Arquitetura sob a luz do cinema

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ARQUITETURA SOB A LUZ DO CINEMA

LETICIA COLNAGO



ARQUITETURA SOB A LUZ DO CINEMA



UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE ARTES DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO

ARQUITETURA SOB A LUZ DO CINEMA LETICIA COLNAGO

Projeto de Graduação apresentado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito para a obtenção do título de Arquiteta e Urbanista Orientadora: Dra. Clara Luiza Miranda Co-Orientadora: Dra. Daniela Zanetti Co-Orientador: Vitor Graize

VITÓRIA 2012



FOLHA DE APROVAÇÃO Leticia Colnago Projeto de Graduação aprovado em: _____________ Ata de Avaliação da Banca: _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ _________________________________________________________________ Avaliação da Banca Examinadora _________________________________________________________________ nota data Dra. Clara Luiza Miranda _________________________________________________________________ nota data Dra. Daniela Zanetti _________________________________________________________________ nota data Vitor Graize



AGRADECIMENTOS Primeiramente à minha família, pelo amor, pelo apoio constante e pela paciência, especialmente durante esses anos de faculdade. Aos professores que passaram pela minha vida, que me fizeram crescer como pessoa e como arquiteta.

Especialmente à minha orientadora Clara Miranda, pela atenção e pela disponibilidade, pelas discussões enriquecedoras (e por todas as outras também). Aos meus co-orientadores, Vitor Graize e Daniela Zanetti, que me guiaram nessa jornada em um campo praticamente desconhecido.

Aos amigos que fiz nesses últimos 5 anos, que foram responsáveis por torná-los inesquecíveis. Em especial ao Jão, pela amizade, pelas brigas, pela companhia sempre presente, enfim, por tudo. Vocês todos são responsáveis pela pessoa que eu sou hoje. Obrigada.



“Olha, descobre este segredo: uma coisa são duas - ela mesma e sua imagem. Repara mais ainda. Uma coisa são inúmeras coisas. Sua imagem contém infinidade de imagens em estado de sonho, germinando no espaço e na luz. E as criaturas são também assim, múltiplas de si mesmas. A variedade de imagens revela o mundo que nasce a cada instante em que o contemplas: formas, ritmos, ângulos, expressões, impressões, fragmentos, síntese. A imagem é um ser vivo, como os demais seres. E quer penetrar em teu espírito, habitá-lo como hóspede afetuoso. Se a recolheres com toda pureza da vista e completa simpatia da mente, ela te enriquecerá.” Carlos Drummond de Andrade



ÍNDICE Introdução ........................................................................................ 13 Espaço fílmico ................................................................................... 21 Espaço como personagem .............................................................. 55 Cinema como campo de experimentação ...................................... 83 Cinema como meio crítico .............................................................. 105 Conclusão ........................................................................................ 129 Glossário .......................................................................................... 133 Créditos ........................................................................................... 141



INTRODUÇÃO

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[F1] Insolação (2009).

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INTRODUÇÃO

[...] o cinema pode sempre instigar a cidade ver-se pelo olhar do outro – não encarar o cinema como um espelho, mas como um prisma, não para ver o objeto refletido no filme, mas usar o filme para ver através da cidade a sua pulsão urbana.* Arquitetura e cinema são dois campos de trabalho que, embora diferentes, estão inextricavelmente relacionados – como será demonstrado nas páginas a seguir. Ao explorar estes dois temas de forma conjunta busca-se tomar proveito do “diálogo sempre enriquecedor que privilegia o entre”* , deste ponto de fronteira/tensão entre eles, com o objetivo de tentar perceber ambos através de um ângulo novo.

* DUARTE, Fábio. Cinemacidades. Arquitextos, São Paulo, 05.053, Vitruvius, out. 2004 <http://www. vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.053/532>.

Este trabalho busca examinar o papel e o potencial do cinema como forma de representação, fonte de inspiração, meio de observação e de interpretação dos espaços arquitetônicos. Tem como objetivo direcionar um olhar crítico à produção cinematográfica atual e através dela observar (pelo olhar do outro) a cidade e sua pulsão urbana, assim como outros espaços arquitetônicos.

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Metodologia O trabalho tem como base uma revisão crítica da bibliografia encontrada a respeito do tema “relação entre cinema e arquitetura”, na forma de livros, artigos e outros trabalhos acadêmicos. Foram também estudados textos teóricos focados no campo do cinema (especialmente do autor Jacques Aumont, como “A Imagem”, “Estética do Filme” e “A Análise do Filme”) com o objetivo de compreender melhor os fundamentos do campo de trabalho. Simultaneamente, houve um esforço no sentido de procurar filmes que pudessem ser considerados de alguma forma relevantes ao tema e às reflexões decorrentes dos problemas levantados por estes. O corpus deste trabalho então se constitui de textos e de filmes. Os filmes escolhidos foram então assistidos buscando manter sempre o foco na importância dos espaços e lugares que representam, da relevância destinada a estes espaços dentro da narrativa e da forma como essa representação ocorre. As análises feitas a respeito dos filmes variam o foco entre a relevância da arquitetura para a narrativa (tema) e sua presença estética (imagem), uma vez que os dois pontos são relevantes a partir do momento que consideramos a arquitetura (uma arte de forte presença estética) parte integrante do filme como elemento narrativo.

Obviamente muitos filmes não serão considerados neste trabalho, uma vez que seria impossível analisar toda a produção de uma indústria

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cinematográfica com mais de um século de existência. Desta forma, com o intuito de manter a pesquisa relevante (e plausível), criou-se um recorte para análise focado na produção cinematográfica do final da década de 1990 até o início da década de 2010 (época atual da produção do trabalho). Não por acaso, este período coincide com o início de um contato mais interessante e crítico com o cinema de minha parte. Permite-se uma exceção a este recorte histórico no primeiro capítulo, uma vez que para fazer uma revisão histórica da evolução dos espaços fílmicos é necessário abordar produções de períodos anteriores.

É importante deixar claro que este trabalho não tem a intenção de julgar o valor artístico dos filmes analisados. Busca, ao invés, ser o mais abrangente possível, abarcando diferentes temas e abordagens da produção do cinema narrativo contemporâneo – do independente ao comercial, do avant-garde ao mainstream – como uma forma de explorar ao máximo o tema e seus horizontes/perspectivas. Evita-se apenas o gênero documentário como forma de limitar o escopo do trabalho às narrativas ficcionais. Por último, é importante lembrar que, embora este trabalho se aventure no campo do cinema, seu foco principal está no campo da Arquitetura e do Urbanismo. Logo, apesar de ter sido feito um esforço real para compreender as bases do estudo cinematográfico, as análises aqui realizadas foram produzidas por uma cinéfila, uma amadora na campo das artes cinematográficas, e devem ser encaradas como tal.

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Capítulos O primeiro capítulo, “Espaço fílmico”, tem a intenção de introduzir os dois temas (arquitetura e cinema), criando as primeiras interrelações entre eles. Nele consta também a conceituação do termo “espaço fílmico” a ser utilizado no decorrer do trabalho, assim como um breve histórico da sua representação nas telas, a importância dos profissionais relacionados à criação destes espaços e as transformações que esta representação sofreu devido à evoluções técnicas. O segundo capítulo, “Espaço como personagem”, aborda a relevância dos espaços fílmicos (arquitetônicos) diretamente nos filmes em que estão inseridos. Seja como ferramenta de contextualização da ação, “personagem” participante do desenvolver da trama ou elemento simbólico capaz de acrescentar informação à estória. Nos filmes abordados neste capítulo a arquitetura estará sempre presente como parte inextricável. Neste capítulo serão analisados os filmes: Insolação (Felipe Hirsch e Daniela Thomas, 2009); A Vila (M. Night Shyamalan, 2004); A Casa do Lago (Alejando Agresti, 2006); Aeon Flux (Karyn Kusama, 2005); Meia-Noite em Paris (Woody Allen, 2011) e O Castelo Animado (Hayao Miyazaki, 2004). O terceiro capítulo, “Cinema como campo de experimentação”, discorre sobre as possibilidades do cinema como campo de experimentação tanto para a percepção da arquitetura (real ou imaginária) como para

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a experimentação de novas técnicas projetuais, construtivas e de representação, novas possibilidades materiais ou conceitos arquitetônicos. Os filmes abordados nesse capítulo exploram a forma como percebemos a arquitetura e os espaços construídos e, consequentemente, como a construímos (ou construiremos). Neste capítulo serão analisados os filmes: A Origem (Christopher Nolan, 2010); Dogville (Lars von Trier, 2003).

O último capítulo, “Cinema como meio crítico”, busca explorar as possibilidades do cinema como meio crítico de reflexão a respeito da arquitetura do passado, contemporânea ou mesmo de novas propostas arquitetônicas.. Nestes filmes a arquitetura aparece de maneira mais sutil, podendo exigir uma análise mais profunda, porém isto não a torna parte menos integralmente importante dos universos fílmicos apresentados. Neste capítulo serão analisados os filmes: O Show de Truman (Peter Weir, 1998); Madrugada dos Mortos (Zack Snyder, 2004); Encontros e Desencontros (Sofia Coppola, 2003) e Matrix (Andy e Lana Wachowski, 1999).

É importante ressaltar, a respeito dos filmes abordados em cada capítulo, que uma certa sobreposição é inevitável pois quando a arquitetura se apresenta como um elemento relevante no filme ela frequentemente adotará mais de uma função. Isto é especialmente verdadeiro no que diz respeito à função crítica, sendo frequentes os pares personagem/ crítica e crítica/experimentação.

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ESPAÇO FÍLMICO

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[F2] Set de Metr贸polis (1927).

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ESPAÇO FÍLMICO Antes de mais nada, se faz necessário explicitar algumas definições básicas a serem consideradas no decorrer da leitura do trabalho: A definição de arquitetura a ser utilizada para fins de análise neste trabalho não vê distinção entre os diferentes tipos de construção, sejam eles edifícios (elementos individuais, e os espaços internos que comportam) ou cidades inteiras (conjuntos de edifícios e os vazios urbanos formados pelo agenciamento dos mesmos). Considera como arquitetônico, então, todo espaço construído e os elementos que o compõem. 1

No entanto, uma vez que esta arquitetura é transposta para a tela de cinema ela deixa de ser espaço real para se tornar representação ou apresentação, a ser denominada de espaço fílmico. Este espaço fílmico engloba todo o espaço representado na tela, seja ele construído, tradicional, um set montado em estúdio, uma construção pré-existente filmada em locação ou até mesmo espaços virtuais criados através de recursos de computação gráfica. O conceito de espaço fílmico, porém, abarca também o espaço não-tradicional, experimental, imaginado, decorrente da montagem de imagens sucessivas de forma não-linear.2 Finalmente, o espaço fílmico é delimitado pelo enquadramento não sendo, no entanto, limitado por ele – uma vez que continua existindo no imaginário do espectador mesmo que passe ao fora de cena.

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*Percepção esta que já havia sido desafiada previamente pela própria arquitetura ao experimentar com espaços diversos dos quais estávamos acostumados (plano livre, cortinas de vidro como forma de resistir ao confinamento; edifícios cada vez mais altos afastam as pessoas do ponto de vista natural, próximo ao chão). (SCHWARZER, 2004)

Importância do cinema para a arquitetura Desde as primeiras tentativas rudimentares de representar o espaço em que vivemos, passando pelo desenvolvimento da perspectiva no Renascimento até as primeiras técnicas fotográficas com a utilização de mecanismos externos criadas no século XIX, a humanidade vem buscando formas cada vez mais precisas de representar o meio que habita. O cinema se afirma no século XX como uma nova possibilidade de ampliar e desafiar a percepção do espaço.*

Em seu livro Saber Ver a Arquitetura, Bruno Zevi afirma que o melhor meio para representar a arquitetura seria o filme – pois, apesar de fazer uso de suportes em duas dimensões, consegue criar a ilusão da terceira dimensão (profundidade) e de forma ainda mais relevante a ilusão da chamada quarta dimensão, “o tempo dos pontos de vista sucessivos”3 (comumente referida como tempo ou movimento). O próprio autor, porém, admite que esta ainda não é a solução ideal já que ao fixar um trajeto pré-definido no espaço impede a interatividade do espectador e que o mesmo tenha experiências próprias. Outro autor que reconhece a relevância da produção cinematográfica como forma de percepção do espaço urbano é Aldo Rossi, como afirmou em entrevista concedida à revista Process: Architecture4:

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Acredito que os Canaletto’s e Piranesi’s da nossa época são os diretores, as pessoas do cinema: eles descrevem a cidade moderna, seu centro e arredores. [...] Os arredores da Roma de Pasolini ou da Milão de Antonioni foram descobertos primeiro no cinema, e não por arquitetos.*

Ao trabalhar esses espaços urbanos nas telas os diretores são responsáveis por revelá-los ao público, às massas, por vezes sugerindo novas formas de apropriação e uso dos mesmos.

*“I believe that the Canaletto’s and the Piranesi’s of our time are the directors, the people of the cinema: they describe the modern city, its centre and its outskirts. [...] The outskirts of Pasolini’s Rome or of Antonioni’s Milan, were discovered first in the cinema, rather than by architects.” Neste parágrafo Rossi se refere a filmes como Desajuste Social (1961) e Mamma Roma (1962) de Pier Paolo Pasolini, e A Noite (1961) de Michelangelo Antonioni, que exploram os arredores destas cidades.

Comparando o cinema com outras formas comuns de percepção do espaço arquitetônico, este pode ser considerado como um meio médio de se experimentar a arquitetura: não tão focado quanto a representação técnica (desenhos técnicos, maquetes), porém mais direcionado do que em situações cotidianas.5 Essa percepção mediada da arquitetura e dos espaços construídos é obviamente diversa da que experimentamos diariamente ao percorrermos o ambiente urbano, uma vez que a câmera passa a simular o olhar do observador nos distanciando do espaço concreto, cotidiano. Como a fotografia havia feito previamente, o cinema desloca a arquitetura de seu contexto, podendo agora ser percebida como item individual ao invés de componente de um espaço maior.6 Técnicas como

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enquadramentos e a substituição de sons ambientes por trilhas sonoras podem ser utilizadas pelos realizadores do filme para interferir na experiência urbana e manipular a experiência estética do espaço, por vezes removendo o indesejado e permitindo apenas o que for considerado relevante na criação do seu universo.

Se considerarmos a experiência arquitetônica como o acúmulo de sensações experimentadas pelo movimento através do espaço7, ao permitir que elas sejam controladas pelo olhar da câmera concordamos em abrir mão de uma experiência direta destes espaços em favor de uma experiência selecionada e controlada. Cada espectador tem, porém, sua própria vivência pessoal do filme influenciando na percepção dos espaços apresentados. No entanto, os diretores podem fazer uso deste controle para realçar detalhes que considerem relevantes, seja através do posicionamento da câmera, constrastes, recortes, etc. Na projeção cinematográfica os papéis se invertem: o público permanece estático enquanto a câmera realiza todo o movimento. Esta apresentação da arquitetura, filmada a partir do melhor ângulo, com a iluminação desejada e enquadramento específico, pode vir a criar uma visão idealizada com a qual a realidade não tem chance de rivalizar. Estes fatores afetam diretamente nossa percepção do espaço pois, como afirma Mitchell Schwarzer, “como vemos é inseparável do que vemos”.8 Aplicando essa mesma lógica pode-se afirmar que a visualidade característica do cinema alterou a nossa percepção dos espaços arquitetônicos, uma vez que cada vez mais entra

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mos em contato com o mundo através de imagens projetadas.

No entanto, apesar dessa intermediação, o meio filmíco pode ser considerado como a forma de expressão mais apropriado à nossa era por ser capaz de se adaptar e simular as mudanças na percepção resultantes dos diversos desenvolvimentos tecnológicos a que já estamos acostumados (a visão em movimento de carros e trens, o olhar descendente de aviões e helicópteros, o condensamento da experiência diária em uma fotografia).9 A principal relação entre arquitetura e cinema tem como base a dialética entre a experiência física dos espaços construídos e a crescente virtualização/dematerialização dos espaços experimentados diariamente.10 A percepção das cidades é cada vez mais regulada através de lentes de câmeras (sejam estas fotográficas ou videográficas), atenuando as características físicas e materiais do espaço construído aos olhos do espectador. Segundo Walter Benjamin, em seu texto “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”11, tanto o cinema quanto a arquitetura são percebidos num estado de distração, diferente do nível de atenção destinado à percepção de uma pintura por exemplo, devido ao movimento das imagens cinematográficas. Da mesma forma que diariamente percorremos espaços urbanos povoados pela arquitetura sem necessariamente

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*O próprio Benjamin faz uma ressalva a esse comentário indicando que este estado de distração é característico do público espectador de massa que busca no filme uma forma de diversão, enquanto o conhecedor o aborda com recolhimento e um olhar crítico.

