Habitação Social e Patrimônio Histórico em São Paulo: o caso da Vila Itororó

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Habitação social e patrimônio histórico em São Paulo: o caso da Vila Itororó



Laura da Palma Coelho Germano Lourenção Professor Orientador Paulo Ricardo Giaquinto Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie Trabalho Final de Graduação | dezembro 2011



A todas as pessoas que fizeram parte desse trabalho, em conversas, histórias, apoio e companheirismo. Aos meus pais, pela compreensão , palavras e lanchinhos. À Manuela, pelas risadas e amizade. Ao Caio, pela paciência e pelos ouvidos.



Sumário

Introdução

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1. A cidade de São Paulo

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2. O Bixiga na cidade

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3. A Vila Itororó

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4. Estudo de caso

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5. O projeto

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Conclusão

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Referências bibliográficas

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Introdução A Vila Itororó, espaço distinto e caro ao espírito coletivo da cidade, é abordada neste trabalho não só por seu valor histórico e arquitetônico, mas também com o humilde intuito de levantar algumas questões mais abrangentes, como o direito à cidade e a urgência por políticas urbanas e habitacionais mais consistentes. É feito, inicialmente, um breve estudo sobre a formação do meio urbano no país, destacando grandes medidas e políticas que iriam direcionar o curso das grandes cidades brasileiras. Estas, ainda que em momentos históricos diferentes ou sob distintos governos, desenvolveram-se de uma forma padronizada, observando-se, em um primeiro momento, a valorização e concentração de renda nas áreas centrais e embrionárias das cidades, seguidas pelo processo de decadência e abandono pelas elites, entre as décadas de 1970 e 1980. Ainda no primeiro capítulo é feito um panorama histórico da questão habitacional na cidade de São Paulo, tratando da situação

econômica em que o país se encontrava em meados do século XIX e da chegada das correntes imigratórias, que remodelaram a sociedade brasileira. O consequente crescimento desenfreado da cidade acarreta os primeiros problemas de moradia, exigindo modificações estruturais do governo. Percebe-se, desde então, alguns conceitos e fundamentos que guiaram as intervenções, melhorias e políticas públicas até os dias de hoje. O segundo capítulo se destina ao estudo do bairro em que a Vila Itororó se localiza, o Bixiga. É traçado um breve histórico de ocupação do bairro por imigrantes italianos, sua configuração e importância na cidade e seu legado material e imaterial. Em seguida, no terceiro capítulo, é feito um estudo aprofundado sobre o histórico da Vila Itororó, o processo de tombamento e o longo e triste processo de degradação do patrimônio público. A situação em que os moradores se encontram é tratada juntamente a questões como o direito à moradia e o direito à cidade. A meu ver, o caso da Vila Itororó abrange além de questões de moradia ou de bens tombados. É exemplo do 1


descaso de uma sucessão de governos em relação à questão social, tanto no acesso à moradia quanto o acesso à cidade. Fica claro, também, o poder da especulação imobiliária em questões supostamente referentes ao setor público. Ao fim do capítulo, é feita uma análise do projeto de cunho cultural do arquiteto Décio Tozzi. No capítulo quatro é tomado como estudo de caso o bairro do Pelourinho, em Salvador, que passou pelo mesmo processo de desvalorização da região central. Na década de 1980 foi feito um projeto de recuperação das áreas por Lina Bo Bardi, procurando a manutenção (ou recuperação) das atividades existentes no bairro, preservando sua vocação residencial e comercial. Porém, na década seguinte, intervenções do governo estadual desvirtuaram o projeto inicial, e hoje o Pelourinho se transformou em uma mistura entre centro turístico e histórico e Disneylandia. Tal situação é o destino da Vila Itororó. Por fim, é apresentado o projeto do edifício habitacional proposto aos lotes vizinhos à vila. A intuição do projeto é apresentar uma pro-

posta desconsiderada desde o início pela prefeitura, que nunca apresentou preocupação ou alternativas aos moradores. Estes, agora, saíram de vez da vila, sobrando lá somente 5 ou 8 famílias, que ainda não têm destino certo mas que devem sair em breve para a instalação de um complexo cultural e gastronômico.


1. A cidade de S達o Paulo



“De todas as obras de arte da humanidade, a cidade é a principal obra de arte.” - Alexandre Delijaicov

1.1 Panorama histórico da cidade

Em 1553, o padre jesuíta Manuel da Nóbrega escolheu a colina Inhapuambuçu para a construção de um colégio catequista. O local, situado nos Campos de Piratininga e próximo à confluência entre o rio Tamanduateí e o rio Anhangabaú, já era ocupado por tribos indígenas e foi escolhido pelos jesuítas por seu caráter geográfico favorável: a proximidade aos rios permitia fácil abastecimento de água e também o transporte fluvial, e suas férteis terras eram boas para plantações e criação de gado. Em 25 de janeiro de 1554, foi celebrada a missa inaugural e era fundada a povoação de São Paulo dos Campos de Piratininga, ou São Paulo de Piratininga, que só seria elevada à condição de Vila em 1558. Já nessa época era possível observar algum senso de organização urbana, com arruamentos e vias públicas, e demarcada pela rua de São Bento, rua de Santo Antônio, atual rua Direita, e rua de Manuel Paes de

Linhares, atual rua XV de Novembro, formando assim o Triângulo Histórico, embrião da cidade. assim o Triângulo Histórico, embrião da cidade. Embora tenham sido feitas algumas poucas melhorias ao fim do século XVI e durante todo o século XVII, como alinhamento de ruas e construção de Igrejas, largos e órgãos públicos, a Vila de São Paulo continuava deserta e desabitada. A supremacia do meio rural sobre o urbano, a falta de opções de trabalho na vila e a economia nacional essencialmente agrária e, naquele momento, voltada à exploração do ouro, deram a São Paulo um caráter transitório, já que grande maioria das casas existentes pertencia a famílias cuja residência fixa era no campo. Em meados do século XVII surgiram as primeiras Bandeiras, expedições em direção ao interior do Brasil, “com o objetivo de escravizar índios, tomar posse de terras e procurar minérios” (ROLNIK, 2009). 5


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São Paulo, até então sem grande relevância econômica, passou a ser o ponto de partida dos bandeirantes rumo ao oeste paulista. Foram abertos caminhos que faziam a ligação entre o litoral e o interior do país e que passavam por São Paulo, dada sua posição geográfica que garantia maior facilidade de acesso. Assim, a cidade passou a receber um significativo contingente de exploradores e transeuntes que, com o término das Bandeiras na década de 1780 e com o conhecimento dos caminhos, transformaram-se em comerciantes do percurso litoral-interior. Tal aumento das relações comerciais, porém, não foi suficiente para incentivar o crescimento e desenvolvimento da cidade, tendo em vista que esta não passava de um mero entreposto comercial, sem constituir qualquer forma de núcleo urbano. Em 11 de julho de 1711, a vila de São Paulo foi elevada à categoria de cidade, mas poucas melhorias foram de fato observadas com essa mudança. A cidade crescia lentamente entre o rio Anhangabaú e o rio Tamanduateí, e sua população não chegava aos sete mil habitantes nos primórdios do século XIX.

Foi somente a partir dos anos 1850, com o advento da produção cafeeira no Vale do Paraíba, que a cidade de São Paulo começou a experienciar relevante crescimento econômico, social e urbano. No período anterior à abolição da escravidão, a mão de obra utilizada nas lavouras cafeeiras era composta somente pelo escravo negro. “A cidade chegou a deter toda a mão de obra escrava disponível no país e, em 1870, dos 32 mil habitantes de São Paulo, um terço era negro ou mulato” (ROLNIK, 2009). Com o fim da escravidão em 1888, tornou-se de essencial importância a utilização de uma nova mão de obra, dessa vez subsidiada pelos fazendeiros ou pelo governo. A chegada de centenas de milhares de imigrantes europeus vindos, em sua maioria, da Itália, de Portugal ou da Espanha, modificou todo o País e construiu a cidade de São Paulo, assim como o fez a cultura cafeeira.


Planta da cidade de S達o Paulo - 1810 (fonte: acervo PMSP) 7


Planta da cidade de S達o Paulo - 1847 (fonte: acervo PMSP) 8


Planta da cidade de S達o Paulo - 1855 (fonte: acervo PMSP) 9


Planta da cidade de S達o Paulo - 1868 (fonte: acervo PMSP) 10


No ano de 1867, a São Paulo Railway é inaugurada e é construída, nas proximidades do rio Tamanduateí, a Estação da Luz, que serviria como porta de entrada da cidade. A primeira linha ferroviária da cidade fazia a conexão entre Santos e Jundiaí, transformando São Paulo no “nó principal do sistema de transportes” (CAMPOS, 2002), num entroncamento de atividades comerciais e de serviços e dando início a um período de grande crescimento econômico e transformações urbanísticas e sociais. Os grandes contingentes imigratórios atraídos pela cultura do café entravam no País pelo porto de Santos e chegavam a São Paulo pela Estação da Luz, de onde eram distribuídos para as regiões cafeeiras no interior do Estado. Em 1888, foi instalada, próximo à estação, a Hospedaria dos Imigrantes, que “marcou um progresso da cidade no seu espaço. E, mais do que isso, desencadeou entre o campo e a urbe um movimento contínuo de fazendeiros à procura de mão de obra, e de trabalhadores agrícolas à procura de emprego. Assim, São Paulo se tornou um mercado de trabalho antes de constituir um mercado de produtos agrícolas

ou industriais.” (MONBEIG, 1953, in SZMRECSÁNYI, 2004). Dessa forma, com a presença constante de trabalhadores e fazendeiros em São Paulo, o mercado comercial começou a se expandir, e as novas oportunidades de emprego aliadas às facilidades disponíveis na cidade fizeram com que muitos dos imigrantes originalmente destinados às fazendas de café decidissem por permanecer ali. Também, fazendeiros e comerciantes fixaram moradia na cidade em regiões mais afastadas do centro, nos novos e aristocráticos bairros, como os Campos Elíseos (1879), Higienópolis (1890) e a Avenida Paulista (1891), surgidos a partir de loteamentos particulares. Enquanto isso, nas áreas da orla ferroviária, instalavam-se indústrias têxteis e alimentícias e, consequentemente, os bairros operários, como Lapa, Bom Retiro, Mooca, Brás, Pari, Belém e Ipiranga, formando as primeiras colônias de imigrantes.

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No período que abrangeu o final do século XIX e os primeiros anos do século XX, ocorreu um primeiro surto industrial, dado pelo intenso fluxo migratório, e o crescimento da cidade ocasionou o primeiro grande surto urbanístico, “quando se implantaram os serviços de água encanada, o transporte por bondes elétricos, a iluminação pública, a pavimentação das vias. A política de implantação desses ‘melhoramentos’ desde logo foi distinta em cada um dos espaços da cidade.” (ROLNIK, 2009). Vê-se aqui um esboço das políticas públicas e dos fundamentos da ordem urbanística que atravessaram os anos e se mantêm, de certa forma, até hoje: “uma região central investida pelo urbanismo, destinada exclusivamente às elites, contraposta a um espaço puramente funcional, normalmente ‘sem regras’, bem fora desse centro, onde se misturam o mundo do trabalho e o da moradia dos pobres.” (ROLNIK, 2009). Foram as mostras iniciais de futuras políticas públicas fundamentadas na segregação espacial, talvez em decorrência da afirmação da cidade, no contexto histórico brasileiro, como núcleo capitalista, focado na geração de dinheiro e lucro. De qualquer forma, com o fim da sociedade

escravocrata e a solidificação da economia cafeeira, baseada no trabalho livre e no mercado de exportação, ocorreu na cidade “a configuração de uma segregação espacial mais clara: territórios específicos e separados para cada atividade e cada grupo social. Isso se deu por meio da constituição dos bairros proletários e dos loteamentos burgueses, da apropriação e reforma do centro urbano pelas novas elites dominantes e da ação discriminatória dos investimentos públicos e regulação urbanística. Nos bairros populares, a paisagem é feito de lotes superocupados horizontalmente, formando becos e vilas, entremeados por galpões industriais, ocupando as várzeas pantanosas e inundáveis no entorno das ferrovias. O bairro dos ricos é aquele cujas mansões se fecham em muros, exibindo sua imponência nas avenidas largas e iluminadas, amplos espaços para uma seleta e íntima vida social.” (ROLNIK, 2009).


