Em uma fĂĄbrica cultural, um pensamento popular: Lina Bo Bardi e o Sesc PompĂŠia (Pesquisa Finalizada) Aluna: Laura Pappalardo Orientadora: Marina Grinover
Figura 1
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Figura 2
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Figura 3
Sumário: p. 7
Introdução
p. 9
Capítulo 1 Aproximação da Cultura Brasileira
p.13 p. 15 p. 21 p.27 p.29
1.1 Uma viagem à Bahia 1.2 Paralelo entre escolas de Arte e Desenho Industrial 1.3 Bahia X Brasília 1.4 Função Social da arquitetura para Lina Bo Bardi 1.5 Lina Bo Bardi e as formas de pensar a cultura
p. 39 Capítulo 2 O projeto do Sesc Pompéia p. 45 p. 49
2.1 Velha Fábrica 2.2 O Partido 2.3 O Desenho do Projeto
p. 69 Capítulo 3 O uso do Sesc Pompéia 3.1 Espaço de vivência: uso para exposições p. 75 3.2 Espaços de vivência: uso de lazer e atelier p. 80 Capítulo 4 Sobre o trabalho p.84 Linha do Tempo p. 88 Bibliografia p. 92 Índice de imagens
Figura 4
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Introdução: Neste trabalho investigo como as ideias de cultura popular e de função social da arquitetura - formadoras do pensamento arquitetônico de Lina Bo Bardi - estão presentes no projeto do Sesc Pompéia, realizado de 1977 a 1982, em São Paulo. Procuro estudar, em promeiro lugar, aspectos projetuais, como o detalhamento arquitetônico e a constituição dos espaços; o projeto do mobiliário; e a relação do edifício com seu entorno, de modo a compreender como escolhas arquitetônicas refletem ideias fundamentais da arquiteta. Em segundo lugar, a partir da pesquisa dos aspectos acima elencados, outra característica observada é como se estabelece a convivência nos espaços que constituem o Sesc Pompéia: como, por exemplo, em exposições, nas oficinas, ou um em banho de sol aos domingos. Colocam-se as perguntas: há, de fato, uma vivência coletiva no espaço em questão? Houve mudanças no decorrer do tempo em relação ao uso do espaço? Conforme coloca Argan 1, “A presença de obras de arte é sempre caracterizadora de um contexto cuja historicidade se manifesta.” (ARGAN, 1998, p.87) Ao pensar o Sesc Pompéia como obra caracterizadora de um contexto, de uma historicidade, será investigado como o processo projetual e construtivo sedimenta o conhecimento da arquiteta. Pode-se citar como exemplo, para melhor ilustrar tal ideia, a colocação de Silvana Rubino, na introdução de sua Tese de Doutorado, a respeito da leitura da obra de Lina Bo Bardi:
“A leitura aqui proposta dos espaços onde Lina atuou e dos espaços físicos e urbanos
que concebeu tem uma ênfase biográfica, um pressuposto de que a experiência social do agente comparece em sua atuação. (...) Reconstruir sua trajetória é parte também do movimento de, retirando-a do círculo especializado do debate arquitetônico, possibilitar outras leituras de sua atuação e obra, desta vez em chave sociológica.” (RUBINO, 2002, p.12)
Será, assim, estabelecido um estudo por meio de associações, ou seja, na medida em que se investiga o Sesc Pompéia, é possível associá-lo a outros campos do conhecimento, tais como história, antropologia e filosofia. É, ainda, enfatizada a importância do estudo da obra em questão por ser um exemplo de discussão a respeito da temática de revitalização dos espaços urbanos coletivos no Brasil, constituindo um programa de extrema força cultural, além de servir como modelo de atuação para outras unidades do Sesc.
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Giulio Carlo Argan (1909, 1992), foi um historiador e teórico de arte Italiano. Aluno do crítico e historiador de arte Lionello Venturi (1885, 1961), destacou-se a partir de seus estudos sobre a arte medieval e renascentista. Publicou livros que hoje são referencia no campo de história da arte e arquitetura, tal como História da Arte como História da Cidade, Arte Moderna, e Clássico e Anticlássico. Foi eleito prefeito de Roma em 1976 pelo Partido Comunista Italiano.
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Figura 5: Colagem representado a chegada de Lina Bo Bardi no Rio de Janeiro, recepcionada por Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Roberto Burle Marx e os irmãos Roberto. Em destaque o edifídio do ministério da educação.
Figura 6: Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi
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Capítulo 1 Aproximação da Cultura Brasileira
Achillina Bo Bardi (Roma, 5 de dezembro de 1914 ; São Paulo, 20 de março de 1992), formou-se em arquitetura na Universidade de Roma no início da Segunda Guerra Mundial, em 1939. Em sua vivência universitária, cujo curso era dirigido pelo arquiteto tradicionalista Marcello Piacentini2, adquiriu bastante conhecimento relativo à técnicas de restauro, o que seria importante futuramente para o projeto do Sesc Pompéia. Durante o período da Guerra, por conta da escassez de trabalho na área de arquitetura, trabalhou na edição de várias revistas, entre elas a revista Domus, ganhando experiência com projeto de móveis, desenho de interiores e desenho gráfico. Em 1946, fundou, com Bruno Zevi, a Revista A – Cultura della Vita, na qual escrevia a respeito da realidade social, cultural e política da época. No mesmo ano se casou com Pietro Maria Bardi 3 que, segundo Lina, “era o maior jornalista italiano”. Após o casamento, vieram para o Brasil. O casal chegou no Rio de Janeiro. No ano seguinte, mudaram para São Paulo, a convite de Assis Chateaubriand para Pietro Maria Bardi participar da fundação do MASP – Museu de Arte de São Paulo, inicialmente instalado na rua 7 de Abril. Junto ao o museu, Lina Bo e Pietro Maria Bardi criaram o Instituto de Arte Contemporânea, inaugurado em 1951. A escola tinha como objetivo vincular a produção artística à pratica industrial, formando profissionais que pudessem atuar na indústria brasileira. Seguia como modelo o Institute of Design em Chicago, fundado em 1937, conhecido por dar continuidade à forma de ensino desenvolvida na Bauhaus (1919 - 1933), em Dessau, na Alemanha. Sobre o programa de ensino, Lina declara: “Cursos especiais de desenho do natural, história da música, curso de gravura, de fotografia e um setor dedicado às crianças, com lições de pintura, de música e de dança.” (BARDI, 1993, p.51) Apesar de ter durado apenas três anos, o instituto pôde ser considerado uma escola de extrema vanguarda, que criou a possibilidade da formação em design, profissão ainda inexistente no Brasil, e de onde saíram importantes nomes do design nacional. Em 1957 Lina Bo Bardi iniciou o projeto da segunda sede do Museu de Arte de São Paulo, na avenida Paulista e, no ano seguinte, viajou para a Bahia, viagem fundamental para a transformação de seu olhar, principalmente sobre a cultura brasileira: “Importante na minha vida foi a minha viagem ao Nordeste e o trabalho que eu desenvolvi em todo o Polígono da Seca. Aí eu vi a liberdade. A não importância da beleza, da proporção, dessas coisas, mas a de um outro sentido profundo, que eu aprendi com a arquitetura, especialmente as arquiteturas dos fortes, ou primitivas, populares, em todo o Nordeste do Brasil.” (BARDI, 1993, p. 153)
A arquiteta permanenceu na Bahia de 1958 a 1964, onde dirigiu o Museu de Arte Moderna
2 Marcello Piacentini (1881, 1960) foi um arquiteto e urbanista italiano. Realizou a maior parte de suas obras durante o regime fascista, dentre elas a Cidade Universitária de Roma, em 1932. Foi professor e reitor da Universidade de Roma. 3 Pietro Maria Bardi (1900, 1999) foi um jornalista, escritor, curador e colecionador de arte italiano.Veio para o Brasil pela primeira vez em 1933, voltando em 1946, com sua esposa Lina Bo Bardi, momento em que funda o MASP - Museu de Arte de São Paulo - com Assis Chateaubriand.
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Figura 7: Revista Habitat n. 1
Figura 8: Exposição Bahia, no Ibirapuera
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e realizou o projeto de recuperação do Solar do Unhão. No nordeste, Lina reconheceu a força presente nas atividades cotidianas correspondentes às condições mais simples e fundamentais do homem. Segundo a arquiteta, a cultura popular diz respeito às características intrínsecas ao homem nas suas condições de vida mais miseráveis. Ao observar construções da região, percebeu sua finalidade em suprir suas necessidades vitais e não para o desenrolar de caprichos. (BARDI, 1994, p. 25) Segundo Juliano Pereira, Lina Bo Bardi escreveu artigos na revista Habitat 4 a respeito da arquitetura sem arquitetos, ou seja, um arquitetura feita a partir da pratica de atividades cotidianas, que lidam com materiais de conhecimento herdado de gerações anteriores. É interessante reparar que características apontadas pela arquiteta como componentes dessa arquitetura empírica, do cotidiano, são semelhantes a características presentes na arquitetura moderna, tais como: funcionalidade, proporção, racionalidade do espaço e elaboração do programa arquitetônico a partir de elementos essenciais para o uso cotidiano. (PEREIRA, 2007, p.47) Com isso, tal forma de construir, não contaminada pela ostentação, revela os mais simples meios de construção, sendo, porém, dotada de uma força expressiva brutal. Posteriormente, Lina Bo Bardi tentaria mostrar para São Paulo e para o Brasil esse universo desconhecido que lá encontrou, pois, por ser de origem pobre, não se olhava para tal produção como possível referência. A arquiteta, em sua estadia no recôncavo, no sertão nordestino, notou que lá se conseguia viver com muito pouco, sem recurso material, financeiro ou ferramental. Lá se buscava a solução a partir daquilo que tinham nas mãos, obtendo, assim, resultados simples e econômicos, mas, ainda, repletos de poesia. Tal observação, porém, não significa uma exaltação da miséria, pelo contrário, significa o elogio à da possibilidade de produção de objetos inteligentes e sintéticos em condições de extrema pobreza. (FERRAZ, 2014) É interessante notar que, uma vez percebida a semelhança em resultados da arquitetura moderna quando comparadas com a arquitetura de origem popular, há a percepção, pela arquiteta, de se poder fundir, a partir de uma visão crítica, valores populares e modernos. Tal fusão acontece, por exemplo, na construção do Sesc Pompéia, aonde estão presentes, ao mesmo tempo, o moderno e a construção fundada na observação de raízes populares. Em 1959, a arquiteta fez, em parceria com o diretor da escola de teatro de Salvador Martim Gonçalves, a exposição Bahia, no Parque Ibirapuera. A exposição, inaugurada pelo então presidente do Brasil Juscelino Kubitschek, fez parte da V Bienal de arte e arquitetura, que tinha como temática em destaque a arte concreta. Com a exposição “Bahia”, Lina Bo Bardi e Martim Gonçalves fizeram um contraponto ao foco temático proposto pela Bienal. Enquanto a maioria dos países que participaram da Bienal exibiam obras de seus artistas mais conceituados, na exposição “Bahia” encontrava-se um retrato cotidiano do nordesde brasileiro, com sua arte “anônima e popular”. (RUBINO, 2002, p.178) Com a mostra, questionam os limites entre “arte e Arte” (BARDI, 1993, p.134), sendo a “arte” um direito de expressão de todo ser humano, “todo fato, ainda que mínimo, que, na vida cotidiana, exprima poesia” (BARDI, 1993, p.134), e a Arte “um discurso tão especializado sobre si mesma, (que) torna-se algo à margem da sociedade”. (PEREIRA, 2007, p.101)
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A Revista Habitat, revista das artes no Brasil, começou a ser públicada em outubro de 1950. Sua proposta inicial era ser publicada trimensalmente, abordando temas variados, como arte popular, arquitetura, teatro, música e cinema. A arquiteta Lina Bo Bardi participou da direção da revista referente aos números 1 ao 9, 14 e 15. Lina Bo Bardi e Pietro Maria Bardi usavam o pseudônimo Alencastro em editoriais da revista.
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Figura 9
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Segundo Juliano Pereira, a exposição foi composta por três partes: a parte fixa, com fotos de hábitos da população, sua arquitetura e a cidade, e um conjunto de objetos expostos: “peças de cerâmica popular, ex-votos, carrancas de embarcações do Rio São Francisco, peças de escultura negra, apetrechos miúdos de cozinha e de uso cotidiano do povo, roupas, brinquedos, instrumentos de festas populares e algumas peças de santos barrocos.” (PEREIRA, 2007, p. 100); a parte móvel: capoeiristas, baianas vendedoras de comidinhas, tocadores de berimbau e de atabaques, de modo que as pessoas e seus costumes eram mostradas diretamente ao público. A terceira parte que completava a composição da mostra era um espaço destinado à apresentação de slides, realização de palestras com o antropólogo Edson Carneiro e o Escritor Jorge Amado, e a apresentação do musico Dorival Caymmi. (PEREIRA, 2007, p. 100) A exposição, portanto, buscava “defender uma reaproximação entre arte e cotidiano para o homem moderno”. (PEREIRA, 2007, p. 101). A mostra foi toda documentada por Pierre Verger, fotógrafo e etnólogo amigo de Lina.
