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JORNALISTAS LIVRES Pensar e fazer diferente. A hora é agora

SEGREDOS DA VIOLA O instrumento que toca na alma de nossa cultura

nº 107 junho/2015 www.redebrasilatual.com.br

FUTURO À DERIVA

Campanha dos professores não é o único problema desprezado pelos governos tucanos de São Paulo. Há anos o ensino público é sucateado

CONTRARREFORMA O capital quer seguir mandando na política


AQUI VOCÊ OUVE O QUE AS OUTRAS RÁDIOS NÃO FALAM

NO DIAL FM

93,3 (litoral paulista) 98,9 (grande são paulo) 102,7 (noroeste paulista) NA INTERNET www.redebrasilatual.com.br/radio


ÍNDICE

EDITORIAL

6. Na Rede

Notas que foram destaque na Rede Brasil Atual no mês que passou

10. Capa

Alckmin e a penúria da educação pública no estado de São Paulo ALICE VERGUEIRO/FUTURA PRESS/FOLHAPRESS

18. Política

A contrarreforma de Eduardo Cunha avança no Congresso

22. Brasil

Zelotes: caça aos tubarões da sonegação não é notícia

26. Atitude

Jornalistas Livres, coletivo em busca de recursos para trabalhar

30. Comportamento

A imprensa é cúmplice do governador Geraldo Alckmin no descaso com a educação

LGBT na periferia: os jovens que não vão ao centro se ‘esconder’

Podres distorções

34. Cultura

A viola e seu poder de explicar a nossa formação cultural

O

40. Literatura

ALEXANDRO AULER

LGBT no sertão: o dia em que João, aos 51 anos, virou Joicy

Guerrilheira curda em Kobani

42. Mundo

A peregrinação libertária dos curdos, uma nação sem país

Seções Cartas

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Marcio Pochmann

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Lalo Leal Emir Sader

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Curta essa dica

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Memória

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presidente da Câmara tem pressa em dar como aprovado um projeto de reforma política. Seu objetivo é dizer que fez a reforma tão cobrada pela sociedade, e ao mesmo tempo deixar tudo como está. Se concretizar a constitucionalização das doações de empresas a partidos, a reforma será uma afronta ao que amplos setores, dos movimentos sociais ao meio jurídico, alertam há anos: o financiamento privado de campanhas desequilibra disputas eleitorais. Há demonstrações concretas do quanto o grande empresariado tem interesse em manter o sistema de financiamento por meio do qual sequestra o poder político. Levantamento feito pela Rede Brasil Atual mostrou, por exemplo, placar semelhante em votações emblemáticas da Câmara: uma que legaliza o uso indevido de mão de obra terceirizada e outra que mantém os financiamentos de empresas a partidos. De cada dez deputados favoráveis ao dinheiro empresarial em suas campanhas, oito foram também a favor de liberar geral as terceirizações. Obviamente, não se trata de coincidência. Além da forte presença do poder econômico nas decisões políticas, a imprensa oligopolizada também exerce poder capaz de interferir na leitura que a sociedade faz da política. Recentes pesquisas do Vox Populi e do Ibope revelam que os meios de comunicação passam para a opinião pública uma situação econômica pior do a que a sentida na realidade. O resultado é um temor generalizado de perda de renda e de emprego. Metade dos entrevistados pelo Vox Populi, para se ter ideia, acha que a inflação está na casa dos 20% – ao mês – enquanto o índice mais elevado está na faixa de 8% – ao ano. Os meios de comunicação exercem poder também pela forma como amplificam ou escondem fatos, conforme sua conveniência. Graças ao apoio da imprensa tradicional, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) alcança no estado sucessivas três vitórias eleitorais, mesmo diante de um quadro de negligência em um dos serviços públicos mais importantes para a cidadania: a educação. Ao ajudar o governador a esconder os movimentos dos professores, a omissão da mídia é cúmplice também da situação de penúria a que está submetido o ensino público no estado mais rico do Brasil. REVISTA DO BRASIL

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CARTAS Reforma agrária e educação Parabéns a essas mulheres de ouro (“A educação pela raiz”, ed. 106)! Todas, Valdirene, Flávia, Clara e Cleide. Karina Zarocinski Souza Horn

www.redebrasilatual.com.br Coordenação de planejamento editorial Paulo Salvador e Valter Sanches Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editor Assistente Vitor Nuzzi Redação Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Eduardo Maretti, Fábio M. Michel, Helder Lima, Hylda Cavalcanti, Rodrigo Gomes e Sarah Fernandes Arte Leandro Siman Iconografia Sônia Oddi Capa Foto de Renato S. Cerqueira/Futura Press. Paulo Pepe/RBA (viola) e Jornalistas Livres Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3295 2800 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328 8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3295 2800 (Carla Gallani) Impressão Bangraf (11) 2940 6400 Simetal (11) 4341 5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Tiragem 166.500 mil exemplares

Conselho diretivo Adi dos Santos Lima, Admirson Medeiros Ferro Jr., Adriana Magalhães, Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Arcângelo Eustáquio Torres Queiroz, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Deusdete José das Virgens, Edgar da Cunha Generoso, Edmar da Silva Feliciano, Eliana Brasil Campos, Eric Nilson, Fabiano Paulo da Silva Jr., Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Gervásio Foganholi, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete de Oliveira Silva, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Raimundo Suzart, Raul Heller, Roberto von der Osten, Rodrigo Lopes Britto, Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Juvandia Moreira Rafael Marques Diretores financeiros Rita Berlofa Moisés Selerges Júnior

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Terceirização Tudo é uma grande burrice (mais uma) do tal de empresariado brasileiro (“Batalha que não acabou”, ed. 106): desde quando o terceirizado vai se importar com a empresa na qual está prestando serviço? Deveriam incentivar o acordo coletivo de trabalho. Ademais, isso vai dar “pano pra manga”: o Judiciário ficaria abarrotado de ações, que certamente seriam vitoriosas: o trabalhador é considerado empregado da empresa para a qual se subordina. Uma curiosidade: observei as mãos do deputado Paulo Pereira, lisas e macias. E ele é citado várias vezes no livro O Príncipe da Privataria. Ou seja: é amigo “dos home” há muito tempo. Octavio Pires Reformas Se a justiça não punir e não existir uma regulamentação da mídia responsabilizando criminalmente os “calunistas”, o Brasil será uma eterna vítima de golpes (“Faltam os passos à frente”, ed. 106). Luiz Mattos America do Rio Parabéns, Maurício. Que espetáculo (“Grande de novo”, ed. 106). Marcelo Campello Pô, galera, atualiza aí os torcedores vivos!!! Leandro Hassum, Tico Santa Cruz, Thalma de Freitas, Gilberto Braga, Dedé Santana, Cássia Linhares. Motta

Malcolm X Bela matéria (“A voz rouca dos guetos”, ed. 106). Fico feliz, como professor de História, em poder contar com um material direto, sucinto e muito rico em detalhes. Parabéns! José Gilbert Arruda Martins França à direita A corrida armamentista parece ser o motor da recuperação americana. (“A França, da esquerda à direita”, Emir Sader, ed. 106.) O grande aumento nas vendas de armamentos para países como a Arábia Saudita tem sido responsável pela entrada de petrodólares no país. Em contrapartida, a pressão dos refugiados de guerras que tentam ir para a Europa faz com que a classe média da região dê uma guinada à direita. Mauricio Bernardi A forma como a elite econômica manipula as demais classes sociais é o principal fator que determina o sucesso ou o fracasso da direita, que defende os interesses da elite. Horácio

Maconha terapêutica Tem plantas muito mais nocivas à saúde e que são vendidas livremente (“Dilemas da Cannabis”, ed. 105), sem falar no álcool, que é de fato a porta de entrada para qualquer droga. Liberar a maconha não interessa principalmente à classe política que deve ter ligação umbilical com alguns traficantes. Só isso explica tal atitude, pois não tem nada a ver com moralidade e preservação da juventude. Isso é conversa fiada. Henrique de Oliveira

carta@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para o seguinte endereço: Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que a mensagem venha acompanhada de nome completo, telefone e e-mail.


MARCIO POCHMANN

Austeridade pra quê? A União Europeia cresceu 0% entre 2008 e 2014 adotando política de enorme austeridade. Sem retomada do crescimento econômico, o emprego e a renda não retornam MARCOS DEL MAZO /ALAMY/LATINSTOCK (MADRI, MARÇO 2015)

O

regime econômico que se impôs a partir da crise de dimensão global iniciada em 2008 tem sido o de baixo dinamismo da produção e emprego da mão de obra. Em geral, os países não conseguem fazer com que suas economias voltem a crescer pelo menos o equivalente ao que ocorria nos anos 2000. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, o nível de emprego global entre 2008 e 2014 foi reduzido em 61 milhões, fazendo com que o desemprego no mundo alcançasse 201 milhões de trabalhadores no ano passado. Isto é, 31 milhões de desempregados a mais do que o registrado em 2007. Mas a elevação do desemprego não resultou apenas da insuficiência na expansão da produção global para absorver a cada ano cerca de 37 milhões de pessoas que ingressam no mercado de trabalho. Deveu-se também ao conjunto das opções de política econômica adotadas pelos países. Enquanto os Estados Unidos, por exemplo, cresceram acumuladamente 9% de 2008 a 2014, sustentados pela política monetária de juros baixos e emissão de dólares, a União Europeia cresceu 0% no mesmo período adotando política de enorme austeridade fiscal. Mesmo entre a União Europeia, o comportamento não foi igual entre os países. A Grécia, por exemplo, registrou em 2014 nível de atividade econômica 25% abaixo do que era em 2008, assim como a Itália teve Produto Interno Bruto (PIB) 8% menor, e Espanha e Portugal, 6% inferior, entre outros. O país com o melhor desempenho europeu foi a Polônia, que apresentou nível de atividade econômica 19% maior do que o verificado em 1998. Diante disso, torna-se interessante ressaltar que a Polônia desde 2008 não realizou recessão econômica, tampouco adotou programa de austeridade comparável com seus vizinhos europeus. Exemplo disso pode ser observado na evolução do déficit público,

que passou de 1,9% para 7,6% do PIB. Já o Reino Unido, com programa permanente de ajuste fiscal introduzido mais fortemente a partir de 2010, com a ascensão do Partido Conservador, derrubou o déficit público de 11% em 2010 para 5,7% do PIB em 2014. Para isso, reduziu o conjunto das despesas públicas em 6% do PIB, especialmente a educação e prestações sociais, bem como reformou a previdência social, elevando para 68 anos o limite mínimo de idade para o acesso à aposentadoria. Ao mesmo tempo foram suprimidos 743 mil empregos do setor público. O que equivaleu a uma redução de 15% do total do efetivo dos empregados do Estado. Apesar de todo este esforço fiscal, o Reino Unido conseguiu fazer com que sua economia crescesse acumuladamente 4% entre 2008 e 2014. Ou seja, menos de um quinto da expansão econômica da Polônia. Frente a isso é que cabe indagar a respeito – austeridade para quê? –, uma vez que tem resultado descompromissadamente na ampliação do nível de desemprego e da renda. O emprego e a renda não retornam sem a retomada do crescimento econômico nacional.

A recessão na Europa só trouxe desemprego e instabilidade

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redebrasilatual.com.br

Informação diária no portal, no Twitter e no Facebook

A recente visita do primeiroministro da China, Li Keqiang, além de consolidar o gigante asiático como principal parceiro comercial do Brasil, ajudará o país a enfrentar as consequências da crise econômica mundial, avalia o professor Vitor Eduardo, da Universidade Federal do ABC. Entre os acordos firmados, um dos destaques é a construção da ferrovia transoceânica entre Brasil e Peru, uma ligação pelo Oceano Pacífico. Ele observa, no entanto, que é preciso diversificar os investimentos para não ser refém da exportação de produtos primários e prejudicar ainda mais a indústria nacional. “O grande problema das trocas comerciais entre China e Brasil é que cerca de 80% das exportações brasileiras para a China são de mercadorias que nós consideramos de produção primária”, afirma. bit.ly/rba_brachina 6

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Vinte anos de combate Mais de 4 mil estabelecimentos inspecionados em 1.785 operações, com 48.720 autos de infração lavrados e 49.353 trabalhadores resgatados de condições análogas às de escravidão. Nos números, esse é o balanço de 20 anos de operações dos grupos móveis de fiscalização e combate ao trabalho escravo, uma força-tarefa de vários órgãos do governo que mostra resultados, embora os desafios também se transformem. Nos últimos cinco anos, segundo o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho, Alexandre Lyra, registram-se ocorrências em meios urbanos – notadamente na construção civil – e até em cruzeiros marítimos. “Aumentou o campo de atuação, o que exige mais estrutura e conhecimento”, diz. bit.ly/rba_escravo1 Na cidade de São Paulo, a prefeitura lançou no dia 13 de maio seu Plano Municipal de Erradicação do Trabalho Escravo. A ideia é punir empresários que usem essa mão de obra em sua cadeia produtiva. “Não tem cabimento em pleno século 21 uma cidade como São Paulo não punir severamente empresário que use trabalho escravo, seja de imigrantes, de mulheres, de crianças”, disse o prefeito Fernando Haddad. bit.ly/rba_escravo2

A Petrobras reage A Petrobras anunciou lucro de R$ 5,330 bilhões no primeiro trimestre, resultado considerado positivo em razão da turbulência atravessada pela companhia. Para o diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP) João Antônio de Moraes, o desempenho da empresa nos últimos meses mostra isso. “Os resultados vêm confirmando o que a FUP diz há tempos.” A produção de petróleo e gás natural da companha cresceu 11% nos primeiros três meses do ano. Já em abril, a estatal atingiu novo recorde na produção mensal de petróleo no pré-sal – objeto de cobiça da oposição e da imprensa, segundo o dirigente. bit.ly/rba_petrobras

Moraes: crescimento da produção

FUP.ORG.BR

A hora de Brasil e China

REPÓRTER BRASIL

ROBERTO STUCKERT/PR

Trabalho escravo flagrado em São Paulo


O “óleo de maconha”ou canabidiol poderá ser importado

A prisão de dirigentes da Fifa no final de maio, pelo FBI (a polícia federal norte-americana), entre eles o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) José Maria Marin, foi só o começo de uma investigação que ainda pode atingir outros dirigentes do futebol brasileiro, como o também ex-presidente da entidade Ricardo Teixeira. Teixeira acabou indiciado no dia 1º pela Polícia Federal brasileira. “Havia sempre uma enorme desconfiança sobre essa cambada que utiliza o futebol para se beneficiar”, disse José Trajano, em entrevista à TVT. A Fifa chegou a realizar eleições no dia 29 de maio. Reeleito, sob pressões e suspeitas, Joseph Blatter renunciou quatro dias depois e convocou novo pleito. “É hora de dar um basta na corrupção, nessa gente que só faz mal para ao esporte, e que enricou com o dinheiro do esporte. Agora, eu quero ver a cara daqueles que defendiam tanto a Fifa, a CBF”, provocou Trajano. bit.ly/rba_fifa

Desigualdade em São Paulo

CESAR OGATA/SECOM/PMSP

Oded: “Zerar os zeros”

O mais populoso município do país continua devendo a seus moradores a quantidade devida de equipamentos públicos, aponta o Mapa da Desigualdade da Cidade de São Paulo, lançado pela Rede Nossa São Paulo. De acordo com o estudo, os itens mais precários são vagas em hospitais (30 distritos ainda não dispõem de nenhum leito) e casas de cultura (ausentes em 60 das 96 regionais) – 36 distritos não têm bibliotecas. Onde os equipamentos existem, acontece a concentração. O distrito de Jardim Paulista, por exemplo, tem 35 para cada mil habitantes, ante três para mil na média da cidade. No distrito da Sé, região central, são 3,62 casas de cultura a cada 10 mil habitantes, enquanto a média geral é 0,08. O coordenador da Rede, Oded Grajew, repetiu à atual gestão o pedido feito à anterior: zerar os zeros. “Recoloquem o Orçamento. Vejam os distritos com maiores problemas. É lá que se deve colocar os investimentos.” bit.ly/rba_desigual

ELIORIZZOJR@GMAIL.COM

A casa da Fifa caiu

Vem da maconha A Agência Nacional de Vigiliância Sanitária (Anvisa) divulgou em maio regras para importação de medicamentos à base de canabidiol. Será preciso fazer antes um cadastro na página do órgão na internet. Grupos de pacientes também podem formar associações para reduzir custo, mas a compra ficará restrita a pacientes cadastrados. Entidades hospitalares, unidades governamentais da área ou operadoras de saúde poderão intermediar a compra do medicamento. (Leia mais na edição 105: “Dilemas da cannabis”.) bit.ly/rba_maconha REVISTA DO BRASIL

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TVT

Canal 44.1 HD digital: Grande São Paulo. Canal 2 Net: São Paulo (das 19h às 20h30). Canal 46: Mogi das Cruzes. Canal 12 Net: Grande ABCD. Satélite C3, frequência 3851, symbol rate 6247, vertical: em todo o Brasil. No site: tvt.org.br

Poesia no cardápio

O

bar está lá na zona sul de São Paulo. Há 13 anos, ficou famoso por receber semanalmente poetas, escritores e interessados por literatura no Sarau da Cooperifa. Agora, o espaço se abriu também para crianças exercerem atividades extracurriculares, tendo a poesia como impulso. Idealizado por José Cláudio Rocha, o Zé Batidão, o projeto Pequenos Aprendizes alcança 120 crianças e adolescentes do ensino fundamental do M’Boi Mirim, no extremo sul da capital paulista. Zé Batidão tem 65 anos e era analfabeto até os 17. Sua família, como ele conta, vivia em situação de semiescravidão. Trabalhava em troca de comida, numa fazenda em Minas Gerais. Segundo ele, a ideia do projeto surgiu da convivência com as crianças do bairro, ao notar dificuldades de aprendizado. “Tinha meninos de 10, 12 anos que vinham perguntar as horas para mim porque não sabiam olhar o relógio.” Escrevendo a poesia com o próprio punho e pegando intimidade com o microfone, elas se soltam, desenvolvem a leitura e revelam aos educadores um pouco mais de si mesmas. “Queira ou não, com vergonha ou sem vergonha, na poesia, elas 8

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O Projeto alcança 120 crianças e adolescentes do ensino fundamental do M’Boi Mirim

Zé Batidão: estou fazendo minha parte

IMAGENS: TVT.ORG.BR

Conhecido na periferia sul de São Paulo por abrigar o Sarau da Cooperifa, o Bar do Zé Batidão promove projeto que estimula, por meio da poesia, o gosto das crianças pelo aprendizado

revelam alguma coisinha que sentem”, constata. “A poesia representa para mim um ponto de refúgio. Quando estou estressado, cansado, com a mente carregada, busco na poesia coisas que me fazem refletir, pensar”, define Erlan Henrique, de 14 anos, enquanto descreve sua predileção por Carlos Drummond de Andrade e Cora Coralina e declama um trecho de Para Sempre, de Drummond: “Fosse eu rei do mundo/ Baixava uma lei:/ Mãe não morre nunca...”

