O Pequeno Príncipe Antoine Saint-Exupéry
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Copyright @1943 Antoine Saint-Exúpery Título Original Le Petit Prince Capa: Lucas Matos Tradução: Marília Marino Preparação: Thais Pampado Revisão de Texto: Yulle Gona e Stephanie Cardoso Editoração Eletrônica: Sâmela Hidalgo
Edição Digital: 2015 ISBN: 978-85-2200-XXX-X Todos os direitos desta edição reservados ä EDITORA PINGO Rua dos Paraísos, 123 Paraíso 04103-001 - São Paulo Fone: (11) 4321-9876 Fax: (11) 4321-9676 editorapingo@editorapingo.com.br
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DEDICATÓRIA Para Léon Werth. Eu peço desculpas a todas as crianças por fazer essa dedicatória a um adulto, mas tenho uma boa desculpa: ele é uma ótima pessoa e meu melhor amigo no mundo. Tenho outra desculpa: ele entende de tudo, até de livros infantis. Também tenho uma terceira desculpa: ele mora na França, onde tem fome e frio, e precisa de conforto. Se todos esses motivos não forem o suficiente, vou dedicar o livro à criança que ele foi um dia. Na verdade, à todos os adultos que um dia foram crianças (mas nem todos se lembram disso). Assim, vou corrigir minha dedicatória: Para Léon Werth, quando criança.
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CAPÍTULO 1 Quando tinha seis anos, eu vi uma ilustração incrível em um livro sobre florestas virgens que se chamava Histórias Verdadeiras. A ilustração mostrava uma jiboia engolindo um animal. Olhe uma cópia da ilustração:
e, por sua vez, com ajuda de lápis de cor, fiz o meu primeiro desenho:
Dizia no livro: “As jiboias podem engolir um animal inteiro, sem mastigar. Depois, elas ficam sem poder se mexer e então, dormem por seis meses para fazer a digestão”.
Mostrei minha obra-prima aos adultos e perguntei se eles tinham medo da imagem. Eles m e r e s p o n d e r a m : “Por que teríamos medo de um chapéu? ”. Meu desenho não era de um chapéu.
Eu pensei muito sobre as aventuras na floresta 5
Então, os adultos me aconselharam a parar de desenhar jiboias por dentro ou por fora, e me concentrar mais em estudar geografia, história, matemática e gramática. Foi assim que eu abandonei, aos seis anos de idade, uma carreira promissora de pintor. Fui desencorajado após a falha do desenho número um e, depois, do desenho número dois. Os adultos nunca entendem nada e é cansativo para as crianças estarem toda hora explicando.
Ele mostrava a jiboia após comer um elefante. Então eu desenhei a jiboia por dentro, mostrando o elefante na barriga dela, assim os adultos poderiam entender melhor. Adultos precisam sempre de explicações com mais detalhes... O segundo desenho ficou assim:
Eu escolhi então uma outra profissão e aprendi a pilotar aviões. Eu voei por todo o mundo, e a geografia me ajudou muito! Eu sabia dizer exatamente se estava na China ou no Arizona, o que é muito útil quando se está perdido durante a noite. Por causa da minha profissão, eu também estive em contato com pessoas muito sérias. Convivi com adultos e os conheci de perto, mas nem isso fez eu mudar minha opinião sobre eles. Sempre que encontrava um adulto que me parecesse um pouco mais inteligente, mostrava meu desenho número um – apenas para comprovar se era
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mesmo inteligente. E sempre recebia a mesma resposta: “Isso é um chapéu”. Eu me calava, não falava sobre cobras, florestas e estrelas, mas entrava em seu jogo e falava sobre baralho, golfe, política e gravatas. E o adulto ficava feliz por ter encontrado um homem sensato...
VAMOS JOGAR?
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CAPÍTULO 2 - O q u e ? ! - Sim, me desenhe um carneiro!
Assim fiquei muito sozinho, sem ninguém para conversar. Até que, há seis anos atrás, meu avião sofreu uma pane e tive que fazer um pouso forçado no deserto do Saara. Alguma coisa tinha quebrado no motor do avião e, como meu mecânico não estava e não tinha nenhum passageiro comigo no avião, tive que eu mesmo fazer o díficil conserto. Para mim, era uma questão de vida ou morte, pois tinha água para mais oito dias apenas.
Eu me levantei como se tivesse sido atingido por um raio. Abri bastante os olhos, olhei bem em volta, e vi um pequeno rapaz me encarando sorridente. Aqui está o melhor retrato que fiz dele:
Na primeira noite dormi sozinho na areia, quilômetros e quilômetros sem um lugar habitado. Estava mais isolado que um bote salva-vidas no meio do oceano. Então imagine minha surpresa quando acordei e uma pequena voz de criança me disse: - Por favor, me desenhe um carneiro! 8
senhar. Disse a ele que não sabia como, e ele me respondeu:
Mas meu desenho com certeza é bem menos encantador que o modelo. Não é minha culpa – quando eu tinha seis anos fui desencorajado a continuar minha carreira de pintor pelos adultos – e nunca mais aprendi a desenhar nada, apenas as jiboias por dentro e por fora.
- Não tem problema. Me desenhe um carneiro. Como nunca tinha desenhado um carneiro antes, desenhei um dos únicos desenhos que sabia fazer – a jiboia fechada. Fiquei surpreso quando ele me respondeu:
Eu olhei o rapaz com os olhos bem abertos – não esqueça que estava no meio do nada – e ele não parecia estar cansado, morto de fome ou de sede, muito menos com medo. Ele não parecia uma criança perdida no meio do deser to, há quilômetros da civilização. Quando eu finalmente consegui falar, disse:
- Não, não! Não quero um elefante engolido por uma jiboia. Uma jiboia é muito perigosa e um elefante ocupa bastante espaço. Na minha casa é tudo pequenininho, por isso preciso de um carneiro.
- O que você faz aqui?
Me desenhe um carneirinho!
E ele repetiu o pedido docemente:
Então fiz esse desenho:
- Por favor... me desenhe um carneiro. Quando o mistério é muito grande, melhor não contrariar. Por mais absurdo que pareça, eu, há quilômetros de qualquer pessoa e correndo risco de morte, tirei um papel e uma caneta de minha bolsa. Então lembrei que eu tinha estudado geografia, história, matemática e gramática, mas não tinha aprendido a desenhar.
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Ele encarou o desenho atentamente e disse: - Não! Esse carneiro está muito ruim.... Faça outro! Desenhei outro carneiro. Meu amigo sorriu docemente e disse:
- Veja bem... isso não é um carneiro, é um bode. Ele tem chifres... Eu fiz novamente o meu desenho. Mas o menino novamente recusou, como os outros: - Esse está muito velho, eu quero um carneiro que viva bastante tempo comigo.
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Então, já sem paciência – como tinha pressa de voltar a consertar o motor do avião – eu fiz esse desenho:
- Não é tão pequeno assim... Veja! Ele dormiu! E foi assim que eu conheci o pequeno príncipe.
E disse: - Pronto! Essa é uma caixa, o carneiro que você quer está dentro dela. Fiquei surpreso ao ver seu rosto se iluminar: - É exatamente o que eu queria! Ele come muito capim? - Por quê? - Porque onde moro é bem pequenininho... - Não tem problema, pois eu te dei um carneiro bem pequeno. Ele examinou o desenho bem de perto: 11
CAPÍTULO 3 - Sim – disse.
Demorei bastante para entender de onde ele vinha. O pequeno príncipe, que me fazia muitas perguntas, não parecia ter interesse pelas minhas.
- Ah! Que engraçado! E o pequeno príncipe tinha uma risada que me irritou bastante – esperava que ele levasse o assunto a sério. Ele perguntou:
Algumas palavras soltas foram me dando todas as pistas para entender tudo. Assim, quando ele viu pela primeira vez meu avião (não vou desenhar um avião, é muito complicado!), ele me perguntou:
- Então, você também veio do céu! De qual planeta você é? Eu o encarei, aproveitando a brecha no mistério que era o menino, e perguntei:
- O que é aquela coisa lá? - Aquilo não é uma coisa. Aquilo voa.... É um avião, meu avião.
- Então você vem de outro planeta? Ele não me respondeu. Balançou a cabeça e disse:
Eu tive muito orgulho de falar que ele voava. E aí ele perguntou:
- É verdade que, com aquilo, você não poderia ir tão longe...
- Como? Você caiu do céu? 12
E ficou perdido em pensamentos durante um bom tempo. Depois, tirou o desenho que fiz para ele do bolso e ficou observando seu tesouro.
sabe-se lá para onde e ficará perdido.
Vocês podem imaginar como fiquei curioso com essa história de “vir de outro planeta”. Para saber mais, decidi perguntar:
- Não importa para onde, mas você irá perdêlo...
E meu amigo desatou a rir de novo: - Fugir para onde?
Então o pequeno príncipe falou seriamente:
- De onde você vem, meu bom rapaz? Onde é a sua casa?
- Ele não irá se perder, minha casa é realmente bem pequena. – e depois de um silêncio melancólico, ele acrescentou – Onde eu moro ninguém pode ir muito longe...
- Onde vai colocar meu carneiro? Ele me respondeu depois de um longo silêncio: - A parte boa é que, à noite, essa caixa pode servir de casa para ele. - Mas é claro. E se você for um bom menino, posso te dar uma corda para você amarrá-lo. E uma estaca para prendê-lo. - Essa ideia pareceu chocar o pequeno príncipe: - Prender ele? Que ideia maluca! - Mas se você não prendê-lo, ele vai fugir 13
CAPÍTULO 4 Rapidamente entendi que seu planeta era bem pequeno, do tamanho de uma casa. Isso não me surpreendeu - eu sabia que existiam planetas tão grandes quanto a Terra, como Júpiter, Marte, Vênus – e outros planetas que mal conseguimos ver pelo telescópio. Quando um astrônomo descobre um novo planeta, ele lhe dá um número – como, por exemplo, “asteróide 325”. Tenho uma sensação muito forte de que o planeta de onde vem o pequeno príncipe é o asteróide B612. Esse asteróide só foi visto uma única vez em 1909 por um astrônomo turco.
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Ele fez uma grande apresentação em um congresso internacional de astronomia, mas ninguém acreditou nele. Os adultos são assim.