Esta confiança na fidelidade da representação vem desde a fotografia que, através de suas convenções visuais e do seu procedimento técnico, nos convence de que o que vemos é de fato real. (SCHWARZER, 2004)

atentarmos aos seus detalhes, quando assistimos a um filme entramos em um estado de transe semelhante, nos deixando levar pelas imagens que surgem na tela.* Como uma extensão do argumento de Benjamin, Christian Metz afirma que a “impressão de realidade” causada pelo cinema advém da capacidade do espectador de se identificar com os acontecimentos representados no filme e, caso seja essa a intenção, se deixar levar pelas imagens apresentadas.12

Nenhuma outra arte captura e envolve tão fortemente o espectador como o cinema, que dá a sensação de estar diante de um acontecimento real, provocando um processo de participação emocional e sensorial da platéia.13

Estes fênomenos explicam porque, ao assistirmos um filme, podemos sofrer uma total imersão no ambiente apresentado e, confiando na representação fiel de espaços tidos como reais, consideramos conhecê-los mesmo sem nunca havermos estado lá fisicamente.⌘ Mas até que ponto podemos tratar a percepção desses espaços cinematográficos como semelhante à percepção do mundo real, sem considerar as diferenças óbvias entre os dois meios de experimentação espacial?

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É possível também explorar as similaridades entre o arquiteto e outros profissionais relacionados à produção cinematográfica. Em discussão realizada no NeoCon West14 o designer de produção* Alex McDowell fala um pouco sobre essas similaridades:

O designer de produção e o arquiteto, eu acho, têm práticas paralelas. Ambos começamos com conceitos abstratos que têm que preencher parâmetros rígidos. Em termos da arquitetura os parâmetros são realmente muito mais rígidos. Você está lidando com espaços que as pessoas vão ocupar por muito tempo. Mas eu acho que a minha abordagem do design de filmes é muito similar de várias maneiras. Meu trabalho é criar um espaço visual que as pessoas possam ‘ocupar’ plenamente. Eu acho que filmes são uma versão acelerada da arquitetura. O que eles perdem nesse processo de aceleração tem a ver com a realidade das texturas e da experiência. ⌘

*Profissão similar à de Diretor de Arte na indústria cinematográfica brasileira. ⌘

“The production designer and the architect, I think, have parallel practices. We are both starting with an abstract concept that has to fulfill very strict parameters. In terms of architecture, the parameters are really much stricter. You’re dealing with space that people are going to occupy for a long time. But I think in many ways my approach to film design is similar. My job is to create a visual space that people can fully occupy. I think film’s an accelerated version of architecture. What it loses in the process of acceleration is to do with the reality of textures and experience.”

Nos filmes, embora os atores cheguem a ocupar de fato os espaços no decorrer das filmagens, a verdadeira ocupação ocorre por parte dos

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* “In film we are dealing with lights. For the designer, his job is to create surfaces that either absorb or reflect light. The environment that an audience immerses itself in is created purely out of light. There’s no substance.”

[F3] Croquis feitos por Le Corbusier no mesmo estilo de um storyboard para ilustrar e acompanhar a descrição do projeto da residência de Madame Meyer.

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espectadores através dos personagens, sendo que isso ocorre de forma imaginada, fantasiada.

Ele ainda completa, “Nos filmes, nós estamos lidando com luzes. Para o designer o seu trabalho é criar superfícies que absorvem ou refletem luz. O ambiente em que a audiência se imerge [espaço fílmico] é criado puramente de luz. Não tem substância.”* É possível também perceber semelhanças entre as profissões do arquiteto e de cineasta. Ambos trabalham com a coordenação de grandes equipes, manipulando sequências de imagens com um intuito de transmitir uma estória, um sentimento, materializando realidades que só existem em suas mentes. Através de processos de decupagem e montagem (para nos apropriarmos do vocabulário cinematográfico) ambos os profissionais criam um percurso a ser seguido, explorado e experimentado pelos especta-


dores e indivíduos sempre com a mão do arquiteto/diretor guiando este processo. *

Esta comparação não é inédita, o próprio arquiteto Jean Nouvel já cita esta relação em entrevista concedida à revista AU – Arquitetura e Urbanismo:

*Seguindo esta lógica, a história a ser contada pode ser considerada como um programa que precisa ser atendido - certas cenas/espaços são necessários para atender as necessidades do enredo/programa, enquanto outras podem ser consideradas supérfluas e “editadas” do resultado final.

o arquiteto, à semelhança de um diretor de cinema, deve saber captar a luz, o movimento, produzindo por meio de seus projetos uma coreografia de ritmos, gestos, imagens, tomadas (planos) e fantasia. Saber realizar, enfim, a síntese entre o universo real e o virtual...15

No entanto, enquanto arquitetos criam espaços que serão habitados por décadas (ou até séculos) designers e diretores criam espaços a serem habitados apenas por algumas horas. É importante considerar, porém, que a curta duração dos filmes não torna estes espaços menos relevantes ou mais efêmeros, uma vez que estes podem permanecer no imaginário popular com muito mais eficiência do que espaços ditos reais.

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*Neste trabalho a arquitetura cinematográfica será considerada como toda arquitetura que compõe o espaço fílmico, seja ela construída especialmente para o cinema (definição adotada por Dietrich Neumann em “From Metropolis to Blade Runner”) ou arquitetura “real” capturada em filme.

Importância da arquitetura para o cinema A arquitetura cinematográfica* atinge diferentes níveis de importância com relação à história a ser contada, dependendo das intenções do diretor. Pode servir apenas de pano de fundo para os acontecimentos ou tomar gradualmente maior relevância, passando de elemento acessório ao enredo até a posição de personagem integralmente participante do seu desenrolar. De qualquer forma, edifícios e paisagens urbanas são essenciais na criação desta realidade alternativa, que experimentamos sob o olhar direcionado da câmera, compondo a cena e contextualizando as ações. Como afirma Fábio Allon dos Santos, “é o espaço arquitetônico [fílmico] que permite a ligação entre tempo, espaço e homem”16. O diretor Wim Wenders, conhecido pelo seu interesse em trabalhar a paisagem (tanto os espaços ocupados como os vazios), afirma:

Uma rua, a fachada de uma casa, uma montanha, uma ponte, um rio ou o que quer que seja, são mais do que um ‘último plano’. Eles também possuem uma história, uma personalidade, uma identidade que deve ser levada a sério. Eles influenciam os caracteres humanos que vivem neste último plano, criam uma atmosfera, uma noção do tempo, uma emoção. Eles podem ser

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feios ou belos, jovens ou velhos: eles estão certamente ‘presentes’, e é justamente a única coisa que conta para o ator. Eles têm o direito de serem levados a sério.17

Desta forma, podemos afirmar que a arquitetura apresentada no cinema possui inicialmente duas possibilidades: a primeira, e mais óbvia, é a de compor o cenário, pano de fundo e contextualizador (no tempo e no espaço) das cenas representadas, por vezes extrapolando este papel e passando a ser parte integral da estória contada. Neste caso, a arquitetura mantém sua característica diegética, inserida na narrativa. A segunda possibilidade é mais complexa. Neste segundo caso a arquitetura cinematográfica pode adquirir o papel de influenciar a forma como os espectadores percebem e consomem a arquitetura real. A associação de certo tipo de arquitetura nos filmes pode exacerbar um sentimento sutil existente na população (como a associação da arquitetura moderna/contemporânea com “vilões” e personagens disfuncionais), realçar o espírito crítico com relação à produção arquitetônica atual ou por vezes dissimular entre os próprios profissionais da área novas estéticas. Dessa forma, a arquitetura supera sua função diegética e extrapola os limites do filme passando a ter relevância direta no chamado “mundo real”. Dietrich Neumann argumenta em favor dessa função extra-diegética da arquitetura cinematográfica em seu livro “Film Architecture: Set

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*“Perhaps the most fascinating cases – and the ones for which the term film architecture seems most fitting are those in which architecture is created for a particular movie and exists only for and through the film, but nevertheless reflects and contributes to the contemporary architectural debates. On such occasions, the mass-medium of film can play an important role in the reception, criticism and dissemination of architectural ideas.” Isto é especialmente frequente nos filmes que apresentam ambientes fantásticos ou futuristas, por terem um grau maior de liberdade de experimentação formal.

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designs from Metropolis to Blade Runner”18:

Talvez os casos mais fascinantes – e aqueles a que o termo ‘arquitetura fílmica’ seja mais apropriado – são aqueles nos quais a arquitetura é criada especialmente para um filme em particular e existe apenas para e através do filme, mas que, de qualquer forma, reflete e contribui para os debates arquitetônicos correntes. Nestas ocasiões, o filme como meio de massa pode ter um importante papel na recepção, crítica e disseminação de idéias arquitetônicas.*

A representação arquitetônica no cinema também é responsável pela criação (deliberada ou não) de ícones memoráveis – nesses casos o cinema se torna mais do que meio de representação, passando a ser uma forma de expressão arquitetônica. Certos edifícios ou paisagens arquitetônicas encontram-se inextricavelmente associadas a eventos cinematográficos icônicos, como o Empire State Building em Nova York e o filme King Kong (Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, 1933). Estes ícones urbanos (como os denominou Kevin Lynch em seu livro “A Imagem da Cidade”, 1960) vão aos poucos sendo utilizados nos filmes como forma de rapidamente situar o espectador, tanto geograficamente como emo


cionalmente, ao fazer uso da carga dramática que vão acumulando devido às suas constantes aparições cinematográficas. Desta forma, com uma simples tomada da Torre Eiffel ou do letreiro de Hollywood, é possível criar toda uma paisagem baseada nas associações mentais pré-concebidas pelo público. Estes clichês arquitetônicos facilitam a decodificação do filme pelo público espectador.19

[F4] Cartão postal da cidade de Nova York incorpora o próprio personagem do filme à paisagem como forma de divulgação turística.

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[F5] Breve reflexo da Torre Eiffel é uma das poucas indicações que o filme Playtime (Jacques Tati, 1967) se passa em Paris.

Ao mesmo tempo, a recorrente representação cinematográfica de certas paisagens-locações cria uma sensação de familiaridade e anestesia os espectadores à realidade (de forma semelhante ao que ocorre conosco ao percorrermos diariamente o mesmo percurso sem percebê-lo atentamente). Dada a notoriedade emprestada a estes edifícios perservados em filme é possível que eles nunca sejam conhecidos pessoalmente, uma vez que o que é fotografado/filmado (experimentado) não precisa mais ser visitado.20 Ou, ao contrário, pode criar no público espectador a necessidade de vivenciar esses espaços pessoalmente com o objetivo de reviver e se inserir na trama. Neste caso, seria possível até argumentar que a ex

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posição recorrente de certas cidades no cinema pode ter tido influência indireta no seu desenvolvimento devido ao turismo. A reação do público dependerá, obviamente, do interesse despertado pelo filme por cada um dos espaços apresentados e do impacto causado por eles.

Assim como a fotografia havia feito antes, o cinema cria “traços de realidade”, preservando-a no tempo e no espaço.21 Através das décadas, a contribuição histórica do cinema não se limitou apenas ao retrato da sociedade. Por meio de filmagens em locações reais, possibilitou também a documentação do desenvolvimento das cidades criando uma espécie de histórico ilustrado das mesmas (especialmente daquelas consideradas icônicas como Paris, Nova York, Chicago ou Londres, entre tantas outras). No entanto, como afirma Roland Barthes, nosso entendimento de uma representação de caráter histórico depende do nosso conhecimento do contexto histórico a que ela pertence e no qual foi produzida, só assim sendo possível compreender seu significado real.22 É preciso também lembrar que a realidade apresentada será sem dúvida influenciada pelas ideologias de quem a apresenta. Desta forma não é possível considerá-la uma visão imparcial, tornando assim ainda mais importante o conhecimento histórico de quem a observa. Nas palavras de Leonardo Name:

A paisagem cinematográfica não é, então, um lugar neutro para o entretenimento ou para uma documen

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tação objetiva, muito menos mero espelho do real, mas sim uma forte criação cultural e ideológica onde significados sobre lugares e sociedades são produzidos, legitimados, contestados e obscurecidos.23

De toda forma, é inegável que entre a arquitetura e o cinema existe uma relação de influência mútua - a arquitetura real influencia a apresentação da arquitetura cinematográfica ao mesmo tempo que a arquitetura cinematográfica influencia a produção e percepção da arquitetura real.

Breve histórico da representação do espaço fílmico no cinema

O cinema surge no final do século XIX como uma forma de representação realista do espaço e de entretenimento para as massas. Nestes quesitos o cinema tinha como antecessores outras invenções que buscavam simular a realidade, como: o Panorama (uma imensa tela pintada simulando uma paisagem), o Stereorama (que simulava uma viagem pelo Mediterrâneo através da pintura de paisagens em uma tela móvel iluminada, dando a ilusão de movimento) e, ainda mais realístico, o Mareorama (onde cerca de 1500 passageiros embarcavam em uma construção em forma de navio e simulavam uma viagem entre Marselha e Constantinopla, inclusive fazendo uso do Stereorama para simular a passagem das paisagens pelas janelas das cabines).24 Comparando estas invenções, é

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possível perceber que todas tinham a simulação do movimento (e consequentemente a passagem do tempo) como objetivo comum, uma vez que era este o fator fundamental que convencia os espectadores da situação apresentada.

[F6] Ilustração do Mareorama (Exposição de Paris, 1900) publicada na revista Scientific American.

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*O famoso filme dos irmãos Lumière, A Chegada de um Trem à Ciotat (1895), tem exatamente uma estação de trem como locação principal, um dos ícones máximos da modernidade para a época. (ALLON DOS SANTOS, 2004) Outro diretor que explora as possibilidades da filmagem documental (assim como experimentações técnicas com o próprio processo de filmagem) é o russo Dziga Vertov, a exemplo do seu filme O Homem da Câmera (1929).

Os primeiros filmes, produzidos tanto pelos irmãos Lumière como por Thomas Edison, estavam mais preocupados em explorar a visualidade do mundo moderno do que em contar histórias.* Cenas de locais reais, porém frequentemente exóticos aos espectadores, eram exploradas como uma forma de “turismo” barato. A nova arte cinematográfica conseguia retratar a intensidade e contradições da vida nas grandes metrópoles mais eficientemente do que qualquer outra.25 Estes primeiros registros cinematográficos tiveram o importante papel de servirem como documentários das cidades e sociedades da época, como por exemplo no filme À Propos de Nice (1930) de Jean Vigo. Neste filme, além da função documental, Vigo explora a possibilidade de utilizar o cinema como forma de crítica à desigualdade social, aos costumes e modo de vida da alta sociedade contraposta à vida da população em geral.

O surgimento do filme narrativo, como o conhecemos atualmente, data das primeiras décadas do século XX, com diretores como Georges Méliès que exploraram o gênero da fantasia e as possibilidades das filmagens em estúdio. O espaço fílmico nestas primeiras produções em estúdio sofreu grande influência da cenografia teatral, fazendo uso de cenários pintados ou mesmo construídos, porém essencialmente bidimensionais – o que gerava um contraste marcante quando contrapostos com filmagens realizadas em locação.26

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A arquitetura sempre esteve presente nas produções cinema-


[F7] Imagens do filme À Propos de Nice (1930).


