GERALDO VANDRÉ, 80 ANOS Mistérios que ofuscam a obra grandiosa desse mito da MPB
OUTRA ENERGIA Sol e vento para depender menos de grandes barragens
nº 110 setembro/2015 www.redebrasilatual.com.br
SÓCIOS DO AJUSTE Bancos lucram com os juros que param economia, promovem desemprego e não ajudam o país a crescer
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TM Rio 2016
www.redebrasilatual.com.br Coordenação de planejamento editorial Paulo Salvador e Valter Sanches Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editor Assistente Vitor Nuzzi Redação Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Eduardo Maretti, Fábio M. Michel, Helder Lima, Hylda Cavalcanti, Rodrigo Gomes e Sarah Fernandes Arte Leandro Siman Iconografia Sônia Oddi Capa Paulo Pepe/Bancários SP (economia) Franklin da Flauta (vandré) Kleide Teixeira/Olhar Imagem (ambiente) Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3295 2800 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328 8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3295 2800 (Carla Gallani) Impressão Bangraf (11) 2940 6400 Simetal (11) 4341 5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Tiragem 150 mil exemplares
Conselho diretivo Adi dos Santos Lima, Admirson Medeiros Ferro Jr., Adriana Magalhães, Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Arcângelo Eustáquio Torres Queiroz, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Deusdete José das Virgens, Edgar da Cunha Generoso, Edmar da Silva Feliciano, Eliana Brasil Campos, Eric Nilson, Fabiano Paulo da Silva Jr., Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Gervásio Foganholi, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete de Oliveira Silva, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Raimundo Suzart, Raul Heller, Roberto von der Osten, Rodrigo Lopes Britto, Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Juvandia Moreira Rafael Marques Diretores financeiros Rita Berlofa Moisés Selerges Júnior
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SETEMBRO 2015
REVISTA DO BRASIL
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ÍNDICE
EDITORIAL
6. Na Rede
Notas que foram destaque na RBA no mês que passou
10. Economia
Regras ditadas pelo mercado financeiro barram o crescimento
16. Trabalho
A CUT e seu 12º Congresso: mudar a economia, sem golpe
20. Ambiente
ADONIS GUERRA/SMABC
Energia do vento e do sol avança no Norte e Nordeste
26. Educação
Estados tentam privatizar gestão e fugir da responsabilidade
FORÇA NAS RUAS Greve dos operários da Mercedes impediu 1.500 demissões
30. Música
Vandré, 80 anos. Repertório de obras-primas e vida a decifrar
Outra economia
O
36. Mundo
No negócio das drogas proibidas reinam as contas autorizadas
40. Entrevista
Daniela Arbex desenterra mentiras e reescreve a história
JIM G/FLICKR/CC
Oslo, ricas experiências
44. Viagem
A Noruega cuida de suas belezas e riquezas e seu povo vive bem
Seções Marcio Pochmann
15
Emir Sader
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Lalo Leal
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Curta essa dica
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Atitude. Mujica
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sistema financeiro brasileiro se consolidou no século passado como algo perdulário. O economista José Carlos Braga, professor da Unicamp, diz em reportagem nesta edição que o setor bancário não é partícipe do processo de industrialização, como é tradição dos países onde políticas industriais se desenvolveram e se internacionalizaram. “Desde o Plano de Metas de JK, nos anos 1950, constituiu-se um sistema bancário privado inapto a apoiar o desenvolvimento. A trajetória do sistema bancário brasileiro sempre foi de papel passivo na economia, beneficiário dos títulos da dívida pública”, observa Braga. E põe “benefício” nisso. Em 2013, o governo gastou com juros da dívida R$ 250 bilhões. No ano seguinte, R$ 334 bilhões. E nos primeiros seis meses de 2015, mais R$ 225 bilhões. Depois de sucessivas altas nos juros, a última reunião do Comitê de Política Monetária resolveu manter a taxa básica em 14,25% ao