Sabe por que estou falando de números e detalhes do asteroide B612? Porque adultos gostam dessas coisas. Quando você conhece um novo amigo, eles nunca querem saber detalhes importantes como “Como é sua voz? Quais são seus jogos favoritos? Faz coleção de borboletas? ”.
Felizmente para o asteróide B612, um ditador turco obrigou toda a população a se vestirem como europeus, sob pena de morte. O astrônomo fez novamente sua apresentação em 1920, usando uma roupa bem elegante, e todo mundo acreditou nele.
Eles sempre perguntam: “Quantos anos ele tem? Quantos irmãos tem? Qual seu peso? Quanto ganha seu pai? ”. Somente assim eles acredi15
conhecer as pessoas.
mo, e ele queria um amigo...”. Para quem entende as coisas da vida, isso parece mais verdadeiro.
Se você diz aos adultos: “Eu vi uma bela casa com tijolos cor-de-rosa, gerânios nas janelas e pombas no telhado”, eles não vão conseguir imaginar essa casa. É melhor dizer: “Eu vi uma casa que custa uma fortuna”, e eles vão responder: “Deve ser incrível”.
Eu não quero que vocês leiam meu livro de forma superficial. Me traz tristeza contar essas lembranças. Já faz seis anos que meu amigo foi embora com seu carneiro. Se estou descrevendo-o aqui é justamente para não esquecêlo. É triste esquecer um amigo. Nem todo mundo tem um amigo. E eu não quero ser o adulto que só se interessa por números, por isso que comprei uma caixa de giz de cera e de lápis de cor.
Então, se você disser: “A prova de que o pequeno príncipe existe é que ele era encantador e me pediu um carneiro. Quando alguém pede um carneiro é porque ele existe de verdade”, os adultos vão te olhar estranho e falar que isso é coisa de criança.
É difícil voltar a desenhar, ainda mais porque nunca mais tentei desenhar nada que não fosse a jiboia aberta e fechada, aos seis anos. Vou tentar, de qualquer forma, desenhar retratos bem fiéis. Pode ser que um desenho fique bom e outro não, me preocupam um pouco as proporções. Aqui, o pequeno príncipe está muito grande, depois ele fica muito pequeno. Também estou em dúvida com relação as cores da sua roupa. Tentei acertar, então peço desculpas de antemão.
Agora, se você falar “O planeta de onde ele veio é o asteroide B612”, eles se convencerão e não farão mais perguntas. Os adultos são assim – mas nem por isso devemos querer algum mal a eles. As crianças devem ter muita paciência com os adultos. Mas para nós, que entendemos da vida, os números não têm importância. Eu adoraria começar essa história como os contos de fadas: “Era uma vez um pequeno príncipe que habitava um planeta um pouco maior do que ele mes16
Meu amigo nunca me explicava nada, acho 16
que ele acreditava que eu era igual a ele. Mas eu sou incapaz de enxergar um carneiro pelos buraquinhos de uma caixa. Acho que sou como os adultos... estou ficando velho....
VAMOS JOGAR?
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CAPÍTULO 5 Todos os dias aprendia alguma coisa nova sobre seu planeta, sua partida e sua viagem, cada detalhe dito em meio as nossas conversas. Foi assim que aprendi sobre o drama dos baobás.
os arbustos não são iguais, eles são grandes como igrejas e ainda que ele tivesse um monte de elefantes, ainda assim não conseguiriam derrubar o baobá. A ideia de um monte de elefantes fez ele rir:
Uma vez o pequeno príncipe me perguntou, bruscamente, com um tom grave:
- Seria preciso um elefante subir no outro...
- É verdade que os carneiros comem arbustos? - Sim, é verdade. - Ah, que bom. Eu não entendi porque era tão importante saber porque os carneiros comiam arbustos. Mas o pequeno príncipe continuou: - Então não tem problema de comerem baobás? Expliquei ao pequeno príncipe que os baobás e 18
Mas ele completou com sabedoria: - Os baobás também nasceram de uma pequena planta. - Sim, é verdade. Mas por que você pensa que os carneiros poderiam comer baobás? Ele me respondeu: “É óbvio! ” Como se ele tivesse certeza disso. E demorei muito para entender o que ele queria dizer. Fiquei sabendo que no planeta do pequeno príncipe tem todos os tipos de plantas, ervas boas e daninhas. Portanto, tem sementes boas e sementes ruins, mas os grãos são invisíveis. Eles ficam no centro da terra até que uma delas decide nascer. Então ela nasce, se espreguiça toda e cresce virada para o Sol. Se for uma semente boa, de um rabanete ou uma rosa, então não tem com o que se preocupar. Mas se for uma semente má, como uma planta daninha, então deve ser arrancada imediatamente. Tinham sementes terríveis no planeta do pequeno príncipe... as sementes de baobás. O solo do planeta estava infestado delas, e se o baobá não for arrancado logo no início, não é possível ar19
rancá-lo depois. As sementes estão espalhadas por todo o planeta e, como o planeta é bem pequeno, e os baobás são muitos, há o perigo de rachar tudo. - É uma questão de disciplina – disse o pequeno príncipe. – Quando eu termino meu banho de manhã, eu trato de limpar todo o planeta. Arranco todas as mudas de baobás, com cuidado para não arrancar as roseiras – elas se parecem muito quando ainda são pequenas mudas. É um trabalho um pouco chato, mas é relativamente fácil.
Um dia ele me aconselhou a fazer um desenho do que ele havia me descrito, para que as crianças do meu planeta ficassem atentas ao perigo.
ta é simples: “Eu tentei, mas não consegui. Ao desenhar os baobás, fui pressionado pela urgência do perigo”.
- Se um dia eles forem viajar – me disse ele – isso poderá servir. Não tem problema deixar para depois os trabalhos do solo. Mas se forem baobás, cada dia de atraso é uma catástrofe! Eu conheci um planeta, habitado por um sujeito muito preguiçoso, e ele deixou de arrancar três mudas... Seguindo as explicações do pequeno príncipe, eu desenhei o planeta. Não gosto de bancar o moralista, mas os perigos dos baobás são bem desconhecidos, e são grandes os riscos para quem fica perdido em um asteróide. Contra os meus próprios princípios, eu alerto: “Crianças, cuidado com os baobás! ”. Caprichei no desenho para alertar meus amigos – e eu mesmo – sobre os perigos que corremos. Valeu a pena chamar a atenção para o problema. Talvez vocês me perguntem: “Por que não têm nesse livro outros desenhos tão grandiosos quanto os baobás? ”. Minha respos20
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CAPÍTULO 6 Ah, pequeno príncipe, aos poucos entendo sua vida melancólica. Você não tinha muitas distrações além da beleza do pôr-do-sol.
- É verdade. Quando estamos nos Estados Unidos o sol está se pondo na França, todo mundo sabe. Se pudéssemos estar na França em apenas um minuto para assistir o pôr-do-sol.... infelizmente a distância é muito longa de um país para o outro. Mas, em seu pequeno planeta, é só colocar a cadeira um pouco para trás para aproveitar o pôr-do-sol toda vez que desejar...
Percebi esse detalhe no quarto dia de manhã, quando ele me disse: - Eu gosto muito do pôr-do-sol. Venha assistir comigo...
- Um dia eu vi o pôr-do-sol quarenta e três vezes!
- Mas você tem que esperar. - Esperar o quê?
E um pouco depois disse:
- Esperar o sol se por.
- Você sabe... quando estamos tristes, é bom ver o pôr-do-sol....
Ele me olhou com surpresa e depois começou a rir sozinho. Depois disse:
- O dia em que você assistiu o pôr-do-sol quarenta e três vezes estava triste?
- Sempre acho que estou em casa.
Mas ele não me respondeu. 22
VAMOS JOGAR?
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CAPÍTULO 7 No quinto dia, graças ao carneiro, aprendi mais um segredo da vida do pequeno príncipe. Ele me perguntou bruscamente, sem rodeios, como se estivesse remoendo esse problema durante muita meditação:
com medo que acabasse logo. - Para que servem os espinhos? O pequeno príncipe insistiu na pergunta, sem desistir de ouvir uma resposta para uma pergunta sua. Estava ocupado com o meu parafuso, então respondi qualquer coisa:
- Um carneiro, se come arbustos, também come flores?
- Os espinhos não servem para nada, são somente pura maldade das rosas.
- Um carneiro come tudo que encontra. - Mesmo as flores com espinhos?
- Ah!
- Sim. Mesmo as flores com espinhos.
Depois de um breve silêncio, ele respondeu com rancor na voz:
- E para que servem então os espinhos? Eu não tinha a menor ideia. Estava ocupado apertando um parafuso do meu motor, estava muito preocupado com a grave pane do avião. Já não tinha muita água para beber e estava
- Não acredito que disse isso! As flores são frágeis, inocentes e se protegem como podem. Sentem-se poderosas com seus espinhos... Eu não respondi. Estava pensando naquele 24
exato momento: “se o parafuso não afrouxar, vou bater nele com um martelo! ”. O pequeno príncipe continuava com suas indagações:
Tudo que ele fazia de sua vida eram contas. E todos os dias ele repetia, como você: “Sou um homem importante! Sou um homem importante! ” e isso o enchia de orgulho. Mas isso não é um homem, é um cogumelo!
- E você acredita que as flores... - Não! Chega! Eu já te respondi. Estou ocupado com coisas importantes!
- Um o que? - Um cogumelo!
Ele ficou perplexo:
Ele estava pálido de raiva:
- Coisas importantes!
- Há milhares de anos as rosas produzem seus espinhos. E há milhares de anos os carneiros comem as mesmas rosas. E não é importante pesquisar para entender por que produzir espinhos se eles não adiantam nada? Não é importante a guerra entre os carneiros e as flores? Não é mais importante do que as contas do senhor avermelhado? E se eu conheço uma flor única no mundo, que não existe em nenhum outro lugar, apenas em meu planeta, e qualquer carneirinho pode comê-la em uma única dentada, assim sem querer. Como isso não é importante?
Ele me observava, com o martelo na mão, os dedos sujos de graxa, debruçado sobre uma peça que parecia muito estranha. - Você fala como os adultos. Isso me deixou envergonhado. Ele continuou: - Você confunde tudo, mistura tudo! Estava bem irritado, com o vento balançando seus cabelos dourados: - Eu conheci um planeta onde morava um senhor avermelhado. Ele nunca havia sentido o perfume de uma flor, nunca havia visto uma estrela. Ele nunca havia amado outra pessoa.