Durante toda a República Velha (18901930), o governo municipal era controlado pelas elites paulistanas, tendo em vista que o direito ao voto era concedido somente aos homens brasileiros, maiores de 21 anos e alfabetizados. Dessa forma, fica claro quais interesses eram atendidos. A saber que, a partir de 1886, com as primeiras complicações decorrentes da má qualidade de vida da população operária, foi proibida a instalação de cortiços na zona central, assim como, posteriormente, todo e qualquer tipo de habitação popular. A delimitação do perímetro urbano demarcou áreas que deveriam receber melhorias em infraestrutura e excluiu bairros operários, como Vila Prudente, Tatuapé e Canindé. Nessa região além da área “regulada”, o poder municipal não intervia. Dada a situação em que a cidade se encontrava nos primórdios do século XX, bastava uma pequena faísca para que o barril de pólvora explodisse. A expansão da cultura cafeeira atraiu capital e população de todo o país e, em 1920, a cidade tinha 600 mil habitantes, chegando a seu primeiro milhão já em 1930. Somado a isso, a baixa do comércio internacional decorrente da Primeira Guerra

Mundial (1914-1918) e a crise de 1929 impulsionaram o crescimento industrial em São Paulo, valorizando a produção nacional e se desprendendo do mercado do café. A explosão demográfica trouxe procura ainda maior por terrenos e habitações e a questão habitacional, até então tratada levianamente, precisava ser estudada com mais afinco. A economia estava instável, a inflação era altíssima e alta dos preços impossibilitava qualquer melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores. Nesse momento surge o movimento sindical nos bairros populares, levantando questões que abrangiam não somente o trabalho, mas toda a insatisfação da classe operária. Somou-se ao movimento sindical a classe média urbana, formada basicamente por imigrantes, comerciantes e funcionários públicos, também sem força política e “diretamente atingido pelas flutuações econômicas do país. (...) A aliança entre os dois grupos será fundamental para determinar o grau de radicalidade da Revolução de 1930 na cidade, no bojo da grande transformação política que ocorreu no país.” (ROLNIK, 2009). O modelo liberal da República Velha era contestado e o país precisava de

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mudanças urgentes. A Revolução de 1930 culminou na deposição do então presidente, Washington Luís, por um golpe de Estado, e teve início, então, a Era Vargas (19301945), de caráter intervencionista e populista. No início da década de 1920, foi encomendada uma proposta de plano viário ao então prefeito de São Paulo, Ulhôa Cintra. Proposto a ampliar a cidade para além do triângulo histórico e “baseado nos esquemas teóricos concebidos pelo arquiteto e urbanista francês Eugène Hénard – que havia derivado ‘esquemas teóricos’ comparativos, figuras geométricas regulares que resumiam os traçados viários de cidades europeias (...) - Ulhôa Cintra aplicou o mesmo procedimento para São Paulo e concebeu uma estrutura de circuitos perimetrais sucessivos, apoiados em vias radiais: um esquema viários radial-perimetral para estruturas e incentivas o crescimento urbano, do qual o elemento crucial seria um Perímetro de Irradiação, um largo circuito de avenidas em torno do centro.” (CINTRA apud CAMPOS, 2002). Em 1924, a prefeitura criou uma comissão para avaliar as diversas propostas urbanísticas e viárias. Entra em cena, então, Francisco Prestes Maia, que

aprimorou o plano de Ulhôa Cintra no Plano de Avenidas, publicado em maio de 1930. A Revolução de 1930, porém, dissolveu a Câmara dos Vereadores e depôs o prefeito Pires do Rio, atrasando as obras em mais alguns anos. Somente após o início do mandato de Prestes Maia, em 1938, o Plano de Avenidas foi de fato posto em prática, abrindo largas avenidas, construindo viadutos e pontes e picotando a cidade. Torna-se muito clara a intenção por trás do modelo rodoviarista proposto e do Perímetro de Irradiação: facilitar o acesso às áreas periféricas da cidade, jogando para longe o problema da crise habitacional, resolvida pela autoconstrução de moradias em loteamentos irregulares e, dessa forma, evitando a desvalorização das áreas centrais.


Esquema te贸rico do Plano de Avenidas, de Prestes Maia. (fonte: MAIA, 1930)

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Perímetro de irradiação, Plano de Avenidas (fonte: http://www.saojudasnu.blogger.com.br/)


A partir da década de 1970, porém, observa-se o deslocamento do centro de consumo das elites e de sedes de empresas e bancos em direção à avenida Paulista. O abandono pelas elites do Centro Velho (triângulo histórico) e do Centro Novo (praça Ramos à praça da República) se deu pela “popularização” da região que, com a chegada do metrô, virou um imenso centro intermodal de transportes, utilizado pela população mais pobre, impossibilitada de adquirir carro particular, item indispensável de acordo com o lobby da indústria automobilística. Novos centros e polos econômicos foram criados desde então, como a avenida Brigadeiro Faria Lima e a avenida Luís Carlos Berrini. A tendência agora é a recuperação do centro, através de grandes investimentos em melhorias públicas e equipamentos de cunho cultural, questão abordada no capítulo 3.

1.2. A questão habitacional em São Paulo

A partir de meados da década de 1880, com o advento da economia cafeeira e a polarização do mercado de trabalho regional, surgiu “uma aglomeração de trabalhadores mal alojados que constituía grave ameaça à saúde pública.” (BONDUKI, 2004) O primeiro grande fluxo de imigrantes, entre 1886 e 1900, trouxe ao país cerca de 900 mil estrangeiros (BONDUKI, 2004), que se destinaram não só ao trabalho nas lavouras, mas também a atividades urbanas decorrentes do complexo cafeeiro, como comércio, indústria e setor de serviços. Nesse intervalo de 14 anos, a população da cidade de São Paulo passou de 40 mil para 280 mil habitantes (tabela 1), culminando na primeira crise habitacional da cidade. Enquanto os ricos fazendeiros se estabeleciam em regiões mais afastadas, nos “novos bairros residenciais da elite, com seus lotes imensos ocupados com palacetes copiados da arquitetura acadêmica” (BONDUKI, in SZMRECSÁNYI, 2004), a classe trabalhadora se concentrava em vilas operárias e cortiços nos bairros aos longo das ferrovias, surgidos juntamente às

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primeiras fábricas da cidade. O crescimento demográfico acelerado demandava grandes e urgentes investimentos em infraestrutura urbana, como melhorias nas vias, transportes públicos e redes de água e esgoto. Mas São Paulo crescia rápida e descontroladamente, e a urgência dessa questão só se fez notar pelo poder público quando diversos surtos epidêmicos começaram a assolar a cidade e a dizimar sua população. Foi então que as autoridades viraram seus olhos para a problemática das condições higiênicas das habitações, que “passou a receber tratamento prioritário do Estado e pode-se dizer que a ação estatal sobre a habitação popular se origina e permanece na Primeira República voltada quase que apenas para esse problema” (BONDUKI, 2004). Nesse momento foram observados, também, os primeiros sinais do processo de gentrificação da área urbana e de segregação socioespacial. A elite dirigente morava em bairros nobres e bem abastecidos de infraestrutura, e se empenhava em transformar São Paulo em uma cidade de aparência europeia, enquanto os bairros operários, esquecidos e largados à sombra da fumaça de suas indústrias, sofriam

de carência habitacional e sanitária. E mais, com a ausência de participação e investimentos públicos em moradia, o setor privado tirou proveito da escassez habitacional aliada às necessidades dos trabalhadores e passou a alugar casas e cômodos às famílias pobres, cobrando preços muito altos e tentando avidamente a redução de seus custos. O distrito de Santa Ifigênia foi o que mais cresceu no final do século XIX, passando de 14.025 habitantes em 1890 para 42.715 em 1893 (BONDUKI, 2004), e lá fizeram-se instalar “estalagens, cortiços e habitações operárias, quase todas elas de construção apressada e precária. Na zona afetada (...), as habitações destinadas às classes operárias são numerosas. Existem aí nada menos de sessenta cortiços de todos os tamanhos e feitios onde se agasalha uma população de 1.320 indivíduos de todas as nacionalidades e condições” (MOTTA, 1894, apud BONDUKI, 2004). Sendo assim, a cidade começou a ser povoada por pequenos lotes, muitas vezes com não mais que 3 metros de frente, densamente ocupados, de forma que garantissem maior aproveitamento do terreno e rentabilidade ao proprietário.


Cortiço em São Paulo, século XIX (fonte: PMSP, 2010)

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Não fosse o perigo iminente às condições sanitárias da cidade que as habitações populares apresentavam e também a proximidade aos bairros nobres, como no caso da Santa Ifigênia, próxima aos Campos Elíseos, essa questão não teria sido abordada com tamanho caráter impositivo e higienista pelo poder público. Data de 1894 o Relatório da Comissão de Exame e Inspecção das Habitações Operárias e Cortiços no Districto de Santa Ephigênia, publicação bastante descritiva das condições das moradias da classe trabalhadora. Nele é traçada uma análise de todas as tipologias habitacionais encontradas no bairro, juntamente a comentários extensos e elitistas sobre a forma como tais edificações eram ocupadas e sobre o modo de vida de seus moradores.

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“(...) indivíduos que vivem na miséria e abrigados aos pares, em cubículos escuros e respirando gases mefíticos, que exalam de seus próprios corpos não asseados, perdem de uma vez os princípios da moral e atiram-se cegos ao crime e ao roubo de forma a perderem sua liberdade ou a ganharem por essa forma meios de realimentarem ou dormirem melhor (...). A população italiana calculada em 70 mil almas, só na capital composta na sua maior parte de indivíduos recém chegados e de operários paupérrimos, é um fato grave perante a higiene do Estado.

Basta, como nos tem inúmeras vezes acontecido, penetrar em habitação aglomerada de italianos para se depreender desde logo que o menor preceito de higiene e de moral, que é a base do edifício social, ali não existe.”

(VEIGA, 1894) Essa passagem do Relatório da Comissão de Exame e Inspecção das Habitações Operárias e Cortiços no Districto de Santa Ephigênia resume em poucas linhas a postura elitista e preconceituosa adotada pelos higienistas, que muitas vezes se deixavam levar pelo simples fato das moradias serem ocupadas por trabalhadores pobres, e não por suas características habitacionais e formais. “Os higienistas lançam o alerta para o poder público: é necessário intervir, criar uma legislação restritiva, romper com as posturas liberais e com a privacidade do domicílio. Deve-se ‘providenciar radicalmente’”. (BONDUKI, 2004) Ainda que de fato necessária uma intervenção pública na problemática habitacional, as políticas sanitaristas adotadas foram radicais e racistas e, de certa forma, tinham também função de “limpeza social”.