* Entre os primeiros filmes neorrealistas podemos citar Roma, Cidade Aberta (1945) de Roberto Rossellini, Obsessão (1943) de Luchino Visconti e Ladrões de Bicicleta (1948) de Vittorio de Sica. O comprometimento com a realidade era tanto que os diretores frequentemente optavam por utilizar habitantes das cidades ao invés de atores, em prol do realismo.

tográficas, com diferentes níveis de importância, ao ponto de ser quase impossível imaginar um filme sem algum elemento arquitetônico. Esta fixação do cinema com as grandes metrópoles pode ser parcialmente explicada pela origem em comum, no final do séc. XIX, período de industrialização em escala global. A grande concentração de potenciais espectadores nestes centros urbanos também influenciou a estreita conexão entre os dois. O próprio cinema surge como a primeira forma de arte industrial, produzido nos grande estúdios como uma linha de produção onde grupos são responsáveis por diferentes partes do processo, sem domínio do processo total.27

A representação do espaço arquitetônico no cinema sofreu com dificuldades técnicas nas primeiras décadas de sua existência. Os primeiros filmes mudos podiam ser filmados em locação ou estúdio, sem preocupação com as limitações impostas pela captura do som ambiente, porém eram limitados pelo tamanho das câmeras e as dificuldades em movimentá-las durante as cenas. Com a introdução do som associado à película em 1928 os diretores foram forçados de volta aos estúdios devido às dificuldades técnicas em isolar o som nas filmagens em locação.28 É apenas após a Segunda Guerra Mundial, com a ascensão do cinema Neorrealista (especialmente na Itália), que os diretores retornam às cidades com o objetivo de filmar a elas e a vida “como elas são”.*

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Desde então os espaços representados no cinema têm acompa-


nhado as evoluções estéticas e ideológicas do meio arquitetônico, ao mesmo tempo que suscitado discussões a respeito de desenvolvimentos contemporâneos e expectativas futuras. Essa influência pode ser percebida desde a repercussão de filmes como O Gabinete do Dr. Caligari (Robert Wiene, 1920) e Metropolis (Fritz Lang, 1927) com sua estética expressionista; a ênfase na ascensão do movimento moderno retratada em Vontade Indômita (King Vidor, 1949) e sua crítica bem humorada nos filmes Meu Tio (1958) e Playtime (1967) de Jacques Tati; assim como as preocupações com o futuro das grandes metrópoles como retratado nas distopias de Blade Runner (Ridley Scott, 1982) e Batman (Tim Burton, 1989).

[F8] Imagem do filme Meu Tio (1958).

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[F9] Imagem do filme 44 O Gabinete do Dr. Caligari (1920).


Nas primeiras produções cinematográficas, as locações não eram necessariamente escolhidas pela sua importância narrativa mas sim pelas facilidades logísiticas que ofereciam (clima ameno, proximidade dos estúdios). Com o desenvolvimento da indústria cinematográfica e os maiores investimentos que seguiram começou a optar-se por ambientes mais facilmente controláveis, surgindo as primeiras cidades cenográficas (grandes sets em estúdio capazes de simular quadras inteiras de uma cidade). Esta substituição de locais reais utilizados para filmagens por lugares fictícios construídos especialmente para filmagens tem um paralelo na recente substituição do centro comercial das cidades, com suas ruas de lojas, por shopping centers. Estas cidades cenográficas, no entanto, criam lugares paradoxais, onde ora se está andando em uma rua de Nova York porém ao virar a esquina se é transportado para uma cidade do velho oeste.29 Esta construção de sets genéricos/estereotípicos de cidades também tem a facilidade de permitir sua constante reutilização com algumas poucas modificações (um set urbano, com grandes edifícios, passa de Nova York a Chicago com apenas o acréscimo de algumas estruturas simulando um trem elevado). Esta reutilização cria locais aparentemente constantes no imaginário, gerando uma sensação no espectador de familiarização com estas cidades fictícias, da mesma forma que ao ver o mesmo personagem diversas vezes acabamos com a sensação de conhecê-lo, quase como amigos. Estas cidades anônimas, sem identidade, podem

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também surgir de filmagens em locações reais através de uma “colagem urbana” onde são agrupadas e misturadas cenas de cidades reais, porém diferentes (como Los Angeles, Nova York, etc). Outro fator que influencia na criação destas cidades anônimas é o constante foco dos filmes na ação/ movimento, que ao invés de imergir o espectador nos detalhes de um lugar permite apenas a percepção de suas características gerais. Estes não-lugares cinematográficos poderiam ser comparados a seus contrapontos reais como a Las Vegas Strip e os grandes shopping centers globalizados.30

Função dos designers de set na evolução dos espaços fílmicos

Entre os profissionais responsáveis pela produção dos cenários é possível encontrar diversos tipos de especialistas, incluindo arquitetos, decoradores, desenhistas, historiadores e carpinteiros, porém sempre sob a direção de um diretor de arte/designer de set.31 Dessa forma, é possível associar também esta posição à de um arquiteto, responsável por coordenar esta grande equipe, equilibrando os desejos do cliente (diretor, estúdio) para atingir um bom resultado final.

É preciso sempre lembrar da importância dos designers de set, responsáveis por toda a ambientação de um espaço ao aparecer na tela. Quando assistimos a um filme sobre um casal com filhos é fácil esquecer que todos os móveis, acessórios e até brinquedos foram meticulosamen

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te pensados e acrescentados à cena de modo a transmitir a sensação esperada da morada de um casal com filhos. Elementos que normalmente seriam desconsiderados, como porta-retratos com fotos da família e brinquedos espalhados pelo chão (desprezíveis arquitetônicamente), são os principais responsáveis por dar um tom de plausibilidade e convencer os espectadores de que o espaço onde ocorrem essas ações é de fato um lugar real, habitado diariamente pelos personagens, ao invés de um set com apenas três paredes e sem teto.* Afinal, o segredo de uma boa mentira está nos detalhes.

Designers de sets podem também servir diretamente ao diretor, auxiliando na escolha de ângulos de filmagem que destaquem aspectos relevantes do cenário com o intuito de aumentar o efeito dramático dos sets e, consequentemente, das cenas (entre outros, é possível apontar Ken Adam como um designer adepto deste tipo de comportamento).32 Desta forma, o designer de sets trabalha também com a percepção controlada por limitar exatamente que partes do cenário serão visíveis, oferecendo neste sentido uma experiência diversa da arquitetura tridimensional onde o observador tem a liberdade de circular e captar quantos ângulos desejar.

* Estes tipos de exigências são comuns para conseguir os resultados desejados no momento da filmagem em termos de áudio, ângulo e perspectiva.

Entre os muitos trabalhos de Gibbons estão os clássicos: O Mágico de Oz (Victor Fleming, 1939), Núpcias de Escândalo (George Cukor, 1940), e Cantando na Chuva (Stanley Donen e Gene Kelly, 1952).

Entre os designers de sets mais famosos é possível apontar Cedric Gibbons que entre 1930 e 1957 recebeu 11 Oscars e foi indicado outras 29 vezes por seus trabalhos para a MGM.⌘ Gibbons pode ser considerado

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a principal mente artística responsável pelo visual dos filmes da chamada “Era Dourada” de Hollywood, sendo que seus sets influenciaram não apenas outros designers como também popularizaram idéias sobre arquitetura e design de interiores. A entrada de Gibbons na indústria fílmica em 1918 coincidiu com um período de recrutamento de arquitetos e outros artistas por Hollywood com o intuito de associar suas produções cinematográficas ao campo das artes.33

A introdução da dimensão do som nos filmes influenciou também o desenvolvimento da profundidade nos sets de filmagem, uma vez que o som reverberando pelo set produz um efeito mais realista. Muitas vezes, truques cênicos eram usados como forma de acentuar a idéia de profundidade, como por exemplo o uso de espelhos (truques que são usados até hoje na decoração doméstica).34 Ao contrário do que ocorria em seus sets para filmes mudos (que por diversas vezes pareciam bidimensionais, como panos de fundo teatrais), Gibbons reconhece a importância da terceira dimensão e do set como mais do que um pano de fundo, criando espaços como o lobby do filme Grand Hotel (Edmund Goulding, 1932) onde se desenvolveria boa parte da história. Este espaço, com suas linhas modernas, oferecia uma estrutura complexa porém apropriada para o enredo do filme que se desenvolve em torno da premissa de que neste lobby de hotel personagens de diferentes classes sociais e econômicas poderiam formar relacionamentos.

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Desta forma, o lobby criado por Gibbons para Grand Hotel serve nĂŁo apenas como pano de fundo dos acontecimentos, mas tambĂŠm como elemento catalisador dos mesmos.35

[F10] Set criado por Cedric Gibbons para as filmagens de Grand Hotel (1932).

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* Nascido na Alemanha em 1921 em uma rica família judia, a juventude de Adam foi profundamente marcada pela ascensão de Hitler - forçando a fuga de sua família para Londres. Após estudar arquitetura e design, Adam direcionou seus talentos para o cinema, tendo sua juventude atribulada influenciado seus designs. (ALBRECHT in LAMSTER, 2000) ⌘

Os sete filmes são: 007 Contra o Satânico Dr. No (1962), 007 Contra Goldfinger (1964), 007 Contra a Chantagem Atômica (1965), Com 007 Só Se Vive Duas Vezes (1967), 007 - Os Diamantes São Eternos (1971), 007 - O Espião Que Me Amava (1977) e 007 Contra o Foguete da Morte (1979).

Outro designer de sets responsável pela criação de ícones do cinema foi Ken Adam (originalmente Klaus Adam).* Adam é especialmente conhecido pelos sets projetados para o filme Dr. Fantástico (Stanley Kubrick, 1964) e pelos sete filmes da saga James Bond pelos quais foi responsável.⌘ Sob seu comando, foram criados os ambientes marcantes que se firmaram como ícones da cultura popular⌽ e ainda hoje influenciam o design e a estética de filmes de ação. [F11] Sala de Guerra do filme Watchmen (Zack Snyder, 2009) projetada por Alex McDowell e inspirada no filme Dr. Fantástico.

O próprio Ken Adam gostava de recontar a história de como o presidente norte-americano recém-eleito Ronald Reagan teria ficado desapontado com a Sala de Guerra real da Casa Branca, pois teria esperado algo mais parecido com o cenário imponente do filme Dr. Fantástico. (ALBRECHT in LAMSTER, 2000)

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Os estilos marcantes desenvolvidos pelos designers de sets para seus filmes permitem que estes sejam facilmente reconhecidos e associados a eles e à história, oferecendo a mesma distinção destinada a arquitetos donos de estilos distintos.


[F12] Sala51 de Guerra projetada por Ken Adam para o filme Dr. Fantรกstico (1964).


Referências 1

ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2001. JACOBSON, Brian. Constructions of Cinematic Space: Spatial Practice at the Intersection of Film and Theory. 2005. 146 f. Dissertação (Mestrado) - Massachussetts Institute Of Technology, Cambridge, 2005. 3 ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 44. 4 ROSSI, Aldo. Entrevista. Process: Architecture: Venice: It’s Real and Imaginary Place, Tóquio, n. 75, p.7-8, 1987. 5 SCHWARZER, Mitchell. The consuming landscape: Architecture in the films of Michelangelo Antonioni. In: LAMSTER, Mark (Comp.). Architecture and Film. New York: Princeton Architectural Press, 2000. p. 197-215. 6 SCHWARZER, Mitchell. Zoomscape: Architecture in Motion and Media. New York: Princeton Architectural Press, 2004. 7 SCHMARSOW, August. The Foundations of Art History, 1905. In: SCHWARZER, Mitchell. Zoomscape: Architecture in Motion and Media. New York: Princeton Architectural Press, 2004. 8 SCHWARZER, Mitchell. Zoomscape: Architecture in Motion and Media. New York: Princeton Architectural Press, 2004. p.20. 9 Idem, Ibidem. 10 OCKMAN, Joan. Architecture in a mode of distraction: Eight takes on Jacques Tati’s Playtime. In: LAMSTER, Mark. Architecture and Film. New York: Princeton Architectural Press, 2000. p. 171-195. 11 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: _____. Magia e técnica, arte e política.São Paulo: Editora Brasiliense, 1987. p. 165-196. 2

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OCKMAN, Joan. Architecture in a mode of distraction: Eight takes on Jacques Tati’s Playtime. In: LAMSTER, Mark. Architecture and Film. New York: Princeton Architectural Press, 2000. p. 171-195. 13 METZ, Christian. A respeito da impressão de realidade no cinema. In: _____. A significação no cinema. São Paulo: Perspectiva, 1977. p. 15-28. 14 Transcrição de mesa redonda realizada como parte do evento NeoCon West em Los Angeles em 10 de março de 2005 mediada por Susan Szenasy, editora-chefe da revista online Metropolis. Disponível em: <http://www.metropolismag.com/story/20050527/ how-technology-and-films-are-changing-architecture>. Acesso em: 03 dez. 2011. 15 ALLON DOS SANTOS, Fábio. A arquitetura como agente fílmico. Arquitextos, São Paulo, 04.045, Vitruvius, fev 2004 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.045/616>. 16 Idem, Ibidem. 17 WENDERS, Wim. A paisagem urbana. Revista do Iphan, v. 23, n. , 1994. p. 185. 18 NEUMANN, Dietrich. Introdução. In: _____ (ed.). Film architecture: Set designs from Metropolis to Blade Runner. Munich: Pretel, 1999. p.8. 19 ALLON DOS SANTOS, Fábio. A arquitetura como agente fílmico. Arquitextos, São Paulo, 04.045, Vitruvius, fev 2004 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.045/616>. 20 SCHWARZER, Mitchell. Zoomscape: Architecture in Motion and Media. New York: Princeton Architectural Press, 2004. 21 Idem, Ibidem. 22 BARTHES, Roland. The Photographic Message. In: _____. Image-Music-Text. New York: Noonday Pres, 1977. p. 28. 23 NAME, Leonardo dos Passos Miranda. Apontamentos sobre a relação entre cinema e ci

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dade. Arquitextos, São Paulo, 04.037, Vitruvius, jun. 2003 <http://vitruvius.es/revistas/ read/arquitextos/04.037/676>. 24 ALLON DOS SANTOS, Fábio. A arquitetura como agente fílmico. Arquitextos, São Paulo, 04.045, Vitruvius, fev 2004 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.045/616>. 25 NEUMANN, Dietrich. Introdução. In: _____ (ed.). Film architecture: Set designs from Metropolis to Blade Runner. Munich: Pretel, 1999. p.7. 26 ALLON DOS SANTOS, Fábio. A arquitetura como agente fílmico. Arquitextos, São Paulo, 04.045, Vitruvius, fev 2004 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.045/616>. 27 DUARTE, Fábio. Cinemacidades. Arquitextos, São Paulo, 05.053, Vitruvius, out. 2004 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.053/532>. 28 SCHWARZER, Mitchell. Zoomscape: Architecture in Motion and Media. New York: Princeton Architectural Press, 2004. 29 VALENTINE, Maggie. Escape by design. In: LAMSTER, Mark. Architecture and Film. New York: Princeton Architectural Press, 2000. p. 149-158. 30 SCHWARZER, Mitchell. Zoomscape: Architecture in Motion and Media. New York: Princeton Architectural Press, 2004. 31 WILSON, Christina. Cedric Gibbons: Architect of Hollywood’s Golden Age. In: LAMSTER, Mark. Architecture and Film. New York: Princeton Architectural Press, 2000. p. 101-116. 32 ALBRECHT, Donald. Dr. Caligari’s Cabinets: The set design of Ken Adam. In: LAMSTER, Mark. Architecture and Film. New York: Princeton Architectural Press, 2000. p. 117-128. 33 WILSON, Christina. Cedric Gibbons: Architect of Hollywood’s Golden Age. In: LAMSTER, Mark. Architecture and Film. New York: Princeton Architectural Press, 2000. p. 101-116. 34 Idem, Ibidem. 35 Idem, Ibidem.

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ESPAÇO COMO PERSONAGEM

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[F13] O Castelo Animado (2004).

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ESPAÇO COMO PERSONAGEM Na maioria dos filmes produzidos é possível perceber que embora a paisagem e os edifícios tenham grande importância em cenas externas o foco se encontra principalmente nos elementos participantes da ação, e secundariamente no cenário. Isto é especialmente verdadeiro quando se considera os chamados “filmes de ação” que, como o nome já implica, têm o seu foco em cenas rápidas, de alto nível cinético. Embora nesses casos a responsabilidade de transmitir a sensação de movimento esteja principalmente nos elementos que atuam diretamente na cena (personagens, meios de transporte, animais, etc.) o cenário é, muitas vezes, propositadamente deixado fora de foco para realçar a sensação de movimento e velocidade. Em alguns casos, no entanto, cenas constituídas principalmente de elementos estáticos (como paisagens naturais, edifícios ou por vezes cidades inteiras) são utilizadas pelo diretor para criar a atmosfera e contextualizar a narrativa no espaço-tempo desejado.1 Embora nessas situações o foco esteja no cenário, é possível a existência de movimento extrínseco a ele (pessoas, carros, animais, clima, etc) mas também de movimentos intrínsecos (terremotos, cenas filmadas no interior de navios, trens, etc) que auxiliam na contextualização. Entre os gêneros cinematográficos que dependem diretamente deste artifício temos os westerns, filmes noirs ou de época/históricos.