Vermelho de raiva, ele continuou:
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- Se alguém ama uma flor que é única em milhões e milhões de estrelas, isso é o suficiente para fazê-lo feliz ao admirá-la? Ele pensa: “Minha flor está lá, em algum lugar especial...”. E se o carneiro come essa flor, é como se todas as estrelas se apagassem! Isso não é importante? Ele não disse mais nada e, de repente, começou a chorar. A noite havia chegado. Eu larguei todas as ferramentas, dane-se meu martelo e meus parafusos, a sede e a morte. Havia ali, sobre uma estrela, um planeta – meu planeta Terra – um pequeno príncipe precisando do meu carinho. Eu lhe abracei, e lhe disse: - A flor que você ama não está em perigo. Vou desenhar uma focinheira para o carneirinho, e um cercadinho para a flor... Eu... Eu não sabia o que dizer. Não sabia como confortá-lo. É misterioso esse país das lágrimas.
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CAPÍTULO 8 Eu aprendi muito sobre a flor. Sempre houve, no planeta do pequeno príncipe, flores simples, com apenas uma coroa de pétalas e que não ocupavam muito espaço, nem incomodavam ninguém. Elas apareciam de manhã e, durante a noite, murchavam. Mas um dia, um pequeno broto surgiu – sabe-se lá de onde – e o pequeno príncipe foi cuidar dela como cuidava das outras mudas. Mas aquela muda não era parecida com nenhuma outra, quem sabe era uma espécie nova de baobá. Porém, logo a muda parou de crescer, e dela surgiu uma flor. O pequeno príncipe, que assistia florir um lindíssimo botão, percebeu um desabrochar milagroso. A flor continuava a florir a seu próprio passo, dentro de sua fortaleza verde. Ela escolhia suas cores com cuidado e se despia calmamente, uma pétala por vez. Não queria parecer desleixada como os cravos, ah sim, era bem vaidosa!
E assim, uma manhã, justamente no nascer do sol, ela despertou. A flor, que havia trabalhado tanto para ficar bonita, disse: - Ah! Acabo de despertar.... Peço desculpas, estou um pouco descabelada! O pequeno príncipe não conseguiu esconder sua admiração: - Como você é bonita!
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- Eu sei, - disse a flor docemente – eu nasci com o Sol. O pequeno príncipe percebeu que ela não era nada modesta, mas encantadora! - Acho que é hora do café-da-manhã – disse ela. – Trate de cuidar de mim... E o pequeno príncipe, confuso, foi buscar o regador com água fresca para a flor. Ela tinha uma vaidade exagerada.
Um dia, por exemplo, ela falava sobre seus quatro espinhos: - Que venham os tigres com suas garras! - Não há tigres em meu planeta – respondeu o pequeno príncipe. – E os tigres não comem ervas. - Eu não sou uma erva – respondeu docemente a flor.
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Lá de onde venho... Mas ela se interrompeu. Havia chegado como semente, não poderia conhecer outros lugares. Com vergonha de ter sido pega em uma mentira, ela tossiu duas ou três vezes e olhou para o pequeno príncipe: - E a minha tela? – Cobrou-lhe. - Eu ia procurar, mas você não para de falar! Então ela tossiu com mais força, para deixá-lo sentindo-se culpado. E o pequeno príncipe, apesar de seu amor e sua generosidade, logo desconfiou dela. Ele havia levado a sério todas essas coisas sem importância, e sentia-se mal.
- Desculpe...
“Eu não deveria tê-la ouvido”, ele me confidenciou um dia. “Não escute jamais as flores. Devemos admirá-las e aspirar seu perfume. A minha perfumava todo meu planeta, e eu não me incomodava com isso. A história das garras me incomo-dou bastante, quando deveria ter me agradado. ”
- Não tenho medo de tigres, mas detesto correntes de ar. Você não tem uma tela? “Horror a correntes de ar.... isso não é normal para uma planta! ” Pensou o pequeno príncipe. “Essa flor é bem com-plicada...”.
E ele disse depois:
- À noite, você pode me guardar sob uma redoma de vidro. Faz muito frio aqui no seu planeta, não me sinto bem... 29
“Tem tantas coisas que não entendo! Acho que deveria ter julgado a flor pelos seus atos e 29
não suas palavras. Ela era perfumada e me deixava feliz, e eu nunca deveria tê-la abando-nado. Deveria ter visto sua doçura por trás de suas palavras duras. As flores são complicadas! Mas eu era muito jovem para saber como amá-la. ”
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CAPÍTULO 9 Acredito que ele aproveitou, para escapar, um bando de pássaros selvagens que por lá passavam. Na manhã em que iria partir, decidiu colocar seu planeta em ordem. Ele limpou cuidadosamente os vulcões. Lá havia dois vulcões em atividade, o que era uma boa maneira de esquentar o café da manhã. Também tinha um vulcão desativado, mas, como ele mesmo disse “Nunca se sabe! ”, então ele sempre limpava o vulcão desativado. Se eles estão sempre limpos, eles esquentam regularmente sem erupções. As erupções são como fagulhas na lareira – aqui na Terra somos muito pequenos para resolver os problemas dos vulcões, por isso eles causam tanto dano.
dos esses trabalhos matinais pareciam doces para ele. E quando ele regou pela última vez a flor e a colocou sob a redoma, percebeu que queria chorar. - Adeus – disse. Mas a flor não respondeu. - Adeus – repetiu o pequeno príncipe. A flor tossiu, mas não era por causa de algum resfriado. - Eu fui uma tola – disse a flor, enfim. – Peço desculpas. Trate de ser feliz. Ele ficou surpreso com a falta de censura em sua voz. Ele ficou ali, parado, com a redoma no ar.... não entendia essa calmaria.
O pequeno príncipe também arrancou, com um pouco de tristeza, os últimos ramos de baobás. Ele acreditava que nunca mais iria voltar, e to-
- É claro que eu te amo – disse a flor. – Não é 31
culpa sua e sim minha. Mas isso não tem importância... Trate de ser feliz. Pode deixar a redoma de lado, não preciso mais dela. - Mas e o vento... - Não estou tão resfriada assim. O ar fresco vai me fazer bem, sou uma flor. - Mas e os bichos... - É preciso que eu suporte duas ou três larvas, se quero conhecer as borboletas. Dizem que são tão belas! Se não elas, quem irá me visitar? Você vai estar tão longe... E quanto aos bichos grandes, não tenho medo deles! Tenho minhas garras! E ela mostrava seus quatro espinhos. Em seguida acrescentou: - Não fique aí parado... é irritante. Você não vai embora? Então vá! Ela não queria que o pequeno príncipe a visse chorar. Era muito orgulhosa.
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CAPÍTULO 10 O pequeno príncipe estava na região dos asteroides 325, 326, 327, 328, 329 e 330. Começou então a visitar cada um deles, procurando por um trabalho e para se instruir. O primeiro asteroide era habitado por um rei. O rei ficava sentado, vestindo roupas púrpuras e um manto de arminho, sobre um trono simples, porém majestoso. - Ah! Um súdito! – Disse o rei quando avistou o pequeno príncipe. E o pequeno príncipe se perguntou: “Como ele me reconheceu, sendo que nunca me viu antes? ”. Ele não sabia que, para os reis, o mundo era muito simples – pois todos eram seus súditos. - Aproxime-se para eu lhe ver melhor – disse o rei, todo orgulhoso de ser rei para alguém. 33
O pequeno príncipe então procurou onde se sentar, mas o planeta estava todo ocupado pelo manto de arminho. Ficou então em pé e, como estava cansado, bocejou.
e o general não me obedecesse, a culpa seria minha e não dele”, costumava dizer o rei. - Posso sentar? – Perguntou timidamente o pequeno príncipe.
- É contra a etiqueta bocejar na frente do rei – disse o monarca. – Eu o proíbo!
- Eu te ordeno que se sente – respondeu o rei, puxando um pedaço de seu manto.
- Não posso evitar – disse o pequeno príncipe, confuso. – Fiz uma longa viagem e ainda não dormi...
“O planeta é minúsculo” pensou o pequeno príncipe. “Sobre quem o rei reina? ”. - Majestade.... Peço desculpas por perguntar...
- Então eu ordeno que boceje! – Disse o rei. – Faz muito tempo que não vejo ninguém bocejar, os bocejos são uma raridade para mim! Vamos, boceje! É uma ordem!
- Eu ordeno que me perguntes! – Apressou-se o rei a declarar. - Majestade.... Sobre quem o senhor reina?
- Isso é intimidador... eu não consigo mais. – Disse o pequeno príncipe sem graça.
- Sobre tudo – respondeu o rei, com simplicidade.
- Hum... hum... – disse o rei. – Então ordeno que boceje uma hora e outra hora... – ele gaguejou, sem saber o que falar.
- Sobre tudo? O rei, com um gesto discreto, apontou para o seu planeta, os outros planetas e as estrelas.
O rei fazia questão que sua autoridade fosse respeitada, não toleraria desobediência. Era um rei absoluto. Mas, como era um rei muito bom, dava ordens razoáveis. “Se eu ordenasse que um general se transformasse em gaivota,
- Sobre tudo isso? - Sobre tudo isso... – respondeu o rei. Pois ele não era somente um rei absoluto, mas tam34
A autoridade depende da razão. Se ordenar seu povo a se jogar no mar, haverá uma revolução. Eu tenho direito de exigir obediência de meus súditos, pois minhas ordens são razoáveis.
bém um rei universal. - E as estrelas o obedecem? - Sem dúvida – disse o rei. – Obedecem rapidamente, eu não tolero indisciplina.
- E o meu pôr-do-sol? – Lembrou-lhe o pequeno príncipe, que nunca esquecia uma pergunta sua.
Esse poder impressionou o pequeno príncipe. Se ele tivesse todo esse poder, poderia ter assistido, não quarenta e três, mas setenta e dois ou mesmo cem, ou até duzentos pôr-dosol no mesmo dia, sem precisar sequer afastar a cadeira. Ao pensar em seu pequeno planeta abandonado, sentiu-se triste. Ousou, então, perguntar ao rei:
- Você o terá, eu o exigirei. Mas vou esperar que as condições estejam favoráveis, como sempre faço em meu governo. - E quando serão? – Perguntou o pequeno príncipe.