Durante a República Velha, o liberalismo adotado evitava ao máximo intervenções na esfera privada, porém a atuação do Estado na habitação era essencial. “As medidas governamentais para controlar as condições sanitárias e impedir a propagação de epidemias foram de três tipos: 1) criação da Diretoria de Higiene, com poderes de polícia e inspeção sanitária, isso é, podia entrar nos domicílios para controlar a vida, as regras de asseio, higiene e saúde de seus habitantes; 2) promulgação de vasta legislação de controle sanitário e de produção das habitações, com destaque para o Código Sanitário de 1894; e 3) participação do Estado na gestão de obras de saneamento e de abastecimento de águas e de coleta de esgotos.” (BONDUKI, 2004). Acreditava-se que a origem das doenças era a desordem urbana e social da cidade, sendo a cura a todos os males a regulamentação do espaço urbano e do comportamento de seus moradores. Em outras palavras, aos olhos do poder público, o modo de vida das classes operárias era a causa, e não consequência, das condições da cidade. A ação dos agentes de ordem sanitária era radical, não se tratava somente de eliminar focos

de epidemias e doenças, mas também eliminar a população afetada e seu modo de vida profano. As políticas habitacionais no período da República Velha apresentavam, no geral, esse caráter sanitário, voltado mais para a questão da saúde pública que para a problemática da moradia popular. “A concessão de favores ao setor privado foi a única medida aceita pelo Estado para incentivar a produção habitacional (...), apesar de a construção de casas pelo Estado ter sido sugerida por técnicos do Departamento Estadual do Trabalho ainda na década de 1910.” (BONDUKI, 2004). À iniciativa privada cabia conceber um modelo de moradia que atendesse ao Código de Posturas de 1886, que regularizava e estabelecia as condições mínimas de habitabilidade dos cortiços, e que proporcionasse, acima de tudo, lucro ao proprietário. A produção rentista tornou-se predominante na cidade, de forma que, no início dos anos 1920, cerca de 80% da população pagava aluguel. Somente com o fim do governo liberal, em 1930, a questão habitacional foi de fato tratada pelo governo. 21


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O modelo de governo da Era Vargas modificou o cenário do país, já que o poder público, impulsionado pelo nacionalismo exacerbado da época, passou a intervir diretamente em todos os setores da economia em busca do desenvolvimento nacional. O problema da moradia deixou de ser abordado como questão sanitária e passou a ser vista como condição básica de reprodução da força de trabalho, intervindo de forma positiva ou negativa na ambiciosa estratégia de industrialização do governo. Além disso, acreditava-se na “habitação como elemento de formação ideológica, política e moral do trabalhador, e, portanto, decisiva na criação do ‘homem novo’ e do trabalhadorpadrão que o regime queria forjar, como sua principal base de sustentação política.” (BONDUKI, 2004). Em 1942, o governo promulgou a Lei do Inquilinato, congelando todos os aluguéis e alegando que o país se encontrava em situação de emergência por conta da Segunda Guerra Mundial. Inicialmente, a postura do governo pareceu favorável aos trabalhadores, pois evitava a flutuação dos aluguéis, até então geridos pela política de demanda e oferta, e os protegia contra eventuais despejos. Porém, por

outro lado, a construção para locação teve grande queda e, consequentemente, também a oferta de moradia na cidade, sobrando como única opção aos moradores a aquisição da casa própria. Começa aqui a busca incessante por meios de facilitar o acesso à propriedade privada, sendo através da redução dos custos construtivos ou da expansão horizontal pela ocupação de áreas periféricas. A experiência habitacional da Era Vargas, ainda que interrompida ao final do Estado Novo, consistiu na base para a formação do Banco Nacional da Habitação (BNH). A criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) nos anos 1930 foi parte de uma séria de medidas tomadas pelo governo para regulamentar as condições de reprodução da força de trabalho, voltada, nesse caso, ao setor previdenciário. A participação dos trabalhadores em seus respectivos IAPs era compulsória, tendo o Estado controle sobre a gestão. O regime de capitalização adotado direcionava os recursos arrecadados a aplicações em investimentos retornáveis, resultando num volume de capital excessivo suficiente para a criação de uma fonte alternativa de investimentos públicos.


Com decreto de 1937, garantiu-se a possibilidade de atuação dos IAPs na área habitacional, podendo estes destinar até metade de suas reservas para o financiamento das construções. Embora a problemática habitacional na Era Vargas fosse caracterizada pela preferência pela casa própria, os conjuntos dos IAPs eram, em sua maioria, adquiridos por aluguéis a preços abaixo do mercado. “Financiar ou alugar moradias abaixo do custo, sem dispor de recursos para dar continuidade à ação, não configurava uma política social e sim populismo, com objetivos políticos de curto prazo.” (BONDUKI, 2004). Gradativamente as reservas previdenciárias foram se esgotando e, em meados da década de 1950, já não eram mais uma alternativa para o financiamento habitacional. A produção dos IAPs foi vasta e apresentou muitos projetos de excelente qualidade, marcando as origens da habitação social no Brasil. A experiência da Fundação da Casa Popular (FCP), fundada em 1946, constituiu no primeiro órgão federal exclusivamente direcionada ao problema habitacional. Porém, tanto sua produção quanto atuação efetiva foram irrisórias. Os conflitos de interesses iniciais

impediram a consolidação do órgão, tendo em vista que “os grupos sociais que mais seriam beneficiados estavam desorganizados ou desinteressados em ser interlocutores do governo na formulação de uma política social, ao passo que os setores que se opunham ao projeto, por interesses corporativos, econômicos ou políticos, agiram com eficiência para desmantelá-lo.” (BONDUKI, 2004). A falta de recursos da fundação aliada ao grave cenário de crise habitacional e social do país culminaram na extinção da FCP e na transferência se suas atribuições ao BNC, voltado ao financiamento e à produção habitacional através de operações de crédito.

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1. Conjunto Habitacional Pedregulho (fonte: http://christianjafas.wordpress. com/) 2. EdifĂ­cio JapurĂĄ (fonte: E.K. Mello)


Mapa do município de São Paulo - Conjuntos de IAPs (fonte: ANTONUCCI, 2007)

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Após o golpe de 1964, o regime militar criou o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) junto ao BNH, visando a estimulação da construção e do financiamento da casa própria pela população de baixa renda. Em 1967, o BNH recebe a gestão dos depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), ampliando significativamente seu capital e transformando-o numa das principais instituições financeiras do país. O BNH, porém, não conseguiu obteve sucesso ao lidar com o déficit habitacional, embora possuísse os recursos necessários. A desvirtuação de seus preceitos iniciais e a destinação de seus investimentos para camadas sociais mais abastadas configuraram a crise do BNH. “(...) é elucidativo mostrar que 80% dos empréstimos do Banco Nacional de Habitação foram canalizados para os estratos de renda média e alta, ao mesmo tempo, que naufragavam os poucos planos habitacionais voltados para as camadas de baixo poder aquisitivo. É contrastante neste sentido que as pessoas com até 4 salários mínimos constituam 55% da demanda habitacional ao passo que as moradias colocadas no mercado pelo Sistema Financeiro de Habitação raramente incluíam famílias com rendimento inferior a 12 salários.” (KOWARICK,

26 1979).

A crise inflacionária da década de 1980, momento em que a inflação chegou aos 1770%, levou a uma baixa no poder de compra do salário e aumentou os casos de inadimplência. Por fim, os casos de corrupção dentro do banco causaram seu desprestígio e, em novembro de 1986, foi decretado o fim do BNH, incorporado pela Caixa Econômica Federal e fazendo da questão habitacional uma mera política setorial. Dessa forma, deu-se início a uma era de políticas urbanas e habitacionais segmentadas em decorrência da constante reformulação dos órgãos responsáveis, variando conforme os mandatos e orientações partidárias que se alternam no poder.


2. O Bixiga na cidade


2.2 Panorama histórico e social

A história do bairro remonta ao século XVI, quando a região era conhecida como Sítio do Capão, ou Sesmaria do Capão. Sabe-se que já em 1791, a região era denominada Chácara do Bexiga, talvez por, supostamente, ter servido como local de isolamento de vítimas da varíola (ou doença das bexigas) ou talvez pela existência do Matadouro Público (na atual Rua Araújo), onde eram comercializadas bexigas de boi. Outra hipótese vem do nome de Antônio Bexiga, dono de uma hospedaria no Largo do Piques (atual Largo da Memória) que possuía marcas no rosto decorrentes da epidemia de varíola. Sua condição rendeu-lhe tal alcunha e, consequentemente, às terras que lhe pertenciam (SACCHETTO, 2001). Essas, porém, são apenas hipóteses, existindo outras diversas explicações para o nome do bairro. Já o uso do “i” no nome Bixiga deu-se em decorrência da pronúncia italiana, quando imigrantes que não 28

“O Bixiga é um estado de espírito. Você sente quando está no Bixiga, você cheira à Bixiga.” - Armando Puglisi, o Armandinho do Bixiga

tinham interesse em trabalhar nas fazendas de café se instalaram na região. Diferente do imaginário popular, o Bixiga não é um bairro essencialmente italiano por origem, ainda que tenha sofrido forte influência dessa colônia, inclusive na própria grafia e pronúncia do nome. Os primeiros moradores do Bixiga eram de origem predominantemente negra, fato que se deve à existência de um quilombo na região, formado por escravos fugidos, que escolheram a região como refúgio. Com o loteamento das terras, em 1878, os pequenos e baratos lotes foram comercializados e adquiridos principalmente por imigrantes italianos, e assim o bairro começou a adquirir sua atual configuração, com seus lotes estreitos e compridos, permeados por uma nova língua, resultada da fusão entre italiano e português. Na última década do século XIX, uma nova leva de imigrantes chegou ao Bixiga, trazendo além


e italianos, portugueses e espanhóis. Essa mistura de línguas, culturas e costumes caracteriza o espírito do bairro até hoje, com sua heterogeneidade e miscigenação. No final do século XIX, o ‘bairro do Bexiga’ e o ‘bairro da Bela Vista’ eram núcleos residenciais distintos afastados do centro da cidade e pertencentes ao distrito da Consolação, que abrangia uma área que ia da Avenida São João até o Rio Pinheiros. Em 1910, porém, foi definido pela legislação estadual a desmembração da Consolação e a unificação desses dois bairros num único distrito, que ficou conhecido como Distrito de Paz da Bela Vista. Porém, mesmo com o bairro “integrado oficialmente ao bairro da Bela Vista, continuou a ser identificado pelo povo como Bexiga”. (SACCHETTO, 2001) Atualmente, o Bixiga não consta na divisão administrativa da cidade, sendo oficialmente considerado uma porção do bairro da Bela Vista, mas enquanto “a Bela Vista está no mapa, o Bixiga está na cabeça e no coração das pessoas” (SACCHETTO, 2001). Sua importância para a formação da identidade

paulistana é tamanha que, em 1999, foi aprovado um projeto de lei que instituiu, no dia 1º de outubro, o “Dia da Fundação do Bairro do Bixiga”. Atualmente, o Bixiga não consta na divisão administrativa da cidade, sendo oficialmente considerado uma porção do bairro da Bela Vista, mas enquanto “a Bela Vista está no mapa, o Bixiga está na cabeça e no coração das pessoas” (SACCHETTO, 2001). Sua importância para a formação da identidade paulistana é tamanha que, em 1999, foi aprovado um projeto de lei que instituiu, no dia 1º de outubro, o “Dia da Fundação do Bairro do Bixiga”.