1.1 Uma viagem à Bahia
Após a realização da exposição, a arquiteta foi chamada pelo governador da Bahia para fundar e dirigir o Museu de Arte Moderna, em Salvador. Lina Bo Bardi, ao aceitar o convite, elaborou o museu não como um centro de cultura erudita, mas como um local de documentação dos elementos presentes no cotidiano. Lá deveria acontecer um centro de levantamento e estudos da arte popular, com o intuito de promover, através da criação de uma “Escola de Desenho Industrial partindo do artesanato ligado às bases populares do nordeste”, (PEREIRA, 2007, p.172) a “passagem de um pré-artesanato primitivo à indústria moderna”.(BARDI, 1993, p.152) O Solar do Unhão, edifício originário do final do século XVI, que abrigaria o museu, foi restaurado pela arquiteta de forma antes inédita no Brasil.(PEREIRA, 2007, p. 172) O projeto foi desenvolvido no canteiro de obras, tal como ocorreu posteriormente no Sesc Pompéia, em São Paulo, e na igreja Espírito Santo do Cerrado, em Uberlândia. Segundo o arquiteto André Vainer, o restauro do Sesc Pompéia pode ser considerado uma forma mais madura de restauro a partir da experiência de restauro do Unhão.(VAINER, 2014) Lina Bo Bardi, ao propor o que deveria ser feito como projeto de restauro, apresentava-se contra o engessamento da condição espacial original, defendendo uma atualização do lugar frente às reais necessidades contemporâneas. (PEREIRA, 2007, p.188) Pode-se aqui, fazer um paralelo com o pensamento de Argan acerca da ideia de patrimônio cultural, conforme coloca: “A proteção dos patrimônios culturais deve certamente ser conservacionista, mas não conservadora.” (ARGAN, 1998, p.88), e complementa, ainda: “a conservação integral é objetivamente impossível. Não se pode pretender que o ambiente da vida contemporânea permaneça idêntico ao do passado.”(ARGAN, 1998, p.87). Para Lina Bo Bardi, as intervenções realizadas deveriam ficar em evidência, sem a tentativa de imitação da aparência original do edifício. As interferências da arquiteta no espaço são claras: a escada, com seu sistema construtivo independente da estrutura original, pensado a partir de encaixes de carros de boi; e as janelas e portas que, pintadas de vermelho, representariam casas de bairros populares da Bahia. Assim, conforme coloca Silvana Rubino, as intervenções propostas não eram escolhas gratuitas, representavam uma visão política, evidenciando qual seria o valor da 13
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Figura 10: escada projetada pela arquiteta para o Solar do Unh達o. Em destaque os encaixes da escada inspirados na estrutura de carros de boi
arte popular para o futuro uso daquele espaço.(RUBINO, 2002, p. 188) A inauguração do Museu de Arte Popular foi realizada com a exposição “Nordeste”, na qual seria exibido o levantamento da produção popular de objetos nordestinos. A proposta era que tais objetos pudessem ser futuramente convertidos em protótipos que, se vinculados à produção industrial, possibilitariam uma nova abordagem do desenho industrial. (RUBINO, 2002, p.189) O objetivo final do museu seria, portanto, a Escola de Desenho Industrial, na qual mestres e aprendizes artesãos entrariam em contato com estudantes de desenho industrial, de modo a trocarem conhecimentos técnicos e teóricos, com o intuito de desenvolver um desenho industrial de alta qualidade, baseado em valores culturais da tradição popular brasileira. (RUBINO, 2002, p188) Darcy Ribeiro comentou: “Lina queria que o Brasil tivesse uma indústria a partir do seu artesanato, a partir das habilidades que estão na mão do povo, do olhar da gente com originalidade” (MICHILES; FERRAZ, 1993) Porém tal ideia não foi colocada em prática, pois, com o golpe militar em 1964, há a imobilização do trabalho da arquiteta na Bahia. A viagem ao nordeste, portanto, fortaleceu sua concepção de uma arquitetura de meios simples, que tem como compromisso fundamental sua função social, devendo, em primeiro lugar, tomar conhecimento de como se vive o povo. Com a instauração do regime militar no país, Lina Bo Bardi voltou para São Paulo aonde retomou o projeto do Museu de Arte de São Paulo, sendo inaugurado em 1968. Lina declara que, ao projetar o MASP, não procurou a beleza, procurou a liberdade. “Os intelectuais não gostaram. O povo gostou ‘sabe quem fez isso? Foi uma mulher!’ ” (MICHILES; FERRAZ, 1993). Em 1977, Lina iniciou o projeto do Centro de lazer Fábrica da Pompéia, sobre o qual falaremos adiante. Durante sua vida, Lina Bo Bardi sempre usufruiu da escrita como modo de reflexão, dizendo ser muito perigoso começar a projetar de forma precipitada. Segundo ela, seria necessário conhecer a fundo o local no qual se inseriria a obra, quais as necessidades reais de cada indivíduo que frequenta e habita a região, de modo que a arquiteta desenvolve quase uma espécie de método cientifico de como se avaliar o que lá se encontra, se faz perguntas das reais necessidades de cada um, de modo a manter uma visão crítica do espaço. (FERRAZ, 2014) Pode-se observar que, em seus últimos projetos, há muito mais texto escrito do que desenhos. Em relação à questão política de sua arquitetura, podemos destacar um caso específico como exemplo: ao participar do concurso do pavilhão de Sevilha, em 1991, Lina Bo Bardi projetou um pavilhão com o térreo vazio, contendo apenas um esqueleto de um indivíduo encontrado na América do sul, antes da chegada dos Europeus. Um simples gesto colocava em xeque valores consolidados e pouco questionados. (LATORRACA, 2014)
1.2 Paralelo entre escolas de Arte e Desenho Industrial
Ao pensar a Escola de Desenho Industrial do Museu de Arte Popular, podemos estabelecer dois paralelos: com o IAC (Instituto de Arte Contemporânea), escola que funcionou em conjunto com o MASP, conforme falamos anteriormente; e com a Bauhaus, escola de vanguarda na Alemanha que atuou nos campos de Desgin Industrial, artes plásticas e arquitetura, durante 1919 a 1933, quando foi fechada por oposição do partido nazista. Para pensar tal relação, é importante, antes, contextualizar o significado do artesanato para 15
Figura 11: EdifĂcio da Bauhaus, em Dessau, Alemanha.
Figura 12: Aula do Instituto de Arte Contemporânea
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Lina Bo Bardi. Segundo a arquiteta, “a palavra artesanato vem da palavra ARTE equivalente de corporação. (...) Praticamente toda a grande produção popular do passado pertence ao artesanato.” (BARDI, 1994, p.16) Antigamente, o artesanato estava associado a uma união de trabalhadores com interesses comuns, de modo que o artesão exercia uma função política e social com seu ofício. Porém, com o fim das corporações, a introdução da máquina no trabalho do homem, e a implantação do capitalismo, com sua ideologia individualista, os artesãos deixaram de exercer uma função social, sobrevivendo apenas como a herança de ofício. (BARDI, 1994, p.17) Se perdeu, assim, a função política do artesão na sociedade, restando o trabalho, para a maioria, alienado. Para melhor ilustrar tal ideia, pode-se citar Giulio Carlo Argan: “As pequenas atividades artesanais e comerciais são inevitavelmente sufocadas pela produção industrial e respectivos grandes centros de distribuição.” (ARGAN, 1998, p.79). O artesão, que antes dominava toda a produção de seu tempo em termos técnicos, criativos e comerciais, perdeu sua autonomia como indivíduo que reinvindica seus direitos em meio a sociedade. Segundo Walter Gropius5, “o artesão torna-se com o correr do tempo um apagado decalque daquele rigoroso e autônomo representante da cultura medieval” (GROPIUS, 1974, p. 33) Quando pensa a relação do artesanato com o Brasil, Lina Bo Bardi alega não ter existido um artesanato brasileiro, uma vez que as corporações artesanais não fizeram parte da história do país. O que há, segundo ela, é um pré-artesanato, uma produção extremamente rudimentar no nordeste: “são grupos isolados, ocasionais, obrigados pela miséria a este tipo de trabalho, que desapareceria logo com a necessária elevação das rendas do trabalho rural” (BARDI, 1994, p.28) Com o advento da indústria, a arquiteta reitera a necessidade de se repensar o desenho industrial partindo do objetivo de atendender as reais necessidades do país. (BARDI, 1994, p.13) Tal reformulação deveria ser pautada a partir do pré-artesanato popular oriundo do Brasil, como coloca Lina: “procurar com atenção as bases culturais de um país quando reais, não significa conservar as formas e os materiais, significa avaliar as possibilidades criativas originais. Os materiais modernos e os modernos sistemas de produção tomarão depois o lugar dos meios primitivos, conservando, não as formas, mas a estrutura profunda daquelas possibilidades.” (BARDI, 1994, p.21)
A arquiteta dizia identificar na produção popular “um princípio de seriação, de desenvolvimento de objetos que conformavam um tipo a ser repetido: em louça, talheres, lamparinas, etc.“ (RUBINO, 2002, p.169) Cabe, aqui, lembrar que Lina teve como fonte formadora de sua ideologia a respeito da arquitetura moderna a escola alemã Bauhaus e as ideias de Walter Gropius. A arquiteta era favorável à industrialização, uma vez que a indústria poderia vincular o saber artesanal à produção serial da indústria, de modo a usufruir da inteligência e da simplicidade de objetos populares para desenvolver uma produção em série de utilidade efetiva, cotidiana. (RUBINO, 2002, p. 169) 5 Walter Gropius (1883, 1969) foi o arquiteto alemão fundador e diretor da Bauhaus (1919, 1928), escola alemã de artes, arquitetura e design industrial. Com o fechamento da escola e a ascenção do nazismo durante a década de 1930, o arquiteto foi para os Estados Unidos, aonde continuou a desenvolver suas obras arquitetônicas.
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Figura 13: Diagrama para a estrutura de ensino da Bauhaus
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Em relação à formação da Bauhaus, Walter Gropius coloca:
“Assim em 1919 foi inaugurada a Bauhaus. Seu escopo específico era concretizar uma
arquitetura moderna que, como a natureza humana, abrangesse a vida em sua totalidade. Seu trabalho se concentrava principalmente naquilo que hoje se tornou uma tarefa de necessidade imperativa, ou seja, impedir a escravização do homem pela máquina, preservando da anarquia mecânica o produto de massa e o lar, insuflando-lhes novamente sentido prático e vida. Isto significa o desenvolvimento de objetos e construções projetados expressamente para a produção industrial.” (GROPIUS, 1974, p. 30)
A escola alemã, portanto, visava retomar a dignidade do trabalho artesão, de modo a conectálo com o principal componente da modernidade: a fábrica industrial. Assim, seriam vinculados valores populares à produção industrial, de modo que tal formação teria como princípio a retomada da relação direta entre teoria e prática:
“O livro e a prancheta não podem substituir a valiosa experiência na oficina e no canteiro. Por isso é preciso que a experiência esteja desde o início unida à formação e não seja meramente acrescentada mais tarde, após o termino de uma formação acadêmica.” (GROPIUS, 1974, p. 87)
Gropius coloca, ainda, em relação ao sistema de produção nas oficinas: “A formação artesanal nas oficinas da Bauhaus não constituía um fim em si, mas um meio de educação insubstituível. A meta dessa formação era produzir designers, que por seu conhecimento exato do material e dos processos de trabalho estivessem em condições de influir na produção industrial de nosso tempo.(...) As oficinas eram sobretudo laboratórios, onde modelos para tais produções eram cuidadosamente desenvolvidos e constantemente melhorados. Embora esses modelos fossem feitos à mão, os projetistas tinham de fiar-se nos métodos de produção em escala industrial.” (GROPIUS, 1974, p. 40)
Assim, pode-se perceber com clareza a relação do pensamento de Lina Bo Bardi com a ideologia apresentada por Walter Gropius a respeito da Bauhaus, a partir da ideia de vincular o pensamento popular com a produção industrial, a retomada da dignidade do homem em seu trabalho e da importância de se considerar a função social existente por trás do pensamento projetual. Pode-se identificar, em primeiro lugar, a influência da lógica presente na Bauhaus no projeto do Instituto de Arte Contemporânea, uma vez que o curso foi pensado a partir da mistura de disciplinas práticas com disciplinas teóricas em diferentes áreas, de modo a buscar uma formação complexa e constituinte de uma visão crítica em relação à sociedade. Em segundo lugar, se evidencia a relação entre a Bauhaus e a Escola de Desenho Industrial pensada pela arquiteta para fazer parte do Museu de Arte Popular no Solar do Unhão, como ela mesma coloca: “Esse Museu deveria ser completado por uma escola de arte industrial (arte no sentido de ofício, além de arte) que permitisse o contato entre técnicos, desenhistas e executores(...)