- Eu desejava ver um pôr-do-sol.... Poderia me fazer esse favor? Ordene que o sol se ponha...
- Hein? – Respondeu o rei, olhando um grosso calendário. – Será por volta de... sete horas e quarenta minutos da noite, esta noite. E então vai ver como sou obedecido.
- Se eu ordenasse a meu general voar de flor em flor como uma borboleta, ou escrever uma tragédia, ou transformar-se em gaivota, e o general não executasse a ordem, quem estaria errado – ele ou eu?
O pequeno príncipe bocejou, lamentando o pôr-do-sol que perdera e se aborreceu um pouco.
- O senhor – respondeu com firmeza o pequeno príncipe. - Exatamente. Podemos exigir de cada um apenas aquilo que ele pode dar – explicou o rei. –
- Não tenho mais nada a fazer aqui – disse o pequeno príncipe ao rei. – Vou seguir minha viagem. 35
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- Não se vá – respondeu o rei, orgulhoso por ter um súdito. – Não vá e eu te faço ministro!
sim sua vida dependerá da justiça. Mas depois irá perdoá-lo, pois só temos um rato.
- Ministro de quê?
- Eu não gosto de condenar ninguém a morte – disse o pequeno príncipe. – Acho que vou mesmo embora.
- Da.... da justiça! - Mas não tem ninguém aqui para julgar!
- Não – disse o rei.
- Quem sabe? – Disse o rei. – Ainda não dei a volta em meu reino. Estou muito velho e cansado para andar e não tenho lugar para carruagem.
Mas o pequeno príncipe, que já tinha acabado de arrumar as coisas para continuar viagem, não queria perturbar o monarca: - Se Vossa Majestade deseja ser obedecido, deveria me dar uma ordem razoável. Poderia me ordenar, por exemplo, que eu fosse embora em menos de um minuto. Parece para mim que as condições são favoráveis.
- Ah! Mas eu já vi. – Disse o pequeno príncipe, inclinando-se para dar uma olhada no outro lado do planeta. – Não tem ninguém. - Você se julgará então – disse o rei. – É o mais difícil, julgar a si mesmo. Mais do que julgar os outros. Se conseguir se julgar bem, será um verdadeiro sábio.
Como o rei não disse nada, o pequeno príncipe hesitou, mas depois foi embora. - Eu te faço meu embaixador – disse o rei apressadamente. Tinha um ar de grande autoridade.
- Mas eu posso julgar a mim mesmo em qualquer lugar – respondeu o pequeno príncipe. – Não preciso ficar aqui para fazer isso. - Ah! – disse o rei – Tenho quase certeza de que tem um velho rato no meu planeta. Eu o escuto a noite. Você poderá julgar esse rato, condenando-o a morte de vez em quando – as-
Os adultos são muito esquisitos, pensou o pequeno príncipe durante a viagem. 36
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CAPÍTULO 11 No segundo planeta vivia um vaidoso. - Ah! Ah! Um admirador veio me visitar! – Exclamou o vaidoso, mal vendo o pequeno príncipe. Porque, para os vaidosos, os outros são todos admiradores. - Bom dia - disse o pequeno príncipe. – Você tem um chapéu engraçado! - É para agradecer, – disse o vaidoso. – Agradecer quando me elogiam. Infelizmente não passa ninguém por aqui. - É mesmo? – Disse o pequeno príncipe, sem entender direito. - Bata as mãos uma na outra – pediu o vaidoso. O pequeno príncipe bateu as mãos e o vaidoso 37
agradeceu modestamente, tirando o chapéu.
- Eu te admiro – disse o pequeno príncipe, dando de ombros. Como aquilo poderia lhe interessar?
- Ah! Mas isso é mais divertido que a visita ao rei - disse para si mesmo o pequeno príncipe, e começou a bater as mãos, e o vaidoso a tirar o chapéu e agradecer.
E o pequeno príncipe foi embora. Os adultos são muito bizarros, pensou ele durante a viagem.
Após cinco minutos, o pequeno príncipe estava cansado de bater as mãos. - E para o chapéu cair, o que preciso fazer? – Perguntou o pequeno príncipe. Mas o vaidoso não o ouviu, ele só ouvia elogios. - Não é verdade que você me admira muito? – Perguntou o vaidoso ao pequeno príncipe. - O que quer dizer ‘admirar’? - Admirar significa reconhecer que eu sou o homem mais belo, mais rico, mais inteligente e mais bem vestido de todo o planeta. - Mas só tem você no seu planeta! - Me dá esse gostinho, me admire mesmo assim! 38
CAPÍTULO 12 O planeta seguinte era habitado por um bêbado. Essa visita foi rápida, mas deixou o pequeno príncipe em profunda melancolia. - O que você está fazendo? – Perguntou o pequeno príncipe ao bêbado, sentado com uma coleção de garrafas vazias na frente e uma coleção de garrafas cheias ao lado. - Eu bebo – respondeu o bêbado. - Por que você bebe? – Perguntou o pequeno príncipe. - Para esquecer. – Respondeu o beberrão. - Esquecer o que? – Perguntou o pequeno príncipe, começando a sentir pena dele. - Esquecer que eu tenho vergonha – respondeu o bêbado, abaixando a cabeça. - Vergonha de que? – Perguntou o pequeno 39
príncipe, querendo ajudar. - Vergonha de beber! – Concluiu o beberrão, ficando em silêncio. E o pequeno príncipe foi embora, perplexo. Os adultos são muito bizarros, pensou ele durante a viagem.
VAMOS JOGAR?
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CAPÍTULO 13 O quarto planeta era habitado por um homem de negócios. Ele estava tão ocupado que nem levantou a cabeça quando o pequeno príncipe chegou. - Bom dia – disse o pequeno príncipe. – Seu cigarro está apagado. - Três e dois são cinco. Cinco e sete, doze. Doze e três, quinze. Bom dia. Quinze e sete, vinte e dois. Vinte e dois e seis, vinte e oito. Não tenho tempo para acender de novo. Vinte e seis e cinco, trinta e um. Ufa! São quinhentos e um milhões seiscentos e vinte e dois mil setecentos e trinta e um. - Quinhentos milhões, o que?
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- Hein? Ainda está aqui? Quinhentos e um milhões de... eu não sei mais... tenho tanto trabalho. Sou um homem sério, não me preocupo com coisas pequenas. Dois e cinco sete...
- Quinhentos milhões de quê? – Repetiu o pequeno príncipe, que nunca se esquece de uma pergunta – uma vez que a tenha feito.
- Também não. Essas coisinhas douradas que fazem os ociosos sonharem. Eu sou um homem sério, não tenho tempo para divagações.
O homem de negócios levantou a cabeça:
- Ah! Estrelas?
- Há cinquenta e quatro anos que moro neste planeta e só fui incomodado três vezes. A primeira vez foi há vinte e dois anos, por um besouro caído não sei de onde. Ele fazia um barulho terrível e, por causa disso, cometi quatro erros de soma. A segunda vez foi há onze anos por uma crise de reumatismo. Não faço muitos exercícios, não tenho tempo para passeios. Sou um homem sério. A terceira... é esta! Eu dizia, então, quinhentos e um milhões...
- Isso! Estrelas! - E o que você faz com quinhentos milhões de estrelas? - Quinhentos milhões, seiscentos e vinte e duas mil, setecentos e trinta e uma. Eu sou um homem sério, gosto de exatidão. - O que você faz com as estrelas? - O que eu faço com elas? - Sim.
- Milhões de que?
- Nada. Eu as possuo.
O homem de negócios entendeu que o pequeno príncipe não o deixaria em paz:
- Você possui as estrelas?
- Milhões dessas coisinhas que vemos no céu.
- Sim.
- Moscas?
- Mas eu já vi um rei que...
- Não, não. Essas que brilham.
- Os reis não possuem, eles “reinam” sobre. É muito diferente.
- Abelhas? 42
- E para que serve possuir as estrelas?
- Para ser rico.
- E o que você faz com elas?
- E para que ser rico?
- Eu as administro. Eu conto e reconto todas elas. – Disse o homem de negócios. – É difícil, mas eu sou um homem muito sério!
- Para comprar outras estrelas, se alguém tiver.
O pequeno príncipe ainda não estava satisfeito:
“Esse aí” – pensou o pequeno príncipe – “raciocina parecido com o bêbado. ” Mas mesmo assim ainda continuou perguntando:
- Eu, se tenho um lenço, posso colocar em volta do meu pescoço. Se tenho uma flor, posso colher a flor e levar comigo. Mas você não pode colher as estrelas.
- Como pode alguém ter tantas estrelas? - De quem são as estrelas? – Respondeu, ameaçador, o homem de negócios.
- Não, mas eu posso colocá-las no banco.
- Eu não sei. De ninguém.
- O que isso quer dizer?
- Então são minhas, porque eu pensei primeiro.
- Isso quer dizer que eu escrevo em um pequeno papelzinho o número das minhas estrelas. E depois tranco o papel à chave numa gaveta.
- E isso basta?
- Só isso?
- Sem dúvidas. Quando você acha um diamante que não é de ninguém, ele é seu. Quando acha uma ilha que não tem dono, ela é sua. Quando tem uma ideia primeiro que todos, e você a registra: ela é sua. Quanto a mim, eu possuo as estrelas porque ninguém antes de mim teve a ideia de possuí-las. - Isso é verdade. – Disse o pequeno príncipe.
- E basta... “É divertido”, pensou o pequeno príncipe. “É bastante poético, mas não é muito sério”.
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O príncipe ainda tinha, sobre as coisas sérias, opiniões diferentes dos adultos. 43
- Eu – disse o pequeno príncipe – tenho uma flor que rego todos os dias. Tenho três vulcões que limpo todos os dias. E também limpo o que está inativo, a gente nunca sabe o que pode acontecer. Sou útil para os meus vulcões e sou útil para a minha flor. Mas você não é útil para as estrelas... O homem de negócios abriu a boca, mas não sabia o que responder. E o pequeno príncipe se foi. Os adultos são mesmo extraordinários, pensou repetidamente durante sua viagem.
VAMOS JOGAR?
