo, o livro “Decoding homes and houses”, de 1998, Julianne Hanson direciona as pesquisas sintáticas ao espaço privado, ressaltando os efeitos que a estrutura e a forma física do ambiente construído têm sobre o comportamento humano. Neste estudo Hanson aponta como a integração ou segregação de um assentamento é uma peça chave para desvendar as suas lógicas de ocupação e funcionamento em um nível coletivo, revelando as relações e feitos dos padrões espaciais e nos padrões comportamentais. Uma descrição espacial da
vida doméstica pode apenas fornecer uma confirmação independente da percepção das pessoas sobre o significado de suas casas. Mais frequentemente do que se pensa, todavia, uma visão espacial enriquece nosso conhecimento sobre as relações entre a forma e a cultura, chamando a atenção para características da vida doméstica anteriormente despercebidas, ou pode até mesmo expor profundas contradições entre a crença das pessoas sobre suas casas e as reais experiências em morar nelas (HANSON, 1998, p.269).
A moradia passa então a ser tratada como uma edificação histórica e universal, na qual a partir da associação da forma da casa e da cultura, a relação entre a arquitetura e as diferentes formas de vivência são amplamente debatidas. O essencial numa habitação não é seu arranjo em torno de atividades ou salas, mas sim o seu padrão espacial, governado e conectado por convenções sociais, de modo que para Hanson (1998, p.2) “a casa é o veículo ideal para explorar as dimensões formais e experienciais da arquitetura”. Sua pesquisa então se debruça na análi-
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
se das habitações francesas e inglesas de diferentes períodos históricos e também na produção de famosos arquitetos londrinos modernistas, como Adolf Loos, Richard Meier, Mario Botta e John Hejduk, que viam na elaboração de moradias a possibilidade ilimitada de gerar novos arquétipos habitacionais. O ambiente construído é [...] o artefato socialmente mais significativo que as pessoas criaram e, dentro do ambiente construído, o edifício mais básico, amplamente difundido e necessário é, indiscutivelmente a casa (HANSON, 1998, p.312).
A relevância do livro Decoding homes and houses para o presente trabalho reside na compilação de estudos diversos sobre as complexidades das habitações que ganharam lugar central na evolução da teoria da sintaxe espacial e na possibilidade de se discutir o espaço doméstico a partir das relações entre a sua estrutura morfológica e os padrões comportamentais de uma sociedade. 5.2.5 Luiz Amorim Seguindo os conceitos desenvolvidos por Hanson (1998), Luiz Amorim na tese The sector’s paradigm, traz a
53
discussão para o contexto brasileiro e estuda diversas casas de diferentes períodos em Pernambuco, a partir relação espacial entre os “setores” sociais, íntimos e de serviço das residências. Para esse estudo, o autor analisou uma amostra composta por 204 casas modernas, 14 casas coloniais e 32 casas ecléticas. Amorim ressalta a importância de investigar como os setores das habitações podem demonstrar importantes aspectos dos padrões sociais da época e sua relação na formação da estrutura espacial doméstica. Além disso, para o autor estes setores devem ser intendidos como artefatos culturais que possibilitam expressar também as intenções dos arquitetos que projetaram as residências De acordo com os padrões e normas sociais brasileiras, os espaços íntimos e de serviço estabelecem atividades incompatíveis e devem situar-se em polaridades distintas dentro de uma residência. Amorim então, parte deste pressuposto como um modelo de setorização histórica e exemplifica como premissas de ordem social interferem na concepção morfologia do espaço doméstico. Essa estratégia espacial é aplicada independentemente do período his-
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
54
tórico de concepção do objeto arquitetônico, de modo que segundo Amorim, nos projetos modernos, a organização destes setores adquire o seu caráter na definição dos arquétipos habitacionais. (...) as residências modernas, geradas sob o paradigma dos setores, expressam mudanças significativas nos modos de morar e de conceber o espaço doméstico. Na casa moderna, em um novo ambiente doméstico, mais fluído e sem portas, é a organização espacial que define as barreiras entre visitantes e moradores. As portas, que eram utilizadas para restringir o movimento e a visão nas casas pré-modernas, são substituídas por arranjos espaciais que dificultam acessos, ao mesmo tempo que ampliam os campos visuais. Isto pode ser percebido pela definição mais clara dos setores funcionais domésticos e pela drástica redução da permeabilidade do sistema espacial, o que significa um maior controle de movimentos na habitação (AMORIM, 2001, p. 4).
O trabalho de Amorim adquire significado e importância para esta pesquisa a medida em que contextualiza a teoria da sintaxe espacial aplicado as habitações no panorama
pernambucano e analisa a produção arquitetônica em diferentes períodos históricos, inclusive durante o movimento moderno brasileiro.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
55
56 Figura 18: Femme Maison Fonte: BORGEOIS, 1947
A ORGANIZAÇÃO ESPACIAL
6.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
57
58
Com o objetivo de estabelecer as bases conceituais e metodológicas utilizadas na análise configuracional das residências modernistas convencionais estudadas por Hanson (1998) e Amorim (1999) e dos conjuntos habitacionais que contêm espaços coletivos de serviços domésticos, o presente capítulo irá descrever os aspectos teóricos e as ferramentas propostas pela sintaxe espacial utilizadas para representar, quantificar e interpretar os atributos físicos do espaço. Este capítulo, portanto, complementa a revisão teórica desta pesquisa iniciada no capítulo anterior. 6.1 A sintaxe espacial A arquitetura deve ser tratada como constituída e constituinte das relações sociais no espaço, uma vez que enquanto artefatos, os edifícios são uma fonte de informação sobre as sociedades que os criaram (HANSON, 1998). Apesar disso, análises e interpretações das organizações espaciais normalmente estão atreladas as características geométricas e estéticas. É preciso, portanto, compreender as relações morfológicas entre a organização espacial e a sociedade a partir do entendimento de que o espaço arquitetônico não
ORGANIZAÇÃO ESPACIAL
revela apenas padrões sociais, mas também atua sobre eles, “uma vez que as relações sociais acontecem no espaço e este espaço responde ou afeta estas relações” (MEDEIROS apud ALDRIGUE, 2012, p. 78). A sintaxe espacial surge então para suprir a necessidade de técnicas metodológicas que estabelecem critérios objetivos para a análise da influência das relações sociais na formação do espaço arquitetônico, e sua ação de reciprocidade (HILLIER e HANSON, 1984). A mais completa sistematização dos conceitos e das categorias analíticas básicas da teoria, foi feita no livro The Social Logic of Space, de Hillier e Hanson (1984). As experiências desta metodologia aplicadas em unidades habitacionais sugiram inicialmente nos anos 1970 e foram sintetizadas, posteriormente no livro “Decoding homes and houses” de Hanson (1998), ampliando o alcance e compreensão da arquitetura enquanto expressão de organização social. O principal objetivo da sintaxe espacial é investigar a influência da configuração espacial na reprodução de padrões sociais, a partir dos modos de uso, movimento e interação estabelecidos pelas conexões
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
e limites entre os espaços gerados pela estrutura de permeabilidades e barreiras (HANSON, 1998). A sintaxe espacial pode ainda ser definida como: Uma metodologia, ou um conjunto de técnicas para a representação, quantificação e interpretação da configuração espacial em edifícios e assentamentos. (HILLIER, HANSON et al., 1987, p. 363).
Partindo da suposição de que uma determinada configuração espacial tem características intrínsecas que suportam melhor determinados comportamentos e relações humanas, a metodologia da sintaxe analisa a estrutura espacial, de dimensão material, através da qual a sociedade penetra e constitui o espaço arquitetônico (ver Figura 19). Os edifícios passam a ser entendidos como redes de paredes e portas que ordenam um vazio com a finalidade de separar ou conectar atividades e as pessoas que as executam. (ALDRIGUE, 2012, p. 80).
No espaço doméstico, são muitas as variáveis envolvidas para caracterização de um modo de vida. Neste sentido, Hillier e Hanson (1984) afirmam que uma habitação pode ser
59
definida como o conjunto de espaços que geram e modulam um sistema de encontros e desencontros, em virtude de seu arranjo espacial. A casa então se apresenta à nossa experiência como um objeto contínuo e descontinuo, em virtude das relações espaciais que conectam os exteriores a suas fronteiras e desvinculam o interior dos espaços de um sistema global da habitação. A partir da análise da configuração espacial é possível compreender e investigar como as habitações adquirem um aspecto dinâmico ditado pelas expectativas sociais e pela evolução da composição do grupo doméstico (ver Figura 20). Hanson afirma que: (...) para comparar padrões espaciais, temos de saber o que é um padrão, e como dizer uma configuração de outro. As relações espaciais existem onde existe qualquer tipo de ligação entre dois espaços. A configuração existe quando as relações que existem entre dois espaços são alteradas de acordo com a forma como nos relacionamos. (HANSON, 1998, p. 23).
Hanson (1998) sublinha ainda que as casas articulam relações entre
ORGANIZAÇÃO ESPACIAL
60
agrupamentos sociais, não indivíduos. As habitações convencionais são projetadas para acomodar uma família comum, normalmente formada por um homem, sua esposa ou esposas e seus filhos/filhas. As estratégias de conduzir, impedir ou restringir o acesso a determinados grupos de pessoas, utilizadas na concepção do espaço doméstico, servem para reforçar a ideia de papéis sociais de gênero ao induzir a ocupação de modo desigual entre indivíduos biologicamente distintos. Uma das principais contribuições da sintaxe espacial é a viabilidade de relacionar e quantificar configu-
rações espaciais divergentes a partir da mesma técnica, compreendendo as razões morfológicas do objeto arquitetônico, independentemente da forma plástica. Sobre esta metodologia Figueiredo afirma: (...) possibilita descrever o artefato arquitetônico ou urbano em termos de espaços [...]. Isso garante uma maior autonomia descritiva, permitindo comparar e analisar morfologias bastante distintas (FIGUEIREDO, 2004, p.10).
Neste sentido, um dos principais objetivos da sintaxe é buscar a identificação de um possível genótipo. O genótipo pode ser definido como um
Figura 19: Representação do edifício elementar.
Fonte: HILLIER e HANSON, 1984, p.148.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
61
Figura 20: Estrutura da teoria da lógica social do espaço.
Fonte: FIGUEIREDO, 2004, p.33 (editado pela autora).
conjunto de características intrínsecas à configuração espacial (consistências configuracionais) dos objetos analisados, que indica a existência de parentescos ou afinidades na sua constituição. (AMORIM, 1999). tipos hierárquicos, obtêm-se o genótipo. 6.2 Representações do espaço Ao considerar que há uma natureza sócio espacial nas habitações e que a questão fundamental é mostrar como recuperar os valores sociais intrínsecos dos artefatos físicos, ou como definir uma teoria descritiva de espaços, a sintaxe espacial traz uma série de ferramentas e técnicas para a representação de elementos espaciais. (Amorim, 1999). A aplicação das técnicas da sintaxe espacial em um objeto arquitetônico exige
a decomposição analiticamente do espaço em unidades elementares que possibilitam a identificação e quantificação de atributos físicos do sistema através de três unidades dimensionais que se aplicam a objetos espacialmente distintos e permitem três níveis de análise: em unidades de uma dimensão, chamadas de linhas axiais, em unidades de duas dimensões, chamadas de espaços convexos e em unidades de três dimensões, chamadas campos visuais (ver Figura 21). Hanson afirma que: As pessoas movem-se ao longo de linhas axiais, formam grupos em espaço bidimensionais - elementos convexos - e veem em três dimensões, os campos visuais ou isovistas. (HANSON, 1998, p.243).
Deste modo a convexidade relata a casa como espaço de permanência,
ORGANIZAÇÃO ESPACIAL
62
Figura 21: Técnicas de representação da estrutura espacial.
Fonte: HANSON, 1998, p. 40.
Figura 22: Diagrama do procedimento para definição do genótipo.
Fonte: Elaboração propria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
63
enquanto que a organização axial expressa a estrutura da casa em relação ao movimento. Para Hillier e Hanson (1984, p. 98) a convexidade quando as linhas retas podem ser traçadas de um ponto para qualquer outro ponto no espaço sem sair do limite do próprio espaço. Ambos afirmam que:
Figura 23: Equação da articulação convexa.
A convexidade quando as linhas retas podem ser traçadas de um ponto para qualquer outro ponto no espaço sem sair do limite do próprio espaço. (1984, p. 98)
determinado conjunto de relações em alguma rede social virtual, como Facebook ou Twitter por exemplo, na qual um amigo está conectado a uma pessoa que, por sua vez, está ligada a outra que tem no rol de amizades um amigo comum. (ALDRIGUE, 2012, p. 85)
A análise de uma habitação pode ser feita através da através da utilização de mapas convexos, decompondo cada espaço da casa em espaços convexos, onde se pode ter visibilidade de todos os pontos deste mesmo espaço. A quantidade máxima de “articulação convexa” (ac) de um espaço é dada pela divisão do número de espaços convexos (nec) pelo número de assentamentos (na) (ver Figura 23). Os espaços convexos podem ser representados em grafos. Os grafos são estruturas de representação derivadas da Teoria dos Grafos, que explicitam as propriedades de acessibilidade relativa entre os espaços através de uma rede de permeabili-
Fonte: HANSON, 1998.
dades. Estas redes podem ser definidas pelas pessoas de uma família ou (...) aquelas que compõem
Os grafos são procedimentos que permitem análises comparativas diretas entre os arranjos espaciais dos objetos e suas relações internas. Estes grafos são importantes representações das relações de simetria e distributividade entre os espaços, pois explicitam as propriedades de acessibilidade relativa entre os espaços através de uma rede de permeabilidades. Ao alinhar um grafo (justificar) a partir de um nó, é possível tornar as variáveis analíticas facilmente perceptíveis. Como aponta Hanson (1998, apud
64
ORGANIZAÇÃO ESPACIAL
FRANÇA, 2001, p. 50) o estudo dos grafos justificados pode ser feito a partir de suas propriedades configuracionais: a) Profundidade - é uma propriedade examinada de três pontos de vista: i) A profundidade de um determinado espaço em relação a outro determinado espaço do sistema, é dada pela mínima distância que pode ser percorrida entre os dois. Esta distância tipológica é computada em termos do número de passos sintáticos (espaços intervenientes) necessários minimamente para
nos movermos de um ponto para outro; ii) A profundidade média de um determinado espaço em face do sistema inteiro é dada pela média das profundidades deste espaço em relação a todos os outros, computadas segundo procedimento descrito no item i) acima; iii) A profundidade média do sistema é dada pela média das profundidades médias de todos os espaços do sistema, computadas segundo procedimento descrito no item ii) acima. Os valores de profundidade referi-
Figura 24: Profundidades e forma dos grafos.
Fonte: HANSON, 1998, modificado pela autora.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
dos nos itens ii) e iii) constituirão a base para a medida fundamental da Sintaxe Espacial, a integração. b) Forma anelar ou árvore - outro aspecto importante dos gráficos justificados é sua forma. Uma estrutura é anelar quando possui rotas alternativas formadas por espaços que se comunicam entre si. Um anel é formado quando pode-se partir de um determinado espaço por uma direção e voltar-se a ele por outra. Um sistema é em árvore quando não possui anéis. Isso significa que os espaços deste sistema têm o acesso mais controlado, uma vez que há uma única rota possível entre cada espaço e todos os outros do sistema (ver Figura 24). c) Os tipos de espaços pelos quais são formados - os gráficos podem ser estudados também pelos tipos de espaços que os compõem. Os tipos de espaços são classificados em termos de suas relações de permeabilidade. São eles: i) Tipo ‘a’ são espaços com uma uma única ligação e podem ser chamados de ‘terminais’; ii) Tipo ‘b’ são os espaços com, pelo menos, duas ligações e que fazem parte de um sub-complexo ‘em árvore’, ou seja, fazem a
65
ligação ou o caminho para espaços terminais; iii) Tipo ‘c’ são espaços que fazem parte de um ‘anel’ simples; iv) Tipo ‘d’ espaços que pertencem, pelo menos, a dois anéis. O elemento básico de construção de um gráfico justificado é uma isovista, ou seja, o volume de espaço diretamente visível a partir de um local dentro do espaço. As isovistas e os grafos de visibilidade revelam os campos visuais vivenciados de diferentes partes da edificação, e como as pessoas se movem dentro dele. Estes campos podem variar a partir da exposição de uma vista panorâmica da casa para oferecer penetração, visões dirigidas através do interior doméstico, ou podem se ajustar aproximando-se do arranjo configuracional do espaço. Outra forma de análise é obtida utilizando-se mapas axiais, que podem ser definidos como a representação das linhas mais longas que podem ser percorridas na edificação, indicando continuidade física e visual (FIGUEIREDO, 2004). Além desta técnica, a investigação de uma habitação pode ser feita através da utilização de mapas convexos, decompondo cada espaço
ORGANIZAÇÃO ESPACIAL
66
da casa em espaços convexos, onde se pode ter visibilidade de todos os pontos deste mesmo espaço. A convexidade relata a casa como espaço de repouso ou permanência e a organização axial expressa a estrutura da casa em relação ao movimento. No presente trabalho adotou-se uma análise comparativa da estrutura dos espaços domésticos em conjuntos habitacionais, utilizando os mapas convexos, axiais, os gráfos justificados e de visibilidade, além de isovistas para analisar a rede de permeabilidade de cada habitação e a forma de ocupação e utilização dos espaços(ver Figura 25).
6.3 Propriedades sintáticas A decomposição das plantas baixas das habitações em unidades de espaços convexos gera uma série de medidas sintáticas denominadas variáveis analíticas (integração, simetria, distributividade, profundidade, conectividade e fator de diferenciação). Nesta decomposição, o número mínimo de espaços necessários cruzar (espaços intermediários), para ir de um espaço (ponto de partida) a outro (chegada), denominada de distância topológica, é considerada para gerar as medidas sintáticas. A topologia pode ser definida como um ramo da matemática que analisa
Figura 25: Exemplos de mapas axiais, convexos e grafos de visibilidade.
Fonte: Elaboração própria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
67
as propriedades os aspectos qualitativos intrínsecos das configurações espaciais invariáveis e não as propriedades dimensionais ou métricas abordadas pela geometria. Os conceitos apresentados a seguir são definidos principalmente por Hillier e Hanson (1984)3.
pressa matematicamente a distância sintática de um determinado espaço para todos os demais constituintes do sistema (HILLIER; HANSON, 1984, p. 114-115). De modo geral, pode-se afirmar que quanto maior o valor mais integrado ao todo, é o espaço em questão. Hiller e Hanson afirmam que
6.3.1 Profundidade (depth): A medida de profundidade, detalhada especificamente no item 5.3.2, indica a distância intermediária entre um espaço qualquer e um espaço definido como origem, de modo que quanto maior for essa distância, mais profundo o espaço será. A profundidade média de um espaço é igual à distância média entre um determinado espaço e todos os outros espaços do sistema. 6.3.2 Integração (valor de integração ou Real Relative Asymmetry/RRA): É considerada a principal medida da Sintaxe Espacial. Obtida a partir da profundidade dos espaços, tem por proposito quantificar a acessibilidade topológica de cada espaço em relação a todos os demais que configuram o sistema espacial. “Ex-
A integração média do sistema dá a medida em que o edifício, como um todo, é mais ou menos acessível entre todas as suas partes. (HILLIER; HANSON, 984, p. 117)
3 Para descrições mais detalhadas sobre procedimentos e cálculos ver a fonte.
Consiste na média das medidas de integração dos espaços convexos de cada sistema. O cálculo do valor de integração resulta em um atributo numérico para cada espaço. Assim, a escala de integração, que pode variar teoricamente de 0 a ∞, atribui valores mais baixos e próximos ao zero que indicam maiores níveis de acessibilidade, enquanto que valores mais altos são considerados menos acessíveis (espaços mais segregados). Essas medidas podem ser expressas através de uma sequência, denominada ordem de integração ou escala de acessibilidade, que varia dos valores mínimos (espaços mais integrados) aos máximos (espa-
68
ços mais segregados). 6.3.3 Distributividade: Através da estrutura de permeabilidade dos espaços, a medida de distributividade indica a possibilidades de escolha de diferentes percursos de um sistema. Assim, sistemas mais distributivos criam novas oportunidades de interação entre pessoas, enquanto que sistemas pouco distributivos geram barreiras de controle que não estimulam ou impedem o encontro de seus usuários. A representação gráfica desta variável analítica é a utilização de anéis de conexão entre três ou mais espaços num grafo. Assim, quanto mais distributivo, mais anelar é o sistema. Esta medida é encontrada através da razão entre a soma dos espaços ‘c’ e ‘d’ e a soma dos espaços ‘a’ e ‘b’ e é dada pela expressão: (c + d)/(a + b) onde, a, b, c e d, correspondem ao número total dos tipos de espaços daquele sistema. 6.3.4 Simetria: A medida da simetria indica o “grau em que o edifício classifica, mais ou menos fortemente, as pessoas e/ ou práticas que organiza” (HOLANDA, 1999, p. 9) e está diretamente relacionada quanto à hierarquiza-
ORGANIZAÇÃO ESPACIAL
ção dos espaços de um sistema, de modo que, quanto maior a medida de simetria menos hierarquizado é o sistema. A equivalência nas relações entre três ou mais espaços denota a existência de associação simétrica, enquanto que sua oposição indica uma relação de assimetria. As configurações espaciais muito hierarquizadas reforçam padrões sociais de comportamento nas habitações, indicando quais locais podem ou não ser acessados por determinados grupos de pessoas. A medida da simetria é a razão entre a soma dos espaços tipo ‘a’ e ‘d’ e a soma dos espaços tipo ‘b’ e ‘c’, dada pela expressão: (a + d)/(b + c) onde, a, b, c e d, correspondem ao número total dos tipos de espaços daquele sistema. 6.3.5 Conectividade: A medida da conectividade revela a quantidade de conexões entre os espaços de um sistema. Quanto maior for estes números (representadas nos grafos pelas linhas) mais conectado é o espaço dentro do sistema. A figura 26 ilustra os procedimentos de analise das propriedades sintaticas.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
69
Figura 26: Diagrama de análise das propriedades sintaticas utilizada no trabalho.
Fonte: Elaboração própria.
70
O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMLIARES
7.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
71 Figura 27: Cell IX Fonte: BORGEOIS, 1996.
O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMILIARES
72
Legenda: avanços feministas marcos históricos projetos analisados
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
73
Figura 28: Linha do tempo destancado os principais acontececimento no campo arquitetônico, socioeconômico, polítco e os avanços do feminismo, durante os séculos XIX e XX, no período dos anos 1887-1950.
Fonte: Elaboração própria.
O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMILIARES
74
Legenda: avanços feministas marcos históricos projetos analisados
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
75
Figura 29: Linha do tempo destancado os principais acontececimento no campo arquitetônico, socioeconômico, polítco e os avanços do feminismo, durante os século XX, no período dos anos 1953-1984.
Fonte: Elaboração própria.
76
O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMILIARES
A sociedade contemporânea é marcada pelo machismo e pelo patriarcado, na qual a vivência dos espaços públicos e privados é definida com base nas distinções de gênero, classe e raça. Apesar dos avanços em torno dos direitos das mulheres, a organização espacial das habitações continua reafirmando seu papel social de responsável pela família e pelo lar, uma vez que o arranjo do espaço doméstico (...) se estrutura em torno de
pares binários, mantendo a mesma intensidade na reFigura 30: Anúncio da marca Hardee’s afirmando que o lugar da mulher é a cozinha.
Fonte: http://neatdesigns.net/35-extremely-sexist-ads-that-you-should-see/
lação entre cada atributo binário: público x privado, masculino x feminino, frente x fundo, empregado x morador, lazer x trabalho (AMORIM,2010, p. 33)
Para compreender o sexismo presente nas habitações, é preciso considerar o valor que o trabalho doméstico adquiriu em relação à vida cotidiana e como este valor foi reforçado ao longo do modernismo. Os afazeres domésticos, principalmente aqueles desenvolvidos nas cozinhas e lavanderias, tem desempenhado um papel central na criação da imagem de feminilidade, que é claramente visível em anúncios publicitários da época. Estas propagandas reforçam os papéis tradicionais de gênero, especialmente aqueles difundidos no pós-guerra, realçando o quadro da cozinha e da lavanderia como uma esfera exclusivamente feminina (ver Figura 30). O presente capítulo busca-se compreender a lógica projetual definida no movimento moderno e suas consequências no estabelecimento de relações sociais desiguais pautadas pelo sexismo, a partir da ideia de afinidade na constituição das edificações que a sintaxe espacial possi-
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
bilita. A viabilidade de relacionar e quantificar configurações espaciais diferentes, demonstra a existência de características intrínsecas semelhantes à configuração morfológica dos espaços domésticos. Para isto, utilizou-se os casos estudados por Amorim (1999) e Hanson (1998) que analisaram as habitações de famosos arquitetos modernistas, de âmbito nacional e mundial, no que tange as permeabilidades e segregações espaciais em virtude dos padrões sociais. Acredita-se que casas projetadas por arquitetos e arquitetas são diferentes das casas convencionais por apresentarem características especificas e singulares ao não serem modelos de reprodução em grande escala. Esta análise, parte do estudo minucioso dos espaços e suas relações dentro do sistema geral feitas por Amorim (1999) e Hanson (1998), com o foco no setor de serviço, e foi desenvolvida em quatro passos. Primeiro descreveu-se brevemente cada casa, para então apresentar os dados sintáticos, seguindo as propriedades descritas no capitulo 6. Depois disso, comparou-se as habitações a partir dos resultados encontrados para finalmente definir um
77
genótipo comum entre estes arquétipos. A intenção é traçar os aspectos sexistas inerentes à estrutura espacial das residências que influenciam na perpetuação dos papéis tradicionais de gênero. 7.1 Hanson e a lógica social do espaço doméstico Hanson (1998) no estudo intitulado “Descontructing achitect’s houses” investiga a relação entre a composição e a configuração espacial das casas de quatro influentes arquitetos modernos (Mario Botta, Richard Meier, John Hejduk e Adolf Loos) cujo trabalho apresenta uma preocupação com a decomposição formal do cubo. O objetivo desta análise era extrair diretamente da configuração das casas as “pré-estruturas de projeto”, ou aquelas características que agregavam à construção o caráter de habitação. Todos os exemplos estudados de casas unifamiliares, apresentavam semelhanças e algum grau de comparabilidade, o que permitiu a análise direta sobre a relação entre os conceitos básicos da composição projetual e a configuração do espaço arquitetônico dentro do interior domés-
78
O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMILIARES
tico (HANSON, 1998, p. 242).
i) Residência em Pregassona, Mario Botta A residência de Mario Botta construída em 1979 em Pregassona, subúrbio de Lugano, se materializa em “uma caixa simples de tijolo e vidro que sintetiza claramente o trabalho de Botta”. (HANSON, 1998, p. 244). Sua arquitetura pode ser definida pela busca constante em estabelecer uma relação horizontal entre o modelo formal e o contexto em que o objeto se insere (ver Figura 31). A casa em três níveis marcados pela simetria, é um ensaio da exploração da forma cúbica. A elevação principal é dividida ao meio por um
plano vertical de vidro, enquanto que a elevação traseira, em torno de caixa da escada, é cercada por planos de vidros nos níveis superiores. No piso térreo, a casa é inteiramente dedicada a um pórtico que abriga o terraço, a entrada e a lavanderia. O piso principal é dedicado aos principais ambientes sociais de uma residência, como a sala de estar que se encontra à esquerda da cozinha e a sala de jantar à direita. O segundo andar abriga a zona íntima, com os quartos e suas varandas privadas e o banheiro (ver Figura 32). (HANSON, 1998). Segundo Hanson (1998, p. 244), “o planejamento da casa é clássico”. Os diferentes níveis da residência expressam as diferen-
Figura 31: Residência Mario Botta.
