Rdb113

Page 1

QUANDO OS ALUNOS DÃO LIÇÕES Ocupação de escolas acaba, mas seus efeitos continuam

Raquel Rolnik

DIREITO DE TODOS, PARA POUCOS A transformação da moradia em ativo financeiro

nº 113 janeiro/2016 www.redebrasilatual.com.br

Manifestante durante ato contra o impeachment da presidenta Dilma, dia 16 de dezembro, na Avenida Paulista

Quem quer dar o golpe no país não tem nada a ver com os trabalhadores. Movimentos sociais reagem

CONTRA O IMPEACHMENT


Assine e receba a Revista do Brasil em casa. Faça parte da construção de um projeto de comunicação para um país melhor R$

90 = 12 exemplares

www.redebrasilatual.com.br/loja


ÍNDICE

EDITORIAL

8. Política

Quem ganha com o golpe contra o voto

14. Educação

Alunos monstram que o ensino vai além da sala de aula

18. Entrevista

Raquel Rolnik e a guerra nas cidades pelo mundo

22. História

Nas terras do sertão, vidas são recontadas

DANILO RAMOS/RBA

Lago de Garda

Gente de todo canto e de todas as idades foi à Avenida Paulista, em dezembro, dizer não ao golpe

ALEKSANDR ZYKOV/FLICKR/CC

Brava gente brasileira

30. Viagem

Nos Alpes, um pedaço das origens brasileiras

Seções Márcio Pochmann

5

Destaques do mês

6

Mauro Santayana

12

Emir Sader

18

Lalo

21

Curta essa dica

28

Atitude

50

S

e 1968 foi o ano que não terminou, na expressão cunhada pelo jornalista e escritor Zuenir Ventura, para se referir a um período determinante para a política brasileira, na arte e no comportamento, o 2015 que se foi parece também não acabar, por outros motivos. Quem perdeu a eleição, ainda em 2014, não se conformou e continuou buscando meios de interromper um mandato legítimo. Arrumou um aliado na presidência da Câmara, que ainda permaneceu no cargo. No final do ano, a Procuradoria-Geral da República pediu seu afastamento, mas apesar da relevância o Supremo Tribunal Federal só deve analisar o caso na volta do recesso, em fevereiro próximo. Na economia, a vida também não foi fácil. A inflação não cedeu, o desemprego subiu, a renda caiu. O chamado ajuste atingiu especialmente os trabalhadores. Mas o setor produtivo também acusou o golpe. Assim, capital e trabalho se uniram em torno de um compromisso pelo desenvolvimento, cobrando medidas para recuperar o crescimento com maior rapidez. Não será fácil, mas os primeiros passos precisam ser dados. O governo tem apoio social, mas precisa dar sinais de reação. E a sociedade não se verga. Continua indo às ruas, exigindo mais de seus governantes, criticando, mas também pedindo respeito às regras do jogo e à ainda frágil democracia. São apenas 30 anos de funcionamento pleno – ou quase – das instituições e só 25 de restabelecimento das eleições diretas para presidente da República. Parece que foi ontem, e há quem queira dizer não à vontade popular expressa pelo voto, base de qualquer democracia. Os estudantes também deram belas demonstrações de cidadania. Que 2015 fique na memória como um momento histórico turbulento do país. Mas que dê lugar a 2016, com suas esperanças equilibristas. REVISTA DO BRASIL

JANEIRO 2016

3


www.redebrasilatual.com.br Coordenação de planejamento editorial Paulo Salvador e Valter Sanches Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editor Assistente Vitor Nuzzi Redação Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Eduardo Maretti, Fábio M. Michel, Helder Lima, Hylda Cavalcanti, Rodrigo Gomes e Sarah Fernandes Arte Leandro Siman Iconografia Sônia Oddi Capa Editoria de arte a partir de foto de Oswaldo Corneti/Fotos Públicas (política) Luis Blanco (educação). Jailton Garcia (Raquel Rolnik). Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3295 2800 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328 8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3295 2800 (Carla Gallani) Impressão Bangraf (11) 2940 6400 Simetal (11) 4341 5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Tiragem 120 mil exemplares

Conselho diretivo Adriana Magalhães, Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Arcângelo Eustáquio Torres Queiroz, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Deusdete José das Virgens, Douglas Izzo, Edgar da Cunha Generoso, Edmar da Silva Feliciano, Eliana Brasil Campos, Eric Nilson, Fabiano Paulo da Silva Jr., Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Gervásio Foganholi, Glaucus José Bastos Lima, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete de Oliveira Silva, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Raimundo Suzart, Raul Heller, Roberto von der Osten, Rodrigo Lopes Britto, Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Juvandia Moreira Rafael Marques Diretores financeiros Rita Berlofa Moisés Selerges Júnior

4

JANEIRO 2016

REVISTA DO BRASIL

cadastre-se e receba no seu e-mail os boletins da RBA

acesse http://eepurl.com/PWrwv carta@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para o seguinte endereço: Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que a mensagem venha acompanhada de nome completo, telefone e e-mail.


MARCIO POCHMANN

Quem cede mais? Mais uma vez, a pauta do retrocesso econômico e social foi recusada pela maioria dos brasileiros. Apesar disso, a mobilização em torno da retomada neoliberal prosseguiu ativa

N

as eleições presidenciais de 2014, a defesa do retorno das políticas neoliberais da era dos Fernandos (Collor e Cardoso) não esteve centrada ­apenas na campanha de Aécio, uma vez que se fez presente em outras candidaturas. Alguns partidos e personalidades políticas de expressão que haviam estado no lado oposto da privatização, da desregulamentação do trabalho, da abertura comercial, entre outras medidas adotadas nos anos 1990, passaram a convergir com o receituário neoliberal no ano passado. Mais uma vez, a quarta seguida desde 2002, a pauta do retrocesso econômico e social foi recusada pela maioria dos brasileiros. Apesar disso, a mobilização em torno da retomada neoliberal prosseguiu ativa, com a formação de uma maioria liberal na economia e conservadora na política e nos valores no Congresso Nacional. Exemplo disso tem sido o diagnóstico imposto a respeito da razão da crise que abala o atual crescimento econômico no Brasil. Ao longo de 2015, os trabalhadores foram sendo cada vez mais sufocados pelas teses liberais-conservadoras de defesa do programa neoliberal. Simplificadamente, no entendimento de que o capitalismo brasileiro refluiu do ciclo de expansão dos anos 2000 devido ao aperto nos lucros dos empresários (profit squeeze) provocado pelo aumento do custo do trabalho acima da produtividade. Na tentativa de compensar a queda na rentabilidade dos negócios produtivos, as empresas buscaram elevar, sempre que possível, a margem de lucro sobre os custos de produção, o que implicou inflação maior. Diante disso, o Banco Central elevou a taxa básica de juros para diminuir ainda mais o nível da atividade econômica, o emprego e consumo dos trabalhadores. Em consequência, a arrecadação tributária

caiu mais rapidamente do que a capacidade do governo cortar o conjunto dos gastos públicos. Ao mesmo tempo, o déficit público também aumentou, aprofundando o endividamento público e as despesas com pagamento dos juros em mais de 3% percentuais do Produto Interno Bruto (PIB), o que acelerou ainda mais o ciclo recessivo da economia. Em síntese, os trabalhadores precisam reduzir os seus ganhos salariais abaixo da produtividade para fortalecer a hipótese de que somente assim os lucros dos capitais aplicados no Brasil possam crescer mais. Assim, o salário direto recebido pelo trabalhador cai por força da maior concorrência no interior do mercado de trabalho possibilitado pelo aumento do desemprego e menor barganha dos sindicatos na negociação coletiva de trabalho. Mas isso não atinge o salário indireto (ganhos devidos aos mínimos sociais indexados ao salário mínimo nacional) e, por isso, o discurso político liberal-conservador favorável à redução do Estado e, sobretudo, dos direitos dos trabalhadores. Abertamente: a defesa do rebaixamento dos direitos trabalhistas inscritos na Constituição de 1988 enquanto forma do Brasil sair da crise por meio da contenção dos gastos com saúde, educação, assistência e previdência social. A possibilidade da queda na rentabilidade das empresas produtivas estar vinculada justamente ao tripé macroeconômico não parece fazer o menor sentido frente à posição dos partidos de ceder cada vez mais ao programa neoliberal. Se a altíssima taxa de juros torna imbatível o ganho financeiro ao lucro da produção, o ajuste fiscal desestimula o consumo e o investimento pelo mercado interno. Seria a desvalorização cambial, ainda que necessária, suficiente para reativar a economia apenas pelo comércio externo? REVISTA DO BRASIL

JANEIRO 2016

5


redebrasilatual.com.br

Informação diária no portal, no Twitter e no Facebook

Rossetto e Marcolino

Diálogo – com servidores, trabalhadores, empresários, outras instâncias do poder público – é palavra-chave para dar impulso às atividades da Superintendência do Trabalho em São Paulo, segundo seu novo titular, Luiz Claudio Marcolino. A superintendência é uma representação estadual do Ministério do Trabalho e Previdência Social. “O ministério tem de ser um guardião dos trabalhadores que não têm apoio, os desprotegidos, os que mais precisam da proteção do Estado”, disse Marcolino, que tomou posse em 17 de dezembro, com a presença do ministro Miguel Rossetto. bit.ly/rba-trabalho

LIELI LOURES/FLICKR/CC

Lola: perseguição na rede

Polícia de São Paulo: força em excesso

EDUARDO ANIZELLI/FOLHAPRESS

MAURICIO MORAIS/SIND. BANCÁRIOS SP

Proteção

Violência persiste O número de homicídios na cidade de São Paulo caiu entre 2000 e 2014, mas as mortes em consequência de ação policial aumentaram. Com isso, a proporção de mortes provocadas por policiais subiu de 5% para 21% do total. A maior parte das vítimas tinha 17 anos. Os dados fazem parte de estudo feito pela Universidade Federal de São Carlos, a partir de parceria com a prefeitura paulistana. Apenas em 2004, foram registradas 1.724 mortes violentas intencionais, sendo 20% relacionadas à polícias Civil e Militar, ante 17% no estado e 5% no restante do país. “A partir desses dados é possível constatar uma clara desproporcionalidade e o uso excessivo de força da polícia em São Paulo”, afirma a pesquisadora Giane Silvestre. bit.ly/rba_polícia

Lola e a liberdade Professora da Universidade Federal do Ceará, autora de um blog

popular na rede, dedicado ao feminismo e a causas sociais, Lola Aronovich enfrenta há alguns anos a triste rotina de receber ofensas e ameaças. Um site falso, tratando de aborto, chegou a ser criado e divulgado por figuras públicas. “Tem um pessoal que é contra qualquer liberdade de expressão”, diz Lola. bit.ly/rba_lola

A repórter Anelize Moreira, da Rádio Brasil Atual,, recebeu prêmio jornalístico promovido pela Federação das Entidades de Assistência Social (Feac), de Campinas, no interior paulista. A entidade é especializada em iniciativas de apoio a organizações que promovem trabalho social e solidariedade. O prêmio foi para a série de reportagens Varre Vila – Além da limpeza, varredores promovem conscientização ambiental em comunidades da zona leste,, que trata do movimento da comunidade Santa Inês para enfrentar o problema do excesso de lixo na região, em campanha inspirada pelo método Paulo Freire. Outra profissional da RBA,, Sandra Paulino, ficou entre os finalistas com a reportagem “Campanha visa a arrecadar lenços para mulheres com câncer”. bit.ly/rba_prêmio 6