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CAPÍTULO 14 O quinto planeta era muito curioso. Era o menor de todos, tinha apenas espaço para um lampião e um acendedor de lampiões. O pequeno príncipe não conseguia explicar para que podia servir, em qualquer parte do céu, ter um planeta sem uma casa nem população, mas possuir um lampião e um acendedor de lampiões. - Talvez esse homem seja absurdo. Menos absurdo que o rei, que o vaidoso, que o homem de negócios e com certeza que o bêbado. Ao menos seu trabalho tem algum sentido. Quando ele acende o lampião, é como se fizesse nascer uma estrela ou uma flor. Quando ele apaga o lampião, é como se a estrela ou a flor dormissem. É um trabalho muito belo, verdadeiramente belo.
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Assim que o pequeno príncipe pousou no planeta, ele saudou o acendedor de lampiões:
- Bom dia. Por que acabou de apagar seu lampião?
- O regulamento não mudou! Aí que está o drama! – Disse o acendedor. – O planeta gira mais rápido a cada ano, e o regulamento não muda!
- É o regulamento – respondeu o acendedor. – Bom dia.
- E daí? – Perguntou o pequeno príncipe.
- Qual é o regulamento?
- Agora, o planeta dá uma volta por minuto! Não tenho mais um segundo de repouso! Acendo e apago o lampião uma vez por minuto!
- É apagar o lampião. Boa noite. E acendeu de novo o lampião.
- Ah! Que engraçado! Os dias aqui duram um minuto...
- Mas por que acabou de acender de novo?
- Não é nada engraçado – disse o acendedor. – Já faz um mês que estamos conversando...
- É o regulamento – respondeu o acendedor. - Eu não entendo... – disse o pequeno príncipe.
- Um mês?!
- Não é para entender. – Disse o acendedor. – Regulamento é regulamento. Bom dia.
- Sim. Trinta minutos, trinta dias. Boa noite. E acendeu o lampião.
E apagou o lampião. Em seguida, enxugou a testa com um lenço de quadradinhos vermelhos.
O pequeno príncipe considerou o que o acendedor disse e o amou por sua fidelidade ao regulamento. Lembrou-se dos pores do sol que ele mesmo produzia, recuando um pouco sua cadeira. Quis ajudar o amigo.
- Eu tenho um trabalho terrível. Antigamente era razoável, apagava o lampião de manhã e acendia à noite. Tinha o resto do dia para descansar e o resto da noite para dormir... - E o que aconteceu, mudaram o regulamento?
- Sabe de uma coisa? Eu sei um jeito de você poder descansar um pouco... 46
- Eu sempre quero descansar – disse o acende-
dor.
- Era o único de quem eu poderia ter ficado amigo. Mas seu planeta é pequeno demais, não tem espaço para nós dois...
– Pois podemos ser, ao mesmo tempo, fiéis e preguiçosos.
O que o pequeno príncipe não se atreveu a dizer é que os mil quatrocentos e quarenta pores do sol em vinte e quatro horas faziam que sentisse saudade do abençoado planeta.
E o pequeno príncipe prosseguiu: - Seu planeta é tão pequeno que pode, em três passos, dar a volta nele todo. Basta andar devagar, bem devagar, assim ficará sempre no sol. Quando quiser descansar, é só caminhar... e o dia durará o tempo que quiser. - Isso não ajuda muito – disse o acendedor. – O que eu mais gosto na vida é dormir. - Então não tem jeito mesmo – disse o pequeno príncipe. - Não mesmo – disse o acendedor. – Bom dia. E apagou o lampião. “Esse aí”, pensou o pequeno príncipe ao prosseguir viagem, “seria desprezado por todos os outros – o rei, o vaidoso, o bebum e o homem de negócios. No entanto, é o único que não me parece ridículo, talvez porque seja o único que pensa em alguma coisa além de si mesmo”. Suspirou e disse:
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CAPÍTULO 15 O sexto planeta era dez vezes maior. Era habitado por um senhor que escrevia em grandes livros. - Eba! Um explorador! – Exclamou ele, logo que viu o pequeno príncipe. O pequeno príncipe se sentou à mesa, ofegante. Viajou por tanto tempo! - De onde veio? – Perguntou o velho homem. - Que livro é esse? – Perguntou o pequeno príncipe. – O que você faz aqui? - Sou geógrafo – respondeu o velho. - O que é um geógrafo? - É um sábio que tem conhecimento sobre os mares, os rios, as cidades, as montanhas e os desertos. 48
- Que interessante! – Disse o pequeno príncipe.
– Isso sim é uma verdadeira profissão! – E olhou à sua volta o planeta do geógrafo. Nunca tinha visto algo tão majestoso. – O planeta é muito bonito.
- Por quê? - Porque um explorador mentiroso produziria catástrofes nos livros de geografia. Como, por exemplo, um explorador que bebesse demais.
-Aqui tem oceanos?
- Por que isso?
- Como posso saber? – Disse o geógrafo.
- Porque os bêbados veem dobrado. Então o geógrafo irá anotar duas montanhas, quando na verdade só tem uma.
- Ah! – Disse o pequeno príncipe, desapontado. - E montanhas? - Como posso saber? – Disse o geógrafo.
- Conheço uma pessoa – disse o pequeno príncipe – que seria um mau explorador.
- E cidades, rios, desertos?
- É possível. Por isso, quando a moralidade do explorador parece ser boa, faz-se uma investigação sobre a sua descoberta.
- Como posso saber? – Disse o geógrafo pela terceira vez. - Mas o senhor é geógrafo! - Sim, é claro, mas não sou explorador. Faltam exploradores no planeta. Não é o geógrafo que vai contar as cidades, os rios, as montanhas, os mares, os oceanos e os desertos. O geógrafo é muito importante para ficar passeando. Não deixa a escrivaninha nem um minuto, mas recebe os exploradores, interroga-os, anota suas lembranças. E se alguma das lembranças parece interessante, o geógrafo abre um inquérito sobre a moralidade do explorador.
- Você vai lá ver pessoalmente? - Não, seria muito complicado. Mas exijo que o explorador traga provas. Por exemplo, se ele descobrir uma grande montanha, deverá me trazer uma grande pedra. O geógrafo, então, se entusiasmou: - Mas você veio de longe! É um explorador! Descreva-me seu planeta! 49
E o geógrafo, com o caderno aberto, apontou o
lápis. Sempre se anota as descrições dos exploradores à lápis, e somente depois da apresentação das provas é que se passa a tinta.
-O que quer dizer ‘efêmera’? - Se o vulcão está extinto ou não, dá na mesma para nós, geógrafos. O que nos interessa é a montanha, e a montanha não muda.
- Então? – Perguntou o geólogo. - Ah! Onde eu moro – disse o pequeno príncipe – não é muito interessante.... É bem pequeno. Eu tenho três vulcões, dois em atividade e um extinto. Mas a gente nunca sabe...
- Mas o que quer dizer ‘efêmera’? – Repetiu o pequeno príncipe, que nunca na sua vida se esquecia de uma pergunta que havia feito. - Quer dizer ‘ameaçado de extinção próxima’.
- É.... a gente nunca sabe... – repetiu o geólogo.
- Minha flor está ameaçada de extinção?
- Tenho também uma flor.
- Sim, sem dúvida.
- Mas não anotamos as flores – disse o geólogo.
- Minha flor é efêmera – disse o pequeno príncipe – e não tem mais do que quatro espinhos para se defender do mundo! E eu a deixei sozinha!
- Por que não? É o mais bonito! - Porque as flores são efêmeras. - O que significa ‘efêmeras’?
Sentiu remorso, mas retomou a coragem:
- Os livros de geografia – disse o geógrafo – são os livros de maior valor. Nunca ficam fora de moda, pois é muito raro que uma montanha troque de lugar. É muito raro um oceano esvaziar-se. Nós escrevemos coisas eternas. - Mas os vulcões extintos podem se reanimar – interrompeu o pequeno príncipe.
- Que lugar me aconselha a ir visitar? – Perguntou o pequeno príncipe. - O planeta Terra – respondeu o geógrafo. – Tem uma grande reputação...
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E o pequeno príncipe se foi, pensando em sua flor. 50
CAPÍTULO 16 O sétimo planeta, então, foi a Terra. A Terra não era um planeta qualquer. Contamse lá cento e onze reis (sem contar os reis negros!), sete mil geógrafos, novecentos mil negociantes, sete milhões e meio de bêbados e onze milhões de vaidosos – ou seja, cerca de dois bilhões de adultos. Para dar uma ideia da dimensão da Terra, antes da invenção da eletricidade era necessário manter, para todos os seis continentes, um verdadeiro exército de quatrocentos e sessenta e dois mil, quinhentos e onze acendedores de lampiões.
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Visto de longe, era magnífico. Os movimentos desses exércitos eram ritmados com os de um balé de ópera. Primeiro vinham os acendedores da Austrália e Nova Zelândia. Esses, assim que acesos os lampiões, iam dormir.
Depois entravam os acendedores da China e Sibéria, que também desapareciam nos bastidores. Por sua vez, os acendedores da Rússia e das Índias entravam em cena. Depois África e Europa, seguidos da América do Sul e América do Norte. E jamais erravam a ordem de entrada. Era um espetáculo gracioso. Apenas dois acendedores levavam a vida ociosa e descuidada: o acendedor do Polo Norte e seu colega do Polo Sul. Esses trabalhavam apenas duas vezes ao ano.
VAMOS JOGAR?
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CAPÍTULO 17 O pequeno príncipe, quando chegou à Terra, ficou surpreso ao não ver ninguém. Teve medo de ter se enganado a respeito deste planeta, quando um anel cor de lua se remexeu na areia.
Quando os adultos querem fazer graça, eles m e n t e m u m p o u c o . Não fui honesto quando falei sobre os acendedores de lampiões. Corro o risco de passar uma falsa ideia do nosso planeta para aqueles que não o conhecem. Os homens ocupam uma pequena parcela dele – se os dois bilhões de habitantes ficassem em pé, colados um ao outro, todos caberiam em uma praça pública de vinte milhas de comprimento por vinte de largura. Poderia juntar toda a humanidade na menor ilha do Pacífico.
- Boa noite – disse o pequeno príncipe, por acaso. - Boa noite – respondeu a serpente. - Em qual planeta estou? – Perguntou o pequeno príncipe. - Na Terra, na África – respondeu a serpente.