ano. Um universo inteiro de economistas, a exemplo de Braga, vê como contrassenso a equipe econômica cortar R$ 80 bilhões do orçamento para fechar as contas do ano, expor-se a uma agiotagem desse tamanho e submeter-se o país a uma recessão. Quando parte do empresariado pensa pequeno, os movimentos sociais vêm tentando fazer sua parte. O ano começou com uma greve de dez dias na Volks contra as demissões de 800 funcionários. E agosto terminou com os operários da Mercedes-Benz fazendo o mesmo para manter emprego de 1.500 companheiros. Atualmente, a campanha nacional dos bancários se mobiliza para cobrar dos bancos mais responsabilidade social. Mas o governo também tem de fazer a sua parte. É sabido o poder de sabotagem do sistema financeiro e dos que orbitam em sua ciranda. A qualquer iniciativa estrutural que ameace a governança financeirizada das economias, as “forças ocultas” se agitam. Foi o que ocorreu há três anos, por exemplo, quando o primeiro governo Dilma conseguiu levar os juros ao patamar mais baixo da história (7,25%). Essa linha de ação durou menos de dois anos. Por isso, a agenda do país é uma constante disputa. Foi por meio do entendimento com os movimentos populares que o governo criou políticas sociais que resultaram em criação de empregos e distribuição de renda. A retomada da agenda do crescimento, passa por aí. Que o governo ouça mais quem o elegeu, e menos quem quer derrubá-lo. REVISTA DO BRASIL
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Informação diária no portal, no Twitter e no Facebook
ROBERTO STUCKERT FILHO/PR
redebrasilatual.com.br
Ao participar do encerramento da Marcha das Margaridas, em 12 de agosto, a presidenta Dilma Rousseff citou trecho da canção Envergo, Mas Não Quebro, de Lenine. “E em noite assim como esta, eu cantando numa festa, ergo o meu copo e celebro os bons momentos da vida, e nos maus tempos da lida eu envergo, mas não quebro”, disse a petista. Antes, foi recebida por cerca de 40 mil mulheres do campo, que anualmente promovem a marcha, com gritos de “Não vai ter golpe”. Dilma anunciou a promessa de esforço para atender reivindicações entregues pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag): implementação das Patrulhas Rurais Maria da Penha, com o objetivo de combater a violência contra as mulheres; criar 109 unidades móveis odontológicas para atendimento de trabalhadores rurais, sendo sete dirigidas às áreas indígenas. No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), nos meses de novembro, as trabalhadoras rurais serão atendidas com prioridade para exames ginecológicos, mamografias e vacinas contra HPV. O governo fala ainda em implementar programa de redução do uso de agrotóxicos. bit.ly/rba_marcha_margaridas No dia seguinte, a presidenta promoveu no Palácio do Planalto um encontro que chamou de Diálogos com os Movimentos 6
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REVISTA DO BRASIL
SERGIO AMARAL/RBA
MARGARIDAS E OUTRAS TRINCHEIRAS
Sociais. Diante de mais de mil integrantes de centrais sindicais, organizações estudantis, de moradia e de comunidades tradicionais, entres outras, afirmou que está tomando medidas para que o país volte a crescer e pede para que seu desempenho seja avaliado em dezembro de 2018, quando deixará o governo. Mas foi cobrada pela retomada do projeto debatido durante a campanha eleitoral e que a diferenciou de seu adversário. “Foi aquela agenda que nós elegemos. Este ajuste fiscal, como está sendo posto, não condiz com o programa que elegemos. Esse povo que está aqui tem condição de fazer a transformação do Brasil. Não é o mercado que vai garantir a governabilidade. É esse povo que está aqui, presidenta Dilma”, disse o presidente da CUT, Vagner Freitas. Durante a reunião, Dilma se dirigiu aos “companheiros da FUP (Federação Única dos Petroleiros)”, para que defendam, com “todas as forças”, o regime de partilha do pré-sal e que enfrente no Senado projetos de dimunição da participação da Petrobras nessas reservas. bit.ly/rba_ movimentos_sociais
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REDEBRASILATUAL.COM.BR