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Mapa do Bixiga - 1810 (fonte: www.ajorb.com.br)

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Mapa do Bixiga - 1890 (fonte: www.ajorb.com.br)

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Mapa do Bixiga e Bela Vista - configuração atual (fonte: acervo próprio)

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Até meados do século XIX, a cidade de São Paulo era um mero entreposto comercial, sem grande relevância na economia regional. Nos primórdios da cultura cafeeira, toda a mão de obra escrava se deslocou para a região do Vale do Paraíba, mas ainda não foi suficiente para que a cidade pudesse crescer. Porém, com a proibição do tráfico negreiro em 1850 e a abolição da escravatura em 1888, a vinda de imigrantes para o trabalho na lavoura foi essencial. E não faltou quem deixasse seu país rumo a melhores oportunidades de trabalho e de vida: italianos, portugueses, espanhóis, alemães, japoneses. No ano de 1895, a cidade contava 130 mil habitantes, sendo 60 mil brasileiros e 70 mil estrangeiros e, desses, 45 mil italianos (SACCHETTO, 2001). Durante o chamado período da grande imigração, entre 1880 e 1930, cerca de um milhão e meio de italianos vieram ao Brasil, e a maioria permaneceu no Estado de São Paulo. Na cidade, se estabeleceram em bairros como Brás, Mooca, Bom Retiro, Barra Funda e, claro, Bixiga.

A explosão demográfica de São Paulo culminou numa série de loteamentos e no surgimento de diversos novos bairros no lugar dos antigos sítios e chácaras que circunda vam a cidade. A Chácara do Bexiga, loteada em 1878, deu espaço ao bairro do Bexiga. A configuração do bairro, com ruas íngremes, ladeiras esburacadas e lamacentas e grandes campos não era atraente à elite paulistana. Os baixos preços dos lotes atraíram pessoas com menos posses e, assim, o Bixiga foi sendo povoado. “Os negros concentraram-se nas imediações da baixada do Saracura. Os portugueses também por esses lados. Os italianos espalharamse pelo resto do loteamento.” (SACCHETTO, 2001). A população pobre muitas vezes dividia o aluguel da casa entre várias famílias, dando origem aos primeiros cortiços do Bixiga, que apresenta uma das maiores concentrações desse tipo de moradia da cidade ainda hoje.

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Em 1910, com os dois bairros já unificados, a Bela Vista passou a presenciar algumas mudanças. O Morro dos Ingleses, que não pertenciam à antiga Chácara do Bexiga, foi arruado e começaram a despontar palacetes e residências de alto padrão. O Bixiga, porém, continuava com ruas tomadas por mato, poeira e barro. Nos anos seguintes, o Bixiga foi se transformando aos poucos: perdeu-se a conotação pejorativa de seu nome, os moradores tinha carinho pelo bairro. Surgiram os dois maiores símbolos do bairro: a Igreja Nossa Senhora Achiropita era finalizada (1926) e a Vai-Vai nascia (1930), como marco da boa relação entre negros e italianos e da agregação e difusão de suas culturas. Talvez seja justamente essa a origem do caráter boêmio, amigável e convidativo do Bixiga – a junção do samba e da macarronada. Durante os anos 1940 e 1950, foram abertas muitas cantinas italianas, cinemas e teatros, e o Bixiga começou a atrair o resto da população de São Paulo, faminta por pão e circo. Os anos seguintes foram de grande crescimento e de vida social para o bairro, que se tornara um centro gastronômico, com

restaurantes variados, açougues e cantinas típicas, além da extensa variedade cultural, com inúmeros teatros, casas de música e cafés-boates. “As transformações vertiginosas por que passam as grandes metrópoles acabam por descaracterizá-las quanto a sua origem e evolução urbana. São Paulo é uma cidade que se modifica constantemente. Década após década, pode-se ver uma nova cidade surgir, ao se implantar um novo bairro.” (WITTER in Brás, Bexiga e Barra Funda)

Ao longo do século XX, enquanto o Bixiga crescia e desenvolvia ao seu tempo e sua maneira, a cidade de São Paulo se expandia a velocidades alucinantes. Já a partir dos anos 1920, a área central entrou em um intenso processo de verticalização, “estimulado pela abertura de avenidas que marcou a gestão de Prestes Maia como prefeito (1937-1945) (...) Com a Revolução de 30, que alijou a elite cafeeira, inicia-se uma política de estimulo à industrialização, com o deslocamento do eixo agrário exportador para o urbano industrial. São Paulo torna-se o principal polo de industrialização do país, atraindo migrantes da zona rural e de outros e de outros Estados”(BONDUKI, in SZMRECSÁNYI, 2004).


Em 1900, a cidade contava com 280 mil habitantes; em 1940, 1,3 milhão de habitantes e, em 1980, eram mais 8 milhões no município 12 milhões na região metropolitana. Até o final da década de 1930, o Centro Velho concentrava cerca de 70% dos edifícios produzidos na capital (SOMECK, 2003), porém a partir da década de 1960, a dinâmica da cidade passou por profundas transformações. O advento do automóvel, aliado às mudanças urbanísticas decorridas do Plano de Avenidas de Prestes Maia, possibilitou a expansão do centro para além de seus limites originais e também uma nova articulação com o restante da cidade. Assim, passou-se a observar a criação de novas centralidades e o deslocamento de escritórios e do setor bancário para regiões como a Avenida Paulista, a Avenida Faria Lima e, atualmente, a Avenida Luiz Carlos Berrini, enquanto as classes mais altas fixavam residência na região sudoeste da cidade. O centro foi, então, designado à função de nó articulador da cidade através de seu sistema viário.

A essa altura, em meados dos anos 1980, o Bixiga já se encontrava encravado entra a Avenida 23 de Maio, Avenida 9 de julho e a Ligação Leste-Oeste. Nesse momento de esvaziamento do centro, os investimentos na região eram poucos, se não inexistentes. Logo, como o restante da área central, o Bixiga ficou jogado às traças e seus moradores largados à própria sorte. A desvalorização imobiliária e a proximidade ao Centro Velho e à infraestrutura urbana resultaram numa combinação fatal para o bairro: casas abandonadas foram ocupadas por famílias pobres, sobrecarregando o sistema urbano já obsoleto e, sem a existência de políticas públicas adequadas, contribuindo para a desvalorização da terra. O bairro concentra muitos dos cortiços da cidade, conforme levantamento e cadastramento da prefeitura, e deparou-se com o aumento do número de moradores de rua, usuários de drogas e furtos nos últimos 20 ou 30 anos, além das péssimas condições em que seus logradouros públicos se encontram, com ruas e calçadas esburacadas e praças deterioradas. 35


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Casarões do início do século XX, no Bixiga. (fonte: http://www.flickr.com/photos/graduale/)


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1. Escadaria em frente à praça Dom Orione (fonte: http://www. saopauloantiga.com.br) 2. Casa na rua Conselheiro Ramalho (fonte: http://www.arqbar. wordpress.com/)

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Mesmo após décadas de descaso pelas gestões da cidade e abandono, o Bixiga manteve seu caráter tão singular intacto. Algumas cantinas fecharam e famílias se mudaram para outros bairros, antigos casarões foram demolidos e outros resistem arduamente ao tempo e à especulação imobiliária, mas quem anda por suas ruas ainda sente o estado de espírito do Bixiga ao qual Armandinho do Bixiga se referia. A história do bairro e da cidade convivendo com o presente. Famílias que permaneceram no bairro preservam sua história e tentam, em meio à pressa da sociedade contemporânea, manter a tranquilidade e o modo de vida dos antigos moradores. O Bixiga, ainda que não oficialmente reconhecido como tal, é um dos poucos bairros paulistanos que preservou, ao longo dos anos e modificações urbanas, seu espírito bairrista. Os vizinhos se conhecem, se dão bom dia, se ajudam, convivem em comunidade, fato raro em uma metrópole que se expande cada vez mais rápido para cima e para os lados.

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2.2. O valor histórico e arquitetônico do bairro O Bixiga e a Bela Vista possuem um grande rol de construções e edifícios históricos. Independente de estarem tombados e preservados ou não, são imóveis de valor histórico e arquitetônico inegáveis, que tratam do nascimento, apogeu, decadência e renascimento de um bairro e, por que não, da cidade. Sejam os palacetes da elite cafeicultora da Bela Vista ou os conjuntos de casinhas e vilas dos imigrantes do Bixiga, as construções ali existentes são aulas de arquitetura e história. A própria Vila Itororó possui valor histórico talvez muito superior ao arquitetônico. A partir de sua história pode-se entender todo o contexto histórico e social em que se insere a cidade à data de sua construção, e também todas as modificações que se deram ao longo de sua existência e que culminaram na situação em que se encontra hoje, assim como suas perspectivas para o futuro. Na Bela Vista, levando em conta que, nesse caso, o Bixiga não existe como bairro, os imóveis tombados


pelo CONDEPHAAT são: Casa de Dona Yayá, Castelinho da Brigadeiro, Escola de Primeiras Letras, Hospital e Maternidade Humberto Primo, Teatro Brasileiro de Comédia, Teatro Oficina e a Vila Itororó. Tomando como referência para comparação a Casa de Dona Yayá (1870-1880) e o Castelinho da Brigadeiro (1907-1911), observa-se duas diferentes abordagens ao patrimônio histórico. Ambas foram restauradas, mas, enquanto a primeira foi doada à Universidade de São Paulo e transformada na sede do Centro de Preservação Cultural da USP, a segunda foi adquirida pela Companhia Mofarrej de Empreendimentos e restaurada após anos de abandono e degradação. Os proprietários, após o restauro, colocaram o Castelinho de volta ao mercado, cobrando aluguéis caríssimos (cerca de R$ 25.000 por mês). O local costuma sediar, vez ou outra, festas, eventos ou exposições, mas são estudadas novas hipóteses de uso permanente, como galeria de arte ou restaurante. 1. Hospital Humberto Primo 2. Teatro Brasileiro de Comédia 3. Teatro Oficina

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1. Fachada do Castelinho da Brigadeiro antes do restauro (fonte: http://http://memoriasdesampa. blogspot.com/) 2. O Castelinho restaurado (fonte: http://www.flickr.com/photos/ massao) 3. Casa de Dona Yayรก - CPC USP (fonte: http://www.flickr.com/photos/architecturehistory)


3. A Vila Itoror贸


Originada do tupi, “Itororó” significa “pequena cachoeira”. Dá nome a um município da Bahia, a uma batalha e a um arroio do rio Paraguai, a cantigas populares e a um riacho escondido na cidade de São Paulo. Foi às margens de tal riacho que se decidiu pela construção de uma vila de casas de aluguel que acabaria levando seu nome. Atualmente, tanto a vila quanto o riacho estão esquecidos pela cidade, mas são inegáveis as raízes desta nesse entroncamento tão significativo e valioso ao patrimônio histórico e cultural de São Paulo. 3.1. Histórico Em 1922, o mestre de obras e comerciante português Francisco de Castro, recém chegado a São Paulo, idealizou uma vila particular às margens do riacho Itororó. Incontestável visionário, Francisco de Castro utilizou em seu ousado empreendimento materiais sobreviventes ao incêndio que, em 1917, atingiu e destruiu totalmente o Teatro São José, onde foi posteriormente construído o edifício Alexander Mackenzie, o Shopping Light. 42

Afora a reutilização de materiais em uma época em que não se falava em ecologia urbana, Castro deixou outro legado: sua piscina, a primeira particular da cidade, era abastecida por um sistema desenvolvido por ele diretamente do riacho Itororó, afluente do rio Tamanduateí. Ora, tanto a cidade de São Paulo quanto a Vila Itororó tiveram suas origens numa só – a água. Os rios são muitos em número, em amplitude, em nomes, enquanto a água é sempre uma. Parece-me, assim, não haver nome mais pertinente à vila de Francisco de Castro. Originalmente, o terreno de cerca de 4.500 m² contava com 36 casas de aluguel e um palacete principal, moradia de Francisco de Castro. Na época de sua construção, o Bixiga já era uma região boêmia, de vasta e agitada vida cultural, bem servida de infraestrutura e habitada de forma democrática pelas “camadas” sociais paulistanas. Essa miscigenação, ou melhor, a não segregação social se refletia na Vila Itororó, cujos moradores eram tanto famílias imigrantes quanto burguesas.