É claro que os adultos não acreditarão. Eles acreditam que ocupam muito espaço, imaginam-se tão importantes quanto os baobás. Falem para eles fazer os cálculos – eles adoram números! Mas não percam seu tempo com esse problema de aritmética, é inútil – acreditem em mim.
- Ah! ... E não tem ninguém na Terra? - Aqui é o deserto. Ninguém fica no deserto. A Terra é grande – disse a serpente. O pequeno príncipe se sentou em uma pedra e olhou para o céu: 53
- Ah! – Exclamou a serpente.
- Eu me pergunto – disse ele – se as estrelas são assim tão brilhantes para que cada um encontre a sua. Olha meu planeta, ele está acima de nós..., mas como está longe.
E eles ficaram quietos. - Onde estão os homens? – Perguntou o pequeno príncipe. – Estamos um pouco sozinhos no deserto...
- Seu planeta é muito bonito – disse a serpente. – O que veio fazer aqui?
- Entre os homens também ficaríamos sozinhos... – respondeu a serpente.
- Eu tive problemas com uma flor – disse o pequeno príncipe.
O pequeno príncipe a encarou por um longo tempo: - Você é um bichinho engraçado – disse ele – Fino como um dedo... - Mas sou mais poderosa que um dedo de um rei. – Disse a serpente. O pequeno príncipe sorriu: - Você não é tão poderosa assim... Não tem nem patas! Não pode nem viajar! - Posso te levar mais longe que um navio – disse a serpente. Ela se enrolou no tornozelo do pequeno príncipe como um bracelete de ouro: 54
- Todo aquele que toco, volta para a terra de onde veio – disse a serpente. – Mas você é puro, pois veio de uma estrela... O pequeno príncipe não respondeu. - Tenho pena de você, tão fraco, nessa terra de granito. Posso te ajudar um dia a voltar ao seu planeta. Posso... - AH! Eu já entendi tudo – disse o pequeno príncipe – mas por que fala com tanto enigma? - Eu sempre os resolvo – disse a serpente. E eles se calaram.
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CAPÍTULO 18 O pequeno príncipe atravessou o deserto e enc o n t r o u u m a fl o r . Uma flor de três pétalas, uma florzinha qualquer...
- Onde estão os homens? – Perguntou educadamente o pequeno príncipe.
- Bom dia – disse o pequeno príncipe.
- Os homens? Não existe mais do que seis ou sete, pelo que parece.
A flor, que um dia havia visto passar uma caravana, respondeu:
- Bom dia – disse a flor.
Eles não são vistos há alguns anos, mas não sabemos onde encontrá-los. O vento os assopra, pois não tem raízes. Isso os incomoda. - Adeus – disse o pequeno príncipe. - Adeus – disse a flor.
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CAPÍTULO 19 tem imaginação, eles repetem tudo que ouvem...Em casa tinha uma flor e ela sempre falava primeiro”.
O pequeno príncipe escalou uma grande montanha. As únicas montanhas que conhecia eram os três vulcões que eram da altura do seu joelho. E ele usava um deles, o vulcão extinto, como um banco. “De uma montanha tão alta” ele pensou “poderei ver todo o planeta e todos os homens...”. Mas viu apenas pedras pontudas. - Bom dia – disse ao acaso. - Bom dia.... Bom dia.... Bom dia.... – Respondeu o eco. - Quem é você? – Perguntou o pequeno príncipe. - Quem é você.... Quem é você.... Quem é você...? – Respondeu o eco. “Que planeta engraçado! ” Pensou ele. “Ele é todo seco, pontudo e salgado. E os homens não 57
CAPÍTULO 20 Aconteceu que o pequeno príncipe, depois de andar pelas areias, pelas rochas e pela neve, descobriu uma estrada. E as estradas encontram os homens.
E aqui estavam cinco mil delas, todas iguais, em um único jardim! “Ela ficaria muito vermelha se visse isso” pensou ele. “Começaria a tossir, fingiria morrer para escapar do ridículo. E eu teria que cuidar dela. Ela era capaz de morrer mesmo, só para me humilhar”.
- Bom dia. – disse ele. Era um jardim de rosas. - Bom dia – disseram as rosas.
Depois refletiu ainda “Eu achava que era dono de uma flor sem igual, mas é apenas uma rosa comum. Uma rosa e três vulcões que medem até meu joelho, um deles extinto para sempre. Isso não me faz um grande príncipe...” E, deitado na relva, chorou.
O pequeno príncipe as olhava, todas tão parecidas com sua flor. - Quem são vocês? – Perguntou o pequeno príncipe, surpreso. - Somos rosas – disseram as rosas. - Ah! – Exclamou o pequeno príncipe. E ele se sentiu muito infeliz. Sua flor havia dito que era a única de sua espécie em todo o universo.
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VAMOS JOGAR?
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CAPÍTULO 21 - Quem é você? – Perguntou o pequeno príncipe. – Você é bonita... - Sou uma raposa – respondeu a raposa. - Venha brincar comigo – propôs o pequeno príncipe. – Estou bem triste. - Eu não posso brincar com você – respondeu a raposa. – Não fui cativada ainda. - Ah! Desculpe. – Falou o pequeno príncipe. Mas, depois de um pouco de reflexão, disse: Foi então que apareceu uma raposa.
- O que significa ‘cativar’?
- Bom dia – disse a raposa.
- Você não é daqui – disse a raposa. – O que procura?
- Bom dia – respondeu educadamente o pequeno príncipe, que se virou, mas não viu ninguém. - Estou aqui – disse a voz, próximo à macieira.
- Procuro os homens – respondeu o pequeno príncipe. – O que significa ‘cativar’? 60
- Os homens – disse a raposa – possuem armas
- Sim, claro – disse a raposa. – Você é para mim apenas um garoto, como tantos outros garotos por aí. E eu não preciso de você. E você não precisa de mim, eu sou apenas uma raposa dentre tantas outras raposas. Mas, se você me cativar, nós precisaremos um do outro. Você será único para mim em todo mundo, e eu serei única para você... - Começo a entender... – disse o pequeno príncipe. – Existe uma flor... acho que ela me cativou. - É possível – disse a raposa. – Nós vemos todo tipo de coisa na Terra... - Ah! Não é na Terra – disse o pequeno príncipe.
e caçam. É bem constrangedor. Eles criam galinhas também. É tudo que lhes interessa. Você procura galinhas?
A raposa ficou intrigada:
- Não. – Respondeu o pequeno príncipe – Eu procuro amigos. O que significa ‘cativar’?
- Em outro planeta?
- É uma coisa há muito tempo esquecida – disse a raposa. – Significa ‘criar laços’.
- Tem caçadores nesse planeta?
- Sim.
- Não.
- Criar laços? 61
- Ah, que interessante! E galinhas? 61
- Não.
tenho tempo. Eu tenho amigos para fazer e muitos lugares para conhecer.
- Nem tudo é perfeito – suspirou a raposa.
- Nós não conhecemos verdadeiramente as coisas que não cativamos – disse a raposa. – Os homens não conhecem mais nada. Eles compram coisas prontas em lojas, mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se você quer um amigo, me cativa!
Então a raposa teve uma ideia: - Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas, os homens me caçam. Todas as galinhas são parecidas, e todos os homens se parecem também. Isso me irrita um pouco. Mas se você me cativar, minha vida será como raios de sol. Conhecerei um som de passos que será diferente de todos os outros. Os outros passos me fazem ir para minha toca, mas os seus me farão sair da toca – como música. E depois, olha! Consegue ver, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão, o trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma... e isso é triste. Mas você tem os cabelos de ouro! Então será maravilhoso quando me cativar! O trigo – que é dourado – me lembrará de você! E eu amarei o barulho do vento no trigo...
- O que eu preciso fazer? – Perguntou o pequeno príncipe. - É preciso que tenha paciência – respondeu a raposa. – Você se sentará um pouco longe de mim, assim... e eu vou te olhar de canto de olho, mas você não vai dizer nada. A linguagem é a fonte dos mal-entendidos. Mas, a cada dia, você se sentará mais perto... Na manhã seguinte o pequeno príncipe voltou.
A raposa ficou calada e olhou para o pequeno príncipe durante muito tempo:
- É melhor vir na mesma hora sempre – disse a raposa. – Se você vem, por exemplo, às quatro horas da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. A cada hora que avança mais me
- Por favor... Me cativa! - Eu quero – respondeu o príncipe – mas não
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sentirei feliz. E às quatro horas, veja, estarei agitada e inquieta; descobrirei o prazer da felicidade! Mas se você vem a qualquer hora, eu nunca saberei em qual hora devo preparar meu coração... Precisamos de rituais.
- Está certo – disse a raposa.
- O que é um ritual? – Perguntou o pequeno príncipe.
- Então você não ganha nada!
- Mas você vai chorar! – Falou o pequeno príncipe. - Vou sim – disse a raposa.
- Eu ganho, – disse a raposa - por causa da cor do trigo.
- É uma coisa há muito tempo esquecida – disse a raposa. – É uma coisa que faz um dia ser diferente de todos os outros dias, uma hora diferente de todas as outras. Existe um ritual, por exemplo, com os caçadores. Eles dançam com as moças da vila às quintas-feiras. Então as quintas-feiras são maravilhosas, sempre vou passear nas vinhas. Se os caçadores dançassem todos os dias, eles seriam todos iguais e não haveria necessidade de dias de folga.
E depois acrescentou: - Vá rever as rosas. Você entenderá que a que tem é única no mundo. Você voltará para me dizer adeus, e eu te darei um segredo de presente. O pequeno príncipe foi rever as rosas: - Não são iguais a minha rosa. Ainda não são nada – ele lhes disse. – Ninguém as cativou e vocês não cativaram a ninguém. Vocês são como era a minha raposa: era uma raposa igual a todas as outras. Mas eu fiz dela minha amiga e agora ela é única no mundo.
Então o pequeno príncipe cativou a raposa. E quando era hora de partir, a raposa disse: - Ah... Vou chorar. - A culpa é sua – disse o pequeno príncipe. – Eu não queria te fazer mal, mas você quis que eu te cativasse...