MARCOS MORAES/BRAZIL PHOTO PRESS/FOLHAPRESS
PRISCILLA VILARIÑO/RBA
Protesto contra a chacina de Osasco e Barueri
Amanhecer contra a redução Com boné da Vila Fundão, Paulo Magrão cita Mano Brown: “A maioria foi contra Jesus. Mas lá tinha uma minoria. A gente é a minoria agora. E somos contra a redução da maioridade”. Magrão, fundador da ONG Capão Cidadão, e Mano Brown, rapper do Racionais MCs, são referências para a periferia, e participaram da edição paulista do Festival Amanhecer contra a Redução, na periferia sul da cidade de São Paulo. O festival se inspira na estratégia do Uruguai para sensibilizar a população sobre o assunto. No vizinho, o apoio popular contra a redução cresceu e garantiu o “não”. Semanas antes, o evento havia feito grande sucesso no Rio de Janeiro. bit.ly/rba_amanhecer_capao
Bandidos temporários
O analista de movimentos sociais da TVT, Douglas Belchior, criticou a declaração do comando da PM paulista, que em nota afirmou que policiais que praticam atos como os da chacina de Osasco e Barueri são “bandidos que integram temporariamente a instituição”. O comunicado foi uma reação a uma charge postada pelo advogado Ariel de Castro Alves – mas que circula há muito mais tempo nas redes sociais – que mostra um policial fardado durante o dia e encapuzado à noite. A PM acusa o advogado, integrante do grupo Tortura Nunca Mais e da coordenação estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos de São Paulo, de cometer injustiça pela “crítica generalizada”. Douglas afirmou que é prática da PM, nos casos de grande repercussão em que policiais estão envolvidos em episódios de violência, tentar individualizar a culpa e criar “bode expiatório” para tirar o peso da responsabilidade pelos atos criminosos da instituição e do governo estadual, responsável pelo comando da polícia. bit.ly/rba_chacina_sp
PAULO PEPE/RBA
Transposição insegura
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Jair Simão Ferreira
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REVISTA DO BRASIL
O Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo aprovou licenciamento para a transposição de água da bacia do Rio Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira, ao custo de R$ 830 milhões. Porém, o acordo federativo realizado entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais para manutenção do volume de água do reservatório de Jaguari ainda não foi efetivado e pode pôr em risco a segurança hídrica da região do Vale do Paraíba e do Rio de Janeiro. A transposição é considerada a principal obra para enfrentamento da crise hídrica pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). Serão 20 quilômetros de dutos, parte seguindo trechos de estradas vicinais e parte em túneis sob áreas de preservação. Jair Simão Ferreira, da Associação de Pescadores de Santa Isabel, teme desabastecimento. “Hoje quase não conseguimos fazer captação para a cidade. Como vamos ter garantia de que não vamos ficar sem água?” bit.ly/rba_santa_isabel
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ECONOMIA
GERARDO LAZZARI/BANCÁRIOS SP
SENHORES DO AJUSTE
Estruturado desde os anos 1950 para viver de renda e títulos públicos, sistema bancário brasileiro desfruta dos juros, vira sócio do ajuste e cúmplice do desemprego, e engorda os lucros em plena crise Por Paulo Donizetti de Souza 10
SETEMBRO 2015
REVISTA DO BRASIL
E
m recente entrevista a um jornal, o dono do Itaú Unibanco, Roberto Setúbal, fez menção à chamada Agenda Brasil, um conjunto de sugestões de políticas de governo a ser negociadas entre Planalto e Congresso. A “agenda” é assinada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), embora digam as más línguas que teria sido escrita por outras mãos. Setúbal disse que a iniciativa dá alguns “passos”, mas são medidas modestas, “para ir levando o país a sair um pouco dessa crise”. O banqueiro defende reformas mais amplas. Não menciona, por exemplo, a tributária, para que acionistas de grandes empresas, como ele, paguem mais impostos sobre seus lucros e para que o país arrecade mais. Mas acentua o que seria uma prioridade: “Reforma trabalhista”.