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As técnicas de montagem tiveram um importante papel no desenvolvimento dos espaços fílmicos. Graças a elas é possível justapor planos aparentemente desconexos em um fluxo sequencial com o intuito de criar verdadeiras arquiteturas fílmicas, no sentido de que existem apenas no contexto do filme. Estas sequências de planos acabam por possuir um significado maior do que se os mesmos fossem apresentados individualmente, significado originado da relação formada entre eles – semelhante à relação presente entre as palavras em uma frase.2

Este efeito resultante da montagem também é utilizado para contrapor cenas externas (conhecidas como establishing shots) e internas, como forma de localizar uma ação que irá ocorrer em um espaço interior (normalmente um set em estúdio). Estas cenas externas frequentemente situam a ação não apenas no espaço-tempo, como também especificam a situação sócio-econômica dos personagens a elas relacionadas – especialmente através de associações mentais feitas automaticamente pelo público com os estilos arquitetônicos, escala, mobiliário, apresentados.3 O próprio arquiteto e designer de sets francês Robert Mallet-Stevens (contemporâneo de Le Corbusier) chegou a afirmar4:

O set, para ser um bom set, deve atuar. Seja de forma realista, expressionista, moderna ou histórica, ele deve interpretar seu papel [...] deve apresentar o persona

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gem antes que ele apareça, deve indicar sua posição social, seus gostos, seus hábitos, seu estilo de vida, sua personalidade.*

O diretor, porém, pode se aproveitar desses pré-conceitos e das associações prévias como forma de surpreender o público, contrapondo duas cenas inesperadas e subvertendo as expectativas. Essa possibilidade tem sido explorada frequentemente, por exemplo, em filmes que apresentam imagens de subúrbios residenciais (considerados ícones da segurança doméstica e do conforto pelo senso comum) que se tornam palco de filmes de suspense/terror ao abrigarem assassinos em série/monstros. De uma forma menos drástica, esses mesmos subúrbios tradicionais, supostamente lar de famílias felizes, têm sido utilizados como palco para a representação de dramas familiares – demonstrando que esses problemas não são exclusivos dos habitantes das cidades modernas.

* “The set in order to be a good set, must act. Whether realistic, expressionistic, modern, or historical, it must play its role [...] the set must present the character before he appears, must indicate his social position, his tastes, his habits, his lifestyle, his personality.”

Este tema será elaborado em diversas análises, porém, como um breve contraponto, é interessante notar que os habitantes de espaços modernos (marcados pela tecnologia, uso amplo do vidro e metais, etc.) raramente são apresentados como pessoas felizes e bem ajustadas (dependendo do contexto, podem até ser considerados os “vilões”). Este tipo de representação dos espaços modernos demonstra um preconceito latente contra os mesmos e contra sua capacidade de conduzir a uma vida

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* Este significado simbólico, porém, não pode ser considerado universal uma vez que vai depender de referências culturais e pessoais específicas do público espectador.

emocionalmente saudável.

Nos filmes, por meio do conjunto de fatores que compõem uma cena (mise-en-scène) como personagens, enredo, cenário, e trilha sonora, o diretor pode reforçar idéias que ele considera relevantes a respeito da arquitetura e do seu significado, tendo desta forma grande poder de influência sobre o público espectador.5 Elementos arquitetônicos, urbanísticos e paisagísticos também podem servir como complementação ao desenvolvimento dramático do enredo, especialmente quando utilizados simbolicamente em cenas-chave ao longo do desenrolar da narrativa – sendo que esta forma de utilização os torna parte da linguagem visual do cinema. Essas imagens carregadas de significado simbólico*, ao serem associadas a momentos específicos da narrativa, reforçam sua importância e seu impacto.6 A arquitetura cinematográfica pode também, por vezes, servir como a representação visual de metáforas e sentimentos que o diretor deseja transmitir.7 Elementos típicos são escadas e elevadores para representar a ascensão social ou a transição de nível para personagens; paredes e muros como separação e isolamento; pontes como conexão física ou psicológica; torres e arranha-céus como poder e comando. Janelas, espelhos e outros elementos de vidro oferecem uma moldura para os acontecimentos estabelecendo a composição da cena, semelhante ao enquadramento resultante da câmera e posteriormente da tela de cinema.

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Insolação: deserto emocional No filme Insolação (2009), dos diretores Felipe Hirsch e Daniela Thomas, a cidade de Brasília, embora não seja explicitamente definida como locação ou citada nominalmente, serve como pano de fundo para o desenrolar de diversos dramas pessoais. Personagens de todas as idades buscam em vão se conectar emocionalmente em meio à atmosfera desértica e árida das paisagens expressadas em filme. A arquitetura moderna, de características brutalistas, reforça essa sensação de aridez e aspereza que por vezes reflete e complementa a aridez emocional dos personagens. Concreto aparente, terra batida, grandes avenidas desertas (de fato, os espaços exibidos raramente possuem outros habitantes que não os personagens diretamente envolvidos na cena, reforçando a sensação de isolamento humano) são alguns dos elementos constantemente repetidos e que contribuem para a paisagem fílmica. Ao não identificar a locação, os diretores impedem inclusive qualquer tipo de associação pessoal do espectador com os espaços filmados, forçando-os a habitarem apenas a mesma aridez reservada aos personagens. Este espaço indistinto atua então junto com os personagens para transmitir ao público a visão do diretor sobre o tema explorado. Neste caso, a arquitetura moderna serve particularmente aos diretores que associam suas características “secas” à falta de expressividade emocional de seus personagens.

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[F14] Imagem do filme Insolação (2009).


[F15] Imagens do filme Insolação (2009).


A vila do medo A justaposição entre paisagem natural e paisagem arquitetônica também pode ser explorada como forma de reforçar um contraste psicológico ou social exposto no filme. Uma transição entre paisagem rural e cidade pode ser explorada para simbolizar a transição entre a liberdade experimentada no campo versus o confinamento e as restrições impostas pela vida urbana.8

O filme A Vila (2004), de M. Night. Shyamalan, explora esse contraste de forma incisiva. No filme, os personagens vivem em uma vila rural situada temporalmente (supostamente) no século XIX, isolados de qualquer contato urbano. A vila (e o modo de vida que levam nela) é tratada como a forma ideal de se viver em comunidade. Já a imagem que os personagens traçam da cidade (pois essa nunca é mostrada no filme, exceto por algumas fotografias) é o completo oposto, sendo sempre descrita como a sede do crime, violência e perversão moral. Entre estes dois ambientes contrastantes, atuando como limite e espaço de transição entre eles, existe um bosque supostamente habitado por criaturas monstruosas que se vingam dos moradores da vila quando estes ousam aventurar-se no seu domínio. No decorrer do filme o espectador vem a descobrir que a vila e o modo de vida levado ali se tratam de construções artificiais, contemporâ-

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neos das cidades atuais, criados pelos anciãos da comunidade como uma forma de fuga das cidades e dos malefícios que elas acarretam (pouco a pouco durante o filme cada um dos anciãos conta histórias de como perderam entes queridos para os perigos da cidade, e essas terminam por se provarem verdadeiras). Os supostos monstros (aos quais os moradores da vila se referem apenas como “aqueles dos quais não falamos”) são revelados como uma forma de controle psicológico para que os moradores mais jovens (que ignoram a existência da farsa) não se atrevam a explorar o que pode existir dentro e além do bosque.

* Esta sensação de nostalgia cíclica pelo campo e por uma forma de vida mais “simples” foi lançada exatamente pelos românticos do fim do século XVIII, sendo resgatada recorrentemente nos séculos XIX e XX.

Essa fuga para o campo demonstra uma nostalgia* e um sentimento de escapismo comparáveis à atual fuga dos moradores das grandes cidades rumo aos subúrbios. A romantização da vida no campo, cercada pela natureza, não é novidade. Desde os primeiros estudos a respeito das cidades-jardins nas primeiras décadas do século XX esta tendência já podia ser percebida, a exemplo de Broadacre City de Frank Lloyd Wright. No entanto, é importante notar que esses estudos, ao contrário da Vila de Shyamalan, não faziam objeção às modernidades da época, apenas incorporavam o desejo de retorno ao contato com a natureza. A Vila constrói em cima dessa tendência, porém explora cada vez mais os medos e anseios dos personagens (e, por reflexo, do público) com relação aos lugares que habitam, transformando vila, bosque e cidade em atores que influenciam diretamente as ações dos personagens.

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[F16] Broadacre City de Wright, sobrevoada por “helicópteros”, cortada por vias de tráfego de automóveis, auto-estradas, etc. A modernidade permanece, optando apenas por uma densidade horizontal, rarefeita, agrária (desurbanizada). A Vila de Shyamalan deseja não somente o retorno ao campo, como uma recuperação de todo um modo de vida.

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67 [F17] Imagem do filme A Vila (2004).


*A casa onde o filme se passa foi projetada pelo arquiteto/designer de sets Nathan Crowley especificamente para o filme, sendo que o processo de projeto-construção durou apenas 10 semanas e a casa foi demolida ao final das filmagens. O projeto chegou a ser premiado pela Associação de Engenheiros Estruturais de Illinois (onde o filme se passa).

Uma outra forma de contraste que pode ser explorada nos filmes para direcionar as expectativas do público e dar identidade aos espaços apresentados é através dos estilos arquitetônicos.

Casas modernas e instabilidade familiar

De uma forma mais básica, é possível criar alguns pré-conceitos a respeito dos personagens pelos estilos arquitetônicos associados a eles, uma vez que a casa/habitação (como um dos espaços mais íntimos) inevitavelmente revela algo sobre seus habitantes. Enquanto casas e, de maneira geral, ambientes habitados tradicionais normalmente são associadas a personagens tradicionais (embora essa percepção aparente possa ser subvertida com o intuito de causar um choque no público espectador), personagens adeptos de estilos de vida modernos costumam ser considerados à margem da sociedade tradicional e, por vezes, até amorais (embora essas definições variem com o passar das décadas, refletindo as mudanças no pensamento da sociedade). Essa associação pode ser interpretada como indicativa de uma percepção dos estilos tradicionais como sendo mais “morais” do que estilos modernos. Com a evolução das sociedades houve um deslocamento desse eixo entre moral/amoral para uma relação entre estabilidade/instabilidade familiar.

Em A Casa do Lago (2006), como o título já indica, a narrativa se desenvolve em torno de uma casa.* Enquanto é inegável que a narra

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tiva principal está focada na estória de amor entre os personagens Alex e Kate, existe um segundo foco na relação familiar de Alex com seu pai Simon e seu irmão Henry, todos arquitetos. Nas cenas iniciais é possível perceber que o relacionamento deles é difícil. Simon e Henry trabalham juntos, porém o pai é distante emocionalmente e não dá atenção ao filho. Ele também é um tanto quanto arrogante, muito seguro quanto ao seu paradigma de arquitetura. Alex por sua vez se afastou do pai há anos por conflitos que não são claramente explicados, mas possivelmente devido ao atrito familiar causado pelo divórcio dos pais – que teve como estopim o temperamento do pai e a preferência dele pelo trabalho ao invés da família (como explicado em diálogos subsequentes). Talvez como uma forma de rebeldia, o filme encontra Alex trabalhando diretamente no canteiro de obras para uma construtora responsável pelo desenvolvimento de condomínios, atividade que o pai (retratado como um intelectual que habita apenas seu estúdio) claramente considera como inferior. A importância da casa do lago surge quando Alex decide comprá-la e percebe que foi projetada pelo pai como um presente para sua mãe. No entanto, como o próprio Alex explica para o irmão em uma das cenas, a construção da casa não foi apenas um gesto de amor mas também uma demonstração clara da personalidade do pai e do seu distanciamento da família:

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*Apesar desta afirmação por parte do personagem principal é possível perceber em diversas cenas a presença de uma escada que desce para um deck sob a casa.

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Henry: Quando ele a completou? Alex: Você ainda não tinha nascido, e eu tinha 8 anos. Henry: É uma fusão entre Corbusier e Frank Lloyd Wright. Alex: Sabe, papai jogava cartas com ambos... ... Alex: Não dá pra nadar. Deveria haver uma escada até a água, uma varanda, um deck.* Aqui você está em uma caixa. Uma caixa de vidro com uma vista para tudo ao seu redor... mas você não pode tocar nada. Não existe uma interconexão entre você e o que você está vendo. Henry: Eu não sei... Ele tem esta grande árvore crescendo bem no meio da casa... Alex: Contenção. [Ele aperta um botão que aciona um mecanismo e abre uma clarabóia de vidro] Alex: Contenção e controle. Esta casa é sobre posse (domínio), e não conexão. Quer dizer, é bela. Sedutora até. Mas está incompleta. Alex: É tudo sobre ele. Papai sabia como construir uma casa, não um lar. Mas sabe... eu acho que ele quer que nós façamos o que ele não pôde fazer. Mas admitir isso seria admitir que ele foi incapaz de alguma forma, que poderia ter feito mais. E isso o tortura. Henry: Você se lembra de estar aqui com mamãe? Alex: Eu lembro que ela tentou fazer as coisas darem certo aqui... conosco... com ele.


[F18] Imagem de A Casa do Lago (2006) na qual ĂŠ possĂ­vel perceber o deck sob a casa.


*De fato, uma das personagens chega a afirmar isso. Quando informada que Alex comprou a Casa do Lago ela responde: “Você está maluco? Porque você compraria aquela casa, Alex? Ela é feita de vidro, não há privacidade!”

Como o pai, a casa encontra-se inserida no ambiente porém sem nenhum tipo de contato com ele. A casa é construída sobre palafitas, dentro do lago, porém sem tocá-lo diretamente. Sua única conexão com a terra é a passarela de acesso, reforçando a idéia de controle sobre a casa e os moradores. Como expressão máxima da metáfora do controle a casa é feita completamente de vidro, sugerindo que todas as atividades podem ser vigiadas.*

Embora não seja possível afirmar que apenas a representação de um tipo de arquitetura no cinema crie sua associação com certos gêneros (pois essas associações não surgem no vácuo, sendo influenciadas pelas visões ideológicas de quem as cria e de quem as assiste), a constante repetição de clichês arquitetônicos reforça essa percepção e a enraiza no imaginário popular.9 Um exemplo disso é a arquitetura moderna e sua constante utilização na representação de ambientes futuristas e, frequentemente, disfuncionais.

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Aeon Flux e seu belo futuro distópico “Os vilões podem não usar mais preto, mas vivem em casas modernas de paredes brancas.” 10 O filme Aeon Flux (2005) se passa em 2415, em um futuro distópico onde o regime ditatorial da família Goodchild governa a última colônia de seres humanos após uma doença ameaçar a extinção da espécie. Este refúgio é povoado por construções de inspiração modernista (embora muitas sejam contemporâneas), sendo que o concreto aparente, metais e vidro são materiais recorrentes. Apesar de serem ambientes esteticamente instigantes, a frieza, esterilidade e inflexibilidade que transmitem pela forma como são representados no filme reforçam a sensação de controle absoluto do governo sobre a população que ali habita. A questão da escala, presente desde Metrópolis (Fritz Lang, 1927), se mantém como forma de realçar a imponência e o controle do governo sobre a população. A grandiosidade característica das construções e dos espaços apresentados em relação às figuras humanas cria um contraste que explicita claramente a (suposta) futilidade das tentativas de resistência por parte da população aos seus governantes. Os ângulos ascendentes escolhidos para a filmagem de diversos planos também ajudam a criar a sensação de imponência e “esmagamento” produzida pelos espaços, como perceptível nas imagens acima.

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[F19] Imagens de Aeon Flux (2005).


Sinfonias urbanas: a cidade como foco Como a arquitetura, as cidades também podem ser apresentadas como elementos vivos, personagens por si só, onde cenas inteiras podem ser concentradas no seu funcionamento. O movimento de carros e pessoas nas ruas, tomadas de regiões diferentes/contrastantes, assim como de elementos representativos (ícones históricos ou culturais) ajudam a estabelecer a personalidade do espaço urbano e a torná-lo parte intrínseca da narrativa.11 Estas chamadas “sinfonias urbanas” existem desde a década de 1920, sendo o curta de 7min de Charles Sheeler e Paul Strand intitulado Manhatta (focado no surgimento e desenvolvimento desta grande cidade) considerado a primeira produção deste gênero. No entanto, é o filme Berlim: A Sinfonia de uma Grande Cidade (1927), de Walter Ruttmann, considerado como o mais influente e completo esforço para capturar o dinamismo de uma grande cidade em filme. Nele todos os elementos (edifícios, espaços públicos e pessoas) são representados como fazendo parte da máquina urbana, sendo esta a verdadeira personagem do filme.