As rosas pareciam desapontadas. 63
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- Vocês são bonitas, mas são vazias – ele continuou. – Ninguém vai morrer por vocês. Claro que, se algum qualquer passasse pela minha rosa, pensaria a mesma coisa. Mas ela sozinha é mais importante do que todas vocês juntas, pois foi a ela que eu reguei, que eu protegi do vento, que matei as larvas (exceto uma ou duas por conta das borboletas). Foi ela que eu ouvi se queixar, se vangloriar, ou qualquer outra coisa. Porque é minha rosa.
- Os homens se esqueceram dessa verdade – disse a raposa. – Mas você não pode se esquecer. Você é eternamente responsável por aquilo que cativa. Você é responsável por sua rosa... - Eu sou responsável pela minha rosa... – repetiu o pequeno príncipe, a fim de se lembrar.
E então foi rever a raposa: - Adeus – ele disse. - Adeus – disse a raposa. – Aqui vai meu segredo, ele é bem simples. Nós enxergamos melhor com o coração – o essencial é invisível aos olhos. - O essencial é invisível aos olhos – repetiu o pequeno príncipe. - É o tempo que gastou com a sua rosa que fez dela importante para você. - É o tempo que eu gastei com a minha rosa... – repetiu o pequeno príncipe, a fim de se lembrar.
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CAPÍTULO 22 - Já voltaram? – Perguntou o pequeno príncipe.
- Bom dia – disse o pequeno príncipe. - Bom dia – respondeu o guardador de chaves.
- Não são os mesmos – respondeu o guardador. – É uma troca.
- O que faz aqui? – Perguntou o pequeno príncipe.
- Não eram felizes onde estavam? – Perguntou o pequeno príncipe.
- Eu divido os passageiros em blocos de mil – respondeu o guardador de chaves. – Libero os trens de onde eles estão, às vezes para a direita, às vezes para a esquerda.
- Nunca estamos felizes no mesmo lugar – respondeu o guardador de chaves. E uma terceira luz passou rapidamente.
E uma luz muito rápida, como um trovão, fez tremer toda a cabine do guardador de chaves.
- Estão perseguindo os primeiros viajantes? – Perguntou o pequeno príncipe.
- Eles estão com muita pressa – disse o pequeno príncipe. – O que procuram?
- Eles não perseguem nada – disse o guardador. – Estão dormindo lá dentro, ou estão bocejando. E as crianças esmagam o nariz nas janelas.
- Nem o homem da locomotiva sabe – respondeu o guardador. E veio, na direção oposta, outra luz bem rápida.
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- Só as crianças sabem o que estão procurando
– disse o pequeno príncipe. – Elas perdem tempo brincando com bonecas de pano, que se tornam muito importantes... e as crianças choram quando as tiramos delas. - As crianças são felizes... – disse o guardador.
VAMOS JOGAR?
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CAPÍTULO 23 haria tranquilamente ao redor de uma fonte...”
- Bom dia – disse o pequeno príncipe. - Bom dia – respondeu o vendedor de pílulas aperfeiçoadas para matar a sede. Se tomarmos uma por semana, não precisamos beber nada nunca mais. - Por que vende isso? – Perguntou o pequeno príncipe. - É uma grande economia de tempo – respondeu o vendedor. – Os especialistas fizeram os cálculos. Nós economizamos cinquenta e três minutos por semana! - E o que fazem com esses cinquenta e três minutos? - Podemos fazer o que quisermos... “Eu, ” – pensou o pequeno príncipe – “se tivesse cinquenta e quatro minutos a mais, camin68
CAPÍTULO 24 morrer. Estou muito contente de ter tido a raposa como amiga...
Estávamos no oitavo dia desde a minha pane no deserto quando escutei a história do vendedor de pílulas, ao beber minha última gota de água.
Ele me disse uma vez que não corre perigo. Ele não tem fome ou sede, basta um raio de sol.... Mas me olhou e disse:
- Ah! - Disse ao pequeno príncipe – São tão bonitas suas histórias...,Mas ainda não consertei meu avião, e não tenho mais nada para beber. Seria bem feliz, também, se pudesse caminhar tranquilamente em volta de uma fonte...
- Eu também tenho sede... Vamos procurar um poço. Era um gesto desesperado: é um absurdo querer procurar um poço assim, ao acaso, no meio do deserto. Mesmo assim, nos colocamos em pé e caminhamos.
- Minha amiga raposa me disse... – disse o pequeno príncipe. - Meu caro, não pense mais na raposa!
Estávamos andando há horas em silêncio quando chegou à noite e as estrelas brilhavam. Eu as enxergava como que em um sonho, por causa da sede e porque tinha um pouco de febre. As palavras do pequeno príncipe rodavam na minha cabeça:
- Por quê? - Porque vamos morrer de sede! Ele não entendeu meu raciocínio e disse: - É bom ter um ouvido amigo, mesmo se vamos
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- Você também sente sede?
gum lugar.
Ele não respondeu minha pergunta, disse apenas:
Fiquei surpreso ao compreender o mistério da irradiação da areia.
- A água faz bem ao coração.
Quando era pequeno, morávamos em uma casa antiga, e diziam as lendas que ali havia sido enterrado um tesouro. Ninguém nunca o descobriu, nem mesmo o procurou, mas ele encantava a casa toda. Minha casa tinha um tesouro no fundo do coração...
Não entendi bem sua resposta, mas deixei para lá. Sabia que não adiantava interrogar o pequeno príncipe. Ele estava cansado e se sentou. Sentei-me ao seu lado. Depois de um breve silêncio, ele disse:
- Sim – eu disse ao pequeno príncipe – Seja a casa, as estrelas ou o deserto, o que faz sua beleza é invisível.
- As estrelas são bonitas, mas somente por causa de uma flor que não conseguimos ver.
- Estou feliz – disse o pequeno príncipe – que concorde com a raposa.
Eu respondi “Sim, com certeza”, e olhei sem dizer mais nada para o céu e para a lua...
E era verdade. Eu sempre amei o deserto. Sentados em uma duna de areia, não se vê nada, não se escuta nada. No entanto, algo irradia no silêncio...
Como o pequeno príncipe havia dormido, eu o peguei em meus braços e continuei a caminhar. Estava comovido, tinha a impressão de carregar um frágil tesouro. Eu o olhei, com os olhos fechados, o cabelo tremendo ao vento, e eu pensei: “O que vejo não é apenas uma casca, o mais importante é invisível...”.
- O que torna o deserto belo – disse o pequeno príncipe – é que ele esconde um poço em al-
Como se seus lábios abertos estivessem sorrindo, pensei: “O que mais me comove neste pe-
- O deserto também é bonito – acrescentou ele.
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queno príncipe adormecido é sua fidelidade a uma flor; é a imagem da rosa que brilha nele como a chama de um lampião, mesmo quando ele dorme...”. E eu o vi mais frágil do que nunca. Devemos proteger os lampiões – um pouco de vento e a chama se apaga. E enquanto caminhava, com o raiar do dia, achei um poço.
VAMOS JOGAR?
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CAPÍTULO 25 - Você consegue escutar? – Perguntou o pequeno príncipe – Estamos acordando o poço...
- Os homens – disse o pequeno príncipe – entram nos trens, mas não sabem o que procuram. Ficam andando de um lado para o outro... E acrescentou:
Eu não queria que ele fizesse esforço, então disse:
- Isso não adianta nada.
- Deixa que eu faço, é muito pesado para você.
O poço que havíamos encontrado não se parecia com nenhum outro poço no Saara. Os poços do Saara são simples buracos na areia, enquanto esse que encontramos parecia um poço de uma vila. Mas não tinha nenhuma vila em volta, era como um sonho.
Lentamente, icei o balde até a borda do poço. Ainda escutava a música da roldana e, no reflexo da água, vi o sol tremer. - Tenho sede dessa água – disse o pequeno príncipe. – Me dê para beber. E eu compreendi o que ele tanto procurava.
- Isso é estranho – eu disse ao pequeno príncipe – Está tudo preparado: a corda, a roldana, o balde... Ele riu, pegou a corda, e começou a girar a roldana, que gemia como os velhos cata-ventos quando o vento dorme durante muito tempo.
Levei o balde até sua boca e ele a bebeu com os olhos fechados. Era doce como uma festa. Ela havia nascido da caminhada sob as estrelas, do canto da roldana, da força dos meus braços, era boa para o coração – como um presente. 72
Quando era criança, todo o encanto do Natal estava nas luzes de Natal, na música da missa da meia-noite, na doçura dos sorrisos que radiavam pelos presentes que recebia.
- Qual promessa? - Você sabe... a mordaça para o carneiro. Sou responsável pela flor! Tirei do bolso minhas tentativas de desenhos. O pequeno príncipe as olhou e disse rindo:
- Os homens de seu planeta – disse o pequeno príncipe – cultivam cinco mil rosas em um mesmo jardim e não encontram aquela que procuram...
- Seus baobás parecem mais repolhos... - Ah!
- Eles não encontram... – eu o respondi.
Eu estava tão orgulhoso do meu desenho dos baobás!
- No entanto, o que eles procuram pode ser encontrado em uma única rosa ou um pouco de água...
- E a sua raposa, as orelhas dela... Parecem chifres, estão compridas demais! – E começou a rir.
E depois ele adicionou: - Mas os olhos são cegos. É preciso procurar com o coração.
- Você está sendo injusto, pequeno homenzinho. Eu não sabia desenhar nada além de jiboias abertas e fechadas.
Eu já havia bebido a água. Respirava bem. A areia, ao nascer do dia, era da cor de mel. Essa cor de mel me fazia feliz. Por que eu ficaria triste?
- Ah! Tudo bem, – disse ele – as crianças vão entender. Desenhei, então, uma mordaça. Mas, ao entregar o desenho para o pequeno príncipe, senti um aperto no coração:
- É melhor que cumpra sua promessa – disse baixinho o pequeno príncipe, sentado junto de mim. 73
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- Você tem um plano que eu ignoro.
- Ah... – eu disse. – Tem medo.
Mas ele não respondeu nada. Ele apenas disse:
Mas ele me respondeu: - É melhor você trabalhar. Você deve consertar sua máquina – eu te espero aqui. Volte amanhã de noite...
- Lembra-se da minha queda na Terra? Amanhã será o aniversário... E depois de um silêncio, acrescentou:
Mas eu não estava mais tão seguro assim. Lembrei-me da raposa. A gente corre o risco de chorar quando deixamos alguém que cativamos...