Zé Batidão se diz orgulhoso pela iniciativa. “Estou fazendo a minha parte, e não é nada demais. Eu acho que se todo mundo fizesse um pouquinho, o país seria outro.” O menino Erlan concorda. Para ele, a possibilidade oferecida aos jovens de se soltar para o aprendizado por meio da poesia é também uma oportunidade de “aprofundar cada um na sua cultura”. Reportagem de Jô Miyagui para o Seu Jornal, que vai ar pela TVT de segunda a sexta-feira, às 19h


LALO LEAL

Concessões ao deus-dará

Em países como Portugal, Inglaterra ou EUA, é comum não se renovar concessões de rádio que não cumprem seu papel legal. No Brasil, a mercantilização deste espaço tem vista grossa do Estado

H

á anos, no litoral paulista, havia me acostumado, quando estava por lá, a sintonizar a Rádio JB AM, do Rio. Noticiário sóbrio e equilibrado com música de qualidade marcavam a programação. Um belo dia, liguei o rádio e na mesma frequência da JB um pastor me ameaçava com o fogo do inferno. A rádio tinha novos “donos”. Mais de duas décadas depois, a história se repete. Quem um dia ouviu pela Rádio Eldorado de São Paulo o Concerto do Meio-Dia, tendo como prefixo a composição de Prokofiev, Pedro e o Lobo, seguida do também sóbrio Jornal de 30 minutos, hoje ao sintonizar os 700 KHz AM ouve vozes melífluas pedindo dinheiro em troca do reino dos céus. Nos dois casos, e em tantos outros do mesmo tipo comuns no Brasil, trata-se da venda, por um grupo empresarial, de algo que não lhe pertence. O grupo S.A. O Estado de S. Paulo, controlador da Rádio Eldorado, vendeu para o empresário R.R. Soares, chefe da Igreja Internacional da Graça de Deus, um bem público, o espaço no espectro eletromagnético por onde circulam os sons da emissora. Esse espaço pertence a todos nós e é administrado pelo poder público, que pode conceder seu uso a particulares para que prestem um serviço público com finalidades “educativas, artísticas, culturais e informativas”, como diz o artigo 221 da nossa Constituição. Se do lado do vendedor existem subterfúgios jurídicos para legalizar a transação, do lado do comprador a ilegalidade é gritante. Não consta que a nova programação da Eldorado AM, já no ar, atenda às finalidades previstas na Constituição. Além disso, o negócio fere outro dispositivo constitucional que impede o Estado brasileiro de subvencionar cultos religiosos ou igrejas “ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança” (Artigo 19 da Constituição Federal). Concessão para rádio está limitada a dez anos, ao fim dos quais deveria passar por uma avaliação sobre a qualidade do serviço prestado. No Brasil, isso é ficção,

e as concessões são renovadas automaticamente, com seus controladores perpetuando-se como “donos” de um valioso espaço público. Já os verdadeiros donos – todos nós – somos impedidos de saber como esse espaço é administrado pelo Estado. É comum ouvirmos queixas de pesquisadores acadêmicos e de representantes de movimentos sociais, interessados no tema, sobre as dificuldades de acesso aos contratos de concessões impostas pela burocracia governamental. A transparência nesse setor é crucial para a vida democrática. Para isso, o processo de outorga de uma concessão e o acompanhamento da sua execução deveria ser amplamente publicado e debatido pela sociedade. Trata-se de um serviço público. E quem deve julgar sua qualidade é o público, por meio de órgãos que existiriam para isso. Como ocorre em Portugal, por exemplo, com a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que elabora um Caderno de Encargos estabelecendo os compromissos que devem ser assumidos por quem recebe uma concessão de rádio ou TV. Ali estão detalhadas exigências contratuais que incluem plano econômico-financeiro de sustentabilidade da emissora, questões técnicas e operacionais e número de profissionais necessários para colocar no ar determinada programação. Ou no Reino Unido, onde o órgão regulador, Ofcom, exige também dos concorrentes projetos de grades de programação capazes de atender as necessidades de parcelas do público ainda não contempladas pelas demais emissoras. Tudo isso de forma transparente, em que não faltam debates com a participação de diferentes concorrentes à concessão do mesmo canal. Mais um detalhe: a não renovação de uma concessão nesses e em outros países, como os Estados Unidos, fazem parte da rotina. Estamos longe disso. O espectro eletromagnético tornou-se propriedade privada, distante de qualquer ideia de prestação de serviço público, operado por organizações que defendem apenas a interesses políticos, comerciais e religiosos, os três articulados entre si. REVISTA DO BRASIL

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EDUCAÇÃO

A omissão dese F O governo Geraldo Alckmin não ignorou apenas a greve dos professores, tampouco a paralisação foi o único de seus problemas ocultos pela mídia. O desprezo pela educação em São Paulo vem de muito antes Cida de Oliveira e Sarah Fernandes 10

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ora dos noticiários, o movimento se estendia além do esperado. Durante 55 dias, entre o final de março e o começo de maio, a adesão chegou perto de 100% entre os alunos do colegial. “A mobilização veio com os debates entre os alunos e professores sobre a situação da educação, logo que começou a greve na rede estadual. No começo, as turmas estavam divididas, mas com o nosso trabalho de esclarecimento, perceberam que era necessário se manifestar”, conta a estudante de ensino mé-


EDUCAÇÃO

Pelo avesso

Na gestão 2011-2014, o governo federal investiu mais na educação paulista do que o próprio governo Alckmin (valores em R$) Investimentos

2011

2012

2013

2014

Total

%

90.373.161

386.743.907

578.461.480

475.293.458

1.530.872.006

48

811.703.157

297.972.051

209.942.804

359.560.308

1.679.178.319

52

Recursos estaduais Recursos federais

Além de colocar menos recursos que a União, Alckmin gastou mais com propaganda do que com a manutenção do ensino fundamental e médio. Conforme Informações sobre os resultados da execução dos programas aprovados no Plano Plurianual 2012-2015, até o final de 2014 foram gastos R$ 22.500.000,00 com propaganda da pasta da Educação.

Investimentos nas principais ações da Secretaria Estadual da Educação (Os valores, em R$, foram corrigidos pela variação do IPCA) Ação

2011

2012

2013

2014

Total aplicado

Revisão de centros de estudos de língua

202.810

0

0

0

202.810

Reforma e melhoria em prédios escolares

0

4.677.014

4.210.531

0

8.887.546

1.369.050

1.454.682

32.216

30.000

2.885.948

Provisão de materiais de apoio pedagógico para o ensino fundamental

773.073

4.139.562

0

0

4.912.635

Provisão de materiais de apoio pedagógico para o ensino médio

458.006

1.733.133

0

0

2.191.139

0

0

0

60.152.106

60.152.106

Manutenção da rede de ensino fundamental

2.821.004

3.716.426

0

0

6.537.492

Manutenção da rede de ensino médio

2.848.121

8.384.266

0

0

11.232.387

BUSCA DE DIÁLOGO Professores na porta do Palácio dos Bandeirantes

educa dio Vitória Tavares, 17 anos, integrante do grêmio estudantil da Escola Estadual Toufic Joulian, no centro de Carapicuíba, Grande São Paulo. “Precisamos cobrar. A qualidade da educação estadual, principalmente a nossa, de classe média baixa, está aquém das necessidades de quem quer entrar numa universidade boa. Sem cursinho, não dá pra pontuar no Enem”, afirma. “Temos bons profes-

ALICE VERGUEIRO/FUTURA PRESS

Atendimento especializado alunos da educação básica

Modernização e manutenção tecnológica nas unidades escolares

Fonte: Bancada PT/Assembleia Legislativa

sores. E quando deixa a desejar, é pelo cansaço, pela humilhação. Como ensinar em salas superlotadas? É muita gente para o professor dar atenção, e muitos estudantes perdem o interesse. Isso coopera para piorar o trabalho.” Aluna na mesma escola, Natália de Castro, 16 anos, compartilhou foto nas redes sociais com cartaz colado à roupa: “Estamos em greve em defesa da escola

Pública”, com P maiúsculo. O Toufic é a segunda melhor escola pública do município, perdendo apenas para uma de tempo integral. O diferencial, acredita, é a qualidade dos professores. “A maioria fica à disposição para dúvidas fora da aula, porque falta tempo para dar o conteúdo. Temos seis aulas de Matemática e seis de Português na semana, e só duas de Biologia, Sociologia e Geografia”, reclama REVISTA DO BRASIL

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GERARDO LAZZARI/RBA

EDUCAÇÃO

REVOLTA Valdemir: “A escola parece um salão em que jogam os alunos. É a política do ‘cuspir giz’: o professor não tem apoio para dar aula”

a estudante, que pretende entrar na faculdade na área de humanas ou biológicas. Outra queixa é sobre a infraestrutura. A quadra esburacada há mais de dois anos já machucou muito aluno, os laboratórios estão abandonados e a pintura, desgastada. Fora a sala pequena para tanto aluno. “Tem 55 na minha classe, com fileira quase grudada na lousa”, diz a estudante do 3º ano, ciente, pelo relato de amigos, de que a situação é pior em outras escolas. Faltam professores, ou nem todos são capacitados ou experientes, limitando-se a passar conteúdos na lousa ou distribuir textos para leitura, sem estimular debates e reflexões que tanto contribuem para o aprendizado. “No Toufic, é comum aluno admirar professor. Será triste vê-lo retornar da greve para não nos prejudicar, ainda sem as conquistas que merece”, diz Natália. Na Escola Estadual Manuel Ciridião Buarque, no Alto da Lapa, bairro da zona oeste da capital, também houve manifestação. Estudantes chegaram a ocupar 12

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a principal avenida. “Tentamos debater a greve dos professores e a direção não permitiu. Houve revolta e a escola ficou completamente parada por um dia”, diz o estudante Valdemir Júnior, 17 anos. De acordo com ele, faltam ali espaço para o diálogo e recursos pedagógicos. “Não tem material nos laboratórios de Química e de Física e há goteiras nas salas. A escola parece um salão em que jogam os alunos. É a política do ‘cuspir giz’: o professor não tem apoio para dar aula. Se fica doente, ficamos sem aula. Em caso de licença, acidente ou problema familiar, não tem substituto”, desabafa. “Como um professor consegue dar aulas em salas com 40, 45 pessoas? É tanta gente que tem dia que falta cadeira, tem de pegar na outra sala. Eu e outros alunos até pensamos em ser professor, mas mudamos de ideia.” Na avaliação de Magali Fernandes Diogo Mantini, que tem filho matriculado no Ciridião, a escola tem uma boa estrutura e qualidade de ensino, com professores muito comprometidos. Mas peca pela au-

sência de atividades complementares. “A escola poderia oferecer oficinas, cursos extras e orientações para o ingresso no ensino superior e mercado de trabalho. Quando eles chegam nessa fase, aos 16 e 17 anos, muitos já estão interessados em começar a trabalhar.”

Sem estímulo

Aluno da Escola Estadual Professor Batista Heinze, em Suzano, na Grande São Paulo, Anthony Sampaio, 17 anos, passou a refletir sobre a situação da educação a partir de março, com o início da greve dos professores. “Muitas escolas não têm material didático, de limpeza, coisas básicas como papel higiênico. Isso prejudica o trabalho do professor, o aprendizado”, diz. Sua classe tem mais de 50 alunos. “Quando se questiona esse número, argumentam que nem todos são frequentes. Isso não justifica. Mesmo sendo gran-


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PRISCILLA VILARIÑO/RBA

DESCONEXÃO Michael: a direção da escola é autoritária e não interage com os professores

de, a sala está superlotada. Imagina o professor entrar na sala, à noite, quando já deu aula de manhã, à tarde. Perde 15 minutos até a sala ficar em silêncio, mais 15 minutos para fazer a chamada... Só que à noite não são 50 minutos de aula, são 45. Na pratica, a gente tem menos de 20 minutos de aula, isso quando a sala vai com a cara do professor. Tem o pessoal que bagunça. Mas se tivesse menos alunos, teria mais qualidade.” Ele reclama também da falta de acesso à sala de internet, que nunca usou. Tampouco o laboratório, sob a justificativa de que os alunos não estão preparados para ir. “Dizem que a gente vai quebrar tudo lá dentro. Mas, não é um ambiente para os alunos?”, questionam Aluno da Escola Estadual Oswaldo de Oliveira Lima, também em Suzano, Michael Krabe, 16 anos, lista diversos problemas. Desde a falta de interação entre professores e a direção, autoritária, que evita o diálogo também com os alunos, e a rotatividade do corpo docente. “No ano passado, a gente ficou com um professor, depois das férias de julho trocaram a maioria. Acho que eram temporários e tiveram que ser substituídos. Mas não são de faltar.”

Em Pirituba, zona noroeste da capital, Kézia Alves, tem um filho no 2º ano do ensino médio da Escola Estadual Professor Cândido Gonçalves Gomide. “Quem tem filho adolescente enlouquece quando o filho vai para o ensino médio e tem de ser transferido da escola municipal para a escola estadual. A qualidade de ensino é péssima, sentimos muito a diferença. Um dos problemas é a falta de profissionais. A estrutura do prédio está péssima”, desabafa. Segundo ela, no início do ano passado faltaram carteiras. “Os professores entraram em greve também pelas condições de trabalho. Não tem mesmo como trabalhar sem carteira, lousa e com os alunos desmotivados por estudar em uma escola caindo aos pedaços. Há apenas três pessoas para limpar toda a escola.” Para Kézia, o lado pedagógico também deixa a desejar. “Meu filho passou os nove anos do ensino fundamental numa escola municipal e a gente via avanços. No ensino médio, parece cada dia pior. Sinto também as escolas estaduais muito fechadas, sem diálogo com os pais e os estudantes, sem incentivo ao protagonismo juvenil, sem chances de uma gestão democrática”, avalia.

Depois de sete anos lutando pelo cumprimento da Lei do Piso (Lei nº 11.738/2008), o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) obteve uma primeira vitória. Em 15 de maio, assinou com o governador Fernando Pimentel (PT) o termo da proposta salarial e de carreira de todos os profissionais da educação no estado, não apenas os do magistério. O acordo já foi colocado em projeto de lei e põe fim ao subsídio como forma de remuneração e garante a adoção do piso salarial, com reajustes anuais, inclusive para os aposentados, e a nomeação de 60 mil concursados, sendo 15 mil por ano até 2018.

A professora Beatriz Cerqueira, coordenadora-geral do Sind-Ute e presidenta da CUT-MG, comemora a vitória numa batalha importante. “Assinamos acordos em 2010 e 2011, que não foram cumpridos pelo governador Antonio Anastasia (PSDB)”. Segundo ela, porém, a mobilização não chegou ao fim. “Temos de negociar demandas importantes, como distorções na carreira e remuneração para os servidores das superintendências regionais de ensino, direitos dos educadores anteriores à implementação da política de subsídio, eleição para direção de escola, entre outras.” Em 2011, a categoria esteve em greve durante 112 dias.

ROBERTO PARIZOTTI/CUT

Acordo histórico em Minas

Beatriz Cerqueira: “Assinamos acordos que não foram cumpridos pelo governador Antonio Anastasia (PSDB)”

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merece ser estimulada”, conta. “Eu percebo que os professores têm vontade de ensinar, têm interesse e estão se renovando. Não tenho crítica quanto a eles.”

Nota vermelha

Um estudo da assessoria técnica da bancada do PT na Assembleia Legislativa dá números ao desempenho do governo Alckmin na educação. Entre 2011 e 2014, São Paulo recebeu do Palácio dos Bandeirantes menos do que o governo federal destinou ao estado. Enquanto o Ministério da Educação aplicou R$ 1.679.178.319, o tucano colocou R$ 1.530.872.006. E do orçamento da educação, aplicou mais dinheiro na rubrica propaganda do que na manutenção do ensino básico (ensino fundamental e médio).

PORTAS TRANCADAS Kézia: “Sinto as escolas estaduais muito fechadas, sem diálogo com os pais e os estudantes, sem chances de uma gestão democrática”

Lição de cidadania é lutar pela educação Por Cida de Oliveira Intransigência, autoritarismo, humilhação. No desabafo da presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel, não tem sido fácil negociar com os governos do PSDB que se revezam no comando do estado desde a década de 1990. “Para eles, o professor ir às ruas é mau exemplo aos alunos, quando na verdade ir às ruas lutar por seus direitos é exemplo de cidadania, de democracia”, diz. “Mais que uma greve, é uma discussão estrutural, de profissionais que trabalham na escola pública, para filhos e filhas da classe trabalhadora. Como a elite não estuda ali, por que debater a greve?”

Defender o salário do professor não é corporativismo?

Sim, há esse aspecto, mas a greve é uma discussão estrutural. Um profissional valorizado melhora a qualidade do ensino e pode ser cobrado. Como cobrar alguém que ganha R$ 2.460,00 por 40 horas semanais? O governo tem sido avisado do nosso descontentamento ao longo dos anos. 14

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Não estamos contentes com a maneira como implentaram a escola de tempo integral, com a diferença salarial dos professores dessas escolas, que ganham 70% a mais, na forma de gratificação incorporada ano a ano. O governo diz que é absurdo reajuste de 75% no nosso salário, mas não é para fazer funcionar a escola de tempo integral.

Vem daí o parâmetro para correção salarial em 75% até 2020?

O parâmetro vem também do Plano Nacional de Educação (PNE). O PNE determina, em sua meta 17, a equiparação do salário dos professores com o dos demais profissionais com nível superior. Segundo o IBGE, a diferença é de 75,33%. O salário do professor tem de sair do piso atual de R$ 2.480 para R$ 4.237, em 2020. Questão de justiça para um trabalho intelectual, em classes superlotadas, heterogêneas, com histórias diferentes, que exigem muito.

A pauta vai além da questão salarial?

O fundamental é garantir uma escola de qualidade para os filhos dos trabalhadores. São

eles que precisam de uma escola melhor, mas o governo tucano, há 20 anos no poder em São Paulo, não tem compromisso com a educação, como não tem com a gestão da água, da saúde, da moradia. Olha apenas para o orçamento. Só que em Minas Gerais o atual governador, Fernando Pimentel, que pegou o estado com rombo de R$ 7 bilhões, um dos maiores da história, está dando 32% de reajuste aos professores, a ser pago nos próximos dois anos. É questão de prioridade.

Essa realidade ficou clara no movimento dos professores?

Temos de escancarar tudo: a superlotação decorrente do fechamento 3.390 salas no início do ano, a forma de contratação dos professores temporários, o modo de organização das escolas, que não acolhe. Como enfileirar os alunos, um atrás do outro, e querer que prestem atenção e aprendam? É preciso outro modelo, que faça sentido para eles, o que é impossível com as salas superlotadas. O mínimo passou a ser 40, 45 por turma. E o máximo até 84, o que não é raro na rede. Como ensinar?

Como tem sido a contratação?

Pelas regras em vigor, os professores temporários trabalham 200 dias e ficam um ano sem trabalho. Mas na educação, como na saúde, não pode haver interrupção, não pode faltar professor. É um trabalho coletivo e subjetivo. Os alunos não são coisas, são pessoas. Os jovens estão antenados; querem o que faça sentido para eles, e isso dá trabalho ao professor.

O professor consegue se preparar para atender a essa demanda?

O governador Alckmin não cumpre a lei 11.738/2008 (Lei do Piso), que determina que o professor tenha 33% da jornada destinada ao preparo e correção de provas e atividades e à sua formação continuada. Mas isso não acontece. Hoje, numa jornada de 40 horas semanais, nós entramos em sala de aula por 32. Não dá. Pela jornada do piso, são 26 para aulas e 14 para trabalho fora da sala. Professor leva trabalho para casa, sem receber. Estados mais pobres, como Sergipe, oferecem 34% da jornada semanal para atividades extraclasse. Aqui é 17%.