Fonte: JASON, 2006.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
79
Figura 32: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Mario Botta.
Fonte: HANSON, 1998.
tes atividades dos moradores: as camadas verticais indicam as atividades de chegada, diurnas e noturnas, respectivamente, enquanto que as partes frontal e posterior da casa diferenciam as funções principais e secundárias de cada pavimento.
e apresenta também uma forma cúbica que abriga três andares em um volume e outro terraço implícito de entrada delimitado em sua extremidade por uma tela aberta (ver Figuras 33 e 34). Hanson (1998, p. 248) descreve a casa através desta malha principal que
ii) Residência Giovannitti, Richard Meier A residência Giovannitti, construída em 1967, localiza-se na Pensilvânia
revela parcialmente as áreas de estar do interior da casa, ao mesmo tempo que consegue esconder a área íntima, que abriga os quartos, no andar superior. A
O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMILIARES
80
elevação da garagem é quase inteiramente sólida, exceto pelo plano de vidro na lateral, próximo a varanda, no nível principal. O conjunto é uma composição sofisticada e equilibrada de sólidos e vazios. O piso térreo contém funções de serviço, garagem, cozinha, sala de jantar e quarto de hóspedes. A sala de estar e entrada principal estão no andar intermediário, enquanto que a biblioteca e o quarto principal se encontram no nível superior.
iii) Residência Diamente A, John Hejduk A casa Diamante A, como ficou co-
nhecida esta residência, é um modelo hipotético que faz parte de uma série de ensaios projetados por Hejduk, em 1962, a partir da exploração da forma cúbica. O volume apresenta elementos verticais nas fachadas que filtram a entrada da luz no interior da casa (ver Figura 30). O visitante acessa a residência diretamente pela área de estar que é subdividida apenas pela utilização de um mobiliário fixo. A estrutura da escada conduz em linha reta até o corredor de circulação do primeiro andar, onde se localizam três quartos de tamanho
Figura 33: Residência Richard Meier.
Fonte: STOLLER/ESTO, 2009.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
81
Figura 34: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Giovannitti.
Fonte: HANSON, 1998, manipulado pela autora.
distintos. O segundo andar é mais aberto e contém os principais cômodos sociais e de serviço da habitação (ver Figuras 35-36). A cozinha se localiza à esquerda e possui uma forma fechada em relação aos demais ambientes deste andar. A residência não conta com espaço para a lavanderia. A organização espacial das atividades domésticas é feita através dos
andares, em camadas horizontais. Há pouco esforço em integra-los com todo volume e a única singularidade projetual reside na inversão da ordem convencional dos espaços sociais e íntimo. (HANSON, 1998, p. 254-255).
iv) Residência Muller, Aldof Loos A casa de Muller foi construída no ano de 1929, em um subúrbio de
82
O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMILIARES
Figura 35: Residência Diamante A, John Hejduk.
Fonte: ARCHIDRAWINGS, 2014.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
83
Figura 36: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Diamond A.
Fonte: HANSON, 1998, manipulado pela autora.
84
O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMILIARES
Praga, num local de declive acentuado por rodovias, o que tornou dificultou o alcance da privacidade, mesmo para Loos, cujas casas são normalmente definidas pelo seu caráter introspectivo. A fachada frontal é marcada por um recuo na entrada central, de modo que a casa quase não interage com a rua. As janelas do primeiro andar, que vão de piso à teto, iluminam a sala de estar e dão para um terraço, enquanto o vão central projetando acima marca
a posição do quarto principal. Um amplo jardim com vista panorâmica sobre a cidade é apoiado em uma sala de café da manhã. A elevação do Leste esconde um jardim privado, marcado pelo vão da sala de jantar e pela varanda do quarto acima. O piso térreo da casa é dedicado a garagem e aos espaços serviços (ver Figuras 37 e 38). A sala é introduzida de modo cênico, através de um arco e a circulação em espiral até a sala
Figura 37: Residência Muller, Adolf Loos.
Fonte: STOLLER/ESTO, 2009.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
85
de jantar, visualmente ligada à
de uma passagem para o “quar-
sala de estar, controla o acesso
to das mulheres”. A partir deste
aos espaços restantes da casa. A
ponto uma ligação direta de alto
partir deste ponto, o movimento
nível visual também é mantida
é dirigido em direção à cozinha e
com a sala de estar, enquanto o
biblioteca, em volta da caixa da
“quarto das mulheres” é um es-
escada, ou lateralmente através
paço complexo de vários níveis
Figura 38: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Muller.
Fonte: HANSON, 1998, manipulado pela autora.
82 86
O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMILIARES
Figura 39: Grafos justificados dos projetos analisados por Hanson (1998).
Residência Botta.
Residência Meier.
Residência Hejduk.
Residência Loos.
Fonte: HANSON, 1998, modificado pela autora.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
que também tem vista para a sala de estar (HANSON, 1998, p. 260-261).
7.2 Amorim e o paradigma dos setores das habitações Seguindo os preceitos definidos por Hanson (1998), Amorim (1999) em sua tese intitulada “The sectors paradigm”, analisa a relação espacial entre as zonas (íntima, social e de serviço) ou setores das habitações pernambucanas e a configuração estrutural dos espaços domésticos, com o foco nos exemplares modernistas. Para o autor, através destes setores é possível se apreender as possíveis intenções projetuais, dos arquitetos ou dos próprios moradores, em isolar as diferentes categorias de usuários (AMORIM, 2001).Entende-se por setor: O conjunto de espaços agrupados de acordo com certos procedimentos classificatórios, que levam em conta requisitos funcionais e sociais. Os setores se comportam como meta-estruturas na organização espacial, estabelecendo os contornos primários da configuração espacial e delimitando as possibilidades de sua transformação (AMORIM, 2001, p. 01).
No presente trabalho, para definir
87
o possível genótipo do sexismo nas habitações, analisaremos as casas dos seguintes arquitetos, estudados pelo autor: Augusto Reynaldo, Acácio Gil Borsoi, Marcos Domingues e Glauco Campelo. i) Residência de Augusto Reynaldo Augusto Reynaldo, arquiteto e pintor, projetou sua casa em um bairro de classe média na zona oeste do Recife, nas proximidades da avenida Caxangá, em 1954. De forma trapezoidal e situado numa esquina (ver Figuras 40 e 41), o edifício de 165m² é composto por um volume branco maciço que repousa sobre uma massa de chão rebaixada. Seu programa é distribuído em um único piso e um mezanino, em um plano direto: a área social fica em frente à avenida, os quartos alinhados enfrentam a rua secundária, e as áreas de serviço são isoladas na parte de trás da parcela. (AMORIM, 1999, p. 84).
ii) Residência de Acácio Gil Borsoi Acácio Gil Borsoi foi um arquiteto de grande importância para a história da arquitetura moderna do Recife, pois sua obra é marcada por uma constante busca de materiais e
88
O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMILIARES
Figura 40: Residência Augusto Reynaldo.
Fonte: COSTA, 2006.
Figura 41: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Reynaldo.
Fonte: AMORIM, 1999, manipulado pela autora.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
métodos construtivos que refletissem a cultura local e apresentassem uma execução compatível com o conhecimento da mão-de-obra da época. Amorim (1999) debruça suas análises na primeira casa do arquiteto, construída em 1955, localizada em no bairro de Boa Viagem, área nobre na cidade do Recife (ver Figuras 42e 43) e afirma: Neste edifício, as entradas sociais e de serviço são separadas, ambas afastadas do pavimento. Os espaços interiores e exteriores fluem através de largas portas de vidro deslizantes, abertas para o lado do jardim, através de um vazio central que liga os três níveis da casa. O piso térreo abriga as principais atividades diárias. (AMORIM, 1999, p. 90).
iii) Residência Marcos Domingues A residência Domingues foi construída no bairro de Casa Forte, em 1963. O arquiteto teve a vantagem de um declive íngreme para criar um pátio interno e um playground no nível inferior e dispor todos os outros compartimentos ao redor do pátio, no nível da rua (ver Figuras 44 e 45). A habitação se apropria de elementos vernaculares e modernos. A tradição está presente nas formas e rótulos de alguns espa-
89
ços (a copa, o terraço profundo ou alpendre, como se encontra em casas rurais tradicionais), no uso extensivo de varandas e materiais tradicionais (telhas cerâmicas e madeira), e na utilização de Quartos de hóspedes (AMORIM, 1999, p. 100).
iv) Residência Glauco Campelo Arquiteto de edifícios públicos e governamentais, suas residências mais importantes foram projetadas no Recife. Sua casa, concebida em 1967, foi construída num terreno característico do parcelamento do solo do início do século, com 12.00m de testada, e uma profundidade de 52.00m. Esta casa térrea é composta por três blocos de modo a gerar gradientes de privacidade; A edícula de serviço na parte frontal; O volume social, disposto em paralelo à rua; E um bloco privado profundo (ver Figuras 46 e 47). As áreas privadas e sociais formam um pátio interno isolado dos olhos do público. A casa pode ser descrita como fluida e aberta. As divisórias e os móveis internos baixos permitem que os espaços fluam ininterruptamente, por exemplo no quarto das crianças e na cozinha aberta. (AMORIM, 1999, p. 105).
90
Figura 42: Fachada frontal da residência Borsoi.
Fonte: COSTA, 2006.
Figura 43: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Borsoi.
Fonte: AMORIM, 1999, manipulado pela autora.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
91
Figura 44: Perspectivas da residência Domingues.
Fonte: AMORIM, 1999.
Figura 45: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Domingues.
Fonte: AMORIM, 1999, manipulado pela autora.
92
O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMILIARES
Figura 46: Entrada da residência Campelo.
Fonte: COSTA, 2000.
Figura 47: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Campelo.
Fonte: AMORIM, 1999, manipulado pela autora.
89 93
SEXISMOEM EMESPAÇOS ESPAÇOSDOMÉSTICOS DOMÉSTICOS MORFOLOGIA E SEXISMO
Figura 48: Grafos justificados dos projetos analisados por Hanson (1998).
Residência Reynaldo.
Residência Domingues.
Residência Borsoi.
Residência Campelo.
Fonte: AMORIM, 1999, modificado pela autora.
94
O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMILIARES
7.3 Analise das propriedades sintáticas Com base nos estudos das residências modernistas feitas por Hanson (1998) e Amorim (1999), as análises das propriedades sintáticas de profundidade, integração, simetria, distributividade e conectividade serão feitas com o foco nos espaços que compõem o setor de serviço. O objetivo desta análise é a definição da existência ou não de singularidades espaciais que revelem as diferentes maneiras de se projetar os setores sociais, íntimo e de serviço em uma habitação moderna. Para efeito deste estudo, acrescentou-se à relação de cômodos principais definida por Hanson, sala de estar (Se), cozinha (Cz), quarto principal (Qp) e exterior (E), os ambientes da lavanderia (Lv), da sala de jantar (Sj) e da dependência de empregados (De), em propriedades que tratem especificamente dos espaços, e não do sistema como um todo. Acredita-se que estes espaços além de constituírem os elementos mais importantes de cada setor e revelar as relações entre as esferas privadas (espaço doméstico) e as públicas (a rua), funcionam como ambientes de ligação (ou mediadores) entre os
setores da casa, no caso da sala de jantar. i) Profundidade: A medida sintática da profundidade revela a distância, em número de passos topológicos, de um espaço dentro do sistema em relação ao exterior (a rua). Quanto mais profundo um sistema, mais espaços serão necessários a ser percorridos para se chegar no ambiente desejado. O objetivo desta análise é observar quão distante os espaços da cozinha, da lavanderia e da dependência de empregados, nos casos brasileiros, estão em relação à rua e aos espaços sociais da habitação. A profundidade das residências, visualizada através dos grafos justificados, varia de 9 a 17 níveis. A Tabela 01 apresenta as casas agrupadas em função dos autores e revela os seus respectivos níveis de profundidade, a quantidade total de espaços convexos e o nível de profundidade dos principais cômodos destas habitações. Nesta tabela é possível verificar que os maiores sistemas – com 63 e 101 espaços convexos – apresentam os maiores níveis de profundidade, 17 níveis no total. Em todos os arquétipos analisados constatou-
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
95
Tabela 01: Níveis de profundidade dos sistemas estudados por Amorim e Hanson Autores
Hanson
Amorim
Caso
Níveis de Nº de espaços profundidade total convexos
Nível de profundidade dos principais ambientes Se
Sj
Cz
Lv
De
Qp
E
Botta
26
9
5
5
6
3
-
7
-
Meier
35
9
2
2
4
3
-
6
-
Hejduk
63
17
8
7
9
-
-
9
-
Loos
101
17
7
10
8
-
-
12
-
Reynaldo
34
9
4
5
7
1
5
4
-
Borsoi
43
12
4
5
6
4
6
11
-
Domingues
42
9
6
5
5
3
5
6
-
Campelo
34
10
6
6
5
2
3
9
-
Legenda: Es: Espaço Estar|Qp: Quarto Principal | Cz: Cozinha | E: Exterior
Fonte: Elaboração própria.
-se que os ambientes de serviço são necessariamente mais profundos e por consequência, menos acessíveis que o ambientes sociais. Entretanto, é preciso salientar que embora seja um mesmo universo, existem singularidades que distinguem os três espaços que compõem este setor. Nas residências analisadas por Hanson (1998) observou-se que as lavanderias são mais acessíveis que as cozinhas, nos casos em existem espaços específicos para este uso. Nos exemplos estudados por Amorim (1999) o mesmo padrão se repete: a lavanderia é o ambiente mais acessível da zona de serviço e a dependência de empregados, em 50% dos casos, se encontra no mesmo nível de profundidade que a cozinha. Fica
evidente então, que a configuração morfológica destas residências revela uma estrutura espacial de controle no acesso aos espaços do setor de serviço e sua posição na convivência familiar: mais próxima da rua e do domínio público, do que da família. ii) Integração e Ordem de integração: Os valores médios de integração total dos sistemas, apresentados na Tabela 02, apresenta uma considerável variação, sendo a menor 1,255 e a maior 1,968. Esta variação demonstra o caráter de segregação das residências, uma vez que todos os valores são maiores que o referencial (0). Ao se relacionar o número total de espaços convexos e a
O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMILIARES
96
média de integração, observa-se que os modelos mais segregados são necessariamente os maiores sistemas. Nos modelos analisados por Hanson (1998), a residência Muller, de Adolf Loos, com o valor médio de integração igual a 1,968, é o arquétipo mais segregado e com a maior quantidade de espaços convexos (101). Esse dado é extremamente relevante para a análise, pois verifica-se que sistemas maiores tendem à dispersão e, portanto, a uma maior segregação. Nos casos estudados por Amorim (1999) essa característica se repete: o exemplo mais segregado é a residência Borsoi que apresenta a maior quantidade de espaços convexos (43), com o valor médio de integra-
ção de 1,460. Em relação à ordem hierárquica de integração dos ambientes, (ver Tabela 03) observou-se que nas residências analisadas por Amorim (1999), em 50% dos casos, o quarto de empregados é o ambiente mais segregado do sistema e as salas de estar e de jantar se alternam como o cômodo mais integrado. Em apenas 25% de toda a amostra, a cozinha é o ambiente mais integrado do sistema (residência Loos e Campelo). Esses dados reforçam a separação dos empregados e das mulheres em relação aos demais espaços e usuários da residência. iii) Tipos de grafos e ambientes: Na análise dos grafos justificados
Tabela 02: Integração média geral (RRA) e dos principais espaços dos sistemas.
Autores
Caso
HANSON
Botta Meier Hejduk
AMORIM
Valor de integração média (RRA)
Valor de integração dos principais ambientes (RRA) Se
Sj
Cz
Lv
De
Qp
E
1,393
1,088
1,156
1,565
1,570
-
1,394
1,820
1,388
1,259
1,044
1,669
1,443
-
2,024
0,818
1,832
1,383
1,434
1,663
-
-
2,927
2,679
Loos
1,968
1,748
2,020
2,030
-
-
1,856
1,912
Reynaldo
1,255
0,990
0,889
1,305
0,934
1,384
1,193
1,440
Borsoi Domingues Campelo
1,460 1,261 1,279
0,873 1,306 0,900
1,095 0,904 0,754
1,564 1,175 0,844
1,604 1,199 1,316
1,746 1,701 1,676
2,363 1,150 1,485
1,564 1,282 1,845
Legenda: Es: Espaço Estar|Qp: Quarto Principal | Cz: Cozinha | E: Exterior
Fonte: Elaboração própria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
observou-se a presença em geral de dois tipos de formatos: O primeiro que se caracteriza em sistemas compostos por uma estrutura “em árvore” no setor íntimo e no setor de serviço em contraste com a estrutura anelar que integra os espaços do setor social ao exterior (ver Tabela 04). O segundo, definido por sistemas unicamente em formato de árvore, com um ou dois anéis ou espaços mediadores que integram os setores íntimo e de serviço ao social. Seis residências (75%) fazem parte do segundo grupo e duas (25%) do primeiro (ver Tabela 04). Apesar da existência de algumas distinções na forma, os dois
tipos apresentam um padrão nos espaços de serviço: o isolamento topológico da cozinha e da dependência de empregados. Quanto ao tipo de espaço, verificou-se que em 50% da amostra o ambiente da cozinha e das lavanderias são espaços tipo a (terminais), portanto, segregados do restante da habitação. Em paralelo, em 75% das residências as salas de estar e de jantar são espaços tipo c ou d que promovem a integração dos ambientes. iv) Distributividade: O estudo das medidas de distributividade revela que de modo geral, os sistemas analisados apresentam o
Tabela 03: Ordem hierárquica de integração entres os espaços dos sistemas.
Autores
Caso
Ordem de integração entre os espaços
HANSON
Botta Meier Hejduk
Se>Qp>Sj>Cz>Lv>E E>Se>Sj>Lv>Cz>Qp Se>Sj>Cz>Qp>E
Loos
Cz>Sj>Se>Qp>E
Reynaldo
Sj>Lv>Se>Qp>Cz>De>E
Borsoi Domingues Campelo
Se>Sj>Cz=E>Lv>De>Qp Sj>Se>Qp>Cz>Lv>E>De Sj>Cz>Se>Lv>Qp>E>De
AMORIM
97
Legenda: Es: Espaço Estar|Qp: Quarto Principal | Cz: Cozinha | E: Exterior
Fonte: Elaboração própria.
O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMILIARES
98
setor social distributivo em comparação ao setor de serviço, não distributivo. Isto significa que os setores de serviço apresentam barreiras entre as pessoas que ocupam, trabalham e visitam as habitações (ver Tabela 05). Apesar disso, a residências Domingues e Campelo são casos que revelam cozinhas e lavanderias tipo c, e por consequência, distributivas, constatando que sua configuração espacial estimula a interação entre os setores de serviço e social da casa. Em paralelo, a residência Botta, é um claro exemplo de sistema não-distributivo, que cria inúmeros obstáculos entre os ocupantes, empregados e visitantes da casa, principalmente no
setor de serviço (cozinha e lavanderia são espaços do tipo “a”). Das oito casas analisadas, uma não apresenta anéis em nenhum de seus setores, indicando apenas uma rota possível entre os espaços, quatro só possuem um anel que conecta o setor social e/ ou espaços de transição, oferecendo rotas alternativas apenas neste setor, e apenas duas residências apresentam mais de um anel que conecta os diferentes setores social e íntimo. v) Simetria: A análise da propriedade da simetria revela sistemas com valores muito baixos, isto significa que as habitações de estudo apresentam relações formais e bastante hierarquizadas
Tabela 04: Tipos dos grafos e dos principais ambientes. Tipo do formato dos grafos
Autores
Caso
2
HANSON
Botta Meier Hejduk Loos Reynaldo Borsoi Domingues Campelo
AMORIM
Tipo dos espaços dos principais ambientes (a, b, c e d) Se
Sj
Cz
Lv
De
Qp
E
2
c c c
b d c
a c a
a a -
-
b b b
d d d
2
b
a
b
-
-
b
b
2
c
c
a
d
a
c
c
1 2 2
d a d
c d d
a c c
a c c
a a a
c d a
c c a
1
Legenda: 1: Estrutura em árvore no setor íntimo e de serviço com um anel no setor social. | 2: Estrutura em árvore com dois anéis no setor social e de serviço.| 3: Estrutura em árvore, com dois anéis, um no setor íntimo e outro no setor social.| Es: Espaço Estar|Qp: Quarto Principal | Cz: Cozinha | E: Exterior
Fonte: Elaboração própria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
e pouco simétricas. Na residência Loos, - com o menor índice de simetria de 0,463 - que conta com apenas três espaços tipo “d”, evidencia o caráter de maior segregação desse sistema (ver Tabela 06). O maior valor encontrado nesta amostra foi a da residência Campelo, com 1,833, que apesar de baixo, pode ser explicado pela quantidade equilibrada de espaços tipo a e c. vi) Conectividade: A medida da conectividade se relaciona com a acessibilidade dos espaços dentro do sistema, de modo que quanto maior o número de conexões, mais acessível e integrado será aquele ambiente. Assim, observou-se que os espaços do setor social, sala de jantar e sala de estar, apresentam
99
em da amostra, mais de três ligações com os demais espaços da casa. Isto pode ser explicado pela função que é atribuída ao setor social, dentro de uma residência. Em paralelo, o setor de serviço quase não se conecta com os demais espaços do sistema. Em 87,5% da amostra, a cozinha faz no máximo duas ligações, sendo que uma delas é para a lavanderia (ver Tabela 07). Em todas as residências analisadas por Amorim (1999), a dependência de empregadas é extremamente desconectada dos espaços da casa, fazendo apenas uma ligação. Apesar disso, a lavanderia, em 50% da amostra faz mais de duas conexões, se mostrando o espaço mais conectado do setor de serviço.
Tabela 05: Distributividade dos sistemas. Autores
Hanson
Amorim
Caso
Distributividade do sistema
Tipo de distributividade dos principais ambientes
Botta
0,529
Se D
Sj ND
Cz ND
Lv ND
De -
Qp ND
E D D
Meier
1,000
D
D
D
ND
-
ND
Hejduk
1,111
D
ND
ND
-
-
ND
D
Loos
0,239
ND
ND
ND
-
-
ND
ND
Reynaldo
2,777
D
D
ND
D
ND
D
D
Borsoi Domingues Campelo
1,687 5,000 1,833
D ND D
D D D
ND D D
ND D D
ND ND ND
D D ND
D D ND
Legenda:D: distributivo | ND: não-distributivo | Es: Espaço Estar|Qp: Quarto Principal | Cz: Cozinha | E: Exterior
Fonte: Elaboração própria.
O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMILIARES
100
Tabela 06: Simetria dos sistemas.
Autores
Caso Botta
1,000
Meier
0,888
Hejduk
0,575
Loos
0,463
Reynaldo
0,888
Borsoi Domingues
1,529 0,729
Campelo
1,833
Hanson
Amorim
Simetria
Fonte: Elaboração própria.
Tabela 07: Conectividade dos principais espaços dos sistemas. Conectividade dos principais espaços do sistema Autores
HANSON
AMORIM
Caso
Se
Sj
Cz
Lv
De
Qp
E
Botta Meier Hejduk
2
2
1
1
-
2
3
2
5
1
2
-
2
6
4
4
1
-
-
2
2
Loos
2
1
3
-
-
5
2
Reynaldo
3
3
2
4
1
2
2
Borsoi Domingues Campelo
5 1 4
2 3 4
1 2 2
1 3 5
1 1 1
3 3 1
2 2 1
Legenda: Es: Espaço Estar|Qp: Quarto Principal | Cz: Cozinha | E: Exterior
Fonte: Elaboração própria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
7.4 Definição do genótipo Seguindo os procedimento propostos por Hanson (1998) e por Amorim (1999), a identificação dos possíveis genótipos foi feita isolando-se os três principais setores de cada habitação: social, serviço e privado. Os resultados apontaram a existência de dois tipos de genótipos: o primeiro, S>Se>P, que aparece em 62,5% da amostra, e o segundo, S>P>Se, em 25% dos casos (ver Tabela 08). Esses genótipos, contém as informações mais básicas e primárias da organização espacial das
101
casas analisadas. Considerando apenas esses três setores em cada sistema, observou-se que o setor social é necessariamente o mais acessível em toda a amostra e, em 25% dos casos, o setor de serviço é o mais segregado e menos acessível. Esta constatação inicial revela a existência de um padrão sintático comum, ou seja, o mesmo princípio de organização espacial das atividades domesticas é compartilhado pelas residências, independentemente de sua localização. Os genótipos encontrados nesta análise
Tabela 08: Ordem de integração dos setores e seus respectivos genótipos.
Caso
Ordem de integração entre os setores
BOTTA DOMINGUES MEIER HEDJUK
S>P>Se>E S>P>Se>E E>S>Se>P S>Se>P>E
REYNALDO
S>Se>P>E
BORSOI CAMPELO LOOS
S>Se=E>P S>Se>P>E Se>S>P>E
Genótipo
Total (%)
S>Se>P
62,5
S>P>Se
25
Legenda: Es: Espaço Estar|Qp: Quarto Principal | Cz: Cozinha | E: Exterior
Fonte: Elaboração própria.