JANEIRO 2016

REVISTA DO BRASIL

Anelize: segundo prêmio pela RBA

JAILTON GARCIA/RBA

Prêmio pela solidariedade


Sistema Cantareira: chuvas ainda são insuficientes

FERNANDA CARVALHO/ FOTOS PÚBLICAS

A canção retomada

Chove, mas ainda falta água O volume de chuvas aumentou e trouxe certo alívio no final do ano. A média de novembro, inclusive, foi superada, mas o problema persiste, diz o gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Carlos Thadeu de Oliveira. Com colaboração do instituto, o coletivo Aliança Pela Água elaborou um relatório contendo o mapa da crise hídrica no país, por meio de um aplicativo chamado “Tá Faltando Água”, que qualquer pessoa pode acessar para relatar problemas de abastecimento. O primeiro relatório do coletivo aponta 12.943 casos de falta de água no país, aproximadamente 7 mil na Grande São Paulo. “Isso se deve ao agravamento da crise nos últimos dois anos”, afirma o técnico. bit.ly/rba_águas

PALACIODOPLANALTO.TUMBLR.COM

Lurdinha Nunes: educação em direitos humanos é básica

Geraldo Vandré, 80 anos completados em setembro último, para muitos segue sendo um enigma a se desvendar, mas alguns trabalhos tentam jogar luz na trajetória do autor de algumas pérolas da música popular. Um deles é o livro Geraldo Vandré – Uma Canção Interrompida, do jornalista Vitor Nuzzi, lançado formalmente em dezembro, após o surgimento de uma edição independente de 100 exemplares. O julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre biografias, dispensando a autorização prévia para publicação, deu impulso a esse lançamento – e certamente a outros. O livro enfatiza a importância da obra de Vandré e sua grandeza para a cultura brasileira. Conhecido pela reclusão, em dezembro Vandré deu as caras em sua terra natal, João Pessoa, e recebeu homenagens. Fazia 20 anos que ele não ia à Paraíba. bit.ly/rba_vandré1 bit.ly/rba_vandré2

Educação pela dignidade Dezoito homenageados receberam o Prêmio Nacional dos Direitos Humanos, incluindo o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Levandowski, o Memorial de Resistência de São Paulo, o Programa de Combate e Erradicação ao Trabalho Escravo, a Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas e o Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular, entre outros. Uma das premiadas, a professora Lurdinha Nunes, do Piauí, afirmou que a educação em direitos humanos é básica para a dignidade humana. bit.ly/rba_humanos REVISTA DO BRASIL

JANEIRO 2016

7


POLÍTICA

GUERRA DOS M

Conservadores buscam legitimidade para o golpe e apostam na crise. Movimentos sociais reagem. No meio, uma classe política distante do povo 8

JANEIRO 2016

REVISTA DO BRASIL

O

ano de 2016 começa do jeito que terminou 2015: conturbado e repleto de incertezas na política, um cenário que se torna ainda mais nebuloso pelas previsões pessimistas na economia. O que, neste momento, parece mais claro são as posições e os interesses de quem defende a continuação do mandato de Dilma Rousseff e de quem prega sua derrubada, sob o manto da constitucionalidade. Desse último lado, alinham-se os que também esperam maior flexibilização de direitos sociais e “simplificação” da le-

gislação trabalhista, pautas que passariam mais facilmente em um governo inclinado a tais teses, aliado a um Congresso sabidamente conservador. “O empresariado e a banca já fecharam pelo impeachment, embora preferissem que ela (Dilma) renunciasse, e o querem o mais rápido possível. A lógica do capital faz todo o sentido: independentemente das origens da crise, esfacelou-se a base de sustentação do governo no Congresso. Isso é um fato. Num governo parlamentarista seria aprovado um voto de desconfiança, o Parlamento seria dissolvido, convocadas


POLÍTICA

“DILMA, CONTE COMIGO” Em São Paulo, manifestação em 16 de dezembro encheu a Avenida Paulista

novas eleições e formada nova maioria no Parlamento, que então nomearia o novo primeiro-ministro. No nosso sistema presidencialista, resta o impeachment. Dilma contribuiu para a crise com suas trapalhadas. Dadas sua notória incompetência mais a perda da base no Congresso, sua substituição se torna para o empresariado e áreas afins um imperativo”, diz o escritor e jornalista Bernardo Kucinski. Tudo isso estaria ótimo para a direita não fosse o risco de jogar o país em uma crise institucional, já que a criminalização da política, tão defendida pe-

los meios de comunicação e pelos movimentos que querem o impeachment, pode acabar sendo um tiro no pé, jogando o país em estado de exceção. Sobre a possibilidade de uma crise institucional, o professor do Instituto de Economia da Unicamp Pedro Zaluth Bastos afirma que “em si é uma questão importante, porque existe uma enorme descrença nas instituições de representação atuais”. Ele aponta a falta de profundidade no debate sobre as questões nacionais. “O contingente de deputados que se elege com base em legenda, e com te-

DANILO RAMOS/RBA

MUNDOS

mas muito vinculados a questões locais é enorme, eles não são eleitos propriamente para a definição dos temas pertinentes ao país como um todo.” No documento Radiografia do Novo Congresso – Legislatura 2015–2019, lançado no início do ano passado, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) já permitia prever o que estava por vir: “As coligações nas eleições proporcionais deram dupla contribuição a esse quadro de deterioração da representação política, com reflexos sobre a representatividade e até a legitimidade do novo Congresso. Houve aumento da pulverização e ampliação do caráter conservador das duas casas legislativas. As alianças sem compromisso ideológico e programático resultaram numa pulverização partidária jamais vista, com o aumento de 22 para 28 do número de partidos com representação no Congresso, além da redução dos grandes partidos, do crescimento dos médios e do surgimento de mais de uma dezena de pequenos e nanicos, muitos deles criados apenas para ter acesso ao fundo partidário e ao horário eleitoral gratuito”. Segundo o instituto, as alianças entre esquerda e direita nos estados “tanto poderiam eleger pessoas identificadas com as pautas sociais e com os direitos humanos, como poderiam sufragar candidatos conservadores, contrários à proteção ao meio ambiente, às conquistas sociais e aos direitos de minorias étnicas, etárias, de gênero, entre outras”. O Diap conclui que prevaleceu a segunda hipótese: “Os conservadores apresentaram-se como ‘populistas’, ‘messiânicos’, com grande visibilidade em suas comunidades, e contrários a ‘tudo que está aí’, e, em geral, em coligações nas quais tinham certeza de que atingiriam o quociente eleitoral”.

Na canoa do golpe

“Está difícil trabalhar com o Congresso”, comentou, em balanço de 2015, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, acrescentando que a indefinição política desanima os empresários. A entidade traça dois cenários para este ano: o primeiREVISTA DO BRASIL

JANEIRO 2016

9


ro, otimista, inclui ajuste permanente das contas públicas e reformas estruturais. O segundo aponta dificuldades de avançar “na agenda da competitividade” e um longo período de estagnação. Para o presidente da CNI, itens importantes dessa agenda são a reforma da Previdência e a “modernização” da legislação trabalhista. O empresariado paulista não quis ­esperar. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) embarcou no impeachment, dizendo-se amparada em pesquisa feita com suas bases. “Não estamos condenando a presidente”, disse o presidente da entidade, Paulo Skaf. “Não se pode falar em golpe com tudo feito da maneira correta”, acrescentou. A posição da Fiesp contrariou o encontro entre representantes de empresários e sindicalistas, em torno de um “compromisso pelo desenvolvimento”, documento firmado entre centrais sindicais e várias entidades patronais e entregue no final do ano à presidenta Dilma Rousseff. O texto fala em retomada de investimentos, público e privado, de-

senvolvimento da infraestrutura e ampliação do crédito. “A ideia é atuar na reversão das expectativas e procurar uma retomada mais rápida do desenvolvimento”, diz o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio. Um exemplo dos interesses em jogo se deu durante debate em dezembro que reuniu, de um lado, o economista Antonio Corrêa de Lacerda, ligado ao setor produtivo, e de outro Roberto Luís Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). “Produzir, no Brasil, se tornou algo menor, desvalorizado, e o país se tornou um cassino financeiro. O planejamento foi para o ralo em função do curtíssimo prazo”, disse Lacerda, para quem o Brasil sofre de um problema estrutural, “que é a falta de um projeto de nação”. Já Troster disse considerar o fortalecimento do mercado interno “um atraso, lenga-lenga”, defendendo o foco para a economia global, com maior liberalização. Ele criticou a estrutura tributária e a “legislação trabalhista complicada”.

GERENTE DO GOLPE O presidente da Câmara foi bastante lembrado nas manifestações de 16 de dezembro

DANILO RAMOS/RBA

POLÍTICA

É golpe ou não? Em seu blog, o jornalista Ricardo Kotscho foi didático: “Impeachment é um preceito constitucional, um instrumento de sociedades democráticas para se defender de governantes que cometem crime de responsabilidade. Só deve ser invocado diante de fatos concretos e comprovados. Golpe é quando primeiro você prega o impeachment, e tenta desestabilizar o governo, para só depois procurar um pretexto que justifique a abertura de um processo, como está acontecendo agora. Quando um vice-presidente da República, um presidente da Câmara, as oposições e a grande mídia se unem para derrubar um governo eleito, sem os devidos fundamentos legais, para mim é golpe. Não tem outro nome.” Ex-secretário de Imprensa da Presidência da República (governo Lula), hoje crítico 10

JANEIRO 2016

REVISTA DO BRASIL

de muitas ações do governo, Kotscho vê um movimento com o objetivo único de fazer retornar ao poder aqueles que foram derrotados em 2014. Nesse sentido, 2015 foi o ano que não acabou. Continua ainda neste início de 2016. A situação tornou-se ainda mais candente quando o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), conseguiu impôr o voto secreto para a escolha dos membros da comissão especial do impeachment. A abertura do processo já foi interpretada como um gesto não baseado em fundamentos jurídicos, mas uma vingança pessoal de Cunha por perder apoio da base governista no Comitê de Ética da Câmara. Fora as páginas de notícias do campo progressista na internet, boa parte da mídia comercial não se preocupou em esclarecer que Cunha atropelava procedimentos.

Ainda no bojo da suposta vingança de Cunha contra o governo e o PT ao acatar o impeachment, a jornalista da Folha de S.Paulo Mônica Bergamo havia noticiado que o presidente da Câmara decidiu acolher o pedido também por saber que o procuradorgeral da República, Rodrigo Janot, poderia solicitar ao STF seu afastamento do cargo, já que tantos são os elementos em que Cunha aparece na Operação Lava Jato – o que realmente aconteceu, em 16 de dezembro. Mas o Supremo só deve analisar o pedido em fevereiro, na volta do recesso. Mas se a crise institucional está na gênese da Câmara, do ponto de vista do campo conservador, a entrada do STF na cena do impeachment, para definir como deve ser o rito, pode conferir ao ato político uma legitimidade que falta na base, ou nos fatos que permitiriam

imputar à presidenta crime de responsabilidade, já que não há consenso quanto à gravidade das tais pedaladas fiscais, o atraso de repasses de recursos de programas sociais aos bancos, que teriam ferido a Lei de Responsabilidade Fiscal. “Todos os estados do país fazem pedaladas fiscais”, disse o jornalista Gaudêncio Torquato no programa Roda Viva, da TV Cultura, em rodada temática sobre o impeachment. “Quais são os fatos de que a presidenta está sendo acusada?”, perguntou no mesmo programa o professor titular de Direito Financeiro da USP Heleno Taveira Torres. “A intervenção do Supremo na crise tem o objetivo principal, a meu ver, de dar legitimidade ao golpe que estava sendo levado de forma canhestra pelo presidente da Câmara, correndo o risco mesmo de estragar tudo e não atrair apoio popular,


POLÍTICA

Pacto, só na democracia

o presidente da CUT, Vagner Freitas, durante ato na avenida Paulista, em São Paulo, referindo-se ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que permanece no cargo mesmo acossado por denúncias e por um pedido de afastamento feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. “O golpista que quer tirar Dilma é o mesmo que quer rasgar a CLT, acabar com a previdência por tempo de serviço, é o mesmo que não tolera o direito dos negros e das mulheres. Somos contra o impeachment, mas nosso cheque não é em branco, queremos a Dilma que nós elegemos”, afirmou o dirigente. O ato da Paulista teve uma “curiosidade” numérica. Durante a manifestação, era divulgado que segundo a Polícia Militar havia apenas 3 mil manifestantes, quantidade que era facilmente contestável à primeira vista. No dia seguinte, a Secretaria da Segurança Pública do estado divulgou uma nota atribuindo o “erro” a órgãos de imprensa. Segundo a SSP, os 3 mil referiam-se ao início da manifestação, que na verdade contou com 50 mil “no seu ápice”.