GERARDO LAZZARI/RBA

A situação é semelhante até em estabelecimento que funciona em tempo integral, que recebe mais investimentos. Renata Aparecida Souza da Silva, mãe de três alunas do ensino médio na Escola Estadual Professor Antônio Alves Cruz, em Pinheiros, zona oeste da capital, conta que a escola não oferece os recursos prometidos. “Minhas filhas não têm acesso à internet e os computadores estão sempre quebrados. As salas-ambiente, específicas para cada disciplina, premissa das escolas de tempo integral, foram tiradas.” De acordo com ela, falta ainda estímulo à organização dos alunos. “Minha filha está tentando montar um grêmio, mas a direção dá sinais claros de que não tem intenção de deixar, quando essa é uma questão que


EDUCAÇÃO

Para as rubricas “revisão de centros de estudos de língua”, “reforma e melhorias em prédios”, “atendimento especializado aos alunos da educação básica”, “provisão de material de apoio pedagógico ao ensino fundamental e médio”, o governo destinou R$ 19 milhões. Segundo resultados da execução dos programas aprovados no Plano Plurianual 2012-2015, publicadas no Diário Oficial do Estado de São Paulo em 29 de abril, no final de 2014 haviam sido gastos R$ 22,5 milhões somente com a chamada “publicidade de utilidade pública” da pasta da Educação. Os dados da própria administração tucana depõem contra as escolhas da gestão. As metas mais importantes para a melhoria da qualidade do ensino ainda não tinham sido atingidas no final

A escola pública era boa enquanto estudavam ali os filhos da elite. Quando começou a se abrir para o pobre, a elite retirou seus filhos. Não era preciso mais escola boa. A elite, no poder, acredita que para pobre qualquer escola serve. Acho que quem faz o pior também pode fazer o melhor. Mesmo que sejam pequenas e simples, as escolas podem ser simpáticas, funcionais e acolhedoras.

A Apeoesp é contra as escolas em tempo integral somente por causa do aspecto salarial? Não somos contra o ensino em tempo integral, mas esse modelo de escola não inclui. Na verdade, exclui os alunos que fogem do padrão. E funcionam em regiões mais centrais, distante das periferias, onde moram os alunos que mais precisam de mais tempo na escola. Além disso, não pode ser na marra e tem de começar com os alunos mais novos, não no ensino médio, com aluno

reto na Escola e Escola de Família, de promoção de ações voltadas à qualidade de vida dos profissionais do setor. Tampouco a parte do estado à educação básica decorrente do Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb) foi efetivada. A campanha dos professores por valorização salarial, é apenas a ponta de um iceberg que mal apareceu no horizonte da política educacional de São Paulo. Os jornais, no geral, quando mencionavam a paralisação, informavam que a categoria “reivindica 75%” de reajuste, como forma de dar conotação de um exagero. O que os educadores pedem, no entanto, é um compromisso por parte do governo de que os salários sejam recuperados gradualmente até 2020, em cinco anos portanto, de modo a se equiparar às demais carreiras de nível superior do estado.

trabalhador. Nesse caso, para evitar a evasão, teria de dar uma bolsa. E esse modelo não integra o currículo, misturando atividades desconectadas, que cansam alunos e professores num ambiente autoritário, fictício.

O que de imediato pode ser feito para melhorar a educação?

O governo precisa entender que não é dono de tudo porque foi eleito. Educação não tem dono, nem partido político. Tem de ser política de Estado. Por isso o PNE instituiu um sistema nacional articulado, com financiamento baseado no Custo Aluno Qualidade que permita acabar com as desigualdades na qualidade do ensino oferecido a todos os brasileiros, em que União, Distrito Federal, estados e municípios atuem juntos em nome de um bem comum, e não cada um fazer do seu jeito porque prefeitos e governadores são de partidos diferentes. Lutamos pelo Plano Nacional de Educação, e agora pelos planos estaduais. O PNE representa avanços à educação, mas precisa sair do papel.

A elite, no poder, acredita que para pobre qualquer escola serve

JAILTON GARCIA/RBA

Por que a situação da educação pública foi piorando com o passar do tempo?

de 2014. Das 2.942 obras previstas para ampliação da rede física escolar, apenas 1.002 haviam sido entregues, o que corresponde a 34%. E das 200 previstas em cooperação com os municípios, apenas 52 foram adiante (26% da meta). Reparos, conservação e manutenção previstos para 5.200 estabelecimentos foram feitos em apenas 2.753 (52%). De 603 mil alunos que deveriam ser beneficiados com transporte escolar, só 453 mil foram contemplados. E outros 30% dos estudantes ficaram sem merenda. Havia previsão de verba para atender a 4,3 milhões, mas só 3 milhões tiveram a refeição na escola. Não tinham sido atingidas ainda metas relacionadas ao gerenciamento de benefícios para servidores, à remuneração e encargos, da transferência no âmbito do programa Dinheiro Di-

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EDUCAÇÃO

E não só. Os profissionais pedem o desmembramento das turmas que ficaram superlotadas, um novo sistema de contratação de temporários com garantia de direitos, inclusive ao atendimento médico,

PRISCILLA VILARIÑO/RBA

MAIS PROFESSORES Anthony: se tivesse menos alunos por classe a qualidade seria melhor

convocação dos concursados e a presença de coordenadores pedagógicos nas escolas, entre outras medidas para melhorar a qualidade do ensino. “Nossa discussão é estrutural, e não apenas salarial, corporativista.

Envolve mais que profissionais que trabalham na escola pública, onde estão os filhos da classe trabalhadora”, diz a presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel. O governador Geraldo Alckmin (PSDB), que chegou a negar a existência da paralisação da categoria – como nega a crise no abastecimento de água e a violência policial nas periferias – só foi apresentar proposta no final de abril, mais de 40 dias após o início da greve. Acenou com mudanças na contratação de temporários por três anos ininterruptos, em vez de um ano, e o atendimento pelo Instituto de Assistência Médica do Servidor Público Estadual (Iamspe), além da criação de um grupo de trabalho, com participação do sindicato, para o desmembramento de salas de aula, e a possibilidade de contratação de coordenadores pedagógicos para as 5 mil escolas. Mas só a partir de 2016. Colaborou Tiago Pereira

O choque de gestão do governador paranaense Beto Richa (PSDB) foi aplicado à educação logo no início do seu primeiro mandato, em 2011. A primeira medida foi desfigurar a semana pedagógica, quando os educadores elaboram o projeto político-pedagógico da escola. O tucano substituiu reflexões a partir de textos teóricos pela análise puramente estatística das aprovações, reprovações e evasão – daí a chamada pedagogia da planilha. “Uma avaliação simplista dos números, e não mais dos motivos, na qual o professor torna-se o culpado, independentemente da falta de recursos ou de estrutura”, conta o secretário de Comunicação da APP Sindicato (entidade que representa os profissionais do ensino público no estado), Luiz Fernando Rodrigues. Richa acabou também com o livro didático público, que desde o governo de Roberto Requião era produzido por professores, com conteúdo contextualizado 16

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à realidade paranaense e adotou livros comerciais. Essa questão pedagógica e o enxugamento da folha e do quadro de funcionários ao longo do primeiro mandato culminaram com o fechamento de 2.400 turmas em dezembro passado. Sem investimentos em infraestrutura nos últimos cinco anos – levantamento do próprio governo mostra que seriam necessários R$ 2 bilhões para adequar as escolas paranaenses. Os professores entraram em greve em 27 de abril pelo cumprimento da Lei do Piso, reajuste salarial de 8,14%, realização de concurso público e melhores condições de trabalho. Eles eram maioria entre os mais de 200 feridos pela PM paranaense em 29 de abril, quando se manifestavam contra mudanças na previdência estadual proposta pelo tucano para sanar parte do rombo aberto em seu primeiro mandato. Por Ricardo Gozzi

A reação contra a greve dos professores foi violenta

WILSON DIAS/AGÊNCIA BRASIL

Richa e a pedagogia da planilha


EMIR SADER

Uma concorrência para os EUA

Apesar do ligeiro declínio da hegemonia norte-americana, decorrente de suas contradições e da pior crise do capitalismo em 80 anos, um campo capaz de superá-la ainda está por se formar

O

s Estados Unidos saíram triunfantes da Guerra Fria, mas o mundo surgido dali não é nem um mundo de paz, nem de desenvolvimento econômico e justiça social. Ao contrário, focos de guerra só se multiplicam, as intervenções no Afeganistão e no Iraque não conseguem criar condições para que as tropas norte-americanas possam sair desses países mais de dez anos depois das invasões, a maior crise econômica internacional em mais de 80 anos não tem prazo para terminar, produzindo mais desigualdade, pobreza, miséria e exclusão social. Os Estados Unidos continuam sendo a única superpotência, em um mundo que passou da bipolaridade à unipolaridade. Seu poderio militar é inquestionável, a presença política em todo o mundo e a superioridade tecnológica se mantêm. Para não falar no plano ideológico, em que o “modo de vida americano” é absolutamente hegemônico em escala mundial. Nos anos 1970, constatava o economista e sociólogo italiano Giovanni Arrighi (1937-2009) haver um consenso de que o capitalismo terminaria, faltava decidir quando e como. Esse fatalismo, baseado numa interpretação mecanicista da história, segundo a qual os tipos de sociedade se sucederam quase que automaticamente, sofreu depois um duro baque. Não apenas o capitalismo sobreviveu, como a primeira forma histórica de existência do socialismo desapareceu. A partir desse momento a imagem dos Estados Unidos se revigorou, vieram as teorias do “fim da história” e da obrigatoriedade do Consenso de Washington, que acompanhavam a expansão aparentemente irreversível do neoliberalismo. Quando esse modelo começou a revelar seus limites e contradições, voltaram teorias sobre o fim próximo não apenas da hegemonia norte-americana, como do próprio capitalismo. Houve um respeitável historiador, (Karl Marx) que previu que em 50 anos o capitalismo terminaria. Nenhum sistema econômico e político termina por si mesmo, simplesmente pelo esgotamento. Ele precisa

ser vencido e superado por outro. E, apesar de todas as debilidades que ele exibe, o imperialismo norte-americano não encontra ainda no horizonte uma força ou um conjunto de forças que possa superá-lo e substituí-lo. As contradições e limitações do neoliberalismo fazem com que seja um sistema esgotado, porém isso não basta para que seja substituído nem sequer por outro modelo dentro do capitalismo. Porque há fortes interesses que o sustentam, os dos maiores beneficiários dele – o capital financeiro –, que sempre consegue recolocar seus interesses por cima das crises. Conforme se acumularam a multiplicação de focos de guerra e a incapacidade norte-americana de dar conta deles, ao lado da crise econômica internacional, iniciada em 2008 e sem horizonte ainda para terminar, proliferaram as visões catastrofistas sobre o futuro daquela hegemonia. Porém toda análise não tem de partir de uma visão unilateral, apenas baseada nos elementos de debilidade dessa posição. É preciso levar em conta também os elementos de fraqueza na constituição de um outro campo que possa enfrentá-lo. O que compõe um quadro em que, embora declinante, a supremacia norte-americana ainda perdura, ao longo da primeira metade do século 21. O que há de novo são elementos de um mundo economicamente multipolar, que começou a ser desenhado com o surgimento dos Brics, reunindo países emergentes, situados fora da hegemonia direta dos Estados Unidos e dos organismos internacionais surgidos a partir dos acordos de Bretton Woods, ao fim da Segunda Guerra. Os acordos assinados pelos Brics em Fortaleza, em julho do ano passado, desenham instituições desse mundo multipolar economicamente: um banco de desenvolvimento alternativo ao Banco Mundial, e um fundo de reservas alternativo ao FMI. É um começo da superação daquele poderio, em um momento em que Washington não tem nada a oferecer aos países que pretendem sair da armadilha neoliberal e da crise recessiva internacional. REVISTA DO BRASIL

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POLÍTICA

A CONTRARREFO Projeto impulsionado por Eduardo Cunha atropela debate social da reforma política e perpetua influência do poder econômico nas eleições. Mudança cobrada pelos movimentos sociais é outra Por Helder Lima

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debate sobre a reforma política no país, que vinha ganhando força para envolver amplas camadas da sociedade, foi atropelado pela Câmara dos Deputados. No final de maio, graças a manobras do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em desrespeito a acordo de lideranças, prevaleceu a constitucionalização do financiamento de campanha pelas empresas, com apoio de 330 parlamentares (o mínimo necessário para aprovação é de três quintos, ou 308 votos). O processo ocorreu menos de 24 horas depois de a proposta ter sido rejeitada, ao não atingir esse patamar mínimo de votos favoráveis. Cunha não engoliu a derrota, pressionou os pequenos, articulou com os grandes e fatiou a discussão do financiamento. O resultado foi que 66 deputados mudaram seus votos em favor da Proposta de Emenda à Constituição 182 – apelidada PEC da Corrupção pelos movimentos sociais, que consideram o fim do dinheiro de empresas em campanhas eleitorais ponto de partida para o enfrentamento da corrupção na política. A votação, que ainda exige um segundo turno, aconteceu em clima tenso, 18

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TUDO COMO ESTÁ Cunha confabula com Renan Calheiros: a contrarreforma mantém o peso do personalismo na disputa política. Ao lado do financiamento privado, esse é o segundo ponto crucial do projeto

com as bancadas do PT, PCdoB, PSB e Psol inconformadas com a manobra de Cunha. Mas as tensões em torno da reforma passaram a permear todo o debate e tramitação da matéria, desde que Cunha desqualificou o trabalho do relator da comissão especial que discutia o projeto, Marcelo Castro (PMDB-PI), tirou a votação da comissão e levou-a direto para o plenário. O encaminhamento prático de uma reforma política vinha sendo discutido desde o final de 2013, após a onda de protestos que sacudiu o país. Na ocasião, a presidenta Dilma Rousseff defendeu uma Constituinte exclusiva, com objetivo de reconstruir um sistema político-eleitoral capaz de devolver a representatividade perdida pela política tradicional.

O PMDB reagiu: o vice-presidente, Michel Temer, desconstruiu a proposta de Constituinte exclusiva, e na Câmara o então presidente, Henrique Alves (PMDB-RN), determinou a formação de uma comissão especial encarregada de elaborar um projeto de reforma. Essa comissão escolheu como relator o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), que acabou não sendo reeleito no ano passado. Com a mudança de legislatura, Cunha designou Marcelo Castro para a relatoria e prometeu concretizar a votação a toque de caixa. O texto, porém, passou longe de contemplar instrumentos considerados essenciais pelos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e entidades do meio jurídico que há anos se debruçam sobre essa pauta. “Essa proposta re-


POLÍTICA

MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

ORMA EM AÇÃO

presenta uma contrarreforma, é um retrocesso nos costumes políticos do nosso país”, diz o advogado Marcello Lavenère Machado, representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas – mobilização que representa 113 entidades em favor de uma mudança que contemple o fim da corrupção e que estimule os partidos a expor claramente seus projetos, de modo a fortalecer ideias, em vez de personalizar o poder associado à capacidade de arrecadação. “O que pretendemos é que a reforma aperfeiçoe a democracia e faça avançar a moralidade das eleições, progredir a integridade da vontade do eleitor”, afirma Lavenère. “Essa ideia de constitucionalizar o

financiamento está na contramão da história. Até os depoentes que são investigados nas CPIs declaram que o dinheiro desses escândalos que estamos vendo está associado ao financiamento eleitoral”, alerta.

Operação Gilmar

Segundo o presidente da Comissão de Reforma Política do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, os deputados conservadores querem constitucionalizar o financiamento de campanha por empresas para influenciar uma virada de mesa no Supremo Tribunal Federal (STF). Ali, a OAB argumenta em ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4.650) que o financiamento empresarial contraria o texto da Constituição segundo o qual “todo poder

emana do povo e em seu nome será exercido”. Para a OAB, o dinheiro de grandes empresas tira do povo o poder maior de eleger seus representantes. A ação já obteve votos favoráveis de seis dos 11 ministros do STF, mas Gilmar Mendes pediu vista e parou o processo há mais de um ano. “Agora, eles (os deputados) querem colocar isso no corpo da Constituição – o financiamento empresarial –, e aí vão pedir a perda do objeto da ação do Supremo”, afirma Britto. O poder econômico nas eleições cresce em curva exponencial, graças à inspiração neoliberal da legislação que regulamenta o tema: a Lei dos Partidos (nº 9.096), de 1995, a Lei das Eleições (nº 9.504), de 1997, e a reforma eleitoral de 2006. Um estudo da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, de autoria de Ana Luiza Backes e Luiz Henrique Vogel, mostra que em 2002 as campanhas dos candidatos ao Legislativo federal gastaram R$ 189,6 milhões, valor que em 2010 chegou a R$ 908,2 milhões, alta de 379%. As campanhas presidenciais também não fogem à regra da lógica do capital: de R$ 94 milhões em 2002 se multiplicaram para R$ 590 milhões em 2010. Em 2010, segundo o mesmo estudo, 75% dos recursos de campanha tiveram origem nas doações de empresas. Outro dado que mostra o poder crescente das doações de empresas em campanhas é que cada eleito, em 2010, gastou cerca de 12 vezes mais do que aqueles não se elegeram. O resultado é um prejuízo para a representatividade do Congresso. “Os eleitos ficam quatro anos para pagar o financiamento, digamos assim. Como não conseguem, acabam refinanciando (suas dívidas) para ficar mais quatro anos se eleitos, e isso vai fazendo com que não exista uma característica de um mandato para a sociedade. Prejudica o fortalecimento das políticas públicas, sociais e de atendimento aos interesses da maioria REVISTA DO BRASIL

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POLÍTICA

dos eleitores”, afirma o presidente da CUT, Vagner Freitas. “Os eleitos acabam tendo de dar satisfação a seus financiadores, e isso contribui demais para a corrupção.” Para o sindicalista, o fim do financiamento empresarial criaria condições de igualdade nas disputas. “As ideias e propostas dos candidatos e dos partidos teriam mais força ante o peso do poder econômico nas eleições”, avalia. “Acho essencial para a democracia a superação do individualismo e do personalismo para qualificar a escolha de representantes. E os conservadores e grupos empresariais que hoje têm grande influência sobre as bancadas no Congresso são os principais interessados em que nada mude.” A “contrarreforma” apressada por Eduardo Cunha na Câmara também mantém o peso do personalismo na disputa política. Ao lado do financiamento privado, esse é o segundo ponto crucial do projeto. O chamado distritão, previsto no relatório e rejeitado em primeira votação em plenário, adota somente um sistema majoritário para eleger quem tem recursos para captar individualmen-

te mais votos em estados e municípios, piorando em vez de aprimorar o atual sistema, que é proporcional – os votos são primeiro contabilizados para os partidos ou coligações, e os candidatos mais votados dessas legendas é que serão os eleitos. “O distritão termina com o conceito de um partido político que busca através de um grupo de candidatos uma determinada votação. Você torna os deputados totalmente autônomos, cada um fará sua campanha e será dono de seu mandato; isso dificulta a governabilidade enormemente, e o poder de renovação do sistema político tende a zero”, avalia o deputado Henrique Fontana (PT-RS). “O sistema agrava o personalismo, que é um problema da política brasileira e enfraquece os partidos.” Fontana ressalta que o modelo, de tão atrasado, só é adotado em dois países no mundo: Afeganistão e Jordânia. O deputado Chico Alencar (Psol-RJ), líder da bancada, define a hipótese como grande ameaça à democracia: “Atende pela alcunha de ‘distritão’ e se apresenta, indevidamente, como se fora uma reforma política (…) Ao contrário, o ‘distritão’

Para a democracia avançar Conheça os pontos centrais da reforma política democrática, defendida por movimentos sociais, centrais e sindicatos Constituinte exclusiva

Prevê um novo sistema político e eleitoral construído com participação popular, através de um colegiado legislativo, eleito exclusivamente para essa missão, com discussões para alcançar um sistema representativo da maioria da população, mas que garanta voz às minorias.