102
O GENÓTIPO DAS HABITAÇÕES UNIFAMILIARES
indicam que, apesar do movimento moderno defender a ideia de que a habitação deveria ser tratada como uma ferramenta de transformação social, o modus operandi moderno de concepção das habitações convencionais continuou reproduzindo a forma projetual das vanguardas anteriores e a estrutura binária dos espaços domésticos. Estas residências reforçam a influência das sociedades marcadas pelo patriarcado que distingue hierarquicamente as pessoas em função da classe, raça e gênero. Nesse sentido, o questionamento que deriva desta análise é se essa lógica de concepção modernista dos espaços sofreu alguma alteração nos modelos de habitação em que há espaços específicos destinados a realização coletiva de atividade domesticas de manutenção do lar.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
103
104
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
8.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
105
Figura 49: House of the future, Alisson Smithson, 1956. Fonte: https://www.treehugger.com/interior-design/ look-alison-smithsons-1956-house-future.html
106
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
A partir da ideia de que o trabalho não remunerado em casa, que inclui servir, cozinhar, limpar e cuidar da família era (e continua sendo) um dos mecanismos centrais de opressão das mulheres, novas estratégias projetuais para o espaço doméstico foram desenvolvidas ao longo do século XX. Um exemplo disso pode ser observado na influência dos conceitos e métodos do fordismo e do taylorismo na concepção das cozinhas residenciais que passaram a ser encaradas como centros de produção de alimentos e analisadas da mesma forma que fábricas. Nesse sentido, o trabalho desenvolvido por Christine Frederick foi fundamental na compreensão e estudo das atividades desenvolvidas em todo o espaço doméstico, mas sobretudo, no ambiente das cozinhas. No livro “Household Engineering: Scientific Management in the Home”, publicado em1919, Frederick pontua os movimentos “inúteis” executados nas atividades de manutenção do lar, a partir dos princípios industriais, buscando simplificar ao máximo o tempo gasto na realização das atividades e a economia dos movimentos. Conforme sublinha Martins (2013) a importância do tra-
balho de Frederick reside na análise minuciosa dos utensílios e equipamentos utilizados nas cozinhas residenciais e sua influência na execução das tarefas, classificando-os em categorias distintas de economia: economia de combustível, economia de deslocamento, economia de trabalho e economia de tempo. A partir da comparação com o leiaute da cozinha convencional, Frederick elabora um novo projeto eficiente para este espaço indicando os fluxos e movimentos através de diagramas que retratavam sua preocupação com a racionalização do tempo de execução das atividades domésticas (ver Figura 50). Margarete Schütte-Lihotzky (1927) utilizou as ideias difundidas por Frederick e analisou como as pessoas se moviam na cozinha e, a partir destes estudos, desenhou diversos diagramas, sugerindo um novo arranjo configuracional, inclusive sobre o posicionamento dos componentes da cozinha. O leiaute da cozinha de Frankfurt, como ficou conhecido o projeto, foi desenvolvido de modo a buscar a máxima eficiência. Construído a partir de um modelo único, media sempre 1.90m x 3.40m, conformando uma superfície retangular
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
107
Figura 50:Comparação entre os fluxos do leiaute da cozinha convencional, à direita, e daquele elaborado por Frederick, à esquerda.
Fonte: Frederick, 1919.
livre, circundada por uma linha de armários e outra de equipamentos encostados às paredes principais, além de um campo de trabalho sob a janela de uma das paredes secundárias (ver Figura 51). Apesar do reconhecimento da extrema relevância em termos arquitetônicos e sociais dos estudos desenvolvidos por Frederick (1919) e por Schütte-Lihotzky (1927), encurtar os caminhos do fluxo de trabalho não contribuiu na diminuição dos trabalhos domésticos feito pelas mulheres,
que continuavam executando-os de maneira exclusiva. Em relação a industrialização das cozinhas residenciais, Osten (2005, p. 136) afirma que: embora atendessem à imagem de economia eficiente de tempo da dona-de-casa/trabalhadora, a arquitetura moderna ignorou completamente as causas advindas da divisão sexual do trabalho e das relações tradicionais de gênero em uma família de classe baixa e, assim, de alguma forma terminou Institucionalizando-os espacialmente.
108
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
Estes dois modelos de cozinhas, desenvolvidos durante o século XX, foram amplamente criticados pelo movimento feminista na época, pois apenas isolava as mulheres espacialmente, tratando-as como seres passíveis de mecanização e ignorando completamente a questão central da divisão desigual do trabalho doméstico (CARINI, 2016). Desse modo, libertar as mulheres do fardo de assumir os afazeres do lar continuou (e continua) sendo um dos objetivos cruciais do movimento feminista. A questão que deriva destas experiências é de que modo é
possível se minimizar a relação desigual de divisão do trabalho doméstico a partir da redefinição das características espaciais das habitações? Neste capitulo são apresentados os contextos históricos, socioeconômicos e políticos de três conjuntos habitacionais de interesse social emblemáticos, pela autoria ou pela importância do projeto em si, que buscaram tratar o espaço doméstico como ferramenta de transformação social e implementaram espaços de uso comum específicos, como cozinhas e lavanderias, para a realização coletiva das atividades de serviços do lar.
Figura 51: A cozinha de Frankfurt.
Fonte: http://www.npr.org/templates/story/story.php?storyId=129935115/
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
8.1 Experiências Precedentes Durante o século XX, conforme pontua Carini (2016), com o desenvolvimento da era industrial e do modernismo, duas estratégias projetuais em que as habitações pudessem ser industrializadas numa sociedade em evolução foram propostas: i) estratégia de industrialização das casas e ii) estratégia dos espaços coletivos de serviços doméstico. A primeira consistia na proposta de conjuntos habitacionais de grandes proporções que funcionassem como fábricas e permitissem às mulheres contribuir na produção industrial. A segunda tra-
109
tava de uma proposta de conjuntos habitacionais de moradias de baixo custo com cozinhas e lavanderias centrais, que seriam geridas pelos moradores, facilitando a participação total das mulheres no mercado de trabalho. Com estas proposições surgiram programas de conjuntos habitacionais que reorganizaram espacialmente a vida diária, na tentativa de, a partir disto, promover uma maior igualdade nas relações de divisão do trabalho doméstico. 8.2 Narkomfin
Figura 52: Perspectiva do bloco residencial e do bloco coletivo do Narkomfin.
Fonte: http://www.the-village.ru/village/city/where/251641-narkomfin
110
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
8.2.1 O movimento Novyy byt Após a Revolução de Outubro, em 1927, o regime soviético começou um processo de transformação social baseado em um novo regime de ocupação do solo, que buscava resolver as demandas da população, principalmente as questões ligadas à moradia. A solução então, conectava as limitações econômicas e técnicas às transformações sociais exigidas pela coletividade, com o intuito de promover uma mudança imediata no modo de vida da população e, principalmente, no espaço doméstico. Com necessidade de consolidação da sociedade revolucionária comunista, as reformas da vida cotidiana, novyy byt4 , fundamentavam-se na ideologia marxista e na sua materialização não apenas pelo viés da literatura ou da filosofia, mas principalmente, pelas vias da industrialização do país. Neste sentido, Vega (2015, p. 89) 4 A palavra byt refere-se a condição humana na terra, opondo-se a palavra bytiye que traduz a existência espiritual. A expressão novyy byt, portanto, significa a nova vida cotidiana relacionada à vida material. Para um estudo mais aprofundado sobre os significados do sufixo byt, consultar: KELLY, Catriona: “Byt: identity and everyday life”, in AA.VV.: National identity in Russian culture: an introduction. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, pp. 149-168.
afirma que: Cada indivíduo teria a possibilidade de acesso real à cultura não apenas seus apêndices - e isso seria impossível sem a criação prévia de um cenário sólido e moderno. Estas condições construiriam o novo cidadão soviético, homens e mulheres .
A consolidação desta infraestrutura deu origem a ampla discussão, inovação e experimentação das vanguardas arquitetônicas emergentes. Sob esta ótica é importante salientar o papel que o grupo construtivista, identificados pela Associação de Arquitetos Contemporâneos (OSA), adquiriu dentro da sociedade comunista (ver Figura 53). Este grupo buscou abordar diferentes soluções para o novyy byt, através de propostas popularizadas pelos concursos arquitetônicos convocados entre 1924 e 1926, na sua publicação periódica, a revista Sovremennaya Arkhitektura, SA, (ver Figura 54). Por meio da SA a OSA ganhou popularidade e firmou um diálogo aberto e acessível entre a sociedade e o regime soviético. Com um total de vinte e sete publicações, a revista atuou como um fórum de discussão constante sobre questões relacionadas ao planejamento urbano, arqui-
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
111
Figura 53: Membros da OSA reunidos na Primeira Conferência da associação, em1928. Destaque para a figura de Moisey Ginzburg no centro da imagem.
Fonte: VEGA, 2015.
Figura 54: Capas das edições da revista Sovremennaya Arkhitektura, SA, publicadas pela OSA entre 1926 e 1927.
Fonte: VEGA, 2015.
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
112
tetura, em todas as suas escalas, e a padronização de projetos e sua efetiva construção. Na terceira edição da SA, publicada em 1926, a OSA anunciou uma competição interna cujo objetivo era chegar no projeto ideal da nova morada do proletariado. Para tal, o grupo construtivista elaborou um artigo no qual afirmava que (...) a solução para a crise habitacional da URSS deveria basear-se em três aspectos: na racionalização das atividades de manutenção do lar, na melhoria e padronização de materiais construtivos e na adaptação de seus elementos aos meios produtivos. (VEGA, 2015, p. 91).
Neste sentido, é preciso salientar que o discurso de libertação feminina já acontecia antes mesmo do nascimento da URSS. Em “Um Grande Começo”, Lenin (1919 apud HAYDEN, 1982) afirma que a verdadeira emancipação das mulheres e o verdadeiro comunismo só começariam com o fim das amarras do trabalho doméstico realizado exclusivamente por mulheres. Lenin argumentava que a habitação com serviços coletivos permitiria participasse feminina na produção industrial do Estado. O local de trabalho e a moradia de-
viam se tornar único, nos quais as cozinhas, como fábricas, preparariam as refeições, as lavanderias mecânicas centrais lavariam as roupas, as crianças seriam ensinadas em instituições públicas e o aquecimento central seria acessível a todos. Entendendo a importância da participação popular e técnica na elaboração do conceito de moradia ideal, os membros da OSA investigaram as principais demandas dos grupos sociais através de uma pesquisa que forneceria todas as informações necessárias para a viabilidade dos projetos. Vega (2015, p. 109) sublinha a atenção dada as questões de gênero ligadas ao espaço doméstico e à libertação das mulheres das tarefas de manutenção do lar e afirma que: A pesquisa intitulada “camarada”, dirigia-se aos futuros usuários das casas e procurava determinar as condições que os cidadãos esperavam do novo modo de vida. Os arquitetos do OSA questionavam os trabalhadores sobre os limites e definições das esferas individuais e comunitárias, partindo do pressuposto
da
subordinação
social das mulheres, escravizadas em casa e subjugadas da esfera pública, considerando as implicações que a organização
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
dos alimentos e os processos de
113
(VEGA, 2015).
serviço público desempenhavam na situação econômica de todo o país. Questionava-se ainda a posição dos cidadãos a respeito da educação infantil, sugerindo a educação pública e o ensino coletivizado que incentivava a formação e o trabalho em equipe desde muito cedo.
Assim, a exploração preliminar dos problemas relacionados às novas experiências do cotidiano foi o terreno necessário para que os participantes no concurso começassem a definir, com clareza suficiente, as características da nova moradia. Na edição dupla da revista SA publicada em 1927, os editores ilustraram um total de oito propostas apresentadas pelos membros da OSA. De modo geral, os oito projetos caracterizavam-se pela adoção de uma linguagem moderna, e, apesar da imprecisão do programa, as propostas apresentavam espaços coletivos de estar e de serviço, como refeitórios, cozinhas, bibliotecas e salas de leitura, oficinas, lavanderias, casas-cuna5 e jardins de infância que compensavam a restrição superficial nas habitações 5 Residências para mães gestantes ou com crianças menores de 2 anos, aberta a toda mulher sem recursos financeiros ou apoio familiar/social.
8.2.2 O papel do comitê Stroykom Em 1928 o Estado soviético criou um órgão que encarregava-se, exclusivamente, da regulamentação geral e racionalização das questões ligadas à construção em todo o território nacional, o comitê Stroykom. O surgimento deste comitê ocorreu em período economicamente favorável para o setor da construção: o Estado havia adotado um conjunto de medidas para alcançar a industrialização acelerada do país, cujo objetivo era conduzir à autossuficiência da URSS. Nesse cenário, a construção de moradias para trabalhadores no país era uma prioridade. Sob este aspecto, Vega (2015) sublinha a necessidade da adoção de medidas de adaptação ao crescimento do socialismo no país associadas à demanda habitacional das famílias trabalhadoras. Através de uma série de princípios norteadores, o comitê Stroykom desenvolveu cálculos, análises e avaliações que tornariam a pesquisa das unidades habitacionais possível dentro do recém-criado Departamento de Tipologias. Este departamento destinava-se ao estudo exclusivo da
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
114
padronização e estandardização da nova moradia do proletariado e desenvolveu seu trabalho em cinco estágios consecutivos, como Vega (2015, p. 186) conceitua: O primeiro estágio, ou diagnóstico, definiria o ponto inicial de desenvolvimento dos novos tipos de habitação. O segundo estágio, de racionalização, possibilitaria novos estudos que levariam a otimizar modelos existentes. A terceira fase, de combinação, agruparia
modelos
espaciais
arquitetônicos em arranjos diversificados, que poderiam ser avaliados de maneira genérica a partir de considerações estritamente econômicas. Um quarto estágio, de ajuste, estabeleceria as condições de iluminação e de afastamentos que permitiriam otimizar o ajuste das células no bloco. Finalmente, em uma fase final, todos os novos tipos residenciais seriam definidos de forma concreta.
A série de unidades residenciais apresentada pelo Departamento de Tipologias consistiu no agrupamento e combinação de seis modelos volumétricos, designados pelas letras A, B, C, D, E e F, que diferiam no tipo de circulação, no número de pavimentos, na quantidade de quartos e no tipo de cozinha adotada (ver Figura
55). Sobre estas tipologias celulares Vega (2015) comenta que as categorias A e B representaram os esquemas de habitação dispostos em ambos os lados com um núcleo de comunicação vertical. Especificamente, o tipo A correspondeu ao sistema espacial de agrupamento em torno de uma escada, em que as peças de serviço e os quartos habitáveis mantiveram a mesma altura. A segunda categoria, o tipo B, representava o modelo que, na tentativa de avançar no tipo A, compensou a altura entre peças auxiliares e habitáveis. As categorias restantes incluíram possíveis variações de lares conectados através de um corredor horizontal. Os esquemas C, D e E correspondiam a uma forma convencional de empilhamento, em que um único corredor dava acesso a uma, duas e três plantas, respectivamente. O tipo F, mais singular, intercalava o corredor entre dois andares. 8.2.3 Racionalização das Cozinhas em modelos A e B O Departamento de Tipologias, sob o comando de Moisey Ginburg, realizou uma série de análises das dimensões e circulações das cozinhas
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
99 115
Figura 55: Células habitacionais tipos A, B, C, D, E e F propostas pelo Departamento de Tipologias da Stroykom.
Fonte: VEGA, 2015.
116
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
convencionais representativa das moradias da época, cuja superfície era de aproximadamente 7,13m², num processo similar àquele efetuado por Christine Frederick (1919) no contexto norte-americano (ver Figura 56). No projeto deste espaço, que incluía os equipamentos e utensílios habituais da cozinha, estava representada também o fluxo e a sequência das tarefas correspondentes à preparação e ao fornecimento dos alimentos. A série de análises consistia em seis etapas que incluíam o acesso aos utensílios, a coleta de alimentos na geladeira, a limpeza na pia, a preparação de alimentos, a cocção e, finalmente, a montagem dos pratos (VEGA, 2015). Sob a premissa de que o planejamento ideal da cozinha seria aquele que minimizasse o deslocamento do usuário, o Departamento de Tipologias desenvolveu um novo projeto, denominado Cozinha Racionalizada da Stroykom, no qual área foi reduzida para 4.5m². Nesta solução, o equipamento, constituído por armário, geladeira, pia, fogão e fogão, foi distribuído sequencialmente, de acordo com a ordem dos processos estabelecidos pela análise da culiná-
ria tradicional (ver Figura 57). Entretanto, este tipo de cozinha fechada continuou representando uma solução onerosa para o Estado soviético, principalmente ao se analisar habitações cuja área útil era inferior a 50m². Sob a influência do projeto de Margarete Schütte-Lihotzky (1927), a Cozinha de Frankfurt, o Departamento de Tipologias desenvolveu um novo modelo ainda mais racionalizado. Com o mobiliário incorporado em uma área mínima, a cozinha, passou a se integrar na sala de jantar como um armário (ver Figura 58). A Cozinha-armário da Stroykom, como foi denominado o projeto, foi organizada em quatro módulos independentes, com 0.5m de largura e 0.7m de profundidade, que poderiam ser dispostos na ordem desejada (ver Figura 59). Um dos módulos abrigava a pia em sua parte superior, uma mesa dobrável na frente e uma porta para trás para armazenar o lixo. Dois outros módulos formaram a bancada no topo, contendo uma gaveta para coletar o lixo e uma mesa suspensa, e na parte inferior, um refrigerador e espaço para louças. Finalmente, um quarto módulo alojou o fogão a gás
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
117
Figura 56: Plantas das cozinhas tradicionais russa, à esquerda, e do projeto racionalizado proposto pelo comitê Stroykom, à direita.
Fonte: VEGA, 2015.
Figura 57: Perpectiva, planta, elevação e corte da cozinha racionalizada proposta pelo comitê Stroykom.
Fonte: VEGA, 2015.
118
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
Figura 58: Perpectiva da cozinha-ármario proposta pelo comitê Stroykom integrada as salas de jantar e estar.
Fonte: VEGA, 2015.
Figura 59: Perpectiva e planta da cozinha-armário proposta pelo comitê Stroykom.
Fonte: VEGA, 2015.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
na parte superior e o termo na parte inferior. Em um nível mais alto, ao nível dos olhos, o armário de cozinha examinava a localização das gavetas da despensa, onde estava localizada a despensa e o espaço para armazenar utensílios de cozinha (VEGA, 2015). Quanto à economia espacial, a cozinha-armário ocupava apenas 1.4 m², que significava uma economia de área de 80% em comparação com a cozinha tradicional e 69% sobre a cozinha racionalizada do Stroykom. Evidencia-se, portanto, que apesar de apresentar um discurso inicial de libertação feminina das atividades de manutenção do lar, o interesse soviético na reorganização espacial do ambiente doméstico e da cozinha residencial deste ambiente estavam mais ligados às questões econômicas e construtivas, do que às questões sociais. 8.2.4 Moisey Ginburg Nascido em 1892, filho do arquiteto e promotor Yakov Ginburg, Moisey entrou em contato com desenho e pintura de sua infância através de artistas locais e trabalhando com seu pai. Depois de completar seus estudos secundários em Minsk, fez uma
119
breve estadia na Escola de Belas Artes de Paris e na Escola de Arquitetura de Tolouse, recebendo o título de arquiteto pela Academia de Belas Artes de Milão (VEGA, 2015). Em 1921, Ginburg esteve no centro da vanguarda arquitetônica como docente na VKhUTEMAS e no Instituto de Engenharia Civil, MIGI. Professor de História da Arquitetura e Teoria composição arquitetônica, Ginzburg desenvolveu seu próprio programa de ensino, e em um curto período de tempo, publicou vários artigos acadêmicos, nos quais ele analisou a arquitetura construída ao longo da história a partir de padrões rítmicos genéricos e formulou uma nova linguagem arquitetônica para se adequar à realidade social, onde a classe trabalhadora se tornasse o principal usuário da arquitetura. Em meados da década de 1920, Ginzburg já era reconhecido como um importante teórico sobre a arquitetura e, junto com os irmãos Vesnin, funda a OSA, cuja ideologia seguia os conceitos do construtivismo. Neste período, Ginzburg publica vários artigos na revista AS, apresentando e defendendo, ante à cidadania soviética e às estruturas técnicas e administrativas, a necessidade de
120
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
definir uma nova forma de pensar e construir a arquitetura. A nova era da sociedade moderna vigente tinha como reflexos o rompimento da arquitetura com as vanguardas anteriores, seguindo o pensamento de progresso acelerado da tecnologia e da revolução social. Sobre este pensamento, Vega (2015) afirma que o progresso, produzido especialmente na América do Norte e na Europa, desencadeou uma mudança radical na construção, entretanto a revolução social, encontrou seu paradigma na recente URSS: o usuário, o objeto e o sujeito das novas relações sociais e econômicas teve que se destacar no processo de design. Essas circunstâncias, atreladas aos pensamentos e ideologias próprias do Ginburg, colocaram o arquiteto na frente do projeto de construção de uma realidade melhor e uma nova organização social. Todo seu trabalho foi de extrema relevância no processo de consolidação e desenvolvimento do Estado soviético e das novas formas de morar. 8.2.5 O projeto O projeto do conjunto habitacional Narkomfin, concebido pelo arquiteto Moisey Ginzburg, tinha um caráter
experimental e o objetivo de materializar os novos ideais de moradia da sociedade soviética e implementar o trabalho teórico desenvolvido pelo departamento de tipologias da Stroykom. Destinado a abrigar famílias de diferentes classes sociais, burgueses e proletários, este conjunto, aprovado em 1929 e finalizado em 1932, passou por algumas modificações até o seu estado final (VEGA, 2015). O primeiro projeto para o complexo, incluía quatro peças, orientadas na direção leste-oeste, que consistiam em dois blocos prismáticos de caráter residencial, um volume cúbico, ligado ao bloco habitacional principal, que abrigaria o centro comunitário, um volume cilíndrico onde funcionaria a “casa-cuna” e por fim, um bloco de serviços composto por dois volumes retangulares, que abrigariam a lavandaria mecanizada coletiva e uma garagem comum. O prédio residencial secundário e o bloco de serviços, dispostos na extremidade oeste do conjunto, se comunicavam através de uma passarela coberta, enquanto que os demais edifícios foram concebidos como construções independentes. O centro comunitário, um volume cúbi-
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
co, estava localizado na extremidade norte do terreno, paralelo ao edifício residencial (ver Figura 60). O último projeto para o conjunto, realizado por Ginzburg, descartou o bloco secundário residencial, a casa-
121
-cuna e o segundo volume do bloco de serviço. O acesso principal foi mantido em frente a lavanderia coletiva e os acessos laterais, feitos pela avenida Novinskiy, encaminhavam o habitante à duas ligações que per-
Figura 60: Primeiro projeto do conjunto habitacional do Narkomfin desenvolvido por Ginburg.
LEGENDA: 01- Bloco Residencial principal 02- Centro Comunitário 03- Bloco residencial secundário 04- Casa-cuna 05- Bloco de Serviços
Fonte: VEGA, 2015, modificado pela autora
122
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
corriam o conjunto e conectavam o acesso ao bloco comunitário à entrada do bloco habitacional (ver Figuras 60 e 61). O bloco residencial foi concebido em um volume prismático sob pilo-
tis, organizado em cinco pavimentos, apresentando uma altura total de aproximadamente 17.05m e comprimento de 82.86m (ver Figuras 62-71). Este volume abrigava um total de 47 habitações, destinadas
Figura 61: Projeto final do conjunto habitacional do Narkomfin desenvolvido por Ginburg.
LEGENDA: 01- Bloco Residencial principal 02- Centro Comunitário 03- Bloco residencial secundário 04- Casa-cuna 05- Bloco de Serviços
Fonte: VEGA, 2015, modificado pela autora
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
123
Figura 62: Planta baixa do pavimento térreo e implantação no terreno conjunto habitacional do Narkomfin.
Fonte: VEGA, 2015, modificado pela autora
a cercade 200 pessoas e atingindo uma média teórica de quatro habitantes por unidade, que seguia a lógica das células F e D desenvolvidos pelo departamento de tipologias da Stroykom (VEGA, 2015). As oito células tipo D, localizadas no primeiro e no segundo pavimento do bloco residencial, se organizavam em dois andares (de 2.30m de pé-
-direito), articulados por uma escada de lance única situada no hall de entrada (ver Figura 72). Os halls são os principais elementos de conexão entre os ambientes desta unidade habitacional, ligando o ambiente de estar e a cozinha no pavimento térreo e os dois dormitórios, o banheiro e lavabo no pavimento superior. Esta tipologia, com uma área útil de 65,94m²,
124
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
Figura 63: Planta baixa do pavimento térreo do bloco residencial e do bloco comunitário do Narkomfin.
Fonte: VEGA, 2015, modificado pela autora
Figura 64: Vistas internas e externas do pilotis do bloco residencial do Narkomfin.
Fonte: BYRON, 1942.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
125
Figura 65: Planta baixa do primeiro pavimento do bloco residencial e do bloco comunitário do Narkomfin.
Fonte: VEGA, 2015, modificado pela autora
Figura 66: Planta baixa do segundo pavimento do bloco residencial e do bloco comunitário do Narkomfin.
Fonte: VEGA, 2015, modificado pela autora
era destinada aos grupos familiares com poder aquisitivo maior, compostos por até 4 membros. O modelo de cozinha adotado nesta célula foi o modelo racionalizado da Stroykom, que apresenta um formato fechado e segregado
dos ambientes sociais da habitação (ver Figuras 73 e 74). As vinte e quatro células do tipo F, situadas no terceiro, quarto e quinto pavimentos, respectivamente, do bloco residencial, eram destinadas ao proletariado, cujos grupos fami-
126
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
Figura 67: Planta baixa do terceiro pavimento do bloco residencial do Narkomfin, localizando a cozinha coletiva (em vermelho).
cozinha coletiva
Fonte: VEGA, 2015, modificado pela autora
Figura 68: Planta baixa do quarto pavimento do bloco residencial do Narkomfin.
Fonte: VEGA, 2015, modificado pela autora Figura 69: Planta baixa do quinto pavimento do bloco residencial do Narkomfin.
Fonte: VEGA, 2015, modificado pela autora
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
Figura 70: Bloco residencial do conjunto Narkomfin.
Fonte: VEGA, 2015.
Figura 71: Bloco residencial e comunitário do conjunto Narkomfin.
Fonte: http://www.narkomfin.net/1075485-4
127
128
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
liares não ultrapassassem dois membros (ver Figuras 63-65). Cada uma destas células apresentavam um hall de acesso, conectado ao corredor do pavimento, onde localizavam-se os banheiros. A conexão era feita por três escadas, cujo patamar encontrava-se no ambiente de estar, correspondente ao pavimento intermediário (ver Figuras
75 e 76). A cozinha desta unidade residencial era inicialmente do tipo armário e encontrava-se integrada ao ambiente de estar. Durante o processo de execução do projeto, este modelo de cozinha foi alterado e a “parede” de vedação que fechava o espaço e transformava-o em armário foi retirada. Esta modificação integrou fisicamente ainda mais o
Figura 72: Planta baixa do pavimento térreo e do primeiro pavimento da célula “D” do Narkomfin.