Vila Itoror贸, obras iniciais (fonte: acervo Mosaico)

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Em meados da década de 1950, Francisco de Castro faleceu precocemente, em decorrência de uma vida boêmia regada a bebidas e festas em sua “vila surrealista”, como foi apelidada. Sem herdeiros que recebessem a posse da vila, esta acabou indo a leilão e foi posteriormente doada à Instituição Beneficente Augusto de Oliveira Camargo, responsável pela Santa Casa de Indaiatuba. Nas duas décadas seguintes, a Vila Itororó continuou sendo cuidada e suas características tão singulares, preservadas. Porém, a partir de meados da década de 1970, a Instituição Beneficente passou a mostrar-se desinteressada pela manutenção da vila. Deixou de cobrar aluguel dos inquilinos e chegou a derrubar algumas das casas originais. Aos poucos, a vila foi se deteriorando e as moradias foram sendo subdivididas. A Vila Itororó estava à mercê da sorte, amparada por seus moradores, que lhe tinham muito carinho, porém poucos recursos para mantê-la.

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3.2. O tombamento Em 1982, foi dado início ao processo de tombamento da Vila Itororó no CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico), e a resolução a favor do tombamento só se deu em 2005. Essa espera de mais de 20 anos foi crucial para a história da Vila. Embora já apresentasse sinais de mau trato quando o processo foi iniciado, a Vila sofreu, nesses anos, consequências da rixa entre moradores e proprietários. Sem fiscalização, casas originais eram demolidas e outras, clandestinas, erguidas. Um extenso muro foi erguido ao redor do palacete, e a piscina foi desativada e transformada em depósito. A 9 de setembro de 1981, o então presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Arquiteto Cesar G. Bergstrom Lourenço, enviou uma carta ao então presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado (CONDEPHAAT), Arquiteto Ruy Ohtake, na qual apresentava interesse no tombamento da Vila Itororó.


“Prezado Senhor: O Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento de São Paulo, com sede nesta Capital à Rua Bento Freitas, 306 – 4º andar, vem pela presente solicitar a esse Egrégio Conselho o TOMBAMENTO da conhecida “Vila Itororó”, localizada também nesta Capital, nos limites dos bairros da Bela Vista e da Liberdade. Como se verá adiante, a “Vila Itororó” é um imóvel de construção singular, um dos poucos testemunhos que restaram da ocupação histórica espontânea dentro da estrutura espacial da cidade, tão sacrificada por transformações que prejudicaram o seu meio ambiente e o seu patrimônio cultural. Tal como a “Vila Economizadora”, já tombada por esse Conselho, e a “Vila Inglesa”, situada na Rua Mauá, a “Vila Itororó” é um exemplo típico do processo de ocupação de quadras da cidade por habitações coletivas populares ou de classe média, fenômeno que marcou o início do século e a fase de industrialização paulistana. A “Vila Itororó”, porém, distingue-se das demais vilas por suas características peculiares, como o espaço monumental, a forma imaginosa com que seu construtor reaproveitou fragmentos de construções eruditas (reinterpretando-as), a ausência da monotonia tão típica nesses conjuntos e o intenso aproveitamento para lazer de seu espaço interno, transformando-o quase que num logradouro público. Justamente por essas características, a “Vila Itororó” passou a fazer parte da memória da Capital e, por conseqüência, do próprio Estado. Daí esse pedido de TOMBAMENTO que o IAB agora se orgulha em apresentar.

(...) A Prefeitura, entretanto, incluiu a “Vila Itororó” entre os imóveis classificados no zoneamento como “Z8200”, isto é, de interesse cultural. Sabemos, entretanto, que por falta de regulamentação, essa classificação é frágil, já tendo sido questionada inclusive na justiça, o que, então, não basta para assegurar a sobrevivência da “Vila Itororó”. Estamos anexando a este pedido, seguindo as normas da Ordem de Serviço nº 01/81 do Diretor da Divisão da Secretaria-Executiva do CONDEPHAAT, plantas, fotos e xerox de recortes de jornais a respeito da vila que se deseja tombar. Sendo o que se nos apresenta para o momento, aproveitamos o ensejo para apresentar nossos protestos de elevada estima e consideração. Arq. Cesar G. Bergstrom Lourenço – Presidente”

(fonte: processo nº22.373/82, CONDEPHAAT) Em outro momento, tendo em consideração que somente o tombamento da Vila Itororó não garantiria sua preservação, foi feita uma reunião entre a Secretaria da Habitação e o CONDEPHAAT para resolver diretrizes para intervenções na Vila.

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“Ata de reunião – 03/09/85 – Secretaria da Habitação / CONDEPHAAT Participantes: CONDEPHAAT- Arq. Carrilho, Arq. Walter Pires, Arq.Cristina. Secr. Habitação – Arq. Sylvio Sawaya, Soc. M. Luiza L. Prado, Arq. Silvia R. Rubinstein, Arq. Helena Saya.

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Objetivo: Definir a participação da SEH [Secretaria Executiva de Habitação] e do CONDEPHAAT no equacionamento da questão habitacional relativa ao conjunto Vila Itororó e dos Casarões da Al. Clevelando e Nothman nos Campos Elíseos. Desenvolvimento: 1.Vila Itororó – apresentação do problema pelo CONDEPHAAT: - o conjunto está em processo de tombamento, não havendo dúvidas quanto ao seu mérito; - tombamento em si é medida de caráter normativo, não garantindo a preservação da vila, daí a necessidade de elaborar um programa de recuperação da vila como um todo, definição final deverá estar associada à resolução quanto ao uso; - qualquer programa de revitalização para a vila deverá levar em conta o grande número de famílias que habitam os 41 imóveis, garantindo o uso habitacional e a permanência dos moradores no local; - o programa deverá considerar também a questão da propriedade, pois os imóveis são particulares. Devido à baixa rentabilidade dos mesmos e aos limites impostos pelo processo de tombamento, iniciativas de negociação

com os proprietários deverão ser bem aceitas; - a viabilidade econômica de um processo de revitalização deverá ser equacionada levando em conta: recursos dos moradores, recursos dos proprietários e recursos do Estado – que poderão ser em forma de permuta por terreno em outra área, negociação quanto à transferência do potencial construtivo para outra área, em função da lei Z8-200 – e verbas à entidade mantenedora da Santa Casa de Indaiatuba. Discutida a questão, ficou definido que: - A função da SEH na questão Vila Itororó será de coordenação de um projeto em conjunto com o CONDEPHAAT, o qual deverá inicialmente articular proprietários, moradores e entidades que desenvolvam trabalho social na área; - Os primeiros contatos deverão se realizar dentro do prazo de um mês a partir desta reunião; - A avaliação destes contatos será feita em reunião já marcada para 1º de outubro próximo às 14:30 na SEH. (...)” (fonte: processo nº22.373/82, CONDEPHAAT)

Observando alguns trechos da ata da reunião, percebe-se com clareza as intenções por parte da própria prefeitura em manter os moradores na Vila, condição que deveria ser prevista em qualquer projeto de revitalização desde o início. O projeto de Décio Tozzi data de 1976, anterior à decisão, e não visava


manter os moradores no local, inclusive, se quer se dignificou a apresentar alguma alternativa às mais de 70 famílias que perderiam suas moradias. À época, o projeto não foi realizado por falta de verba e interesse público em lidar com uma situação que já se arrastava por anos e assim continuaria por muitos outros. Em 10 de março de 2005, foi decretado pela Secretaria de Estado da Cultura o tombamento da Vila Itororó, conforme a Resolução SC - 9: “Resolução SC - 9, de 10-3-2005 A Secretaria de Estado da Cultura, nos termos do artigo 1º do Decreto-Lei no. 149, de 15 de agosto de 1969 e do Decreto Estadual no 13.426, de 16 de março de 1979, cujos artigos 134 a 149 permanecem em vigor por força do artigo no 187 do Decreto 20. 955, de 1o de junho de 1983, com exceção do artigo 137, cuja redação foi alterada pelo Decreto Estadual 48.137, de 07 de outubro de 2003,considerando: - Tratar-se de um conjunto de edificações de caráter singular, pitoresco e onírico, construído na década de 1920; - A criatividade na composição arquitetônica resultado de uma colagem de elementos decorativos provenientes, em sua grande maioria, do antigo Teatro São José, demolido em 1924;

- Ser elemento de destaque na paisagem urbana da Cidade de São Paulo; - O pioneirismo na introdução de uma piscina em propriedade particular; - A original implantação da vila dentro da quadra, aproveitando o seu miolo e interligando três ruas que definem o quadrilátero, resolve: Art. 1º - Fica tombado como bem cultural, histórico e arquitetônico o conjunto das seguintes edificações que formam a Vila Itororó, situada na quadra definida pela Rua Martiniano de Carvalho, Rua Monsenhor Passalacqua, Rua Maestro Cardim e Rua Pedroso, no Bairro de Bela Vista, nesta Capital, incluindo também seu arruamento, os equipamentos como piscina, escadarias e passarelas de acesso: 1. Rua Martiniano de Carvalho nºs 269, 271, 277, 283, 301,309, 311, 313, 325 e 333 2. Rua Monsenhor Passalacqua nºs 29, 47, 55, 63, 65, 71, 72, 77 e 81 3. Rua Maestro Cardim nºs 60 e 80 e no interior da quadra os nºs 02, 02B, 03, 04, 05, 06, 06A, 07, 08, 09, 10, 11, 12 e 13 Artigo 2º - Ficam definidas para o conjunto tombado as seguintes diretrizes: Parágrafo 1º - Todas as edificações do conjunto tombado estão enquadradas como Grau de Preservação 2, GP-2, em que deverão ser preservados a volumetria e o aspecto exterior; Parágrafo 2º - Os imóveis demolidos na Rua Maestro Cardim, no interior da quadra, e se novamente

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edificados, deverão ser reconstruídos em sua volumetria, sem aplicação de adornos; Artigo 3º - A área envoltória do bem tombado fica definida pela quadra formada pela Rua Martiniano de Carvalho, Monsenhor Passalacqua, Maestro Cardim e Pedroso, mais uma faixa de 50m (cinqüenta metros) das quadras das Ruas Martiniano de Carvalho e Monsenhor Passalacqua, fronteiriça à quadra do imóvel tombado, medida a partir de seu próprio alinhamento. Para a área envoltória ficam estabelecidas as seguintes diretrizes: Parágrafo 1º - Deverão ser mantidos os coeficientes de aproveitamento (potencial construtivo) e cotas máximas de altura em cada imóvel hoje existente; Parágrafo 2º - No caso de remembramento de lotes na área envoltória, deverão ser respeitadas as cotas máximas de altura para cada edifício existente, em sua respectiva projeção no lote resultante do remembramento, podendo ser unificados os coeficientes de aproveitamento; Parágrafo 3º - Para a faixa de 50m (cinqüenta metros) das quadras das Ruas Martiniano de Carvalho e Monsenhor Passalacqua, as novas construções poderão ter cota máxima de altura igual a 12,0m medidos do ponto médio da testada de cada imóvel hoje existente e compreendidos nesta cota todos os elementos construtivos; Artigo 4º - Os projetos de restauro e revitalização dos imóveis tombados deverão propor usos compatíveis com a peculiaridade da sua arquitetura e dos seus processos

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construtivos,garantindo o acesso público à fruição do bem tombado. Artigo 5o - Fica o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado - CONDEPHAAT, autorizado a inscrever no Livro do Tombo competente, o bem em referência, para os devidos e legais efeitos. Artigo 6o - Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.”