Financiamento público

Para acabar com o poder das empresas sobre as campanhas, que frauda a representatividade dos eleitores e vicia o processo eleitoral.

Voto em lista

Os partidos, por meio de convenções e eleições internas, elaboram uma lista de candidatos. Os eleitores votariam na lista pré-ordenada. A quantidade de candidatos eleitos dependeria da proporção de votos (%) alcançadas pela lista em relação ao número de vagas. Os eleitores teriam acesso à lista para saber a ordem em que os candidatos aparecem. O sistema fortalece os partidos, já que o eleitorado votaria nos projetos e ideias representados por aquela lista.

Paridade de gênero

As mulheres são 51,5% da população, mas ocupam apenas 10% da Câmara dos Deputados. Com a paridade, as representações ficam equilibradas. Fonte: Coalizão da Reforma Política Democrática e Eleições Limpas

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vai provocar o agravamento superlativo de todas as distorções do nosso sistema eleitoral. Na realidade, como o casuísmo e a pequena política sempre andaram juntos, o surto atual não passa de uma espécie de apoteose do casuísmo”, escreveu em sua página na internet.

Lista e paridade de gênero

O professor de Ciência Política Marcus Ianoni, da Universidade Federal Fluminense (UFF), organizou um livro sobre o tema da reforma política, para ser apresentado no 5º Congresso Nacional do PT, neste mês de junho. O trabalho reuniu artigos de 23 autores baseados em propostas colhidas entre setores progressistas da sociedade. O trabalho, intitulado Reforma Política Democrática – Temas, Atores e Desafios, contempla ideias apoiadas pela Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. Uma delas defende o sistema eleitoral por lista pré-ordenada, também rejeitada pela Câmara em primeiro turno, que permitiria manter o sistema de proporcionalidade e daria maior peso no processo aos

Embate das reformas Financiamento de campanha Como é hoje Misto de público e privado. Os partidos recebem recursos do Fundo Partidário, gerido pelo Tribunal Superior Eleitoral, de acordo com sua representatividade. Podem também receber doações de pessoas físicas até o limite de 10% de sua renda bruta anual e de empresas privadas até o limite de 2% do faturamento por CNPJ.

O que diz a PEC 182 Manter como é, misto, mas autorizando as doações privadas apenas para os partidos e não mais candidatos. A proposta deixa em aberto para serem fixados em lei complementar os limite de doações, tanto percentuais em relação à renda de doadores como um possível teto em valores absolutos.


MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

POLÍTICA

Protesto em Brasília contra o financiamento privado de campanha

partidos e às propostas de seus candidatos. Seria um caminho para “desfulanizar” a política. “Pelos dados de uma pesquisa que fiz, a representação proporcional de lista é adotada em 70 países, dos quais 57 usam listas pré-ordenadas. Na maioria dos países em que há representação proporcional, a lista é fechada ou flexível”, afirma Ianoni. “Esse tipo de lista flexível funciona em vários países da Europa, como Dinamarca, Suécia, Holanda, Bélgica, e a maior parte dos que têm lista pré-ordenada adota o modelo

flexível. Tanto que em função disso um colega meu, especialista em sistema eleitoral, defende a lista fechada, mas devido à nossa tradição personalista ele acha que a lista flexível pode ser um pouco mais simpática.” O texto votado na Câmara deixa ainda de lado a reivindicação por paridade de gênero. No dia 20 de maio, as 51 deputadas e 13 senadoras do Congresso Nacional divulgaram documento contestando a reforma política nos moldes em que foi discutida. Sem a garantia das cotas de gê-

nero, de pelo menos 30% das vagas em todas as esferas do Legislativo (federal, estaduais e municipais), o bloco feminino se recusará a votar qualquer reforma. Também nesse dia, movimentos em favor da reforma democrática entregaram ao presidente da Casa 650 mil assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular que assegure os três pontos essenciais: o fim do financiamento por empresas, o sistema eleitoral em lista pré-ordenada (garantindo a proporcionalidade e a representação das minorias) e a paridade de gênero. Mas, para que o projeto possa entrar no Congresso são necessárias 1,5 milhão de assinaturas. Entre outros pontos, o projeto da Câmara quer o fim da reeleição para cargos executivos, mandatos de cinco anos e coincidência do calendário eleitoral para todos os cargos, do Legislativo e Executivo. Essa mudança de regra é vista pelo professor Ianoni como casuísmo, já que tira dos gestores que têm sua administração aprovada pela população o direito de exercer mais um mandato e não altera o essencial: o peso do dinheiro nas campanhas.

Propostas têm de ser votadas na Câmara em dois turnos. Depois seguem para o Senado

Sistema eleitoral Como é hoje Para os cargos legislativos, o sistema é proporcional. A quantidade de cadeiras que um partido irá ocupar na Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais depende da votação total alcançada pela legenda ou coligação. Os mais votados dentro da legenda ou coligação ocuparão as vagas alcançadas.

O que diz a PEC 182 Distritão ou majoritário para eleger os candidatos mais votados para deputados e vereadores. Vence o candidato mais forte, mais poderoso e/ou mais famoso, e não necessariamente o que está comprometido com projeto ou programa que represente um setor da sociedade.

Coligações partidárias Como é hoje

O que diz a PEC 182

São permitidas livremente em todos os cargos. Vários partidos podem formar um bloco e se unir para disputar as eleições e somam-se os votos das legendas em bloco para definir a quantidade de cadeiras a serem ocupadas. O tamanho das legendas no ano da eleição define o tempo que cada coligação terá de exposição nos horários eleitorais do rádio e da TV

Os partidos não poderiam mais formar blocos para disputar cadeiras nos Legislativos. Apenas para disputar cargos executivos. Essa proposta não passou no primeiro turno.

Data das eleições Como é hoje

O que diz a PEC 182

As eleições municipais e as eleições estaduais e federais são realizadas de maneira alternada, a cada dois anos. Todos os cargos têm mandatos de quatro anos, exceto o de senador, que é de oito. Os cargos executivos têm direito a uma reeleição e não há limites de mandatos para os legislativos.

A partir de 2022 todos os cargos eletivos seriam disputados no mesmo ano, de vereador a presidente da República. Todos passariam a exercer mandato de cinco anos, sem direito a reeleição para os cargos executivos. Somente o fim da reeleição foi aprovado na votação em primeiro turno. Fonte: Agência Câmara REVISTA DO BRASIL

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Abafada com Ministério Público teme que Operação Zelotes, que investiga fraudes de grandes empresas contra o Fisco, fique parada por atender a interesses de setores da imprensa e do Judiciário Por Hylda Cavalcanti

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investigação de crimes praticados por grandes empresários, detentores de fatia considerável do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, caminha relegada ao desinteresse por falta de associação a um escândalo que reverta em dividendos ou prejuízos políticos. O tratamento dado por parte do Judiciário e da imprensa à Operação Zelotes é uma amostra disso, se comparado à Lava Jato. Essa tem sido a constatação de parlamentares, representantes do Ministério Público, analistas econômicos e profissionais do meio jurídico, que se debruçam sobre a elucidação de um escândalo que pode chegar R$ 19 bilhões desviados do Tesouro Nacional. A Operação Zelotes foi deflagrada em 28 de março por diversos órgãos de investigação em conjunto com a Polícia Federal. Resultou na descoberta de uma fraude com a Receita Federal, no período de 2005 a 2013 – grandes empresas subornavam integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), ligado à Fazenda, para serem absolvidas do pagamento de impostos ou reduzir de forma significativa o valor a ser pago. Entre as empresas investigadas estão grandes corporações, como RBS (maior afiliada da Rede Globo), Gerdau, Votorantim, Ford, Mitsubishi, BRF (antiga Brasil Foods), Camargo Corrêa, e os bancos Santander, Bradesco, Safra, BankBoston, Pactual, Brascan e Opportunity. Enquanto em várias operações de caráter semelhante essa fase já teria resultado em prisões preventivas e medidas mais adiantadas, autoridades, Ministério Público e parlamentares alertam para o risco de a investigação não chegar a um resultado efetivo. Segundo o procurador da República Frederico Paiva, “o caso até agora não entusiasmou nem o Poder Judiciário nem a mídia, ao contrário do que acontece com a Operação Lava Jato”. Ele criticou o que chamou de “passividade” por parte dos órgãos envolvidos na investigação e afirmou, durante audiência pública no Congresso Nacional, que os escândalos de corrupção no Brasil só despertam interesse quando há políticos no meio. “Quando atingem o poder econômico, não há a mesma sensibilidade. É preciso que a corrupção seja combatida por todos. Os valores são estratosféricos”, afirmou. 22

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Representações

O MP entrou com representação na Corregedoria do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região contra o juiz responsável pela operação, Ricardo Leite, da 10ª Vara de Brasília. Leite só entregou os documentos referentes ao inquérito em curso à CPI em 1º de junho, e teria tomado decisões que não ajudaram as investigações. Ele só se manifestou pelos autos, negou a prisão temporária de 26 pessoas suspeitas de integrar o esquema e rejeitou o pedido de bloqueio de bens de investigados. O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) divulgou que entrará com medida no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o magistrado. Ele acusa Ricardo Leite de ser responsável por processos antigos contra personagens da Zelotes que não foram nem sequer chamados a depor. “A conduta prejudica o combate à corrupção e ao crime do colarinho branco no Brasil”, acusa. Segundo Frederico Paiva, o MP se prepara para apresentar à Justiça, até julho, denúncias formais por corrupção e lavagem de dinheiro contra investigados na Zelotes. No total, são analisados 74 processos do Carf com suspeita de serem resultado de fraudes. Entre 15 e 20 tratam de valores que chegam a irregularidades da ordem de R$ 5 bilhões. O procurador acha que não será possível reunir provas suficientes para anular a maior parte dos 74 julgamentos suspeitos. “O Ministério Público não vai conseguir, infelizmente, alcançar 10% dos ilícitos que foram praticados no caso”, diz. “É preciso que o Poder Judiciário entenda que provas contra a corrupção só são obtidas com medidas invasivas.” Delegados envolvidos nas investigações já acenaram que, em mais de 90% dos casos, podem não ser encontrados indícios suficientes para anular as supostas irregularidades, por causa da negativa de várias medidas investigativas que dificultou a obtenção de provas. Eles querem desmembrar as investigações, numa forma de tentar contornar as dificuldades e agilizar os trabalhos. “Muita coisa que foi praticada não terá processo. Alguns vão ficar para trás”, lamenta o procurador.

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Problemas estruturais

O escândalo envolvendo o Carf descortina dois problemas estruturais brasileiros. O primeiro é o modo de funcionamento do conselho em si. O segundo, a dificuldade de se apurar e julgar crimes tributários no país. Para o procurador Frederico Paiva, esse atual modelo do órgão, que será reformulado, é propício à corrupção e ao tráfico de influência. “Para fazer investigações desse tipo dependemos antes, muitas vezes, da atuação da Receita Federal, que precisa atestar a existência do crédito tributário definitivo, decorrente de uma fraude. E isso dificulta nosso trabalho”, afirma o delegado da PF e coordenador-geral de Polícia Fazendária, Hugo de Barros Correia, ao destacar que, por esse motivo, tem diminuído o número de inquéritos na área de direito penal tributário no país – sem falar que a PF só pode investigar casos de sonegação previamente investigados no Carf. No início de maio, um levantamento feito pelo gabinete do senador Otto Alencar (PSD-BA) constatou que mais de 120 mil REVISTA DO BRASIL

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processos tramitam no Carf, contestando a cobrança de R$ 565 bilhões em impostos e multas. “Se o governo fizer um Refis, dispensar multas e juros e der um desconto de 30% sobre o valor devido, ainda receberia o suficiente para evitar esse doloroso ajuste fiscal”, avaliou o senador, ao divulgar os dados. A lista surpreende pelos números: apresenta 780 processos com valores acima de R$ 100 milhões sendo contestados, além de 4.295 ações com valores entre R$ 10 milhões e 100 milhões e 13.190 referentes a valores entre R$ 100 mil e R$ 10 milhões. Outros 93.698 processos de empresas com pendências na Receita pedindo a revisão das dívidas têm valores abaixo de R$ 100 mil. O menor grupo, composto por 780 ações, corresponde ao maior valor em impostos e multas que a União teria a receber de grandes empresas: soma mais de R$ 357 bilhões. “É nesse grupo que estão os grandes clientes, que pagam propinas aos conselheiros para ter os valores anulados ou reduzidos. O Carf foi criado para poupar os grandes conglomerados de pagar impostos”, critica o senador.

Reformulação

O Carf tem atualmente 27 conselheiros (há sete cargos vagos), indicados entre representantes dos contribuintes e do fisco, em igual proporção. As indicações de representantes da iniciativa privada costumam ser feitas pelas confederações nacionais da Indústria (CNI), do Comércio (CNC) e da Agricultura (CNA). Os conselheiros não são remunerados. Pelo que tem sido descoberto, muitos deles, no entanto, trataram de dar um jeito próprio de compensar esse detalhe. Segundo o que foi apurado até agora, foram usadas, inclusive, empresas de fachada para fazer a intermediação com os empresários interessados em pagar pela propina para se dar bem nos julgamentos. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, chegou a anunciar que uma reformulação do conselho, depois de todos esses escândalos, “trará clareza para os contribuintes e segurança para o governo”. Levy disse que a proposta definitiva de reforma do regimento do órgão seria publi24

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Distribuição de processos em tramitação no Carf De acordo com o valor do imposto devido (dados coletados até 28 de fevereiro) Processos por faixa de valores Quantidade de processos Valores envolvidos Acima de R$ 100 milhões 780 R$ 357 bilhões Entre R$ 10 milhões e R$ 100 milhões 4.295 R$ 126 bilhões Entre R$ 100 mil milhões e R$ 10 milhões 13.190 R$ 44 bilhões Abaixo de R$ 100 mil 93.698 R$ 9 bilhões

Algumas das empresas investigadas Empresa Avipal BankBoston BRF (antiga Brasil Foods) Bradesco Brascan Caenge SA Camargo Corrêa Electrolux Ford Gerdau Incobrasa Marcondes e Mautoni Merck Mitsubishi Opportunity Pactual Qualy Marcas RBS Safra Santander GRV Solutions Suzano Tov Corretora Via Engenharia

Setor Agroindústria Financeiro Alimentício Financeiro Financeiro Construção civil Construção civil Eletrodomésticos Automobilístico Siderurgia Agroindústria Consultoria/gestão Farmacêutico Automobilístico Financeiro Financeiro Comercial/exportadora Comunicações Financeiro Financeiro Softwares/merc. crédito Papel e celulose Corretora de valores Construção civil

Fonte: Carf (com elaboração do gabinete do senador Otto Alencar, PSD-BA)

cada até o início deste mês de junho. O texto foi submetido a consulta pública e, conforme explicou o ministro, as sugestões apresentadas pela sociedade estão sendo consolidadas. As mudanças passam por redução do número de turmas e reorganização da câmara superior de julgamentos. Levy recebeu do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Furtado Coêlho, um documento com propostas de reforma. A principal medida, aprovada no último dia 18

de maio pela entidade, é a proibição para que advogados com papel de conselheiros no Carf exerçam a advocacia privada. “A OAB poderia vetar a atuação no Carf apenas a advogados que atuassem em causas contra a Fazenda Nacional. Entendemos que o impedimento cabe em qualquer situação”, explica o presidente da OAB. Como forma de equilibrar a situação dos conselheiros que são advogados, a sugestão da Ordem é que esses profissionais, quando passarem a integrar o Carf,


LUIS MACEDO/CÂMARA DOS DEPUTADOS

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GERALDO MAGELA/AGÊNCIA SENADO

BEM LONGE DOS HOLOFOTES Procurador Frederico Paiva debate com o senador Paulo Pimenta na audiência pública para esclarecer o andamento de investigações Operação Zelotes. Sem cobertura da imprensa, a Zelotes apura sonegação fiscal e lavagem de dinheiro

EUGENIO NOVAES/OAB.ORG.BR

Senadora Vanessa: restituição aos cofres

Coêlho, da OAB: mudanças no Carf

recebam salários entre R$ 11 mil e R$ 22 mil. O projeto já foi enviado ao Congresso Nacional. No Senado, onde foi instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o caso, a relatora, Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), destacou que a comissão quer ter acesso ao máximo de informações. “O resultado que queremos obter não é só punir e prender empresas e culpados, mas trazer para os cofres públicos os recursos que nunca poderiam ter saído”, ressalta. Os senadores querem mais. “O principal objetivo da CPI é investigar as razões da existência do esquema criminoso e, ao mesmo tempo, obter informações para orientar a adoção de medidas que evitem a repetição de tão lamentáveis fatos”, completa o presidente da comissão, senador Ataídes Oliveira (­PSDB-TO). Na Câmara, por sua vez, o deputado Paulo Pimenta, relator de subcomissão da Casa que acompanha as apurações do

escândalo, afirmou que já pediu ao juiz Ricardo Leite para ter acesso ao processo, que está sob sigilo de Justiça. Jornalista por formação, Pimenta terminou envolvido em uma polêmica com a mídia após ter sido acusado pelo jornal Folha de S.Paulo de “inflar” a Operação Zelotes com interesses de abafar a Lava Jato. “A imprensa brasileira trabalha os casos de corrupção não a partir do ato em si, mas a partir de quem praticou a corrupção e quem está envolvido nesses escândalos. Só depois desse filtro, dessa censura prévia, e só depois de verificar se não irá atingir interesses dos grupos econômicos influentes, é que a imprensa decide qual o tamanho da cobertura jornalística que dedicará, ou, então, se irá varrer os acontecimentos para debaixo do tapete, sumindo com esses fatos do noticiário”, rebateu. Para Pimenta, com todos os empecilhos observados até agora, o caminho para o desfecho do caso está apenas começando. REVISTA DO BRASIL

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Tod@s junt@s

somos fortes

Jornalistas Livres lançam campanha de arrecadação de fundos com festa, muita festa. Missão é produzir matéria-prima escassa na mídia comercial: jornalismo, muito jornalismo Por Pedro Alexandre Sanches

S

ão quase 15h do domingo 24 de maio de 2015 e os portões da Praça das Artes, no centro da cidade de São Paulo, ainda não foram abertos. A Praça das Artes é uma praça pública, administrada pela prefeitura paulistana, mas possui portões, e eles estão fechados. Os chefes de segurança da instituição zelam pela preservação do patrimônio público e estão temerosos no quase-início da festa de apresentação d@s Jornalistas Livres ao público paulistano, paulista, brasileiro e terrestre (estaremos em transmissão ao vivo via internet até o fim da festa, já na madrugada da segunda-feira). São quase 15h quando chega um grupo de homens vestindo a orgulhosa camiseta da FLM, a Frente de Luta por Moradia, e do MSTC, o Movimento Sem Teto do Centro. A jornalista Laura Capriglione, uma das forças motrizes d@s#JornalistasLivres, reúne os bravos militantes da FLM numa roda para conversar sobre a dinâmica do evento. Os seguranças da Praça das Artes, uma mulher e um homem negr@s, parecem sobressaltados. É o momento de cair a ficha (com o perdão da expressão de quando as fichas ainda caíam): quem fará a segurança da Praça das Artes no grande dia d@s Jornalistas Livres será o movimento social de luta por moradia. Alguma coisa está de ponta-cabeça nesta festa, nesta cidade, neste país, neste mundo. Mal se abriram os portões da praça que tem portões e a praça agora sem portões já está lotada de gente, de gente que reluz uma 26