Legenda: 1- Corredor de acesso; 2- Hall de entrada; 3- Cozinha; 4- Espaço Estar; 5- Escada; 6- Hall; 7- Lavabo; 8- BWC; 9- Quarto Principal; 10- Quarto Fonte: VEGA, 2015, modificado pela autora.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
Figura 73: Relação entre os pavimentos da célula “D” do Narkomfin.
Fonte: http://www.narkomfin.net/visit
Figura 74: Forma e ocupação da cozinha da célula “D” do Narkomfin.
Fonte: http://www.narkomfin.net/visit
129
130
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
ambiente de estar com a cozinha (ver Figura 77). Neste bloco, além das unidades habitacionais, Ginzburg concebeu um espaço destinado à cozinha coletiva como um serviço auxiliar. Localizada no extremo norte do terceiro pavimento e organizada em quatro ambientes, com uma área útil de 30m² cada, esta unidade tinha por objetivo oferecer apoio principalmente as células do tipo F, comple-
mentando os serviços oferecido no centro comunitário. A estrutura adotada no prédio residencial foi baseada em um sistema de 23 pilares de concreto armado, dispostos paralelamente em uma malha regular de 3.75m (ver Figura 78). “A configuração da estrutura de construção a partir da repetição deste módulo dimensional permitiu facilitar, regularizar e economizar seu projeto e cons-
Figura 75: Planta baixa dos três pavimentos da célula “D” do Narkomfin.
Legenda: 1- Corredor de acesso; 2- Hall de entrada; 3- Escada; 3- BWC; 4- Cozinha; 5- Espaço Estar; 6- Quarto; Fonte: VEGA, 2015, modificado pela autora
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
Figura 76: Relação entre os pavimentos da célula “F” do Narkomfin.
Fonte: http://www.narkomfin.net/visit Figura 77: Cozinha da célula “F” do Narkomfin.
Fonte: http://www.narkomfin.net/visit
131
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
132
trução, estabelecendo uma correlação imediata entre unidade estrutural e unidade funcional e / ou espacial (...)” (VEGA, 2015, p. 339).
Perpendicular ao edifício residencial, o centro comunitário, concebido em um volume cúbico, abrigou quatro espaços da nova vida cotidiana
coletivizadas: a sala de descanso, o refeitório, o ginásio e a biblioteca (ver Figura 79). A passarela de conexão com uma largura generosa, localizada no primeiro andar, aproximava os transeuntes e funcionava não apenas como local de ligação e passagem,
Figura 78: Prcesso de construção do Narkomfin.
Fonte: VEGA, 2015.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
Figura 79: Vista externa do volume do centro comunitáro do Narkomfin.
Fonte: VEGA, 2015.
133
134
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
Figura 80: Conexão da passarela com o bloco residencial e sua relação com o pavimento térreo e a área de pilotis.
Fonte: http://www.narkomfin.net/1075485-4
Figura 81: Conexão da passarela com o bloco residencial e com o bloco do centro comunitário do conjunto Narkomfin.
Fonte: http://www.narkomfin.net/1075485-4
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
mas também como ambiente de convívio entre os moradores (ver Figuras 80 e 81). O programa do centro comunitário foi divido por pavimentos: no térreo encontrava-se o ginásio de pé-direito duplo e os vestiários (ver Figura 82). No primeiro pavimento, localiza-se a sala de estar, a partir da qual cada habitante poderia contemplar o ginásio e se conectar ao edifício residencial, através da passarela (ver Figura 83). No segundo pavimento situava-se o refeitório comum, com pé-direito duplo. No terceiro pavimento, a sala de leitura e biblioteca foram dispostas ao longo de espaço de formato oval. Por fim, a cobertura, acessada apenas pelas escadas laterais, abrigava a cantina que funcionava apenas no verão (ver Figura 84). Para a estrutura do volume, utilizou-se concreto armado moldado in loco, com uma modulação de 3.50m e pilares circulares com 40cm de diâmetro (VEGA, 2015). Em uma das extremidades do lote, paralelo e a 30 metros de distância do bloco residencial, localizava-se o prédio do serviço, que abrigava a lavanderia coletiva mecanizada, as grelhas de secagem, de caldeiras e da casa de hóspedes dos moradores
135
do bloco residencial (ver Figura 76). Este bloco de pequenas dimensões Figura 82: Ginásio do centro comunitáro, servindo como escritório de Ginburg.
Fonte: VEGA, 2015.
Figura 83: Espaço de estar coletivo do centro comunitáro.
Fonte: VEGA, 2015.
136
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
foi organizado em dois andares e um porão, criando uma edificação com área total de, aproximadamente, 156m² (ver Figura 85). O prédio teve seu piso térreo elevado em pilotis na sua frente sul, permitindo o acesso de carros ao conjunto. O acesso ao interior do bloco acontecia no pavimento térreo, onde a lavanderia e as grelhas de secagem estavam localizadas, ou através de uma escada exterior coberta, que encaminhava o usuário ao primeiro andar.
Este nível, desconectado do inferior, foi organizado por meio através de uma circulação com 1,30m de largura, dando acesso a sete células habitacionais, de um único quarto, e dois banheiros, equipados com uma pia e um chuveiro, respectivamente. As células, de 16,5m² cada, foram organizadas de acordo com o esquema espacial “C”, definido pelo Departamento de Tipologias da Stroykom(ver Figura 86). Finalmente, o acesso ao porão, onde a sala da caldeira estava loca-
Figura 84: Cantina coletiva localizada na cobertura do bloco residencial.
Fonte: http://www.narkomfin.net/1075485-4
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
lizada, era definido por uma escada interna localizada no centro do pavimento térreo. Do ponto de vista estrutural, o bloco foi resolvido por meio de um sistema de pórticos paralelos de concreto armado, espaçados a 3.85m de distância. Para os quatro pilotis da área de acesso, foi adotada uma seção circular de 35cm de diâmetro
137
(VEGA, 2015). 8.3 Unidade Habitacional de Marselha 8.3.1 A representação do olhar masculino e o Le Modulor Como afirma Antunes (2012, p. 60), o papel desempenhado por Le Corbusier durante o movimento moderno adquiriu a conotação “mitoló-
Figura 85: Escada de acesso ao pavimento superior da lavanderia coletiva.
Fonte: BYRON, 1942.
138
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
Figura 86: Planta baixa dos três pavimentos da lavanderia coletiva do Narkomfin.
Fonte: VEGA, 2015, modificado pela autora
Figura 87: Diagrama da célula “C” desenvolvida pelo Departamento de Tipologias.
Fonte: VEGA, 2015, modificado pela autora
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
139
Figura 88: Vista geral da unidade de habitação de Marselha.
Fonte: SBRIGLIO, 2013.
gica de arquétipo ideal de arquiteto”, de modo que sua obra, escrita e construída, apresenta uma grande influência na arquitetura e no pensamento arquitetônico até os dias atuais. As bases de seu pensamento acerca das reformulações das cidades e das habitações, bem como o papel “heroico do arquiteto” (homem cartesiano e criativo), reside no conceito do modulor, centralizando-se na figura masculina padrão europeia (ANTUNES, 2012, p. 65). Os livros
Modulor I e Modulor II foram publicados, respectivamente, em 1948 e 1957, reunindo teorias sobre proporções e descrições que deveriam ser aplicadas aos seus projetos. Com o modulor, Le Corbusier passou a referir-se às medidas modulares de um indivíduo imaginário que apresentava inicialmente 1,75 metros, o homem francês e, mais tarde, com 1,83 metros de altura, o homem inglês (ver Figura 89). Este sistema fundamentou-se na proporção de ouro e na sequência
140
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
de Fibonacci, de modo que a relação do usuário com o entorno imediato foi definida essencialmente a partir da altura dos olhos deste individuo francês, que reforça a ideia da “visão como o sentido mais importante do movimento moderno – olhar, comtemplar e vigiar. ” (ANTUNES, 2012 p.58) A incorporação dessas proporções nos projetos de Le Corbusier serviu como força de impulsão para a consolidação do emprego do modulor como referência de proposição de espaços nas escolas de Arquitetura
e Urbanismo, através da industrialização e estandardização de projetos habitacionais, influentes até os dias atuais. Este aspecto configura-se como a não consideração de perfis e necessidades diversas quando no planejamento arquitetônico e urbanístico. O sexismo implícito no pensamento de Le Corbusier é alvo de inúmeras críticas por parte de diversos teóricos. White (2001), no capítulo intitulado ‘Le Corbusier’, Architect of the Century, traça uma análise de textos escritos sobre e pelo arquiteto,
Figura 89: Sistema modulor desenvolvido por Le Corbusier.
Fonte: CHATELAN e DRAGESCO, 2016.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
nos quais “identifica múltiplas manifestações da masculinidade, de sexismo e do alter ego – referências ao artista-gênio, ao heroi-épico e à criatividade (quase) divina”. (WHITE, 2001, apud ANTUNES, 2012 p.60)
Este sistema pretendia representar não apenas a humanidade como também o princípio da arquitetura moderna de combinar os campos cultural, espiritual e científico. Neste sentido, Antunes (2012, p. 62) sublinha que :
141
país. Conforme pontua Poleto (2011, p. 154): A crise habitacional se agrava tanto pelas consequências da guerra, que deixou 450 mil unidades habitacionais destruídas (5% das existentes em 1939), e aproximadamente um milhão de unidades danificadas, tanto pelo contínuo processo de industrialização e urbanização que intensificava o êxodo rural. A situação foi agravada também pela política contínua de controle dos aluguéis, que afugentou investido-
(...) a masculinidade do modulor
res privados do setor, como nos
não é um acidente nem apenas
diversos países no qual foram
um resultado do hábito cultural,
adotados, levando a uma situa-
foi um conceito pensado, estu-
ção crítica: provisão insuficiente
dado e apoiado no protótipo do
e inapropriada, deterioração do
corpo masculino renascentista e
estoque existente.
na ideia de que este representa a humanidade.
8.3.2 O processo de industrialização da construção de moradia na França Apoiados pelo plano Marshall, programa de financiamento americano para a reconstrução dos centros urbanos devastados pela Segunda Guerra Mundial, em 1945, o governo francês passou a incentivar programas experimentais de moradias sociais para tentar solucionar o déficit habitacional enfrentado no
Com a implementação do Plano Marshal, a intervenção do governo para a reconstrução territorial tornou-se extremamente necessária, uma vez que a iniciativa privada não apresentava respaldo técnico, nem financeiro para solucionar esta questão. De modo que, em 1944, foi criado o Ministério da Reconstrução e da Urbanística e, logo em seguida, o programa de construção HLM (habitation à loyer modere), que tinham por objetivo planejar áreas urbanas e rurais, cuidar das construções sub-
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
142
sidiadas e atingir a meta de produção de 200 mil unidades habitações por ano (POLETO, 2011). Para o governo francês a única saída para o gigantesco déficit habitacional enfrentado pelo país, principalmente após a II Guerra Mundial, seria o barateamento dos custos da construção que aumentariam a oferta de habitações e reativariam o poder do mercado imobiliário. Conforme dados do Relatório da Agence Européenne du Productivité, Bruna (1985, apud POLETO, 2011, p. 157) afirma que: (...) parece que a única maneira de resolver esse problema urgente seja introduzir métodos e técnicas novas que permitam industrializar uma produção que até aqui revestiu-se de um caráter artesanal.
A solução encontrada para a crise de moradia, que consistia na resolução da falta de materiais e equipamentos e da escassez de mão-de-obra especializada, foi a mecanização da construção através da estandardização. Poleto (2011) sublinha que esta solução tinha dois objetivos: a retirada do canteiro de obras aquilo que pudesse ser fabricado mecanicamente (com produção industrial e controle de qualidade) e a redução
das operações à simples operação de montagem, feita por poucos operários e equipamentos adequados. Essas atitudes refletiram-se na economia de gastos por parte do governo, pois a mecanização e absorção da mão de obra desqualificada do imigrante diminuiu drasticamente as tensões sociais. No que tange essa discussão acerca da reconstrução do país assolado pela guerra, é de extrema importância destacar a figura de Le Corbusier como um dos grandes debatedores do assunto, que apresentou diversas propostas concretas, além de desenvolver uma produção teórica intensa (ver Figura 90). Poleto (2011, p. 162) comenta que o seu primeiro projeto de unidade de habitação surge como o estudo de um (...) novo sistema de alojamento de emergência, com dois pavimentos e uma rua interna, denominadas unités d’habitacion transitories A ideia evoluiu para as unités d’habitacion de grandeur conforme, de caráter permanente, com capacidade de 400 moradias aproximadamente que abrigariam, numa única edificação os serviços necessários para a vida em comunidade: lojas, creches, lavanderias, espaços para lazer e exercícios.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
8.3.3 Os conceitos de habitações desenvolvidos por Le Corbusier Le Corbusier iniciou sua carreira em sua cidade natal, Chaux-de-Fonds, onde construiu suas primeiras moradias. O projeto mais notável é a casa de seus pais, no qual nota-se a tentativa de experimentação dos cinco pontos que caracterizarão sua arquitetura modernista. Em 1920 e até 1925, Le Corbusier e Amédée Ozenfant publicaram o artigo intitulado “o Novo Espírito” em que aparecem pela primeira vez os conceitos da modernidade industrial e da sua funcionalidade, mas
143
especialmente a estética resultante. A máquina, que está no centro da sua reflexão, se consolida como ponto de partida para o desenvolvimento da habitação mínima. Le Corbusier estabelece seus princípios para a Exposição das artes decorativas de Paris em 1925 no seu “pavilhão do novo espírito” e propõe um novo tipo de moradia, completamente oposta ao padrão da época (ver Figuras 91-92). Isto é, uma célula habitacional padronizada, simples e funcional que apresentava uma área verde individual, grandes janelas, mobiliário integrado num espaço
Figura 90: Fachada das unités d’ habitation transitories.
Fonte: ADAGP – FLC
144
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
aberto e muito luminoso. Este projeto será o ponto de partida para uma reflexão sobre habitação em massa, mas também sobre planejamento urbano moderno (POLETO, 2011). Entre os anos de 1927 e 1929, Le Corbusier aplica todas os cinco pontos da arquitetura modernista inicialmente na construção da villa Citrohan (referência ao Citroën, símbolo da industrialização e produção
em série) e na sequência, na Villa Savoye, sendo este ultimo o melhor exemplo da junção destes princípios, com a edificação sob pilotis, espaços interiores bastante iluminados, uma cozinha racionalizada e, finalmente, o terraço que oferece um lugar de lazer e visão da natureza circundante (ver Figura 93). O Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), também proporcionará
Figura 91: Vista externa do Pavilhão do espírito novo.
Fonte: CHATELAN e DRAGESCO, 2016.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
uma oportunidade para Le Corbusier evocar suas convicções. Assim, no 4º congresso de 1933, na capital grega, Le Corbusier será o principal instigador de uma carta que servirá como fundamentação para os processos de urbanização modernistas. A “Carta de Atenas” afirma as teorias desenvolvidas pelo arquiteto de um urbanismo baseado em quatro funções essenciais de uma cidade: viver, trabalhar, cultivar corpo e mente e, finalmente, circular (POLETO 2011). Os principais princípios que Le Corbusier aplicará, em 1947, para a unidade de Marselha são, portanto,
145
claramente influenciados pela Carta de Atenas. A cidade para conseguir garantir uma vida coletiva, deveria primeiramente gerar uma vida individual. A arquitetura deveria, portanto, ser em escala humana, do apartamento ao prédio, por todos os seus componentes. Influenciado pela mentalidade higienista, é essencial para o arquiteto que cada espaço da nova moradia receba o máximo de luz natural ao longo de o dia, de modo que as fachadas principais dessas células estão orientadas sistematicamente na direção leste-oeste, acompanhando a trajetória do sol.
Figura 92: Vista externa do Pavilhão do espírito novo.
Fonte: CHATELAN e DRAGESCO, 2016.
146
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
Segundo as concepções urbanísticas e arquitetônicas de Le Corbusier, essa seria a forma ideal para resolver o problema da habitação moderna, pois aperfeiçoaria a circulação e a infraestrutura urbana, propiciaria grandes áreas verdes pela alta densidade do edifício com vários pavimentos, permitiria o solo livre e o uso do teto-jardim, além de fomentar a necessária racionalização para a construção de tal estrutura. A unidade de habitação poderia ser vista assim, como um grande “condensador das teorias e práticas de Le Corbusier” nas três décadas anteriores à proposta (POLETO, 2011 p. 162). Após tentativas junto ao governo francês de programar a proposta em diversos planos de reconstrução, Le Corbusier consegue a aprovação do Ministério para construir uma unidade experimental em Marselha, em 1946.Com a eficácia deste exemplar, Le Corbusier projeta outras 04 unidades habitacionais, em Brieyen-Forêt, Rezé, Firminy e Berlim (ver Figura 94). 8.3.4 O Projeto A unidade de habitação de Marselha (1946-1952) foi considerada uma síntese do pensamento e estu-
dos de Le Corbusier. É neste projeto que, de forma pioneira, o arquiteto introduz as medidas do modulor em todas as etapas da construção, desde o desenho da célula habitacional até a cobertura do edifício (ver Figura 95). A Localizada num terreno de aproximadamente 4 hectares, ligeiramente inclinado, com vistas privilegiadas para as colinas e para o mar de Marselha, a unidade de habitação foi pensada como uma cidade vertical autossuficiente, na medida em que foi desenvolvida como um complexo residencial com uma série de serviços próprios (ver Figura 9698). Consistia, assim, num conjunto de módulos de apartamentos duplex de diversas tipologias, organizado com ruas interiores e pavimentos para serviços comuns. Trata-se de um volume arquitetônico de grandes dimensões: 140 metros de comprimento, 56 metros de altura e 24 metros de largura, com 18 pisos e 337 apartamentos duplex, cercado de grandes áreas verdes, evidenciadas na paisagem da própria cidade. A edificação é composta por uma estrutura em concreto armado, com lajes a cada três pavimentos, combinada a uma
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
147
Figura 93: Croquis de concepção da unidade de habitação e a relação com a vegetação externa e a insolação.
Fonte: SBRIGLIO, 2013.
Figura 84:Unidade de habitação de Berlim.
Fonte: CHATELAN e DRAGESCO, 2016.
148
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
Figura 95:Fachada posterior da unidade habitacional de Marselha.
Fonte: SBRIGLIO, 2013.
estrutura metálica pré-fabricada. A base do edifício tem um aspecto pesado e uma forte presença visual devido não só à sua materialidade e grandeza como, também, ao seu modo de sustentação, feita por uma fila dupla de pilares, ou pilotis, que elevam o edifício a 8,38 metros de altura (NEVES, 2015). Estes pilotis remetiam aos “cinco
pontos da nova arquitetura6” pensados por Le Corbusier em 1927, e 6 Estes cinco conceitos, descritos a seguir, permitiram tornar os elementos constitutivos do projeto independentes uns dos outros, possibilitando a maior liberdade de criação. Planta Livre: através de uma estrutura independente permite a livre locação das paredes, já que estas não mais precisam exercer a função estrutural; Fachada Livre: resulta igualmente da independência da estrutura. Assim, a fachada pode ser projetada sem impedimentos; Pilotis: sistema de pilares que elevam o prédio do chão, permitindo o trânsito por debaixo do mesmo; Terraço Jardim: “recupera” o solo ocupado pelo prédio,
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
149
Figura 96:Implantação da unidade habitacional de Marselha.
Fonte: NEVES, 2015, modificado pela autora.
constituem, também, um elemento essencial no desempenho estrutural do edifício. A configuração dos pilares, como uma ”caixa” oca, permite a passagem de instalações e tubulações no seu interior: estão posicionados as cozinhas e os canais de ventilação de toda a edificação nos eixos dos pilotis, de modo sistemático. Acima dos pilotis localiza-se um “piso artificial” que percorre todo o “transferindo-o” para cima do prédio na forma de um jardim; Janelas em fita: possibilitadas pela fachada livre, permitem uma relação desimpedida com a paisagem.
edifício, composto por uma malha de vigas longitudinais e transversais que define a estrutura primária sobre a qual se apoia toda a estrutura secundária que contém os apartamentos. (SBRIGLIO, 2004, apud NEVES, 2015 p. 50). A autossuficiência deste projeto reside na organização do seu programa que previa o estabelecimento de espaços de serviços comuns a todos os moradores, no sétimo e oitavo pavimentos, conhecidos como ruas comercias. Tratam-se de espaços com
150
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
mais de 20 serviços, tais como: lavanderia, ambulatório, livraria, farmácia, bar, mercearia, restaurante e ainda um hotel de 18 habitações (ver Figura 99-103). Estas ruas pretendiam recriar o ambiente comercial e de convívio social, revelando o caráter de cidade vertical que Le Corbusier quis imprimir ao seu projeto (SBRIGLIO, 2004). Além destes equipamentos, o arquiteto instalou, na cobertura do edificío, espaços voltados para o lazer dos moradores e das crianças residentes na unidade, tais como: ginásio, academia, pista de corrida e escola infantil (ver Figuras 104-106) . A unidade de habitação de Marselha acolhe cerca de 1600 pessoas, com 337 habitações de 23 tipologias diferentes, que vão desde a quitinete ao apartamento para grandes famílias (ver Figura 107-111). Partindo da ideia de inexistência de empregados e do máximo aproveitamento do espaço doméstico, o projeto das habitações apresenta o modelo de células que se baseia em elementos pré-fabricados, combináveis através de um modo de encaixe entre duas habitações, permitindo a rentabilização do espaço, como se a estrutura fosse uma garrafeira e as habitações
garrafas (POLETO, 2011). Além das noções de ordem, geometria, funcionalidade, economia de espaço e de tempo, a escala humana desenvolvida no modulor também rege o projeto dos móveis. Para Le Corbusier o objeto deve ser uma extensão do corpo humano, uma espécie de “membro artificial”, que auxilia na execução das tarefas diárias. Além disto, os avanços tecnológicos da época – como o triturador de lixo ou o fogão elétrico equipado com exaustor – e inovações como a coleta de lixo individual, por exemplo, são utilizados no edifício para organizar a vida dos moradores (NEVES, 2015, p. 45). O hall de entrada da célula “E2”, a mais recorrente no projeto, funciona como espaço de transição entre a rua interior e o apartamento, resguardando o seu interior. A porta que separa o hall de entrada da sala de jantar e de estar é a mais larga e a sua forma de abrir permite ocultar a cozinha. A cozinha e a sala de jantar são uma área aberta e integrada, relacionando-se diretamente com a (SBRIGLIO, 2004, apud NEVES, 2015). Os quartos são reduzidos ao máximo para deixar um espaço maior em
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
151
Figura 97:Planta do pavimento térreo da unidade habitacional de Marselha.
Fonte: NEVES, 2015, modificado pela autora.
Figura 98:Planta do pavimento tipo da unidade habitacional de Marselha.
Fonte: NEVES, 2015, modificado pela autora.
planta livre para a sala, projetada para ser o foco da vida em família (SBRIGLIO, 2004). Nesta tipologia, os quartos das crianças estão separados por uma divisória deslizante para unificar ou separar os espaços, e o mobiliário separa a área de dormir dos banheiros. Sobre estes espaços, vale ressaltar a atenção dada por Le Corbusier que organizou longitudinalmente as suas quatro principais funções desenvolvidas, a área
de estudo, a de higiene pessoal, a de repouso e, por fim, a de lazer. Pode-se observar no projeto da unidade de habitação de Marselha a existência de 23 tipos de apartamentos que vão desde estúdios a dúplex de 196m² (ver Tabela 09). Le Corbusier propõe, portanto, uma grande variedade tipológica, apesar das fortes restrições formais, como a profundidade de construção de mais de 24 m ou a largura da grade es-
152 Figura 99: Planta perspectivada do pavimento superior de serviรงos comuns da uidade habitacional de Marselha.
Fonte: SBRIGLIO, 2013, modificado pela autora.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
153
Figura 100: Rua de serviços localizada no 7º pavimento.
Figura 101: Rua de serviços localizada no 8º pavimento.
Fonte: SBRIGLIO, 2013.
Fonte: SBRIGLIO, 2013.
Figura 102:Planta do sétimo pavimento, situando a lavanderia coletiva na rua de serviços comuns da unidade de habitação.
Fonte: NEVES, 2015, modificado pela autora. Figura 103: Planta do oitavo pavimento, situando a lavanderia coletiva na rua de serviços comuns da unidade de habitação.
Fonte: NEVES, 2015, modificado pela autora.
154
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
Figura 104: Planta do décimo sétimo pavimento, onde situa-se a creche infantil da unidade de habitação.
Fonte: NEVES, 2015, modificado pela autora.
Figura 105: Planta perspectivada da creche infanti, localizando seus principais componentes.
Fonte: SBRIGLIO, 2013.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
155
Figura 106: Equipamentos da cobertura da unidade de habitação de Marselha. Legenda: Figura 106. 01: Imagem da pista de corrida na cobertura da Unidade de Habitação. Figura 106.02: Imagem do recreio da escola infantil na cobertura da unidade de Habitação. Figura 106. 03: Imagem da escola infantil e da torre dos ascensores na cobertua da Unidade de Habitação. Figura 106. 04: Imagem das escadas de acesso ao ginásio na cobertura da Unidade de Habitação.
Fonte: SBRIGLIO, 2013.
trutural. A célula básica que o arquiteto projeta, denominada E2, objetiva abrigar uma família tradicional, composta pelo casal e pelos filhos (até quatro filhos), cujo dimensionamento baseia-se no sistema modulor, apresentando cerca de 3.66m de largura e 2.26m de altura.
8.4 Conjunto Habitacional Prefeito Mendes de Moraes - Pedregulho No início do século XX, a cidade do Rio de Janeiro, então capital do país, passava por período de transição na sua atividade econômica: antes caracterizada pela agroindústria cafeeira (de trabalho escravo e voltada
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
156
Figura 107: Planta e corte da célula “E2” da unidade de habitação de Marselha. 9 9
6 6 7
7
7
10
8
4 1
2 3
5
Legenda: 1- Corredor de acesso; 2- Hall de entrada; 3- Cozinha; 4- Escada; 5- Estar; 6- Hall; 7- BWC; 8- Quarto principal; 9- Quartos; 10- varanda
Fonte: NEVES, 2015, modificado pela autora.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
Figura 108: Perspectiva isométrica da célula “E2” .