(fonte: Imprensa Oficial)


Vila Itoror贸, obras iniciais (fonte: acervo Mosaico)

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3.3. Situação atual No ano de 1997, a Instituição Beneficente Augusto de Oliveira Camargo, proprietária legal da vila, entrou em contato com os inquilinos pela última vez, após longos períodos de abandono e sem cobrança de aluguel. A partir de então, os moradores, antes locatários, passaram a deter posse de suas casas. Esses são, em sua maioria, famílias de baixa renda ou antigos moradores da Vila, que ali convivem com suas histórias pessoais e com a possibilidade de morar no centro da cidade, próximos a seus empregos e à infraestrutura urbana. O estado de abandono em que o conjunto se encontra não é consequência de um fator isolado, e sim de uma sequência de decisões equivocadas e de acontecimentos infelizes, associados ao momento em que a cidade de São Paulo se encontrava. Nos anos decorridos durante o processo de tombamento da Vila, o centro da cidade, e especificamente o bairro da Bela Vista/Bixiga, passavam por um deslocamento em massa da população moradora das áreas centrais para outras regiões 50

da cidade. A falta de manutenção e conservação da Vila Itororó, em especial por se tratar de um conjunto tombado tanto pelo CONPRESP quanto pelo CONDEPHAAT, exemplifica de forma clara o abandono do centro da cidade. Construções imponentes e de grande valor histórico hoje definham à sombra de seu passado e dependem de algumas poucas pessoas na luta contra a expansão imobiliária desenfreada e amoral. Ao mesmo tempo, nos últimos anos, deu-se início a um árduo e complexo processo de revitalização do centro de São Paulo. A transferência da sede da Prefeitura para o Viaduto do Chá, assim como de outros órgãos municipais para as proximidades do chamado Triângulo Histórico, demonstram a preocupação dos governantes em trazer a vida de volta ao centro. Construções obsoletas são adquiridas pela prefeitura ou por instituições, revitalizadas e devolvidas à cidade com novos usos, destino certo da própria Vila Itororó. Quiçá sua conturbada vida tivesse se passado em um diferente momento e de diferentes políticas públicas, sua história e as de seus moradores


teriam um final mais feliz. De qualquer forma, não se pode atribuir a culpa pela atual condição das construções a ninguém, embora os próprios moradores, os maiores interessados na preservação do conjunto, muitas vezes acabem sendo considerados os responsáveis pela degradação do patrimônio histórico da cidade, defendido tão arduamente pela mídia e por seu público desinformado, favorável à instalação de um centro cultural ou gastronômico no local e, consequentemente, favorável também à alienação da população que, sem moradia, é destinada às periferias. Observa-se, aqui, um movimento contrário ao que afetou as áreas centrais, a partir da década de 1980, de esvaziamento do centro. Com a expansão da cidade para regiões além do Centro Velho e do Novo Centro, os polos financeiros e comerciais, assim como órgãos públicos e administrativos, migraram para regiões mais novas. A área central da cidade passou por anos de degradação e falta de investimentos e interesse público. As novas políticas de revitalização e recuperação das

áreas centrais constituem em devolver à cidade seu núcleo embrionário revigorado e valorizado. Há, porém, um conflito de interesses na forma com que a questão é abordada. O que se vê hoje em dia, e que pode ser exemplificado pelo caso da Vila Itororó, é um forte processo de gentrificação do centro. “A regra é que nos bairros cêntricos se promova a concentração de benesses urbanísticas para uso cada vez mais exclusivo dos mais ricos e das atividades mais nobres. O resto, a maioria das pessoas e de suas ações, vai se distribuindo como pode em espaços tanto mais pobres e desprovidos quanto mais diferenciados dos núcleos cheios de privilégios.” (SANTOS, Carlos N., in PROJETO, 1986). Áreas até então ocupadas pela população de baixa renda estão sendo desapropriadas pela prefeitura para dar lugar a empreendimentos muitas vezes de iniciativa privada. “Em 23 de janeiro [de 2006] o prefeito José Serra declarou todo o quarteirão onde se encontra a Vila Itororó como área de ‘utilidade pública’, sendo que o projeto prevê ‘a implantação e operação das obras e serviços com a participação da iniciativa privada. Ou seja, não se cogita para a vila a criação de um novo Centro Cultural ou de um museu ao ar livre, mas sim um conjunto

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dinâmico de atividades que incorporem e ultrapassem esses programas e apresentem condições de auto sustentabilidade após as intervenções que necessariamente deverão ser feitas pela prefeitura’. Em palavras mais diretas: a prefeitura declara a área como ‘utilidade pública’, despeja os moradores e entrega a área para empresas privadas, com uma série de privilégios, como vem ocorrendo no caso da desapropriação dos 105 mil m² da área residencial conhecida como ‘Cracolândia’ A desapropriação é um excelente negócio para a especulação imobiliária e uma miséria para o povo pobre.”

(fonte: revista Projeto, nº 86. Sérgio Ferro em entrevista a Marlene Acayaba) Com o decreto de área de utilidade pública em 2006, a prefeitura integrou a Vila Itororó a seu Programa de Recuperação de Cortiços. Por 5 anos, apresentou ao moradores propostas descabíveis. Em 2006, ofereceu cartas de crédito nos valores entre R$20.000 e R$40.000 e “um ‘auxílio moradia’ de estranho nome ‘vale coxinha’: um cheque de R$5 mil, sugerindo que as pessoas usem este dinheiro para ‘retornar à sua cidade de origem’ (notem que, no caso da Vila Itororó, há pessoas morando ali há 63, 49, 34, 25, 18, 7 anos; 52

toda a população jovem mora ali desde que nasceu).” (FERRO, in Projeto, 1986). Em 2009, ofereceu o pagamento de bolsa aluguel de RS300 por um ano, período em que os moradores deveriam encontrar outra moradia e esperar o término da reforma de edifício na rua Conde de São Joaquim, cujas unidades seriam financiadas pelo CDHU. A luta dos moradores perdeu força ao longo dos anos com a pressão da prefeitura para que saíssem do local e o medo do futuro incerto. Algumas famílias aceitaram a proposta da prefeitura e deixaram a vila nos últimos dois anos e, entre setembro e outubro de 2011, a prefeitura começou a retirada das demais famílias. Até o presente momento, há cerca de 8 famílias remanescentes, sendo uma delas a de Antônia Souza Cândido, moradora há mais de 25 anos e presidente da Associação dos Moradores da Vila Itororó. Mulher de personalidade forte, lidera há anos a luta pelo direito de moradia e permanência na Vila e conta que “quando o Orlando [de Almeida Filho, Secretário de Habitação] esteve na vila eu perguntei: ‘você está querendo acabar com


Vila Itororó, situação atual (fonte: acervo Mosaico/ pessoal)

53


as moradias para levantar lojinhas?’ e ele disse ‘não são lojinhas’. Eu falei: ‘olha, cantinas, restaurantes, cinemas, bares, a Bela Vista está cheia. O que está faltando são casas e essas vocês não põem no chão’. Ele falou que isso era um projeto social... Eu não faço parte dessa sociedade?”. Ela, junto às outras famílias, resiste em deixar sua casa e, embora acredite e lute com convicção por seus direitos, tem seu futuro nas mãos da prefeitura, também convicta em, enfim, dar cabo ao projeto de recuperação urbana da Vila Itororó, inicialmente assinado por Décio Tozzi e Benedito Lima de Toledo e hoje modificado por José Eduardo de Assis Lefrèvre.

Vila Itororó, situação atual (fonte: acervo Mosaico)

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3.4. . O direito à moradia e o direito à cidade A moradia adequada foi reconhecida como direito humano fundamental em 1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Desde então, diversos tratados internacionais enfatizaram e reafirmaram a obrigação do Estado em promover e garantir esse direito aos cidadãos. “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.” (Decla-

Contudo, sabemos que essa não é a realidade de muitos brasileiros. A população do Estado de São Paulo soma 41,2 milhões de pessoas (21,6% da população brasileira), dos quais 1,1 milhão são considerados extremamente pobres, com renda mensal per capita inferior a R$70,00. Segundo pesquisa do jornal “A Folha de São Paulo”, no ano 2000, cerca de 5,5 milhões de pessoas moravam em loteamentos ilegais, favelas ou cortiços na cidade de São Paulo. Distribuição da população pobre

ração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 25, parágrafo 1º) “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (Constituição da República Federativa

(fonte: Fundação SEADE)

do Brasil de 1988) 55


(fonte: Fundação SEADE)

(fonte: Fundação SEADE)

Analisando os gráficos, é fato que o Estado de São Paulo está acima de média no país nos quesitos estudados, mas ao observar os dados em domicílios com renda per capita de até R$70, percebe-se as grandes desigualdades entre a população abaixo da linha da pobreza e as demais classes. Segundo o Censo 2010, são 16,2 milhões de pessoas, ou 8,5% da população brasileira, vivendo nessas condições. Desses, 4,8 milhões não possuem renda nenhuma. Ainda, segundo análise da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) feita em 2007 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), aproximadamente 34,5% da população urbana vive em condições de habitação inadequada, cerca de 54 milhões de pessoas. O direito à moradia garante a todas as pessoas o direito a um determinado padrão de vida adequado, não se tratando somente em prover 4 paredes e um teto, e sim um lar. Constituem a moradia adequada: “- condição de ocupação estável, ou seja, morar em um local sem o medo de remoção ou de ameaças indevidas ou inesperadas;

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(fonte: Fundação SEADE)


Vila Itororó, situação atual (fonte: acervo pessoal)

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- acesso a serviços, bens público e infraestrutura, como energia elétrica, sistema de esgoto e coleta de lixo; - acesso a bens ambientais, como terra e água, e a um meio ambiente equilibrado - moradia a um valor acessível ou com subsídios ou financiamentos que garantam custos compatíveis com os níveis de renda; - boas condições de habitação, respeitado um tamanho mínimo, com proteção contra frio, calor, chuva, vento ou outras ameaças à saúde, riscos estruturais e suscetibilidade a doenças; - acesso prioritário à moradia para grupos em situação de vulnerabilidade ou desvantagem; - localização adequada, com acesso a médicos e hospitais, escolas, creches e transporte, em áreas urbanas ou rurais; - adequação cultural, construída com materiais, estruturas e disposição espacial que viabilizem a expressão da identidade cultural e a diversidade dos vários indivíduos e grupos que a habitam.”

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(fonte: http://direitoamoradia.org) No caso da Vila Itororó, as moradias não podem ser consideradas dignas ou adequadas, devido ao número de locatários e sublocatários e também às condições de risco estrutural em que se encontra. No entanto, alguns fatores valorizam o terreno e justificam, em parte, a vontade e a luta dos moradores

em permanecer ali. A localização da Vila é favorecida, próxima a estações de metrô (Vergueiro e São Joaquim), a corredores de ônibus, a hospitais, creches, escolas, centros comerciais e culturais, além de ser bem servida de infraestrutura urbana. A densidade demográfica da Bela Vista é inferior a de outros bairros centrais, mesmo tendo um potencial construtivo que permita adensá-lo. O fato é que existe um grande contingente de moradores de rua e pessoas vivendo em submoradias e, ao mesmo tempo, um número impressionante de construções vazias ou obsoletas na área central da cidade. As políticas de revitalização do centro pecam ao transformá-lo em um centro cívico e cultural. Na verdade, trata-se da gentrificação dessa área e da própria cultura, pois a criação de um novo centro cultural de iniciativa privada e autossuficiente resulta na capitalização da cultura, que vira uma mercadoria consumível e comercializada como qualquer outra. Aos moradores, portanto, também lhes é negado o acesso à cultura, essa totalmente destinada às elites, que não moram na região e tampouco têm o interesse de fazê-lo.