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diversidade humana estonteante, daquelas de arrancar lágrimas de participantes e de organizadores, to@s junt@s e misturad@s e de olhos molhados. A compositora, cantora, ativista e deputada estadual Leci Brandão faz um discurso veemente, preciso e magoado, afirmativo de que a mídia tradicional jamais deu conta, atenção e muito menos demonstração de afeto à riqueza humana reunida nesta festa. “Não dá pra gente ser comandado por seis famílias que acham que podem pautar o Brasil”, expressa-se Leci. “São seis famílias que não olham pra uma coisa chamada periferia, pro genocídio da juventude negra, pra quem é considerado fora do sistema deles, pra violência contra a mulher, que ficam tripudiando com o segmento LGBT. Eles têm preconceito contra tudo e contra todos.” Leci conclui se identificando com a rede #JornalistasLivres e acarinhando nossos afetos: “Estes jornalistas são verdadeiramente jornalistas, não são pautados pelo chefe, pelo dono. Não. É a cabeça, é a independência, é a liberdade. Viva a liberdade da imprensa. Viva a liberdade do Brasil”. A banda Satélite Musique dinamita fronteiras ao som latino, caribenho, africano da mistura de que é composta, com cidadãos-músicos haitianos e africanos, todos eles atualmente moradores do Brasil. “Haitimanos – Haiti-Brasil”, proclamam as camisetas azuis dos Satélite Musique: o Haiti é aqui. A valorosa Carmen da Silva Ferreira, líder-força da FLM, dan-


FOTOS JORNALISTAS LIVRES

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ça majestosamente ao som dos refugiados. Minutos atrás, Carmen e sua filha Preta correram em minha direção e me abraçaram juntas, com força, de um modo como só uma mãe e uma irmã me abraçariam  – afinal, somos mesmo parentes (como diriam dois índígenas que se reconhecessem um ao outro na rua). Agora, a senhora-menina-mulher-da-pele-preta-baiana Carmen dança. Ao microfone, o secretário municipal paulistano de Direitos Humanos, Eduardo Suplicy, canta Blowin’ in the Wind, secundado por animado coro popular. A cartunista Laerte passeia livre, leve e loura pela nossa festa. Leo Moreira Sá, ator, dramaturgo, homem transexual, ex-integrante da banda de meninas punks Mercenárias, atual jornalista livre, me conta ao microfone da dor e da delícia de ser o que é, de ser quem é. Nossos olhos se umedecem juntos, e eu lembro da honra que tenho em ajudar a editar os textos jornalísticos que ele escreve. As cineastas Tata Amaral (Antônia) e Caru Alves (De Menor) passeiam juntas pela festa — além de terem em comum a profissão, são mãe e filha e nossas parentes #CineastasLivres. Jovens de cabelos coloridos e de cabelos afro e de cabelos moicanos dançam aos sons latinos da banda mexicana-e-paulista Francisco, el Hombre, ao samba paulistano de Yvison Pessoa, de São Mateus, ao rap feminino de Flora Matos e ao candomblé tropicalista do DJ Tutu Moraes. Garotas de penteados e visuais sensacionais transformam

num front feminista a fila do gargarejo do show de rap-jazz da linda e ruiva Tássia Reis. Converso de passagem com Gina Lobrista, a Índia Apaixonada, cantora paraense de sofrência tecnobrega, que se apresenta no Mercado Ver-o-Peso, em Belém, ao lado do namorado equatoriano, o DJ Ata Wallpa, também presente a esta festa de diversidades. Meninos Fora do Eixo trabalham duro na arquitetura de palco. Meninas fora do fora do fora do eixo quebram tudo na arquitetura de logística. Meninas e meninos Jornalistas Livres trabalham sem um tostão no bolso (e, sim, prezad@ leitor@, isto é um baita problema), mas com sorrisões no rosto que só a felicidade podem proporcionar. Jornalistas Livres de todas as idades nos fotografamos e filmamos e descrevemos e entrevistamos uns aos outros, cientes de que somos personagens da festa heterogênea, além de seus anfitriões. No amplo pátio-praça, a modesta barraquinha vende, por preços mais que camaradas, produtos da agricultura de assentamento, do Movimento Sem Terra, coisas de comer sem agrotóxico e sem ódio. A militante negra e jornalista livre Eliane Dias, esposa de Mano Brown, assiste embevecida à apresentação-relâmpago do rapper gay Rico Dalasam, um dos MCs de nossa festa e um dos talentos explosivos do hip-hop brasileiro pós-Emicida e pós-Criolo. Eliane está com a filha já quase-adulta Domênica, irmã de Jorge  REVISTA DO BRASIL

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ATITUDE

Laura Capriglione

Paul Singer

–  Jorge e Domênica foram batizados em honra e amor de Jorge Ben (Jor) e sua esposa Domingas. E hoje é domingo. Coincidentemente parado em pé ao lado de Eliane, um senhor de muita idade, já combalido pelo tempo, assiste a fragmentos das apresentações de noss@s parceir@s #ArtistasLivres. Trata-se de Paul Singer, um dos mais importantes intelectuais brasileiros, pai de gente que fez história na redação da Folha de S. Paulo e na USP. Um jornalista histórico, Dermi Azevedo, se emociona e embevece os corações machucados d@s Jornalistas Livres, afirmando em entrevista aos#JL Haroldo Ceravolo e Adriano Diogo que esta nossa é a maior manifestação pela democratização da mídia de que ele participou em toda sua vida. O amigo de Twitter Julio Cesar Amorim, @juliocesaramor, me dá um importante livro de presente e se encaminha para a barraca de doações. Um dos motivadores da festa é apresentar nosso projeto de financiamento cidadão junto ao site Catarse – nós não sobreviveremos sem o seu apoio direto, querida leitora, querido leitor. No processo de democratização da informação de que fala Dermi, somos 200 milhões de #JornalistasLivres no Brasil, compreendendo por jornalistas livres to@s aquele@s que lemos, assistimos, escutamos, gravamos, filmamos, fotografamos, con28

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sumimos e ajudamos a financiar jornalismo livre. O amigo tuiteiro Julio Cesar faz sua generosa doação e diz que vai para casa chorar  –  chorar, concluo por ver os sonhos de democratização dele (nossos) virando realidade aos poucos. O Julio sabe que, lá no Twitter e no e-mail dele, também é #JornalistaLivre  – assim como você (você sabe?). Nós, que estamos na rede #JL, assistimos junt@s e emocionado@s à projeção, na parede da prédio da Praça das Artes, do vídeo que fizemos para o Catarse. Agora só falta você (ou não falta?). Também estão entre nós, para nosso espanto e contenteza, colegas da mídia tradicional, tanto operários cotidianamente torturados nas redações como gente com cargo “grande” de colunista, editor etc. Desconfiamos que, mesmo assim, nossa festa não será documentada pela chamada “grande” mídia (ou foi?). Do mundo oficial, das autoridades, convidamos a galera toda, nos níveis municipal, estadual e federal, o Haddad e o Alckmin e a Rousseff. Temos representantes municipais (Suplicy, o secretário municipal de Promoção da Igualde Racial, Antonio Pinto) e federais (o secretário nacional de Juventude Gabriel Medina, a secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, Ivana Bentes). Do nível estadual, salvo engano meu, não há viv’alma, e nunca

FOTOS JORNALISTAS LIVRES

Leci Brandão


FOTOS JORNALISTAS LIVRES

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deixa de me causar espécie e desgosto o desinteresse, o apartheid, a ausência completa do aparato tucano (que é também o aparato midiático tradicional) em meio à nossa população de jornalistas, sem-teto, fora-do-eixo, índias, haitianos, senegaleses, congoleses, transexuais, adolescentes, idosos, jovens, sem-terra, gays, mato-grossenses, mineiros, baianas, sem-emprego, rappers, funkeiras, tecnobregas, moradoras de rua, professoras em greve, povo sem água etc. etc. etc. No abismo entre os movimentos sociais e o mundo-cenário que a mídia tradicional se esforça diariamente por inventar, mora talvez o espanto d@s seguranças da Praça das Artes diante dos garbosos militantes da FLM que vieram nos ajudar a garantir a paz e a harmonia num evento aberto, gratuito, prolongado, alcoólico, festivo e hedonista. Pois bem, a festa acaba lá pelas 2h de segunda-feira num congraçamento entre Jornalistas Livres, o DJ Tutu Moraes e moradores de rua do centro paulistano. Foram 11 horas de festa, durante as quais não houve nenhum incidente, nenhuma briga, nenhum bate-boca, nem uma gotícula respingada de ódio. Não foi porque sejamos realmente e/ou completamente livres (ainda estamos longe de realizar esse sonho)  –  é que viver em busca de igualdade, fraternidade e liberdade é algo que pacifica os ânimos e acalenta os corações.

Quem são e como dar uma força Jornalistas Livres reúne algumas dezenas de profissionais com larga experiência nas grandes redações e nenhuma paciência com a imprensa tradicional. “Novas formas de jornalismo e de produzir informação em sintonia com a nova realidade brasileira não virão das grandes redações”, diz Pedro Alexandre Sanches, autor desta reportagem (publicada originalmente no site do coletivo), que celebra a festa do dia 24 de maio, na Praça das Artes, centro velho de São Paulo, com o objetivo de lançar a campanha de arrecadação de fundos por meio do site Catarse. “Aqui, ocupação não é invasão, a crise da água existe, greve de professores existe, a periferia também. Somos um grupo de pessoas, e também de coletivos, que conhecem bem a velha mídia e sabe que a realidade brasileira não é representada nem traduzida por ela.” O grupo se reúne “pelo menos” uma vez por semana em uma casa no bairro do Bexiga. “Vai jornalista, vai também sem-terra, sem-teto, ativista cultural. A lista de discussão já tem mais de 200 participantes”, diz Sanches. Trabalhos do Jornalistas Livres podem ser vistos no endereço medium.com/jornalistas-livres. Para contribuir com a campanha de autofinanciamento do coletivo entre em www.catarse.me/jornalistaslivres REVISTA DO BRASIL

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Dá pra ser feliz aqui Jovens se posicionam, se apropriam do espaço público e não precisam mais se deslocar da periferia aos redutos centrais LGBT para expressar sua homoafetividade Por Gisele Brito 30

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elo senso comum, mesmo em regiões LGBT friendly, como o entorno da Avenida Paulista, na região central de São Paulo, expressões públicas de homoafetividade já não são algo lá muito fácil. Imagine, então, em bairros mais afastados. Mas jovens da periferia paulistana vêm rompendo essa barreira

com vontade de afirmar sua existência, sua identidade e sexualidade em praças, bailes e no cotidiano de suas comunidades. Em março, o Festival Periferia Trans, na zona sul, reuniu coletivos de teatro, dança e movimentos para discutir como é ser lésbica, gay, bissexual e transexual (LGBT) nas bordas da cidade. Para o ator Bruno César Lopes, organi-


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FOTOS PRISCILLA VILARIÑO/RBA

SEM RESTRIÇÕES Ian e Vinícius: amigos à vontade no Cantinho do Céu, extremo sul de São Paulo

zador do festival, tratar a questão LGBT do ponto de vista da periferia é fundamental para descentralizar políticas públicas. “A gente sempre tem de ir para o centro para lutar as nossas lutas. Mas a juventude está se colocando e se apropriando dos espaços”, afirma. Foi por acaso que a reportagem encontrou, numa tarde de segunda-feira, o ca-

sal V. C. e R. A. aos beijos em uma praça no Parque Linear Cantinho do Céu Lago Azul, no extremo sul da capital paulista. Elas são estudantes, têm 17 anos e contam que entendem a sua orientação sexual desde os 13. Sempre namoraram no bairro – “e muito”. Conhecem a Rua Augusta, reduto LGBT na região central de São Paulo, mas vão pouco até lá, em função da distância e por não achar necessário. “Dá para ser feliz aqui”, afirma uma das meninas. Cerca de 1.700 domicílios à beira da represa Billings foram removidos para a criação do Parque Linear Cantinho do Céu Lago Azul, um dos primeiros do programa Mananciais, plano de proteção e recuperação ambiental. No entanto, milhares de pessoas ainda vivem na área em condições precárias. Do píer é possível ver, na margem oposta, o Cantinho do Céu, repleto de ruas sem asfaltamento e construções inacabadas. Com a escassez de chuvas, a água recuou e no solo cresceu pasto que alimenta gado. No dia em que a reportagem esteve no bairro, um garoto cuidava de um pequeno rebanho, montado em um cavalo branco. Vinícius Linhares, 19 anos, se orgulha da beleza do local. Com suas roupas e seu jeito, poderia ser visto em qualquer dos coletivos que atuam no Parque Augusta, no centro. Enquanto caminha, o orientador comunitário cumprimenta várias pessoas. Quando se trata de rapazes bonitos, o aceno é seguido de comentário discreto sobre a gostosura ou beleza de quem passou. Contando a história do parque, de uma feira que funciona 24 horas, vendendo de tudo, tudo mesmo, na entrada do Cantinho do Céu, ele cita o nome dos grafiteiros que botam cores nas paredes. No caminho, encontra um amigo que merece cumprimento mais efusivo, cheio de gírias e vocativos do universo gay. Ian Ribeiro, 21 anos, é negro, veste bermuda estampada, camisa xadrez, boné de aba reta – como um “menininho”, define. Crianças nadam na represa, rapazes mais velhos conversam e fumam. Vinícius, filho de uma faxineira que o criou sozinha, e Ian, pais evangélicos, falam sobre suas percepções e experiências como homossexuais sem restrições no tom da voz ou nos gestos.

NA PELE Marcelo mora em Sapopemba, zona leste: “Eu descobri o que era homofobia de verdade fora daqui” REVISTA DO BRASIL

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COMPORTAMENTO

Nem proibição, nem proteção

O Brasil tem uma das taxas de homicídio com motivação homofóbica mais altas do mundo. Em 2014, foram 317 homicídios e nove suicídios, segundo o Grupo Gay da Bahia, que faz o levantamento baseado em notícias publicadas em jornais. Não há lei que proíba a homossexualidade, mas também nenhuma que proteja homossexuais, bissexuais e transgêneros por crimes de ódio. Por isso, não há estatísticas oficiais. Os ataques em São Paulo que ganham visibilidade ocorrem justamente nas regiões consideradas friendly, amigáveis, como Rua Frei Caneca e o Largo do Arouche. Mas existem também na periferia. “Às vezes, quando a gente está sentado em algum lugar e querem sentar, jogam pedras na gente”, conta Ian. Mas ele relativiza: “Nada que não aconteceria em outro lugar”. Sem precisar buscar o anonimato nas multidões e pensões do centro, os jovens correm atrás de seus sonhos sem ter de passar por uma ruptura forçada, como deixar a casa dos pais muito cedo e procurar abrigo em regiões supostamente mais tolerantes, mas com custo de vida muito maior. “O bom de morar aqui é que eu consigo comprar roupa e maquiagem muito mais barato do que no centro”, avalia Ian, auxiliar de cabeleireiro que sonha ser personal stylist. “Às vezes coloco uma roupa, faço uma maquiagem, e as pes-

soas nem imaginam que comprei daqui.” Os entrevistados lembram com temor do caso do jovem agredido com uma lâmpada na Avenida Paulista, em 2010. “Sempre que estou lá, fico olhando para frente, para trás, para os lados”, diz Alex Leandro, 21 anos, figurinista e ator da Identidade Culta e morador do Grajaú. No Festival Periferia Trans, atua na peça ComoSempreSomosMotivodeChacota, no papel de uma travesti. Para fazer a peça, ele fez laboratório em um ponto de prostituição de transsexuais no Jardim Prainha, também na zona sul. A peça já foi encenada em Pinheiros, na zona oeste, e remontada no Grajaú e no Capão Redondo. Em uma cena, a personagem fica nua na rua. “Quando eu fazia na Rua Teodoro Sampaio (Pinheiros), pensava: ‘Nossa, esse lugar é muito perigoso’”, conta o ator sobre uma tensão que não sentiu nas apresentações do festival. Para o jornalista Marcelo Hailer, de 33 anos, morador da Vila Santa Clara, em Sapopemba, zona leste, boa parte da ideia de que em bairros fora do centro a homofobia é pior do que em bairros mais ricos tem a ver com uma percepção classista da cidade. “Todos os espaços públicos são pensados para a heterossexualidade. A gente tem muito a ideia de classes delimitada por bairro. Então, é falsa a noção de que Jardins e centro sejam mais tole-

Denúncias de homofobia Mapeamento feito em 2010 pela prefeitura de São Paulo

6% 9%

16%

zona sul

FOTOS PRISCILLA VILARIÑO/RBA

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50%

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DIFICULDADES Nicolly: “Falta educação ao homem da favela. No centro as pessoas sabem tratar a travesti. Chamam sempre por ‘ela’”

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zona oeste

zona norte

zona leste

centro expandido

rantes”, pondera. “Saí de mãos dadas aqui, já fui ao bar tomar cerveja com namorado. E nunca sofri nada. Pode ser que tenha gente que sofreu em seu bairro, mas a maioria que eu conheço passou por isso no centro. Eu descobri o que era homofobia de verdade fora daqui.” Além de sua experiência pessoal, Marcelo cita um mapeamento feito em 2010 pela prefeitura com denúncias de homofobia. O resultado mostrou que 50% dos casos de violência tinham acontecido no centro expandido, ante 19% na zona leste, 16% na zona sul, 9% na norte e 6% na oeste. Em 2012, ao trocar beijos com um rapaz em uma lanchonete em frente ao Centro Cultural Vergueiro, supostamente um território gay-friendly, Marcelo foi expulso. “O cara começou a bater no