Fonte: SBRIGLIO, 2013.
157
158
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
Figura 109: Ocupação e conexão dos espaços do pavimento térreo da célula “E2”.
Fonte: Mazo © FLC/ADAGP
Figura 110: Ocupação e conexão dos quartos infantis da célula “E2”.
Fonte: Mazo © FLC/ADAGP
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
159
Figura 111: Perspectiva isométrica dos componentes da cozinha da célula “E2”.
Legenda: 1- geleira; 2- bancada; 3- caixa de entregas; 4- porta interior da caixa; 5- gaveta para vegetais; 6- porta sabão; 7- tábua; 8- gaveta para utensílios; 9- placa elétrica; 10- plano de trabalho em cerâmica; 11- plano de trabalho em alumínio; 12- armário com exaustor; 13armário superior; 14- contador; 15- bacia de escoamento da bancada; 16- passa-pratos; 17 aparador. Fonte: SBRIGLIO, 2013.
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
160
para exportação de seus produtos), caminhava agora para sua fase capitalista-industrial. Gradualmente, uma cidade industrial que acompanharia o cenário europeu e sobretudo, o pensar modernista. Martins (2011, p. 45) subli-
nha que: (...) a cidade moderna é cada vez mais pensada e realizada para uma coletividade, com crescente oferta de serviços à população e o investimento em formas de socialização dos meios de consumo denominados coletivos:
Tabela 09: Tipologias habitacionais e característiccs.
Tipo
Quartos
Superfície (m²)
Proporção (%)
Quantidades
A
1
13.00
4.9%
16
B
1
32.50
8%
26
C
2
59.00
13.5%
44
E1
4
98.00
6.4%
21
E2
4
98.00
61%
199
G
6
137.00
5.2%
17
H
7
196.00
1%
3
Fonte: NEVES, 2015, modificado pela autora. sistemas de transporte (bondes, estradas de ferro), telégrafo, iluminação das ruas a gás. Essa tentativa de universalização do acesso aos serviços urbanos era percebida por alguns como a sua democratização.
Todavia, este processo de modernização também se apresentou bastante contraditório e excludente.
8.4.1 A questão da habitação social no Brasil A migração devido à crise de 30 que afeta o emprego no campo e o aumento do comércio e dos serviços na cidade do Rio de Janeiro, acaba por ser a principal responsável pelo crescimento populacional na cidade. Neste sentido Silva (2006, p. 29) afirma que:
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
161
sem muito valor comercial. Em
gas tinha um projeto de formação de uma identidade nacional, tendo como principal instrumento a ação do Ministério da Educação e Saúde (MIES).
contrapartida, a concentração
A pessoa, enquanto ser social,
da população urbana torna inte-
deveria passar por regras de so-
ressante a atuação dos políticos
ciabilidade, desta forma, ao mo-
na cidade.
vimento de fornecer habitação
Sem muita alternativa para a aquisição de moradia, a população pobre acaba por intensificar a ocupação de encostas e mangues, terrenos públicos ou
Somente a partir da ascensão de Getúlio Vargas (1883-1954) ao poder que o cenário se transformaria, com a adoção de políticas públicas voltadas para a questão habitacional. A ideia de justiça social, firmada no Estado Novo, abrange assegurar uma vida mais digna ao trabalhador, garantindo bem-estar nacional através de alguns itens de base: saúde, alimentação, educação e habitação. A ideologia de obrigação política do governo para com a população civil trouxe o Estado mais próximo aos espaços de produção industrial através, por exemplo, da legislação sindical e das leis trabalhistas e, por consequência na criação de fundos de previdências e pensões cuja finalidade era o financiamento da moradia (NASCIMENTO, 2008) A busca pela produção da moradia era apenas uma vertente da política do Estado Novo. O governo Var-
(integrado com escola, posto de saúde, assistência social) era associado um papel pedagógico: era preciso organizar-se aprender as sociabilidades condizentes com seu papel na sociedade, consciente de seus direitos sociais, seus direitos e deveres (NASCIMENTO, 2008, p.29).
Gustavo Capanema, então ministro da Educação, convida para trabalhar no Ministério figuras da intelectualidade modernista brasileira, como Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade. Lucio Costa é chamado por Capanema para realizar um novo anteprojeto para o prédio do MES, pois o projeto selecionado não condizia com as propostas modernizantes aspiradas pelo Ministério (SEGAWA, 1999). Costa organiza uma equipe, da qual Affonso Eduardo Reidy é um dos integrantes. Ele também viabiliza junto a Capanema a visita de Corbusier ao Brasil, com a finalidade de
162
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
prestar consultoria ao grupo. Executado, o prédio acaba se tornando referência mundial para a Arquitetura Moderna, vindo, mais tarde a surpreender até mesmo Corbusier. Estava atingido, na construção do prédio do MES, o objetivo de, através da nova estética introduzida pela Arquitetura Moderna, firmar uma Identidade Nacional (SILVA, 2006). O desejo de construir um empreendimento que destacasse o potencial da arquitetura que estava se desenvolvendo no Brasil para o mundo; legitimar esta arquitetura com a bandeira do atendimento social; e ainda ter um Governo preocupado em marcar a identidade nacional através das artes, principalmente a arquitetura, foram fatores que possibilitaram a execução do Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes (NASCIMENTO, 2008). 8.4.2 Os conceitos de liberdade feminina e a figura de Carmem Portinho Ativista do movimento feminista no Brasil, Carmen Portinho havia se formado engenheira geógrafa em 1924 e engenheira civil em 1926 pela antiga Universidade do Brasil (atual UFRJ) e se tornado especialis-
ta em urbanismo. Sua aproximação com o movimento moderno e com os conceitos de habitação social ocorreu no início dos anos 40 e em 1944, candidatou-se a uma bolsa de estudos oferecida pelo governo britânico para acompanhar o processo de reconstrução do pós-guerra. Após passar seis meses na Inglaterra, Carmen retornou ao Brasil fortemente envolvida com o tema da habitação social e determinada a implementar suas ideias no cenário carioca (SILVA, 2006). Nesse período, Carmen passa a ser colunista do jornal Correio da Manhã, publicando uma série de artigos intitulados “Habitação Popular”, nos quais ela defende a organização e execução de um plano para a construção de habitações destinadas aos grupos sociais menos abastados que se justificava pelo crescimento expressivo das favelas nos morros do Rio de Janeiro e da ausência de moradias adequadas. Em seus textos, Carmem adotava a postura crítica e via nessas publicações a oportunidade de mostrar suas ideias e defender seus conceitos para a população. Seu primeiro artigo denunciava o fracasso das cidades-jardim visitadas na Inglaterra,
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
afirmando que esses locais haviam se transformado em cidades-dormitório e passavam uma impressão de tristeza e abandono. Tão distantes eram as casas dos centros urbanos e também dos empregos de seus moradores, que todas as tarefas cotidianas, como ir ao mercado, frequentar uma escola ou até mesmo recorrer aos serviços médicos, tornavam-se terrivelmente difíceis. (NASCIMENTO 2008, p. 23)
No artigo publicado em 02 de junho de 1946, intitulado “Trabalho Feminino”, Carmem enfatiza a importância de se incorporar a mão-de-obra feminina no período pós-guerra e ressalta as contribuições que as mulheres propiciaram à economia europeia durante a segunda Guerra Mundial, afirmando que esta atitude seria indispensável a todos os “grandes países produtores”. Portinho traça um paralelo entre o papel desempenhado pela mulher na produção agrária e industrial na Rússia, na Alemanha e a situação brasileira que, afastava toda e qualquer colaboração feminina em cargos de trabalhos produtivos, que gerassem fonte de renda direta ao país (PORTINHO, 1946). Sobre a questão da habitação, o
163
pensamento de Carmen se fundamentava no pensamento de que a “casa isolada como ideal de moradia estava ultrapassada, pois induzia ao individualismo”, enquanto que a habitação coletiva, estimulava a vida em coletividade, desde que tratada de forma ampla, considerando todos os aspectos inerentes à sociedade indispensavelmente: habitação, transporte, trabalho e lazer. “Habitação era um problema social e urbano e como tal deveria ser tratado”. (PORTINHO, 1946, apud SILVA, 2006, p. 58). Influenciada pelos ideais modernos da habitação mínima, Portinho sublinha a importância de se eliminar espaços desnecessários das moradias e mecanizar os indispensáveis, como a cozinha, no estabelecimento de relações menos desiguais entre homens e mulheres. Deste modo, ao implementar equipamentos de uso coletivo, como a lavanderia e a creche infantil, em conjuntos habitacionais, a mulher trabalhadora estaria “livre” da realização dos afazeres domésticos e do cuidado com as crianças em tempo integral. Em linhas gerais, a lavanderia coletiva e a creche infantil materializam dois conceitos de uma só vez: a econo-
164
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
mia do espaço interno da habitação e ajuda à mão cansada da operária nas tarefas domésticas (PORTINHO, 1946 apud SILVA, 2006). 8.4.3 O papel do DPH A partir da criação do Departamento de Habitação Popular (DPH) da Prefeitura do Rio de Janeiro, então capital do país, em 1946, a demanda habitacional passa a ser discutida sob a ótica da moradia coletiva. Sob a chefia de Carmen Portinho, o DPH ao incorporar as experiências de Le Corbusier na Unidade de habitação de Marselha, propõe a criação um projeto global de cidade baseado na construção de conjuntos residenciais autônomos, inseridos em diferentes pontos da cidade (SILVA, 2006). O campo de atuação do DHP direcionava-se para o projeto e construção de Conjuntos habitacionais, tendo como público os funcionários municipais. Mas também tinha uma vertente voltada para o licenciamento de projetos para casas, as denominadas “casas proletárias” com área máxima de 70 m², ou 60 m² por pavimento, no caso de possuírem dois pavimentos. O departamento deixava a disposição do público, projetos para pequenas casas, formulados
por seu corpo de arquitetos (SILVA, 2006). Durante o período em que Carmem se manteve na direção do DHP, Reidy assume também a diretoria do Departamento de Urbanismo do Rio de Janeiro. No cenário carioca, esta associação entre as diferentes esferas de gestão significou inúmeras transformações na cidade sob a influência do movimento moderno, como o Aterro do Flamengo, a estruturação do novo centro municipal na área central e, sobretudo, o programa de habitação social. Os projetos do DHP passaram a ser mais diretamente vinculados ao pensamento urbanístico para a cidade, não apenas porque intervinham, de fato, no espaço urbano, mas também porque Affonso Reidy os relacionava na sua pratica entre um departamento e outro. Sobre este aspecto, Portinho (1946, apud NASCIMENTO, 2008, p. 26) enfatiza a associação entre os departamentos e afirma que: Habitação é urbanismo, pois a moradia na sua expansão compreende os problemas urbanos gerais. Assim o Departamento de Urbanismo seria consequência do Departamento de Habitação. As soluções se acham interliga-
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
165
Figura 112: Vista área do conjunto habitacional Pedregulho.
Fonte: BONDUKI, 2011. das, toda a vez que cuidamos de um conjunto a projetar.
Para os idealizadores do Conjunto Mendes de Moraes, deveria haver para cada bairro, um Conjunto seguindo seu padrão de autonomia, cujos moradores deveriam ser funcionários da prefeitura do DF que trabalhassem nas redondezas. Assim, o DHP conseguiu executar além do Mendes de Moraes (1947), os Conjuntos Marquês de São Vicente, na Gávea (1952), contendo 748 unidades no projeto, tendo sido executadas apenas 328; o Conjunto Residencial de Paquetá (1952), localizado na ilha carioca de mesmo nome, com 27 unidades; e o Conjunto Residencial Santa Isabel (1955), localizado em Vila Isabel, na Rua Barão do Bom Retiro. Os dois primeiros são de
autoria de Reidy e os dois últimos de autoria do arquiteto Francisco Bologna (SILVA, 2006). 8.4.4 O projeto A concepção do Conjunto Mendes de Moraes levou em consideração todos os pressupostos da Carta de Atenas, de modo que a implantação do projeto visou aproveitar a parte acidentada do terreno com a edificação que abrigaria o maior número de unidades habitacionais . O bloco único foi implantado de maneira a acompanhar o desenho feito pelas curvas de nível do terreno, fazendo-se assim pouco movimento de terra. O uso de pilotis tinha então duas funções: a primeira era a de elevar o bloco do solo, para que possibilitar a criação de bosques
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
166
Figura 113: Implantação do conjunto Pedregulho e a localização dos seus blocos.
Fonte: BONDUKI, 2000, modificado pela autora. para passeio; a segunda era a de também vencer ainda alguns acidentes do terreno, não precisando planificá-lo (SILVA, 2006, p.32).
Na parte inferior do terreno, foram implantados os blocos de uso destinados aos serviços de assistência pública e lazer: posto de saúde, lavanderia coletiva e cooperativa, escola primária, ginásio, vestiários e a piscina. Nos níveis intermediários, foram dispostos os dois blocos residenciais secundários, B1 e B2 (ver Figuras 112-113). Portinho e Reidy vinha na educa-
ção a principal ferramenta de transformação social e, entendendo a importância que a escola primária teria na realidade das famílias do conjunto, (...) definiu o dimensionamento do número de moradias, de acordo com a capacidade de vagas que a escola poderia suportar, bem como pela distância máxima a ser percorrida a pé pelas crianças. (SILVA, 2006, p. 34).
Neste sentido, afirmam que: A escola primária é, sem dúvida, um dos mais importantes elementos da comunidade. É um
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
167
Figura 114: Rampa de acesso à escola primária.
Fonte: Centro de Documentação - MAM. centro de influência atuando na
co, que se reflete na conjugação
formação do caráter e das per-
de abobadas com fechamentos
sonalidades das gerações futu-
verticais revestidos com painéis
ras. Na escola primária a criança
de azulejo decorados (SILVA,
aprende a viver e a se comportar
2006, p. 37).
em sociedade. A influência da escola ultrapassa a criança e vai penetrar nos lares de seus pais, levando aos mesmos noções e conhecimentos que muito contribuem para elevar seu nível de educação. (PORTINHO e REIDY apud BONDUKI, 2000, p. 84)
Localizados no centro do Conjunto, os blocos educacionais e os blocos destinados ao lazer (ver Figura 114), possuem um rebuscado tratamento plásti-
Estes painéis de cerâmica foram produzidos por famosos artistas modernistas, como Cândido Portinari, Anízio de Medeiros e Roberto Burle Marx, e tinha por objetivo integrar o saber arquitetônico às artes plásticas, além de oferecer aos moradores do conjunto a vivencia artística no seu cotidiano (ver Figura 115). Sobre o funcionamento e importância desempenhados pela escola primária, Portinho e Reidy afirmam
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
168
que: A sala de aula é o elemento básico de uma escola moderna. Sai do tipo tradicional para construir uma unidade individual que permite uma relação mais íntima entre mestres e alunos, maior flexibilidade na disposição do mobiliário e maior contato com o exterior, utilizando espaços ao ar livre imediatamente ligado às mesmas. Pelo Censo realizado, verificou-se que a escola primária do Conjunto deveria ter capacidade para a frequência de 200 crianças (de 7 a 11 anos), ou seja, cinco salas de aulas de 40 alunos cada. (...) as salas de aula prolongam-se em amplos terraços ao ar livre, nos quais, durante os dias mais quentes, são realizados os trabalhos escolares. A escola funciona em dois turnos, podendo, pois, atender não só os moradores do Conjunto, como também parte das crianças excedentes das escolas dos bairros vizinhos. (PORTINHO e REIDY apud BONDUKI, 2000, p. 86)
Além da escola primária, o apoio educacional às famílias do Pedregulho seria iniciado com a implantação de creches e escolas maternais, associadas aos blocos A e C. Esta preocupação com a educação infantil revelam as intenções projetuais de
Portinho e sua visão feminista sobre as atividades de cuidado e manutenção do lar. Como sublinha Silva (2006, p. 40): a mãe ao sair para o trabalho deixaria o filho pequeno no próprio prédio, em espaços projetados para o desenvolvimento de sua educação, até que se atingisse a idade de frequentar a escola primária.
O funcionamento da lavanderia coletiva estava definido no artigo 16 do regimento interno do conjunto, que definia seu uso exclusivo para os moradores do Conjunto, sendo a taxa inclusa no aluguel. “Era vetado, segundo o regulamento, lavar roupas nas unidades habitacionais ou nas áreas comuns do conjunto. ” (SILVA, 2006, p. 43). A introdução de novos hábitos aos habitantes do Pedregulho, perpassava não só pela solução arquitetônica adotada, como também pela intimidade dos moradores. Neste sentido, a implantação da lavanderia coletiva significou uma intensa modificação nos modos de vida destes habitantes, pois a adoção de um sistema automatizado de lavagem significou a supressão da área de serviço nos apartamentos. Segundo Portinho e Reidy (1955
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
169
Figura 115: Painéis da fachada oeste da escola primária.
Fonte: http://labhabufrj.weebly.com/conjunto-pedregulho.html
apud BONDUKI, 2000, p. 87), esta supressão viabilizou economicamente o custo da construção da edificação da lavanderia coletiva e descrevem que: A lavagem gratuita da roupa demonstrou, em três anos de experiência, ser um valioso auxiliar no serviço social, porque produziu uma sensível modificação no aspecto e modo de vida dos moradores, principalmente nas crianças, as quais anteriormente andavam sujas e mal cuidadas, por não terem suas mães tempo suficiente para lavar e passar, com a necessária frequência, as roupas de seus filhos, ocupadas que estavam com os demais serviços da casa, limpando arrumando, cozinhando, cozendo, etc. Estas mesmas crianças apresentam-se hoje limpas e com
boa aparência e suas mães dispões de tempo extra para outros misteres.
O caráter inovador da edificação da lavanderia coletiva está centrada na solução projetual adotada e no tipo de funcionamento (ver Figuras 116-118). O bloco da lavanderia coletiva, que ocupava a mesma edificação da cooperativa, contava com uma organização espacial que permitiria a “linha de produção” do processo de lavagem mecanizada. Sobre este aspecto Silva (2006, p. 45) pontua que: as roupas eram recebidas através de um balcão, em seguida marcadas, lavadas e desinfetadas, armazenadas nos escaninhos correspondentes aos apartamentos, sendo retiradas pelos
170
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
Figura 107: Bloco da lavanderia coletiva e da cooperativa do conjunto Pedregulho.
Fonte: AGCRJ, 1950, apud SILVA, 2006.
Figura 117: Vista do acesso ao posto de saúde do conjunto Pedregulho.
Fonte: AGCRJ, 1950, apud SILVA, 2006.
MORFOLOGIA E SEXISMO SEXISMOEM EMESPAÇOS ESPAÇOSDOMÉSTICOS DOMÉSTICOS
15 171
Figura 118: Planta baixa da lavanderia coletiva e da cooperativa do conjunto.
Legenda: 1. Terraço de acesso; 2. Boxes; 3. BWC; 4. Circulação; 5. Marcação de roupas; 6. Lavanderia; 7. Vestiário; 8. Expedição; 9. Administração Fonte: BONDUKI, 2000, modificado pela autora.
Figura 119: Planta baixa do posto de saúde do conjunto Pedregulho.
Legenda: 1. Entrada; 2. Recepção; 3. Consultórios; 4. Farmárcia; 5. Administração; 6. Lavatórios; 7. Curativos; 8. BWC; 9. Refeitório e cozinha; 10. Lavanderia; 11. Entrada de serviço; 12. Jardins; 13. Quarto. Fonte: AGCRJ, 1950.
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
172
moradores por outro balcão, já passadas. A lavanderia contava também com acesso de serviço, banheiro para os funcionários e sala de administração. O acesso do público era restrito ao pátio de entrada da edificação.
A solução projetual adotada na cooperativa é marcada pela adoção de um pátio coberto, circundado por brises horizontais, que funciona como elemento de ligação entre os boxes, sendo feita através de balcões.
precaver doenças, e quando estas não pudessem ser evitadas, poderiam ser lá mesmo tratadas. A edificação destinada ao posto de saúde contava então com recepção, consultórios, sala para curativos, farmácia, sanitários, quartos para observação (estes acoplados aos jardins e equipados com banheiros), e os compartimentos de apoio como administração, refeitório, cozinha e lavanderia. A varanda localizada na parte da frente a edificação destinava-se à espera, sendo
Num total de seis, estes boxes
protegida da insolação por bri-
eram destinados à mercearia,
ses verticais (SILVA, 2006, p. 45).
açougue,
peixaria,
quitanda,
lacticínios e padaria. Dois desses boxes eram equipados com frigorífico e um deles com depósito. Os acessos de serviço e público eram separados. O primeiro contava com baia de estacionamento, carga e descarga. Apenas através deste acesso chegava-se aos boxes e aos sanitários para funcionários (SILVA, 2006, p. 45).
O programa de serviços coletivos do conjunto habitacional Pedregulho conta ainda com um posto de saúde, no qual cada morador receberia atendimento médico e dentário (ver Figuras 117-119). Acreditava-se que com o devido acompanhamento da saúde dos moradores se poderia
O bloco A foi desenvolvido em sete pavimentos: nos dois pavimentos inferiores destinou-se a localização exclusiva das células “Q”, enquanto que nos quatro pavimentos superiores implantou-se as células “D” que contavam com um a quatro quartos, acessados pelo quarto ou sexto andar (ver Figura 120). Os corredores de circulação que dão acesso às células habitacionais são laterais e possuem boas condições de iluminação e ventilação natural, através do uso de cobogós, compensando orientação desta fachada para o oeste (ver Figura 121). O acesso à edificação ocorre pelo pavimento intermediário, ou o 3º an-
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
173
Figura 120: Planta baixa dos pavimentos do bloco A do conjunto Pedregulho.
Fonte: BONDUKI, 2000.
dar, onde está localizada a área de pilotis, que funciona como um grande pátio de encontro, e as áreas da administração e do serviço social (ver Figura 122). Conforme os próprios Reidy e Portinho (1955 apud BONDUKI, 2000, p. 84) , este pavimento deveria: (...) proporcionar uma imensa área plana, bem ventilada e protegida, onde as crianças poderão abrigar-se nas horas mais
quentes e nos dias mais chuvosos. Será parcialmente ocupado pela instalação do Serviço Social e da Administração, assim como pela escola maternal, o jardim de infância e o teatro infantil. (...) A solução duplex foi adotada para a maioria dos apartamentos por ser aquela que oferece melhor rendimento pela possibilidade de atingir, sem elevador, a quatro pavimentos, e permitir, mediante maior profundidade do bloco, o mínimo de testada,
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
174
Figura 121: Circulação interna do bloco A do conjunto Pedregulho.
Fonte: https://noticias.uol.com.br/restauracao-do-edificio-pedregulho-no-rio.html
aumentando desta forma o número de unidades do bloco.
Sobre as tipologias habitacionais do bloco A, as células “Q” possuem solução que reflete a preocupação dos arquitetos com a eficiência da habitação, reduzindo sua superfície a áreas mínimas. Assim, esta unidade habitacional apresenta a cozinha fechada e apenas um quarto, conectado ao estar (ver Figuras 123-124). As células “D” possuem uma planta dividida em dois pavimentos e, em sua maioria conta com dois quartos. Através de um hall se tem acesso à cozinha, à escada que leva ao pavimento superior, onde localizam-se
os quartos, e à sala (ver Figuras 125126). Sobre a possibilidade de acréscimo de quartos, Silva (2006, p. 52) afirma que: (...) ocorre graças à disposição dos quartos voltados para os fundos. O acesso ao quarto dos fundos de um apartamento é fechado, abrindo-se outro acesso para o apartamento vizinho, através da criação de uma circulação, com a supressão de uma parte de um dos quartos. A possibilidade de apartamentos de quatro quartos ocorre apenas no último pavimento, com o aproveitamento da área da escada que não segue até a cobertura.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
Figura 122: Pilotis intermediário, localizado no terceiro pavimento, do Bloco A.
Fonte: Guimarães, 2015. Figura 123: Área interna da célula “Q”.
Fonte: Silva, 2006.
175
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
176
Figura 124: Planta baixa da célula “Q”, localizada no bloco A.
1
3
2
4
5
6
Legenda: 1- Corredor de acesso; 2- Hall de entrada; 3- Cozinha; 4- BWC; 5- Espaço Estar; 6- Quarto Principal.
Fonte: BONDUKI, 2000, modificado pela autora. Tal como ocorre nos apartamentos conjugados, uma parte que sobra da escada coletiva é incorporada nos dois pavimentos de um dos apartamentos vizinhos.
Os dois blocos residenciais secundários, B1 e B2, possuem uma forma de barra linear e estão suspensos sob pilotis, assim como o bloco principal. Nestes volumes, as soluções das tipologias habitacionais são semelhantes àquelas adotas no bloco A, células variantes do tipo “D”, que contam com dois, três ou quatro quartos, e
uma planta dividida em dois pavimentos a partir da sua setorização funcional. No pavimento térreo, localiza-se o setor social e o setor de serviço, enquanto que no pavimento superior está situado o setor privado. 8.4.5 Regulamento interno De modo geral, para Portinho, a harmonia do conjunto dependia da “disciplina dos moradores”, de modo que foi instituído um grupo de assistentes sociais para elaborar o regimento do Pedregulho, que teria sido
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
177
Figura 125: Planta baixa da célula “D”, localizada no bloco A.
1 9 8
3
5
2
4 7 5
6 10
Legenda: 1- Corredor de acesso; 2- Hall de entrada; 3- Cozinha; 4- Despensa 5- Escada; 6- Espaço Estar; 7- Hall; 8- BWC; 9- Quarto; 10- Quarto Principal.
Fonte: BONDUKI, 2000, modificado pela autora. Figura 126: Área interna da célula “D”.
Fonte: https://noticias.uol.com.br/restauracao-do-edificio-pedregulho-no-rio.html
178
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
criado com o objetivo de promover o bem-estar social, garantindo a assistência necessária às famílias moradoras do conjunto (SILVA, 2006). Sobre este regimento é possivel compreender sua essência autoritária, ao observar que a promoção do o bem-estar social só seria garantido mediante o respeito às regras impostas para a moradia no conjunto (ver Figura 127). O Serviço Social estava dividido em dois grupos: o primeiro, Serviço Social de Família, que ligava-se à cada família e o segundo, Serviço Social de Grupo, que tratava das questões do conjunto como um todo. Este último se dividia em outros quatro subgrupos: Cultural, Médico, Escolar
e Econômico. A partir da leitura do regimento interno, Silva (2006, p. 37–40) sintetiza as principais incumbências de cada subgrupo, assim o setor Cultural – recreativo deveria: i) promover cursos, palestras, reuniões periodicamente; ii) proporcionar recreação física e mental em atividades esportivas, sociais e culturais; iii) promover cursos de economia doméstica; Observa-se que esta normatização tinha por objetivo esclarecer aos moradores os benefícios e a importância da convivência coletiva, que baseava-se na “cooperação social, no espírito de equipe, na solidariedade e no respeito mútuo” (SILVA, 2006,
Figura 127: Capa do regulamento interno do conjunto Pedregulho.