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Figura 14: Martim Gonรงalves, Vivaldo Costa Lima, Glauber Rocha, Lina e Luis Hossaka
Sem distinção hierárquica entre projetistas e executantes. (...) Uma participação coletiva, não mais individual; o resultado técnico do artesanato dos nossos dias: a indústria.” (BARDI, 2009, p. 109)
Se tinha por objetivo, portanto a produção de “objetos-tipo” direcionados à produção industrial, elaborados a partir da cultura pré-artesanal brasileira. (PEREIRA, 2007, p. 199) Segundo Juliano Pereira, a ideia da arquiteta era a de construir um museu como espaço destinado ao registro da produção popular do nordeste, sendo este um registro necessário para que, a partir desse levantamento, houvesse a criação da Escola de Desenho Industrial. A escola teria como matriz a coletânea de artefatos populares, de modo que o Museu de Arte Popular “cumpriria o papel de estabelecer uma ligação entre modernização da sociedade e sua identidade cultural.” (PEREIRA, 2007, p.196) Tanto o projeto da Escola de Design Industrial, quanto o IAC, apresentavam, portanto, um projeto político, preocupado com a real utilidade cotidiana do que se pensava e produzia.(PEREIRA, 2007, p. 210) É interessante perceber como o pensamento de Lina Bo Bardi, a partir de suas reflexões com base na ideologia de Walter Gropius, passando pelo IAC e pela Escola de Design Industrial do Museu de Arte Popular da Bahia, pode ser relacionado com o futuro funcionamento do Sesc Pompéia, principalmente em relação às oficinas. Estavam previstas as seguintes oficinas na Escola de Design Industrial: metais ferrosos e não ferrosos; pinturas; cerâmicas; fornos e estufas; vidros; pedras; madeira; tipografia; estamparia; tecido e rendas em geral; artigos de couro; palha, dentre as quais ao menos metade dos temas de aula propostos estão em funcionamento hoje em aulas de oficinas do Sesc Pompéia (pinturas, cerâmicas, madeira, tipografia, estamparia, tecido e rendas em geral). No projeto da escola presente no conjunto do Unhão havia uma proposta civilizatória que visava, com o museu de arte popular, tentar unir o conhecimento universitário dos jovens arquitetos e designers com o conhecimento dos artesãos do nordeste, de modo a criar um país independente no sentido do desenho industrial, da produção de seus utensílios. Porém ao pensar a relação entre as oficinas do Sesc Pompéia e o projeto de funcionamento da Escola de Design Industrial, é importante ressaltar que, entre a formulação da proposta da escola e a inauguração do Sesc Pompéia, mais de vinte anos se passaram.(VAINER, 2014) No momento histórico de inauguração da unidade da Pompéia, a realidade pré-industrial existente durante a estadia da arquiteta na Bahia já estava extinta, o Golpe Militar, em 1964, havia mudado radicalmente o contexto do país, de modo que, segundo a arquiteta, a proposta civilizatória presente na escola do Unhão não cabia mais no momento em que o Sesc Pompéia é inaugurado. (SUZUKI, 2014) Com isso, ao invés de estabelecer uma relação direta entre a Escola de Design Industrial e o Sesc Pompéia, uma vez que o contexto em que cada uma das propostas foi elaborada é bastante divergente, ao notar que a arquiteta aproveitava experiências anteriores para fazer novos projetos, a partir de sua vivência na Bahia e a elaboração da Escola de Design Industrial no Solar do Unhão, cria-se uma memória que será resgatada ao pensar o projeto do Sesc Pompéia.
1.3 Bahia X Brasilia
É importante ressaltar que, enquanto Lina estava com a vanguarda da Bahia, atenta ao 21
Figura 15: Brasilia
Figura 16: Construção de Brasilia
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sertão, todos se voltavam para a construção de Brasília (ROSSETTI, 2007, p. 127). Com a criação da nova capital, surge uma nova discussão relativa ao campo arquitetônico. Podemos, aqui, fazer um paralelo com o canteiro de obras de Brasília, cuja construção acarretou em uma das mais violentas condições de trabalho. Por ter sido a cidade construída por força manual, demandou um desgaste físico gritante. Sergio Ferro6 diz ter observado de perto “a miséria, o sofrimento, a exploração desenfreada do candango” (FERRO, 2006, p. 305), lá havia “jornadas intermináveis de trabalho, alimentação precária, (...) suicídios numerosos, disenteria quase quotidiana(...)”. (FERRO, 2006, p. 305) Além disso, foi presenciada a violência da lógica resultante da especulação da cidade, pois quem foi para o planalto para construí-la nem sequer teve espaço para morar na cidade, restando para eles se abrigar nas cidades satélite. Sobre a exclusão ao direito à cidade de Brasília à seus construtores, declara Sergio Ferro:
“Durante a construção ainda servia como contraponto: permissão de proximidade da
indispensável mão construtora. Depois da construção a mancha foi transferida, deixada a mais de 40 quilômetros de distância. O pássaro branco, liso e cheiroso, deveria planar em céu desanuviado.” (FERRO, 2006, p. 311)
Complementa, ainda: “(Em Brasília) São raros os detalhes ou elementos em que o trabalho se manifesta. Na plástica daquele período somem os índices, as marcas de produção. Por isso os edifícios parecem não ter história, já que só os índices são portadores de memória viva. Há, assim, continuidade, semelhança entre o que diz a plástica da cidade e de seus componentes: salto imediato do desenho ao realizado.” (FERRO, 2006, p. 310)
É, porém, necessário lembrar que tal resultado excludente do direito à cidade não era o intuito do projeto apresentado por Lucio Costa e Oscar Niemeyer, pelo contrario, a ideia fundamental apresentada era a de um plano acessível, democrático. Kenneth Frampton7 destaca a preocupação a respeito da criação de moradias destinadas aos operários: “Tal sequência (de casas na extremidade leste da asa que compõe a cidade) foi acrescentada, com outra sequência de casas econômicas na extremidade oeste das asas, de modo a contemplar os níveis de renda dos operários que construíram a cidade. Uma outra modificação foi o aumento no numero de andares, de modo a prover, além das conveniências cotidianas, unidades residenciais mais baratas.” (FRAMPTON, 2012, p.6)
6 Sérgio Ferro (1938) é um pintor, desenhista e arquiteto brasileiro, atuante na denominada “Arquitetura Nova”, juntamente com Rodrigo Lefèvre (1938, 1984) e Flavio Império (1935, 1985). Por causa da ditadura militar, mudou-se para a França em 1972. 7 Kenneth Frampton (1930), é historiador e arquiteto. Publicou a importante obra “história crítica da arquitetura moderna”, em 1980.
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Figura 17: Construção da Catedral de Brasília
Figura 18
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Porém, mesmo que o a disponibilidade de moradia para os operários construtores de Brasília estivesse prevista no projeto da cidade, o problema de acesso à moradia configurou-se ao se ocupar a nova capital, cujo resultado não se podia controlar, e a cidade sucumbiu à lógica da especulação imobiliária. Além disso, o maior desenvolvimento da cidade para o sul fez com que surgissem as cidades satélites em seu perímetro, acabando por abrigar a maior parte da população. (FRAMPTON, 2012, p.7) “A nova capital brasileira é inaugurada em 21 de abril de 1960, graças a um canteiro de obras que funcionava 24 horas por dia e onde trabalhavam 60 mil operários. Muitos deles iriam permanecer na cidade, razão pela qual se desenvolveu ao redor do plano piloto um cordão de ‘cidades-satélites’, como Taguatinga, Núcleo Bandeirante, Sobradinho, Planaltina e Paranoá. Com o tempo o que deveria ser uma cidade completa e autônoma se tornou o centro administrativo e bairro privilegiado de uma grande e espraiada aglomeração urbana.” (COHEN, 2013, p. 335)
Ao ver o resultado que contrariava os ideais propostos pelo projeto, Oscar Niemeyer declara: “Constrangia-nos apenas verificar que para os operários seria impraticável manter as condições de vida que o plano piloto fixara, situando-os, como seria justo, dentro das áreas de habitação coletiva.(...) Víamos, com pesar, que as condições sociais vigentes colidiam nesse ponto com o espírito do Plano Piloto, criando problemas impossíveis de resolver na prancheta.” Oscar Niemeyer (Módulo, n.18, 1960)
Já em relação ao restultado arquitetônico da capital, que não evidencia o trabalho humano, Guilherme Wisnik coloca: “comunista declarado, Niemeyer sempre dissociou a convicção política da prática arquitetônica. (...) Antes, prefere esvaziar de expressividade a matéria – pintando o concreto de branco, ou revestindo-o com mármore - ,construindo formas que tendem sempre à quietude, à leveza, sublimando os grandes esforços estruturais. É por isso que muitos dos seus edifícios parecem não ter história, e, portanto, qualquer rastro de trabalho humano envolvido, sendo muitas vezes chamados de surrealistas.” (WISNIK, 2007, p.8)
Assim, na arquitetura resultante da construção da capital, obtém-se formas leves e sem vestígios da vivência e esforço do trabalho. A leveza do resultado prevalece sobre o peso do processo. E é exatamente esse esquecimento do ocorrido, da força de trabalho que Lina Bo Bardi tem como princípio evitar em suas obras arquitetônicas, mantendo visível a estrutura original daquele espaço e os vestígios de como cada parte da construção ocorreu.
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Figura 19: imagem que destaca o concreto que sangra entre os tijolos componentes da ĂĄrea de oficinas do Sesc PompĂŠia.
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É importante lembrar o fato de que o brutalismo paulista8 , sob a liderança de Vilanova Artigas9, “parte de uma crítica à liberdade formal carioca, e se auto-impõe uma severidade construtiva militante, expressa no uso do concreto aparente e na didática estrutural.” (WISNIK, 2007, p.7) Assim, entre o final da década de 1950, até o início da década de 1980, pode-se perceber a contraposição entre a arquitetura paulista, com o concreto aparente e a forma definida a partir da lógica estrutural, tal como ocorre em obras dos arquitetos Paulo Mendes da Rocha, Vilanova Artigas, e Lina Bo Bardi; e a leveza da arquitetura carioca, tal como ocorre em obras de Oscar Niemeyer. (ROCHA, não publicado, p. 2) Apesar de ter sido inaugurado duas décadas após Brasília, pode se usar como exemplo o projeto do Sesc Pompéia, no qual as fôrmas de madeira deixam vestígios no concreto, o cimento que sangra entre os tijolos das oficinas mostra que lá foi empregada força resultante do trabalho humano. Assim, ao optar por materiais aparentes, mantidos como são em sua forma original, e pela reminiscência de vestígios de movimentos realizados ao longo da obra, ações feitas pelos trabalhadores para a construção daquele espaço não são apagadas. Com isso, mantém-se aqui conectados o trabalhador e o produto final, impedindo um resultado alienante, tanto para quem faz, quanto para quem freqüenta o espaço já concluído sem ter presenciado o processo de construção.
1.4 Função Social da arquitetura para Lina Bo Bardi “A arquitetura verdadeira é um processo total, que cuida dos relacionamentos econômicos, politicos e sociais do ser humano. A poesia da forma é vital. Mas sem o sentido social da arquitetura tudo isso se perde. O homem é o objetivo final da arquitetura.” (BARDI, 2013, p. 32)
Para tratar do tema da função social da arquitetura, é importante fazer um pequeno parênteses para que se possa contextualizar esta ideia no Brasil moderno. O assunto, já bastante fundamentado previamente, foi tema do I congresso Brasileiro de Arquitetura, realizado em janeiro de 1945, que colocava a seguinte questão, segundo as palavras de Vilanova Artigas: “qual o papel social do arquiteto nas modificações necessárias para um novo Brasil que se estava querendo projetar?” (Artigas, p. 190). O tema “A Função Social do Arquiteto”, foi o título atribuído ao concurso prestado por João Vilanova Artigas para professor titular da disciplina de Projeto na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em 1984. Conforme coloca Sérgio Ferro, para Vilanova Artigas a militância na arquitetura era constante, de modo que qualquer traço desenhado tinha como fundamento uma crítica, uma impli8 O nome brutalismo surge com o uso do “béton brut” (concreto bruto) a partir da Unidade de Habitação de Marselha, projetada por Le Corbusier (1887-1965) e construída entre 1947 e 1952. Durante a década de 50, a partir da insatisfação e questionamento em relação aos rumos que havia tomado o movimento moderno, suge o movimento do novo brutalismo, na Inglaterra. Posteriormente, a partir da década de 60, o termo “brutalismo se difunde como estilo arquitetônico .(ZEIN, 2007) O movimento formalmente caracteriza-se pela “franca exposição dos materiais; vigas e detalhes como brises em concreto aparente, combinados com fechamentos em concreto aparente, ou com fechamentos em tijolos deixados expostos; mesma exposição de materiais nos interiores(...), crueza proposital no detalhamento e nos acabamentos.” (BANHAM, 1966) 9 João Batista Vilanova artigas (1915, 1985) foi um arquiteto considerado líder da denominada “Escola Paulista”. Membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Artigas vinculou sua atuação no campo da arquitetura a uma visão política. Entre suas principais obras estão a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP(1961-1969), o Edifício Louveira (1946) e a estação rodoviária de Jaú (1973).