* O diretor Woody Allen demonstra ter um grande apego aos espaços urbanos que representa, frequentemente retratando-os em seus filmes como personagens diretamente relevantes ao enredo. Alguns exemplos dessa atitude podem ser encontrados nos filmes recentes como Vicky Cristina Barcelona (2008) na cidade indicada no título, e em Ponto Final (2005), Scoop (2006) e O Sonho de Cassandra (2007) na cidade de Londres. Porém, é inegável que o coração do diretor reside em Nova York, mais especificamente na ilha de Manhattan, como o próprio diretor (na figura do personagem) afirma nos minutos iniciais do filme de mesmo nome (Manhattan, 1979).

Um exemplo recente deste tipo de filme é Meia-Noite em Paris (2011) do diretor Woody Allen.* Já no primeiro plano o diretor estabelece a identidade da cidade, ao apresentar simultaneamente 3 cartões postais de Paris: o rio Sena, a Ponte Alexander III e, ao fundo, a Torre Eiffel. Durante os 3 minutos seguintes são intercalados outros ícones da cidade como a Champs-Elisée, o Museu do Louvre e a Catedral de Notre Dame à

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[F20] Imagens das cenas iniciais de Meia-noite em Paris (2011).

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* Várias das cenas, inclusive, se passam sob chuva. Isso é logo em seguida explicado quando o personagem principal (claramente representando a figura do diretor) diz que ama Paris, e que a cidade fica ainda mais linda quando chove. ⌘

É interessante notar que esse sentimento romântico foi em grande parte criado pela própria indústria cinematográfica, devido à forma que a cidade tem sido constantemente representada no cinema através das décadas. Neste caso, seria possível pensar até em um tipo de marketing cinematográfico.

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cenas cotidianas de ruelas, pequenos bistrôs e parques. Tomadas de pontos altos apresentam visões gerais do centro da cidade, assim como das mansardas características da região (nada é irrelevante aos olhos do diretor). As cenas se iniciam no começo da manhã, passando por uma tarde chuvosa, o anoitecer e, por fim, voltando ao ponto de partida com uma tomada noturna da Torre Eiffel sobre o Sena. O diretor atua como um guia, caminhando com o espectador por um dia na Cidade Luz e apresentando-o aos seus pontos favoritos.* Assim, quando nas cenas seguintes o personagem principal, um escritor, é apresentado declamando seu amor pela cidade, é impossível para o público não se identificar com o sentimento romântico que Paris evoca em quem a frequenta.⌘

Uma vez estabelecida a cena, o filme se desenvolve pelas ruas de Paris. Uma noite, ao decidir voltar caminhando de um jantar (existe forma melhor de se locomover em Paris?), o personagem principal acidentalmente e de maneira fantástica é transportado à Paris da década de 1920 (considerada por ele como a época de ouro da cidade). Isto permite a ele conhecer a Paris que sempre sonhou, assim como os locais famosos frequentados pelos intelectuais da época. Noite após noite o personagem vaga pelas ruas da Paris de 1920 até conhecer uma jovem que, como ele, tem uma nostalgia por uma época que nunca viveu. Ela sonha com a Paris da Belle Époque, e, como não poderia deixar de ser, o diretor oferece a eles (e ao público) a chance de visitar um passado cada vez mais remoto.


Através dessas viagens nostálgicas e indulgentes dos personagens o diretor apresenta não apenas uma Paris, a Paris contemporânea, mas três ao total, cada uma com sua atmosfera distinta e transformadora. Paris, neste caso, não é apenas o locus da ação, mas personagem capaz de capturar a atenção do público e fazê-lo apaixonar-se por ela.

Arquitetura animada

Por fim, existe também a possibilidade da arquitetura se tornar literalmente personagem do filme através de uma antropomorfização das estruturas. Este caso é mais raro e por motivos óbvios é frequente apenas em filmes de animação. Porém não deve ser desconsiderado uma vez que pode ser a fonte de discussões arquitetônicas interessantes, a exemplo do filme O Castelo Animado (2004) do diretor japonês Hayao Miyazaki.

O filme se passa em um mundo fantástico, fora de qualquer contexto espaço-temporal identificável. Nele existem feiticeiros, demônios (embora nem todos sejam maus) e uma guerra entre dois reinos na qual os feiticeiros foram convocados pela rainha a lutar. O feiticeiro Hauru, no entanto, não concorda com a guerra e para evitar ser encontrado mora em um castelo fantástico que é animado por um demônio com quem fez um pacto há muitos anos.

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Através da magia do demônio e do feiticeiro o castelo não só se locomove fisicamente pela paisagem como também possui uma porta capaz de abrir-se para quatro localidades distintas (que podem ser modificadas através da magia). Esta desterritorialização permite aos ocupantes estarem simultaneamente em pontos diferentes e, portanto, seguros da guerra. O castelo, nesse caso, não funciona apenas como moradia, mas também como meio de transporte utilizado pelos personagens. Aos poucos, durante o filme, o castelo vai se adaptando às condições impostas a ele: com a adição de outros personagens ao grupo o castelo vai desenvolvendo acréscimos como quartos e salas extras, e no fim até um jardim. Ao fim do filme o castelo, como estrutura arquitetônica, é praticamente esquecido passando a ser reconhecido como personagem integralmente indispensável do enredo.

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[F21] Imagem do filme O Castelo Animado (2004).


Referências 1

SCHWARZER, Mitchell. Zoomscape: Architecture in Motion and Media. New York: Prince-

ton Architectural Press, 2004. 2

MITRY, Jean. The aesthetics and psychology of the cinema. Bloomington: Indiana Uni-

versity Press, 1997. 3

4

Idem, Ibidem.

Robert Mallet-Stevens, “Le Décor moderne au cinéma” (1929) apud NEUMANN, Dietrich.

Introdução. In: _____ (ed.). Film architecture: Set designs from Metropolis to Blade Runner. Munich: Pretel, 1999. p.8. 5

SCHWARZER, Mitchell. Zoomscape: Architecture in Motion and Media. New York: Prin-

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Idem, Ibidem.

ALBRECHT, Donald. Dr. Caligari’s Cabinets: The set design of Ken Adam. In: LAMSTER,

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ROSA, Joseph. Tearing down the house: Modern homes in the movies. In: LAMSTER,

Mark. Architecture and Film. New York: Princeton Architectural Press, 2000. p. 159-170.

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SCHWARZER, Mitchell. Zoomscape: Architecture in Motion and Media. New York: Prin-

ceton Architectural Press, 2004.

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CINEMA COMO CAMPO DE EXPERIMENTAÇÃO

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[F22] Dogville (2003).

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CINEMA COMO CAMPO DE EXPERIMENTAÇÃO Além das possibilidades apresentadas previamente, o cinema também pode ser trabalhado como campo de experimentação para a produção e percepção da arquitetura. Com o objetivo de evitar que este capítulo se aprofunde demais em questões técnicas além do escopo deste trabalho serão feitas apenas breves aproximações com as duas possibilidades, deixando em aberto pesquisas futuras que se aprofundem mais em qualquer um dos temas.

Produzindo arquitetura cinematográfica

A apresentação cinematográfica de ambientes arquitetônicos e urbanos é praticamente indissociável do surgimento do cinema em si, porém é no período entre as duas Guerras Mundiais que estes espaços ganham destaque e passam a ter suas possibilidades ativamente testadas em filme. Nesse momento o cinema, como meio capaz de abarcar as diversas escalas que constituem a realidade, se apresenta como campo ideal para as experimentações formais das idéias em voga nas escolas arquitetônicas de vanguarda predominantes na época.1 Desde então as experimentações arquitetônicas tanto técnicas quanto formais têm sido constantes, especialmente em filmes dos gêneros de fantasia e ficção científica (não sendo, no entanto, limitadas a eles). Devido à impressão de realidade própria do cinema e à sua capacidade de

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envolver o espectador, os filmes podem ativamente estimular discussões a respeito de como seriam mundos alternativos, ou mesmo tentativas de prever futuros possíveis.2 Apesar da arquitetura criada para a indústria cinematográfica ser frequentemente desconsiderada por críticos ela pode ser vista, de certa forma, como mais honesta do que a arquitetura produzida em realidade. Uma vez que não está mais limitada por fatores técnicos (exigências estruturais, legislativas, etc.) ela encontra-se livre para ser pura forma e conceito. Entre as formas de apresentar a arquitetura em filme predominam: locações (reais), locações (modificadas), sets construídos (tamanho real), modelos em escala e sets virtuais (computação gráfica). Com o desenvolvimento das tecnologias de computação gráfica e de manipulação da imagem se tornou frequente a combinação dessas cinco possibilidades, sendo a distinção entre o “real” e o “fabricado” cada vez mais difícil.

A princípio, a filmagem em locação permite ao diretor interagir com lugares reais, embora estes raramente sejam identificados no filme como análogos às suas funções reais. Isto é especialmente verdadeiro em filmes de ficção científica e fantasia onde construções reais de arquitetura expressiva emprestam suas características impactantes para servir de sede a edifícios alienígenas, centros de pesquisa futurista, etc. Ocasionalmente, porém, lugares reais são empregados nos filmes para representar a mesma função que realizam diariamente – especialmente em filmes que

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visam emular o mundo contemporâneo. A utilização de lugares reais empresta às cenas um nível de credibilidade mais fácil de ser atingido do que se as mesmas fossem recriadas em estúdio.3

No entanto, nem sempre é possível encontrar locais que preencham todos os pré-requisitos desejados (especialmente no que diz respeito aos custos de gravação). Quando isto não é possível, faz-se uso de montagens intercalando cenas de locais reais com sets de gravação, ou por vezes dois locais reais, porém desconectados territorialmente. Frequentemente são utilizadas cidades menores, onde o “aluguel” para filmagem é mais barato, substituindo as ruas de Nova York, Los Angeles ou Paris após uma cena inicial responsável por estabelecer a sensação de lugar (establishing shot).4 Em outros casos, cidades cenográficas são construídas inteiramente em estúdio com o intuito de simular estes ambientes reais (principalmente no caso de grandes produções que podem arcar com este custo elevado).

Com relação aos sets construídos em estúdio especificamente para um filme existem basicamente dois tipos: baseados na realidade ou fantasiosos. Não é difícil perceber que sets para filmes sem bases reais oferecem uma maior liberdade aos seus criadores, uma vez que estes não estão restritos por referências históricas ou pela necessidade de serem reconhecíveis pelo público espectador. Filmes históricos por outro lado necessitam de maior atenção aos detalhes, resultando frequentemente

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em uma extensa pesquisa que possa servir como base para a reprodução fiel do período a ser representado (mesmo que este seja o período contemporâneo à produção do filme). Embora igualmente impressionantes, e de valor artístico semelhante, é difícil não considerar estes sets como sendo inferiores, uma vez que no fundo não são mais do que reproduções de estilos já existentes. Outro fator profundamente limitante do resultado alcançado nas telas é o orçamento designado a cada filme (semelhante à realidade de um arquiteto construindo no mundo real). Embora seja sempre possível atingir resultados impressionantes com orçamentos limitados de acordo com a capacidade de cada designer administrá-lo, o mais comum é que orçamentos maiores permitam maior liberdade na escolha de materiais, qualidade da mão de obra empregada e tempo de produção necessário, oferecendo resultados mais imponentes. Incidentalmente, é interessante notar que o orçamento para o setor de arte responsável pela criação dos cenários expostos em muitos filmes hollywoodianos é muito maior que o orçamento para projeto e construção de um edifício real, o que permite maior liberdade na concepção e produção dos mesmos.5

Quando a utilização de locais reais não é de todo possível se torna necessário recorrer ao realismo hollywoodiano para a criação de locais artificiais que pareçam críveis. Como uma variação da criação de sets para simular locais “reais”, surge a utilização de tecnologias digitais capazes de

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permitir uma maior liberdade criativa, especialmente no que diz respeito à criação de locais fantásticos (tecnologia que tem sido cada vez mais utilizada em filmes de ficção científica e fantasia, porém também presentes em menor escala em filmes contemporâneos). As tecnologias utilizadas no meio cinematográfico permitem cada vez maior flexibilidade aos criadores de sua arquitetura. A criatividade que no início da produção cinematográfica encontrava-se limitada pelas possibilidades de criação de modelos físicos atualmente encontra sua liberdade nas novas tecnologias de geração de imagens por computador (computer generated imagery – CGI). Os ambientes virtuais gerados não são mais limitados pelas leis da física ou pela disponibilidade de materiais (entre outras limitações impostas às construções reais), dependendo apenas da criatividade de seus criadores. Essas novas possibilidades abrem um novo campo de experimentação para a arquitetura. Esta tecnologia permite a criação e exploração de novos universos, por vezes inteiramente virtuais ou apenas acrescidos de detalhes, que complementam e enriquecem a experiência cinematográfica.

* Um exemplo disso foi o filme O Terminal (Steven Spielberg, 2004) no qual o designer de produção Alex Mcdowell criou previamente, utilizando um programa de pré-visualização digital (intitulado Previs), todo o cenário do terminal principal onde ocorre a maior parte das cenas do filme. Após este processo de projeção virtual este terminal foi finalmente construído, permitindo ao diretor a maior flexibilidade possível durante o processo de filmagem. (MACHADO, 2009)

É interessante acrescentar que diversos programas e tecnologias normalmente associadas à profissão arquitetônica estão sendo incorporadas à produção cinematográfica. Programas de modelagem digital estão sendo utilizados como um meio de “construir” virtualmente prévias dos espaços a serem filmados*, permitindo ao diretor experimentar ante

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cipadamente o ambiente que os personagens ocuparão, escolhendo então os ângulos a serem filmados – o que, por sua vez, liberta a equipe do setor de arte de construir partes desnecessárias do cenário que não serão apresentadas em filme.6

As novas possibilidades técnicas do cinema, como a utilização de softwares de modelagem digital, captura de imagens em 3D e de manipulação do espaço filmado (pós-produção), permitem a exploração de novas formas de perceber e representar os espaços arquitetônicos. Representação que antes era limitada a modelos estáticos (fossem eles projeções ortogonais como plantas, cortes e fachadas, ou tridimensionais como maquetes), passou pela simulação de movimento através de vídeos criados em maquetes virtuais, evoluindo em última instância para os efeitos de 3D explorados pelo cinema atualmente. A simulação de profundidade nestes filmes (embora ainda rudimentar) permite ao espectador uma maior imersão nos espaços apresentados, o envolvendo e proporcionando uma experiência mais completa e realista.

A Origem

O filme A Origem (2010) de Christopher Nolan trata esta questão das possibilidades de criação e experimentação com o espaço arquitetônico de maneira interessante.

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No filme, os personagens possuem a capacidade de entrar conscientemente no mundo dos sonhos e criar ambientes a seu bel prazer. Não existem limitações de ordem técnica ou material, e até mesmo as leis da física podem ser submetidas aos desejos do “arquiteto” (denominação dada no próprio filme à pessoa responsável pelo projeto do sonho que será experimentado). A princípio não existem limites para o mundo a ser criado. Porém, rapidamente percebe-se que algumas limitações precisam de fato ser respeitadas, pois quando se força demais as fronteiras do que o “sonhador” está acostumado seu subconsciente começa a rejeitar aquele universo como impossível causando distúrbios no sonho que o forçam a acordar.

Nas sequências iniciais do filme, quando Cobb está tentando recrutar a jovem estudante de arquitetura Ariadne para projetar para ele, isto é demonstrado claramente. Ariadne começa a experimentar com as possibilidades do mundo dos sonhos, “dobrando” uma rua sobre si mesma, fazendo surgir passarelas do nada, e ela se questiona “o que acontece quando você começa a mexer com as leis da física...?” sendo respondida logo em seguida pelo ataque do subconsciente de Cobb. Após este susto inicial ela foge, mas logo retorna para continuar experimentando pois, como ela mesma afirma, não existe nada que se compare: nos sonhos “é pura criação”.