Fonte: NPD, apud SILVA, 2006.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
p. 39). O Setor Médico, materializa todas as questões higienistas provenientes do movimento moderno, e seria o responsável pelo controle, diagnóstico e a cura de doenças infectocontagiosas. Assim, este setor seria responsavel por: i) promover e manter estreita colaboração com os serviços médicos do Conjunto Residencial para garantir a preservação da saúde coletiva; ii) proceder o aconselhamento médico, odontológico e relativo à higiene pessoal; iii) auxiliar o tratamento dos casos clínicos por uma constante orientação social e educativa dos doentes; iv) estudar e seguir os casos individuais dos hospitalizados; v) promover o ajustamento social dos casos individuais que exijam readaptação; vi) promover o ajustamento dos casos de menores anormais; vii) encaminhar periodicamente as famílias aos serviços Médicos do Conjunto para controle do estado físico; viii) entrar em entendimento com os Serviços de Biometria Médi-
179
ca e Hospital do Servidor (DAF), quando a sua cooperação se fizer necessária, para a garantia da Assistência médico-social, as famílias residentes no Conjunto; ix) promover campanhas de educação sanitária, alimentar, sexual e profilaxia das doenças venéreas. Ao Setor Escolar, caberia oferecer e acompanhar a educação à crianças e adolescentes, através da disciplina e da colaboração entre pais e escola. Suas atribuições eram: i) promover o ajustamento da criança ao convívio escolar a fim de ser alcançado o melhor rendimento das atividades escolares; ii) pesquisar e estudar as causas de impontualidade, ausências e indisciplina dos escolares; iii) entrar em entendimento com a Diretora da Escola do Conjunto quando a sua cooperação se fizer necessária para a solução de assuntos de natureza social; iv) manter estreita colaboração da família com a escola. Por fim, ao Setor Econômico, caberia “organizar cooperativas de consumo e trabalho” (DHP, 1950, apud SILVA, 2006 p. 40). As cooperativas ocupariam a edificação destinada
180
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
ao mercado, que funcionaria já na inauguração do conjunto. Em paralelo, ao Serviço Social de Família competia: i) promover o ajustamento social de cada família residente no Conjunto; ii) estudar os problemas econômico-sociais das famílias e promover a adoção de medidas tendentes a solucioná-los; iii) colaborar com a administração do Conjunto na pesquisa e identificação das causas não-cumprimento do regulamento; iv) promover entrevistas com os descontentes e ajustamento das queixas; v) manter atualizado o fichário social das famílias residentes no Conjunto; Havia ainda um regimento especifico aos assistentes sociais, que tinha como objetivo a disciplina, a seriedade do trabalho e a cooperação entre esses trabalhadores e os demais grupos do DHP. 8.5 Discursos e práticas projetuais: semelhanças e diferenças O espaço doméstico modernista não se resume simplesmente à aspectos formais e funcionais. Apesar da
relação íntima entre ambos, revela que a construção espacial relaciona-se com as intenções e subjetividades relacionadas àquele determinado momento histórico, socioeconômico e político. Deste modo pode-se afirmar que o espaço doméstico modernista sofre influência ao mesmo tempo em que influencia a produção de modos de vida e dos padrões sociais. Neste sentido, fica claro no estudo das três precedências que, embora a realização das atividades domésticas fosse vista como uma forma de trabalho, tanto o Estado, quanto os arquitetos autores dos projetos, subestimavam as dificuldades em alterar as construções sociais tradicionais de gênero. No exemplo soviético, quando o conjunto Narkomfin foi concluído, em 1932, os conceitos revolucionários da vida comunitária e os valores de liberdade feminina haviam sido facilmente esquecidos. Carini (2016) afirma que após a chegada de Stalin ao poder, esses ideais que destinavam-se a inspirar e motivar a população, rapidamente tornaram-se rótulos negativos como “conceitos da esquerda” ou trotskista. Esta constatação pode ser verificada também no período de planejamento e
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
estudos das células residenciais dos conjuntos habitacionais de interesse social realizados pelo Departamento de Tipologias da Stroykom, no qual observa-se que o interesse soviético na reorganização espacial do ambiente doméstico estava intimamente ligado à possibilidade de estandardização e à eficiência econômica dos projetos, e não tanto à instalação de condições que respaldassem a implementação da vida coletiva. No caso francês, observa-se um cenário muito semelhante no qual, a necessidade de construir uma cidade vertical que oferecesse todos os serviços necessários para a manutenção da edificação sobrepusera-se às questões sociais de perpetuação dos papeis de gênero e da divisão sexual do trabalho. Na unidade habitacional de Marselha, a lavanderia coletiva teve seu funcionamento encerrado após um breve período de tempo, justamente pela ausência de conexão com os demais serviços e, sobretudo, com os habitantes. Apesar da solução arquitetônica de Le Corbusier, que partia da premissa da inexistência de empregados, as condições geradas neste projeto visavam apenas sua autossuficiência em relação à cidade de Marselha e
181
à possibilidade de reprodução deste modelo em outras localidades, de modo que a segregação e descontinuidade dos espaços de serviço e da utilização destes ambientes foram ainda mais reforçadas. No conjunto Pedregulho, contrariamente aos casos anteriores, percebe-se uma intensa preocupação em gerar equipamentos coletivos que auxiliem a realização das atividades de cuidado e manutenção do lar e minimizem as desigualdades impostas pela divisão sexual do trabalho. Esta constatação pode ser averiguada facilmente no discurso de Portinho sobre a justificativa projetual, social e econômica de cada equipamento, nos quais ela reitera sempre os benefícios e vantagens que estes irão gerar para a vida de cada família e, sobretudo, para o papel desempenhado pela mulher operária. Entretanto observa-se que essa postura não manteve-se nas soluções adotadas para as tipologias habitacionais, que continuou reproduzindo espaços pautados pelos padrões sociais que distinguem as pessoas hierarquicamente, seguindo a lógica do movimento moderno de máxima eficiência e redução da superfície útil, como pode ser observado pela localização,
182
HABITAÇÃO PARA IGUALDADE DE GÊNERO
forma e integração dos ambientes de estar e da cozinha. As constatações deste primeiro nível de análise, sintetizadas nas Tabelas 10 e 11, dão um mapeamento do discurso ideológico, atrelado às soluções projetuais que envolvem cada um dos três conjuntos em questão. Estas informações serão melhor entendidas no âmbito das premissas
deste trabalho, quando confrontadas com os dados de analise configuracional apresentados a seguir, no capítulo 9.
Tabela 10: Ficha comparativa entre os conjuntos habitacionais estudados.
Fonte: Elaboração própria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
183
Tabela 11: Ficha comparativa entre as tipologias habitacionais analisadas e os usos empregados nos projetos dos três conjuntos habitacionais.
Fonte: Elaboração própria.
184
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
9.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
185 Figura 128: Cell II
Fonte: BORGEOIS, 1991.
186
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
O presente capítulo busca compreender a lógica de concepção dos espaços domésticos de conjuntos habitacionais modernistas emblemáticos que apresentam locais especificamente destinado à realização coletiva das atividades de manutenção do lar e verificar se estas estruturas espaciais carregam características semelhantes aquelas encontradas nas análises das residências unifamiliares de famosos arquitetos, estudados por Amorim (1999) e Hanson (1998). Neste capítulo será apresentado, portanto, o estudo da estrutura morfológica do espaço doméstico, dividido em dois níveis de análise, que enfocam as medidas analíticas, associadas à propriedades axiais e à visibilidade, conforme descritas no capítulo 7. O primeiro nível será constituído pela análise sintática dos espaços coletivos de serviço na escala do conjunto habitacional, comparando as interações entre as lavanderias coletivas blocos que compõem os três conjuntos objetos deste estudo. O segundo será constituído pela análise dos espaços de serviço presentes nas células residenciais das três precedências, comparando as conexões e relações entre
as cozinhas individuais e os espaços de estar. O processo de elaboração dos materiais sintáticos, mapas e grafos, foi realizado com base nos levantamentos de dados7, informações e plantas baixas da implantação, dos pavimentos térreo e tipo dos três conjuntos habitacionais, bem como das plantas de cada unidade residencial. Aqui, serão lançadas ainda hipóteses interpretativas das implicações sociais dos padrões espaciais observados nos três casos, com base nas especificidades socioeconômicas e políticas que envolviam cada exemplar na época de sua construção. 9.1 Análise dos espaços de serviço na escala do conjunto Os dados geométricos, como a área de cada lavanderia coletiva e a distância para o bloco habitacional principal, explicitam um tipo de variação da amostra em estudo. Nos conjuntos Narkomfin e no Pedregulho, a solução projetual é semelhante: as lavanderias encontram-se separadas do bloco habitacional, em 7 As fontes documentais utilizadas neste processo foram: Vega (2015), para o exemplar Narkomfin, Sbriglio (1999) para a unidade habitacional de Marselha e Bonduki (2000), para o conjunto Pedregulho.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
uma edificação independente e especificamente dedicada a esta finalidade. Neste sentido, observa-se que as áreas dos espaços de lavagem e a distância do acesso da lavanderia até o acesso principal do bloco residencial são proporcionais e equivalentes (ver Tabela 12). Entretanto ao comparar a localização dos demais blocos nestes conjuntos, é possível perceber singularidades. Na implantação do Pedregulho, a disposição dos blocos residenciais, educacionais e de serviços é bastante equilibrada, enquanto que no caso do Narkomfin, a localização da lavanderia coletiva encontra-se extremamente distante dos blocos residencial e do centro
187
comunitário, destacando sua condição de segregação no conjunto. Em relação à lavanderia coletiva da unidade habitacional de Marselha, pode-se afirmar que a sua localização, considerando os três casos estudados, é a mais integrada. Esta observação é explicada, primeiramente, pela solução arquitetônica adotada, edifício vertical em barra, que impede uma distância física muito grande. Em segundo lugar, pela instalação de unidades habitacionais em todos os pavimentos do conjunto, que geram uma maior proporcionalidade entre os usos deste projeto. Terceiramente, pela concepção projetual de Le Corbusier que acreditava no
Tabela 12: Comparação dos dados geométricos das lavanderias coletivas de cada conjunto habitacional analisado. Área do espaço Distância para o Área total Caso de lavagem bloco habitacional (m²) (m²) principal (m)
Narkomfin
358.55
93.86
119.42
Unidade habitacional de Marselha
404.33
309.71
84.92
Pedregulho
224.51
90.36
182.90
Fonte: Elaboração própria.
188
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
equilíbrio de trajeto dos moradores e, analogamente a uma cidade que abriga a praça principal de convívio e os estabelecimentos comercias no seu centro, implantou estes espaços de serviço nos pavimentos intermediários desta edificação. 9.1.1 Métodos Para a elaboração dos mapas convexos, adotou se a premissa básica de racionalização dos espaços das áreas das lavanderias coletivas e dos pavimentos tipo de cada conjunto analisado, assim, neste estudo foi utilizada apenas uma estratégia para a decomposição espacial das plantas baixas que se refere à rede de permeabilidades e barreiras: a existência de pilares nestas áreas constituiu barreiras que geram novos espaços convexos, interligados entre si. Os mapas axiais foram elaborados a partir das plantas baixa do pavimento de acesso e das próprias lavanderias coletivas que foram representadas de modo simplificado, desconsiderando pequenas reentrâncias e saliências da envoltória do espaço. Para isso foi considerado apenas os espaços permeáveis, ou seja, os espaços que podem ser percorridos por cada usuário, excluindo as relações visuais. Os grafos de
visibilidade foram elaborados nas áreas de lavagem de cada lavanderia e buscou-se analisar as relações configuracionais de visibilidade e de integração visual. A análise da informação visual dentro dos espaços de lavagem de cada lavanderia foi feita utilizando-se isovistas parciais, sendo definido como marco, o centro do ambiente e a angulação de 180º. Verificou-se ainda as áreas e o formato de cada isovista, além da permanência da informação visual. Os mapas convexos, axiais, grafos de visibilidade e as isovistas foram gerados no software Depthmap8. 9.1.2 Resultados A decomposição do sistema espacial em unidades convexas, como dito no capítulo 7 deste livro, é um dos procedimentos iniciais para a análise espacial de qualquer sistema. A partir disto, o essencial é a configuração espacial gerada e as relações de permeabilidade entre as distintas unidades espaciais – por onde as pessoas podem ou não transitar. Por meio da análise de permeabilidade (restrições ou permissões de acesso dentro do sistema) é possível iden8 Depthmap®. Elaborado por TURNER, A. Copyright University College London, 2008.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
tificar como se configura o controle do espaço e os prováveis padrões de relacionamento entre os diferentes usuários no mesmo. Na análise da convexidade, observou-se que a quantidade de espaços convexos varia em função dos níveis de privacidade de cada ambiente, de modo que, espaços comuns, como o pavimento térreo, os corredores de ligação e o bloco de uso coletivo apresentam uma maior quantidade de espaços convexos do que espaços de caráter privado, como as habitações. Esta constatação pode ser explicada, primeiramente pela área de referência: unidades habitacionais tem áreas menores que os ambientes coletivos, de estar e de serviços. Além disso, as áreas coletivas contam com a presença de pilares robustos, situados no centro dos ambientes, que funcionam como barreiras físicas e visuais no processo de interação entre os usuários. O mapa convexo do primeiro pavimento do Narkomfin apresenta como locais mais integrados, representados na cor vermelha e amarela, respectivamente, as áreas de circulação do bloco residencial e do bloco do centro comunitário (ver Figura 129). Em paralelo, o mapa de con-
189
vexidade do quarto pavimento releva singularidades: apesar do corredor de acesso permanecer como o espaço convexo mais integrado, a existência de pilares em toda sua extensão gera barreiras e segmenta esta circulação, criando novos espaços convexos. Assim, os espaços mais integrados no corredor de acesso são aqueles situados nas áreas centrais deste pavimento. De modo similar, as análises de convexidade da unidade habitacional de Marselha e do conjunto Pedregulho, revelam que os espaços mais integrados são, necessariamente, as áreas de circulação principal. Estas características morfológicas revelam o forte controle no acesso às unidades habitacionais e a falta de conexão com os espaços de estar coletivo. Esta constatação reforça a lógica projetual das edificações modernistas que utilizam um longo corredor como área exclusiva de acesso e conexão à diferentes ambientes e unidades habitacionais e, portanto, revela que apesar da ideia defendida por Hanson (1998) de que uma maior quantidade de espaços convexos pode conduzir a dispersão e a segregação, a maior integração dos pavimentos nestas precedên-
190
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
Figura 129: Mapas convexos dos 7º e 8º pavimento da Unidade habitacional de Mar-
selha e dos 1º e 4º pavimentos do conjunto Narkomfin, respectivamente.
Fonte: Elaboração própria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
191
Figura 130: VGA dos 7º e 8º pavimento da Unidade habitacional de Marselha e dos 1ª e 4º pavimentos do conjunto Narkomfin, respectivamente.
Fonte: Elaboração própria.
192
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
cias ocorre, justamente, nas áreas de ligação/circulação, independentemente da quantidade de espaços convexos que ele contenha. Outra forma de revelar como a morfologia espacial influencia diversos aspectos das estruturas sociais é através dos estudos de mapas axiais, que correspondem ao menor conjunto de linhas que atravessa e interconecta todos os espaços abertos de cada sistema. Neste sentido, a análise do mapa axial do pavimento térreo do Narkomfin revela que, a partir da perspectiva dos habitantes, a continuidade visual e física deste conjunto ocorre nos percursos e áreas comuns projetados como ambientes de estar, de modo que os locais que apresentam as linhas mais longas e quentes (laranjas) são aquelas localizadas nos pilotis dos blocos habitacional, da lavanderia e no acesso ao bloco do centro comunitário (ver Figura 130). Este dado reforça a intenção projetual de Ginburg, e do próprio movimento moderno, de criar o espaço de pilotis, ao elevar a edificação e liberar o solo para a circulação de veículos, como um local de convívio entre os habitantes. Nota-se ainda que, as linhas mais quentes (de cor vermelha) estão lo-
calizadas exclusivamente nos acessos aos blocos residencial e comunitário, revelando uma integração e continuidade maior entre estes volumes quando comparados ao bloco da lavanderia coletiva. Em relação à integração do bloco da lavanderia coletiva com o restante do conjunto, nota-se a existência exclusiva de linhas frias (azuis) e curtas que destacam a falta de continuidade física e visual deste bloco com os demais volumes. Esta constatação pode ser facilmente explicada pela organização espacial e distância entre os blocos dentro do lote. Por apresentar uma implantação semelhante ao Narkomfin, a análise do mapa axial do pavimento térreo do conjunto habitacional Mendes de Moraes – Pedregulho revela um cenário similar àquele encontrado na precedência soviética. O pavimento térreo deste conjunto habitacional, de modo geral, apresenta-se bastante conectado visualmente como pode ser observado pela quantidade de linhas longas e quentes (vermelhas) que tendem a proporcionar encontros sociais e um fluxo mais intenso de pessoas, presentes no mapa axial (ver Figura 131). Os ambientes de estar e conví-
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
vio entre os moradores, gerados pelas áreas de pilotis e pelos espaços residuais, encontram-se tão conectados aos equipamentos educacionais, que as linhas axiais se converteram em grandes manchas no entorno destes blocos. Esta constatação reitera o posicionamento tanto de Portinho, quanto de Reidy, sobre a importância da educação como ferramenta de transformação social e destaca a preocupação colocada no processo de concepção destes espaços. Entretanto, é preciso salientar que apesar desta conexão em praticamente todo o complexo, na área onde está localizado o bloco de serviços, constituído pela lavanderia coletiva e pela cooperativa, observa-se a presença de linhas mais curtas e frias (azuis) que revelam a sua descontinuidade, física e visual, e a falta de integração com os demais blocos do conjunto habitacional. A análise axial da unidade habitacional de Marselha, apesar da implantação e solução projetual diferente daquelas adotadas nas precedências anteriores, apresenta resultados semelhantes, principalmente, no que diz respeito à integração dos ambientes que compõem a lavanderia coletiva (ver Figura 132).
193
Neste sentindo, observa-se que os únicos espaços que apresentam linhas quentes (vermelhas) e longas, nos pavimentos 7º e 8º, de caráter coletivo, são os ambientes de estar ou de ligação, como os corredores de acesso, destacando seu alto grau de integração. Em paralelo, os espaços que compõem a lavanderia coletiva apresentam inúmeras linhas curtas e frias (azuis) que revelam a falta de continuidade física e visual destes com os demais espaços do pavimento. Conforme pontua Figueiredo (2004, p. 56): a linha axial representa não só uma linha de acessibilidade e visibilidade, como também caracteriza uma ‘unidade espacial’ (construção de espaço cognitivo). Mudar de direção significa mudar de unidade espacial.
Deste modo, pode-se afirmar que as condições morfológicas de cada lavanderia coletiva, independente da solução projetual adotada, induzem usuários e habitantes a mudanças de unidade espacial, destacando sua segregação dos demais espaços destes sistemas. A construção do espaço cognitivo9, portanto é diretamente in9 Espaço cognitivo aqui refere-se a linha axial e a construção deste campo espacial
194
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
Figura 131: Mapa axial do pavimento térreo do conjunto comunal Narkomfin.
Fonte: Elaboração própria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
195
Figura 132: Mapa axial do pavimento térreo do conjunto Pedregulho.
Fonte: Elaboração própria.
Figura 133: Mapas axiais do sétimo e oitavo pavimentos da unidade habitacional de Marselha.
Fonte: Elaboração própria.
196
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
fluenciada pelas construções sociais tradicionais das relações de gênero, classe e raça ao segmentar o acesso e utilização dos espaços coletivos de serviços domésticos em virtude da seu caráter funcional. A análise do interior de cada lavanderia coletiva revelou que, de modo geral, a morfologia destes espaços apresenta um nível de integração, visual e física, satisfatório, destacando as possibilidades de interação entre os usuários. Neste sentido, a análise de convexidade do interior da lavanderia coletiva do Narkomfin revela a existência de poucos espaços convexos, uma vez que a única barreira existente é o volume da escada que faz a ligação do pavimento térreo ao subsolo, onde localiza-se a sala de caldeiras. Neste exemplar o hall de entrada constitui o espaço mais integrado do sistema (ver Figuras 133). De modo semelhante, a lavanderia coletiva do conjunto habitacional Pedregulho apresenta poucos espaços convexos. As barreiras presentes na rede de permeabilidades da área de lavagem são constituídas pelos pilares estruturais, que geram uma configuração espacial típica do mopor um indivíduo imaginário.
vimento moderno, na qual observa-se que o espaço mais integrado do sistema é aquele que se encontra no centro da área de lavagem e faz ligação direta com o exterior, através do acesso secundário. A análise axial dos espaços que compõem a lavanderia coletiva da unidade habitacional de Marselha aponta a inexistência de barreiras na área de lavagem, diferentemente da condição observada nos exemplares anteriores. Entretanto, a inexistência de ligações entre estes espaços afeta a rede de permeabilidades e possibilidades de interações entre seus usuários, que possuem apenas uma rota única de saída e acesso a cada ambiente. Este arquétipo de lavanderia coletiva não apresenta uma integração satisfatória, de modo que a único espaço convexo integrado no sistema é a corredor de circulação de cada pavimento (ver Figuras 134). Ao relacionar-se as análises dos grafos de visibilidade e das isovistas de cada lavanderia coletiva observa-se que os resultados obtidos reforçam essas características de convexidade encontradas. Neste sentindo, os espaços mais integrados e conectados são aqueles que se localizam nas proximidades dos acessos das
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
lavanderias ou que representam o maior espaço convexo, de modo que as isovistas traçadas tem um formato convexo que permitem que pouca informação visual seja perdida quando os usuários se movem nesses locais, evidenciando seu alto coeficiente de agrupamento (ver Figuras 135-136). 9.2 Análise dos espaços de serviço na escala da célula residencial O processo de definição da amostra das tipologias habitacionais seguiu três critérios de seleção: i) maior incidência (repetição) de cada tipo; ii) disponibilidade e qualidade de informações gráficas sobre as células; iii) localização nos blocos residenciais principais. Deste modo, chegou-se numa amostra de 5 tipologias distintas que englobam diferentes aspectos e leituras do espaço doméstico e refletem a lógica do movimento moderno. A partir desta seleção, investigou-se e comparou-se os atributos morfológicos para identificar a existência (ou não) de padrões comuns de organização espacial. Os dados geométricos, como a área da célula e a área dos principais ambientes que compõem cada um de seus setores, explicitam um
197
tipo de variação na amostra em estudo. Nos conjuntos analisados, a área das células habitacionais varia de 22,30m² até 118m² (ver Tabela 13). Esta diversidade dimensional também se manifesta nas áreas das cozinhas: quanto maior a área das células, maior a área destes ambientes. Entretanto, ao analisar-se em termos percentuais, a área destinada às cozinhas em cada projeto, em comparação com a área total das células, pode-se observar que, de toda a amostra, o conjunto habitacional Pedregulho apresenta a maior porcentagem de área reservado ao setor de serviço (ver Tabela 14). Esta constatação demonstra a preocupação efetiva com a racionalização das unidades habitacionais europeias, principalmente, com a área útil das cozinhas residenciais e os reflexos desta decisão projetual na eficiência econômica das tipologias e na possibilidade de estandardização destes modelos habitacionais. Além disso, sob a ótica cultural, estes dados podem revelar que o morar brasileiro moderno é mais propenso à espaços maiores, que podem ser fruto de heranças sociais. 9.2.1 Métodos Para a elaboração dos mapas con-
198
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
Figura 134: Mapas convexos das lavanderias coletivas do Narkomfin, da unidade habitacional de Marselha e do Pedregulho, respectivamente.
Fonte: Elaboração própria.
Figura 135: Mapas axiais das lavanderias coletivas do Narkomfin, da unidade habitacional de Marselha e do Pedregulho, respectivamente
Fonte: Elaboração própria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
199
Figura 136: Grafos de visibilidade das lavanderias coletivas do Narkomfin, da unidade habitacional de Marselha e do Pedregulho, respectivamente.
Fonte: Elaboração própria.
Figura 137: Isovistas das lavanderias coletivas do Narkomfin, da unidade habitacional de Marselha e do Pedregulho, respectivamente.
Fonte: Elaboração própria.
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
200
Tabela 13: Área das células habitacionais e de seus principais ambientes. Caso Narkomfin Unidade habitacional de Marselha Pedregulho
Tipo de células
Área das células (m²)
D
Área dos principais ambientes (m²) Es
Cz
Qp
E
85.30
22.90
3.75
23.23
-
F
60.00
15.50
1.40
16.50
-
E2
118.00
29.35
4.85
21.60
-
Q
22.30
10.40
1.80
6.00
-
D
58.50
12.40
3.00
9.60
-
Fonte: Elaboração própria.
Tabela 14: Área das células habitacionais e de seus principais ambientes.