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Figura 20: colcha
cação social. (FERRO, 2006, p. 258) Segundo Artigas, a arquitetura seria uma arte que tem como finalidade a necessidade de exercer função no campo social (ARTIGAS, 2004, p. 187): “Enquanto a ligação entre os arquitetos e as massas populares não se estabelecer, não se organizar, enquanto as obras dos arquitetos não tiverem a suma glória de ser discutida nas fábricas e nas fazendas, não haverá arquitetura popular.” (ARTIGAS, 2004, p. 49)
Já para Lina Bo Bardi, o arquiteto está a serviço da sociedade, devendo desempenhar uma função sociopolítica em seu trabalho, ou seja, é dever do arquiteto implementar uma visão crítica em sua arquitetura. Assim, ao construir “cidades, bairros e casas populares”, desempenha o papel de agente no campo da justiça social, conforme a arquiteta coloca: “ (...) o arquiteto é um operário qualificado que conhece o seu ofício não só prática como teórica e historicamente, e tem precisa consciência que a sua humanidade não é um fim em si mesma, mas se compõe, além da própria individualidade, dos outros homens e da natureza.” (RUBINO; GRINOVER, 2009, p.84)
Segundo Juliano Pereira, a arquiteta sempre viu a profissão como meio de resposta aos problemas cotidianos “relativos à sobrevivência material e espiritual dos seres humanos.” (PEREIRA, 2007, p. 210) Ao comentar a produção arquitetônica durante uma aula de arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Lina diz que os arquitetos perderam a posição critica, não há mais um fim para o qual se projeta pois houve o “desligamento total do arquiteto dos verdadeiros problemas reais.” E complementa que, para ser possível voltar a conversar com os princípios da arquitetura moderna, é necessária a recuperação da função social da arquitetura. (RUBINO; GRINOVER, 2009, p. 143) É interessante reparar que tanto Artigas quanto Lina Bo Bardi apresentavam uma “vinculação forte entre arquitetura, ideologia e um projeto de formação nacional”, além da “irritação visceral pelos fetiches da cultura burguesa” (ROCHA, não publicado, p.6), o que pode ser constatado, por exemplo, no discurso de Lina Bo Bardi ao colocar as cadeirinhas de madeira sem estofamento no teatro do Sesc Pompéia, de modo a ir contra ao conforto alienante, em busca de uma aproximação atenta e crítica do espectador. Pode-se, ainda, pensar a relação do projeto para o Sesc Pompéia de Lina Bo Bardi com sua concepção de arquitetura dotada de função social a partir da ideia de uso do espaço de forma coletiva: com as mesas de uso comum, a contínua rua central que se transforma em calçada ao chegar na rua Clélia, trazendo a escala da cidade e, com isso, a concepção de espaço público para dentro de sua espacialidade. Constitui-se, assim, com o projeto do Sesc Pompéia, um espaço que visa uma vivência política, democrática, gerando a reflexão a respeito da concepção de um espaço público socialmente funcional, acessível para todos.
1.5 Lina Bo Bardi e as formas de pensar a cultura
A partir de sua formação e do contexto em que viveu, Lina Bo Bardi percebe ter a arte 29
Figura 21: ex-voto
30 Figura 22: ex-voto
um valor educativo, de introdução a um pensamento crítico da existência. Para ela, a expressão humana antecede o formato arquitetônico, ou seja, é necessário entender o caráter de cada localidade, formado por quem o habita, para, apenas após profunda pesquisa e entendimento das reais necessidades de cada lugar, projetar. Com isso, antes de projetar escrevia muito, de modo a compreender qual seria a solução válida para cada localidade.
“tenho inibições arquitetônicas, é uma doença, não é pose. Sou incapaz de projetar
um banco, uma mansão particular, um hotel. Teria amado projetar talvez um hospital, escolas, casas populares. Mas nunca aconteceu. No fundo vejo a arquitetura como serviço coletivo e como poesia. (...) Uma espécie de aliança entre dever e pratica científica.” (MICHILES; FERRAZ, 1993)
Segundo coloca o arquiteto Marcelo Suzuki, o popular não é o que vem do povo, mas o que o povo reconhece como dele. Ou seja, no sentido gramsciniano10 da palavra, é o que o povo identifica como seu que é popular. (SUZUKI, 2014) Lina Bo Bardi defendia a criação de uma identidade nacional brasileira baseada na cultura popular, cotidiana, por ser essa cultura desinstitucionalizada e dotada de liberdade, uma liberdade coletiva e ciente de sua responsabilidade social. A cultura popular, portanto, não tem como objetivo a erudição, mas sim a busca de solução para que todos adquiram as mínimas condições necessária para se viver. Segundo a arquiteta, a cultura popular “é o nordestino do couro e das latas vazias, é o habitante das vilas, é o negro e o índio. Uma massa que inventa, que traz uma contribuição indigesta, seca, dura de digerir” (BARDI, 1994, p.12) A arquiteta declara: “Arte popular é o que mais longe está daquilo que se costuma chamar Arte pela Arte. (...) Arte popular, neste sentido, é o que mais perto está da necessidade de cada dia” (BARDI, 1994, p.25) A arte popular, portanto, é composta por objetos que exercem funções verdadeiras, cotidianas, enquanto a cultura popular é todo e qualquer costume cotidiano, simples, fundamental:
“Objetos de uso, utensílios da vida cotidiana. Os ex-votos são apresentados como ob-
jetos necessários e não como ‘esculturas’, as colchas são colchas, os panos com aplicações são ‘panos com aplicações’, a roupa colorida, roupa colorida, feita com as sobras de tecidos, ainda com as marcas das grandes fábricas do Sul, que as mandam de caminhão para o Sertão do Nordeste.” (BARDI, 1994, p.33)
E reitera, o objeto nunca como enfeite, mas sim em sua forma funcional: “a glorificação (especialmente no sul do pais) já começou com os fifós, cerâmicas e latarias, enfeites da classe media e alta.” (BARDI, 1994, p.33) Portanto, a crítica colocada pela arquiteta era justamente contra o objeto essencialmente decorativo. (FERRAZ, 2014) É importante ressaltar que, conforme dizia Lina Bo Bardi, a cultura popular não deve ser confundida com o folklore. O folklore, idealizado por uma visão paternalista, aliena o objeto de seu verdadeiro significado popular, ou seja, há a distorção da produção popular pelo interesse da cultura elitizada, atribui-se outro significado a essa produção, de modo a eliminar posições incomodas existentes em seu significado popular original. Com isso, quando se analisa a produção popular 10
Antonio Gramsci (1891, 1937) foi um filósofo italiano marxista, um dos fundadores do Partido Comunista Italiano.
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Figura 23: flor de mandacarĂş projetada por Lina
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como folklore, a cultura popular deixa de existir. (BARDI, 1994, p. 21) No filme documentário sobre Lina Bo Bardi, há uma declaração de Caetano Veloso, dizendo ter sido “dona Lina”, a que viu de forma mais profunda a força da criatividade popular na Bahia. E ressalta que a arquiteta dizia, muito claramente: “não como folklore, não como documentação de um estilo exótico, ou divertido, ou curioso, mas como verdadeira força cultural”. (MICHILES; FERRAZ, 1993) Para Lina, a força cultural do Brasil estaria nessa forma fundamental do homem, cotidiana, não digerida: “esta parte da humanidade, levada pelas necessidades a resolver por si mesma o próprio problema existencial e não possuindo essa pseudocultura (cultura erudita), tem a força necessária ao desenvolvimento de uma nova e verdadeira cultura.” (RUBINO; GRINOVER, 2009, p. 89)
Conforme coloca Zeuler de Lima, mostrar a grossura do povo brasileiro, de modo a não se mascarar mais a pobreza brasileira, era uma escolha política. (LIMA, 2007, p.18) Assim, a partir de sua crescente ligação com a manifestação popular, Lina Bo Bardi passa a se dedicar à valorização da cultura brasileira, sempre buscando em suas obras arquitetônicas a concretização de tal valorização cultural. Podemos, aqui, fazer um paralelo com o pensamento da arquiteta ao projetar o Sesc Pompéia. O projeto previa a integração de objetos e costumes oriundos da cultura popular com a cidade na qual o projeto se insere e com as pessoas que nela habitam, de modo a trazer a força da cultura popular nordestina para o sudeste do país. Objetos populares, como a flor de mandacaru, e elementos de referência nordestina, como o espelho d’água Rio São Francisco não estão colocados no espaço de forma gratuita. Do modo como se inserem na trama do projeto, tem o significado de uso cotidiano e de possibilidade de analise crítica da sociedade atual quando contraposta aos valores apresentados pela cultura popular: trazer consigo a força da simplicidade e a valorização da vida cotidiana. Assim, segundo a arquiteta, a cultura estaria nas pessoas andando no sesc, estando o lado popular presente no simples ato cotidiano. (FERRAZ, 2014) Quando Lina Bo Bardi foi avisada pela diretoria do Sesc que o nome do centro seria “Centro Cultural e Desportivo Dr. Fulano de tal” (segundo Marcelo Suzuki não se sabe mais o nome), Lina exclamou: “ - Não! Eu não sei quem é esse fulano, ninguém sabe. E não é Cultural. Nem Desportivo. É um centro de lazer, cultural só afasta as pessoas, assusta. E arte já não interessa mais a ninguém e eu quero aqui cheio de gente. E esporte também é para lazer, sou contra esporte competitivo. Vai chamar Centro de Lazer Fábrica da Pompéia e acabou!” (SUZUKI, 2010, p. 21)
Pode-se fazer um paralelo entre o pensamento da arquiteta e o filósofo Antonio Gramsci, conforme coloca Juliano Pereira: “ao discurso de Lina é possível estabelecer uma série de comparações e a constatação de uma influência direta dos escritos de Gramsci acerca da idêntica problemática discutida por este autor sobre a situação da Itália” (PEREIRA, 2007, p. 192) Gramsci coloca: “Na Itália o termo ‘nacional’ tem um significado muito restrito ideologicamente e, de 33
Figura 24: Igreja EspĂrito Santo do Cerrado
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qualquer modo, não coincide com ‘popular’, já que os intelectuais estão afastados do povo, isto é, da nação, estando ligados, ao contrário, a uma tradição de casta, que jamais foi quebrada por um forte movimento político popular ou nacional vindo de baixo.” (GRAMSCI in PEREIRA, 2007, p. 193)
No mesmo sentido, Lina Bo Bardi apresenta crítica bastante semelhante à do filósofo ao questionar o distanciamento evidente entre a cultura excludente cultivada por intelectuais brasileiros, e a cultura popular. (PEREIRA, 2007, p. 193) É importante, aqui, ressaltar que a retomada de valores populares estava ocorrendo no mundo do pós-guerra como um todo: com o segundo pós-guerra, se busca uma volta à origem popular e o distanciamento da ideologia do “milagre tecnológico”, uma vez vistos os danos que as novidades mecânicas poderiam ocasionar, como ocorreu com a devastação das cidades durante a guerra: “(...) nos primeiros anos desse século centros artísticos como Paris, Roma, Berlim descobriram tesouros nos carregamentos de mercadores iniciando a voga da arte negra, (...) Picasso incorporou as máscaras africanas em sua pintura trazendo uma renovação que seria soberba da escultura africana.” (RUBINO, 2002, p.147)
Outro valor colocado por Lina ao pensar a arquitetura é a ideia de “presente histórico”, ou seja, a capacidade de entender historicamente o passado, sabendo distinguir o que poderia servir para situações atuais. Conforme coloca a arquiteta, não se deve simplesmente jogar fora o passado e toda a sua história, mas sim, a partir do conhecimento da história, fazer uma analise crítica, conhecer a história para saber distinguir o que não deve ser repetido, e o que do passado ainda faz sentido hoje. (BARDI, 2009, p. 165) A arquiteta falava, ainda, da arquitetura como arquitetura pobre.11 Pobre no sentido de simplificação, uma arquitetura que visa a recuperação do modo de construção introduzido pelo povo, de maneira simples e funcional. (BARDI, 2013, p.31) Um exemplo de tal pensamento seria a Igreja do Espírito Santo do Cerrado, que, segundo a arquiteta, “foi construída com materiais muito pobres, é uma arquitetura pobre, mas não no sentido da indigência, e sim no sentido artesanal que exprime comunicação e dignidades máximas através dos menores e humildes meios” (BARDI, 2013, p.31) Também pode-se retomar tal ideia quando olhamos para o projeto do Sesc Pompéia. Segundo Lina Bo Bardi: “A Pompéia vai ser um exemplo de arquitetura ‘pobre’, arte ‘pobre’. O povo virá aqui e terá que se sentir bem com certos dados básicos, que são a solidariedade e a poesia. Não precisa de sofisticação. Pretendemos criar uma atmosfera humana, de simpatia. Uma coisa ‘pobre’ é também o máximo de sofisticação.” (BARDI, 2013, p.31)
Nesse sentido, ela retoma, aqui, o conceito de cultura popular no modo como o povo constrói o objeto com sua utilidade máxima, porém a partir dos mais humildes meios, dotados de uma simplicidade plasticamente bela, sem excessos. É imprescindível, porém, lembrar: para que esse espaço tenha algum valor, é necessário o 11 A ideia de “arquitetura pobre”, bastante trabalhada previamente, estabelece relação com o conceito da Arte Povera, movimento artístico originário da segunda metade da década de 1960, na Itália.