COMPORTAMENTO

PERIGOS NA ESQUINA Alex Leandro é figurinista, ator da Identidade Culta e morador do Grajaú: nu na rua

balcão com uma faca, falando pra gente sair de lá”, lembra. A ação discriminatória teve como reação um “beijaço” no local. Marcelo acredita que parte da tolerância que vivencia tem a ver com os laços com o bairro, onde viveu a maior parte da vida, e com a ação pedagogica de seus gestos. “Muitas pessoas vêm falar que é isso mesmo, tem que viver. Estar na rua de mãos dadas, trocar carícias, é um ato político. E uma ação de ocupar o espaço público. Parece uma coisa boba, mas não é. Porque tudo está organizado para a ‘heteronormatividade’.” Alex usa saia e Ian eventualmente sai de casa montado como drag queen. Mas nenhum dos dois beijou outro menino fora dos contraditórios “lugares seguros” da região central. “Não é por medo. Pe-

lo contrário, acho mais difícil apanhar aqui. Não é porque não quero me manchar com as pessoas. Mas não sei, é uma questão minha, é o meu lugar. Não me sinto à vontade”, afirma Ian. Segundo Vinícius, a questão LGBT não influencia diretamente a do transporte, da moradia, mas o contrário, sim. “A periferia tem suas maravilhas, mas também muita opressão, porque as relações são mediadas pelo dinheiro. Mais do que o centro, ela é cruel. As pessoas vão lá para serem incluídas no que há de mais bonito. Mas é aqui que ela mora, paga as contas, olha para o vizinho, quando estiver bem e quando estiver mal. Na periferia é onde quero evoluir e mostrar minha evolução.” Nicolly Bolina, 20 anos, vê uma “falta de educação do homem da favela”. “No centro,

as pessoas são mais evoluídas. Sabem tratar a travesti. Chamam sempre por ‘ela’. Não é que nem aqui. Uma vez eu estava andando na rua e me deram tanta paulada que desmaiei”, conta. “As pessoas que moram em locais chiques têm mais educação.” Desde os 12 anos, todos puderam notar o que Nicolly sempre teve certeza, que era uma menina, quando resolveu comemorar o Natal vestida com roupas femininas. O pai a espancou. A mãe se separou e decidiu se mudar com a filha de Cotia, cidade da região metropolitana, para o bairro de Prainha, na zona sul da capital, pois sabia que lá havia outras pessoas transsexuais, que poderiam ajudá-la a entender o que estava acontecendo. Desde os 13, ela se hormonizava com a ajuda da mãe. Hoje com 20 anos, ela ainda não conseguiu garantir o nome social em seus documentos, mas pretende voltar a estudar ainda este ano para realizar o sonho de ser advogada. Abandonou os estudos aos 17, na 5ª série, e passou a se prostituir. “Como era muito feminina, não sofria muito preconceito dos outros alunos. Mas vários professores me chamavam pelo nome da lista, mesmo eu pedindo para me chamarem de Nicolly”, conta. Há um ano, ela e um cliente casado se apaixonaram. Depois de um ultimato de Nicolly, ele se separou, e os dois foram viver juntos em uma casa pequena, quarto e a sala divididos por um armário. “Ele tem uma filha de 9 anos, a gente sai junto e tudo. Acho que ela não percebeu ainda. A família dele me aceita, até dizem que eu sou mais bonita que a ex-mulher dele. A gente sai de mão dada, vai ao mercado”. Ela atribuiu a aceitação a sua aparência feminina. Manter o visual é um dos motivos para continuar na prostituição. No dia seguinte à conversa com a reportagem, Nicolly implantou próteses de silicone nas mamas em uma clínica, ao custo de R$ 3.500. Pouco tempo antes, havia colocado silicone industrial nas nádegas. “A gente vicia nisso, sabe. Porque ganha 50 reais rapidinho ali, em dez minutos. Eu já tive um trabalho ‘digno’, no Habib’s, mas não deu certo por causa disso. E também porque é gostoso, depois de passar por tanta humilhação, ver aquela pessoa que te desprezou na rua, querer pagar para ficar com você.” REVISTA DO BRASIL

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É QUE A VIOL

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CULTURA

LA FALA ALTO Instrumento ligado às origens brasileiras é tocado em todo o país, tem dezenas de orquestras e ajuda a entender a nossa formação cultural Por Vitor Nuzzi

E Rui Torneze e a Orquestra Paulistana de Viola Caipira: 18 anos de estrada

FOTOS EDI SOUZA/STUDIO ARTES

m suas constantes viagens profissionais, o auditor Rui Torneze, filho de um trompetista amador, sempre levava na bagagem, além de roupas e utensílios, seu violão. “Nessa brincadeira de rodar o país, principalmente o interior, conheci a cultura da viola”, conta o músico. De formação clássica, ele foi se aproximando do instrumento que via e ouvia por todo canto que passava. E aprendeu por observação. “Ia anotando, copiando, arremedando os outros.” Passou do violão (seis cordas) para a viola (cinco cordas duplas). Hoje, Rui é maestro da Orquestra Paulistana de Viola Caipira, que acaba de completar 18 anos, uma das dezenas que se espalham pelo Brasil. Trazida da Europa, a viola já é parte inseparável da cultura popular. “A viola é o coração da música brasileira”, definiu a pesquisadora Rosa Nepomuceno em seu livro Música Caipira: da Roça ao Rodeio. “Se o primeiro brasileiro, até que um E.T. prove o contrário, foi o índio, o segundo foi o caipira, garrado na viola.” E a mistura histórica, de povos e gêneros, fez da viola um instrumento da terra. “Apesar das origens lusitanas, o que se faz hoje aqui é exclusivamente brasileiro”, afirma Rui. “Os 500 anos que a viola percorreu aqui foram suficientes para ga-

nhar uma cara completamente diferente de Portugal”, acrescenta outro violeiro, João Paulo Amaral, defensor do primeiro mestrado sobre viola caipira no país, em pesquisa sobre Tião Carreiro (19341993), um dos grandes nomes do gênero, que por quase 40 anos formou conhecida dupla com Pardinho e influenciou gerações – o sul-mato-grossense Almir Sater, por exemplo, é um discípulo assumido. “Tião Carreiro é um dos pilares da viola no Brasil. Foi um dos primeiros a ver a possibilidade da viola não só como instrumento de acompanhamento, mas também para fazer solo”, diz João Paulo, que começou tocando violão e guitarra. Graduado em Música na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele estudava jazz e música brasileira instrumental. Aos poucos, foi “voltando às origens”, acompanhando o pai em encontros e pescarias no interior paulista. E ouvindo, e aprendendo. “É um universo completamente diferente”, conta o músico, destacando a necessidade de uma “técnica mais apurada na mão direita” e os diversos ritmos tocados na viola, como cururu, cateretê, guarânia, toada, pagode caipira, rastapé. Pelo menos 20, estima. “Dentro de cada ritmo, tem variações”, observa João Paulo, que dá aulas na Escola de Música do Estado de São Paulo (Emesp, a antiga Universidade Livre de Música) Tom Jobim e na Faculdade Cantareira, ambas na capital, além de oficinas e cursos particulares.

Cultura popular

Chico Lobo sorri à pergunta sobre qual foi a primeira canção que ele tirou na viola REVISTA DO BRASIL

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CULTURA

– depois de afinada pelo pai seresteiro, de quem ganhou o instrumento quando tinha 12, 13 anos. Ágil, ele imediatamente dedilha os primeiros acordes de Chico Mineiro, em sua viola cheia de detalhes, como nuvens e relâmpagos – cada uma tem seu próprio desenho. Defensor da cultura popular e de formação autodidata, o músico acredita que o uso generalizado do instrumento é também uma reação ao processo de globalização. “As

pessoas querem voltar a tocar a sua aldeia.” E a viola só se manteve viva pelo uso no sertão, no interior, nas festas, como as Folias de Reis, diz Chico Lobo. “Eu sempre quis consumir o Brasil. A viola é o instrumento que mais representa a cultura brasileira. Em Minas, a viola é beira de rio. Não se tem a tradição das duplas caipiras, mas a do violeiro. No Sul, no Mato Grosso, a gente tem as violas mais ligadas

às danças. No Nordeste, tem os repentes”, enumera o músico. Ele aponta os violeiros, nos primeiros tempos, como cronistas do cotidiano, sua importância nos festejos e em colheitas de mutirão, em uma tradição que também acompanhou o processo de urbanização da sociedade brasileira. “Eles também carregaram a cultura para a cidade grande.” Neste mês de junho, Chico Lobo

Tocando em frente

PAULO PEPE/RBA

Chico Lobo: “As pessoas querem a cultura. Só falta chegar nelas”

Além dos trabalhos individuais e coletivos, muitos músicos se dedicam ao ensino da viola. Interessados não faltam. Chico Lobo, por exemplo, que em 2006 criou uma escola em Santana dos Montes (MG), com 30 alunos, abriu no ano passado um instituto que leva o seu nome, dedicado ao ensino da viola em escolas da zona rural de São João Del Rey, onde nasceu. Hoje, são 45 alunos no distrito de Cajuru e 30 no de Emboa36

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bas, totalizando 105. “Tem fila de espera”, conta Chico, que apresenta um programa de TV há 11 anos e um de rádio há seis. “As pessoas querem a cultura. Só falta chegar nelas.” Hoje morando em Penedo (RJ), o violeiro Braz da Viola, também professor e luthier (artesão do instrumento), organiza há 16 anos um curso chamado Viola nas Montanhas, sempre na terceira semana de janeiro e com um convidado

no encerramento. Por ali já passaram Inezita Barroso, Pena Branca, Paulo Freire, Ivan Vilela e, neste ano, Noel Andrade. “Na época em que me interessei pela viola não existia material didático”, lembra Braz, que estudava violão, pretendia tocar jazz e por curiosidade, como muitos, comprou uma viola. “A minha surpresa foi descobrir o Brasil. Em volta da viola, tem um país cheio de

ritmos, de culturas que eu não conhecia.” Em 1991, ele criou uma orquestra em São José dos Campos, no interior paulista. “Começou a aparecer gente do nada.” Um dos projetos que lhe deu mais satisfação foi o da Orquestrinha São Xico, em São Francisco Xavier, pequena cidade com 3 mil habitantes. “Eu só fazia a direção musical. A criançada escolhia o repertório.”


CULTURA Renato Teixeira: “A viola é um tempero para qualquer música que você precise”

deve lançar o livro Conversa de Violeiro, sobre tradições rurais, em parceria com o escritor e tocador Fábio Sombra, além de uma coletânea com participações de Tavinho Moura e Rolando Boldrin. O jornalista e pesquisador Walter de Sousa, autor do livro Moda Inviolada: Uma História da Música Caipira, destaca algumas fases na trajetória brasileira, a partir das influências ibéricas. Vem o período da música gravada, com o pioneirismo de Cornélio Pires, ainda de forma não industrial, o canto em duas vozes (em que se ressalta a dupla Tonico e Tinoco) e uma mistura com ritmos de origem em outros países latinos, como a guarânia, a ranchera e o bolero. Posteriormente, acontece certa “apropriação” da viola pela MPB, com compositores de classe média. Por fim, a viola instrumental e o surgimento de orquestras. “A viola tem um caminho interessante. Fez um passeio pelo universo popular e voltou ao erudito”, diz Walter. Ele lembra que o instrumento tem origem ibérica – o nome deriva do espanhol vihuela. Da região do Alentejo, em Portugal, surgiu a viola campaniça, que tenta resistir, pelas mãos, entre outros, do violeiro Pedro Mestre, pesquisador das tradições alentejanas, que tem contribuído para a retomada do instrumento no país europeu. Ele e Chico Lobo se encontraram em 2006 – “Esse momento, dois minutos de muito improviso, emocionou as pessoas”, lembra Chico. Desde então, os dois trocam ideias e notas, inclusive com disco gravado. Mais do que um possível encontro entre “mãe” (viola campaniça) e “filha” (caipira), Chico ressalta a “partilha de culturas”.

EDUARDO GALENO/DIVULGAÇÃO

Imersão cultural

É exatamente essa vivência que Rui Torneze considera importante no mundo da viola. “É um instrumento bem étnico. Você não aprende direito se não fizer uma imersão cultural.” Com esse objetivo, a sede da Orquestra Paulistana de Viola Caipira, na Penha, zona leste de São Paulo, é ambientada – tem horta e fogão de lenha, por exemplo. “Aqui parece uma casa de avó de sítio”, define Rui. Em setembro de 2001, a partir da orREVISTA DO BRASIL

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CULTURA

discussão entre o arcaico e o moderno, que marca toda a cultura brasileira. Mas no final do século 20, com a globalização, se perdeu um pouco desse medo e passou a haver uma espécie de orgulho caipira.”

Tradição

Na Orquestra Paulistana de Viola Caipira, tocam músicos de 12 a 82 anos, conta o maestro Rui Torneze. Recentemente, um violeiro, hoje afastado, completou 90 anos. “O nosso maior trabalho é formação de público”, diz. Nas apresentações, o número de componentes varia conforme o pedido. Pode ir de cinco a 60. Ali, não há impedimento sobre o uso de ritmos, o que já chegou a causar estranhamento entre alguns músicos. A orquestra toca de tudo, “qualquer música que seja boa de se escutar”, diz Rui. O tema leva a uma discussão sobre a preservação da cultura. “A tradição é orgânica, vai se transformando, não é estática”, opina João Paulo Amaral. “Acho que é importante ter todas as formas. Mas é importante também a tradição respirar,

Depósito de memórias Mineiro de Campina Verde e morador de Brasília, Roberto Corrêa é referência no estudo e como violeiro, com obras publicadas e gravadas desde os anos 1980. Começou por acaso e tornou-se um dos mestres do instrumento, que, segundo diz, remete às origens brasileiras. “Um instrumento depositário de memórias”, define. O gosto e a prática da viola estão em alta. Há muita gente tocando, orquestras voltadas para o instrumento. Você já chegou a falar sobre um grande movimento em torno da viola. A que atribui esse interesse? Na década de 1960, a música caipira vinculada à indústria da cultura passa por transformações e a viola caipira, no contexto das duplas, acaba perdendo 38

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espaço para outros instrumentos. Por outro lado, nesta mesma década, cinco acontecimentos inauguram um movimento de expansão da viola caipira por todo o Brasil, a saber: gravações de discos de viola instrumental (Julião e Zé do Rancho); o violeiro Tião Carreiro inventa um novo e complexo ritmo, o pagode-de-viola; surge a primeira orquestra de violeiros (de Osasco/SP); o compositor Theodoro Nogueira inaugura a escrita musical para a viola com sete prelúdios além de um concertino para viola e orquestra; e a viola conquista o público urbano com a canção Disparada (em 1966, Theo de Barros e Geraldo Vandré), vencedora junto com A Banda (Chico Buarque), do 2º Festival de MPB da TV Record. A viola caipira é um instrumento que traz reminiscências ancestrais e,

senão ela morre”, diz. “O purismo engessa”, afirma Chico Lobo. “Não existe purismo em nenhum produto cultural. Hoje é difícil imaginar o que é genuinamente caipira”, observa Walter de Sousa. “Na minha pesquisa, conversei com vários violeiros que consideram a guarânia um gênero genuinamente caipira. Não dá para estabelecer limites.” Mas existe, claro, uma essência que se preserva. Chico Lobo costuma repetir uma frase: “Não há como tocar viola e querer ser violeiro sem ser atraído à beleza de suas tradições, causos e crenças, mesmo sendo da cidade grande”. “Todo o Brasil toca viola”, diz Renato Teixeira, autor, com Almir Sater, de Um Violeiro Toca. Ele ressalta algumas das várias possibilidades do instrumento. “A minha música é uma fusão de MPB com música caipira. A influência paraguaia do Almir... O Passoca aplicou Adoniran Barbosa na viola. A viola é um tempero para qualquer música que você precise”, cita Renato. “Eu nunca toquei viola, mas sempre tive um violeiro por perto.”

Roberto Corrêa: “A viola está ligada a muitas de nossas práticas musicais tradicionais”

RICARDO LABASTIER/DIVULGAÇÃO

questra, surgiu o Instituto São Gonçalo – padroeiro dos violeiros –, agora uma organização não governamental dedicada à pesquisa e à divulgação da cultura dita caipira. Teve como padrinhos Inezita Barroso e Pena Branca (José Ramiro Sobrinho), que formou dupla com o irmão Xavantinho (Ranulfo Ramiro Silva). Walter de Sousa lembra de uma entrevista com Pena Branca, que depois de tirar fotografias chama o pesquisador até o quarto e lá sobe em um banquinho para, no alto do guarda-roupa, pegar uma caixa de papelão. “Ói, queria te mostrar isso. É o Grammy? Já tinha visto um?”, disse, orgulhoso. Em 2001, ele havia vencido o Grammy Latino de Melhor Disco Sertanejo pelo álbum Viola Caipira, que Xavantinho não chegou a ver – morreu em 1999. Pena Branca se foi em 2010. O pesquisador identifica certa superação de um preconceito que costuma, ou costumava, marcar o gênero. “Isso (preconceito) foi reforçado por algumas figuras, como o Jeca Tatu, personagem criado para representar certa aversão ao progresso. É uma


CULTURA

PAULO PEPE/RBA

João Paulo: “Tião Carreiro foi um dos primeiros a ver a possibilidade da viola não só como instrumento de acompanhamento, mas também para fazer solo”

ao mesmo tempo, permite inovações se adequando à música contemporânea. Você também destacou a diversidade e a riqueza da viola, “que antecede o violão”. Como foi sua passagem de um instrumento para outro, e qual a importância da viola para a música brasileira? Na Universidade de Brasília, eu participava de um grupo de música regional que batizamos de Olho D’água. Por acaso, encontrei uma viola caipira em promoção, juntei as economias, comprei o instrumento e em pouco tempo deixei o violão pela viola. Como não havia nada publicado sobre a viola, a não ser um caderno de acordes da afinação Cebolão, da dupla Tonico e Tinoco, comecei a fazer pesquisas de campo, aprendendo com os mestres

violeiros os segredos do instrumento. A viola está ligada a muitas de nossas práticas musicais tradicionais. Isto é precioso para a música brasileira pois nos remete às nossas origens, ao ancestral de nossa música. Podemos pensar na viola como um instrumento que chegou até meados do século passado com conhecimentos, técnicas e usos transmitidos essencialmente pela oralidade. Entendo isso como uma grande riqueza: um instrumento depositário de memórias... Quando, em tempos modernos, a viola passa a ser utilizada em estilos musicais diversos as possibilidades são inúmeras. Temos, por exemplo, um grande campo para ser desenvolvido para a viola como instrumento solista; composições instrumentais sendo escritas para o

instrumento; e a pesquisa de suas tradições. Na minha opinião, hoje está sendo escrita, por meio da viola caipira, uma parte importante da história da música brasileira. Há defensores da chamada música de raiz favoráveis ao uso da viola apenas para esse universo, por uma questão de tradição. Você acredita que o uso do instrumento em outros ritmos ajuda a ampliar as possibilidades da viola, sem prejudicar suas origens? Acredito que sim. Sem dúvidas. A viola caipira é um instrumento musical e, como tal, serve à música, e isso é mais amplo do que as ideias atuais que podemos ter sobre “música raiz”. As origens da viola caipira são parte da história do instrumento, e nos cabe preservá-la

e conhecê-la melhor. Historicamente, a viola esteve ligada a contextos culturais tradicionais, mas, atualmente, vem sendo, também utilizada, de outras formas e para outros públicos. Há muita controvérsia sobre o que seja música raiz ou música de raiz. O que sabemos é que a viola esteve presente nas práticas musicais do Brasil colonial, práticas que pouco conhecemos. De toda forma, as informações que chegaram até os dias de hoje nos mostram a viola sendo utilizada tanto nas práticas devocionais como nas práticas de lazer. A viola servindo de acompanhamento para o cantador, para as duplas, para as folias. A viola conduzindo danças como lundus, catiras, e viola para a música instrumental. Ou seja, a viola para todo tipo de música. REVISTA DO BRASIL