Caso
Narkomfin Unidade habitacional de Marselha Pedregulho
Tipo de células
Área das células (m²)
Área da Cozinha (m²)
Área da Cozinha em relação à área da célula
D
85.30
3.75
4,36%
F
60.00
1.40
2,33%
E2
118.00
4.85
4,11%
Q
22.30
1.80
8,07%
D
58.50
3.00
5,12%
Fonte: Elaboração própria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
vexos, adotou se um procedimento análogo aquele adotado na análise da escala do conjunto, que partiu da premissa básica de racionalização dos espaços das tipologias estudadas, de modo que cada ambiente possui uma função definida pelo seu rótulo que não permite subdivisões. Assim, no processo de decomposição espacial e de definição da rede de permeabilidades, definiu-se como barreiras pilares e armários (mobiliário fixo) que geram pequenos espaços convexos dentro de cada ambiente, interligados entre si. Na construção dos mapas axiais, restringiu-se a aplicação da ferramenta apenas no pavimento em que se localizava a cozinha das células, com o intuito de identificar as linhas de visão e acesso mais longas e em menor número, que cobrissem o sistema e passassem por todos os espaços convexos. A partir da elaboração do mapa de convexidade, gerou-se o grafo de cada célula habitacional tendo como nó raiz (ponto inicial do grafo) o exterior (corredor de acesso), que foi acrescentado a relação de ambientes como uma unidade convexa. Em todas as representações, buscou-se destacar os principais ambientes que
201
compõem uma residência definidos por Hanson (1998), assim os nós (pontos dos grafos) são coloridos de acordo com o setor funcional a que pertencem: o estar (Es) e o exterior (E), representando o setor social, de laranja, a cozinha (Cz), representando o serviço, de verde, e o quarto principal (Qp), representando o setor privado de amarelo. Os outros nós que compões cada célula habitacional são mostrados em cinza. Os grafos foram desenvolvidos pelo software Jass10 e editados pelo AutoCAD. Assim como no processo de elaboração dos mapas axiais, para gerar os grafos de visibilidade e as isovistas, restringiu-se a aplicação destas ferramentas apenas no pavimento em que se localizava a cozinha das células. Na produção dos grafos de visibilidade, utilizou-se como medida básica a conectividade. Em paralelo, na produção das isovistas, utilizou-se 180° como o ângulo do campo visual gerados pela configuração espacial das cozinhas de cada célula tipológica para se compreender as diferentes propriedades geradas neste campo de visão e sua relação com 10 JASS®. Elaborado por BERGSTEN, L. et al. v1.0, 21 maio 2003, GNU-General Public License.
202
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
os demais espaços da habitação. Os mapas convexos, axiais, grafos de visibilidade e as isovistas foram desenvolvidos pelo software Depthmap. A partir do entendimento da relação entre a cozinha e os demais ambientes de cada célula habitacional, a análise do seu sistema espacial foi feita de acordo com sua dimensão topológica e os padrões de acessibilidade, entendidos através das relações, valores e ordem de integração (RRA), além da profundidade, distributividade, simetria e conectividade. 9.2.2 Resultados A partir da decomposição das plantas em unidades convexas das células habitacionais, pode-se observar que os espaços mais integrados são aqueles que compõem o setor social (ver Figuras 138-140). Em 80% da amostra observa-se que as cozinhas constituem espaços extremamente segregados (em azul) do restante da habitação. Esta rede de permeabilidade entre as distintas unidades espaciais revela a existência de restrições e controle de acesso ao setor de serviço, em comparação com as permissões apresentadas pelo setor social que tendem a gerar maiores
interações sociais entres diferentes usuários. Estas constatações são evidenciadas pelas análises axiais de cada célula estudada. Deste modo, na análise dos mapas axiais unidades residenciais do conjunto Narkomfin, observa-se que, a partir da perspectiva dos habitantes a continuidade visual e física na célula “D” ocorre nos ambientes sociais, de modo que os locais que apresentam as linhas mais longas e mais quentes (vermelhas) são aqueles localizadas no estar e no hall de acesso (ver Figura 141). A cozinha desta célula apesar da existência de linhas quentes (laranjas), apresenta uma grande quantidade de linhas curtas e frias (azuis). Esta constatação induz a interpretação de que os espaços que compõem o setor social (estar e hall) tendem a proporcionar um maior número de encontros e fluxos mais intenso entre os moradores e visitantes que o setor de serviço desta unidade, uma vez que a cozinha residencial apresenta um maior controle no seu acesso. Em paralelo, na célula “F” nota-se que, apesar da existência de linhas longas e quentes (vermelhas) percorrendo todo o pavimento térreo, do setor social ao privado, a área da cozinha apresenta
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
apenas linhas longas e frias (azuis). Contrariamente, na análise axial da célula “E2” da unidade habitacional de Marselha, pode-se observar que tanto os espaços sociais quanto o de serviço, composto pela cozinha, tendem a gerar uma continuidade visual e física, pois apresenta linhas longas e quentes (vermelhas) em grande parte de sua extensão. Assim como acontece na célula “D” do Narkomfin, as análises axiais das células “Q” e “D” do conjunto Pedregulho tendem a induzir uma maior interação e movimentação nos espaços de estar, quando comparados às cozinhas residenciais que apresentam-se segredadas dos demais ambientes da habitação, contando apenas com linhas curtas e frias (azuis). Esta constatação revela que as estruturas morfológicas destas células predispõem moradores e visitantes à mudança de unidade espacial, ao reforçar a descontinuidade física e visual das cozinhas, reforçando o cenário encontrado pelas lavanderias coletivas nestes conjuntos. Assim, pode-se reiterar que a construção do espaço cognitivo, portanto é diretamente influenciada pelas construções sociais tradicionais das relações de gênero, classe e raça ao segmen-
203
tar o acesso e utilização das cozinhas habitacionais, em virtude de seu caráter funcional. A análise da profundidade de cada unidade habitacional em relação ao corredor de acesso (exterior) varia de 3 a 11 níveis. Na Tabela 15 apresentam-se as células agrupadas em função destes níveis de profundidade (4 grupos), seus respectivos números de espaços convexos e a profundidade dos principais cômodos destas habitações. Nesta tabela é possível verificar que os maiores sistemas em relação à quantidade de espaços convexos, são necessariamente aqueles que possuem maiores áreas geométrica e que foram projetados para famílias maiores e com um maior poder aquisitivo, como é o caso das células “D” do Narkomfin, que apresenta uma área útil de 85.30m² e 23 espaços convexos, e da célula “E2” da unidade habitacional de Marselha, que conta com 28 espaços convexos e uma área útil de 118.00m². Esta constatação reitera a ideia de que essas células habitacionais apresentam consistências configuracionais, que não são somente resultado da expressão individual de cada arquiteto, mas são também fruto das necessidades funcionais,
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
204
Figura 138: Mapas convexos das células “D” e “F”, do conjunto Narkomfin, respectivamente
Pavimento térreo célula “D”
Pavimento inferior célula “F”
Primeiro pavimento célula “D”
Pavimento intermediário célula “F” Fonte: Elaboração própria.
Pavimento superior célula “F”
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
205
Figura 139: Mapas convexos das células “E2” da unidade habitacional de Marselha.
Primeiro pavimento célula “E2”
Pavimento térreo célula “E2”
Fonte: Elaboração própria.
206
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
Figura 140: Mapas convexos das células “D” e “Q”, do conjunto Pedregulho, respectivamente
Primeiro pavimento célula “D”
Pavimento térreo célula “D”
Pavimento térreo célula “Q” Fonte: Elaboração própria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
Figura 141: Mapas axiais das células da amostra.
Fonte: Elaboração própria.
207
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
208
somadas às exigências sociais, políticas e econômicas de cada local. Em todos as tipologias analisadas, observou-se que o setor privado, representado pelo quarto principal (Qp) é o mais profundo e por consequência, menos acessível que os demais ambientes das células. Constatou-se ainda que, em 80% da amostra, a cozinha situa-se no mesmo nível de profundidade que o espaço de estar (ver Figuras 142-143). A leitura exclusivamente desta propriedade, sem a correlação com as demais, revela que estas estruturas espaciais apesentam níveis equivalentes de controle no acesso ao setor
social e ao setor de serviço: as relações entre o espaço de estar e a cozinha demonstram sua igual posição na convivência familiar e no contato com o domínio público. Os valores médios de integração total dos sistemas (RRA), (ver Tabela 16), indicam uma variação razoável, sendo a menor 1,337 e a maior 2,148, que demonstra o caráter de pouca integração geral entre os ambientes das habitações analisadas. Em paralelo, ao analisar-se isoladamente cada exemplar, relacionando o mapa de convexidade de cada célula, observa-se que o espaço mais integrado é aquele que necessaria-
Tabela 15: Quantidade de espaços convexos, profundidade total das células habitacionais e de seus principais ambientes. Nº de Níveis de Nível de profundidade dos Tipo de Caso espaços profundidade principais ambientes células convexos total Es Cz Qp E Narkomfin Unidade habitacional de Marselha Pedregulho
D
23
7
1
1
5
-
F
18
7
3
4
7
-
E2
28
11
2
2
7
-
Q
6
3
2
2
3
-
D
11
5
2
2
5
-
Legenda: Es: Espaço Estar|Qp: Quarto Principal | Cz: Cozinha | E: Exterior
Fonte: Elaboração própria.
Cz
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
209
Figura 142: Grafos justificados das células “F”e “D”, do conjunto Narkomfin, e “Q” do conjunto Pedregulho.
Qp Qp
77
77
66
66
55
Cz Cz
Es Es
Qp
EE
55
44
44
33
33
22
Cz Cz
22
Es Es
11
7
6
Qp Qp
11
00
00
EE
Narkomfin Narkomfin -- Célula Célula D D
NarkomfinNarkomfin- Célula Célula FF 5
Qp
4
3
Es
2
3
Qp
Es
Cz
0
Legenda: Es: Espaço Estar|Qp: Quarto Principal | Cz: Cozinha | E: Exterior
Narkomfin - Célula D
Cz
1
1
E
2
E
0
Pedregulho - Célula Q Fonte: Elaboração própria.
E
Pedregulh
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
210
Figura 143: Grafos justificados das células “D”, do conjunto Pedregulho, e “E2” da unidade habitacional de Marselha.
11
10
9
8
Qp
7
6
Qp
Cz
Es
5
5
4
4
3
3
2
Es
Cz
1
E
2
1
0
E
Pedregulho - Célula D
Unité - Célula E2
Legenda: Es: Espaço Estar|Qp: Quarto Principal | Cz: Cozinha | E: Exterior
Fonte: Elaboração própria.
0
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
211
Tabela 16: Integração média (RRA) total das células habitacionais e de seus principais ambientes. Caso
Narkomfin Unidade habitacional de Marselha Pedregulho
Tipo de células
Valor de integração média (RRA)
D
Valor de integração dos principais ambientes (RRA) Es
Cz
Qp
E
1,431
1,757
1,489
1,391
1,489
F
2,148
2,995
1,735
2,107
1,425
E2
1,854
1,562
1,893
1,832
1,984
Q
1,337
1,719
1,719
1,719
0,573
D
1,411
1,582
1,582
1,809
1,582
Legenda: Es: Espaço Estar|Qp: Quarto Principal | Cz: Cozinha | E: Exterior Fonte: Elaboração própria.
mente apresenta a maior quantidade de espaços convexos, gerada pela existência de barreiras como pilares e armários (mobiliário fixo). Quanto à integração do setor de serviço, constatou-se que, em 80% dos casos, a cozinha mostrou-se igualmente ou mais integrada que o espaço de estar. Essa constatação revela que a organização espacial destas unidades habitacionais, no que tange à integração dos setores de serviço e social - a partir das hipóteses encontradas na literatura – deveriam favorecer um uso mais intenso e informal dos ambientes de estar e de serviço. Todavia, ao relacionar os valores de integração apresentados
com os grafos de visibilidade (VGA) do pavimento em que está situada a cozinha de cada célula, observa-se que os espaços mais integrados e que se conectam visualmente de forma direta continuam sendo apenas os ambientes de estar (ver Figuras 144-145). A partir da Tabela de valores médios de integração dos principais espaços das unidades habitacionais, visualiza-se a ordem na qual os espaços são apresentados. Foi feita uma síntese hierárquica desta relação dos principais ambientes de cada célula, ordenados pelas suas medidas de integração (ver Tabela 17). Deste modo, fica evidente que, em 60%
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
212
dos casos, a cozinha se mantém na segunda colocação como o ambiente mais integrado da amostra. As células analisadas revelam a existência de um tipo geral de grafo justificado composto, essencialmente, por uma estrutura em árvore, mas que apresenta três variações distintas, as quais subdividem este grupo inicial (ver Tabela 18). Deste modo, a amostragem revela três tipos: o primeiro, caracterizado por uma estrutura unicamente em árvore, constituído por espaços terminais11 ou por espaços que realizam pelo menos 11 Para definição dos tipos de espaços que constituem um sistema, consulte a explicação do capítulo 7 deste livro.
duas ligações, sem anéis (tipos a e b); o segundo definido pela estrutura em árvore nos setores privados e de serviço e com um anel no setor social; e o terceiro, constituída pela estrutura em árvore no setor de serviço, em contraste com a estrutura anelar no setor íntimo e no setor social. Estas variações podem ser explicadas, em grande parte, pela localização dos pilares e do mobiliário fixo no quarto principal e no estar, que funcionam como barreiras, gerando vários espaços convexos de pequenas proporções, interligados entre si. Apesar destas unidades apresentarem tamanhos menores, julgou-se
Tabela 17: Ordem de integração dos principais espaços das células habitacionais.
Caso
Narkomfin Unidade habitacional de Marselha Pedregulho
Tipo de células
Ordem de integração entre os espaços
D
Qp<Cz=E<Es
F
E<Cz<Qp<Es
E2
Es<Qp<Cz<E
Q
E<Cz=Qp=Es
D
E=Cz=Es<Qp
Legenda: Es: Espaço Estar|Qp: Quarto Principal | Cz: Cozinha | E: Exterior
Fonte: Elaboração própria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
213
Figura 144: VGAs dos pavimentos térreos e isovistas das cozinhas das células “D” e “F”, do conjunto Narkomfin, e “Q” do conjunto Pedregulho.
Fonte: Elaboração própria.
214
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
Figura 145: VGAs dos pavimentos térreos e isovistas das cozinhas das células “D” do Pedregulho e “E2” da unidade habitacional de Marselha.
Fonte: Elaboração própria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
extremamente necessária sua análise no processo de investigação, pois estas estruturas carregam as intenções projetuais de cada arquiteto e o pensamento do movimento moderno em suas distintas vertentes. Embora seja possível definir a existência destas distinções na forma dos grafos justificados de cada célula habitacional, nos três tipos verifica-se uma repetição no setor de serviço que constitui um padrão: o isolamento topológico do espaço da cozinha. Esta constatação é reafirmada ao analisar-se o tipo de espaço dos principais ambientes que compõem cada unidade residencial. Verificou-
215
-se que em 80% dos casos a cozinha é um espaço terminal (tipo a), portanto segregados do restante da habitação. Em paralelo, os espaços de estar se apresentam como espaços anelares do tipo c, que promovem a integração entre os demais ambientes da célula. Ao relacionar-se as isovistas parciais (180°) e o tipo de espaço das cozinhas observou-se que 80% das isovistas testadas apresentam um formato pontiagudo, ou seja, com baixo grau de agrupamento, fazendo com o a informação visual de cada habitante seja perdida com mais facilidade. Entretanto, ao se analisar
Tabela 18: Tipo dos grafos e dos principais espaços das células habitacionais. Caso
Narkomfin Unidade habitacional de Marselha Pedregulho
Tipo de células
Tipo do formato do Grafo
Es
Cz
Qp
E
D
3
c
a
c
a
F
2
c
a
b
b
E2
2
c
b
b
a
Q
1
b
a
a
a
D
1
a
a
a
a
Tipo dos espaços dos principais ambientes (a, b, c e d)
Legenda: 1: Estrutura em árvore, sem anéis. | 2: Estrutura em árvore, com um anel no setor social.| 3: Estrutura em árvore, com dois anéis, um no setor íntimo e outro no setor social.| Es: Espaço Estar|Qp: Quarto Principal | Cz: Cozinha | E: Exterior
Fonte: Elaboração própria.
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
216
a cozinha da célula F do conjunto habitacional Narkomfin, observa-se que a isovistas deste espaço apresenta um formato mais convexo, o que possibilita uma leitura mais ampla dos ambientes. Esta constatação também pode ser explicada pelo tipo de espaço desta cozinha e pela inexistência de barreiras na mesma. No conjunto estudado, as medidas de distributividade (ver Tabela 19) chamam a atenção pela sua homogeneidade: os sistemas apresentam-se muito pouco distributivos. A célula “D” do conjunto habitacional Narkomfin com maior distributividade, é o exemplo de configuração que não gera, em um todo, fortes barrei-
ras, enquanto que a célula “Q” do conjunto habitacional Pedregulho, com valor de distributividade igual a 0 (zero), contrariamente exemplifica uma configuração que estabelece estas barreiras. Estas características resultam em práticas e utilizações dos espaços de maneira mais especializada e segregada. Para a melhor compreensão destes dados, basta verificar a composição da configuração de cada célula, analisando seus grafos justificados. A célula “D” do Narkomfin indica uma estrutura com forte predominância de espaços tipo “c”, em paralelo, a célula “Q” do conjunto habitacional Pedregulho revela a existência ape-
Tabela 19: Distributividade do sistema e dos principais espaços das células. Caso
Narkomfin Unidade habitacional de Marselha Pedregulho
Tipo de células
Distributividade do sistema
D
Tipo de distributividade dos principais ambientes Es
Cz
Qp
E
1,09
D
ND
D
ND
F
0,157
D
ND
ND
ND
E2
0,647
D
ND
ND
ND
Q
0
ND
ND
ND
ND
D
0,222
ND
ND
ND
ND
Legenda: Es: Espaço Estar|Qp: Quarto Principal | Cz: Cozinha | E: Exterior| D: Distributivo | ND: Não-distributivo Fonte: Elaboração própria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
nas de espaços tipo “a” e “b”. A medida da simetria, conforme exposto no capitulo 5, indica um perfil de cada sistema quanto ao grau de classificação ou hierarquia das pessoas e/ou das práticas cotidianas. A investigação desta propriedade na amostra dos conjuntos habitacionais revela que de modo geral, os sistemas mostram-se assimétricos, com configurações morfológicas muito hierarquizadas, que acabam criando ou reforçando certos “códigos comportamentais” nas habitações. Neste sentindo, ao comparar as medidas de distributividade, simetria e o tipo de espaço, em relação aos padrões sociais de ocupação e utilização das cozinhas, percebe-se que a
morfologia destas células reforça os aspectos sexistas da sociedade, justamente pela inacessibilidade e ausência de conexões destes espaços. Partindo do pressuposto de que a mulher sempre foi (e continua sendo) responsável exclusiva pela realização das atividades de manutenção do lar, estas características espaciais geram um cenário que que não possibilita a existência de novos encontros e interações sociais, induzindo a perpetuação deste papel de gênero. O sistema mais simétrico desta relação é a célula “Q” do conjunto Pedregulho, revelando média 4,00 (ver Tabela 20). Apesar do alto valor, esta célula apresenta, predominantemente, espaços do tipo “a”,
Tabela 20: Simetria dos sistemas.
Caso Narkomfin Unidade habitacional de Marselha Pedregulho
217
Tipo de células
Simetria
D
0,352
F
1,210
E2
0,437
Q
4,000
D
1,753
Fonte: Elaboração própria.
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
218
além disso, o sistema é marcado por uma pequena quantidade de espaços convexos (6) que propiciam esta simetria. Deste modo, apesar desta configuração morfológica facilitar a existência de relações informais sem a diferenciação entre pessoas/praticas que utilizam estes espaços, o tipo de espaço do sistema não possibilita novas rotas de encontro e interações entre moradores e visitantes. A medida da conectividade relaciona-se à acessibilidade dos espaços do sistema, de modo que, quanto maior o número de conexões, mais acessível e integrado será aquele ambiente. Assim, observou-se que o
espaço de estar apresenta, em 80% da amostra, 3 conexões com os demais ambientes das células. Em paralelo, a cozinha de cada unidade habitacional quase não se conecta com os demais espaços do sistema: em 80% da amostra, este ambiente possui apenas 1 ligação (ver Tabela 21). Este resultado reforça e explica os dados encontrados nas análises da distributividade e no tipo de espaço de cada ambiente, reiterando a premissa de que o setor de serviço sempre mostra-se desconectado dos demais espaços da célula.
Tabela 21: Conectividade dos principais espaços das células.
Caso
Narkomfin Unidade habitacional de Marselha Pedregulho
Tipo de células
Conectividade dos principais espaços do sistema Es
Cz
Qp
E
D
3
1
3
1
F
3
1
2
2
E2
3
4
3
1
Q
3
1
1
1
D
1
1
1
1
Legenda: Es: Espaço Estar|Qp: Quarto Principal | Cz: Cozinha | E: Exterior Fonte: Elaboração própria.
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
9.3 Genótipo das células habitacionais De uma maneira geral, as características configuracionais e de uso das células habitacionais aqui estudadas são expressas pela clara divisão entre os espaços destinados ao convívio entre moradores e a realização das atividades de manutenção do lar. Assim, o espaço de estar, que compõe o setor social, revela-se bastante permeável, quando comparado à cozinha, que compõe o setor de serviço. Conforme a metodologia aplicada por Amorim (1999), isolando os três setores principais de residências modernas (social, serviço e privado) na relação hierárquica dos valores de integração dos sistemas foi possível chegar-se num conjunto de características comuns e intrínsecas às habitações da amostra. Os resultados aqui encontrados não apontaram a existência de um genótipo comum, pois cada tipologia habitacional estudada apresenta o seu próprio conjunto de informações básicas e primárias quanto à organização espacial (ver Tabela 22). Entretanto, existem semelhanças no que diz respeito à posição ocupada pelo setor de serviço na relação hierárquica de integração entre os seto-
219
res. Em 40% da amostra, que corresponde às células “D”, do Narkomfin, e “Q”, do Pedregulho, o setor de serviço mantém-se na segunda posição na ordem de integração entre os setores. Nestas duas células, o setor social é o mais integrado e acessível do sistema. Em paralelo, nas tipologias “F”, do Narkomfin, e “D”, do Pedregulho, o que corresponde a 40% da amostra, o setor de serviço é o mais integrado dentre os analisados. Ao se relacionar-se os resultados com os genótipos encontrados nas residências analisadas por Amorim (1999) e Hanson (1998), pode-se constatar que 20% da amostra, aqui realizada, apresenta o genótipo idêntico aos das residências unifamiliares modernistas, de modo que o genótipo no qual o setor de serviço é o mais segregado e menos acessível de todo o sistema – S>P>Se – presente na célula “E2” da unidade habitacional de Marselha, é o mesmo apresentado por 25% das residências modernistas analisadas no capítulo 6 (ver Tabela 08). Sobre esta comparação faz-se necessário afirmar que, além do programa das residências unifamiliares e dos conjuntos habitacionais coletivos serem distintos, cada amostra
GENÓTIPO DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS
220
Tabela 22: Ordem de integração dos setores de cada célula e seus genótipos.
Caso
Narkomfin Unidade habitacional de Marselha Pedregulho
Tipo de células
Ordem de integração entre os setores
Genótipo
Total (%)
D
P<E=Se<S
P<Se<S
20
F
E<Se<P<S
Se<P<S
20
E2
S<P<Se<E
S>P>Se
20
Q
S<Se=P=E
S>Se=P
20
D
E=S=Se<P
S=Se<P
20
Legenda: S: Social|Se: Serviço | P: Privado | E: Exterior Fonte: Elaboração própria.
lidou com realidades econômicas divergentes: a primeira, feita por Amorim (1999) e Hanson (1998) lidava com habitações de famosos arquitetos modernos que, normalmente, pertenciam à classe média. Já na segunda amostra, os conjuntos habitacionais são voltados, em sua maioria, à classe trabalhadora e, além da preocupação com a otimização do espaço interno e a área total de cada unidade residencial, estes conjuntos apresentavam espaços comuns de estar e de serviço que foram suprimidos das unidades individuais. Estas constatações iniciais conduziram à formulação de, ao menos, dois questionamentos distintos: ape-
sar de estarem sob o mesmo pensamento ideológico modernista, as tipologias estudadas se inserem num contexto diferente dos casos analisados por Amorim (1999) e Hanson (1998). Esta seria a justificativa da divergência dos genótipos expressados pela amostra em comparação às residências unifamiliares? A segunda questão seria: a quantidade de tipologias analisadas é insuficiente para a determinação de um único genótipo comum? Entretanto, é preciso salientar que apenas o genótipo, definido pela ordem e valores de integração, não constitui dados suficientes para afirmar-se que o setor de serviço e
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
o ambiente da cozinha estão plenamente integrados ao sistema geral. Portanto, é preciso uma leitura mais ampla, que correlacione, não apenas as medidas sintáticas, mas também os campos visuais gerados nestes espaços e sua relação com os demais ambientes da habitação, as intenções projetuais de cada arquiteto e, sobretudo, os contextos socioeconômicos e políticos de cada exemplar. Foi preciso, portanto, evidenciar as especificidades de cada arquétipo para corroborar no processo de compreensão das estratégias arquitetônicas que reforçam o sexismo presente na lógica projetual dos conjuntos habitacionais. Deste modo, evidenciou-se nesta investigação que as relações de gênero influenciam diretamente na construção da morfologia espacial e que esta estrutura espacial reforça e perpetua os estereótipos e papeis de gênero, além das distinções de raça e classe. Através das análises sintáticas de cada conjunto habitacional, pode-se observar que a preocupação em romper com as vanguardas anteriores e com as construções sociais tradicionais de gênero limitaram-se ao discurso.
221
222
CONSIDERAÇÕES FINAIS
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
223
224
A discussão aqui apresentada buscou mostrar, sob um viés analítico, aspectos ligados aos reflexos da configuração do espaço doméstico na construção social do papel da mulher e na divisão sexual do trabalho, abordando esta influência em emblemáticos edifícios de habitação social do século XX: o conjunto Narkomfin, localizado na Rússia, a unidade habitacional de Marselha, na França, e o conjunto Pedregulho, situado no Brasil. Este estudo contemplou a análise configuracional da organização espacial dos referidos casos, com o objetivo de revelar as propriedades topológicas intrínsecas ao sistema de barreiras e permeabilidades que configura o espaço, questão que é o cerne da teoria da lógica social do espaço que fundamenta tal análise. Assumindo o cenário plural que caracteriza o período modernista e as realidades socioeconômicas e políticas de então, esta análise baseou-se na investigação da correspondência entre os tipos morfológicos das unidades residenciais dos conjuntos habitacionais e suas relações com os discursos da libertação feminina da realização exclusiva das atividades de manutenção do lar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste sentido, as questões levantadas inicialmente suspeitavam que as estruturas espaciais dos conjuntos habitacionais que contêm espaços de natureza coletiva especificamente destinados à realização de serviços domésticos, como lavanderias e cozinhas, apresentariam características distintas daquelas encontradas em residências unifamiliares, nas quais estes tipos de espaço são geralmente segregados a níveis mais profundos de seus sistemas espaciais. Entretanto, constatou-se que apesar do movimento moderno defender a ideia de que a habitação deveria ser tratada como ferramenta de transformação social, seu modus operandi de concepção, tanto das residências unifamiliares quanto dos conjuntos habitacionais (pelo menos nos três casos estudados), tende a reproduzir a forma projetual de momentos anteriores, ressaltando a influência das sociedades pautadas pelo patriarcado sob o espaço doméstico. Esta constatação, por mais preliminar que seja, uma vez que deveria envolver mais exemplares para que se pudesse chegar a dados mais sólidos, reforça o estudo morfológico enquanto uma área importantíssima para a arquitetura, no tocante às
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
investigações acerca da construção espacial. Deste modo, o estudo sintático aqui realizado sobre dos espaços de serviço, individuais e coletivos (constituídos pelas cozinhas e lavanderias), dos conjuntos habitacionais revelou características bastante relevantes da amostra definida neste trabalho. Na análise dos genótipos das tipologias residenciais dos três conjuntos em questão, encontrados a partir da relação hierárquica de integração entre os setores de uma habitação (social, serviço e privado), por exemplo, observou-se que, em 40% da amostra, os espaços do setor social estão melhores integrados aos sistemas do que aqueles que constituem o setor de serviço. Apesar deste dado não ser suficiente para afirmar a (falta de) integração plena do setor de serviço no sistema geral, esta análise reforça as leituras mais amplas, que correlacionam as medidas sintáticas e os campos visuais gerados nas cozinhas residenciais e nas lavanderias coletivas, as quais indicam a presença da estrutura binária nos espaços, distinguindo hierarquicamente as pessoas em função do gênero, raça e classe. Este trabalho pretende contribuir
225
na discussão sobre os reflexos das estruturas sociais no campo da arquitetura. Apesar da exaustão gerada por uma investigação exploratória, que induz à possibilidade de margem de erro, a experiência desta pesquisa serve como força impulsora para a continuação dos estudos sobre as manifestações das relações de gênero na construção do espaço doméstico e a influência das relações espaciais na construção do gênero, principalmente na contemporaneidade. Reitera-se a relevância e necessidade de aprofundamento nos estudos sobre as relações construídas no espaço doméstico, sob a ótica do gênero, seja através de estudos de natureza configuracional, seja através de outras metodologias, que afirmem a importância de incorporar na produção arquitetônica soluções não-sexistas que incluam a mulher como agente transformadora e usuária deste espaço.