Os movimentos prometem continuar na rua. E esperam que a classe política, hoje se digladiando internamente por causas nem sempre nobres, também se volte para o que acontece no dia a dia. Em artigo para o Le Monde Diplomatique, o sociólogo José Maurício Domingues observou: “A relação entre sociedade, movimentos sociais, partidos e Estado precisa ser renovada. Aquela sofre mutações que aumentam sua complexidade e a autonomia de indivíduos e dos movimentos. Os partidos precisam, assim, radicalmente se renovar em sua forma de mediar a política e se reconectar à população”. Um dos últimos eventos de 2015 – ano que ainda não terminou –, foi uma reunião entre Dilma e representantes de movimentos sociais. Tenso, mas com pontos em comum. “Eu não tenho o menor constrangimento de pedir o apoio de vocês, mesmo diante das divergências”, afirmou a presidenta. “Certamente, apesar de sermos diversos, temos em comum uma posição do que queremos neste país.”

JULIANA FLISTER/ESTADÃO CONTEÚDO

A postura de uma parcela do empresariado provocou uma reação mais forte do secretário especial do Trabalho, José Lopez Feijóo, durante um evento em São Paulo, também no final do ano passado. “Financiadores da Oban estão se posicionando a favor do golpe”, afirmou, em referência à Operação Bandeirante, financiada por empresários no período da ditadura para aumentar a repressão política. “É na democracia que os empresários podem construir pactos, acordos”, acrescentou Feijóo. É claro, também, que o governo precisa rever sua política econômica e dar condições para que o país volte a crescer, mesmo admitindo que 2016 será mais um ano de dificuldades, com inflação e desemprego ainda em alta. Em atos no final do ano por várias capitais, movimentos sociais deixaram claro que defendem a manutenção do mandato presidencial, em nome da legalidade, mas cobram mudanças de rota. “Estamos aqui para pedir o ‘Fora, Cunha’ e para pedir o fim do ajuste fiscal e a mudança da política econômica”, disse

Alckmin, Serra, Fernando Henrique e Aécio: tucanato quer voltar ao poder e aposta no golpe

enfim, de pôr tudo a perder por mero interesse pessoal dele, Cunha. Assim como Dilma se tornou um problema para o país, Cunha se tornou um problema para os golpistas. Assim, o Supremo deve enquadrá-lo para que leve adiante o processo de impeachment de modo

aceitável”, analisa Bernardo Kucinski. Em ato de intelectuais em dezembro, o jurista Dalmo Dallari manteve o otimismo, ao observar que a Constituição é “rigorosa e precisa” em relação ao impeachment. “O caso da Petrobras não são atos de agora e nem

da presidente. Tudo é uma fantasia e uma simulação de juristas incompletos. Tenho absoluta tranquilidade em afirmar que nenhuma proposta de impeachment tem fundamento jurídico”, afirmou. Nas manifestações em prol do impeachment em 13 de dezembro, o tiro saiu

pela culatra com o fracasso de público. A Rede Globo se esforçou em mostrar imagens fechadas nos manifestantes, mas já no meio da tarde a emissora abandonava a estratégia de mostrar flashes do movimento, com a expressiva queda de público na avenida Paulista, principal palco do impeachment. Oficialmente, a Paulista teve 30 mil pessoas, segundo a PM, e 40 mil, de acordo com o Datafolha. Em qualquer uma das alternativas, a queda em relação aos atos anteriores é expressiva. Se tomado o número do primeiro ato no ano, em março, quando estiveram na avenida 210 mil pessoas, segundo o instituto de pesquisas, a queda é de 80%. O Datafolha falou em 55 mil pessoas no ato contra o impeachment, em 16 de dezembro. Com reportagens de Eduardo Maretti, Helder Lima e Vitor Nuzzi

REVISTA DO BRASIL

JANEIRO 2016

11


MAURO SANTAYANA

O diabo e a garrafa Se não se convocar a razão e o bom senso para reagir ao que está acontecendo, e se estabelecer um patamar mínimo de normalidade político-institucional, tudo o que restará será o confronto, o arbítrio e o caos

E

Poucas vezes, na história, o efeito bumerangue costuma poupar aqueles que, como aprendizes de feiticeiro, se atrevem a cutucar o que está dentro da caixa de Pandora 12

JANEIRO 2016

m pleno processo de impeachment, e de julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), das ações envolvendo a chapa vitoriosa nas últimas eleições, a situação da República tem sido marcada pela espetacularização de um permanente “pega para capar” jurídico-policial, a ascensão da “antipolítica”, o aprofundamento da radicalização e a fascistização do país. Políticos e empresários têm sido presos – muitos por ilações frágeis ou exagerado rigor cautelar –, enquanto outros homens públicos e bandidos e delatores premiados apanhados com milhões de dólares na Suíça circulam livremente ou estão em prisão domiciliar. Milhares de brasileiros acreditam piamente que o Brasil é um país quebrado e destruído, quando temos as sextas maiores reservas internacionais do mundo e somos o terceiro maior credor individual externo dos Estados Unidos. Que um perigoso “bolivarianismo” pretende implementar uma ditadura de esquerda na América Latina, quando, seguindo os ritos democráticos normais, e sob amplo acompanhamento de observadores internacionais, a oposição liberal acaba de ganhar, pelo voto, as eleições na Venezuela e na Argentina. Que o Brasil é um país comunista quando pagamos juros altíssimos, e somos, historicamente, dominados, na economia e na política, por um dos mais poderosos sistemas financeiros do mundo, pelo agronegócio e o latifúndio, por bancos e empresas multinacionais. Discutindo na mesa de pôquer da sala de jogos do Titanic, envolvidos por suas disputas, e por uma rápida sucessão de fatos e acontecimentos, que têm cada vez mais dificuldade em digerir e acompanhar, os homens públicos brasileiros ainda não entenderam que a criminalização da política, criada por eles mesmos, como parte de uma encarniçada e deletéria disputa pelo poder, há muito extrapolou o meio político tradicional, espalhando-se, como o diabo que escapa da garrafa, como uma peste pela sociedade brasileira, na forma de uma profunda ojeriza, preconceito e desqualificação do sistema político, e daqueles que disputam e detêm o voto popular. Se não se convocar a razão e o bom senso, para reagir ao que está

REVISTA DO BRASIL


Depois de Dilma e do PT, será a vez de Temer, e depois de Temer virão os outros – todos os partidos e lideranças que tenham alguma possibilidade de alcançar o poder, por via normal. Parafraseando Milton Nascimento, na política brasileira, “nada será como antes amanhã”. O Brasil que se seguirá à batalha sem quartel e sem piedade, levada a cabo pela oposição nos últimos anos e meses pela destruição e total aniquilamento do PT – cujas principais vítimas não serão esse partido, mas o Estado de Direito, o presidencialismo de coalizão, a governabilidade e a própria Democracia – não terá a cara do Brasil do PSDB de Serra, de Aécio, ou de FHC, mas, sim, a de Moro e a de Bolsonaro. A do messianismo, da vaidade, da onipotência e do imponderável, e a do oportunismo e do fascismo – e aqui não nos referimos ao velho fascio italiano – em seu estado mais puro, ensandecido e visceral.

Ato em defesa da democracia, na Avenida Paulista, São Paulo (16/12/2015)

DANILO RAMOS/RBA

acontecendo, e se estabelecer um patamar mínimo de normalidade político-institucional, tudo o que restará será o confronto, o arbítrio e o caos. Está muito enganado quem acha que o mero impedimento de Dilma Rousseff resolverá a questão. No final da década de 20, os judeus conservadores comemoravam, da varanda de suas mansões, na Alemanha, o espancamento, nas ruas, de esquerdistas e socialistas, pelos guardas de grupos paramilitares nazistas como as SS e as SA, e se regozijavam, em seu íntimo, por eles os estarem livrando da ameaça bolchevista. Depois também viram, passivamente – achando que estariam resguardados por suas fortunas –, passar sob suas janelas, as filas de operários e pequenos comerciantes judeus a caminho dos campos de concentração. Poucas vezes, na história, o efeito bumerangue costuma poupar aqueles que, como aprendizes de feiticeiro, se atrevem a cutucar o que está dentro da caixa de Pandora.

REVISTA DO BRASIL

JANEIRO 2016

13


EDUCAÇÃO

Pedagogia da Ao lutar pelos direitos ao ensino de qualidade e pela participação nas políticas para o setor, secundaristas paulistas deixaram importantes lições Por Cida de Oliveira Fotos Luis Blanco

P

elos planos do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), o estado entraria em 2016 economizando com o fechamento de 94 escolas e demitindo professores e demais funcionários escolares. O que ele não contava é com a reação dos 300 mil estudantes que seriam diretamente afetados com a transferência compulsória para outras escolas, distantes de casa ou do local de trabalho. Tampouco poderia imaginar que tal resposta, vinda das salas de aula, ganhando ruas e avenidas, faria das escolas a mais importante trincheira na luta que já não era mais contra a reorganização, mas pelo ensino público de qualidade. Ou que os alunos teriam entre os aliados pais, professores, trabalhadores, artistas e intelectuais nacionais e estrangeiros. Até mesmo de pessoas comuns, que mesmo distantes das lutas pelos seus direitos justamente pela baixa escolaridade, sabem que escola não se fecha. Alckmin foi pego de surpresa também numa noite do início de novembro, quando alunos ocuparam a Escola Estadual Cefam Diadema, no município de mesmo nome, na região do ABC. E novamente na manhã seguinte, quando a Fernão Dias Paes, em Pinheiros, na capital, foi ocupada. Por causa da tensão, o fechamento de ruas laterais, a presença da Tropa de Choque da Polícia Militar e o cordão de isolamento formado por soldados sem identificação na farda aumentaram o medo de que a qualquer momento os policiais armados invadiriam a Fernão com a violência empregada em reintegrações de posse determinadas pela Justiça tucana. Foi o gatilho que desencadeou outras ocupações. O movimento cresceu apesar da repressão policial e das tentativas de se jogar a sociedade contra o movimento, como ataques de pessoas estranhas a escolas ocupadas para responsabilizar os alunos, artimanha que contou com aval da mídia. Mas, no final, o governo do estado também perdeu na Justiça e ainda viu cair seu secretário da Educação, Herman Voorwald. Enquanto Alckmin adotava a pedagogia da repressão, cada vez mais alunos trocavam a preocupação com provas, exames, 14

JANEIRO 2016

REVISTA DO BRASIL

“DESCULPE O INCÔMODO, ESTAMOS LUTANDO POR UMA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE!” Allan Farias de Sousa, 16, cursa o ensino médio na Escola Estadual Caetano de Campos (bairro da Aclimação), em São Paulo


EDUCAÇÃO

da cidadania

REVISTA DO BRASIL

JANEIRO 2016

15


EDUCAÇÃO

vestibulares e vida pessoal pela defesa da escola. Pintavam muros e paredes, carpiam o mato, cuidavam de jardins, desentupiam canos, lavavam banheiros, cozinhavam e realizavam atividades culturais e artísticas, como jamais visto antes naqueles espaços. Não demoraram para perceber que aprendiam, na prática, sobre cidadania, direitos humanos, política, organização, convivência. Tudo era pretexto de aprendizado e amadurecimento, inclusive o enfrentamento às ameaças e intimidações de policiais que rodeavam as escolas à noite ou pulavam muros, com armas na mão, chamando adolescentes de 15, 16 anos de idade para “uma conversa de homem para homem” do lado de fora, como aconteceu em uma escola na Brasilândia, zona norte da capital. Ou como em Perus, na zona noroeste, quando alunos foram levados para um batalhão da PM, onde foram agredidos física e psicologicamente. A lição, da polícia, era desencorajar novas ocupações. Em 4 de dezembro, quando havia 213 ocupações, maior número alcançado no movimento, também ocorriam prisões, a violência policial crescia e a aprovação do governo Alckmin caiu para 28%, o jeito foi suspender a reorganização. Na tentativa de recuperar sua imagem, que não havia sido desgastada nem com a crise hídrica, ele prometeu realizar audiências públicas ao longo deste ano. O tempo vai mostrar se o governador vai cumprir sua promessa de ano novo e as determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garantem o direito à educação, à participação na discussão de políticas públicas e também à livre manifestação. A certeza é que ficaram muitas lições.