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LITERATURA

Nascer aos 51 “J

oicy Melo da Silva nasceu no dia 22 de novembro de 2010, às 12h30. Pesava 74 quilos e media 1,63 metro de altura. Naquele dia, mais sete partos foram realizados no Hospital das Clínicas, na Cidade Universitária, Recife. Quando Joicy nasceu, morreu João Batista, 51 anos, filho de Irene (83, viva) e de Eupídio Luiz (77, enterrado).” É esta a história que Fabiana Moraes conta na série de reportagens O Nascimento de Joicy, publicada em 2011 no Jornal do Commercio de Recife, nas versões impressa e on-line. Vencedora do prêmio Esso de jornalismo, suas reportagens acabam de virar um livro homônimo pela Arquipélago Editorial (248 págs., R$ 35,90). A repórter acompanhou durante quase seis meses a transformação do agricultor João Batista na cabeleireira Joicy Melo, desde antes de passar pela cirurgia de redesignação sexual feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS) até o fim do processo. Depois de sete anos de idas e vindas ao Hospital das Clínicas de Recife, aos 51 a mulher que tinha nascido João finalmente deixaria para trás o agricultor que sempre foi: no lugar do “inadequado” pênis, ela passaria a ter uma vagina. Mas se a redesignação sexual por si só já é complexa em vários sentidos – físico, social e emocional, para citar apenas três –, que dirá para um agricultor muito pobre, morador de uma cidade com menos de 14 mil habitantes no interior de Pernambuco e que, mesmo se sabendo mulher, não se encaixa no estereótipo da imagem do feminino construída socialmente? Ela não usa batom, roupas delicadas, cabelo comprido nem brincos exuberantes. Seu estilo não vai muito além de bermudas, blusinhas justas, chinelos e o cabelo – já ralo – curto. Joicy era a próxima da fila da cirurgia de mudança de sexo quando Fabiana 40

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Livro relata a transformação de João em Joicy, desconstrói conceito de feminilidade e reflete sobre limites técnicos e humanos do jornalismo Por Xandra Stefanel

começou a fazer a reportagem. “Porém, estava longe de corresponder à imagem de mulher que se costuma cultivar. Teria sido possível aguardar e eleger alguém mais enquadrada no cânone da feminilidade. Pelo contrário, insistir em Joicy

significava enfrentar o preconceito mais arraigado e mostrar o drama de quem, ademais de viver em situação de extrema pobreza, ‘tenta se inscrever no mundo a partir de um corpo continuamente questionado — e combatido’”, afirma, no prefácio, a jornalista e doutora em Serviço Social Sylvia Moretzsohn. “No nosso primeiro contato, quando ela está na fila de mulheres trans esperando atendimento, eu achei que ela estava acompanhando outra mulher. É muito difícil quando a gente está totalmente condicionada a um tipo de pessoa no mundo, um tipo de representação… Ela levantou a mão e disse: ‘Eu sou a próxima’. Então, a chamei para conversar. Quando fui falar com o médico que faria a cirurgia dela, ele disse: ‘Por que você não escolhe uma transexual melhor? Você escolheu a pior que tinha, a menos feminina, muito masculinizada. A gente mesmo pensou muito se ia fazer a cirurgia ou não, porque ela não se adequa’.” A palavra “adequa” ficou ecoando na cabeça de Fabiana. “É uma palavra violenta! Em vez de me desencorajar, o cirurgião terminou me instigando ainda mais: afinal, pensei, o que exatamente nos transforma em mulheres? Brincos, batom, vestidos?”, questiona a repórter na introdução do livro. Fabiana registra os enormes obstáculos que Joicy teve de passar para ser reconhecida como mulher: a falta de dinheiro, de respeito e de amor, além do atendimento nem sempre humano oferecido pelo sistema de saúde. “Se dentro de um âmbito de pessoas que lidam com o outro, como jornalistas e o próprio médico cirurgião, disseram que ela não era mulher, como eu vou cobrar de um enfermeiro que trabalha 24 horas por um salário X e sem capacitação, que ele tenha esse entendimento tão profundo de que está lidando com o João que é uma Joicy?”, reflete.


LITERATURA

Em O Nascimento de Joicy, a repórter descreve a dor, o suor, o assombro e a alegria de produzir a reportagem e expõe sem reservas a complicada relação com seu personagem. O livro está dividido em três partes: a primeira reproduz as reportagens; a segunda atualiza informações e conta como foi a produção da série, os encontros e os conflitos entre Joicy e a repórter; na terceira, Fabiana faz uma reflexão sobre a relação entre jornalista e personagem e apresenta o conceito de jornalismo de subjetividade, em que defende um olhar mais profundo em relação ao mundo e aos seres humanos. Por isso, é um livro corajoso: ao mesmo tempo em que debate uma questão de saúde pública complexa como a transsexualidade, a obra também questiona o espaço da objetividade no jornalismo. Fabiana tem a coragem de expor sua relação profissional e pessoal com Joicy, uma mulher de personalidade forte, difícil e calejada pela vida dura que sempre levou. Seu relato, portanto, não aponta vítimas e nem vilões. “Com a reportagem e depois o livro, Joicy ficou conhecida nacionalmente, ganhou atenção. Mas essa atenção não é algo perene. Eu tentei que essa visilibilidade fosse a mais respeitosa e a mais integral possível, que fosse um olhar descondicionante sobre ela e sobre outras trans e isso traz de fato uma mudança. Só que como Joicy vem de um ambiente muito precário, essa questão humana/ filosófica às vezes passa meio reto por ela, que precisa de coisas mais urgentes, digamos assim. Foi por isso que, muitas vezes, eu e ela chegamos a esses embates”, afirma a jornalista. Se o livro mudou a vida da cabeleireira e agricultora Joicy Melo? De forma prática, Fabiana diz que não: “Seria muito legal dizer que a vida dela está muito melhor, mas não é exatamente assim. Acho que agora ela tem um olhar mais respeitoso das pessoas. Quando as pessoas do bairro, da comunidade, perceberam a atenção que ela estava recebendo, passaram a olhar para ela com um pouco mais de cuidado”.

RODRIGO LOBO/JC IMAGEM/DIVULGAÇÃO

Corpo sofrido e revolucionário

Seria muito legal dizer que a vida dela está muito melhor, mas não é exatamente assim. Acho que agora ela tem um olhar mais respeitoso das pessoas Fabiana Moraes

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MUNDO

Na luta contra o Isis

Fotógrafo brasileiro acompanha cotidiano de guerrilheiros curdos na resistência ao Estado Islâmico. A busca de uma sociedade igualitária no norte da Síria Fotos Alexandro Auler

S

e estivesse organizado em um território, o Curdistão seria um dos 50 países mais populosos do mundo, com 26 milhões de habitantes. Mas os curdos vivem em uma região do Oriente Médio, com 500 mil metros quadrados, espalhados por vários países – Turquia, Iraque, Síria, Armênia e Azerbaijão. Durante 80 dias, entre fevereiro e maio, o fotógrafo brasileiro Alexandro Auler percorreu a planície da antiga Mesopotâmia, na fronteira da Turquia com a Síria, entre os rios Tigre e Eufrates, que correm pela região e pela história da humanidade. São dele as imagens desta e das próximas páginas, que retratam os conflitos que envolvem o povo curdo – a maior etnia sem estado no mundo, lembra. 42

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MUNDO

PAUSA NA GUERRA Cidadãos curdos e combatentes das milícias YPG e YPJ comemoram o Newroz dançando em volta de fogueiras nas montanhas de Kobani. O Newroz marca o primeiro dia da primavera e o início do ano no calendário persa

IGUALDADE DE GÊNERO As mulheres de Kobani participam ativamente da luta por uma sociedade livre

DEFESA PERMANENTE Guerrilheiros YPJ e YPG no front leste da cidade

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MUNDO

“Antes da guerra civil, a cidade de Kobani contava com aproximadamente 400 mil habitantes. Após o início do conflito, em 2011, estima-se que apenas 12 mil permaneceram no local”, relata Alexandro. Ele conta que naquele lugar, 100 anos atrás, havia dois vilarejos que, após vários desentendimentos, se uniram – Kon-Bani quer dizer “viver em grupo” ou “reconciliação”. É uma das explicações para o nome da cidade, cujo significado, hoje, ainda parece uma realidade distante, na luta pela independência curda. Em guerra com a Síria desde 2011, a cidade teve 80% de seu território controlado pelo Isis (Estado Islâmico do Iraque e Síria) em 2014. Kobani também foi arrasada por bombardeios da coalizão internacional, liderada pelos Estados Unidos, que deixaram pelo menos 2 mil mortos. Em janeiro, após meses de combates, milícias do YPG (soldados homens), aliadas a soldados estrangeiros, chamados de “Internacional”, mais o exército Peshmarga (iraniano), ajudaram a libertar a cidade do domínio do Isis. Esse movimento de resistência é de inspiração socialista. “Mesmo com o fim dos confrontos, no centro da cidade é muito comum ouvir o eco das explosões e dos disparos que acontecem nas linhas de frente, principalmente durante a noite. Kobani não possui fornecimento de energia elétrica ou água tratada há mais de três anos. Recentemente, pequenos mercados, farmácias, barbearias e pontos de venda de celulares e diesel começaram a funcionar”, conta Alexandro, lembrando das características da região. “Lá é Síria, mas eles são curdos, então se consideram Curdistão.” Impres­sionou o fotógrafo – gaúcho de origem que já morou em várias cidades brasileiras – a banalidade da morte. Suas foto­grafias mostram jovens, meninos e ­meninas. Muitos posam sorridentes com suas ­armas, sinal de conquista. As jovens guerreiras (YPJ) carregam bombas em seus corpos. São suicidas. Seguem o exemplo de Arin Mirkan, guerreira que no ano passado preferiu se matar a se entregar ao inimigo. “Lá é uma honra ser mártir”, diz Alexandro, repetindo uma frase comum: Sherid no Mirin (“Somente os m ­ ártires têm vida eterna”). 44

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FRENTE DE BATALHA Amara, 25 anos, comandante da YPJ (Unidade de Defesa das Mulheres), exército guerrilheiro que ajudou a retomar Kobani depois de quatro meses em poder dos jihadistas do Isis


MUNDO

CIDADE DESTRUÍDA Três semanas após a reconquista de Kobani, as famílias começam a voltar para suas casas e reconstruir suas vidas. Apesar do clima de recomeço e aparente tranquilidade, os combates contra o exército do Estado Islâmico continuam nos vilarejos localizados num raio de 20 a 25 km de Kobani. As tropas YPG, formadas por jovens, lutam para defender seu território dos radicais Islâmicos

MARCHA E FUNERAIS NO 8 DE MARÇO Cerca de mil pessoas participaram do Dia Internacional da Mulher em Kobani, caminhando quase 5 km do centro da cidade destruída até o cemitério, onde mais de uma dezena de mortos nos dias anteriores foram sepultados. Funerais acontecem quase que diariamente REVISTA DO BRASIL

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curtaessadica

Por Xandra Stefanel

Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar

Diagnosticado como esquizofrênico paranoide, Artur Bispo do Rosário viveu 50 de seus 80 anos como interno psiquiátrico. Na Colônia Juliano Moreira, ele teceu, bordou, colou e recriou seu mundo a partir de suas crenças e das vozes que ouvia continuamente. Assim pelas suas mãos surgiram mantos, cavaletes, miniaturas, escadas, carrinhos e navios, que compõem sua criação artística, hoje reconhecida no Brasil e no mundo. Para relembrar e celebrar Artur, o Museu Bispo do Rosário expõe 150 de suas peças e 50 de outros dez artistas convidados. Um Canto, Dois Sertões apresenta os dois universos que constituem a obra de Bispo: o sertão carioca, como era conhecido o bairro de Jacarepaguá, e Jarapatuba, município sergipano onde ele nasceu e viveu até os 15 anos. Em cartaz até 3 de outubro, de terça a sábado, das 10h às 17h, na Colônia Juliano Moreira – Estrada Rodrigues Caldas, 3400, Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Mais informações: (21) 3432-2402. Grátis.

Baianá, um reino encantado Em suas andanças pelo país, Renata Mattar, uma das fundadoras do grupo Cia Cabelo de Maria, coletou as riquezas da nossa música regional. Uma delas é o baianá, um folguedo originário do sul de Pernambuco que chegou a Alagoas no início do século passado. Em Baianá – Parece Cinema, o grupo apresenta o resultado da pesquisa de Renata: o ritmo forte e contagiante e letras que resgatam crenças e uma musicalidade ancestral e encantada. A Pisada É Essa, ABC, Capital do Rio e Desafio são algumas das 15 faixas do álbum lançado pela Pôr do Som. R$ 25. 46

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REVISTA DO BRASIL

Paisagens solitárias Gunnar Dinesen (Viggo Mortensen), engenheiro dinamarquês, é recrutado pelo governo argentino no final do século 19. Em sua viagem genocida pela Patagônia, ele imprudentemente leva junto sua filha (Viilbjork Agger), que se apaixona por um soldado argentino e foge. Uma co-produção Argentina-Brasil, o filme Jauja, escrito e dirigido por Lisandro Alonso, chega aos cinemas em 25 de junho. Nessa jornada solitária e violenta, a única certeza é que todos que tentaram se encontrar neste paraíso chamado Jauja acabaram se perdendo pelo caminho.

RODRIGO LOPES/DIVULGAÇÃO

Os dois universos de Bispo


MARIO MIRANDA/DIVULGAÇÃO

MARIO MIRANDA/DIVULGAÇÃO MELINA RESENDE/DIVULGAÇÃO

Experimentar a arte Viajar pelos sons dos principais rios do Brasil; penetrar em uma gigantesca cobra cujo interior guarda, ao mesmo tempo, a selva amazônica e a selva de pedra paulista; revisitar os mitos culturais brasileiros projetados em um universo urbano. A exposição A Experiência da Arte, em cartaz até 25 de outubro no Sesc Santo André, no ABC paulista, propõe uma imersão plena no universo poético de produções artísticas. Vik Muniz, Cildo Meireles, Eduardo Coimbra, Eleonora Fabião, Ernesto Neto, Waltercio Caldas e Wlademir Dias-Pino expõem esculturas, fotografias, instalações, obras sonoras, performances e poemas visuais. De terça a sexta, das 10h30 às 21h30, aos sábados, domingos e feriados, das 10h30 às 18h30, na Rua Tamarutaca, 302, Vila Guiomar, (11) 4469-1259. Grátis.

Drummond para pequenos

Todo jardim que se preze é um espaço de beleza que evoca encantamento e contemplação, ingredientes indispensáveis para a poesia. No livro O Jardim (Companhia das Letrinhas, 48 págs.), feito a partir de crônicas e poemas de Carlos Drummond de Andrade, o leitor mirim conhece as várias facetas do jardim do poeta ilustradas pelos traços do berlinense Atak, um cartunista e ilustrador que tem trabalhos exibidos por toda a Europa. O livro é uma espécie de passagem secreta a um mundo de imaginação e sensibilidade. R$ 44.

Lusofonia reunida A exposição As Margens dos Mares, em cartaz até 2 de agosto no Sesc Pinheiros, promove um encontro entre artistas de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal, com o intuito de apresentar as diversas expressões da cultura desses países lusófonos. A mostra traz 12 artistas que refletem sobre questões como memória, espaço e arquitetura por meio de instalações, fotografias, objetos e encontros musicais. Entre os artistas, estão os brasileiros Arnaldo Antunes, Guto Lacaz, Chelpa Ferro, Chiara Banfi e O Grivo. De terça a sexta, das 10h às 21h30, aos sábados das 10h às 21h e aos domingos e feriados das 10h às 18h30, na Rua Paes Leme, 195, em São Paulo. Mais informações em www.sescsp.org.br. Grátis. REVISTA DO BRASIL

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FUNDAÇÃO PROJETO TRAVESSIA C.N.P.J.(MF) nº 01.044.756/0001-03 Balanço Patrimonial dos exercícios findo em 31 de dezembro (em Reais) A T I V O 2014 2013 P A S S I V O 2014 2013 CIRCULANTES CIRCULANTES Fornecedores 2.154,18 17.605,89 Caixa e equivalentes de caixa Obrigações Fiscais, Tributárias 3.843,59 3.782,66 Caixa e Bancos 7.602,23 7.606,68 Obrigações Sociais 15.188,80 8.241,55 Aplicação Financeira 172.046,85 577.617,99 Outras Obrigações 0,00 0,00 DIREITOS REALIZÁVEIS Provisão Para Férias e Encargos 61.971,53 76.906,25 Outros Créditos 749.810,38 31.547,82 TOTAL DOS ATIVOS CIRCULANTES 929.459,46 616.772,49 TOTAL DOS PASSIVOS CIRCULANTES 83.158,10 106.536,35 ATIVOS NÃO CIRCULANTES PASSIVOS NÃO CIRCULANTES Realizável a Longo Prazo Exigível a Longo Prazo Crédito de Instituidores 1.180.000,00 1.180.000,00 Outras Obrigações 4.261.926,91 4.047.063,46 1.180.000,00 1.180.000,00 TOTAL DO NÃO CIRCULANTE 4.261.926,91 4.047.063,46 PERMANENTE Edificios 278.538,81 278.538,81 PATRIMÔNIO LÍQUIDO Máquinas e Equipamentos 85.408,30 81.049,30 Fundo Patrimônio Social 348.976,18 348.976,18 Móveis, Utensílios e Instalações 171.578,90 171.578,90 Doações 340,00 340,00 Veículos 33.900,00 33.900,00 Déficit Acumulado -2.473.168,02 -2.214.382,60 Computadores e Periférico 218.664,60 218.664,60 Superávit/Déficit do Exercício 92.367,32 -258.785,42 Marcas e Direitos 13.265,73 11.780,73 TOTAL DO PATRIMÔNIO LÍQUIDO -2.031.484,52 -2.123.851,84 (-) Depreciação Acumulada -597.215,31 -562.536,86 TOTAL DO PERMANENTE 204.141,03 232.975,48 TOTAL DO NÃO CIRCULANTE 1.384.141,03 1.412.975,48 TOTAL DO ATIVO

2.313.600,49

2.029.747,97

Demonstração de Resultados dos exercícios findo em 31 de dezembro (em Reais) DESCRIÇÃO ARRECADAÇÃO ATIVIDADE FIM Contribuições, Doações, Convênios e Eventos De Mantenedores Patrocínio Órgãos Privados Convênio Órgãos Públicos (-) Devolução Convênios não Aplicado Contribuições e Doações Eventual Promoções e Eventos Institucionais (-) Custo Eventos Promocionais TOTAL ARRECADAÇÃO ATIVIDADE FIM CUSTO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL Custo Com Pessoal Encargos e Contribuições Sociais Benefícios Com Pessoal Depreciação Impostos, Taxas e Contribuições Serviços Profissionais Externo Atendimento e Atividade Social Manutenção, Conservação e Reparos TOTAL DO CUSTO PROJETO SOCIAL RESULTADO FINANCEIRO Receitas Financeiras (-) Despesas Financeiras TOTAL DO RESULTADO FINANCEIRO

SUPERÁVIT / DÉFICIT DO EXERCÍCIO

2013

1.719.000,00 0,00 0,00 -25.995,66 32.579,61 31.149,80 -2.058,49 1.754.675,26

742.000,00 524.417,51 0,00 0,00 19.988,12 15.298,77 -585,66 1.301.118,74

-799.573,15 -333.313,79 -298.460,89 -34.678,45 -4.549,45 -52.545,12 -150.195,02 -13.295,90 -1.686.611,77

-751.569,63 -277.505,28 -280.653,45 -47.151,93 -5.438,49 -73.720,92 -128.629,22 -23.513,73 -1.588.182,65

24.075,19 -4.400,99 19.674,20

29.236,03 -2.736,31 26.499,72

4.629,63

1.778,77

92.367,32

-258.785,42

Demonstração das Mutações Patrimoniais dos exercícios findo em 31 de dezembro (em Reais) DESCRIÇÃO DE 2012 AUMENTO DO PATRIMÔNIO Transferência Superávit Doações Integradas ao PL