ECONOMIA
NÃO TEM PERDÃO Manifestação da campanha nacional dos bancários denuncia os pecados capitais do sistema financeiro
Segundo Setúbal, o Brasil é um dos países com mais processos no mundo. “No Japão há 7 mil ações trabalhistas. Nos Estados Unidos, não chegam a 70 mil. No Brasil, temos alguns milhões. Criou-se uma indústria de ação trabalhista, que é um negócio que precisa ser repensado.” Indagado se não seria porque há muito desrespeito a direitos dos trabalhadores, rebateu que o problema é a legislação: “Nenhuma empresa consegue cumprir”. No primeiro semestre deste ano, cada um dos seus 85 mil funcionários propor-
cionou, em média, um lucro de R$ 140 mil aos acionistas do Itaú, fazendo com que o banco atingisse resultado líquido recorde de quase R$ 12 bilhões. Ainda assim, deve ser tarefa árdua cumprir a legislação, mas o banqueiro garante que se esforça. “O Itaú tem enorme dedicação a isso, somos superlegalistas, mas simplesmente é impossível cumprir todos os detalhes.” Maria José (nome fictício), 30 anos, sentiu na pele essa “impossibilidade”. Há poucas semanas, foi despedida por justa causa, sem no entanto saber por quê. Em 11 anos na área administrativa do Itaú, Maria teve sucessivas boas avaliações. “Fazia horas extras frequentes, durante a semana, aos sábados, trabalhava direitinho, ia além das expectativas. Era tida como exemplar. De repente, alegam alguma coisa relacionada a conduta, sem especificar, e me mandam embora por justa causa”, diz. A bancária tornou-se, assim, mais uma das “milhões” de pessoas a acionar na Justiça empresas que não cumprem todos os “detalhes”. A reportagem pergunta se ela não teme ser identificada pela singularidade do caso, mesmo não informando o nome verdadeiro. “Não há singularidade. Tem acontecido com muita gente. São casos de justa causa sem causa. E muitas demissões de gente próxima de se aposentar. É humilhante, e um terror para quem fica, porque se ser funcionário exemplar não basta...” Em 12 meses completados em 30 de junho, o Itaú Unibanco demitiu 2.392 pessoas. Seu concorrente direto, o Bradesco, cortou 5.125. Entre os três maiores privados, o Santander foi o único que apresentou saldo positivo, contratou 1.485 a mais do que os que demitiu. A conduta, no entanto, não é de tirar o chapéu. Segundo a subseção do Dieese no Sindicato dos Bancários de São Paulo, mesmo com as admissões o banco espanhol apresentou no balanço de junho despesas com pessoal apenas 7,8% maiores do que no ano anterior – menos, portanto, que os reajustes salariais de 8,5% a 9% (nos pisos) aplicados. Sinal, segundo o Dieese, de que o Santander pratica uma alta rotatividade, e que os admitidos chegaram ganhando muito menos do que os demitidos – prática comum nos grandes bancos.
A analista de operações Noêmia Carvalho, de 37 anos, foi demitida da área de recuperação de crédito em abril, depois de 16 anos de Santander – vinda do antigo banco Real. Atuando nos últimos quatro anos em análise de restrições financeiras e relacionamento com o Banco Central, serviço de atendimento ao cliente de agências e ouvidoria, Noêmia observou uma substituição constante de pessoal efetivo por terceirizado. E viu jovens aprendizes e estagiários assumindo múltiplas tarefas antes a cargo de pessoas mais experientes. “Passamos a deparar com uma situação em que de cada dez funcionários, apenas dois ou três eram contratados diretos, atuando como prepostos do banco para atuar com os terceiros. Foi um evidente movimento de corte de custos com funcionários”, diz. A situação torna a proteção aos empregos uma das prioridades do Comando