Aprendizado

Professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), filósofo e pedagogo, Dermeval Saviani havia acabado de chegar de Manaus quando soube da ocupação da Escola Estadual Carlos Gomes, no centro de Campinas, no final de novembro. “Fui lá conversar com os alunos e percebi a seriedade deles, a ca16

JANEIRO 2016

REVISTA DO BRASIL

pacidade de visão da importância da educação, a atenção para o risco da entrada de estranhos na escola para depredar e culpá-los”, conta. Segundo Saviani, por meio das ocupações, os estudantes ensinaram que o movimento em defesa da educação não é apenas dos professores e estudantes universitários. Mas também dos alunos da educação básica. “É importante que eles participem e se mantenham mobilizados”, defende. “A participação do conjunto da comunidade na vida da escola, com os estudantes participando das decisões, é essencial à qualidade da educação, que por sua vez é essencial para a democratização do conhecimento para toda a sociedade”, diz o filósofo, autor de Escola e Democracia (Cortez Editora). Principal reivindicação na luta pela democratização do ensino nos anos 1970 e 1980, a participação de professores e alunos na gestão da escola e no projeto político-pedagógico acabou contemplada pela LDB. No entanto, a participação, de fato, está ameaçada pela falta de políticas que garantam mais tempo para a preparação das aulas, turmas menos numerosas e o fim da chamada meritocracia, baseada em resultados de testes e avaliações, que agrava as desigualdades na educação e enriquece empresas que vendem cursos e sistemas de ensino.

Brinde à democracia

Vice-coordenadora da pós-gradução em Educação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, a professora Branca Jurema Ponce considera o movimento um brinde à democracia que vai além da palavra, num exercício cotidiano. “É um brinde a uma nova concepção de escola, de conhecimento escolar, de currículo. O currículo escolar também é isso, tem de preparar o sujeito para a cidadania. É uma forma também de os pais, de os próprios alunos se formarem para a participação”, diz. ”Bendito seja esse movimento estudantil de jovens de 15 a 18 anos, num momento tão importante, formador. São garotos que trouxeram de volta uma esperança grande, que foi deixada de lado, e que vão levar para sempre essa reflexão.”

“EDUCAÇÃO É IMPORTANTE NO PAPEL, NÃO NA PRÁTICA” Larissa Trauzola Cardenas, 15, é aluna do ensino médio da Escola Estadual Caetano de Campos

O advogado Thyago Cezar, de Bauru, no interior, vai além. “A lição que deram é uma das mais belas demonstrações de democracia participativa da história do Brasil, em que os alunos secundaristas se reuniram voluntariamente para lutar por pautas locais, regionais e estaduais, se mostrando valentes e coesos em seus pleitos, mesmo quando o governo com suas investidas, tentava desarticulá-los. As ocupações das escolas paulistas servem como modelo a toda a sociedade e devem ser lembradas como um grande marco social de lutas estudantis”, diz. Conforme ressalta, ainda que a pauta principal do movimento fosse atrelada a questões de educação, o período de ocupações trouxe grandes momentos de discussões políticas e sociais, servindo como um grande laboratório de cidadania. “Foi um aprendizado imensurável que acredito muito ser difícil de se repetir nos próximos anos. Acredito que esta luta entrará para a história como o caso dos meninos que derrotaram o governador, a luta do


EDUCAÇÃO

coletivo contra o grande poder.” No começo de dezembro, o advogado protocolou medida cautelar na Corte Interamericana de Direitos Humanos, que tem sede em Washington. Na petição foram anexadas notícias de jornais, vídeos, fotografias, moções de repúdio de universidades, parecer do Ministério Público Estadual e uma análise da Universidade

Federal do ABC sobre a política de reorganização. O objetivo é a análise e punição, pelos estados-membros da corte internacional, de violações aos direitos de acesso à educação e cultura, ao desenvolvimento social, psicológico e educacional, ao acesso à Justiça, à livre manifestação do pensamento e à proteção da saúde física e psicológica de crianças e adolescentes.

Para o músico e videomaker Jimmy Bro, autor do documentário Escolas ocupadas – a verdadeira reorganização, quem reorganizou o ensino foram os alunos. “O que vi foi inspirador. Além de protestar, fizeram a verdadeira reorganização em vários sentidos. O que veio através de um problema refletiu em mudanças positivas, nas relações dos alunos com a escola, com os colegas e com a educação em si.” Com o anúncio da suspensão da reorganização, no começo de dezembro, os estudantes fizeram assembleias e foram, aos poucos, desocupando as escolas, com atos simbólicos, num processo educativo e afetivo. Muitas foram pintadas e grafitadas, numa derradeira demonstração de apreço ao espaço público que tanto defenderam. As últimas desocupações ocorreram entre 18 e 22 de dezembro, com a garantia dos estudantes de permanente mobilização frente a manobras do governo. Em manifesto que publicaram, deixaram claro que estavam saindo das escolas, não da luta. E ressaltando que o conjunto das reivindicações não havia sido atendido, não cederiam. “Essa escolha de maneira nenhuma significa ceder às pressões do governo do estado e das entidades burocráticas. Analisamos, porém, que as ocupações já cumpriram sua função e que é hora de mudar de tática.” Para eles, foi o fracasso de uma “reorganização dos poderosos, cujo plano maior era cobrar de trabalhadores e seus filhos o pagamento da fatura de uma crise.” Colaborou: Sarah Fernandes

Movimento fez escola em Goiás As ocupações de 2015 não foram exclusividade de São Paulo. Em Goiás, governada pelo também tucano Marconi Perillo, os estudantes ocuparam escolas para protestar contra decreto que autoriza a contratação de organizações sociais (OSs) para a direção de 200 unidades. O primeiro a ser ocupado, em 9 de dezembro, foi o Colégio Estadual José Carlos de Almeida, na região central de Goiânia, que havia sido fechado para reforma por Perillo. Porém, justificando baixa demanda, o governador manteve a escola fechada. “Com as ocupações de escolas em São Paulo, enxergamos que o governador tem de dialogar com todos, independentemente de serem jovens ou não, e que a falta de diálogo acabou desgastando sua imagem em todo o mundo, sendo visto como um ditador”, avalia o estudante Gabriel Tatico, integrante da União

Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e da União Goiana dos Estudantes Secundaristas (Uges). De acordo com ele, os alunos paulistas ensinaram principalmente que um movimento estudantil organizado pode obter sucesso. “Houve uma vitória no momento em que o governador recuou e suspendeu a reorganização. Vai ter de dialogar. E mesmo que a reorganização vier a acontecer, já não será mais a mesma. O projeto será alterado com os debates”, diz. “Vamos ocupar as escolas, cuidar delas e realizar atividades culturais e esportivas. Vamos defender a escola pública, exigir mais investimentos e lutar para que, quando voltarem as aulas, os professores e os diretores estejam lá. Se nada fizermos, vamos voltar e estarão lá gestores empresariais tomando conta da nossa escola.” REVISTA DO BRASIL

JANEIRO 2016

17


ENTREVISTA

JAILTON GARCIA/RBA

Arquiteta e urbanista Raquel Rolnik conta em novo livro como o modelo da rentabilidade financeira se sobrepõe ao direito de moradia em países que visitou como relatora da ONU Por Helder Lima

Habitação em cifras

N

a era do capitalismo global, o direito à moradia – um direito humano fundamental – é relegado a segundo plano em todos os países que seguem o receituário neoliberal. Desde os anos 1970, a habitação e a urbanização passam por um processo que a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik chama de financeirização, em que a lógica dos projetos, mais do que atender a um direito, busca assegurar o retorno dos investimentos. “A financeirização é a tomada do segmento da produção habitacional para as lógicas de rentabilidade dos investimentos financeiros envolvidos naquilo, não apenas da habitação, mas também da política urbana e da terra urbana. Isso significa que as políticas, os programas, são moldados para criar novos campos de aplicação para promover remunerações e rentabilidades para o capital financeiro investir”, afirma Raquel, que em dezembro lançou o livro Guerra dos Lugares – A colonização da terra e da moradia na era das finanças (editora Boitempo). Elaborado a partir da experiência da arquiteta como relatora especial para o Direito à Moradia Adequada da Organização das Nações Unidas (ONU), o livro traz as constatações de Raquel

18

JANEIRO 2016

REVISTA DO BRASIL

em 12 missões em diferentes países, nos quais ela pôde verificar o abandono de políticas habitacionais para a adoção do modelo da era financeira, colocando sobretudo os mais pobres em situação de ainda mais vulnerabilidade. Palavras como reificação, coisificação, mercantilização são nossas conhecidas, sobretudo quando se trata de desmascarar as ideologias nas relações capitalistas. Você aplica o conceito de financeirização para falar sobre a questão de moradia...

Eu diria que financeirização é um passo a mais no movimento de mercantilização e coisificação no sentido do domínio das finanças sobre todo o processo de produção e consumo capitalista. Estamos falando da hegemonia da era financeira. A financeirização é a tomada do segmento da produção habitacional para as lógicas de rentabilidade dos investimentos financeiros envolvidos naquilo, não apenas da habitação, mas também da política urbana e da terra urbana. Isso significa que as políticas, os programas, são moldados para criar novos campos de aplicação para promover remunerações e rentabilidades para o ca-


ENTREVISTA

pital financeiro investir. Nós estamos falando de um excedente global de capital que circula pelo planeta à procura de campos onde aportar para extrair renda. E você verificou isso em todos os países?

Exatamente. Eu me aprofundei por meio de missões como relatora sobre direito à moradia, ou por meio de pesquisas respondidas diretamente pelos governos. Claro que se trata de um processo global, mas que tem especificidades e singularidades em cada um desses países. Há inclusive processos que ocorrem ou começam a ocorrer em tempos diferentes da história, pois estamos falando que é no fim dos anos 70 que os primeiros países passam por essa transformação, mas há países que passam por isso agora. Depende da economia política de cada país. O processo então é efeito da expansão da globalização...

Estamos falando da tese da redução do Estado, do Estado mínimo, é no bojo desse movimento, dessa ideologia, que é também uma prática hegemônica no planeta hoje em vários campos. E o que eu tento mostrar no livro é como isso aconteceu dentro do campo específico da moradia. E no campo da moradia a partir de 2008, o que acontece em termos da crise global?

A crise financeira e hipotecária que começa nos Estados Unidos coloca a nu e contesta esse modelo, porque a promessa é que todas as pessoas do planeta podem ter acesso à moradia, casa própria individual­ registrada e titulada desde que tenha acesso a um crédito financeiro capaz de fazer com que ela compre o bem produzido pelo mercado privado. Aí existem várias questões envolvidas. Primeiro, a moradia é um bem consumido privadamente e produzido pelo mercado privado. Isso já é uma enorme ruptura porque moradia nos países que desenvolveram o Estado de bem-estar social, ou nos países que viveram a experiência do comunismo ou do socialismo a moradia não é isso, ela é um bem social, é um direito humano, inclusive que independe da renda, não é um bem de consumo. A transmutação da moradia em um bem de consumo é um primeiro movimento. O segundo é que esse bem de consumo, como é caro, vai ser obtido por meio de um instrumento que é o crédito hipotecário, é a ideia de que você como garantia do crédito oferece o próprio bem. E a ideia de que isso poderia ser generalizado, inclusive para os mais pobres, utilizando novas ferramentas criativas, que são exatamente o crédito subprime. Mas com a crise esse modelo não resistiu...