PATRIMÔNIO DOAÇÕES E SUPERÁVIT/ TOTAL SOCIAL SUBVENÇÕES DÉFICIT ACUMULADO 348.976,18 0,00 -2.214.382,60 -1.865.406,42 0,00 0,00

0,00 340,00

0,00 0,00

0,00 340,00

0,00

0,00

-258.785,42

-258.785,42

348.976,18

340,00

-2.473.168,02

-2.123.851,84

0,00 0,00

0,00 0,00

0,00 0,00

0,00 0,00

DÉFICIT ACUMULADO Superávit do Exercício 0,00 0,00 92.367,32

92.367,32

DÉFICIT ACUMULADO Déficit do Exercício

DE 2013 AUMENTO DO PATRIMÔNIO Transferência Superávit Doações Integradas ao PL

DE 2014

348.976,18

340,00

-2.380.800,70

2.313.600,49

2.029.747,97

Demonstração do Fluxo de Caixa para os exercícios findo em 31 de dezembro (em R$)

2014

OUTRAS ARRECADAÇÕES SOCIAIS LÍQUIDA

TOTAL DO PASSIVO

-2.031.484,52

2014 ATIVIDADES OPERACIONAIS Superávit (Déficit) do período 92.367,32 Aumento (diminuição) dos itens que não afetam o caixa: Depreciação e amortização 34.678,45 Perdas (ganhos) na alienação sobre o ativo investimentos 0,00 Perdas (ganhos) na alienação sobre o ativo imobilizado 0,00 Redução (aumento) do ativo Contas a receber 0,00 Outros Créditos -718.262,56 Aumento (redução) do passivo Fornecedores -15.451,71 Obrigações sociais e fiscais 7.008,18 Provisão de férias -14.934,72 Outras obrigações 214.863,45 Geração (utilização) de caixa das atividades operacionais

-399.731,59

2013 -258.785,42 47.151,93 0,00 -203,93 0,00 804.391,33 4.634,68 1.112,90 -9.572,28 -321.432,50 267.296,71

ATIVIDADES DE INVESTIMENTOS Aquisições de ativo imobilizado Aquisições de ativo intangível

-5.844,00 0,00

-2.435,00 0,00

Geração (utilização) de caixa das atividades de investimentos

-5.844,00

-2.435,00

ATIVIDADES DE FINANCIAMENTOS Recebimento de empréstimos e financiamentos Pagamento Devolução de Convênio Recebimentos e doações integradas ao PL

0,00 0,00 0,00

0,00 0,00 340,00

Geração (utilização) de caixa das atividades de financiamentos

0,00

340,00

Aumento (diminuição) no caixa e equivalentes Caixa e equivalentes no início do período Caixa e equivalentes no fim do período

-405.575,59 585.224,67 179.649,08

265.201,71 320.022,96 585.224,67

Aumento (diminuição) no caixa e equivalentes

-405.575,59

265.201,71

Nota 01 – Contexto operacional de entidade A“FUNDAÇÃO PROJETOTRAVESSIA”é uma associação civil de direito privado, sem fins lucrativos e de natureza filantrópica,fundadaem1995,comosseusatosconstitutivosregistradosno“3º.RegistroCivildasPessoasJurídicas de São Paulo” em janeiro de 1996, conforme microfilme nº. 258.727. Conforme preceitua o artigo 5º, do Capítulo III, do Estatuto Social, a “FUNDAÇÃO PROJETO TRAVESSIA” tem porobjetivo:“I)elegerascriançaseosadolescentes,especialmenteaquelesqueestiverememcondiçõessociaise econômicasdesfavoráveis,comosegmentoprioritáriodesuaação;II)fazerrespeitarosdireitosasseguradosàcriança eaoadolescentereferentesa:i)ensinoobrigatório;ii)atendimentoeducacionalespecializadoaosportadoresde deficiência;iii)atendimentoemcrechesepré-escolaàscriançasde0a6anosdeidade;iv)ensinonoturnoregular adequadoàscondiçõesdoeducando;v)programassuplementaresdeofertadematerialdidático-escolar,transportee assistênciaàsaúdedoeducandodeensinofundamental;vi)serviçodeassistênciasocialvisandoaproteçãoàfamília, àmaternidadeeàadolescência,bemcomooamparoàscriançaseadolescentesquedelesnecessitem;vii)acessoàs ações e serviços de saúde, tudo conforme prevê a Lei 8.069 de 13.07.1990”. DeacordocomoEstatutoSocialdaEntidade,todobenefícioepromoçãodeseusassistidos,“crianças,adolescentes eseusfamiliares”,éinteiramentegratuito.AorigemdaarrecadaçãofinanceiradaEntidadeestáfundadaemdoações depessoasfísicasejurídicas,edeparceriascomosetorpúblicoeprivadoquecomungamcomosobjetivossociais, assistenciais, da promoção da pessoa humana e filantrópicos da Entidade. Nota 02 – Apresentação das demonstrações contábeis AsdemonstraçõescontábeisforamelaboradasemobservânciaàspráticascontábeisadotadasnoBrasile,ematendimentoàsResoluçõesdoConselhoFederaldeContabilidade–CFCn°1.121/08,queaprovouaNBCT1–Estrutura ConceitualparaElaboraçãodasDemonstraçõesContábeiseaResoluçãoCFCnº1409/12,queaprovouaITG2002,eque


INFORME PUBLICITÁRIO

revogouaResoluçãoCFCn°877/2000–NBCT10.19,queestabelececritérioseprocedimentosespecíficosdeavaliação, deregistrosdoscomponentesevariaçõespatrimoniais,deestruturaçãodasdemonstraçõescontábeis,easinformações mínimas a serem divulgadas em notas explicativas das entidades sem finalidade de lucro. AEntidade,porsersemfinslucrativos,bemcomoporestardesobrigadasegundoalegislaçãofiscal,nãoadotouaprática dereconhecerosefeitosdainflaçãonasdemonstraçõescontábeisaté31dedezembrode1995.ADepreciaçãodo Imobilizado é calculada pelo método linear. Nota 03 – Resumo das principais práticas contábeis As práticas contábeis mais significativas adotadas na elaboração das demonstrações contábeis são: a).asreceitaseasdespesassãoreconhecidaspeloregimedecompetência.Asreceitassãoapuradasatravésdoscomprovantesderecebimento,entreeles,avisosbancários,reciboseoutros.AsdespesassãoapuradasatravésdeNotasFiscais erecibos,emconformidadecomasexigênciasfiscaiselegais;b).asdoaçõesecontribuiçõesdestinadasaocusteiodos ServiçosSociaisdaEntidade,foramcontabilizadasemcontasdereceitas.AsdespesasdecusteiodaAssistênciasocial, sãoapuradasatravésdedocumentoshábeis,emconformidadecomasexigênciasfiscaiselegaiseestãoregistradas nogrupo“CustodaAssistênciaSocial”;c).ativosepassivoscirculantes–osativossãodemonstradospelosvalores derealização,incluindo,quandoaplicável,osrendimentoseasvariaçõesmonetáriasauferidos;ospassivosregistrados, sãodemonstradosporvaloresconhecidosoucalculáveis,incluindo,quandoaplicável,oscorrespondentesencargosea variaçãomonetáriaincorrida;d).aentidadenãomantémProvisãoparaDevedoresDuvidososemdecorrênciadesuas finalidadesfilantrópicaseassistenciais;e).oAtivoPermanenteseapresentapelocustodeaquisiçãoouvalororiginal, vistoqueaentidadenãoprocedeuàCorreçãoMonetáriadeBalançosemexercíciosanteriores.ADepreciaçãodoImobilizadoécalculadapelométodolinear;f).aProvisãodeFériaseEncargosfoicalculadacombasenosdireitosadquiridos pelosempregadosatéadatadobalanço,incluindoosencargossociaiscorrespondentes;g).emrazãodesuafinalidade social,assistencial,filantrópicaesemfinslucrativos,aInstituiçãonãoestásujeitaaorecolhimentodeimpostoscalculados sobreosuperávitdoexercício,enemdistribuiqualquerparceladeseusresultadosaassociados,parceiros,dirigentes, conselheiros ou mantenedores. Nota 04 – Títulos e Valores Mobiliários Histórico / Conta – Em reais 2014 2013 Certificados de Depósito Bancário Banco Bradesco S.A – Invest Plus l 40.055,60 270.583,80 Banco Bradesco S.A – CDB DI 131.568,08 266.143,06 Banco Bradesco S.A – Poupança 0,00 40.573,51 Banco Itaú Unibanco – Poupança 192,94 102,51 Caixa Econômica Federal - Poupança 230,23 215,11 Totais 172.046,85 577.617,99 Nota 05 – Outros Créditos Histórico / Conta – Em reais Cheques em Cobrança Adiantamento de Férias e Salários INSS a Recuperar Instituidores Catho Online Outros Créditos a Receber Totais Nota 06 – Imobilizado Histórico / Conta Custo em reais

2014 2013 255,00 255,00 15.271,73 6.940,66 21.399,35 20.835,76 710.500,00 0,00 79,90 159,80 2.304,40 3.356,60 749.810,38 31.547,82

Depreciação Líquido acumulada

Taxas anuais de depr.

2014 2013 2014 2013 2014 2013 -% Edifícios 278.538,81 278.538,81 (125.053,87) (113.912,23) 153.484,94 164.626,58 Móveis e utensílios 149.741,03 149.741,03 (143.723,64) (142.202,04) 6.017,39 7.538,99 Direitos de uso 13.265,73 11.780,73 (1.813,00) (1.813,00) 11.452,73 9.967,73 Máquinas e equipamentos 85.408,30 81.049,30 (70.561,13) (65.505,80) 14.847,17 15.543,50 Veículos 33.900,00 33.900,00 (31.640,00) (24.860,00) 2.260,00 9.040,00 Computadores 218.664,60 218.664,60 (204.108,08) (194.740,72) 14.556,52 23.923,88 Instalações 21.837,87 21.837,87 (20.315,59) (19.503,07) 1.522,28 2.334,80 Totais 801.356,34 795.512,34 (597.215,31) (562.536,86) 204.141,03 232.975,48

4 10 20 10 20 20 10

Nota 07 – Doações, contribuições, patrocínios, convênios e parcerias com órgão privados e públicos a). Contribuições de órgãos privados AEntidaderecebedoaçõesecontribuiçõesdepessoasfísicasejurídicas.Nosexercíciosde2014e2013,asdoações e parcerias com órgãos privados estão assim representadas: MANTENEDORES 2014 2013 Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de São Paulo 1.557.000,00 580.000,00 APEOESP – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo 6.000,00 6.000,00 FETEC Federação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito de São Paulo 120.000,00 120.000,00 AFUBESP Associação dos Funcionários do Grupo Santander/Banespa, Banesprev e Cabesp 36.000,00 36.000,00 Total mantenedores 1.719.000,00 742.000,00 b). Convênio com órgãos públicos No exercício de 2014, não firmamos convênio com órgãos públicos.

Francisco Fernandes C. Silva CRC/SP 1CE 003489/T-5

c). Patrocínio com órgãos privados PATROCÍNIO ÓRGÃOS PRIVADOS 2014 2013 Petrobrás 0,00 524.417,51 Total patrocínio órgãos privados 0,00 524.417,51 PROGRAMADEEDUCAÇÃONARUA–PatrocíniofirmadocomaPetrobrás,visandoareintegraçãofamiliar,escolar ecomunitáriadecriançaseadolescentesquehabitamesobrevivemnasruasdoCentrodaCapitaldeSãoPaulo,no exercício de 2013. Nota 08 – Exigível e Realizável a longo prazo Aadministraçãodaentidadeavaliaanaturezadoscasos,asaçõesexistenteseaspossibilidadesdeêxitoajustandoa provisãoparapassivoscontingentesconformerequerido.Em31dedezembrode2014ascontingênciasestavamrelacionadasàaçãojudicialdeordemprevidenciária,relativaàquestãocomoINSSsobreaimunidadedacotapatronal. Aopiniãodosassessoresjurídicoséqueoriscodeperdaéremoto,sendoqueaadministraçãodaentidade,emuma posturaconservadora,mantémregistradaem31dedezembrode2014provisãonomontantedeR$4.261.926,91(em 31 de dezembro de 2013 – R$ 4.047.063,46) considerado suficiente para fazer face às contingências. Nota 09 – Desenvolvimento do Trabalho Neste exercício de 2014, a Entidade desenvolveu seu trabalho de assistência social nas seguintes áreas: DEFESA E PROMOÇÃO DE DIREITOS 1.PROGRAMA DE EDUCAÇÃO NA RUA Objetivaareintegraçãofamiliar,escolarecomunitáriadecriançaseadolescentesquefazemdasruasdoCentroda CapitaldeSãoPauloseuespaçodemoradiaesobrevivência.Sãorealizadasatividadespedagógicasnopróprioespaço dasruasvisandoareflexãosobreasituaçãoemqueseencontrameaconstruçãodenovaseconcretaspossibilidades e,posteriormente,firmadasparceriasnascomunidadesdeorigemecomserviçosdaredepúblicaafimdegarantira permanênciadaquelacriançaouadolescentenolocaleoseudesenvolvimentosatisfatório.Sãorealizadostambém trabalhospreventivos,visandoevitarasaídadascriançaseadolescentesparaasruas.Onúmerodeatendimentosvaria de acordo com fatores como composição da equipe e público. 2. NÚCLEO DE DESENVOLVIMENTO Objetivafomentaraçõesdemelhoria,aprimoramentoedisseminaçãodeconhecimentosemétodosparaoenfrentamentodassituaçõesderiscoqueenvolvecrianças,adolescentes,famíliasecomunidades.Paraisso,oferececursos deformaçãoeconsultoriaaequipesdeprofissionaisquerealizamatendimentodiretoacriançaseadolescentesem situação de risco, suas famílias e comunidades, efetivando assim a proposta qualitativa das ações. Nota 10 – Imunidades, isenção, gratuidade e aplicação de recursos em obras e programas sociais Emfacedeseucaráterexclusivamentebeneficente,filantrópicoeassistencial,semfinalidadedelucrooueconômico, aentidadeusufruideimunidadeparaoImpostodeRenda–IRPJsobreoLucro,aContribuiçãoSocialSobreoLucro Líquido–CSLL,eContribuiçãoparaoFinanciamentodaSeguridadeSocial–COFINS.AContribuiçãoaoProgramade Integração Social – PIS é de 1% sobre os proventos da folha de pagamento. Benefícios com imunidades e isenções 2014 2013 Imunidade da COFINS 53.501,40 39.964,01 Imunidade do PIS (excedente ao pago s/folha pagamento) 4.168,66 1.015,74 Imunidade do IRPJ 23.091,83 0,00 Imunidade da CSLL 8.313,06 0,00 Asgratuidadesconcedidaspormeiodasobraseprogramasdeassistênciasocial,nostermosdoartigo3º.,incisoVI, doDecretonº.2.526/98,foramaplicadosemsuasfinalidadesinstitucionais,conformeestabelecidonoEstatutoSocial da Fundação Projeto Travessia, a seguir apresentada: Histórico / Conta – Em reais 2014 2013 Arrecadação bruta (excluído convênios) 1.783.380,08 1.332.133,54 Gratuidade aplicada (excluído convênios) 1.686.611,77 1.588.182,65 A gratuidade oferecida e aplicada nas finalidades institucionais pela Entidade, totalizaram ummontante de R$ 1.686.611,77noexercíciode2014,eR$1.588.182,65noexercíciode2013,excluídoconvêniocomórgãospúblico, encontra-seregistradanogrupo“CUSTODAASSISTÊNCIASOCIAL”,respaldadaemdocumentaçãohábil,eescriturada em livros próprios revestidos das formalidades legais. Nota 11 – Serviços de terceiros Refere-se,principalmente,aserviçosprestadosporconsultoreseoficineiroscontratadosparadesenvolverosprogramas e atividades da fundação. Nota 12 – Patrimônio Social Estádemonstradopelomontantedossuperávitsapurados,líquidosdoseventuaisdéficits,avaloreshistóricos,quevêm sendo destinados integralmente à manutenção e ao desenvolvimento dos objetivos sociais da entidade. AFundaçãovemapresentandodéficitscircunstanciais,devidoàaçãojudicialde2002emfacedoINSS,nosentidode assegurarseudireitoconstitucionaldeisençãoderecolhimentodaquotapatronal.Devidoaessaquestão,conforme mencionadona“nota08”,háaapropriaçãodeR$4.261.926,91,referenteaoprovisionamentodadívidaeumativo deR$1.880.000,00referenteacartasdegarantiasdeinstituidores.Quandoessasituaçãoforregularizada,esses valores serão revertidos, gerando Patrimônio Líquido positivo, conforme simulação abaixo: D E S C R I Ç Ã O SALDO DIVIDA CARTA DE QUOTA FUNDO CONTÁBIL PROVISIONADA INTENÇÃO PATRONAL PATRIMONIAL 2014 AJUSTADO Saldo Fundo Patrimonial 349.316,18 0,00 0,00 0,00 349.316,18 Déficit Acumulado -2.473.168,02 4.261.926,91 -1.880.000,00 0,00 -91.241,11 Superávit do Exercício 92.367,32 0,00 0,00 214.863,45 307.230,77 PATRIMONIAL LÍQUIDO -2.031.484,52 4.261.926,91 -1.880.000,00 214.863,45 565.305,84 Aentidadenãoconcederemuneração,vantagensoubenefíciosaosseusassociados,membrosdadiretoria,conselheiros,instituidores,benfeitoresouequivalentes,nemdistribuiresultados,lucros,bonificações,dividendos,participações ou parcela de seu patrimônio.

Carlos Miguel Barreto Damarindo Diretor Financeiro

Juvandia Moreira Leite Diretora Presidente


MEMÓRIA

Hoje fui à praça Hoje fui à praça! À praça da cidade. Fui juntar-me aos meus pares na luta por dignidade. A praça era bonita, tomada por guerreiros pacíficos e desarmados. Eis que o céu cinza vem ao chão em forma de fumaça. Vê-se uma praça de guerra. Fomos covardemente atacados sem motivo. Educadores desarmados alvejados por um sem número de balas de borracha e bombas de efeito moral, que pendiam do alto dos prédios, vindo de todas as direções, inclusive dos céus. Sim, havia helicópteros para inibir a multidão. Assim como cães policiais, tropas de choque, camburões de todas ordem. A praça, que deveria abrigar cidadãos, abrigou a covardia. Lá na praça tem uma creche. As crianças estavam em pânico, a excessiva fumaça de gás chegou aos pequenos. A praça esvaziou-se. E, do recuo, assistimos por mais de uma hora o lançamento ininterrupto de bombas. Mas a praça não estava completamente vazia. Havia feridos e não podíamos resgatá-los. Hoje fui à praça. E me orgulhei dos meus companheiros de luta. Hoje fui à praça e amanhã também irei! (Praça, de Maria Ravazzani, 2015)

(Esfolar, de Diogo de Moraes, 2015)

As obras aqui publicadas integram o livro Pequeno Compêndio de Repúdio Ao Massacre No Centro Cívico, que reúne trabalhos de vários artistas visuais, em repúdio à violenta e criminosa repressão governamental sofrida pelos professores e servidores públicos do Paraná em 29 de abril. Sob a concepção e coordenação de Diogo de Moraes e Neide Jallageas, o convite à participação de artistas de todo o país foi divulgado por meio do Facebook. O livro completo pode ser acessado em http://issuu.com/kinoruss/docs/peq_comp_issuu

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JUNHO 2015

REVISTA DO BRASIL


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