Ainda que, nesse caso especificamente, os moradores da Vila sejam transferidos para conjuntos habitacionais próximos, dois fatos devem ser observados. O primeiro é justamente esse processo de transformação de toda a área central em um enorme centro cultural destinado à classe predominante. O segundo fato se dá em consequência do primeiro: a existência de grandes equipamentos públicos gera grande valorização do solo. Ora, em uma cidade controlada pelo mercado imobiliário como São Paulo, a briga entre construtoras e moradores é injusta e defasada e, mesmo que inicialmente não tenham sido despachados para a periferia, os moradores mais pobres não conseguem arcar com a alta dos valores e acabam tendo que sair de suas casas de toda forma. Entra em questão agora não só o direito à moradia, mas o direito à cidade, claramente renegado aos moradores. O Direito à Cidade, na Carta Mundial, visa garantir a todos o “usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios da sustentabilidade e da justiça social. Entendido como o direito coletivo dos habitantes das cidade em

especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que se conferem legitimidade de ação e de organização, baseado nos usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito a um padrão de vida adequado. (...) O direito à cidade democrática, justa, eqüitativa e sustentável pressupõe o exercício pleno e universal de todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos previstos em Pactos e Convênios internacionais de Direitos Humanos, por todos os habitantes tais como: o direito ao trabalho e às condições dignas de trabalho; o direito de constituir sindicatos; o direito a uma vida em família; o direito à previdência; o direito a um padrão de vida adequado; o direito à alimentação e vestuário; o direito a uma habitação adequada; o direito à saúde; o direito à água; o direito à educação; o direito à cultura; o direito à participação política; o direito à associação, reunião e manifestação; o direito à segurança pública; o direito à convivência pacifica entre outros.” (Carta Mundial do Direito à Cidade). Segundo pesquisa da Pró-Centro, são cerca de 40.000 imóveis abandonados, 59


somente na região da Administração Regional da Sé. Porém, a inexistência de políticas e programas habitacionais consistentes impede que essa situação seja revertida, e o que resulta dessa soma de fatores é uma megalópole com bairros periféricos inflados e o centro vazio e supervalorizado. As recentes ações de reabilitação de áreas centrais criaram ali uma redoma higienista, pois tais áreas, controladas pela especulação imobiliária, adquiriram alto valor de terreno. “E nas nossas cidades a intervenção estatal foi capaz de produzir recorrentemente a diferenciação espacial desejada pelas elites, e a disputa pela apropriação dos importantes fundos públicos destinados à urbanização caracterizou – e caracteriza até hoje – a atuação das classes dominantes no ramo imobiliário.” (FERREIRA, 2005). Ora, as classes sociais que poderiam arcar com tais valores, em sua maioria, não têm interesse em morar no centro, enquanto grande parte da população da cidade que de fato tem interesse em morar ali não tem condições financeiras para tal. Uma barreira invisível se formou ao redor das “áreas no60

da cidade, impenetrável e intransponível. A segregação socioespacial, ainda que concretizada apenas por um muro de 2 metros de altura, mutila a cidade em pequenas ilhas, acessíveis somente a um determinado grupo social. Assim, a cidade e a população se tornam cada vez mais alienados de si próprios, como bolhas urbanas, universos paralelos. O que se busca é a democratização do espaço urbano, a extinção de áreas predefinidas como nobres ou pobres, a permeabilidade legítima do indivíduo na cidade. Temos todos, teoricamente, liberdade de ir e vir, o espaço público pertence a ninguém e a todos. Por que, então, alguns têm um pedaço maior enquanto outros não têm pedaço nenhum? 3.5. O Projeto de Recuperação Urbana da Vila Itororó A proposta para a Vila Itororó de Décio Tozzi, Cláudio Tozzi e Benedito Lima de Toledo nasceu do pedido do então prefeito de São Paulo, Miguel Colasuonno, de um estudo para recuperação da vila através da Coordenadoria Geral de Planejamento (COGEP, atual


SEMPLA), em 1974. O projeto foi premiado na categoria “Projetos Individuais” no IX Congresso Brasileiro de Arquitetos, porém não foi executado por falta de recursos públicos. Nele, os autores fazem um breve estudo sobre a vila, apresentando sua história e importância como “mancha urbana” sobrevivente à devastação e à “autofagia” do urbanismo adotado na cidade. As características singulares são observadas pelo destaque que a vila obtém “na paisagem urbana, por sua feição original, de ecletismo ou mesmo bizarria, do ponto de vista arquitetônico”. Mais adiante, ao tratarem da deterioração do conjunto, mais amena do que a situação encontrada hoje, os arquitetos fazem um breve rol das modificações e adaptações observadas. Trata-se de riscos estruturais, em parte dados pela infiltração de água do riacho Itororó, canalizado sob a Avenida 23 de Maio e situado também sob a Vila; “puxadinhos”, paredes divisórias de alvenaria, vedações inadequadas e depósito de lixo e entulho.

Tendo em consideração a depredação sofrida pela Vila e citando a Carta de Veneza (“A conservação dos monumentos é sempre favorecida quando se atribui ao monumento uma função útil à sociedade.”), os autores optaram pela criação de um espaço destinado ao lazer, de cunho sociocultural. Foram formuladas, então, 3 funções básicas de lazer, sendo elas: a) função de descanso; b) função de divertimento, recreação e entretenimento, e c) função de desenvolvimento. Vale ressaltar que o projeto abrange a questão de rentabilidade econômica, fato muito bem posicionado e justificado, visto que garante ao projeto viabilidade financeira inicial e a longo prazo. O projeto para a Vila visava garantir “(...) sua devolução à população através de uma recriação, de onde não se ausenta o espírito contemporâneo (...)”, e adotou as seguintes diretrizes básicas: - reconstituição da “mancha urbana” original; - retirada ou substituição de elementos posteriores que alteram e interferem no espaço da Vila; - projeção do entorno (Lei Malraux, 1962), 61


visando a restituição da escala do conjunto; - definição do programa de revitalização para a área; - garantia, através do plano de massa da quadra com volumetria definida, da preservação futura da escala do conjunto. Dessa forma, definiu-se o programa de necessidades e a implantação deste na Vila: - palacete: manifestações artísticas nos níveis intermediários e destinação múltipla ao nível do pátio central, relacionada às atividades que se desenvolverão em torno da área central; - casa das carrancas: galeria de arte contemporânea; - jardins com pista para espetáculo ou dança pública; - área esportiva: destinada à prática de esportes à população do bairro; - casas várias: administração e atividades como: centro administrativo da Vila, zeladoria, jardineiro; dede do clube: restaurante e pizzaria; centro de arte para crianças e adolescentes; casa teatral; livraria de livros antigos; antiquário; centro de gravura; centro de 62

cozinha; centro de iniciação musical; aluguel para estúdios de artistas plásticos ou músicos. O projeto, não executado na época, foi retomado em 2006 pela Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo, com participações das Secretarias Municipais de Planejamento (SEMPLA), de Negócios Jurídicos (SNJ) e de Habitação (SEHAB), Empresa Municipal de Urbanização (EMURB) e da São Paulo Turismo S/A. Passou por uma releitura e atualização, sob coordenação de José Eduardo de Assis Lefèvre (SMC), por conta das transformações que tanto a cidade quanto a própria Vila sofreram nos últimos 30 anos. As principais diretrizes para a proposta foram mantidas, assim como a chamada destinação “sociocultural”, que prevê um polo de cultura e desenvolvimento de atividades relacionadas a esta. Tanto no projeto original quanto no reformulado, o único foco de interesse tratado é a Vila Itororó, sua preservação e a busca por uma forma de fazer tal empreendimento economicamente viável. Ao longo desses mais de 30 anos, nunca foi dito, por parte de nenhum dos arquitetos, o que aconteceria com as


famílias moradoras. Citando um trecho da Carta de Veneza, utilizado por Décio Tozzi em seu estudo inicial sobre a vila, pode-se observar o projeto sob outra ótica: “O monumento é inseparável do meio no qual ele se situa e da história do qual é o testemunho.” Ora, retirar os moradores dali e, de certa forma, banir seu acesso à Vila (tendo em vista o caráter claramente elitista do projeto) é separar o monumento de sua história. Os habitantes não simplesmente fazem parte da história da Vila, eles são a história. Privar tais pessoas de sua história e de sua cultura, sem mencionar a questão da moradia, é um crime contra a memória da cidade tão devastador quanto o próprio processo de degradação sobre a Vila. O arquiteto se forma com um grande diferencial em relação a qualquer outro técnico: a função social. Mas a quem se refere esse “social”? A umas poucas pessoas que vão ganhar mais um centro comercial e gastronômico? Ou a outras poucas pessoas que vão perder suas casas e sua história? Quem merece mais? Quem vale mais? Quem fala

mais alto? Tais questões não necessitam de respostas - estão subentendidas - mas devem ser feitas, seja em pensamento ou em alto e bom som, para que outras sejam levantadas e para que, talvez, uma próxima Vila Itororó possa ter um final feliz.

63



4. Estudo de caso


“A Arte sozinha não consola, a economia junto com a Poesia, sim.” – Lina Bo Bardi

O caso do Pelourinho – Salvador|BA

66

O centro histórico de Salvador sofreu o mesmo processo de degradação, durante a década de 1960, observado no centro de São Paulo. O bairro do Pelourinho, no coração de Salvador, possui um conjunto arquitetônico, de origem colonialista portuguesa, classificado pela UNESCO como Patrimônio Histórico da Humanidade. A história do bairro remonta ao ano de 1594, data da fundação da primeira capital do Brasil, São Salvador da Bahia de Todos os Santos. “As características topográficas do local de fundação fizeram com que a urbanização ocorresse em dois níveis: enquanto a acrópole – Cidade Alta – cresceu como centro administrativo e da burocracia colonial, a Cidade Baixa expandiu-se como núcleo comercial e popular ao longo da orla.” (NOBRE, 2002). Dessa forma, o local escolhido para abrigar o pelourinho – coluna

Entre os séculos XVI e XVIII, a cidade crescia prosperamente, sendo o Pelourinho “o centro da aristocracia colonial, pleno de ricos edifícios residenciais, religiosos e militares, finos exemplares da arquitetura colonial, barroca e rococó.” (NOBRE, 2002). Porém, com a transferência da capital para o Rio de Janeiro, em 1763, o bairro começou a perder seu prestígio, e já no século XIX, sentiu as consequências da força da especulação imobiliária fora de seus limites. A cidade colonial precisava se modernizar, investir em obras públicas, saneamento e transporte. Aos poucos, as atividades econômicas e a população de alta renda deixaram o bairro, rumo à Cidade Baixa, valorizada pela modernização do porto, no início do século XX. Ali, as classes altas se concentraram na orla sul, enquanto as classes mais baixas se expandiram em direção ao norte. Por fim, a implantação do Centro Administrativo


Projeto de recuperação do Pelourinho (fonte: FERRAZ, 1996)