226
LISTA DE FIGURAS
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
227
228
LISTA DE FIGURAS
Figura 01: Femme, BORGEOIS, 2005......................................................12 Figura 02: Maison-Femme, BORGEOIS, 1947..........................................18 Figura 03: Metamorphosis, FALCÃO, 2016..............................................23 Figura 04: Visão geral das desigualdades de gênero nas relacções de trabalho em todo o mundo, ONU Mulheres, 2016 ...........................................25 Figura 05: Visão geral da divisão sexual do trabalho em todo o mundo, ONU Mulheres, 2016.............................................................................26 Figura 06: Média de horas semanais gastas no trabalho principal, horas semanais gastas em afazeres domésticos e jornada total segundo sexo no Brasil 2005-2015, IBGE..........................................................................27 Figura 07:Colagem das manchetes de jornais do brasil e do mundo entre 2010-2016, elaboração própria..............................................................28 Figura 08: Femme Maison, BORGEOIS, 1946.........................................31 Figura 09: Diagrama dos objetivos geral e específicos desta pesquisa.......33 Figura 10: Femme Maison, BORGEOIS, 1994.........................................35 Figura 11: Diagrama dos procedimentos metodológicos..........................37 Figura 12: Femme couteau , BORGEOIS, 2002.......................................39 Figura 13: Divisão dos ambientes da típica casa espartana, ZENKNER, 2012 .............................................................................................................41 Figura 14: Distribuição de tarefas entre meninas e meninos. PLAN Internatinal Brasil, 2013................................................................................... 44 Figura 15: Homes Games, JABLONKA, 2002.......................................... 45 Figura 16: Ilustração da exclusão da habitação contemporânea brasileira......................................................................................................... 46 Figura 17: Edifício de Apartamentos na Av. Angélica, projetado por Julio de Abreu em 1927, São Paulo.....................................................................48 Figura 18: Femme Maison, BOURGEOIS, 1947....................................... 57 Figura 19: Representação do edifício elementar....................................... 60 Figura 20: Estrutura da teoria da lógica social do espaço..........................61 Figura 21: Técnicas de representação da estrutura espacial.................... 62 Figura 22: Diagrama do procedimento para definição do genótipo........... 62 Figura 23: Equação da articulação convexa.............................................63 Figura 24: Profundidades e forma dos grafos......................................... 64 Figura 25:Exemplos de mapas axiais, convexos e grafos de visibilida-
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
229
de........................................................................................................66 Figura 26: Diagrama de análise das propriedades sintaticas utilizada no trabalho.................................................................................................... 69 Figura 27: Cell IX................................................................................... 71 Figura 28: Linha do tempo destancado os principais acontececimento no campo arquitetônico, socioeconômico, polítco e os avanços do feminismo, durante os séculos XIX e XX, no período dos anos 1887-1950.................. 73 Figura 29: Linha do tempo destancado os principais acontececimento no campo arquitetônico, socioeconômico, polítco e os avanços do feminismo, durante os século XX, no período dos anos 1953-1984........................... 75 Figura 30: Anúncio da marca Hardee’s afirmando que o lugar da mulher é a cozinha.............................................................................................. 76 Figura 31: Residência Mario Botta...........................................................78 Figura 32: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Mario Botta..................................................................................................... 79 Figura 33: Residência Richard Meier........................................................80 Figura 34: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Giovannitti...........................................................................................................81 Figura 35: Residência Diamante A, John Hejduk......................................82 Figura 36: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Diamond A...........................................................................................................83 Figura 37: Residência Muller, Adolf Loos................................................ 84 Figura 38: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Muller..........................................................................................................85 Figura 39: Grafos justificados dos projetos analisados por Hanson (1998)....86 Figura 40: Residência Augusto Reynaldo.................................................88 Figura 41: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Reynaldo.........................................................................................................88 Figura 42: Fachada frontal da residência Borsoi......................................90 Figura 43: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Borsoi. ... .............................................................................................................90 Figura 44: Perspectivas da residência Domingues....................................91 Figura 45: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Domin-
230
LISTA DE FIGURAS
gues......................................................................................................91 Figura 45: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Domingues......................................................................................................92 Figura 47: Plantas, mapas convexos e de integração da residência Campelo. .............................................................................................................92 Figura 48: Grafos justificados dos projetos analisados por Hanson (1998)....93 Figura 49: House of the future..............................................................105 Figura 50:Comparação entre os fluxos do leiaute da cozinha convencional, à direita, e daquele elaborado por Frederick, à esquerda.......................107 Figura 51: A cozinha de Frankfurt..........................................................108 Figura 52: Perspectiva do bloco residencial e do bloco coletivo do Narkomfin.......................................................................................................109 Figura 53: Membros da OSA reunidos na Primeira Conferência da associação, em1928. Destaque para a figura de Moisey Ginzburg no centro da imagem.....................................................................................................111 Figura 54: Capas das edições da revista Sovremennaya Arkhitektura, SA, publicadas pela OSA entre 1926 e 1927...............................................111 Figura 55: Células habitacionais tipos A, B, C, D, E e F propostas pelo Departamento de Tipologias da Stroykom......................................................115 Figura 56: Plantas das cozinhas tradicionais russa, à esquerda, e do projeto racionalizado proposto pelo comitê Stroykom, à direita.........................117 Figura 57: Perpectiva, planta, elevação e corte da cozinha racionalizada proposta pelo comitê Stroykom..................................................................117 Figura 58: Perpectiva da cozinha-ármario proposta pelo comitê Stroykom integrada as salas de jantar e estar.......................................................... 118 Figura 59: Perpectiva e planta da cozinha-armário proposta pelo comitê St roykom................................................................................................118 Figura 60: Primeiro projeto do conjunto habitacional do Narkomfin desenvolvido por Ginburg..................................................................................121 . Figura 61: Projeto final do conjunto habitacional do Narkomfin desenvolvido por Ginburg..................................................................................122 Figura 62: Planta baixa do pavimento térreo e implantação no terreno conjunto habitacional do Narkomfin...........................................................123
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
231
Figura 63: Planta baixa do pavimento térreo do bloco residencial e do bloco comunitário do Narkomfin....................................................................124 Figura 64: Vistas internas e externas do pilotis do bloco residencial do Narkomfin.......................................................................................................124 Figura 65: Planta baixa do primeiro pavimento do bloco residencial e do bloco comunitário do Narkomfin...........................................................125 Figura 66: Planta baixa do segundo pavimento do bloco residencial e do bloco comunitário do Narkomfin...........................................................126 Figura 67: Planta baixa do terceiro pavimento do bloco residencial do Narkomfin, localizando a cozinha coletiva (em vermelho)...................................126 Figura 68: Planta baixa do quarto pavimento do bloco residencial do Narkomfin.......................................................................................................126 Figura 69: Planta baixa do quinto pavimento do bloco residencial do Narkomfin.......................................................................................................126 Figura 70: Bloco residencial do conjunto Narkomfin...............................127 Figura 71: Bloco residencial e comunitário do conjunto Narkomfin.........127 Figura 72: Planta baixa do pavimento térreo e do primeiro pavimento da célula “D” do Narkomfin.......................................................................128 Figura 73: Relação entre os pavimentos da célula “D” do Narkomfin......129 Figura 74: Forma e ocupação da cozinha da célula “D” do Narkomfin.....129 Figura 75: Planta baixa dos três pavimentos da célula “D” do Narkomfin. .. ...........................................................................................................130 Figura 76: Relação entre os pavimentos da célula “F” do Narkomfin...... 131 Figura 77: Cozinha da célula “F” do Narkomfin.....................................131 Figura 78: Prcesso de construção do Narkomfin.................................... 132 Figura 79: Vista externa do volume do centro comunitáro do Narkomfin...133 Figura 80: Conexão da passarela com o bloco residencial e sua relação com o pavimento térreo e a área de pilotis.................................................... 134 Figura 82: Ginásio do centro comunitáro, servindo como escritório de Ginbu rg........................................................................................................135 Figura 83: Espaço de estar coletivo do centro comunitáro......................135 Figura 84: Cantina coletiva localizada na cobertura do bloco residencial...136 Figura 85: Escada de acesso ao pavimento superior da lavanderia coletiva........................................................................................................137
232
LISTA DE FIGURAS
Figura 86: Planta baixa dos três pavimentos da lavanderia coletiva do Narkomfin.......................................................................................................138 Figura 87: Diagrama da célula “C” desenvolvida pelo Departamento de Tipologias.....................................................................................................138 Figura 88: Vista geral da unidade de habitação de Marselha.................139 Figura 89: Sistema modulor desenvolvido por Le Corbusier....................140 Figura 90: Fachada das unités d’ habitation transitories..........................143 Figura 91: Vista externa do Pavilhão do espírito novo.............................144 Figura 92: Vista externa do Pavilhão do espírito novo..............................145 Figura 93: Croquis de concepção da unidade de habitação e a relação com a vegetação externa e a insolação............................................................147 Figura 93: Croquis de concepção da unidade de habitação e a relação com a vegetação externa e a insolação.........................................................147 Figura 95:Fachada posterior da unidade habitacional de Marselha.........148 Figura 96:Implantação da unidade habitacional de Marselha.................149 Figura 97:Planta do pavimento térreo da unidade habitacional de Marselha......................................................................................................151 Figura 98:Planta do pavimento tipo da unidade habitacional de Marselha.151 Figura 99: Planta perspectivada do pavimento superior de serviços comuns da uidade habitacional de Marselha...........................................................152 Figura 100: Rua de serviços localizada no 7º pavimento...........................153 Figura 101: Rua de serviços localizada no 8º pavimento...........................153 Figura 102:Planta do sétimo pavimento, situando a lavanderia coletiva na rua de serviços comuns da unidade de habitação...................................153 Figura 103: Planta do oitavo pavimento, situando a lavanderia coletiva na rua de serviços comuns da unidade de habitação....................................153 Figura 104: Planta do décimo sétimo pavimento, onde situa-se a creche infantil da unidade de habitação..............................................................154 Figura 105: Planta perspectivada da creche infanti, localizando seus principais componentes........................................................................................154 Figura 106: Equipamentos da cobertura da unidade de habitação de Marselha......................................................................................................155 Figura 107: Planta e corte da célula “E2” da unidade de habitação de Marselha......................................................................................................156
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
233
Figura 108: Perspectiva isométrica da célula “E2”...................................157 Figura 109: Ocupação e conexão dos espaços do pavimento térreo da célula “E2”....................................................................................................158 Figura 110: Ocupação e conexão dos quartos infantis da célula “E2”.....158 Figura 111: Perspectiva isométrica dos componentes da cozinha da célula “E 2”........................................................................................................159 Figura 112: Vista área do conjunto habitacional Pedregulho...................165 Figura 113: Implantação do conjunto Pedregulho e a localização dos seus blocos......................................................................................................166 Figura 114: Rampa de acesso à escola primária....................................167 Figura 115: Painéis da fachada oeste da escola primária....................... 169 Figura 115: Painéis da fachada oeste da escola primária............................170 Figura 117: Vista do acesso ao posto de saúde do conjunto Pedregulho...170 Figura 118: Planta baixa da lavanderia coletiva e da cooperativa do conjunto........................................................................................................171 Figura 119: Planta baixa do posto de saúde do conjunto Pedregulho.....171 Figura 120: Planta baixa dos pavimentos do bloco A do conjunto Pedregulho......................................................................................................173 Figura 121: Circulação interna do bloco A do conjunto Pedregulho....... 174 Figura 122: Pilotis intermediário, localizado no terceiro pavimento, do Bloco A.........................................................................................................175 Figura 123: Área interna da célula “Q”................................................175 Figura 124: Planta baixa da célula “Q”, localizada no bloco A...................176 Figura 125: Planta baixa da célula “D”, localizada no bloco A......................177 Figura 126: Área interna da célula “D”..................................................177 Figura 127: Capa do regulamento interno do conjunto Pedregulho........178 Figura 128: Cell II.................................................................................185 Figura 129: Mapas convexos dos 7º e 8º pavimento da Unidade habitacional de Marselha e dos 1º e 4º pavimentos do conjunto Narkomfin, respectivamente........................................................................................................190 Figura 130: VGA dos 7º e 8º pavimento da Unidade habitacional de Marselha e dos 1ª e 4º pavimentos do conjunto Narkomfin, respectivamente.........191 Figura 131: Mapa axial do pavimento térreo do conjunto comunal Narkomfin.......................................................................................................194
234
LISTA DE FIGURAS
Figura 132: Mapa axial do pavimento térreo do conjunto Pedregulho......195 Figura 133: Mapas axiais do sétimo e oitavo pavimentos da unidade habitacional de Marselha....................................................................................195 Figura 134: Mapas convexos das lavanderias coletivas do Narkomfin, da unidade habitacional de Marselha e do Pedregulho, respectivamente............198 Figura 135: Mapas axiais das lavanderias coletivas do Narkomfin, da unidade habitacional de Marselha e do Pedregulho, respectivamente......................198 Figura 136: Grafos de visibilidade das lavanderias coletivas do Narkomfin, da unidade habitacional de Marselha e do Pedregulho, respectivamente......199 Figura 137: Isovistas das lavanderias coletivas do Narkomfin, da unidade habitacional de Marselha e do Pedregulho, respectivamente...................199 Figura 138: Mapas convexos das células “D” e “F”, do conjunto Narkomfin, respectivamente........................................................................................204 Figura 139: Mapas convexos das células “E2” da unidade habitacional de Marselha..............................................................................................205 Figura 140: Mapas convexos das células “D” e “Q”, do conjunto Pedregulho, respectivamente........................................................................................206 Figura 141: Mapas axiais das células da amostra...................................207 Figura 142: Grafos justificados das células “F”e “D”, do conjunto Narkomfin, e “Q” do conjunto Pedregulho...............................................................209 Figura 143: Grafos justificados das células “D”, do conjunto Pedregulho, e “E2” da unidade habitacional de Marselha............................................210 Figura 144: VGAs dos pavimentos térreos e isovistas das cozinhas das células “D” e “F”, do conjunto Narkomfin, e “Q” do conjunto Pedregulho...........213 Figura 145: VGAs dos pavimentos térreos e isovistas das cozinhas das células “D” do Pedregulho e “E2” da unidade habitacional de Marselha................214
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
235
236
LISTA DE TABELAS
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
237
238
LISTA DE TABELAS
Tabela 01: Níveis de profundidade dos sistemas estudados por Amorim e Hanson..................................................................................................95 Tabela 02: Valores médios de integração geral e dos principais espaços dos sistemas.................................................................................................96 Tabela 03: Ordem hierárquica de integração entres os espaços................97 Tabela 04: Tipos dos grafos e dos principais ambientes............................98 Tabela 05: Tipos dos grafos e dos principais ambientes............................99 Tabela 06: Simetria dos sistemas.............................................................100 Tabela 07: Conectividade dos principais espaços dos sistemas..................100 Tabela 08: Ordem de integração dos setores e seus respectivos genótipos..101 Tabela 09: Tipologias habitacionais e características...............................160 Tabela 10: Ficha comparativa entre os conjuntos habitacionais estudados......................................................................................................182 Tabela 11: Ficha comparativa entre as tipologias habitacionais analisadas e os usos empregados nos projetos dos três conjuntos habitacionais..........183 Tabela 12: Comparação dos dados geométricos das lavanderias coletivas de cada conjunto habitacional analisado...............................................187 Tabela 13: Área das células habitacionais e de seus principais ambientes.......................................................................................................200 Tabela 14: Área das células habitacionais e de seus principais ambientes.......................................................................................................200 Tabela 15: Quantidade de espaços convexos, profundidade total das células habitacionais e de seus principais ambientes..........................................210 Tabela 16: Integração média (RRA) total das células habitacionais e de seus principais ambientes.............................................................................211 Tabela 17: Ordem de integração dos principais espaços das células habitacionais..............................................................................................212 Tabela 18: Tipo dos grafos e dos principais espaços das células habitacionais.....................................................................................................215 Tabela 19: Distributividade do sistema e dos principais espaços das células.......................................................................................................216 Tabela 20: Simetria dos sistemas...........................................................217
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
239
Tabela 21: Conectividade dos principais espaços das células.................218 Tabela 22: Ordem de integração dos setores de cada célula e seus genótipos...................................................................................................220
240
REFERÃ&#x160;NCIAS
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
241
242
ABREU, Maria Aparecida A. e BONETTI, Alinne de Lima. Faces da desigualdade de gênero e raça no Brasil. Brasília: Ipea, 2011. ALAMBERT, Zuleika. Mulher. Uma Trajetória épica. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1997. ALDRIGUE, Maryá de Sousa. Aparências da forma e forma do espaço: análise da configuração espacial de residências unifamiliares dos anos 1970 em João Pessoa-PB. Natal: UFRN, 2012 ALLEN, Polly Wynn. Building Domestic Liberty: Charlotte Perkins Gilman’s Architectural Feminism. Amherst, Mass: University of Massachusetts Press, 1988). AMORIM, Luiz Manuel do Eirado. The Sectors’ Paradigm: a study of the spatial and functional nature of modernist housing in Northeast, Brazil. 1999. 438 f. Tese (PhD Advanced Architectural Studies) - The Bartlett School of Graduate Studies, University College of London, Londres, 1999. AMORIM, Luiz Manuel do Eirado. Houses of Recife: from diachrony to synchrony. In: INTERNATIONAL SPACE SYNTAX SYMPOSIUM, 3., 2001b, Atlanta. Proceedings… Atlan-
REFERÊNCIAS
ta: College of Architecture, Georgia Tech, 2001. Disponível em: <http:// www.spacesyntax.org/symposia/index.asp>. Acesso em: 05 out. 2010. ANTUNES, Lia Pereira Saraiva Gil. Arquitectura: substantivo feminino: contribuição para uma história das mulheres na arquitectura. Dissertação (Mestrado Integrado em Arquitetura) - Universidade de Coimbra, Coimbra, 2012. BACHELARD, G. Poetics of Space. Boston, Mass.: Beacon Press, 1969 BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Rio de Janeiro: Difusão Europeia do Livro, 1967. BETSKY, Aaron. Building sex: men, women, architecture and the construction of sexuality. New York; William Morrow, 1995. BONDUKI, Nabil (Org.). Affonso Eduardo Reidy. Lisboa: Editorial Blau, 2000. 215 p. CARINI, Martha Claudia. Gender equality within the home: a feminist approach to the elimination of the domestic labour. Cambridge: Cambridge University, 2016. CAVALCANTE, Elizabeth Cristina T. Os espaços urbano e privado e o controle da mulher colonial no século XIX. Brasília: FAU / UNB,
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
2016. COLOMINA, Beatriz. Sexuality & Space. Princeton Architetural Press. Nova York, 1992. CORTÉS, José Miguel G. Políticas do Espaço: Arquitetura, Gênero e Controle Social, São Paulo: Editora Senac, 2008. DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil Colônia. 2 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993 DOVEY, K. Home and Homeless. In I. Altman and C. M. Werner (Eds.), Home Environments. New York: Plenum Press, pp. 36-61, 1985 FIGUEIREDO, Lucas. Linhas de continuidade no sistema axial. 2004. 104 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Urbano) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004. FRANÇA, Franciney Carreiro de. Meu quarto, meu mundo: configuração espacial e modo de vida em casas de Brasília. 2001. 180 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 2001. FREDERICK, Christine. The new housekeeping efficiency studies
243
in home management Garden City, New York. 1914. HANSON, Juliane. Decoding homes and houses. Cambrige University Press,Cambridge, 1998. HARTMAN, Heidi. The Family as the locus of Gender, Class and Political Struggle: The Example of Housework. Signs: Journal of Women in Culture and Society 6, no. 3 (Spring, 1981): 366-394. HAYDEN, Dolores. The Grand Domestic Revolution. 1ª edição. The MIT Press paperback edition. Massachussetts, 1982. HILLIER, Bill; HANSON, Julienne. The social logic of space. Cambridge: Cambridge University Press, 1984. HOLANDA, Frederico de. Casa-átrio: um exercício em auto-análise. In: HOLANDA, Frederico (Org.). Arquitetura & Urbanidade. São Paulo: ProEditores Associados, 2003c. cap. 7. p. 149-180. IBGE. Pesquina Nacional por Amostra em Domicílios, Síntese dos Indicadores, 2014. Disponível em ‹http://biblioteca.ibge.gov. br/visualizacao/livros/liv94935.pdf› Acesso em 10/04/2017. KERGOAT, Danièle. Em defesa de uma sociologia das relações so-
244
ciais. In. O sexo do Trabalho. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987 LARA, Fernando. A exclusão no espaço doméstico. Disponível em < http://www.revistaforum.com. br/2013/05/02/a- exclusao -no -espaco-domestico/> Acesso em 16/04/2017. LASHLEY, Conrad e MORRISON, Alison. Em busca da Hospitalidade: Perspectivas para um mundo globalizado. São Paulo: Ed. Manole, 2004 LOI, Isidoro. A mulher. São Paulo: Jabuti, 1988. MARTINS, Clara Passaro. Dos espaços de apropriação - o minhocão de São Cristóvão. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013. NASCIMENTO, F., B. Habitação como patrimônio; a preservação dos conjuntos habitacionais. In: Revista CPC, São Paulo, n.4, p.23-39, maio/ out. 2008. NEVES, Maria Inês Teixeira. Le Corbusier, o módulo e a Unidade de Habitação de Marselha : influências em Lisboa. Dissertação (Mestrado Integrado em Arquitetura) - Universidade lusíada de Lisboa, Lisboa, 2015. OIT. Domestic Workers Across
REFERÊNCIAS
the World: Global and regional statistics and the extent of legal protection. Genebra: OIT, 2013. ONU Mulheres. Organização das Nações Unidas. Progresso das Mulheres no Mundo 2015-2016: transformar as economias para realizar os direitos. 2015. Disponível em <http://progress.unwomen. org/en/2015/>. Acesso em: 01/05/ 2017. OSTEN, Marion von. Ghostly silence: The unemployed kitchen, in the kitchen: Life world usage. Perspectives, 2005. PLAN NTERNATIONAL Brasil. Por Ser Menina no Brasil: Crescendo entre Direitos e Violências. Disponível em https://plan.org.br/ por-ser-menina-no-brasil-crescendo-entre-direitos-e-viol%C3%AAncia#download-options. Acesso em 02/04/2017 POLETO, Sálua Kairuz Manoel. Referências europeias de arquitetura e urbanismo nas origens da produção de habitação de interesse social no Brasil (19301964). Tese de Doutorado (em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de São Paulo, São Carlos, 2011. PORTINHO, Carmem. Trabalho Feminino. Correio da Manhã. Rio de
MORFOLOGIA E SEXISMO EM ESPAÇOS DOMÉSTICOS
Janeiro: 2. jun. 1946. RENDEL, Jane. (org.) PENNER, Barbara. (org.) BORDEN, Ian. (org) Gender, Space, Architecture: An Interdisciplinary Introduction. Londres: Routledge, 2000. (Coleção Architext) RIBEIRO, Stephanie. A exclusão no espaço doméstico. Disponível em http://blogueirasnegras.org/2014/07/15/exclusao-no-espaco-domestico/ Acesso em 16/04/2017 RISÉRIO, Antonio. Mulher, Casa e Cidade. São Paulo: Editora 34, 2015. SBRIGLIO, Jacques (2004) – Le Corbusier: the unité d’habitacion in Marseilles. Basel : Birkhäuser, 2003. SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil: 1900-1990. 2. ed. São Paulo: Edusp, 1999. 224 p. SILVA, Helga Santos da. Arquitetura moderna para habitação popular: a apropriação dos espaços no conjunto residencial Mendes de Moraes (Pedregulho). Dissertação (Mestrado em Arquitetura) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. SILVA, Maria Cristina Vieira Araújo Soares da. Articulação de Sabe-
245
res na Unidade de Habitação de Marselha. Dissertação de mestrado, Escola Superior de Artes e Design Matosinhos, Portugal, 2011 VEGA, Daniel Movilla. Vivienda y Revolución.El Concurso entre Camaradas de laOSA, la Sección de Tipificación del Stroykom y la Casa Experimental deTransición Narkomfin (1926-1930). Tese de Doutorado. Universidad Politécnica de Madrid, Madri, 2015. VILAÇA, Lis. Casa moderna: armadilha ou máquina de morar? Arquitetura no filme Meu tio e na Carta da Atenas. Disponivel em http://www.vitruvius. com.br/revistas/read/resenhasonline/14.163/5550> Acesso em 16/04/2017. WEISMAN, Leslie Kanes. ‘Women’s Environmental Rights: A Manifesto’. In RENDELL, Jane. (org.) PENNER, Barbara. (org.) BORDEN, Ian. (org) Gender Space Architecture: An Interdisciplinary Introduction. Londres: Routledge, 2000. (Coleção Architext)