Enquanto os personagens exploram as possibilidades de criação

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no mundo dos sonhos a indústria cinematográfica tem oportunidade de explorar as possibilidades de criação de mundos híbridos, misturando cenas reais com universos criados através da computação gráfica (basta assistir alguns minutos de filme para perceber que boa parte dos espaços apresentados jamais poderiam ser reais). Especialmente durante a primeira hora de filme é possível interpretar diversos paralelos entre este mundo dos sonhos representado e o próprio “mundo de sonhos” que é a indústria cinematográfica.

Quando Cobb está conversando com seu pai sobre recrutar um estudante ele afirma que não oferece apenas dinheiro, mas a chance de construir “catedrais, cidades inteiras, coisas que nunca existiram e que nunca poderiam existir no mundo real”. De fato, a indústria cinematográfica, com seus orçamentos milionários e suas oportunidades de construir (seja real ou virtualmente) arquiteturas fantásticas, proporciona chances incríveis de explorar o universo arquitetônico. Ou quando Yusuf mostra aos outros personagens uma sala com cerca de 20 pessoas conectadas, todas compartilhando o mesmo sonho e um outro personagem pergunta “eles vêm aqui todo dia para dormir?” ao qual recebe a resposta “não, eles vêm aqui para serem acordados”. Não seria isso semelhante a uma ida ao cinema, onde é possível perder-se coletivamente por um par de horas, “sonhar”, sabendo que o despertar, o retorno ao mundo real, é inevitável?

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[F23] Cena da luta com gravidade zero explora perspectivas distintas da arquitetura fĂ­lmica. [F24] Cena do filme A Origem (2010) em que Ariadne testa os limites do mundo dos sonhos.

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[F25] Perspectiva da cidade construída pelo casal no “limbo”, ênfase na verticalidade das construções.

[F26] Limites degradados da cidade construída no limbo, se assemelham a falésias.


Se aproximando das sequências finais do filme é apresentado o universo criado por Cobb e sua esposa Mal quando estes ficaram presos no “limbo” (denominação dada ao último nível que pode ser atingido na estrutura onírica, onde corre-se o risco de perder noção do que é real e do que é sonho). A cidade criada por eles apresenta uma clara influência modernista (é possível perceber até certa semelhança com alguns projetos corbusianos, como o Plan Voisin) sendo que esse apreço pela estética modernista é reforçada na fala de Cobb quando ele apresenta a Ariadne a “vizinhança” criada por ele e pela esposa. Esta vizinhança não passa de uma colagem de edifícios importantes na vida dos dois (a casa em que ela morou quando era pequena, o primeiro apartamento do casal, pra onde se mudaram quando ela ficou grávida, etc.) que, no entanto, encontram-se isolados dentro de um lago artificial ligados à passagem principal por uma estreita passarela demonstrando distanciamento emocional. Quando estão chegando ao edifício principal (novamente de claras inspirações modernistas) ao fim desta vizinhança Cobb afirma que eles sempre quiseram viver em uma casa mas que amavam este tipo de edifício – e no mundo real eles teriam que escolher, “mas não aqui”. Por fim, eles entram no elevador e ao sair no seu andar já não estão mais no edifício, mas sim na casa apresentada como sendo do casal em cenas anteriores (colagem arquitetônica que, realizada por eles no mundo dos sonhos, é também similar à colagem arquitetônica realizada pelos filmes durante o processo de montagem).

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Percebendo a arquitetura através da câmera A observação de espaços, mesmo (ou especialmente?) os mais cotidianos e vulgares, através da objetiva da câmera nos permite uma nova percepção sensível dos mesmos. O aparato cinematográfico distancia o espectador dos espaços apresentados permitindo uma maior atenção a aspectos da realidade previamente desconsiderados.7

Se a experiência do espaço – como uma prática social e material – é percebida e representada visual e culturalmente pelo aparato cinematográfico, o espaço fílmico é ao mesmo tempo agente e resultado da produção de novas formas de percepção do espaço.8

O cinema permite novas formas de experimentar com a percepção do espaço arquitetônico. Entre as diversas possibilidades a mais frequente e, talvez, a mais inconspícua, é através das técnicas cinematográficas de enquadramento e montagem. Através de técnicas como enquadramentos, ângulos de filmagem e montagem o cinema permite a criação de espaços diversos dos que estamos acostumados, mesmo quando possuem como base espaços reais.

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Estes espaços criados através das possibilidades da câmera transcendem a realidade, construindo novas arquiteturas além daquelas perceptíveis pelo olho humano. Seja por meio de ângulos impossíveis sem o auxílio de tecnologias externas (ex.: tomadas aéreas) ou enquadramentos artísticos que selecionam apenas as seções consideradas relevantes de uma paisagem ou de um edifício (realçando elementos normalmente desconsiderados), muitas vezes reorganizando-as espacial e temporalmente, novos lugares são criados, impossíveis de serem experimentados na vida real.9

Pelas tecnologias de captura de imagens e das técnicas de edição, em poucos segundos somos transportados centenas de metros, experimentando diversos pontos de vista. A técnica de edição paralela, por exemplo, permite a comparação/associação entre localidades e temporalidades diferentes através da justaposição de imagens relativas a cada uma. Já as tomadas longas e em câmera lenta permitem ao espectador absorver detalhes da paisagem que passariam despercebidos numa observação cotidiana do espaço. A montagem cinematográfica dá margem a uma forma de “montagem” arquitetônica e urbanística onde o diretor, ao reorganizar as cenas/espaços, se torna arquiteto e urbanista na criação destas novas espacialidades. Este espaço-tempo cinematográfico, híbrido, transforma nosso entendimento do ambiente devido às suas descontinuidades.10

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A forma como o diretor opta por captar o espaço em filme pode servir também para representar uma arquitetura imaginária ou psicológica, influenciada pela visão que os personagens têm do espaço, carregada de emoção, sensação e memórias. Elementos técnicos do processo de filmagem e projeção também possuem um efeito sobre a qualidade e a forma como os filmes são percebidos na tela. Profundidade de foco, ângulo de filmagem, granulação da imagem, em cores x preto/branco, entre outros – todos estes fatores afetam a percepção, recepção e interpretação pelo público espectador dos espaços apresentados na tela. O cinema também tem a possibilidade de explorar novas maneiras de perceber o mundo, não limitadas pela forma habitual a que já estamos acostumados, livres de considerações espaço-temporais, de escala ou até relacionadas às leis da física. O meio fílmico possui intrinsicamente esta habilidade de revelar o “estranho em meio ao familiar”.11 Para que isto aconteça é necessária a perda da referência básica, porém, após a inevitável desorientação inicial, estaremos livres para perceber o mundo através da nova visão do diretor.

Dogville: espaço imaginário e espaço fílmico

Um filme que trata de forma notável a questão da percepção do espaço fílmico é Dogville (2003) do diretor Lars von Trier. Logo nas cenas iniciais é possível perceber que não se trata de um filme tradicional, e que um ajuste das expectativas será necessário para assistí-lo.

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O filme se inicia com uma tomada aérea, perpendicular ao plano do piso. Com esta vista superior em tela o narrador apresenta Dogville, uma pequena vila localizada ficticiamente nas Montanhas Rochosas, interior dos Estados Unidos. O narrador segue então descrevendo a geografia básica da cidade, sua rua principal (genericamente denominada “Rua Elm”* ) suas características físicas, a aparência humilde das construções que ali existem (a palavra efetivamente usada para descrevê-las é “barraco”) e os moradores que ali habitam.

*Diz-se genericamente pois “Elm” é um dos nomes mais comuns de rua nos Estados Unidos.

Neste filme esta descrição inicial se mostra especialmente importante para situar o espectador uma vez que o cenário é praticamente nulo. Por meio deste ângulo aéreo (semelhante a uma establishing shot) é possível perceber marcações no piso, quase como uma planta-baixa arquitetônica, responsáveis por delimitar o espaço da cidade entre interno/externo, privado/público. Alguns elementos acessórios são dispostos neste “palco” (pois a impressão inicial do espaço se assemelha muito à cenografia teatral): mesas, cadeiras, estantes, a torre do sino da igreja (que flutua suspensa acima do espaço destinado à igreja) e até mesmo algumas paredes – porém jamais constituindo um espaço fechado. Alguns elementos são até simulados, como “portas” que devem ser abertas e fechadas para que os personagens possam entrar e sair de casa, sendo inclusive introduzidos através de efeitos sonoros realísticos (como quando um personagem “bate à porta” inexistente antes de entrar).

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[F27] Cena de Dogville (2003) demonstrando a ausência de cenário à exceção de alguns acessórios.

[F28] Plano inicial de Dogville (2003) situando o espectador com relação à geografia da cidade.

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Após esta apresentação inicial da cidade segue-se a apresentação dos personagens que ali habitam, demonstrando as boas relações de convivência que existem entre eles. Tudo corre bem até a chegada de Grace, uma jovem que aparenta estar fugindo de algo ou de alguém, hipótese que é confirmada quando a polícia aparece para procurá-la. A princípio a população de Dogville parece disposta a abrigá-la e escondê-la sem maiores problemas, porém com o passar do tempo vão exigindo de Grace a execução de tarefas cada vez mais árduas em troca de sua estadia na cidade. Aos poucos, os moradores que inicialmente se apresentaram como gentis e altruístas vão se revelando pessoas maldosas e egoístas, abusando de modo crescente da pobre jovem.

[F29] Exemplo de ângulo descendente muito utilizado em Dogville (2003) para apresentar o espaço.

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A constante utilização de ângulos abertos e elevados, que enquadram simultaneamente diversas “casas”, permite ao espectador perceber ações que estão sendo realizadas ao mesmo tempo em ambientes distintos. Esta onisciência do espectador contrasta com as atitudes dos personagens que ignoram as atividades que ocorrem além das suas “quatro paredes”.

Esta história básica a respeito da natureza humana, que se apresenta quase como uma fábula, representa uma clara crítica à sociedade americana que busca representar e à noção de que “tudo tem o seu preço”. Porém, o único elemento que efetivamente indica que o filme trata de uma cidade americana está na narração inicial que localiza a cidade nos Estados Unidos. A própria escassez de cenário permite (poderia-se até dizer “encoraja”) o espectador a preencher este vazio cenográfico com sua própria imagem mental, utilizando imagens que lhe são conhecidas, talvez até de sua própria cidade. Esta característica “genérica” de Dogville permite que sua história seja extrapolada para toda e qualquer cidade (americana ou não) forçando o espectador a considerar a possibilidade de atitudes semelhantes ocorrerem em sua própria cidade.

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Referências 1

LEZO, Denise. Arquitetura, Cidade e Cinema: Vanguardas e Imaginário. 2009. 225 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. 2 BOAKE, Terry Meyer. Architecture and Film: Experiential realities and dystopic futures. Disponível em: < http://www.architecture.uwaterloo.ca/faculty_projects/terri/pdf/boake_arch_film_colour.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2012. 3 CRAFT, Bob. Only in Hollywood: Confessions of a location manager. In: LAMSTER, Mark. Architecture and film. New York: Princeton Architectural Press, 2000. p. 141-147. 4 SCHWARZER, Mitchell. Zoomscape: Architecture in Motion and Media. New York: Princeton Architectural Press, 2004. 5 BOAKE, Terry Meyer. Architecture and Film: Experiential realities and dystopic futures. Disponível em: < http://www.architecture.uwaterloo.ca/faculty_projects/terri/pdf/boake_arch_film_colour.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2012. 6 MACHADO, Ludmila Ayres. Design e narrativa visual na linguagem cinematográfica. 164 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. 7 PENNA, Tiago. O cinema e a percepção sensível. Disponível em: < http://www.gewebe. com.br/pdf/cinema.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2012. 8 DA COSTA, Maria Helena Braga e Vaz. Articulações fílmicas da percepção do espaço e da realidade. Disponível em: <http://www.ufscar.br/rua/site/?p=2871>. Acesso em: 02 mar. 2012. 9 KEILLER, Patrick. Architectural cinematography. In: RATTENBURY, Kester (Org.). This is not architecture: Media constructions. London: Routledge, 2002. p. 37-44. 10 SCHWARZER, Mitchell. Zoomscape: Architecture in Motion and Media. New York: Princeton Architectural Press, 2004. 11 Idem, ibidem.

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CINEMA COMO MEIO CRÍTICO

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[F30] Encontros e Desencontros (2003).

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CINEMA COMO MEIO CRÍTICO Quando a arquitetura transcende o papel de mera cenografia, deixando de servir apenas como pano de fundo para se tornar parte integrante da estória, surge a possibilidade de agir como crítica aos ambientes apresentados. Diversos diretores exploram claramente essa possibilidade em seus filmes, sendo a arquitetura representada por vezes mais importante do que os próprios atores no desenvolvimento do enredo e na transmissão do significado.1 O desenvolvimento dessa visão crítica representada pelo cinema com relação às cidades e, consequentemente, à arquitetura tem acompanhado o próprio desenvolvimento destas últimas. De forma mais relevante, a produção cinematográfica acompanha também o pensamento da população que evolui junto com as cidades.

A princípio, o foco dos filmes diz respeito à preocupação com o ambiente das cidades e seus efeitos sobre a sociedade, especialmente quando comparada com a vida no campo. Surge, não por acaso, junto com as primeiras grandes metrópoles (contemporâneas do nascimento do cinema) da desconfiança da população com relação a esta revolução no modo de vida. Esta preocupação toma força com a ascensão do Movimento Moderno e do Estilo Internacional, sua tomada das grandes cidades e uma percepção da homogeneização que isso acarreta, da perda da identidade. Essas preocupações chegam a ser projetadas no futuro, criando representações de futuros distópicos vistos como uma evolução natural

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* Coloco estes termos entre aspas porque ao invés de haver um retorno real a este modo de vida cria-se, ao invés, uma versão caricata do mesmo na figura dos subúrbios e das comunidades planejadas.

da situação atual. Como consequência dessas preocupações, e crítica a essa tendência de urbanização, surge um movimento de retorno ao “campo”, às “pequenas cidades”*, vistas como mais seguras (tanto moralmente quanto fisicamente). No entanto, pouco a pouco, começa a perceber-se a falsidade dessa visão nostálgica e a própria vida nos subúrbios/cidades rurais começa a ser representada como psicologicamente insalubre. Atualmente, o cinema divide suas atenções entre examinações da vida contemporânea (seja nas grandes metrópoles ou nos subúrbios/cidades rurais) e tentativas ocasionais de esboçar possíveis futuros para a vida urbana.

A visão crítica que o cinema retrata das cidades também pode ser interpretada de acordo com a abordagem escolhida: imaginária ou realista. Enquanto a primeira constrói cidades a partir de imaginários, a segunda se foca na representação crua da realidade.2 Considerando estas duas formas de abordagem é possível perceber que a produção cinematográfica recente tem tido um foco maior na representação de cidades realistas (se não diretamente baseadas em cidades reais ao menos fortemente inspiradas por elas) do que imaginárias, quase como se não fosse possível imaginar outros futuros, outras realidades. E mesmo quando há uma tentativa de imaginar outros futuros, estes são predominantemente distópicos.3

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Viagem ao passado: A respeito da representação das cidades no ciclo de filmes noir Embora o foco deste trabalho esteja em filmes mais recentes, é impossível não abrir um breve parênteses para o ciclo de filmes noir. Estes que podem ser considerados como a origem desta “visão pessimista” do futuro das grandes aglomerações urbanas são, portanto, relevantes para o entendimento da visão atual do cinema com relação às metrópoles contemporâneas.

Com o desenvolvimento das sociedades industriais e a posterior decadência das grandes metrópoles começa a surgir na mente do público a percepção de que as cidades são em si as próprias geradoras dessa perda da moral e dos bons costumes. Essa associação é transportada para os filmes e começa a surgir desde clássicos como Metrópolis (Fritz Lang, 1927), onde a estratificação da cidade com seus arranha-céus pode ser interpretada como uma metáfora para a estratificação social da sociedade da época. É, porém, no ciclo de filmes noir que esta associação se torna cada vez mais clara com seus personagens moralmente ambíguos e ambientes urbanos incapazes de protegê-los das circunstâncias e guiá-los na direção certa.

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[F31] Arranha-c茅us de Metr贸polis (1927).

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O ciclo de filmes noir certamente representa o maior acervo de ambientes urbanos na história da indústria cinematográfica. “A alienação e paranóia no cerne destes filmes se manifesta na representação das cidades americanas no fim dos anos 1940 e 1950.”