A crise derruba essa tese. Na hora que você liga a casa onde as pessoas moram com os produtos financeiros e faz isso circular no mercado internacional, expõe isso aos riscos inerentes ao mercado financeiro, porque o mercado financeiro é jogo, risco, só que na hora que expõe isso, você faz justamente expor as pessoas mais pobres e vulneráveis. Quantos países visitados estão no livro?

De acordo com as regras do mandato, que faz duas missões em países por ano, com seis anos de mandato foram 11 países e mais uma missão ao Banco Mundial. Eu fui ao banco porque percebi o quanto esse modelo da moradia se transformou em um modelo hegemônico e o Banco Mundial foi um dos agentes de disseminação desse modelo. Não foi o único, e muito menos foi o responsável pela adoção desse modelo em cada país – a adoção é decorrente das hegemonias e coalizões do próprio país. Mas o banco tem uma importância grande na disseminação do paradigma. E o banco reagiu pesadamente contra o meu relatório, não publicamente por meio da imprensa, mas junto ao Conselho de Direitos Humanos. Além das missões oficiais, eu pude fazer working visits: são visitas no país em que você é convidado para participar de um debate, ou para visitar uma comunidade. Isso não produz um relatório oficial, mas permite entrar em contato com o tema. Eu fiz algumas visitas dessa forma, como no Haiti, no âmbito da construção depois do terremoto, chamada pelos próprios organismos da ONU, envolvidos com as dificuldades de reconstrução quando o aparato inteiro da reconstrução está montado para resgatar as propriedades perdidas das pessoas. Mas você chega no Haiti e a maior parte não tem propriedade. O que se destrói são assentamentos informais. E eles estavam totalmente paralisados, sem saber como é que podiam reconstruir as casas em uma terra que não pertencia a cada pessoa que dizia que morava ali. Nesse tipo de visita, fui também duas vezes a ­Barcelona, encontrando com os afetados pelas hipotecas porque me pediram para apresentar o relatório sobre o tema, que eu tinha apresentado no conselho. E finalmente, para poder escrever os relatórios das missões, nós preparamos relatórios temáticos. Por exemplo: crise financeira hipotecária e o direito à moradia foi um tema que trabalhei muito no meu mandato. Fiz dois relatórios sobre isso. Fiz também dois sobre a questão da reconstrução pós conflito, pós desastre, e o direito à moradia. Para escrever esses relatórios, eu tinha de pesquisar, e muitas vezes um dos instrumentos que o relator tinha era enviar questionários oficiais aos países. E obtive muitas respostas. Isso tudo acabou produzindo um

As políticas, os programas, são moldados para criar novos campos de aplicação para promover remunerações e rentabilidades para o capital financeiro investir. Nós estamos falando de um excedente global de capital que circula pelo planeta à procura de campos onde aportar para extrair renda

REVISTA DO BRASIL

JANEIRO 2016

19


ENTREVISTA

cabedal de informação muito além dos 12 países contemplados nas missões. Acho que a gente tem menção a mais de 20 países, das Ilhas Maldivas ao Cazaquistão. Mas nenhum país rompe ou questiona esse modelo?

Não, nenhum. Claro que há países dos quais tive conhecimento que mantêm ainda algumas alternativas, como o Uruguai, que tem um programa de cooperativas autogeridas. Outro exemplo, a Áustria, especialmente em Viena, tem uma política habitacional muito financiada pelo governo, muito forte ainda.

O Brasil é uma das versões do modelo de financeirização da moradia, que é muito parecida com o modelo chileno, que tem origem no período de Pinochet, mas está em vigor até hoje e já tem 20 anos e permite ver seus efeitos. Isso dá para ver o modelo do Minha Casa Minha Vida, que é uma das coisas que eu analiso, como tudo que existiu de política habitacional no país, em que mais ou menos tentou-se armar a partir da democratização, da Constituição de 1988, das experiências de gestão municipal e democrática nos anos 1990, os mutirões, cooperativas, urbanizações de favela, enfim, tudo isso é desconstituído, tem um programa único, que é o MCMV, que produz casa própria para pobre na periferia, com grande subsídio público. Isso não mexe na estrutura da questão e continua colocando os pobres em localidades periféricas...

JAILTON GARCIA/RBA

Na terceira parte do livro, você trata do Brasil. O que define o nosso país nesse contexto da financeirização?

A ocupação das escolas públicas pelas meninas e meninos é o fato mais relevante deste ano, porque derruba vários mitos, e dá uma esperança incrível porque estamos falando de jovens de 15 a 18 anos descobrindo a política e do melhor jeito possível, que é descobrir o sentido do público

Exato, e isso é estrutural do programa. A possibilidade da rentabilidade da empresa privada repousa unicamente na necessidade de ela economizar o máximo possível e terra barata no meio urbano significa terra sem urbanidade. No Brasil, é isso: terra sem cidade. Eu mostro como foi armado o Minha Casa Minha Vida no país, e a abertura das construtoras, com capital em bolsa, embora o programa seja menos financeirizado do que a experiência norte-americana ou espanhola, aqui o programa não é securitizado.

secretário, agora acabou de nomear um novo, em outra direção muito melhor, mas é o último ano de governo, é um desastre. Então, tem elementos também desastrosos dentro dessa política. É uma prefeitura que avançou do ponto de vista dessas pautas.

Você acha que a gestão Haddad, em São Paulo, está promovendo uma discussão sobre mudanças na ocupação da cidade, sobre a humanização do espaço urbano?

O movimento dos alunos da rede estadual chama a sua atenção do ponto de vista das comunidades abraçarem os espaços da cidade?

Eu acho que a gestão do Haddad está colocando pautas muito importantes e transformadoras, acho que esses desejos de transformação estavam colocados como demandas da sociedade, e acho que a prefeitura está ressoando essas demandas, especialmente no campo da mobilidade, a prioridade para valer do transporte coletivo, os modos não motorizados, através das ciclovias, a abertura para vivência nos espaços públicos, o apoio a esses movimentos. Tudo isso me parece positivo e em sintonia com o que são demandas da nossa cidade, de movimentos também muito presentes, mas como não podia deixar de ser, na natureza de um governo de coalizão, que tipo de coalizão é essa, que representa esse governo, ela também tem vários aspectos, por exemplo, na política de habitação, a substituição de 20

JANEIRO 2016

REVISTA DO BRASIL

Eu acho que a ocupação das escolas públicas pelas meninas e meninos é o fato mais relevante de 2015, porque derruba vários mitos, e dá uma esperança incrível porque estamos falando de jovens de 15 a 18 anos descobrindo a política e do melhor jeito possível, que é descobrir o sentido do público. O espaço público não é propriedade do governo, nem de partidos, o espaço público é propriedade coletiva nossa, e portanto temos de nos apropriar e nossa participação do que é feito desse lugar é essencial. Isso é essencial para a construção de uma cultura política nova no país. É sensacional o que essas ocupações foram capazes de fazer. Leia a íntegra da entrevista no site da Rede Brasil Atual


LALO LEAL

Proteção à criança começa no berço Ainda estamos longe da Suécia, que já baniu a publicidade dirigida ao público infantil, com apoio de 88% da população. Mas, pelo menos, fechamos o ano com alguns avanços na legislação

A

publicidade não poupa ninguém. Nem mesmo os recém-nascidos, alvos das campanhas publicitárias desde os primeiros dias de vida. São apelos para o consumo de fraldas descartáveis, papinhas, mamadeiras, chupetas, bicos e outros produtos, alguns de utilidade duvidosa. Um decreto do governo federal pode ajudar a reduzir os efeitos negativos desses produtos à saúde dos bebês. Publicado recentemente, restringe qualquer ação promocional desse tipo, incluindo publicidade, descontos, brindes, exposições especiais em supermercados e outras ações semelhantes. Fica também proibida a utilização de fotos, desenhos e ilustrações que induzam ao uso, com expressões como “baby”, “kids”, “ideal para o seu bebê”, além da utilização nas mensagens de personagens de filmes e de desenhos animados. No caso específico dos bicos, mamadeiras e chupetas, deverá h ­ aver sempre um aviso aos pais sobre os prejuízos que o uso desses produtos podem causar ao aleitamento materno. Também aqueles potinhos de alimentos industrializados consumidos por crianças de menos de 3 anos estão na mira da regulamentação. Autoridades da área da saúde recomendam que os bebês sejam amamentados por até dois anos ou mais e que o leite materno seja o único alimento da criança até o sexto mês de vida. Pesquisas mostram que o leite materno protege as crianças contra diarreias, pneumonias, infecções de ouvido e alergias. Contribui também para diminuir as chances de desenvolverem, quando adultas, doenças como diabetes, obesidade, hipertensão arterial e vários tipos de câncer. Claro que na faixa inicial da vida a propaganda é dirigida aos pais. Mas bastou a criança se aproximar dos 3 anos para começar a receber diretamente toda a carga publicitária. Com a agravante de ainda não

poder discernir entre o que é propaganda e o que é entretenimento e lazer. Quantas gerações foram induzidas ao consumo precoce atraídas por apresentadoras simpáticas e afetivas que conquistavam a criançada com esses atributos para, em seguida, mostrarem a sua verdadeira face de vendedoras das mais variadas quinquilharias, de sandalinhas a brinquedos eletrônicos. No caso dos alimentos, o cuidado que agora se verifica em relação aos bebês deve ser urgentemente estendido aos mais velhos. Os dados em relação ao crescimento da obesidade infantil no Brasil são assustadores. Segundo o Ministério da Saúde, o ­excesso de peso já atinge 52,5% da população adulta do país. O índice de obesidade é de 17,9%. Entre as crianças, uma em cada três, na faixa dos 5 aos 9 anos, está acima do peso. Em novembro, o Senado deu um passo importante para proteger também as crianças mais velhas da publicidade. Foi aprovada a atualização do Código de Defesa do Consumidor, explicitando como abusiva a publicidade que “se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança” e as que induzam diretamente ao consumo, causem sentimento de inferioridade ou usem crianças e adolescentes como porta-vozes diretos da mensagem de consumo. Estamos ainda longe da Suécia que baniu totalmente a publicidade dirigida ao público infantil há mais de dez anos. A decisão foi tomada após a divulgação de uma pesquisa nacional mostrar que 88% da população apoiava a medida. Por aqui, ainda não se fez esse tipo de pesquisa, mas acredito que, apesar de todas as diferenças econômicas e culturais entre os dois países, os resultados seriam semelhantes. Apesar disso, neste momento, cabe aplaudir os pequenos avanços ocorridos ao final do ano passado, esperando que sirvam de sustentação para ações mais ousadas que levem ao final a resultados pelo menos próximos aos obtidos em países com a Suécia. REVISTA DO BRASIL

JANEIRO 2016

21


HISTÓRIA

A verdade no gran Mais que investigar crimes da ditadura, Comissão da Verdade do Grande Sertão, no norte de Minas Gerais, irá às origens das injustiças fundiárias e ajudará povos tradicionais a retomar o seu lugar Por Ana Mendes (texto e fotos) 22

JANEIRO 2016

REVISTA DO BRASIL

T

iros na boca da noite. Em 1967, um grupo de camponeses no sertão mineiro resolveu resistir e lutar pela terra. Seis foram assassinados. “A gente só queria trabalhar, tudo trabalhador”, conta Ursulino Pereira Lima, o seu Sula, hoje com 94 anos. Além dele, restam poucos para narrar os fatos do episódio que ficou conhecido como o Massacre dos Posseiros de Cachoeirinha, em Verdelândia, norte de Minas Gerais. O velho Jadé de Paula, estirado na cama, com câncer de estômago, quer falar, mas só lhe sai uma palavra por vez – o que cabe em uma tragada de ar. Tinha polícia fardada lá? “Muita.” Jadé morreria dois

dias depois de conversar com a reportagem, em 3 de setembro. Mas sua história está agarrada. Enraizou. Em meio à luta no campo, Jadé e Íris tiveram filhos. Antônio de Paula, de 60 anos, é um deles. Antônio, por sua vez, conheceu Dinalva, e mesmo sob condições adversas tiveram Gustavo. Gustavo Prates Santos tem hoje 25 anos e está com uma bala alojada perto do pulmão. Isso porque com o seu pai e 180 famílias ele reivindica o território quilombola Nativos do Arapuim, que está sobreposto às terras de um latifundiário, nas cercanias da região em que seu avô lutou há mais de 50 anos. O percurso individual desses três homens é representativo do pró-