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Figura 25:: objetos cotidianos, simples e funcionais
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convívio, constituir um lugar no qual ocorram resultados coletivos. Segundo a arquiteta, o espaço do Sesc Pompéia deveria ser usufruído por todas as pessoas de todas as idades e de extratos sociais diversificados. Seria então vivenciado a partir do uso mútuo, livre e cotidiano. “Comer, sentar, falar, andar, ficar parado tomando um pouquinho de sol... a arquitetura não é somente uma utopia, mas é o meio para alcançar certos resultados coletivos.” (VAINER; FERRAZ, 2013, p.123)
Figura 26: xícaras feitas de latas vazias
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Figura 27: Antiga fábrica
Figura 28: times de futebol no período em que a fábrica estava desativada
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Capítulo 2 O projeto do Sesc Pompéia
2.1 Velha Fábrica:
O local em que se situa o Sesc Pompéia é, em sua origem, uma fábrica, construída pela firma alemã Mauser & Cia Ltda, em 1938. Constitui-se espacialmente por galpões, distribuídos de forma semelhante a projetos ingleses característicos do período inicial do século XX. Em 1945, a fábrica é comprada pela Indústria Brasileira de Embalagens Ibesa, fabricante de tambores e, posteriormente, é atribuído ao local o uso direcionado à produção de geladeiras à querosene. Segundo Lina Bo Bardi, quando entrou pela primeira vez na antiga fábrica, em 1976, encontrou um lugar abandonado, porém lhe chamou a atenção sua estrutura pioneira de concreto armado desenvolvida pelo engenheiro François Hennebique12. Antes do inicio da revitalização da fábrica, a arquiteta percebe que o espaço já era dotado de vida: durante o final de semana pessoas de todas as idades freqüentavam o local, uns jogavam futebol, outros preparavam churrascos, pessoas passeavam entre os galpões. Com isso, Lina decide o que deveria ser feito: manter o que lá já existia, fazer com que aquela vivacidade permanecesse. O projeto, então, visou recuperar e manter a velha fábrica, acrescentando algumas intervenções de caráter contemporâneo. (BARDI, 2013, p.31) Segundo Lina:
“Encontramos uma fábrica com uma estrutura belíssima, arquitetonicamente impor-
tante, original, ninguém mexeu. Nós colocamos apenas algumas coisinhas: um pouco de água, uma lareira. Fizemos também um esforço para dignificar a posição humana. Esse é o dado mais importante” (SUBIRATS, 2013, p. 83)
Assim, ao projetar, a arquiteta não apagou os vestígios de que lá era uma fábrica. Ao transformar a antiga fábrica em um centro de lazer, fez uma junção entre o trabalho fabril, que, segundo Lina, é uma das condições mais violentas de trabalho, com o lazer, condição de respeito à necessidade do ócio, do descanso. Promoveu-se, assim, um espaço de vida coletiva em sociedade, porém mantendo o olhar crítico de que lá antes fora um ambiente de trabalho árduo, criando um espaço de lazer e vivência coletiva; dotado, ainda, de embasamento político presente na vivência coletiva e no valor histórico do espaço como trabalho fabril. Assim, ao não apagar os vestígios da fábrica, Lina Bo Bardi valorizou o trabalho que lá foi realizado, valorizou o homem como trabalhador. É interessante ressaltar, segundo entrevista efetuada com Glaucia Amaral, o fato de que antes da arquiteta Lina Bo Bardi ser convidada pela instituição para fazer o restauro do Sesc Pompéia, já havia um projeto pago para ser efetuado pelo arquiteto Julio Neves, que consistia na demolição da antiga fábrica, com o objetivo de construir dois espigões. Não concordando com a demolição prevista, funcionários do Sesc, que eram a favor do restauro, indicaram a arquiteta Lina Bo Bardi para o projeto, pois conheciam seu trabalho de restauro no Solar do Unhão. (AMARAL, 2014)
12 François Hennebique (1842, 1921) foi um engenheiro francês pioneiro na introdução do uso do concreto armado.
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Figura 29: Desenho de Lina sobre a situação do Sesc Pompéia
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Figura 30: Desenho de Lina sobre a situação do Sesc Pompéia
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imagem 31: planta
imagem 32: corte
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imagem 33: perspectiva do teatro do Sesc PompĂŠia
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imagem 34
imagem 35: escritório no canteiro de obras do Sesc Pompéia.
imagem 36: foto aérea do Sesc Pompéia e seu entorno
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2.2 O Partido
Por ser uma obra realizada já na idade mais madura de Lina Bo Bardi, o projeto do Sesc Pompéia reflete valores acumulados pela arquiteta ao longo dos anos: sua formação na Itália, a estadia no nordeste brasileiro, a importância da cultura popular, e a busca da formação de uma identidade brasileira. Desse modo, os conceitos de cultura popular e do fazer arquitetônico com base na ideia da função social da arquitetura estão presentes na formação da obra do Sesc Pompéia. (SUBIRATS, 2013, p. 83) O projeto do Centro de Lazer Fábrica da Pompéia iniciou-se em 1977 com a transformação da antiga fábrica de tambores em um centro voltado para o lazer. A restauração dos galpões teve como base os princípios da Carta de Veneza e da Declaração de Amsterdã, ambas de 1975, que discorriam sobre o modo de restauração e conservação de monumentos e sítios, deixando visíveis as diferentes técnicas utilizadas, além de evidenciar a história do edifício. (BARDI, 2013, p.31) Pode-se observar esse cuidado com a evidência histórica do edifício, por exemplo, ao se observar o fato de que nenhuma parede constituinte das novas espacialidades do Sesc Pompéia encosta em paredes da antiga fábrica, de modo a preservar o espaço original de forma íntegra. Assim, o restauro propunha a integração entre o contemporâneo e o antigo. (VAINER, 2014) Durante a construção, Lina montou seu escritório dentro da obra, assim estaria sempre a par do que se fazia. Conforme colocou Marcelo Ferraz, essa condição possibilitou uma vivência real do espaço, permitindo a experimentação de qual seria a solução mais adequada, a partir realidade cotidiana se percebiam indicações do que deveria ser feito. (FERRAZ, 2014) É importante ressaltar que, além de passar praticamente uma década no canteiro de obras do Sesc Pompéia, Lina Bo Bardi trabalhou no Sesc após sua inauguração, pensando as atividades a serem desenvolvidas em seu espaço. Ao projetar o Sesc Fábrica da Pompéia, a arquiteta queria que a relação existente na antiga fábrica, antes de sua revitalização, se mantivesse, que as pessoas que ali perto moravam continuassem a frequentar aquele espaço. Dizia que o centro esportivo deveria ser utilizado, especialmente, por jovens das redondezas, das quitandas, dos supermercados, das lojas, dos açougues, como ela viu acontecer na década de 70. (BARDI, 2013, p.33) O centro foi inaugurado em 1982, e o bloco esportivo em 1986. Seu espaço é conformado por uma rua interna que liga a entrada da rua Clélia aos diferentes ambientes: o espaço de convivência, a biblioteca, o restaurante que vira choperia a noite, o teatro com duas platéias, ateliês de criatividade, o deck usado como solarium, galpão de exposições e o bloco esportivo, com quadras, piscinas e vestiários. Os dois prédios esportivos se comunicam por meio de passarelas de concreto. Enquanto os galpões permanecem camuflados no tecido urbano existente, o bloco esportivo destaca-se de forma marcante na paisagem, virando referência urbana para quem o observa da rua, além de suas passarelas e janelas enquadrarem a paisagem em diferentes perspectivas, gerando um novo ponto de vista da cidade. Ao se modificar um espaço existente, tal como Lina Bo Bardi fez com o Sesc Pompéia, é preciso pensar o que permanecerá e o que será modificado nesse espaço, sendo essa escolha vinculada à intenção do projeto. Por exemplo, a decisão de qual parte do edifício deve ter destaque em meio a paisagem e qual parcela se integra de forma homogênea com o tecido urbano, ou o 45
imagem 37
imagem 38: detalhe na foto mostra ponto aonde a laje do bloco esportivo ĂŠ protendida
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fato da rua interna do Sesc ser uma continuação da rua urbana, de modo a trazer a cidade para seu interior, não seriam apenas decisões projetuais, mas também políticas e sociais. Podemos, assim, estudar cada elemento, de modo a entender qual a intenção do arquiteto ao projetá-lo para aquele espaço, e qual o seu significado cotidiano para aquele lugar. Detalhes presentes no Sesc, como pedaços de azulejos coloridos na parede do banheiro, quadras coloridas de acordo com as estações do ano, o desenho rendado na caixa d’água, trazem fragmentos de memórias vivenciadas e valores construídos pela arquiteta ao longo do tempo. Lina Bo Bardi colocava a pergunta fundamental: como fazer o projeto? Há essa investigação na medida em que há a busca pela valoração do trabalho humano, principalmente ao considerar o trabalho manual, muito respeitado pela arquiteta. (FERRAZ, 2014) Então, como poderiam ser incorporados os vestígios do trabalho no resultado da obra? E como trazer o valor da cultura popular para quem frequenta a espacialidade do Sesc Pompéia? Por exemplo, ao deixar o material aparente da forma como é em sua origem, em sua forma bruta, tal escolha faz com que a obra mostre o trabalho lá realizado, tal como o pré-artesanato brasileiro mostra como foi feito o objeto sem acabamentos que apagam os vestígios do trabalho humano. O material em sua forma construtiva mostraria a realidade brasileira, uma realidade simples, pobre. (BARDI, 1994, p. 37) Assim, o resultado arquitetônico das suas obras consistiam na verdade dos materiais, sem polimento ou revestimento algum, ou seja, uma arquitetura pura no sentido de ser o que você vê. (FERRAZ, 2014) Por outro lado, há na construção do Sesc Pompéia, tecnologias complexas: lajes protendidas, pontes que vencem vãos extensos, de modo que todas as técnicas lá usadas eram as mais avançadas naquele momento. Mas, tais soluções, ainda que sofisticadas em sua origem de funcionamento técnico, são, da forma como foram resolvidas, fruto de soluções simples e do universo de valores do modernismo. Há, portanto, a mistura da alta tecnologia com materiais simples e diretos. (FERRAZ, 2014) Para continuar a investigação da origem de suas escolhas projetuais, pode-se retomar o fato de Lina Bo Bardi ter presenciado ao longo de sua vida na Europa grandes transformações políticas e urbanas: na criação do estilo internacional modernista e, posteriormente, no processo de revisão dos preceitos modernistas, que, pautados na ideia do funcionalismo e casas como máquinas de morar, usavam a estética industrial para compor espacialidades pertencentes à vida íntima do indivíduo. É também importante relembrar sua experiência de vida no contexto da guerra, em um período de escassez de recursos e de trabalho, ocasionando mudanças bruscas da condição de vida. (FRAMPTON, 1985, p.248) Há de se considerar, também, o contexto histórico em meio ao qual o Sesc Pompéia é projetado e construído. Em primeiro lugar, pode-se discutir o contexto no qual foi construída a fábrica em sua concepção inicial: o ano de sua construção, em 1938, insere-se no período da ditadura de Getulio Vargas, o Estado Novo (1937-1945). Durante seu governo houve incentivos para a promoção do capitalismo nacional do país e da industrialização, de modo que o Estado agia diretamente na economia, realizando uma política de industrialização para viabilizar a substituição de importações após a quebra da bolsa de Nova York, em 1929. Assim, a indústria paulista, que já se destacava ao se comparar com o resto do país, cresce ainda mais a partir da década de 30. Posteriormente, no ano em que se inicia o projeto de Lina, em 1977, o presidente do Brasil era Ernesto Geisel, trazendo em seu governo o primeiro período de abertura política da ditadura 47
imagem 39: Instalaçþes aparentes
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militar, que culminará com a promulgação da nova constituição, em 1988. Já durante a inauguração do Sesc Pompéia, em 1982, se encontra um período de efervescência política, com o início do movimento das “diretas já” durante os dois anos seguintes, sendo a vida política no contexto em questão bastante influente no modo de como se usa a cidade, no uso do espaço urbano como forma de protesto e de reivindicação de direitos civis. Assim, quando se considera a história da cidade de São Paulo e o desenrolar referente ao seu desenvolvimento industrial, construir um Sesc em uma antiga fábrica em São Paulo faz sentido histórico social. Manter os vestígios da fábrica e do trabalho fabril na obra do Sesc faz com que a história do desenvolvimento industrial da cidade de São Paulo se mantenha viva. Segundo Eduardo Rosseti, tal caráter fabril está presente na linguagem arquitetônica constituinte do Sesc: desde instalações aparentes, os materiais em sua forma bruta, até a racionalidade da planta, a continuidade entre os diferentes espaços e as atividades que envolvem um grande número de pessoas. Assim, pode-se dizer que a linguagem e a escala do Sesc tem como fonte direta o universo industrial e seu o funcionamento, que se configura em, desde a forma de atendimento do restaurante, até as relações entre os espaços. (ROSSETTI, 2007, p. 78) As instalações aparentes, além de remeterem à linguagem fabril, eram também soluções técnicas para não ser necessária a quebra de paredes. Cada cor dos tubos de instalação corresponde a uma função: azul - elétrica; verde - água; amarelo - telefone; laranja - som; vermelho - esgoto. Assim, Lina deixa de lado a questão estética, prevalecendo questões funcionais presentes em um lugar de trabalho e produção. (VAINER, 2014) Ao inaugurar a parte antiga do conjunto, em 1982, um conselheiro veio esbravejar que o edifício estava sendo inaugurado inacabado: não havia revestimento nas paredes, nem forro, nem piso adequado para o Sesc. Segundo Marcelo Suzuki, o fato do conselheiro ter se incomodado com o resultado era prova de que estavam no caminho certo. (SUZUKI, 2014)
2.3 O Desenho do Projeto
Um recurso muito utilizado por Lina para pensar como deveria ser o futuro espaço projetado é o desenho. Porém, destaco aqui não o desenho técnico, mas desenhos coloridos, que representavam qual seria a vida daquele lugar: crianças brincando, pessoas sentadas, uns ouvindo música, outros conversando no balcão do bar. Algumas vezes fazia colagens. Percebe-se, com esse modo de representação, uma forma lúdica de seu trabalho, um prazer e carinho no que se faz. Em seus desenhos aparecem os espaços externos e internos do Centro de Lazer Fábrica da Pompéia: desenhos do paisagismo, do mobiliário, do uniforme dos funcionários e da equipe de futebol, placas de sinalização, carrinhos de sorvete, pipoca e hot dog, desenhos de pisos e paredes, o cardápio do restaurante, além de estudos para o jornal Sesc Fábrica da Pompéia. Assim, ao se observar os desenhos do arquiteto, percebe-se que há ali resoluções em todas as instâncias, como ocorre no ideal moderno de desenhar todas as escalas do projeto. Segundo André Vainer, os uniformes desenhados pela arquiteta não foram feitos, mas a partir da marca criada pela arquiteta para o Sesc Pompéia foram feitos os pratos e as xícaras. O arquiteto destaca um dado curioso: se olharmos todos os croquis anteriores a sua permanência no canteiro de obras, podemos notar que muito mudou: os croquis foram todos feitos em 77 e apresentados para o Sesc propondo como seria essa nova fábrica. A ideia apresentada, porém, preva49
imagem 40: Caixa dãgua
imagem 41: Instalações aparentes
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imagem 42: instalaçþes aparentes na cozinha industrial
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imagem 43: desenho de Lina para o uniforme
imagem 45: Lanchonete do complexo esportivo
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imagem 44: desenho de Lina para o uniforme de futebol
imagem 46: desenho de Lina para o uniforme do goleiro
imagem 47: desenho de Lina para carrinhos de comida
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imagem 49: projeto para o jornal do Sesc PompĂŠia
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imagem 51: projeto para o cardรกpio
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imagem 52: rampas imaginadas por Lina no salão de convivência.