Nesta mesma época, no período entre 1940 e 1947, 60 milhões de pessoas (aproximadamente metade da população americana na época*) se mudaram para novas casas. Habitantes urbanos se relocaram para os subúrbios e a população campestre se moveu em direção às cidades.5 Estes emigrantes urbanos eram precisamente o público alvo que Hollywood buscava atingir (famílias brancas de classe média) e os filmes noir codificavam os medos e angústias deste grupo em relação às cidades.

* A referência da população americana é relevante já que a principal indústria cinematográfica da época se encontrava nos Estados Unidos e, obviamente, produzia filmes para o seu público-alvo. ⌘

Embora existam filmes que tratem dessa “marketização” dos subúrbios americanos, é inegável que essa visão foi mais enraizada no imaginário popular através de seriados (Leave it to Beaver, 1957-1963; Father Knows Best, 1954-1960) devido à sua presença constante no dia-a-dia das famílias americanas.

Visto desta forma o campo seria, por sua vez, a antítese das cidades representando a memória nostálgica de uma vida mais “simples” e mais “correta” (embora em diversas ocasiões os mesmos filmes noir tenham apresentado a falsidade desse argumento através da crescente urbanização do campo). O subúrbio passa então a ser “vendido” como o “ponto de equilíbrio” entre a modernidade e o desenvolvimento das cidades, e a tranquilidade e os bons costumes da vida no campo – representando a vida ideal a que todos deveriam almejar.⌘ Ironicamente, no entanto, a fuga para os subúrbios resultou em um ambiente homogêneo da onde a fuga era impossível, e pouco a pouco

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*Um exemplo atual que representa esse sentimento comum à época é o filme Foi Apenas um Sonho (2008) de Sam Mendes, baseado no romance “Revolutionary Road: Estrada Revolucionária” (1961) de Richard Yates.

começaram a ser percebidos como “desertos emocionais”.* Seguindo esta mudança na percepção do público, Hollywood redirecionou seu foco, passando a produzir filmes demonstrando os “perigos” do ambiente físico e emocional dos subúrbios.6

Retornando à contemporaneidade

É neste ponto que nos encontramos atualmente: presos a estes medos dos nossos pais enquanto simultaneamente tentamos nos libertar e enxergar a cidade com nossos próprios olhos e nossas próprias convicções. Enquanto a produção cinematográfica das últimas décadas não apresenta mais essa aversão crônica às grandes cidades também não está convencida de que o modelo atual de vida urbana seja o ideal. Oscila então entre o amor pela intensidade urbana e a preocupação com a desumanização causada pela velocidade acelerada da vida moderna. A romantização de uma forma de vida (seja nos subúrbios ou nas grandes cidades) divide espaço nas telas com visões mais realistas do crescente desapego emocional das pessoas pelos espaços que habitam.

Truman e a vida artificial nos subúrbios

A romantização da vida nas pequenas cidades dos EUA tem como expoente cinematográfico máximo o filme O Show de Truman (1998) de Peter Weir. No filme, o personagem principal (Truman) é, inconsciente

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mente, o protagonista de um reality show que acompanha a sua vida cotidiana. A cidade onde mora é nada mais que um gigantesco set em estúdio, construído aos moldes de uma pequena cidade litorânea do sul dos EUA. Tudo na cidade é controlado, regulamentado, para garantir que Truman nunca descubra a farsa.

O filme faz uma crítica à tentativa de recriar tanto o modo de vida de uma pequena cidade como a própria cidade artificialmente. De fato, a cidade utilizada como locação trata-se de uma comunidade planejada construída com o intuito de recriar justamente a atmosfera desejada pelo diretor do filme. Cogitou-se que as filmagens ocorressem em um set em estúdio, porém (ironicamente) estes eram realistas demais para o diretor que buscava uma atmosfera mais artificial que desse credibilidade à história.7

Projetada pelos arquitetos Andres Duany e Elizabeth Plater-Zyberk como parte do movimento do Novo Urbanismo, a cidade de Seaside, FL tinha como objetivo tentar resgatar uma identidade para a comunidade através da utilização de tipologias vernaculares. Tudo na cidade é estritamente controlado – alturas máximas, paleta de cores a serem utilizadas, estilos arquitetônicos – com o objetivo de proteger a coerência estética da comunidade. Esta origem artificial resultou no ambiente perfeito para a gravação de um filme que tinha como base exatamente a reprodução da vida em uma “cidade” como essa.

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[F32] Vista aĂŠrea da cidade de Seahaven (Seaside, FL) em O Show de Truman (1998).

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Através da forma como a cidade é representada o diretor faz uma clara crítica à obsessão da sociedade americana em tentar recriar artificialmente o modo de vida de uma cidade pequena, controlando os mínimos detalhes.* Essa rejeição das grandes cidades em favor de uma vida mais “simples”, mais segura, é uma tendência que pode ser observada inclusive no Brasil com a proliferação cada vez maior dos condomínos fechados total life. No fim, em O Show de Truman, ocorre uma inversão de papéis: o cenário se transforma em representação do real enquanto a realidade em que se baseia é na verdade uma irrealidade cenográfica.8

* Na maior parte dos subúrbios residenciais dos Estados Unidos existe um controle estético semelhante ao que ocorre em Seaside. Vegetação, modificações arquitetônicas e até mesmo regras de conduta são estritamente regulamentadas por uma associação de moradores responsáveis por manter a “ordem”.

Madrugada dos Mortos: shopping center como salvação

O filme Madrugada dos Mortos (2004) de Zack Snyder é uma refilmagem baseada no roteiro do filme de mesmo nome de 1978 de George Romero. Tomando como base a já tradicional fórmula do apocalipse zumbi, ambos os diretores exploram as tentativas de um grupo de humanos de sobreviver à epidemia que rapidamente se alastra pelo planeta. Já nas primeiras cenas o diretor se apropria de uma estrutura arquitetônica facilmente reconhecida pelo público: os subúrbios residenciais norte-americanos. Utilizando uma vista aérea que aproxima o foco aos poucos e de maneira fragmentada (aumentando a sensação de suspense) o diretor localiza a ação. A escolha do subúrbio como ponto de início para as cenas de horror seguintes não é por acaso. Uma vez que

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aproximadamente metade da população americana vive em subúrbios9 e os considera ícones da segurança doméstica (especialmente devido aos anos de marketização dessa imagem), o horror que transpira nas cenas seguintes corrompe esta idéia de refúgio e dá o tom do filme, de que mais nenhum lugar é seguro.

[F33] Imagem das cenas iniciais de Madrugada dos Mortos (2004).

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Após este ataque inicial ao modo de vida americano, o diretor segue para o que pode ser considerado um dos maiores ícones da cultura americana: os shopping centers.

No processo de fuga, o grupo se depara com a possibilidade de


se refugiar em um desses estabelecimentos. A estrutura é vista por eles como um porto seguro, possuindo todas as amenidades que poderiam desejar. Pouco a pouco os personagens vão se acomodando, fazem “compras”, se alimentam – afinal, um shopping center concentra a solução para todas as necessidades da população, certo?

Esta crítica irônica transparece claramente no filme, sendo mais óbvia no roteiro original. As tentativas constantes dos zumbis de entrarem no shopping são justificadas como um reflexo automático de quando eram vivos: eles não lembram porque, mas sabem que este lugar era especial para eles e querem estar ali.

[F34] Imagem da chegada do grupo ao shopping center.

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* Outro filme que aborda este tema de maneira interessante é Amor sem Escalas (2009) do diretor Jason Reitman baseado no romance homônimo de Walter Kirn (2001).

A crítica à cultura dos shopping centers continua: com o passar do tempo os personagens começam a perceber que o shopping (a princípio sua salvação) se tornou uma verdadeira prisão voluntária, mascarada pela ilusão de segurança e conveniência. Através do filme o diretor estende a reflexão também à visão dos grandes centros comerciais como mecas consumistas capazes de preencher todas as necessidades da população.

Encontros e desencontros: desapego e vida desterritorializada

Uma corrente atual do cinema mostra os personagens de um ponto de desilusão com a vida contemporânea nas grandes cidades. A desterritorialização causada por um mundo cada vez mais globalizado inibe um sentimento de pertencimento, tendo como consequência o desapego emocional e geográfico.*

O filme Encontros e Desencontros (2003), de Sofia Coppola, ilustra bem essa sensação de vazio exacerbada pela desterritorialização do mundo contemporâneo. O filme segue as experiências dos dois personagens americanos principais, Bob e Charlotte, em uma visita à Tóquio. Bob é um ator obsoleto, vivendo em um casamento desestimulante que viaja à Tóquio para gravar um comercial de TV. Charlotte é recém-casada e está em Tóquio acompanhando o marido em uma viagem de negócios. Nenhum dos personagens tem um rumo claro, ambos apresentam um vazio emocional, uma perda de identidade, que não sabem como preencher.

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[F35] Charlotte e Bob sentados aos bar em Encontros e Desencontros (2003).


[F36] Charlotte contempla a cidade ao longe, distanciada, sem interagir com ela.

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Bob e Charlotte se conhecem de madrugada no bar do hotel em que estão hospedados e, após alguns encontros recorrentes, reconhecem um no outro espíritos afins. Ambos sofrem de um tédio existencial e de uma solidão que é reforçada pelo choque cultural e pelas dificuldades de comunicação causadas pela estadia em um país estrangeiro. No decorrer do filme os personagens constantemente ocupam espaços igualmente destituídos de uma personalidade distinta. Estes não-lugares (hotéis, restaurantes, bares, boates) reforçam neles a sensação de não-pertencimento e alienação, ao mesmo tempo que os aproximam. A própria cidade é apresentada de forma fragmentada, através de tomadas curtas do ponto de vista dos personagens, impedindo a contemplação do espaço e uma apreensão completa por parte do espectador. Desta forma, embora esteja sempre claro que a cidade apresentada é Tóquio, o próprio espectador (em si um estrangeiro naquele ambiente) não consegue se identificar com os espaços retratados sofrendo uma desterritorialização semelhante à dos personagens. O filme faz uma crítica também à sobrecarga sígnica imposta à cidade de Tóquio. Embora os espaços estejam abundamentemente cobertos de informação estes se mostram incapazes de incentivar algum tipo reação emocional nos personagens, que se apresentam anestesiados. Esta crítica ecoa na fala do cineasta Wim Wenders:

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* A escravização da raça humana em um mundo dominado pelas máquinas.

Quando há muito o que ver, quando uma imagem é muito cheia, ou há muitas imagens, nada se vê. ‘Muito’ torna-se bem rápido ‘absolutamente nada’. Todos vocês sabem disso. Vocês conhecem também o efeito inverso: quando uma imagem é quase vazia, muito despojada, é capaz de fazer surgir tantas coisas que chega a preencher totalmente o observador, transformando o vazio em ‘tudo’.10

Wenders faz uma apologia ao “vazio” como forma de conferir significado ao que é apresentado, permitindo que as pessoas (tanto o habitante da cidade, como o espectador do filme) possam preenchê-lo com seus próprios pensamentos, emoções, experiências, etc. Esse vazio surge em Encontros e Desencontros através da imagem do templo que Charlotte visita, porém é significativo que antes que possa chegar lá ela seja obrigada a tomar um trem para fora da cidade. Matrix: a vida em um futuro virtual

O filme Matrix (1999) dos irmãos Wachowski, é um dos poucos filmes de ficção científica que ousa imaginar um futuro inovador. Embora a parte central do enredo seja semelhante à de Metrópolis (1927)*, um

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[F37] Sobrecarga sígnica atordoa ao invés de causar uma reação emocional.

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* Existem outros filmes contemporâneos de Matrix como eXistenZ (1999) e Cidade das Sombras (1998) que abordam temas semelhantes porém optou-se por utilizar Matrix na análise por ter sido o filme de maior abrangência. ⌘

É interessante mencionar que a primeira versão da Matrix (como descrita no filme) era utópica, um mundo ideal onde todos poderiam ser felizes, porém as mentes rejeitavam esta realidade como sendo irreal, inacreditável. Um dos personagens chega a sugerir que isso se deve à incapacidade da mente humana de conceituar uma “realidade” sem sofrimento, sendo este usado como base para distinguir o mundo real do mundo de sonhos.

dos maiores clássicos de ficção científica já filmado, os diretores inovam ao inserir o componente da realidade virtual e subvertem as expectativas.*

No final do século XXII a maior parte da população mundial vive subjugada pelas máquinas que há muito venceram a guerra contra a humanidade pelo controle do planeta. Os prisioneiros de guerra humanos passaram então a serem utilizados como nada mais do que baterias, fontes de energia que as máquinas utilizam para sobreviver. Como forma de manter a população controlada em seus “campos de cultivo”as máquinas criaram uma realidade virtual à imagem do mundo no final do século XX (considerado por elas como o ápice da civilização humana) na qual as pessoas habitam inconscientemente. Este universo virtual, A Matrix, projetado pelo Arquiteto, objetiva nada mais do que manter a mente da população entretida para que seus corpos continuem funcionando e produzindo energia.⌘

Embora A Matrix em si não possa ser considerada arquitetonicamente inovadora (afinal, precisa ser crível para a população que a habita e especialmente para o público espectador), a idéia de habitar plenamente um universo virtual torna o filme uma visão nova do futuro. Distópica, certamente, porém cada vez mais possível. Não seria um exagero dizer que mesmo hoje já vivemos em um mundo virtual ao passarmos cada vez mais tempo em frente a computadores e outros equipamentos conecta

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dos à Internet. Quanto tempo falta para que a arquitetura dos computadores, dos chips e dos softwares substitua a arquitetura de cimento e tijolos? Para que arquitetos não mais projetem construções reais, mas que passemos a habitar essencialmente maquetes eletrônicas inseridas em realidades virtuais? A própria definição do que é real é questionada no filme. Nas palavras do personagem Morfeu “se o real é o que você pode sentir, cheirar, degustar e ver, então ‘real’ é simplesmente sinais elétricos interpretados pelo seu cérebro”. E se a noção de realidade depende da interpretação de sinais elétricos pelo cérebro, o que distingue os sinais emitidos pela realidade concreta versus por uma realidade virtual?

[F38] Imagem do filme Matrix (1999), campos de cultivo de humanos no mundo real.

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O principal contraste no filme é entre o mundo real e A Matrix. Enquanto o mundo real encontra-se devastado pela guerra e dominado pelas máquinas (forçando os poucos humanos livres a viverem em naves) A Matrix oferece uma espécie de refúgio, significativamente mais confortável do que a realidade concreta. Quando um dos personagens é oferecido a chance de retornar à Matrix ele a aceita, lançando o dilema: seria melhor viver confortavelmente em um mundo virtual do que tolerar as dificuldades do mundo real? [F39] A Matrix real, como vista por Neo após sua epifania.

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Por fim, independente da forma como o(a) diretor(a) opta por representar os espaços e das associações que faz entre eles, o importante é que arquitetura e seus estudiosos não deixem de atentar à representação que se faz dela. A análise deve ser constante para que seja possível enxergar nestas representações críticas a possibilidade de realizar uma auto-crítica recorrente e melhor se adequar aos anseios da população projetados em filme.11

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Referências 1

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4

Idem, Ibidem.

BELL, Jonathan F. Shadows in the hinterland: Rural noir. In: LAMSTER, Mark. Architectu-

re and Film. New York: Princeton Architectural Press, 2000. p. 217-230. 5

6 7

Idem, Ibidem.

Idem, Ibidem.

VALENTINE, Maggie. Escape by design. In: LAMSTER, Mark. Architecture and Film.

New York: Princeton Architectural Press, 2000. p. 149-158. 8

CASTELLO, Lineu. Meu tio era um Blade Runner: ascensão e queda da arquitetura mo-

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U.S. population now 300 million and growing. CNN US. 17 out. 2006. Disponível em:

<http://articles.cnn.com/2006-10-17/us/300.million.over_1_total-population-households-census-bureau?_s=PM:US>. Acesso em: 03 dez. 2011. 10 11

WENDERS, Wim. A paisagem urbana. Revista do Iphan, v. 23, n. , 1994. p. 185.

CASTELLO, Lineu. Meu tio era um Blade Runner: ascensão e queda da arquitetura mo-

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CONCLUSテグ

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[F40] Metr贸polis (1927).

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CONCLUSÃO Após os breves estudos das possibilidades de interação entre os campos do cinema e da arquitetura realizados neste trabalho fica claro que ainda existem diversas alternativas a serem mais profundamente exploradas. Obviamente este trabalho não tinha a intenção de exaurir o assunto (missão provavelmente impossível), espera-se apenas ter conseguido instigar o interesse do leitor para que este possa seguir em suas próprias análises a respeito do tema.