HISTÓRIA

O SERTÃO DE GUIMARÃES ROSA Sertanejo leva o gado para beber água do rio São Francisco: a área de atuação da Comissão da Verdade do Grande Sertão abrange um pedaço do centro, o norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha

ande sertão A GENTE SÓ QUERIA TRABALHAR Seu Sula, sindicalista e sobrevivente do Massacre dos Posseiros de Cachoerinha

prio fluxo da história, cíclico. A linha do tempo, que atravessa essas gerações, não é reta, crescente e irrepetível, ela é helicoidal. Infelizmente, a história se repete. E, no caso da questão agrária brasileira, é uma espiral de violência. Em 2016, a Comissão da Verdade do Grande Sertão, sediada em Montes Claros, começará a trabalhar. Entre os assuntos a serem pesquisados estão os casos de violações no campo. Em nível nacional, ainda é bastante incipiente a organização dessas informações. No final de 2014, a Comissão Camponesa da Verdade (CCV) lançou o primeiro relatório apontando cerca de mil casos, mas sabe-se que há muitos mais. REVISTA DO BRASIL

JANEIRO 2016

23


HISTÓRIA

Sobre a questão indígena, quem se encarregou de concentrar os dados foi a Comissão Nacional da Verdade (CNV). Nesse aspecto, já existem alguns avanços – o maior foi a anistia dada a 13 indígenas Akeiwara, conhecidos também como Suruí do Pará. Eles passaram a receber indenizações em 2014, pois no período ditatorial foram coagidos a trabalhar para os militares na caçada aos guerrilheiros que se escondiam na região do Araguaia e entorno. Uma população indígena inteira agonizou durante a famosa Guerrilha do Araguaia. Quem sabe disso? As histórias começam a vir à tona sob um ponto de vista marcadamente incomum, o lavrador rural, por vezes analfabeto, o ribeirinho, o indígena e o quilombola querem contar o que viveram, eles também precisam desenredar os fios da memória.

Entender o momento

É por isso que a comissão que se configura no sertão mineiro, descentralizada dos grandes centros urbanos, vai ajudar a avançar no desenho de um panorama 24

JANEIRO 2016

REVISTA DO BRASIL

Recém-nascido no acampamento Mãe Romana


HISTÓRIA

“EU LEMBRO DE MINHA MÃE COMO UM SONHO” Daniel é filho de Saluzinho, famoso por resistir durante uma semana, em 1967, ao cerco da ditadura. Mas o sertanejo de olhos verdes marejados quer que outra história venha à tona: sua mãe Dulce foi brutalmente torturada enquanto o pai estava preso

nacional. Algumas histórias já muito conhecidas na região, como o Massacre dos Posseiros de Cachoeirinha (que começou em 1967 e se arrastou por anos – a terra foi homologada apenas em 2014) e o caso de Saluzinho, também em 1967, o posseiro que resistiu durante seis dias dentro de uma gruta, serão revistos. E outras mais aparecerão. É no que acredita Cícero Lima, presidente da Associação Vazanteiros em Movimento: “Nós achamos que essa é a oportunidade de ajudar. Queremos descobrir outros casos para minimizar o que o aconteceu e o que vai acontecer. Sabemos que não há condições de parar (as violações), mas ao menos o povo tá sabendo que existe”. Revisitar essas e outras histórias ocor-

ridas na época da ditadura tem esse teor: entender o momento atual. “A gente tenta tirar o peso do revanchismo, mas tem sim um acerto de contas histórico a ser feito”, diz a advogada Maria Tereza Carvalho, uma das coordenadoras da Comissão da Verdade do Grande Sertão. A política de distribuição de terra da ditadura, dita reforma agrária, criou latifúndios Brasil afora, e em Minas Gerais não foi diferente. “Se a gente tem hoje fazendeiro dentro de área quilombola, fazendeiro dentro de terra indígena e posseiros que foram expulsos das suas terras, esse período, que compreende os anos 60 e 70, foi essencial pra isso”, explica. O programa de governo da época, aparentemente, era até “progressista”. Prometia distribuir terras devolutas para pequenos agricultores. Na prática, não foi nada disso. As populações tradicionais e os camponeses pobres viram-se coagidas a entregar sua casa a troco de nada à elite latifundiária. Em Rondônia, no Pará e em outros tantos estados foi assim. A Minas Gerais chegaram ainda levas de gaúchos,

financiados pela Fundação Rural Mineira para plantar soja. Daniel Gomes Ferreira, 47 anos, é o filho mais novo de Saluzinho. A história de seu pai ficou famosa: Salustiano Gomes Ferreira permaneceu vivo escondido em uma pequena gruta durante quase uma semana, em 1967, sem dormir e sem comer, enquanto a polícia jogava bombas de gás e todo tipo de explosivo lá dentro. Ele deu apenas quatro tiros e só saiu quando lhe deram a garantia de que não o matariam. Dizem que o cheiro de gás que exalava de seu corpo causou náusea ao médico que o esperava, na boca da gruta, para prestar atendimento. Saluzinho passou cerca de quatro anos encarcerado como preso político no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de Belo Horizonte. Durante esse período aprendeu a ler um pouco mais e ampliou sua noção sobre direitos humanos. Antes, ele era um posseiro valente e indignado. “Era difícil naquele tempo falar em direito, pobre não tinha direito. Hoje, graças a Deus, nós estamos aqui faREVISTA DO BRASIL

JANEIRO 2016

25


HISTÓRIA

lando com vocês. Isso é uma honra. Naquele tempo não tinha isso, era bala, cadeia e porrete”, diz Daniel. A história de seu pai tornou-se livro, Saluzinho, Luta e Martírio de um Bravo, escrito (2014, Editora D’Placido) pelo jornalista mineiro Leonardo Alvares da Silva Campos, que traz um apanhado de recortes de jornais com diversas versões sobre o ocorrido. Essa história já foi fartamente contada – Saluzinho viveu até 2007. Ele mesmo pôde narrar os fatos. Ainda assim, Daniel é um verdadeiro achado da Comissão da Verdade do Grande Sertão, porque ele quer virar o holofote para a história da mulher de Saluzinho, sua mãe. Enquanto o marido estava preso, Dulce Gonçalves de Araújo definhava. Morreu alguns meses depois, em decorrência de torturas. A

mesma polícia que lutava na gruta contra Salu pendurou-a de cabeça pra baixo, nua, queimou o bico dos seus seios e introduziu galhos de árvore em seu ânus. Depois de tudo isso, a alma da mulher adoeceu. O corpo logo se entregou também. Daniel era muito pequeno, mas lembra. “Eu lembro de minha mãe como um sonho. Ela era muito calada, não era de muitas palavras.” Daniel não é mais o menino de 4 anos que perdera a mãe, mas os olhos marejam como se fosse. Revirar as poucas lembranças que tem é uma missão, desde que seu irmão morrera, há cerca de quatro meses. “Se eu não for atrás disso, nunca vou saber o que aconteceu. Eu sou o último. Se eu não falar, a história vai morrer comigo.” Quando é questionado sobre o local do

túmulo de Dulce, Daniel tem os olhos verdes inundados outra vez. “Não sei.”

Retomadas

Os acampamentos Mãe Romana, em Matias Cardoso, e Santa Fé, em São João da Ponte, são dois exemplos do que está acontecendo aos montes hoje no sertão mineiro. São as chamadas retomadas. Grupo de populações tradicionais estão retomando para si o local de onde foram expulsos os seus parentes durante os anos 1960 e 1970. Quilombolas, vazanteiros, geraizeiros e outros povos tradicionais estão ocupando fazendas em busca de permanecer no território ancestral. O momento é de ebulição. “Quando fazemos os relatórios antropológicos entramos nessas fazendas e eles vão apontando ‘aqui tá enterrado fulano’, ‘aqui

Afirmação e pertencimento O antropólogo João Batista Almeida Costa, professor da Universidade Estadual de Montes Claros e pesquisador da Comissão da Verdade do Grande Sertão, fala sobre a “construção política da identidade”. A Comissão da Verdade do Grande Sertão pretende dar conta desse lugar, o grande sertão. Que território é esse? A dimensão administrativa do estado não recobre toda a área que temos contato, isto é, a área de pessoas que estão vinculadas à comissão, pessoas dos movimentos sociais locais. Então, a comissão entrará, além do norte de Minas, no noroeste e também no Vale do Jequitinhonha. Decorrente dessa “quebra” administrativa, como então nomear a comissão? Todos nós somos leitores de João Guimarães Rosa, e exatamente quando ele fala de grande sertão, se refere a essa região. Se a gente for cartografar o Grande Sertão de Guimarães, no trecho de Minas Gerais, é exatamente essa área de atuação: um pedaço do centro, o norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha. Riobaldo, no seu 26

JANEIRO 2016

REVISTA DO BRASIL

périplo, nasce no centro, vai pro norte, pro Jequitinhonha e ao final pro noroeste. Seu trabalho é uma referência para quem quer falar de populações tradicionais do norte de Minas Gerais. Qual vai ser a importância da Comissão para a questão das violações no campo, junto a esses povos? A Comissão Nacional e a Estadual, quando olham para a realidade, não conseguem recobrir todas as situações. Aqui, o exemplo de Cachoeirinha veio à tona (nos relatórios dessas comissões), mas não a utilização da estrutura repressiva do Estado como aliada no processo de expropriação territorial. Isso ocorreu em todo o país, aqui não seria exceção. Até a entrada do norte de Minas na área de atuação da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), a grande maioria das terras era devoluta, o tipo de sistema produtivo era a criação extensiva de gado solto. Gado solto na chapada, nos vales e que só era campeado anualmente no período próximo à parição

das vacas. Nesse momento se aproveitava para fazer vacinação. O gado criado solto era reconhecido porque era marcado com o ferro de cada proprietário. E não havia cercas impedindo a terra, tanto que tem uma marcha que diz “êta, mundão sem cancela”. O gado transitava por esse mundão e os vaqueiros em busca dele passavam léguas e léguas, grandes distâncias, campeando. A partir da entrada na Sudene, a terra passa a ter valor econômico. Ao mesmo tempo, há o financiamento da transformação da fazenda em empresa agropecuária. Isso se dissemina. Com o apoio explícito do estado, por meio da Ruralminas (Fundação Rural de Minas) e com o apoio velado, por meio das polícias Militar e Civil e do Dops, as elites (médicos, dentistas, advogados, fazendeiros, comerciantes, professores, pessoal da emergência local) com bandos de jagunços foram terra adentro – terras de quilombos, terras dessas populações. E sobre os casos de Saluzinho e do massacre dos posseiros de Cachoerinha?