Nacional dos Bancários, que está em processo de negociação com a federação dos bancos, a Fenaban, para renovação da convenção coletiva nacional de trabalho – a data-base é 1º de setembro. De acordo como o comando, um estudo feito com base na Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego, revela que nos últimos quatro anos os salários dos contratados são 42% inferiores aos dos que saíram. Além disso, a compra do HSBC pelo Bradesco causa apreensão na categoria, já que não há caso de processo de aquisição que não tenha resultado em enxugamento de quadros de pessoal – embora o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, tenha prometido uma “transição respeitosa” com os funcionários. Também preocupa o setor a meta, recentemente anunciada pelo Itaú em reunião de acionistas, de avançar na substituição de suas 3.863 agências físicas por agências digitais. O banco de Roberto Setúbal prevê o fechamento de 15% das “agências de tijolo” em três anos, e de metade delas em dez anos. Atualmente, 70% dos funcionários da instituição estão nessas unidades. REVISTA DO BRASIL
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ECONOMIA
Lucro líquido dos bancos n Total Junho 2014 – 28.286.467
n Total Junho 2015 – 33.351.226
n Total Variação 2011/2012 – 17,9% VARIAÇÃO 2011/2012
VARIAÇÃO 2011/2012 VARIAÇÃO 2011/2012
5.438.000
11,5% 6.065.000
20,6%
11.717.000 9.318.000
8.778.000
VARIAÇÃO 2011/2012
2,8%
25,7%
7.277.000
VARIAÇÃO 2011/2012
3.483.226
3.389.467
15,5%
2.864.000
3.308.000
BB
BB
Caixa Federal
Caixa Federal
Bradesco
Bradesco
Itaú Unibanco
Itaú Unibanco
Santander
Santander
JUNHO 2014
JUNHO 2015
JUNHO 2014
JUNHO 2015
JUNHO 2014
JUNHO 2015
JUNHO 2014
JUNHO 2015
JUNHO 2014
JUNHO 2015
Emprego: bancos selecionados Banco Banco do Brasil
Junho 2014
Junho 2015
Lucro líquido por empregado
Variação relativa | absoluta
Junho 2014
Banco
Junho 2015
Variação
111.547
112.325
0,70%
778
Banco do Brasil
48.750,75
53.995,10
11%
Caixa Econômica Federal
99.775
97.922
-1,86%
-1.853
Caixa Econômica Federal
33.971,10
35.571,43
5%
Bradesco
99.027
93.902
-5,18%
-5.125
Bradesco
Itaú Unibanco
87.420
85.028
-2,74%
-2.392
Itaú Unibanco
Santander
48.760
50.245
3,05%
1.485
446.529
439.422
-1,59%
-7.107
Total
Santander Total
73.485,01
93.480,44
27%
106.588,88
137.801,67
29%
58.736,67
65.837,40
12%
63.347,44
75.897,94
20%
Resultado com Títulos e Valores Mobiliários (TVM) n Total Junho 2014 – 69.006.520
VARIAÇÃO
n Total Junho 2015 – 109.609.463
n Total Variação – 58,8%
58,7%
VARIAÇÃO
29.621.658
VARIAÇÃO
VARIAÇÃO 18.665.697
95,1% 29.754.009
44,8% 22.088.530
30,7% 17.376.527 15.250.081
15.249.692
VARIAÇÃO
64,5%
13.296.524 10.768.739 6.544.526 Banco do Brasil
Banco do Brasil
JUNHO 2014
JUNHO 2015
12
SETEMBRO 2015
Caixa Caixa Econômica Econômica Federal Federal JUNHO 2014
REVISTA DO BRASIL
JUNHO 2015
Bradesco
Bradesco
Itaú Unibanco
Itaú Unibanco
Santander
Santander
JUNHO 2014
JUNHO 2015
JUNHO 2014
JUNHO 2015
JUNHO 2014
JUNHO 2015
REGIS FILHO/VALOR/ FOLHAPRESS
MARCOS DE PAULA/AGÊNCIA ESTADO
ECONOMIA
SÓCIOS DO AJUSTE O Itaú Unibanco de Setúbal pretende fechar agências de “tijolo”– onde trabalham 70% de seus funcionários –, e substituí-las por agências digitais. Trabuco, do Bradesco, promete com a aquisição do HSBC “transição respeitosa”com os empregos
“Queremos avançar na questão do respeito aos empregos e da contratação de mais bancários para melhorar as condições de trabalho e atendimento. Não há razão para um setor que ganha tanto terceirizar, usar a rotatividade, a tecnologia para demitir e reduzir custos”, diz a presidenta do sindicato, Juvandia Moreira.