imagem 53: rampas imaginadas por Lina no salão de convivência.
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leceu como sentimento, não como projeto real, uma vez que foi necessária a adequação a soluções específicas percebidas no canteiro de obras. Um exemplo de tal mudança seria o desenho das rampas imaginadas por Lina Bo Bardi, passando entre a estrutura. O desenho das rampas não foi possível, uma vez que não havia pé direito suficiente, mas o espírito de ter um espaço totalmente aberto, integrado, prevaleceu. É importante, ainda, fazer a ressalva, conforme coloca Marcelo Suzuki: “Menos divulgados, seus desenhos técnicos são também muito importantes para que não se tenha de Lina a visão de que ela teria feito tudo apenas com desenhos livres e aquarelas. Pelo contrario, sabendo desenhar muito bem e fazer aquarelas, os desenhos para arquitetura apresentados assim são fruto de quem também dominava muito bem a linguagem técnica.” (SUZUKI, 2010, p. 146.)
A respeito do espaço resultante do projeto, coloca Cecília Rodrigues dos Santos:
“Povoando esta obra dura, de inegável clareza estrutural e verdade construtiva, mul-
tiplicam-se os gestos menores, as tais licenças poéticas que invadem o Sesc Fábrica: sob os antigos telhados dos três galpões industriais, serpenteia um riacho recortado no piso de pedra, referência ao principal rio do Nordeste, o São Francisco; nas canaletas de água pluvial que ladeiam a rua central, salpicam os seixos rolados, memória de tantos outros riachos brasileiros; no piso dos sanitários se desencontram díspares fragmentos coloridos de cerâmica; no espaço de junção das passarelas com os dois edifícios da área esportiva, elementos de proteção brotam como flores de mandacaru, o cacto mais encontrado na caatinga; na cozinha e na piscina-açude, flutuam azulejos com motivos marinhos e de plantas tropicais. E ainda, entre outras tantas, ao longo dos anéis da caixa d’água cilíndrica, a arquiteta faz escorrer o concreto na medida certa para fazer pensar que ali enrolam suas prendas as mulheres rendeiras de cajazeiros.” (SANTOS, 2013, p. 145)
Estruturado por doze galpões existentes e pelas construções posteriores do bloco esportivo e da caixa d’água, o espaço que constitui o Sesc Pompéia manteve sua situação original de implantação dos galpões, ou seja: uma rua que divide duas grandes alas de galpões, e em sua extremidade final se acessa o córrego das águas pretas. Entre os diferentes usos encontrados no interior dos galpões e prédios, estão: restaurante, choperia, espaço de convivência, bloco esportivo, oficinas, área de convivência, rua central, área de exposições, teatro, e a rua central, espaço fundamental de articulação entre os diferentes usos e a rua externa. O espaço de convivência, composto pelo conjunto de cinco galpões, compreende ao mesmo tempo um ambiente de estar, espaço para leitura e biblioteca, exposições e jogos de salão. Três elementos se destacam em seu interior: a lareira, o espelho d’água e as plataformas de leitura. A lareira, situada entre o espelho d’água e a plataforma, é pensada como um ponto de reunião, principalmente em dias frios, quando pessoas se juntariam a seu redor, promovendo o encontro dos usuários. Já o espelho d’água adquire o nome de Rio São Francisco, carregando o valor cultural do rio nordestino, referência territorial e histórica: o Rio São Francisco é para o nordeste um manancial 57
imagem 54: detalhe do piso do salão de convivência imagem 55: detalhe do piso do salão de convivência
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imagem 56: Espelho dágua Rio São Francisco
de águas, de riquezas, área fértil no meio do sertão. Com isso, colocar o rio da integração nacional, tal como é chamado por começar em Minas Gerais e terminar em Alagoas, faz com que o espelho d’água constitua uma metáfora, trazendo o nordeste para o território paulista. (BARDI, 2013, p. 31) A presença da água no espaço de convivência produz reflexos e altera a luminosidade do ambiente, além de melhorar o conforto térmico interno. Seu caráter lúdico, crianças tentam pulá-lo, e de estar, com pessoas simplesmente sentadas ao seu redor, confere uma sensação espacial agradável. Em relação às seis plataformas de leitura, são constituídas por estruturas de concreto aparente e organizam-se a partir de dois níveis diferentes. Com isso, podem gerar usos diversos, como espaço para leitura e estudos em um nível, enquanto no outro nível acontecem atividades infantis ou campeonatos de xadrez e dama. As plataformas servem, ainda, como um “mirante” do espaço de convivência. (ROSSETTI, 2007, p. 74) No espaço de convivência, merece destaque também o mobiliário presente no salão, composto por mesas redondas grandes que se tornam coletivas, módulos triangulares de mesas e cadeiras que se encaixam e se rearranjam conforme a demanda e o número de pessoas, e diversos bancos de madeira espalhados ao longo do espaço. Há, ainda, detalhes mais sutis, que muitas vezes passam despercebidos por olhares mais desatentos, sendo um exemplo a presença de riscos, marcas de serra, nas lajes e pilares da biblioteca, sob as plataformas de leitura: Lina queria que o resultado do concreto de tais elementos não fossem fôrmas tradicionais de concreto, queria que houvesse marcas, então pediu para que os funcionarios da obra fizessem como achassem que deveria ser feito, criando marcas de alguma forma. Outro detalhe está presente nas pedras constituintes do chão da sala de convivência: enfileiradas em um sentido com as mesmas dimensões, no outro sentido apresentam tamanhos diferentes, de modo que em um sentido estão alinhadas, já no outro estão desalinhadas. (VAINER, 2014) Característica muito valorizada por Lina Bo Bardi no projeto é o lugar das refeições: a choperia / restaurante configura, ao mesmo tempo, espaço de refeições, convivência e bar. Segundo a arquiteta, nesse ambiente há o convívio democrático, simples, sem a preocupação de como se vestir ou se comportar, um espaço completamente livre. (BARDI, 2013, p. 33) Lá, é enfatizada a ideia da mesa coletiva, e a comida a ser servida como parte do projeto arquitetônico. Lina coloca:
“Arquitetura, para mim, é ver um velhinho, ou uma criança, com um prato cheio de
comida atravessando elegantemente o espaço de nosso restaurante à procura de um lugar para se sentar, numa mesa coletiva” (FERRAZ, 2013, p. 123)
Na lanchonete, situada hoje em dia ao lado do restaurante, há mesas cuja forma remete aos caxixis, brinquedo típico do nordeste. É interessante notar que a arquiteta, ao trazer elementos típicos da cultura popular nordestina como inspiradores na conformação do espaço em questão, coloca uma visão política, tal como ocorre com a presença da flor de mandacaru nos vãos das passarelas de concreto no bloco esportivo. Esses elementos não aparecem como enfeite, mas como meio de se chamar a atenção para a importância do olhar para a força existente na parte pobre do país. (VAINER, 2014) Em relação ao teatro, a arquiteta escolhe uma configuração de duas platéias, uma oposta à outra, de modo que os espectadores possam ver a expressão no rosto dos outros durante o espetáculo. É importante ressaltar, porém, o fato de que a solução do teatro com platéias opostas é de 59
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imagem 58: Cadeira de madeira no teatro do Sesc PompĂŠia
imagem 60: Cadeira de madeira no teatro do Sesc PompĂŠia
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imagem 63: mesas coletivas
imagem 64: mobiliario modular que se junta conforme a demanda de pessoas
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imagem 66: desenho para o deck-solarium sobre o c贸rrego das 谩guas pretas
origem prática projetual: para ser possível a capacidade de mil pessoas para o teatro, de modo a manter o pé direito fixo, dado o galpão existente, não seria possível fazer uma platéia única. (SUZUKI, 2014) É interessante perceber qual o motivo de serem, as cadeiras do teatro, de madeira, sem estofamento. Ao ser questionada a respeito, Lina Bo Bardi responde retomando o princípio dos teatros Greco-romanos, nos quais não se tinham cadeiras estofadas, eram assentos de pedra, ao ar livre. Cadeiras com estofamento surgem apenas no Setecentos, em teatros das cortes, porém continuaram até hoje, enfatizando o conforto da sociedade de consumo. Assim, ao fazer a cadeira de madeira sem estofamento, Lina faz uma crítica à postura do espectador, de modo que a cadeira não deve deixar seu usuário confortável, mas sim atento ao que vê. (BARDI, 2013, p. 102) Tal ideia retoma o conceito brechtiano13 de “distanciar e envolver” (ROCHA, não publicado, p. 7), ou seja a ideia de se colocar certo distanciamento entre o espectador e o que ele vê, de modo a pensar o que vê de forma crítica e não apenas de forma passiva, desligada do contexto em que se insere. Para melhor entender tal ideia, coloca-se o pensamento de Leandro Konder14 acerca do ideario de Brecht: “Ao público passivo e atomizado de burgueses ricos que se imobilizam nas poltronas das casas de espetáculo, sem uma comunicação mais ampla de uns com os outros, deve-se substituir – diz Brecht – uma platéia popular, menos preformada, mais espontânea, mais ‘autêntica’.” (KONDER, 1967, p.138)
E complementa, ainda: “concepção brechtiana de uma linguagem com distanciamento e de uma técnica artística capaz de proteger a clareza do conteúdo inteligível” (KONDER, 1967, p.138) Outro motivo pautado por serem as cadeirinhas do teatro de madeira, sem estofamento, é por conta da durabilidade do mobiliário. Por esse motivo, a maioria dos móveis projetados pela arquiteta para o Sesc Pompéia são de madeira, de modo que, por exemplo, o usuário pode subir na cadeira para ver o show sem a preocupação de estraga-la. (LATORRACA, 2014) No galpão das oficinas, Lina Bo Bardi busca a manutenção do saber-fazer e da habilidade manufatureira existente no nordeste, tal como o ofício da carpintaria, da xilogravura e da cerâmica. Seguindo adiante no eixo da rua interna, encontra-se o deck solarium: um espaço de uso livre, que cria o caráter de uma “praia urbana”, de modo que a solução torna possível a ocupação do espaço onde situa-se o Córrego das Águas Pretas, de caráter non aedificanti. Como equipamentos complementares ao deck, projeta uma lanchonete e uma pequena cachoeira. Ao final do deck, está a piscina coberta, que constitui o andar térreo do bloco esportivo. Esta não possui medidas oficiais, de modo a quebrar o espírito competitivo, criando um ambiente de lazer e de uso livre. A piscina não possui eixos de marcação em seu fundo, apresentando azulejos desenhados no lugar. (ROSSETTI, 2007, p. 77) Cria-se, assim, outro tipo de relação com sua espacialidade, incentivando o uso lúdico da água. O bloco esportivo, por sua vez, é constituído por duas torres: uma, com pé direito duplo, que abriga as quadras esportivas, e a outra, com pé direito simples, contém os vestiários e espaços 13 Bertolt Brecht (1898, 1956) foi um dramaturgo e poeta marxista alemão. Seus trabalhos, que muito influenciaram o teatro contemporâneo, tinham como crítica fundamental o desenrolar das relações humanas em meio ao sistema capitalista. 14
Leandro Konder (1938) é um filósofo marxista brasileiro.