João Batista: historicamente, essas populações vêm lutando pela permanência em seus espaços territoriais

Saluzinho morava no território que hoje pertence a Brejo dos Crioulos (quilombo). Em 1920, um agrimensor que é chamado por um fazendeiro de São João da Ponte para processar a divisão de duas fazendas, a Arapuá e a Ouro Preto. Eles adotaram, então, a seguinte estratégia: criam faixas de terras pras pessoas que viviam ali e entre essas faixas de terras põem glebas, deram o nome de Glebas de Ausentes. Nos anos


HISTÓRIA

“TINHA MUITA POLÍCIA LÁ” O velho Jadé de Paula, morreria dois dias depois de conversar com a reportagem

1960, quando começa o processo de afazendamento da elite regional, esses agrimensores vão vender essas glebas. O caso de Cachoeirinha é clássico nesse sentido. Vendem ao coronel Giorgino umas glebas de terra e a Constantino outras. O bando de jagunço, então, começava a pressionar as pessoas a vender as terras. Como eles não conseguem, começam a pôr fogo nas plantações, a matar e roubar o gado. O caso de Cachoeirinha é esse, e o de Saluzinho também. Houve então a revolta de Cachoeirinha em perder a terra, e Saluzinho age isoladamente. Desse jeito, eles conseguiam tomar as terras das pessoas, com violência extrema. Brejo dos Crioulos hoje é um quilombo. Cachoeirinha também é historicamente um quilombo. Só que naquele momento a figura de quilombo ainda não tinha sido “inventada” pela Constituição. Como foi a incorporação dessas leis entre os povos tradicionais e o que isso tem a ver com os atuais processos de retomada?

acontecia tal coisa’, então, fazemos o levantamento do que chamamos de marcos de territorialidade. A historicidade está marcada no espaço que eles ocupavam e que foi expropriado nos anos 60 e 70. Em decorrência de estarem próximos aos seus territórios, ao se reconhecerem no artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias, nos artigos 215/216 da Constituição, esse pessoal partiu pra luta”, relata o antropólogo e professor da Universidade Estadual de Montes Claros, João Batista Almeida Costa, também pesquisador da Comissão da Verdade. Território para eles não é sinônimo de terra. Território é aquele pedaço de chão em que viveram avós e bisavós, aquele cantinho onde Mãe Piana fez o parto de mais de 2 mil crianças. A terra é consequência. Na terra se planta e colhe, no território brotam histórias. E lá se quer ficar. Porque a memória é algo que nem a mais torpe das ditaduras poderá usurpar. Historicamente, essas populações vêm lutando pela permanência em seus espaços territoriais desde o processo de expropriação dos anos 60 e 70. Quando trabalhei na Secretaria de Trabalho do Estado como técnico de desenvolvimento rural, viajava a diversas regiões, e a grande reivindicação dessas populações sempre foi a permanência no espaço territorial deles. Para conseguir isso, já “foram” trabalhador rural sem-terra, agricultor, pequeno proprietário, posseiro. Mas quando se dissemina na região a informação de que havia, no caso dos quilombos, um artigo na Constituição dizendo que o Estado deveria regularizar as suas terras imediatamente, mais de 80 comunidades no norte de Minas, em um espaço de três anos, vão se autoafirmar como quilombo e reivindicar a regularização fundiária. E as outras populações que estão em conflito, na luta contra eucalipto, fazendeiro e mineração, ao tomar conhecimento de que no artigo 215/216 diz que o Estado deve garantir a manutenção do modo de fazer, de viver, de pensar e de criar dos grupos forma-

dores da nacionalidade brasileira demandam então uma assessoria (antropológica) para conseguir a permanência em seus territórios. Aí entra o caso dos vazanteiros, dos geraizeiros, caatingueiros, veredeiros e outros. É impressionante ver a quantidade de retomadas que há no norte de Minas. Parece similar com o que fizeram os povos indígenas nos anos 80, quando começaram a voltar para os seus territórios sob essa mesma justificativa, a ancestralidade. É isso que está acontecendo com os quilombolas? Na verdade, eles não saíram. Tem uma categoria que a gente utiliza que é a do “encurralamento”. Eles foram expulsos de suas terras, mas havia sempre uma Terra de Santo nas proximidades. Eles se deslocam pra essas Terras de Santo e permanecem trabalhando. Isso é inclusive uma estratégia dos fazendeiros, porque, então, você tem mão de obra barata pra o trabalho na fazenda. Você tem no entorno da fazenda uma comunidade rural ne-

gra. No caso do Vale do Verde Grande, que a gente chama de Território Negro da Jaíba, tem 82 comunidades que se reconhecem como quilombola. E ficam situadas entre fazendas, em pequenas áreas de terra, um hectare, dois, três. Sendo que toda a terra em volta foi pertencente às famílias deles. Quando fazemos os relatórios antropológicos entramos nessas fazendas e eles vão apontando “aqui tá enterrado fulano”, “aqui acontecia tal coisa”, então, fazemos o levantamento do que chamamos de marcos de territorialidade. A historicidade está marcada no espaço que eles ocupavam e que foi expropriada nos anos 60 e 70. Em decorrência de estar próximos aos seus territórios, ao se reconhecer no artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias, artigos 215/216 da Constituição, esse pessoal partiu pra luta. O que emerge? A construção política de uma identidade. Se afirmam como vazanteiro, veredeiro, quilombola, apanhador de flor, revisitando o passado pela memória do grupo pra afirmar o seu pertencimento a esse espaço. Isso tem acontecido muito. REVISTA DO BRASIL

JANEIRO 2016

27


EMIR SADER

O ano em que vivemos no terror

Estado Islâmico pode enfraquecer e reposicionar-se em 2016, diante da coalizão a enfrentá-lo. Mas sem abandonar as ações que levem a um cenário de violência não muito distinto do visto ano passado

A

primeira notícia de impacto, no começo do ano passado, foram os atentados contra a redação do jornal Charlie Hebdo, em Paris, em 7 de janeiro. O ano fechou com outros atentados, em Paris, na sexta feira 13 de novembro, cometidos em nome da mesma organização – o autoproclamado Estado Islâmico. Entre um e outro, 2015 incluiu vários atentados assumidos pelo Estado Islâmico – como a derrubada do avião russo no Egito, as ações terroristas no Líbano, entre tantos outros –, enquanto outra organização similar, o Boko Haram, que atua no norte da Nigéria, foi responsabilizada por mais mortes. Sem contar com a extensão dos conflitos bélicos no Oriente Médio, em que ao Afeganistão e ao Iraque se somou a Síria como epicentro bélico que concentra todas as forças atuantes na região. Mas o caráter essencialmente bélico do ano também se expressou no plano político. No começo do ano, a Rússia e os Estados Unidos se confrontaram em praticamente todos os temas, a começar pela Ucrânia, mas incluindo a própria Síria. Conforme a ofensiva do Estado Islâmico se estendia do Iraque para a Síria e ações terroristas se disseminavam por países que participavam da ofensiva militar contra o Estado Islâmico – como Austrália, Japão e Canadá –, e a situação do governo de Bashar Al-Assad ia se tornando muito frágil, a situação começou a mudar. A Rússia, a partir de agosto, desembarcou tropas na Síria e passou a atacar o Estado Islâmico com artilharia pesada. No início, a reação dos Estados Unidos e de seus aliados foi a de protestar, alegando que a Rússia bombardeava também o que eles chamavam de oposição moderada. Mas a Rússia não se deteve, argumentando que seria fundamental a preservação da unidade territorial da Síria. O próprio governo do 28

JANEIRO 2016

REVISTA DO BRASIL

Iraque começou a clamar pelo apoio da Rússia em seu território. Diante dessa situação, os Estados Unidos mudaram sua posição e passaram a apoiar os ataques da Rússia, afirmando que também fariam bombardeios, em operações coordenadas ao lado dos russos. Em seguida, a França passou a participar dos bombardeios contra o Estado Islâmico. Mais recentemente, a Grã-Bretanha discute aderir às operações, enquanto Estados Unidos e Alemanha decidem enviar tropas. A partir dessas alianças militares, o governo de Al-Assad passou também a ser aceito pelas potências ocidentais, que antes consideravam a saída do poder uma condição indispensável para qualquer solução política para a Síria. Vladimir Putin recebeu Al-Assad em Moscou, em seguida se reuniu com outros governos, em cuja iniciativa teria proposto uma solução política, a partir da decisão de que seja o povo sírio quem decida sobre o seu destino, por meio de eleições. O que supõe uma derrota militar do Estado Islâmico e um mínimo de normalidade no país, com o retorno de pelo menos parte dos milhões de refugiados sírios, especialmente os que estão no L ­ íbano e na Turquia. Um complicador para essas negociações é a ­Turquia. Um governo que tem no comando da Síria e nas comunidades curdas seus principais adversários, é sempre suspeito de conivência com o Estado Islâmico, com quem coincidem na definição dos adversários. Putin o acusa não apenas de haver sido conivente na derrubada do avião russo no Sinai, em novembro, como de comprar petróleo negociado pelo Estado Islâmico e de abrir facilidades em seu território para que essa comercialização se faça também com outros países, entre os quais a Arábia Saudita. Mas os Estados Unidos e a própria Otan – a organização multilateral para assuntos militares


ALISDARE HICKSON/FLICKR/CC

das potências do Ocidente –pediram moderação ao governo da Turquia nos conflitos com a Rússia, para não enfraquecer a frente comum de luta contra o Estado Islâmico. Se 2015 foi assim, pode-se prever o que nos reserva 2016, desse ponto de vista? Muitos fatores estarão presentes, a começar pelas eleições presidenciais nos Estados Unidos e a forma como isso vai interferir no comportamento de ­Barack Obama. Por outro lado, os conflitos na Ucrânia podem dificultar as relações entre norte-americanos e russos. O destino político da Síria ainda é um tema espinhoso, embora hoje já não se questione o governo de Al-Assad durante a guerra.

Caso o Estado Islâmico desloque muitas forças para o Iraque, os Estados Unidos terão dificuldades em aceitar que a Rússia desempenhe o mesmo papel que tem na Síria, porque cederiam espaço em excesso para Vladimir Putin. Pelo poderio militar que se concentra nos bombardeios ao Estado Islâmico na Síria, somados às infantarias que várias potências começam a mandar, se pode prever um enfraquecimento do Estado Islâmico, pelo menos na Síria. Podem reconcentrar tropas no Iraque e, ao mesmo tempo, intensificar as ações terroristas. Esse pode ser o quadro, o que não representaria um cenário tão distinto do atual, do ponto de vista da violência.

“NÃO BOMBARDEIEM A SÍRIA” Manifestação nas ruas de Londres: “Bombardeios não matam uma ideologia, eles a alimentam”

REVISTA DO BRASIL

JANEIRO 2016

29


VIAGEM

Vila de Torbole

País tem avô? O Brasil tem. E fomos conhecê-lo nos alpes italianos Por Flávio Aguiar

T

rata-se do Lago de Garda, na região italiana do Tirol, próxima dos Alpes. O lago faz a transição entre as terras ao sul, mais baixas, e as montanhas escarpadas ao norte, que anunciam as mais altas montanhas da Europa, repartidas entre Itália, França, Suíça, Áustria, Alemanha, Eslovênia, Mônaco e o diminuto Liechtenstein. Ao sul, o lago se espraia, mais largo, numa região de clima mais ameno. Ao norte, o lago se afunila, cercado pelas encostas de pedras alcantiladas. A leste do lago, está o Vêneto. A oeste, a Lombardia. Também a oeste está Saló, cidade que deu nome aos estertores do regime fascista, no fim da Segunda Guerra. Ali se refugiou Mussolini, antes de seu trágico fim, executado com sua companheira pelos guerrilheiros, que depois penduraram seus cadáveres na praça principal de Milão. Mas como podem estas paisagens, tão belas quanto por vezes trágicas, serem as antepassadas do Brasil? A resposta do enigma está na literatura. Quando dom Pedro I proclamou a independência brasileira, no 7 de setembro de 1822, nosso país mais parecia uma colcha de retalhos, como atestam os sucessivos movimentos de rebeldia mais ou menos separatistas que o sacudiram até 1848 – ano da última grande rebeldia brasileira, a chamada Revolução Praieira, em Pernambuco, e que também 30