Nunca antes
Ao alcançar a soma de R$ 24 bilhões de lucros em seis meses, de janeiro a junho, do três maiores bancos privados do país ostentam situação incompatível com a realidade econômica brasileira. Enquanto a previsão para a variação do PIB para os próximos dois anos é sombria, de menos 2%, o resultado líquido do Itaú Unibanco é 25,7% superior ao do primeiro semestre do ano passado. Ao passo em que a arrecadação do país – União, estados e municípios – sofre com a queda da atividade econômica, o ganho do Bradesco, de R$ 8,8 bilhões, é 20,6% mais gordo. E num período em que as taxas de desemprego apontam para cima e a renda média do trabalho, para baixo, o Santander comemora um salto de 15,5% em seu lucro semestral, para R$ 3,3 bilhões. Parte desse resultado vem da força do trabalho. Assim como o Itaú aumentou em 29,2% o lucro líquido médio proporcionado por funcionário, o Bradesco alcançou de R$ 93,4 mil (mais 27,2%) e o Santander, R$ 66 mil (mais 12,1%). Outra parte vem das tarifas pagas pelos clientes
– foram R$ 32,5 bilhões em receitas “com prestação de serviços” nos três maiores bancos privados de janeiro a junho – e dos juros dos empréstimos que tomam – as receitas com operações de crédito somaram R$ 95,6 bilhões. Há ainda uma outra fonte importante de renda para os bancos: a dívida pública. Na comparação com o primeiro semestre de 2014, o resultado do Itaú Unibanco com Títulos e Valores Mobiliários (TVM) cresceu 95,1%, o do Bradesco 44,8% e o do Santander 64,5%. Os três somados arrecadaram R$ 62,6 bilhões com TVM, em que têm grande peso os títulos da dívida da União remunerados com base na taxa básica de juros do Banco Central, a Selic, que está em 14,25% e proporciona ganhos reais (acima da inflação), próximos de 4% ao ano. Para o governo, lançado a um regime de ajuste fiscal desde o início do segundo mandato de Dilma Rousseff com objetivo de fazer sobrar dinheiro para fechar as contas, os juros da dívida representaram apenas no primeiro semestre uma despesa de R$ 225 bilhões. A pretexto de ajudar a controlar a inflação e ajudar o país a atravessar um momento de crise, que o governo calcula durar até 2016, a política de juros – além de engordar os ganhos financeiros de quem aposta neles – esfria a atividade econômica. E a queda no nível de empregos e de renda faz a máquina dos setores dinâmicos da economia, como indústria e comércio, parar.
Raciocínio ilógico
O professor José Carlos Braga, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lamenta que o governo Dilma tenha recuado da batalha contra a financeirização da economia, que marcou boa parte de seu primeiro mandato. A partir de agosto de 2011, a taxa Selic passou por sucessivas reuniões no Comitê de Política Monetária, batendo em outubro de 2012 em seu mais baixo patamar histórico, 7,25% ao ano, ante uma inflação de 5,45% (taxa realde 1,7%). “Naquele movimento, Dilma se configurava como a primeira presidente, desde Getúlio Vargas em 1952, a buscar uma política de enfrentamento às chamadas altas finanças, nas quais podemos incluir os bancos, mas também a tesouraria das grandes empresas, que fazem altos investimentos no mercado especulativo”, diz. Como não veio a esperada recuperação da economia mundial desencadeada após a crise de 2008, faltaram ao país os investimentos internos do setor produtivo privado necessários para estabelecer uma nova matriz de desenvolvimento. Braga não descarta uma conspiração do mundo das altas finanças tenha forçado o governo a retroceder, de modo a devolver o sistema financeiro ao seu tradicional modus operandi. “O sistema bancário do país não é partícipe do processo de industrialização como é tradição dos países em que políticas industriais se REVISTA DO BRASIL
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13
GERARDO LAZZARI/BANCÁRIOS SP
CAMPANHA NACIONAL “Não há razão para um setor que ganha tanto terceirizar, usar a rotatividade e a tecnologia para demitir”, diz a presidenta do sindicato, Juvandia Moreira