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imagem 67: detalhe do piso composto por uma faixa de caminho de pedra lisa em meio ao chĂŁo de paralelepĂpedos, Na lateral esquerda a calha aberta de seixos rolados.
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para ginástica. A articulação entre os dois blocos se estabelece por meio de passarelas assimétricas que possibilitam a vista de diferentes ângulos e alturas da cidade. A ventilação do bloco esportivo é feita por meio de trinta e duas janelas-buraco, ou seja, grandes buracos de caráter irregular, que garantem uma ventilação cruzada permanente, além de permitirem um novo e inusitado enquadramento da cidade. Segundo o arquiteto, as janelas-buraco remetem à imagem de entradas de cavernas primitivas, o primeiro abrigo dos homens. (BARDI 2013, p. 32) Tais janelas foram desenhadas após uma viagem da arquiteta para o Japão, até então as aberturas seriam aberturas regulares, quadradas. (VAINER, 2014) Há, ainda, dois elementos intrigantes na constituição do Sesc Pompéia: a caixa dágua, e a calha aberta, que acompanha a rua central do Sesc ao longo dos galpões. A caixa d’água, projetada com setenta metros de altura, serviria como novo marco vertical e emblema à origem industrial do conjunto, uma vez que foi demolida a antiga chaminé da fábrica pouco antes das obras começarem. Porém Lina Bo Bardi não queria um resultado ordinário, gostaria que todas as etapas da concretagem ficassem marcadas, como uma renda. Foi, assim, feita a concretagem, com apenas dois conjuntos de forma de madeira, e com panos no fundo das formas que gerariam a aparência de renda. Segundo Lina, essa foi uma homenagem às Torres Satélite de Luis Barragán, na Cidade do México. (VAINER; FERRAZ, 2013, p. 141) A calha aberta de seixos rolados, por sua vez já existia na antiga fábrica, e Lina decidiu mantê-las assim, a céu aberto. O intrigante é que esse espaço, hoje, é muito utilizado, com crianças brincando na calha e pessoas sempre nela sentadas. Por último, é interessante ressaltar um detalhe existente na rua interna, componente do eixo principal de locomoção do Sesc Pompéia: é feito, em parte da rua interna, o desenho do piso com uma faixa de pedra lisa, com o intuito de facilitar a mobilidade de usuários de cadeiras de rodas no interior do conjunto. Originalmente a rua é constituida por paralelepípedos, material considerado, por Lina Bo Bardi, um documento importantíssimo da história da humanidade: pedras cortadas a mão, contém o registro do carimbo da técnica e da mão de obra utilizada. (FERRAZ, 2014) Porém, com a simples mudança de uma parcela do material componente piso por uma faixa de um piso homogêneo, houve mudança singificativa na dinâmica de uso da rua: a princípio projetada para cadeirantes, a faixa passa a ser preferência de percurso por pessoas idosas, mães com carrinhos de bebê, mulheres de salto alto. Cria-se, com a mudança da textura do piso, a intensificação de um eixo de passagem. (VAINER, 2014)
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imagem 68: detalhe das janelas buraco componentes do bloco esportivo
66 imagem 69: passarelas do bloco esportivo
imagem 70: pessoas sentadas na calha aberta
imagem 71: plataformas de leitura com mesas coletivas
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imagem 72: lareira em dias frios
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CapÍtulo 3 O uso do Sesc Pompéia
3.1 Espaço de vivência: uso para exposições
Após a inauguração do Sesc, Lina Bo Bardi participou coordenando atividades e organizando exposições. A ideia seria a de um espaço de convivência para as horas livres, a cultura como convívio e liberdade. (SUBIRATS, 2013, p. 85) As exposições que organizou foram de extrema importância para a formação cultural do Sesc. Com caráter bastante lúdico, porém sempre com embasamento crítico, foram grandes atrativos. Entre elas, destacam-se: - Design no Brasil: historia e realidade (1982) - Mil brinquedos para a criança brasileira(1982-83) - Caipiras, capiaus: pau-a-pique(1984) - Entreato para crianças(1985) - O belo e o direito ao feio (1982) Entre as exposições efetuadas, a “Design no Brasil: historia e realidade” foi de extrema importância no sentido de ter feito um contraponto entre o que era a produção artesanal e o que é a produção industrial. (VAINER, 2014) Para melhor entender a lógica de projeto das exposições pensadas pela arquiteta no o Sesc Pompéia, podemos retomar sua posição relativa aos museus, bastante crítica em relação à sua situação contemporânea: “no quadro da cultura contemporânea, o museu ocupa lugar poeirento e inútil.” (RUBINO; GRINOVER, 2009, p.99) E complementa, ainda: “Museu que deverá ter a sua imposição didática para ser um museu ‘verdadeiro’, vivo, e não um ‘museu’ no sentido mais superado da palavra.” (RUBINO; GRINOVER, 2009, p.101) Para complementar tal posição, pode-se vincular o pensamento de Giulio Carlo Argan: “é um erro conceber o museu como um coletor ou um depósito; ele deve ser local de pesquisa científica e de atividades didáticas organizadoras.” (ARGAN, 1998, p.87)Lina Bo Bardi encarava a montagem das exposições como forma de se colocar uma posição política e educativa, propondo o contrário de uma relação passiva e alienada. Ao elaborar a forma de apresentação do objeto a ser exposto, a arquiteta pensa um jeito no qual a funcionalidade da cultura e da arte popular esteja lá representada, tal como ocorre na exposição Nordeste, que inaugurou o Museu de Arte Popular na Bahia, conforme coloca Juliano Pereira: “A mostra é realizada com recursos muito simples: caixotes de madeira evocando a maneira como esses objetos encontravam-se originalmente expostos nas feiras e mercados populares” (PEREIRA, 2007, p. 198) Outro exemplo do modo expositivo de embasamento político proposto pela arquiteta foi o constituido no MASP, aonde se quebrava todos os canônes dos museus europeus, colocando as diferentes épocas e estilos para conviver juntos, misturando as escolas. Tal modo de expor incomoda até hoje, tamanha foi a força de sua proposta. Em relação às exposições especificamente feitas no Sesc Pompéia, é importante ressaltar o fato de que Lina foi sempre contra, enquanto estava lá, a se fazer exposições de arte, justamente por acreditar ser aquele um espaço de convívio, e não destinado aos museus. Hoje em dia, cada vez mais exposições chegam às unidades do Sesc, acontecendo frequentemente de parcela significativa da unidade do Sesc Pompéia ser destinada à exposições, ocupando lugar destinado à convivência das pessoas. (VAINER, 2014) 69
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imagem 80: Desenho de Lina para a exposição entreato para crianças
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imagem 81: anotações para a exposição Caipiras, capiaus: Pau-a-pique
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imagem 82: plataformas de leitura
imagem 83: teatro de duas platĂŠias
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3.2 Espaços de vivência: uso de lazer e atelier
Como se da o uso atual desse espaço? Me pergunto se, de fato, os conceitos pensados por Lina Bo Bardi ao projetar o espaço são efetivos em seu uso cotidiano. Já antes de entrar no conjunto, nota-se: diversas pessoas conversando, não dentro, nem fora, mas na porta de entrada, onde ocorre o encontro da rua Clélia com a rua interna do Sesc. Andando mais alguns passos pela rua interna do conjunto, posso escolher sentar em uma mesa da lanchonete, entrar no salão de convivência, ou ainda andar até o deck, no final da rua. Nas três opções vou me deparar com pessoas usando o espaço de forma coletiva, seja dividindo com um desconhecido uma mesa redonda na biblioteca, seja pedindo açúcar para a pessoa da outra mesa na lanchonete, ou mesmo tomando sol no deck como se toma na praia, ao lado de muitos outros. Uso muito característico do Sesc Pompéia são as oficinas de criatividade. Os cursos que nelas se ambientam são disputados, gerando filas de três horas no começo de cada semestre para garantir uma vaga. Ao mesmo tempo que cada aula ganha sua espacialidade ao se desenvolver em uma pequena sala, todas as aulas estão em constante comunicação: ao atravessar o corredor de acesso às oficinas se vê o que ocorre em cada espaço, estabelecendo uma relação permeável mas, ainda sim, agradável para o desenvolvimento da aula. Essa é uma realidade constante no Sesc Pompéia: se, em torno da uma hora da tarde, for almoçar lá, prepare-se para uma fila de espera. Então você entra, pega um prato “cheio de comida” e senta-se em uma mesa coletiva. Assim, há um encontro, agradável, porém não planejado, com pessoas desconhecidas. Durante a noite, o espaço do restaurante é transformado em choperia, onde acontecem diversos eventos, shows, o que possibilita o uso efetivo do espaço durante o dia todo. Em frente a choperia, está situado o espaço de convivência. Em seu interior há de tudo, crianças pulando o espelho d’água, velhinhos sentados nas poltronas observando a movimentação das filas nos balcões onde são vendidos os shows, pessoas lendo, outras tirando um cochilo, e, na extremidade direita ou esquerda do grande galpão, alguma exposição acontece. Andando um pouco mais para frente, na rua interior, há o teatro. Seu foyer, aberto para a rua interna, as vezes abriga exposições e fica cheio antes e depois dos espetáculos. Já o teatro em si, provido de oitocentos lugares, é uma surpresa, principalmente ao visitá-lo pela primeira vez: duas platéias opostas, com o palco situando-se entre ambas. Há, porém, quem faça adaptações no teatro ao se apresentar lá, fechando um dos lados da platéia por ser difícil ter o mesmo resultado para as platéias opostas. No final da rua, chega-se ao deck solarium. Lá o uso é diversificado e livre: crianças jogando bola, pessoas de todas as idades tomando sol, ou mesmo um show aos domingos repleto de pessoas. Olhando para sua extremidade esquerda se vê o bloco esportivo. Suas passarelas recortam a paisagem por detrás e as janelas-buraco se destacam e intrigam qualquer um. O prédio, porém, não é tão acessível quanto os outros, tem entrada livre para quem possui carteirinha do Sesc ou pratica esportes no local, mas para se visitar é preciso pedir permissão para subir. É importante ressaltar o caráter da “rua interna”, na qual ocorre uma fusão entre a cidade e o espaço interno do Sesc, de modo que a cidade participa no sesc Pompéia. Tal relação faz com que o projeto estabeleça outra permeabilidade entre o espaço público e privado, oferecendo equi75
imagem 84: abertura independente do teatro
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pamentos urbanos complementares à trama urbana que o rodeia, como restaurante e bar, área de descanso, atividades culturais, bancos para se sentar, sanitários. Nota-se, porém, algumas mudanças em relação ao uso de certos espaços do Sesc hoje, em contraposição a como foram pensados pela arquiteta ao projetá-lo. Uma delas seria referente ao espaço que originalmente foi destinado à lanchonete do deck solarium, que hoje tem o uso de espaço de informática. A lanchonete do bloco esportivo mudou quando o sesc desistiu da ideia de ter duas lanchonetes, de modo que decidiram juntar a lanchonete com o restaurante, o que ocorreu já nos anos 90. Outro espaço que é pouco utilizado com sua proposta original é a cascata, criada também na região do deck, para refrescar em dias quentes. O uso como cascata raramente é ativado, e o espaço é bastante utilizado por crianças, brincando ao seu redor. Espaço que entrou em desuso é a abertura para a rua do teatro. A ideia original da conexão em questão seria para que o teatro pudesse estar aberto até depois da hora de funcionamento do Sesc, porém tal proposta não foi levada adiante por conta da necessidade de controle da quantidade de pessoas. Hoje as passagens funcionam apenas como apoio para entrada e saída de cenários e materiais de apoio. Um aspecto que pode ser ao mesmo tempo limitador e muito enriquecedor do espaço é a necessidade de que, tanto peças de teatro, quanto exposições, para serem exibidos na espacialidade do Sesc Pompéia, sejam pensadas e montadas exclusivamente para aquele espaço, por não seguirem os padrões originais de teatros e espaços expositivos. Há, ainda, outras mudanças de uso do espaço, tais como a criação da academia em uma das antigas quadras do bloco esportivo e a transformção de um galpão, que antes servia para manutenção, para servir de múltiplo uso. Em entrevista com o arquiteto André Vainer, ao perguntar sobre as mudanças do espaço ao longo do tempo, o arquiteto disse ser a instituição Sesc dinâmica, e sendo natural que ocorram mudanças ao longo do tempo. O importante é que o espaço em questão continua extremamente democrático e vivo. (VAINER, 2014) Nesse sentido, para a manutenção da convivência democrática, a comunicação horizontal entre o restaurante, ateliês, biblioteca, exposições, é fundamental, conforme colocou o arquiteto Marcelo Ferraz em entrevista. (FERRAZ, 2014) Ainda segundo o arquiteto André Vainer, no Sesc Pompéia Lina criou o que se pode chamar de cidadela, um lugar no qual podemos passar o dia todo: você come, vai no banheiro, faz esporte, vê exposições, vai no teatro. Sem dúvidas o Sesc Pompéia exerceu influência no modo de ser dos outros Sescs. (VAINER, 2014) Porém, há questões ainda hoje polêmicas: a cadeirinha de madeira que, pensada como forma de oposição crítica às cadeiras estofadas provenientes da época das cortes, é atualmente julgada desconfortável por muitos. Porém, será que cabe, hoje, a crítica proposta por Lina em relação ao conforto da cadeira, enquanto ao mesmo tempo não saímos de casa sem um celular, muitos preferem o transporte individual ao invés do transporte público. Será que a crítica se esvazia quando temos tantos fatores “confortáveis” atualmente que nos tiram a atenção da realidade que nos rodeia? Para o arquiteto Marcelo Suzuki, a crítica da cadeirinha proposta por Lina hoje virou uma utopia. (SUZUKI, 2014) Para ser possível uma visão crítica do espaço é necessário conhecimento dos processos históricos que antecedem as formas atuais. “É preciso também que nos inquietemos diante de certos recortes ou agrupamentos que já nos são familiares” (FOUCAULT, 1997, p. 25) 77