A influência do cinema na percepção dos espaços reais apresentados em tela, e na invenção e re-invenção de espaços de vivência inseridos pelos filmes no imaginário coletivo pode e deve ser mais pesquisada, uma vez que os filmes (ou ao menos as técnicas de captura da imagem) estão cada vez mais entranhadas em nossa cultura visual.

Além disso, no decorrer da pesquisa realizada para a produção deste trabalho, percebeu-se que o estudo de filmes e espaços fílmicos pode se apresentar como uma adição interessante aos currículos das escolas de arquitetura. Seja através de análises críticas dos espaços apresentados (mesmo que fictícios) para a discussão de arquiteturas e espaços urbanos do passado, presente e até mesmo de especulações sobre os rumos futuros da arquitetura e do urbanismo; ou no estudo das próprias técnicas cinematográficas como forma de libertar a representação arquitetônica das restrições dos meios predominantemente bidimensionais, reforçando a natureza experiencial dos espaços arquitetônicos e urbanos.

131


Em ambos os casos (e em tantos outros quanto puderem ser imaginados) acredita-se que a inserção de estudos fílmicos no ensino da arquitetura enriqueceria em larga escala a compreensão da arquitetura como uma arte espacial, que deve ser pensada e experimentada sempre levando em consideração não apenas suas três dimensões físicas como também a quarta dimensão do tempo-movimento. Finalmente, apesar dos estudos sobre arquitetura já serem bastante extensos e as investigações sobre cinema estarem em um ponto interessante (embora ambos os campos estejam em constante evolução e devam ser continuamente revisados e analisados), acredita-se que há ainda pouquíssima literatura que lide diretamente com a interseção cinema-arquitetura e que infinitas possibilidades ainda estão abertas a serem exploradas.

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GLOSSÁRIO

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[F41] Playtime (1967).

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GLOSSÁRIO Este glossário foi criado com a intenção de oferecer breves esclarecimentos a respeito de alguns termos utilizados no decorrer do trabalho de uma forma que não oferecesse prejuízo à fluidez do texto. Estas definições foram embasadas em conhecimentos adquiridos no processo de revisão bibliográfica e em estudos relacionados a outras disciplinas abordadas durante o curso de graduação.

Avant-garde

Do francês, significa “vanguarda”. Termo normalmente associado aos movimentos artísticos que forçavam os limites, experimentando com novas possibilidades técnicas, estéticas, etc.

Belle Époque

Do francês, significa “bela era”. Período compreendido entre o final do século XIX e a 1a Guerra Mundial que viu o florescimento de diversos movimentos culturais e artísticos como o art nouveau e o realismo literário.

Cidade Jardim

Modelo de cidade concebido por Ebenezer Howard no final do século XIX, buscava uma maior integração entre vida urbana e natureza tentando alcançar um meio-termo viável (e saudável) entre a vida na cidade e no campo.

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Condomínios Fechados Total Life Tentativa contemporânea de reunir em um único condomínio fechado as funções de moradia, trabalho e lazer, efetivamente minimizando a necessidade dos moradores de saírem e interagirem com o espaço urbano.

Croqui

Breve esboço, normalmente utilizado nas fases iniciais do projeto para registrar/demonstrar uma idéia sem maiores preocupações com precisão ou refinamento gráfico.

Decupagem

Termo que se refere ao processo de dividir o roteiro em sequências, cenas e planos, escolhendo ângulos de filmagem e indicando outras especificações técnicas para o processo de filmagem.

Diegese, Diegética

Tudo que é relacionado à história apresentada pelo filme e considerado verdadeiro pela sua inserção na narrativa: locais, personagens, música, etc.

Distopia

Pode ser considerada como a antítese do pensamento utópico, frequentemente retratado em histórias futuristas de ficção científica onde governos totalitários e autoritários oprimem a população e a corrupção das

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normas de convivência social predomina.

Espaço Fílmico

Definido neste trabalho como todo espaço apresentado no filme, seja ele um set construído, um lugar real filmado em locação ou mesmo espaços experimentais, imaginados, resultantes do processo de montagem de imagens sucessivas de lugares distintos.

Filmes Noir

Do francês, significa “negro”. Gênero fílmico que surgiu no período da recessão americana, traduziu nas telas a desilusão do povo americano com situação da sociedade moderna. De aspecto sombrio, focava principalmente em romances policiais com personagens amargos e desiludidos com a vida e a violência das grandes cidades.

Filmes Western

Do inglês, significa “relacionado ao oeste”. Gênero fílmico conhecido no Brasil como faroeste (aportuguesada do termo “far west” também utilizado para designar este gênero) associado principalmente com a representação da vida das famílias localizadas na fronteira oeste de colonização dos Estados Unidos.

Mainstream

Do inglês, numa tradução livre, significa “corrente principal”. Qualquer

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coisa relacionada ao gosto corrente da maioria da população sendo, então, utilizado como sinônimo (em muitos casos pejorativo) de filmes de interesse comercial.

Mansardas

Janela localizada no telhado de um edifício para iluminar e ventilar o sótão e, por associação, o termo é em alguns casos utilizado para designar este mesmo cômodo.

Mise-en-Scène

Conjunto de fatores que compõem uma cena: cenário, iluminação, trilha sonora, etc.

Montagem

Processo técnico que consiste no encadeamento de planos sucessivos de modo que estes passem a constituir cenas e sequências, dando unidade à projeção do filme.

Não-Lugares, Não-Lugares Cinematográficos

Termo criado por Marc Augé, os não-lugares (e por consequência os não-lugares cinematográficos) se caracterizam como lugares aos quais não é possível atribuir características pessoais, locais sem identidade. São espaços de ninguém, em trânsito, ocupados por pessoas que passam porém não ficam tempo o bastante para conferir-lhe uma identidade, como aero-

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portos, rodoviárias, auto-estradas, etc.

Set

Se refere ao cenário construído em estúdio com o intuito de simular um local real, abrangendo tanto a arquitetura do cenário quanto os acessórios e outros adereços que o completam e dão a impressão de realidade.

Tipologia Vernacular

Tipologia se refere ao estudo de tipos arquitetônicos, edifícios identificáveis através de um conjunto de características arquitetônicas que se repetem e podem ser reproduzidas para gerar edifícios semelhantes. Já a palavra vernacular está relacionada com o conceito de regionalidade, focando em edifícios produzidos com materiais e estilos característicos de uma região. Logo uma tipologia arquitetônica vernacular pode ser considerada como um modelo arquitetônico característico de uma região.

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CRÉDITOS

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[F42] A Casa do Lago (2006).

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ÍNDICE GERAL DE FILMES Índice geral dos filmes mencionados no trabalho. Os filmes efetivamente analisados possuem um asterisco (*) ao lado do nome.

007 - O Espião Que Me Amava (The Spy Who Loved Me, Lewis Gilbert, 1977) 007 - Os Diamantes São Eternos (Diamonds are Forever, Guy Hamilton, 1971) 007 Contra a Chantagem Atômica (Thunderball, Terence Young, 1965) 007 Contra Goldfinger (Goldfinger, Guy Hamilton, 1964) 007 Contra o Foguete da Morte (Moonraker, Lewis Gilbert, 1979) 007 Contra o Satânico Dr. No (Dr. No, Terence Young, 1962) À Propos de Nice (À Propos de Nice, Jean Vigo, 1930) Aeon Flux (Aeon Flux, Karyn Kusama, 2005) * Amor sem Escalas (Up in the Air, Jason Reitman, 2009) Batman (Batman, Tim Burton, 1989) Berlim: A Sinfonia de uma Grande Cidade (Berlin: Die Sinfonie der Grosstadt, Walter Ruttmann, 1927) Blade Runner – O Caçador de Andróides (Blade Runner, Ridley Scott, 1982) Cantando na Chuva (Singin’ in the Rain, Stanley Donen e Gene Kelly, 1952). Casa do Lago, O (The Lake House, Alejando Agresti, 2006) * Castelo Animado, O (Hauru no ugoku shiro, Hayao Miyazaki, 2004) Chegada de um Trem à Ciotat, A (L’Arrivée d’un Train en Gare de La Ciotat, Auguste e Louis Lumière, 1895) Cidade das Sombras (Dark City, Alex Proyas, 1998) Com 007 Só Se Vive Duas Vezes (You Only Live Twice, Lewis Gilbert, 1967) Dogville (Dogville, Lars von Trier, 2003) * Dr. Fantástico (Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb, Stanley Kubrick, 1964) Encontros e Desencontros (Lost in Translation, Sofia Coppola, 2003) * eXistenZ (eXistenZ, David Cronenberg, 1999)

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Foi Apenas um Sonho (Revolutionary Road, Sam Mendes, 2008) Gabinete do Dr. Caligari, O (Das Cabinet des Dr. Caligari, Robert Wiene, 1920) Grand Hotel (Grand Hotel, Edmund Goulding, 1932) Insolação (Insolação, Felipe Hirsch e Daniela Thomas, 2009) * King Kong (King Kong, Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, 1933) Ladrões de Bicicleta (Ladri di Biciclette, Vittorio de Sica , 1948) Madrugada dos Mortos (Dawn of the Dead, Zack Snyder, 2004) * Mágico de Oz, O (The Wizard of Oz, Victor Fleming, 1939) Manhatta (Manhatta, Charles Sheeler e Paul Strand, 1920) Manhattan (Manhattan, Woody Allen, 1979) Matrix (The Matrix, Andy e Lana Wachowski, 1999) * Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, Woody Allen, 2011) * Metrópolis (Metropolis, Fritz Lang, 1927) Meu Tio (Mon Oncle, Jacques Tati, 1958) Núpcias de Escândalo (The Philadelphia Story, George Cukor, 1940) Obsessão (Ossessione, Luchino Visconti, 1943) Origem, A (Inception, Christopher Nolan, 2010) * Playtime – Tempo de Diversão (Playtime, Jacques Tati, 1967) Ponto Final – Match Point (Match Point, Woody Allen, 2005) Roma, Cidade Aberta (Roma, Città Aperta, Roberto Rossellini, 1945) Scoop – O Grande Furo (Scoop, Woody Allen, 2006) Show de Truman, O (The Truman Show, Peter Weir, 1998) * Sonho de Cassandra, O (Cassandra’s Dream, Woody Allen, 2007) Terminal, O (The Terminal, Steven Spielberg, 2004) Vicky Cristina Barcelona (Vicky Cristina Barcelona, Woody Allen, 2008) Vila, A (The Village, M. Night Shyamalan, 2004) * Vontade Indômita (The Fountainhead, King Vidor, 1949) Watchmen – O Filme (Watchmen, Zack Snyder, 2009)

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ÍNDICE GERAL DE REFERÊNCIAS ALBRECHT, Donald. Dr. Caligari’s Cabinets: The set design of Ken Adam. In: LAMSTER, Mark. Architecture and Film. New York: Princeton Architectural Press, 2000. p. 117-128. ALLON DOS SANTOS, Fábio. A arquitetura como agente fílmico. Arquitextos, São Paulo, 04.045, Vitruvius, fev 2004 <http://www.vitruvius.com.br/ revistas/read/arquitextos/04.045/616>. BARTHES, Roland. The Photographic Message. In: _____. Image-Music-Text. New York: Noonday Pres, 1977. BELL, Jonathan F. Shadows in the hinterland: Rural noir. In: LAMSTER, Mark. Architecture and Film. New York: Princeton Architectural Press, 2000. p. 217-230. BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: _____. Magia e técnica, arte e política.São Paulo: Editora Brasiliense, 1987. p. 165-196. BOAKE, Terry Meyer. Architecture and Film: Experiential realities and dystopic futures. Disponível em: < http://www.architecture.uwaterloo.ca/faculty_projects/terri/pdf/boake_arch_film_colour.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2012. CASTELLO, Lineu. Meu tio era um Blade Runner: ascensão e queda da arquitetura moderna no cinema. Arquitextos, São Paulo, 02.024, Vitruvius, mai. 2002 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.024/781>. CRAFT, Bob. Only in Hollywood: Confessions of a location manager. In: LAMSTER, Mark. Architecture and Film. New York: Princeton Architectural Press, 2000. p. 141-147. DA COSTA, Maria Helena Braga e Vaz. Articulações fílmicas da per

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LISTA DE IMAGENS As imagens relacionadas a filmes foram capturadas diretamente de cópias físicas e/ou digitais dos mesmos, logo serão consideradas “arquivo pessoal”. As demais imagens seguem com os respectivos créditos. [F1] Insolação (2009). [F2] Set de Metrópolis (1927). FONTE:http://www.thefedoralounge.com/showthread.php?50101-Behind-the-Scenes-Photos/page8 [F3] Croquis feitos por Le Corbusier no mesmo estilo de um storyboard para ilustrar e acompanhar a descrição do projeto da residência de Madame Meyer. FONTE: http://www.bifurcaciones.cl/003/Kale.htm [F4] Cartão postal da cidade de Nova York incorpora o próprio personagem do filme à paisagem como forma de divulgação turística. FONTE: http://9teen87spostcards.blogspot.com/2011/03/king-kong-on-empire-state-building-in.html [F5] Breve reflexo da Torre Eiffel é uma das poucas indicações que o filme Playtime (Jacques Tati, 1967) se passa em Paris. [F6] Ilustração do Mareorama (Exposição de Paris, 1900) publicada na revista Scientific American. FONTE: http://en.wikipedia.org/wiki/Mareorama [F7] Imagens (4) do filme À Propos de Nice (1930). [F8] Imagem do filme Meu Tio (1958). [F9] Imagem do filme O Gabinete do Dr. Caligari (1920). [F10] Set criado por Cedric Gibbons para as filmagens de Grand Hotel (1932). FONTE: http://dcairns.wordpress.com/2011/05/14/four-rooms/

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[F11] Sala de Guerra do filme Watchmen (Zack Snyder, 2009) projetada por Alex McDowell e inspirada no filme Dr. Fantástico. [F12] Sala de Guerra projetada por Ken Adam para o filme Dr. Fantástico (1964). [F13] O Castelo Animado (2004). [F14] Imagem do filme Insolação (2009). [F15] Imagens (4) do filme Insolação (2009). [F16] Broadacre City de Wright, sobrevoada por “helicópteros”, cortada por vias de tráfego de automóveis, auto-estradas, etc. A modernidade permanece, optando apenas por uma densidade horizontal, rarefeita, agrária (desurbanizada). A Vila de Shyamalan deseja não somente o retorno ao campo, como uma recuperação de todo um modo de vida. FONTE: http://alternations.wordpress.com/2008/04/08/frank-lloyd-wright/ [F17] Imagem do filme A Vila (2004). [F18] Imagem de A Casa do Lago (2006) na qual é possível perceber o deck sob a casa. [F19] Imagens (4) de Aeon Flux (2005). [F20] Imagens (50) das cenas iniciais de Meia-noite em Paris (2011). [F21] Imagem do filme O Castelo Animado (2004). [F22] Dogville (2003). [F23] Cena da luta com gravidade zero explora perspectivas distintas da arquitetura fílmica. [F24] Cena do filme A Origem (2010) em que Ariadne testa os limites do mundo dos sonhos. [F25] Perspectiva da cidade construída pelo casal no “limbo”, ênfase na verticali-

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dade das construções. [F26] Limites degradados da cidade construída no limbo, se assemelham a falésias. [F27] Cena de Dogville (2003) demonstrando a ausência de cenário à exceção de alguns acessórios. [F28] Plano inicial de Dogville (2003) situando o espectador com relação à geografia da cidade. [F29] Exemplo de ângulo descendente muito utilizado em Dogville (2003) para apresentar o espaço. [F30] Encontros e Desencontros (2003). [F31] Arranha-céus de Metrópolis (1927). [F32] Vista aérea da cidade de Seahaven (Seaside, FL) em O Show de Truman (1998). [F33] Imagem das cenas iniciais de Madrugada dos Mortos (2004). [F34] Imagem da chegada do grupo ao shopping center. [F35] Charlotte e Bob sentados aos bar em Encontros e Desencontros (2003). [F36] Charlotte contempla a cidade ao longe, distanciada, sem interagir com ela. [F37] Sobrecarga sígnica atordoa ao invés de causar uma reação emocional. [F38] Imagem do filme Matrix (1999), campos de cultivo de humanos no mundo real. [F39] A Matrix real, como vista por Neo após sua epifania. [F40] Metrópolis (1927). [F41] Playtime (1967). [F42] A Casa do Lago (2006).

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