67


da Bahia (CAB), na década de 1970, nas proximidades do aeroporto internacional da cidade, isolou totalmente o Pelourinho das atividades político-administrativas, intensificando o processo de deterioração e a existência de atividades marginais à sociedade, como prostituição e tráfico de drogas. Em 1985, após o bairro ser declarado Patrimônio Histórico da Humanidade pela UNESCO, grupos intelectuais passaram a pressionar a prefeitura para que intervisse de forma mais ativa na reversão desse quadro. Foi chamada a arquiteta Lina Bo Bardi para desenvolver um projeto de reabilitação do Centro Histórico que, segunda ela, havia sofrido um “terremoto voluntário”. A região, porém, continuava densamente habitada “por uma gente que, à sua maneira e com os meios ao seu alcance, conservava ali a vida urbana. Portanto, de cara, tínhamos de descartar o termo ‘revitalização’, uma vez que vida ali não faltava. E ‘com que força’, continuava Lina: ‘prostituição, bebida, drogas e crime, quer coisa mais viva?’ ” (FERRAZ, 1996) 68

O projeto, desenvolvido entre 1986 e 1989, começou com o levantamento das edificações do bairro, a partir do qual se verificou que cerca de 30% dos imóveis nas áreas tombadas estavam completamente arruinados ou em estado avançado de deterioração, além do levantamento socioeconômico de todas as famílias residentes. Foi feita uma séria de projetos pilotos que deveriam determinar intervenções rápidas, econômicas e de qualidade. O projeto incluía o Belvedere da Sé, o Complexo da Barroquinha (pequenos cinemas, teatros, cafés, igreja e habitação social), a Casa do Benin (representação cultural, museu e restaurante típico do país), a Cada de Olodum e a Fundação Pierre Verger. Mas o projeto mais importante e de maior destaque foi o da Ladeira da Misericórdia, que se encontrava em total estado de abandono, com ruínas dos séculos XVII, XIX e XX e terrenos baldios. Tanto Lina quanto o então prefeito de Salvada, Mário Kertész tinha o interesse em manter “a vocação tradicional do centro da cidade como ponto de encontro, trabalho, moradia e lazer da população e a preservação do seu patrimônio arquitetônico, paisagístico e


e cultural.” (BONFIM, 1995), e o projeto piloto para a Ladeira da Misericórdia abrangia essa questão. Um conjunto de casarões deteriorados, atrás do Convento e da Santa Casa de Misericórdia, foi restaurado e destinado ao uso residencial da população de baixa renda local, enquanto o térreo era destinado ao comércio. Percebe-se a preocupação em manter as atividades e usos existentes, evitando a expulsão dos grupos de baixa renda do bairro e a transformação em um parque turístico. Segundo Marcelo Ferraz “o Pelourinho só será bom para o turista se for, em primeiro lugar, bom, muito bom para a comunidade que nele habita.” É sob essa ótica que os projetos de renovação urbana deveriam existir - pela preservação da essência daquilo que se tenta preservar, e não somente de suas paredes. Porém, em 1990, o governo do Estado passou a fazer fortes investimentos na recuperação do Centro Histórico de Salvador, modificando as diretrizes estabelecidas pelo projeto. A ideia de promover o uso misto no bairro deu lugar à exploração do potencial turístico e econômico e “as grandes

residências e os solares foram convertidos para usos culturais e de entretenimento, tais como galerias de arte, museus, casas de espetáculos, pequenos ateliês, escola de música, dança, artes e ofícios tradicionais. Algumas igrejas e fortes também foram convertidos em museus.” (NOBRE, 2002). Não se pode negar as melhorias obtidas com a ação do Estado, mas diversos equívocos foram feitos. Os investimentos voltados para o consumo turístico e para o lazer e entretenimento, visando o crescimento econômico da cidade, impossibilitaram a permanência dos antigos moradores do bairro.

69


1

2

70

1. Pelourinho, dĂŠcada de 1980 (fonte: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993) 2. Pelourinho, dĂŠcada de 1980 (fonte: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1993)


1

2

1. Ladeira da Miseric贸rdia (fonte: Nelson Kon) 2. Pelourinho restaurado (fonte: NOBRE, 1998) 3. Pelourinho restaurado (fonte: NOBRE, 1998)

3

71


Após a implantação do projeto, apenas 16% dos imóveis restaurados mantiveram o uso residencial, enquanto o uso comercial chegou a quase 65%. %. Para lidar com a população excedente, o governo promoveu a relocação dos locatários, que poderiam escolher entre permanecer no bairro, em uma casa restaurada ou receber indenização. Em 1995, cerca de mil famílias, o correspondente a 85% do total, decidiram pela compensação financeira de, em média, US$900 por família. Como consequência, a população residente no Pelourinho teve queda de 67% em 20 anos, indo de 9.853 em 1980 para 3.235 em 2000, mas ainda formada, predominantemente, por famílias com renda entre 0 e 5 salários mínimos. No caso do Pelourinho, o processo de gentrificação não se apresentou por inteiro, pois, embora tenha ocorrido grande êxodo da população, essa não foi substituída pelos estratos sociais de alta renda, e sim pelo comércio e turismo a eles destinados. As semelhanças com o bairro do Bixiga e especificamente a Vila Itororó são gritantes, desde o abandono pelas elites da área central 72

até a degradação de imóveis históricos e tombados. O Pelourinho, porém, teve a sorte de cair nas graças de Lina Bo Bardi, cujo projeto, embora não executado em sua totalidade, proveu diretrizes de cunho social às intervenções do governo, ainda que minimamente adotadas. No caso da Vila, os moradores terão de sair de suas casas, sem a possibilidade de voltar a viver ali. O projeto de recuperação adotado pela prefeitura transformará o conjunto em um polo cultural, impedindo qualquer tipo de relação entra a nova Vila Itororó e seus antigos moradores que, por medo de perderem suas casas, viram-se obrigados a ceder à pressão do governo e aceitar suas condições para o acordo. Após a instalação de tal centro cultural, monofuncional e vazio de significado, acontecerá com a vila o mesmo que se deu no Pelourinho: um ponto turístico criado à sombra de um parque temático, retratando uma história que já não lhe pertence e que lhe foi roubada.


5. O projeto



A escolha pela Vila Itororó como objeto de estudo e de trabalho veio após um encontro acidental. Andando pelas ruas da Bela Vista, deparei-me com um universo paralelo, e não se tratava apenas do estilo arquitetônico, digamos, curioso. Um respiro na cidade, um espaço de conexão, um pedaço do passado remanescente e do passado ausente, alegria e tristeza. Entre processos legais, processos de tombamento, conflitos de interesses e degradação, uma coisa era certa: tanto a vida da Vila quanto as de seus moradores iria mudar drasticamente. Só não contava que tão cedo. As ameças de despejo e tentativas de acordo por parte da Prefeitura se extendiam por mais de 5 anos, e ambos os lados estavam convictos de seus ideiais. Foram esses ideiais de uma moradora que me incentivaram a enfrentar o projeto e, acima disso, a acreditar na possibilidade de mudanças. O projeto institucional já existe, projeto esse que também me incentivou a acreditar no meu projeto. Uma proposta nova, dispensada pelo mercado, mas necessária. Esse projeto é,

portanto, a união dos meus ideias. O social e a técnica juntos num projeto para cidade e para a populção, e não para o mercado. Assim, ouvindo as histórias de alguns moradores, a vocação do terreno era muito clara, como o foi desde a fundação da vila, e era feita assim a escolha pela habitação. Mas, ao invés da intervenção dentro da área tombada, decidi pelos lotes vizinhos, talvez ainda mais ociosos, ostentando enormes galpões, concessionárias de carros e um posto de gasolina. Proposta a desapropriação dos lotes, o terreno começava a se configurar: frente para a rua Pedroso, laterais para a rua Maestro Cardim e rua Martiniano de Carvalho e um acesso direto à Vila Itororó, reinseriando-a na malha urbana através da criação de novos acessos e fluxos internos. A topografia acidentada foi resolvida por cortes no terreno, facilitando o vencimento dos mais de 10 metros de altura. A proposta de pequena galeria comercial no térreo se justifica pela possibilidade de atração de transeuntes tanto à área de projeto quanto à vila. 75



Mapa de Uso e Ocupação do solo (fonte: PMSP)

77



Inserção da área de projeto (fonte: acervo pessoal)

79



775

RUA MARTINIANO DE CARVALHO

5

6

4

6

3

3

765

RUA MONSENHOR PASSALAQUA

7

RUA PEDROSO

770

6

7

2 1

1

RUA MAESTRO CARDIM

1. exposições temporárias 2. café 3. cursos e oficinas

4. funcionários 5. acervo permanente 6. administração

7. creche 81



RUA MARTINIANO DE CARVALHO

RUA PEDROSO

776.00

773.00

B

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

A

A 774.00

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

C

C

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

774.00

B

RUA MAESTRO CARDIM

planta | térreo | +774.00

83



RUA MARTINIANO DE CARVALHO B

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

RUA PEDROSO

771.00

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

LOJA

770.30

LOJA

A

A

769.00 PROJ. COBERTURA

771.00

CAFÉ

CAFÉ

LOJA

LOJA

C

C

LOJA

LOJA

B

RUA MAESTRO CARDIM

planta | piso inferior | +771.00

85



RUA MARTINIANO DE CARVALHO B

00 6.

RUA PEDROSO

6.00

A

765.00

A

768.00 769.00

766.50

768.00

s

C

C

PLAYGROUND

769.00

B

768.20

766.00

RUA MAESTRO CARDIM

planta | piso inferior | +769.00

87



RUA MARTINIANO DE CARVALHO B

RUA PEDROSO

LAVANDERIA COLETIVA

LAZER

A

SALテグ

LAZER COPA

A

LAVANDERIA COLETIVA

C

C

LAZER

SALテグ

LAZER COPA

B

RUA MAESTRO CARDIM

planta | pavimento comum | + 789.42

89



B

A

C

B

planta | pavimento tipo

91



planta | pavimento tipo

93



planta | apto. tipo 2 planta | apto. tipo 1

planta | apto. tipo 3

apto. tipo 2

planta | apto. tipo 3 planta | apto. tipo 2

95



97



99



101



elevação 1 | rua maestro cardim

103

rua pedroso

limites do terreno

limites do terreno



elevação 2 | rua pedroso

105

rua maestro cardim

rua martiniano de carvalho

limites do terreno

limites do terreno



elevação 3 | rua martiniano de carvalho

107

rua pedroso

limites do terreno

limites do terreno



109



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Conclusão A questão da habitação social em São Paulo, salvo algumas exceções, foi sempre tratada com certa imposição de limpeza social, mandando os problemas para longe dos olhos, evitando trata-los. Séculos de descaso e políticas inconsistentes resultaram na situação trágica atual: metade da população morando em submoradias, favelas e cortiços. O atraso na criação de um sistema eficaz de financiamento de moradia e a alternância de mandatos e políticas habitacionais dificultam a consolidação de bases estáveis para a habitação social no Brasil. Por ora, o que se sabe é que os moradores da Vila Itororó sofreram pressão da prefeitura para saírem de suas casas e, após 5 anos e muitas propostas incabíveis, o medo, a incerteza e a possibilidade de ter uma casa própria fizeram com que as famílias deixassem a vila, sobrando apenas as mais irredutíveis em suas crenças e ideais. A comunidade foi desfeita, nem se quer os laços de vizinhança e convivência foram mantidos, e as famílias fo-

ram direcionadas a diferentes conjuntos habitacionais da CDHU na região, como o recém inaugurado edifício Conde de São Joaquim, inicialmente destinado aos moradores de cortiços existentes ali. Permanece a luta e a esperança por justiça, por uma sociedade menos desigual e mais acessível a todos seu cidadãos, permitindo que a voz da maioria fale mais alto que interesses econômicos e de mercado.

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