JANEIRO 2016

REVISTA DO BRASIL

ERNST JÜRGEN SCHWARZMEIER/FLICKR/CC

Visita ao avô do Brasil marca o retorno à Itália de Giuseppe Garibaldi, que lutara na Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul, em uma guerra civil que durara uma década. O esforço para manter a antiga colônia portuguesa unida teve tanto de repressão quanto de exaltação. A primeira foi expressa por Duque de Caxias e outros próceres que foram abatendo e “pacificando” os movimentos rebeldes. A segunda ficou por conta de uma plêiade de literatos, dramaturgos, pintores e músicos que foram, por assim dizer, “compondo a sinfonia Brasil” com sua imaginação. Ou seja, o Brasil existiu literariamente antes de existir de fato como pátria integrada. Dentre os literatos, destacou-se (com outros) o maranhense Gonçalves Dias, que compôs aquela que seria a certidão de batismo de nossa terra, a que “tem palmeiras, onde canta o sabiá” Tão certidão e tão certeira foi sua Canção do Exílio, que foi glosada por inúmeros outros poetas, inclusive sob a forma de paródias. Ocorre que o poema de Gonçalves Dias tem uma epígrafe, a citação de um poema, conhecido como Canção de Mignon, do poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe. Esse poema consta de seu romance Wilhelm Meister – Anos de aprendizado, uma das obras-chave do romantismo europeu e mundial. Quem diz o poema é uma menina cigana, protegida por e apaixonada pelo protagonista, que fala de uma terra entre altas montanhas, decorada por flores e frutas maravilhosas. Que frutas? Limões e laranjas. Diz ela que aprendeu a canção na Itália. E onde, na Itália, Goethe, e por seus olhos, Mignon, viram estes limões dourados e maravilhosos? Ora, no Lago de


VIAGEM

DIE.TINE/FLICKR/CC

Vila de Saló

Ecos da Canção do Exílio

NISPI2002/FLICKR/CC

Punta San Vigilio

Garda, por onde andou viajando depois de sua primeira grande decepção amorosa. Goethe chegou a ser detido por algumas horas num castelo à beira do lago, suspeito de ser um espião prussiano. Mas safou-se, e admirou os notáveis limoeiros crescidos à beira das águas, apoiados em estacas de cimento e armações de arame e madeira, até hoje. E assim os limões de Garda se tornaram os legítimos avós poéticos do nosso país. Esperemos que mais para o bem do que para o mal. Quem quiser conferir, que tome um avião até a cidade de Bergamo, alugue um carro, e vá banhar-se de beleza e limonadas às margens do lago, que também exibe ruínas romanas, castelos medievais, além de encantadoras cidades.

“Minha terra tem palmeiras/ Onde canta o sabiá/ As aves que aqui gorjeiam/ Não gorjeiam como lá/ Nosso céu tem mais estrelas/ Nossas várzeas têm mais flores/ Nossas flores têm mais vida/ Nossa vida, mais amores/ (…) Não permita Deus que eu morra/ Sem que volte para lá.” Hino Nacional Brasileiro: “Nossos bosques têm mais vida/Nossa vida, em teu seio, mais amores”. Hino do Expedicionário (FEB na Campanha da Itália): “Por mais terras que eu percorra/Não permita Deus que eu morra/ Sem que volte para lá/ (…) Lá no alto da colina/ Onde canta o sabiá”. Campanha pela anistia: alguns cartazes que reivindicavam o retorno dos exilados e banidos pelo poder discricionário da ditadura reproduziam a foto de um jovem mochileiro pedindo carona, com o dístico: “Não permita Deus que eu morra/sem que volte para lá”. A epígrafe do poema, que cita fragmentos da canção de Goethe: “Kennst du das Land, wo die Zitronen blühn/ Im dunkeln Laub die Goldorangen glühn/ (…) Kennst du es wohl?/ (…) Dahin, dahin/ Möcht ich (…) ziehn”. “Conheces a terra onde florescem os limoeiros/ e as laranjas áureas brilham entre as folhas e os nevoeiros?/ (…) Conheces bem?/ Para lá, firme/ (…) Eu quero ir-me”. O poema de Goethe é uma súmula romântica, falando de uma velha casa, de altas montanhas enevoadas, de dragões e trilhas, além do incontido amor da jovem Mignon pelo protagonista Wilhelm Meister. Gonçalves Dias aproveitou umas poucas linhas na sua epígrafe. REVISTA DO BRASIL

JANEIRO 2016

31


curtaessadica

Por Xandra Stefanel

Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar

Cena de As Sufragistas

… e na música

Feminismo no cinema… Repressão, salários mais baixos, desemprego, assédio sexual, discriminação... Mesmo nos países ditos desenvolvidos, muita lágrima e sangue foram derramados até que as mulheres conquistassem direitos básicos. O filme As Sufragistas, de Sarah Gavron, que estreou no final de dezembro, apresenta a luta de militantes feministas no início do século 20, na Inglaterra, pelo direito ao voto. Baseada em acontecimentos reais, a história é contada a partir da personagem fictícia Maud Watts (Carey Mulligan), que trabalha em péssimas condições em uma lavanderia de Londres. Até então, as mulheres protestavam e resistiam pacificamente às opressões da polícia e do Estado, mas como não viam nenhum avanço em direção aos seus direitos, a líder do movimento Emmeline Pankhurst (na participação-relâmpago de Meryl Streep) propõe que as ações de desobediência civil sejam mais efetivas.

Menos de um mês depois de a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara aprovar o Projeto de Lei (PL) 5.069, de autoria de Eduardo Cunha, que dificulta e limita o atendimento a vítimas de aborto, a cantora Clarice Falcão lançou o clipe Survivors (“sobreviventes”, em inglês). A letra da música conta como a vida de uma mulher ficou melhor depois do fim de um relacionamento abusivo. O clipe é inspirado no vídeo Não Tira o Batom Vermelho, da vlogueira Jout Jout. A versão brasileira do grupo Destiny’s Child mostra várias mulheres passando batom vermelho do jeito que bem querem. Survivors, disponível no canal de Clarice Falcão no YouTube (https://www.youtube. com/user/falcaoclarice) deve fazer parte do álbum Problema Meu, que tem previsão de lançamento no início deste ano.

A exposição AquiAfrica, em cartaz até 28 de fevereiro no Sesc Belenzinho, em São Paulo, reúne pinturas, fotos, desenhos, esculturas, vídeos e instalações sobre a África contemporânea. Treze artistas de diferentes gerações e vindos de 11 países da África Subsaariana abordam questões como imigração, xenofobia, consumo desenfreado, tradições culturais e os sistemas de poder vigentes naquele continente. Um dos destaques é a instalação Estrada para o Exílio, do camaronense Barthélémy Toguo. A obra é um barco de aproximadamente 8 metros que flutua sobre um mar de garrafas PET e que remete às embarcações de imigrantes que se arriscam no mar em busca de refúgio em outros países. De terça a sexta, das 13h às 21h, aos sábados, domingos e feriados, das 11h às 19h, na Rua Padre Adelino, 1.000, (11) 2076-9700. Grátis. 32

JANEIRO 2016

REVISTA DO BRASIL

CHERI SAMBA - “O COMUM DOS POLÍTICOS”, 2002

Arte africana


Passado e futuro

KUDZANAI CHIURAI - “MINISTRO DA EDUCAÇÃO”, 2009

J.D. ‘OKHAI OJEIKERE - “LE GOGORO OR AKABA”, 2008

A exposição Por Debaixo do Pano, da fotógrafa Nair Benedicto, apresenta 117 imagens que propõem uma reflexão sobre tribos indígenas, manifestações populares e desigualdade social. Em cartaz até 7 de fevereiro na Casa da Imagem e Solar da Marquesa de Santos, a mostra também apresenta dois registros audiovisuais feitos na década de 1980 pela agência F/4, que Nair assina como correalizadora, ao lado do Grupo Maria Bonita. Os vídeos Não Quero Ser a Próxima e O Prazer é Nosso abordam a persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira. A curadoria é de Diógenes Moura. De terça a domingo, das 9h às 17h, na Rua Roberto Simonsen, 136-B, ao lado do Pátio do Colégio, em São Paulo, (11) 3241-4238. Grátis.

Foram 38 anos de carreira, 11 álbuns gravados e cinco prêmios Sharp. Este é o saldo da trajetória da dupla Pena Branca e Xavantinho, que acaba de ganhar livro escrito pelas jornalistas Eliana Pace e Sonnia Mateu. Pena Branca e Xavantinho – Cult para Sempre (Barbosa Lima Editores) documenta a importância da obra da dupla caipira para a música brasileira e evidencia como o talento, a percepção, as emoções e ideias deles contribuíram para a disseminação da verdadeira cultura de raiz. Além da história da dupla, o texto também traz depoimentos de Milton Nascimento, Chico Buarque, Ivan Lins, Caetano Veloso, Rolando Boldrin, Daniel, Almir Sater, Renato Teixeira, Sérgio Reis, Zuza Homem de Mello e Ivan Vilela, entre outros. À venda no site www.barbosalimaeditores.com.br. R$ 50.

OMAR BA - “AFRICA NOW”, 2015

Indios Arara

NAIR BENEDICTO

Genuinamente brasileira

REVISTA DO BRASIL

JANEIRO 2016

33


ATITUDE

Chega de bola fora Ex-jogadores vão à sede da CBF protestar e pedir a renúncia definitiva do atual presidente, que está licenciado. O antecessor continua preso. Bom Senso pede democracia na gestão do futebol

FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO

NOVO COMANDO Manifestação na porta da CBF: “vergonha nacional e mundial”

C

om um ex-presidente preso, outro "escondido" nos Estados Unidos e o atual licenciado, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tem sido objeto de questionamentos crescentes, a exemplo do que acontece em outros países, com cartolas no alvo de investigações por corrupção. No final de 2015, o Bom Senso, coletivo organizado por atletas e ex-atletas profissionais, fez uma manifestação diante da sede da entidade, no Rio de Janeiro, para pedir mudanças – basicamente, democracia na gestão do esporte. "Exigimos a renúncia definitiva de Marco Polo Del Nero e sua diretoria, seguida da convocação de eleições livres e democráticas para o comando da CBF, sem a atual cláusula de barreira, mecanismo que impede a aparição de posições independentes ao sistema vigente, pois exige oito assinaturas de federações e mais cinco de clubes para candidaturas", afirmaram os manifestantes em documento. "O mais importante é quebrar esse sis34

JANEIRO 2016

REVISTA DO BRASIL

tema e partir do zero", afirmou o ex-jogador Raí. "O manifesto é público, não necessita de entrega. Esperamos que a resposta também seja pública." Para o Bom Senso, a sucessão na CBF (depois de Ricardo Teixeira, vieram José Maria Marin e Marco Polo Del Nero) se baseou em um estatuto "viciado", feito para o mesmo grupo se perpetuar no poder. Os atletas acreditam que só com profundas mudanças na estrutura da entidade poderão ser criadas as condições “para a reconstrução da credibilidade, confiança e retomada do protagonismo esportivo do futebol brasileiro, de seus jogadores, da alegria do jogo e, principalmente, dos torcedores”. Em uma CPI no Congresso, em dezembro, Del Nero disse ser inocente e que só se licenciou para poder se defender das acusações. Signatário do manifesto, o ex-jogador e colunista Tostão chamou a CBF de “vergonha nacional e mundial” e pediu união dos clubes em torno de uma liga nacional, para abandonar “as promíscuas amarras” e mudar a “estrutura da entidade e do futebol”.


O PRIMEIRO CANAL DE TV ABERTA DOS TRABALHADORES

ESTÁ TODO MUNDO FALANDO. VOCÊ PRECISA VER! Canal 8.1 HD digital em toda Grande São Paulo; Canal 12 da NET: Grande ABCD (24h); 13 da NET: Mogi das Cruzes (24h); Canal 2 da NET: São Paulo (19h às 20h30); Canal 26 da NET: Barueri, Santana do Parnaíba, Osasco, Vargem Grande Paulista, Taboão da Serra, Carapicuíba, Cotia, Embu, Itapecerica da Serra, Itapevi e Jandira (19h às 20h30); Canal 9 da NET: Brasília (19h às 20h30); Pela internet: tvt.org.br


Sua onda de informação, cultura e diversão. As notícias que as outras não dão Reportagens ao vivo, entrevistas, noticiário local, nacional, internacional e programas especiais. Economia, política, mundo do trabalho, cultura, direitos humanos e movimentos sociais. Dinâmico, plural e democrático. Sem preconceitos e sem discriminação.

www.redebrasilatual.com.br/radio


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.