imagem 87: Intervenção do artista Antony Gormley na rua interna do Sesc Pompéia
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CapÍtulo 4 Sobre o trabalho
Com este trabalho consegui organizar o início de uma inquietação. Foram levantadas angústias iniciais a serem investigadas, que, por consequência, geraram outras angústias e prazeres a partir da iniciação no maravilhoso mundo da pesquisa. Sendo, portanto, este trabalho, o início de um caminho, não tenho conclusões fechadas, mas levanto questões, a partir de todo esse universo que se abriu, para serem continuadas. Assim, elenco as principais questões que ficam para mim nesse final-início de trabalho. Em primeiro lugar, fica uma grande lição a partir do estudo específico do Sesc Pompéia: a importância em investigar novos significados a serem atribuidos a espaços degradados, tanto no quesito espacial, de projeto, quanto ao uso do espaço em questão, do seu cotidiano. Quando Lina faz do logotipo da nova fábrica da Pompéia uma chaminé que solta flores, faz uma alusão direta a essa transformação do espaço: mostra o trabalho pesado que virou lazer. Assim, sem apagar suas características originais, mas ao mesmo tempo carregando o espaço de significado atual, a arquiteta consegue fazer um restauro crítico do espaço. Como exemplo atual da investigação da composição entre a dualidade antigo X novo, tive como exemplo, em palestra na Escola da Cidade, o trabalho do arquiteto francês Frédéric Druot15, que tem como objetivo de trabalho a reciclagem de edifícios, gerando novos significados a espaços existentes, sem a necessidade da demolição. Assim, além de salvar custo de trabalho e de energia, visa o aproveitamento da situação particular de cada conjunto já existente. Em segundo lugar, este trabalho me deixa como questionamento a relação atual entre o desenvolvimento do projeto, a obra, e seu tempo de execução. Percebi que o fato da obra do Sesc Pompéia ter sido executada ao longo de nove anos e, principalmente, sua execução diretamente no canteiro de obras, foi fundamental para um resultado apurado de quais seriam as reais necessidades para a revitalização daquele espaço. Em entrevista com o arquiteto Marcelo Ferraz, colhi seu depoimento de que agora são outros tempos, sendo impossível realizar uma obra de nove anos hoje em dia, com dedicação integral a seu desenvolvimento durante um período tão longo. Eu, como estudante, talvez um pouco ingênua, mas acreditando ser essa ingenuidade muito valiosa e com medo de um dia perdê-la, coloco a pergunta: porque seria impossível? Porque não dedicar um tempo longo ao desenvolvimento de um projeto, se esse tempo na verdade será mínimo quando comparado com o tempo de uso do espaço gerado? Aprendi na aula de projeto do segundo ano, com a professora Cristiane Muniz16, que devemos projetar pensando em como será aquele espaço daqui 50 anos. Assim, o que são 10 anos em 50? e em 100? Talvez seja absurda a comparação, pois são tempos diametralmente distintos, mas ao observar a construção da cúpula de Brunelleschi17 para a catedral de Santa Maria del Fiore, em Florença, cuja construção iniciou-se em 1296 e finalizou-se em 1436, ou seja, com a duração de cento e quarenta anos de obras, ao 15
Frédéric Druot é um arquiteto francês, diretor do escritório Frédéric Druot Architecture, em Paris.
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Cristiane Muniz é uma arquiteta e urbanista brasileira, sócia do escritório de arquitetura UNA Arquitetos e
professora na Escola da Cidade. 17 Filippo Brunelleschi (1377, 1446) foi um arquiteto e escultor renascentista italiano.
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observarmos seu resultado hoje, em 2014, ainda em extrema evidência como fator fundamental de formação da identidade urbana de Florença, coloco a questão: o que são cento e quarenta anos de construção em setecentos e dezoito anos de vivência daquele espaço na cidade? Se pensarmos de acordo com a lógica atual individualista gerada, entre outros fatores, pelo sistema capitalista vigente, cento e quarenta, ou mesmo nove anos, é muito tempo. Mas se pensarmos no tempo da cidade, elemento cuja profissão que me propuz cursar tem como foco principal, cento e quarenta anos são pouca coisa. Ainda com a questão do tempo de desenvolvimento do projeto, aprendi com o estudo da arquiteta Lina Bo Bardi, a importância de não tomar decisões por impulso. Antes de decidir como deverá ser o partido de um projeto, é preciso estudar, escrever muito. Lição bonita que aprendi com Oscar Niemeyer assistindo ao documentário “A vida é um sopro” é sua pratica de, após desenhar, escrever um texto argumentando o porque daquelas decisões. Se não encontrar argumentos para cada resultado, se deve repensar aquela decisão. Com isso, surge a importância do desenho e da escrita a mão, que hoje vem se diluindo com o uso do computador, celular, Ipads, cada vez mais presente. Com o estudo de documentos deixados pela arquiteta Lina Bo Bardi tive a confirmação do que já acreditava ser verdade: a tecnologia nunca substituirá o desenho analógico, a escrita a mão, ou a leitura do livro que se pode pegar, fechar e abrir, sentir a gramatura de sua folha. A tecnologia complementa o analógico, traz avanços maravilhosos, mas não substitui. Em conversa com a arquiteta Marina Grinover18, minha orientadora no trabalho, ficou latente para mim a questão da necessidade de mudança da forma de ensino da arquitetura, questão essa que já era colocada pela arquiteta Lina Bo Bardi ao pensar IAC e a Escola de Pré-artesanato do Solar do Unhão. A arquiteta questionava o distanciamento do estudante de arquitetura e design do canteiro de obras, questão fundamental de ser repensada ainda hoje. Com o estudo da arquiteta Lina Bo Bardi, vejo, também, outras duas questões fundamentais a serem repensadas relativas ao estudo e a prática arquitetônica: a visão política estabelecida a partir do projeto arquitetônico, visão essa que perdemos principalmente com o golpe militar de 1964; e o domínio técnico do que projetamos. Em palestra com Giorgio Giorgi Junior19, professor da faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi destacado o problema da maneira como se dá o estudo da técnica hoje, considerado chato por muitos estudantes porém sendo questão fundamental para quem um dia quer fazer arquitetura. Lina Bo Bardi até hoje é exemplo de uma arquiteta com extremo domínio do conhecimento técnico. Então, fica a pergunta: como retomar o interesse pela técnica? Aprendi, ainda, com o estudo da arquiteta a importância do olhar para a produção de baixa técnologia, seja num tempo que já passou, seja nos dias de hoje. Fica, para mim, a partir do estudo dos conceitos de arte popular e cultura popular colocados por Lina Bo Bardi, em primeiro lugar, a importancia da síntese do que se produz, do olhar para as reais necessidades e disponibilidades materiais do espaço em que nos inserimos. Em segundo lugar, fica a importância da produção de 18 Marina Grinover é arquiteta, sócia do escritório Base 3 arquitetos, e professora na Escola da Cidade. É mestre em história da Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, com a Dissertação de Mestrado: Uma ideia de arquitetura escritos de Lina Bo Bardi. 19 Giorgio Giorgi Junior é designer, doutorado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, onde leciona desde 1989.
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espaços democráticos, simples e funcionais, sem erudição, mas dotados de uma visão política, podendo, assim, funcionar da forma mais simples e mais essencial. Um espaço de todos. Com o espelho d’água Rio São Francisco, a florzinha de mandacaru, e as mesas-caxixis, entre outros elementos elaborados pela arquiteta a partir de sua vivência no nor- deste brasileiro, aprendi a importância de criar um imaginário produzido pela presença de elementos dotados de uma visão política, crítica. Assim, o espaço dotado de elementos que remontam a realidade nordestina, retoma a importância do olhar para a cultura popular, a extrema riqueza presente na produção pobre. Ao perguntar para Marcelo Suzuki se ele achava possível de alguma forma dar continuidade às ideias que aprendeu durante seu período de trabalho com a arquiteta Lina Bo Bardi, o arquiteto disse achar difícil: seus projetos são feitos da maneira mais simples possível, buscando fazer projetos sociais ou institucionais. Marcelo Suzuki, até hoje, desenha cadeiras sem estofado.
imagem 89: área de convivência
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imagem 90: deck-solarium
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Ă?ndice de Imagens: Figura 1: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi - Desenho de Lina Bo Bardi Figura 2: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi - Desenho de Lina Bo Bardi Figura 3: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi - Desenho de Lina Bo Bardi Figura 4: Desenho de Laura Pappalardo Figura 5: Colagem de Laura Pappalardo Figura 6: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 7: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 8: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 9: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 10: Foto Laura Pappalardo Figura 11: bauhaus-online.de Figura 12: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 13: bauhaus-online.de Figura 14: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 15: Acervo Instituto Moreira Salles Figura 16: Acervo Instituto Moreira Salles Figura 17: Acervo Insituto Moreira Salles Figura 18: Acervo Instituto Moreira Salles Figura 19: Acervo Instituto Moreira Salles Figura 20: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 21: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 22: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 23: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 24: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 25: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 26: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 27: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 28: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 29: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 30: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 31: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 32: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 33: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 34: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 35: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 36: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 37: Desenho Laura Pappalardo Figura 38: Foto Laura Pappalardo Figura 39: Desenho Laura Pappalardo Figura 40: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 41: Foto Laura Pappalardo 92
Figura 42: Foto Laura Pappalardo Figura 43: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 44: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 45: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 46: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 47: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 48: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 49: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 50: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 51: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 52: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 53: Foto Laura Pappalardo Figura 54: Foto Laura Pappalardo Figura 55: Foto Laura Pappalardo Figura 56: Foto de minha autoria Figura 57: Desenho Laura Pappalardo Figura 58: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 59: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 60: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 61: Foto Laura Pappalardo Figura 62: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 63: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 64: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 65: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 66: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 67: Desenho Laura Pappalardo Figura 68: Foto Laura Pappalardo Figura 69: Foto Laura Pappalardo Figura 70: Foto Laura Pappalardo Figura 71: Foto Laura Pappalardo Figura 72: Foto Laura Pappalardo Figura 73: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 74: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 75: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 76: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 77: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 78: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 79: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 80: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 81: Catálogo do MAM referente à exposição do fotógrafo Wolfgang Tillmans, em 2012 Figura 82: Desenho Laura Pappalardo Figura 83: Desenho Laura Pappalardo Figura 84: Foto Laura Pappalardo
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Figura 85: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 86: Foto Laura Pappalardo Figura 87: Foto Laura Pappalardo Figura 88: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi Figura 89: Desenho Laura Pappalardo Figura 90: Catálogo do MAM referente à exposição do fotógrafo Wolfgang Tillmans, em 2012 Figura 91: Acervo Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi
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