- Eu caí aqui perto... – e ficou vermelho. De novo, sem entender o porquê, eu sentia um estranho pesar. No entanto, me ocorreu a pergunta: - Então não foi por acaso que te encontrei vagando sozinho, há oito dias, há milhas e milhas de distância de qualquer região habitada! Estava tentando voltar ao ponto da queda? Ele ficou vermelho de novo, então acrescentei: - É por causa do aniversário? O pequeno príncipe ficou mais vermelho ainda. Nunca respondia as minhas perguntas, mas quando a gente fica vermelho, não é a mesma coisa que dizer ‘sim’?
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CAPÍTULO 26 Estava há vinte metros do muro e ainda não via nada nem ninguém. O pequeno príncipe disse, após um período de silêncio:
Havia, do lado do poço, um velho muro de pedras em ruínas. Quando voltei ao meu trabalho, vi de longe o pequeno príncipe sentado no alto, balançando as pernas. E eu o escutei dizer:
- Seu veneno é dos bons? Você tem certeza que não vai me fazer sofrer durante muito tempo?
- Você não se lembra? – Disse ele. - Não foi bem aqui o lugar!
Eu parei, com o coração apertado, sem entender nada.
Outra voz deve ter respondido, porque em seguida escutei:
- Agora, vai embora – disse o pequeno príncipe – que eu quero descer.
- Não, não estou enganado. O dia é esse, mas o lugar não...
Então olhei para o pé do muro e dei um pulo! Lá estava, na frente do pequeno príncipe, uma daquelas cobras amarelas que nos matam em poucos segundos. Rapidamente procurei o revólver em meu bolso e saí correndo. Mas, percebendo o barulho, a cobra se encolheu lentamente e enfiou-se entre as pedras do muro, com um leve tinir de metal.
Continuei meu caminho para o muro. Eu não via ninguém, porém o pequeno príncipe respondeu: - Está bem. Você vai ver onde começam as minhas pegadas na areia. Basta me esperar, estarei lá de noite...
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Cheguei ao muro a tempo de receber o pequeno príncipe em meus braços, pálido como a neve: - Que história é essa? Você fala agora com as cobras? Tirei o nó do lenço dourado de seu pescoço, molhei suas têmporas e lhe dei um pouco de água. Não ousava perguntar mais nada ao pequeno príncipe. Ele me olhou gravemente, passou os bracinhos ao redor do meu pescoço e pude sentir seu coração batendo próximo ao meu, como o de um pássaro ferido. Ele me disse: - Estou contente que tenha descoberto o defeito de sua máquina. Agora pode voltar para casa...- Como você sabe? Eu vinha te dizer, justamente, que havia consertado a máquina! Ele não respondeu minha pergunta, mas disse: - Eu também volto para casa hoje... E depois, com melancolia, acrescentou: 76
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- É bem mais longe... e bem mais difícil voltar...
Mas ele me disse: - Faz um ano essa noite. Minha estrela vai passar justamente onde eu caí há um ano...
Eu sentia que algo extraordinário estava acontecendo. Apertei-o em meus braços como uma pequena criança, mas tinha a impressão de que ele ia deslizando pelo abismo, sem que eu pudesse fazer nada para detê-lo. Seu olhar estava sério, perdido bem longe:
- Meu querido, não seria um pesadelo essa história de cobra, encontro marcado, estrela? Mas ele não respondeu a minha pergunta, apenas disse:
- Eu tenho o seu carneiro, e a caixa para o carneiro... e a mordaça.
- O que é importante, a gente não vê... - Com certeza...
Ele sorriu com tristeza. Esperei muito tempo, e parecia que ele ia esquecendo aos poucos:
- É como a flor. Se você ama a flor que está em uma estrela, será doce olhar para o céu de noite. Todas as estrelas serão floridas.
- Meu querido, você está com medo... É claro que ele estava com medo, mas ainda assim sorriu docemente:
- Todas as estrelas serão floridas. - Será como a água. Aquela que me deu parecia música, por causa da roldana e da corda... lembra como estava boa?
- Terei mais medo ainda essa noite. O sentimento do irreparável me congelou. E eu entendi que não suportava a ideia de não ouvir mais o seu riso. Era para mim como uma fonte de água no deserto. - Meu pequeno menino, ainda quero ouvir sua risada...
- Sim, lembro... - Você olhará as estrelas de noite. Meu planeta é bem pequeno para poder te mostrar onde se encontra a minha casa. É melhor assim. 77
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Minha estrela será então qualquer uma das estrelas. Vai gostar quando olhar todas elas... serão todas suas amigas. E depois, vou te fazer um presente...
E ele riu mais uma vez! - E quando for consolado (nós somos sempre consolados!), você ficará feliz de ter me conhecido. E dará risada junto comigo. E abrirá a janela assim, por prazer... Seus amigos vão te ver olhando para o céu e rindo, e você vai dizer ‘Sim, as estrelas me fazem rir’. Eles vão achar que você está louco.... Essa será a peça que vou lhe pregar...
Ele riu outra vez. - Ah! Meu pequenino, como amo ouvir seu riso! - Então ele será o meu presente! Será como a água...
E riu de novo.
- O que quer dizer?
- Será como se eu tivesse te dado, em vez de estrelas, muitos guizos que riem.
- As estrelas não são iguais para todos. Para os que viajam, as estrelas são guias. Para outros, não são nada além de pequenas luzes. Para os sábios, elas são problemas. Para o meu negociador, elas eram ouro. Mas todas as estrelas se calam. Você, porém, terá estrelas como ninguém...
E riu mais uma vez. Depois, ficou sério e disse: - Sabe... essa noite... Não venha. - Eu não vou te deixar. - Vai parecer que estou sofrendo, que vou morrer. É assim mesmo. Não venha ver, não vale a pena...
- O que isso quer dizer? - Quer dizer que quando olhar o céu a noite, porque vivo em uma estrela e em uma delas estarei rindo, todas as estrelas estarão rindo para você! E você terá estrelas que sabem rir!
- Eu não vou te deixar. 78
Mas ele estava preocupado: 78
- Eu te digo isso por causa da cobra. Ela pode te morder... Sabe como são as cobras, elas mordem por prazer.
E eu continuei calado. - Mas será como uma casca abandonada. Uma casca de árvore não é triste...
- Eu não vou te deixar.
Continuei calado. Ele perdeu um pouco de coragem, mas ainda fez um esforço:
Mas uma coisa pareceu passar pela sua cabeça:
- Será bonito, sabe? Eu também vou olhar as estrelas, todas elas serão para mim como um poço com roldanas enferrujadas. Todas elas me darão água para beber...
- É verdade que as cobras não têm veneno para uma segunda mordida. Era noite quando o perdi de vista. Saiu sem dizer nada. Quando consegui acompanhá-lo, ele estava decidido. Disse apenas:
Eu continuava calado. - Será tão divertido! Você terá quinhentos milhões de guizos, e eu terei quinhentas milhões de fontes... – e se calou também, porque estava chorando.
- Ah! Aqui está você... Ele segurou minha mão, mas disse atormentado:
- Chegamos. Deixe eu dar um passo sozinho.
- Você fez mal, não deveria ter vindo. Vai sofrer. Eu parecerei morto, mas não é de verdade...
Ele se sentou, porque tinha medo. E disse: - Você sabe... minha flor, eu sou responsável por ela. E ela é verdadeiramente frágil! E muito ingênua. Ela tem quatro espinhos que não são nada para lhe proteger do mundo...
Eu fiquei calado. - Você entende, é muito longe. Não posso ir com esse corpo, é muito pesado. 79
Eu me sentei também, porque não podia mais 79
ficar de pé. Ele disse: - Pronto, acabou. Foi apenas um clarão amarelo na areia, perto da sua perna. Ele permaneceu, por um instante, imóvel. Não gritou. Tombou devagarzinho como uma árvore tomba. Não fez sequer um barulho quando caiu, por causa da areia.
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CAPÍTULO 27 E então eu penso: ‘Mas é claro que não! O pequeno príncipe fecha durante a noite a flor com uma redoma e vigia bem o carneiro... ’. Então me sinto feliz. E todas as estrelas me sorriem docemente.
Agora, faz seis anos e eu jamais contei essa história. Meus camaradas ficaram felizes de me ver, são e salvo. Eu estava triste, mas dizia: É o cansaço... Agora já me consolei um pouco, mas não de tudo. Sei que ele voltou para o seu planeta, pois, ao nascer do dia, eu não encontrei o seu corpo.
Às vezes eu digo: ‘Uma vez ou outra a gente se distrai. Basta isso, basta esquecer a redoma por uma noite, e o carneiro sai de mansinho, como se ninguém fosse notar...’
Não era um corpo tão pesado assim... Gosto de escutar a noite as estrelas. Como quinhentos milhões de guizos...
E então os guizos se transformam em lágrimas. É um mistério, daqueles bem grandes. Para vocês, que amam o pequeno príncipe como eu, todo o universo muda de sentido se, em algum lugar, um carneiro que não conhecemos comer ou não uma rosa.
E então aconteceu uma coisa extraordinária. Na mordaça que desenhei para o pequeno príncipe, esqueci-me de colocar uma correia! Ele não vai poder jamais colocá-la no carneiro. Eu me pergunto: ‘O que será que aconteceu no planeta? Pode ser que o carneiro tenha comido a flor. ’ 81
Olhem para o céu. Perguntem: Será que o carneiro comeu a flor? Everão como tudo fica diferente... Nenhum adulto vai entender a importância que isso tem. Essa é, para mim, a mais bela paisagem do mundo, e também a mais triste. É a mesma da página anterior, mas eu desenhei mais uma vez para mostrar bem. É aqui que o pequeno príncipe apareceu sobre a Terra, e depois desapareceu. Olhe atentamente essa paisagem, para que possam reconhecê-la caso viagem para o deserto da África. E quando chegarem lá, por favor, não se apressem, esperem um pouco debaixo da estrela. Se então um menino vir ao seu encontro, se ele rir, se ele tiver cabelos dourados, se não responder quando perguntarem alguma coisa saberão quem ele é. Então, por favor, não me deixem tão triste: escrevam-me dizendo que ele voltou.
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FIM