desenvolveram e se internacionalizaram. Desde o Plano de Metas de JK, nos anos 1950, se constituiu-se um sistema bancário privado inapto a apoiar o desenvolvimento”, lembra. O governo chegou a caminhar nessa direção. Houve acúmulo de conquistas sociais, inclusão, redução de desigualdades, criação de empregos, elevação da renda, fortes componentes para abastecer a atividade econômica, como observa o economista. Os bancos públicos – Banco do Brasil, Caixa Federal, BNDES, Banco do Nordeste –, cada um em seu nicho, exerceram papel determinante para forçar os bancos privados a adequar suas políticas de crédito. “Mas faltou continuidade. Não houve uma reestruturação para dar sequência a isso, com o setor privado sendo protagonista, e não apenas beneficiário, do processo de desenvolvimento.” Para Braga, no momento em que esse novo cenário se desenhava “para valer” – a partir da articulação dos bancos públicos – veio a reação política das forças atuantes na estrutura econômica do país. “Por trás dessa reação estão interesses dos que repelem o fato de o país ter bancos públicos com esse potencial, o único da América Latina. O México já teve, o Chile, e tiveram seu papel extremamente reduzido. Há economistas por aí que não escondem que defendem o mesmo aqui, como repassar os recursos do BNDES para a gestão dos bancos privados”, alerta. 14
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REVISTA DO BRASIL
Medidas conectadas
Os bancos públicos brasileiros que atuam no varejo incomodam, até porque fazem a disputa comercial com o mercado privado. Banco do Brasil e Caixa tiveram juntos no primeiro semestre lucro líquido de R$ 6 bilhões e R$ 3,5 bilhões, respectivamente, com crescimento de 11,5% e 2,8% sobre igual período de 2014. Enquanto o BB apresentou pequeno saldo positivo no número de empregados (crescimento de 0,7%, para 112 mil), a Caixa perdeu 1.853 postos de trabalho (queda de 1,86%, para 98 mil empregados). Ambas as instituições, além de pisar no freio nas concessões de empréstimos com que vinham puxando o mercado de crédito no primeiro governo, também desfrutaram em seus balanços da política de juros altos do BC. Seus resultados com Títulos de Valores Mobiliários somaram R$ 47 bilhões de janeiro a junho, com aumento de 58,7% no BB em relação aos primeiros seis meses do ano passado, e de 30,7% na Caixa. Ao iniciar o segundo semestre em busca de atenuar os impactos da crise política e econômica, o governo voltou a lançar mão de alguns estímulos ao mercado interno por meio dos bancos que controla. Foram criadas algumas linhas de financiamento voltadas a estimular as vendas de veículos e ofertas de crédito com juros reduzidos para empresas que não demitirem. “Que sentido têm essas
medidas com uma Selic desse tamanho? Parece cômico, se não fosse trágico”, critica Braga. “O país precisa de movimento conjunto de medidas estruturais e conectadas. Sabemos que é forte a resistência, e hoje devemos lamentar que quando houve alguma força política para isso ela não foi utilizada”, observa o professor, referindo-se ao período que vai do final do segundo mandato de Lula, após o estouro da crise de dimensões globais de 2008, ao primeiro mandato de Dilma. “Se a trajetória do sistema bancário brasileiro sempre foi de papel passivo na economia, beneficiário dos títulos da dívida pública, faltou ousadia ao governo para reverter.” A política econômica teria de ser a da “cenoura e do cassetete”, defende o economista referindo-se à expressão de origem inglesa carrot and stick, que ilustra o gesto do cavaleiro que tanto pode fazer o animal correr pendurando uma cenoura à sua frente, ou dando-lhe pauladas no lombo. Ele explica: “Para banco que participa do processo produtivo, estimulando o desenvolvimento e tudo o que decorre dele – emprego, renda, arrecadação – dá-se um tratamento leve pelo Fisco, cenoura. Para bancos que preferem o jogo rentista do mercado, tratamento fiscal mais rigoroso, pau. Mas isso como política estrutural, e não pontual.” No Brasil, lembra Braga, a desindustrialização vem desde os anos 1990 e nada foi feito para detê-la. “País desenvolvido que se preza não abre mão de construir uma estrutura industrial vigorosa”, afirma. O economista encara com ceticismo as previsões da equipe econômica de que o momento crítico seja “passageiro” e se estenda até 2016, para então se iniciar o “novo ciclo de desenvolvimento” prometido por Dilma em sua campanha. “Que raciocínio pode sustentar essa estimativa? É possível que seja uma crise passageira? É. Mas desde que se imponha outra forma de enfrentamento, que não seja esse que leva à recessão, ou à estagnação. Estamos em plena contramão. Se foi ruim para a Grécia, não será bom para o Brasil.”
MARCIO POCHMANN
O brasileiro é bem assistido? Ainda em débito com direitos determinados por sua Constituição, o país não precisa de cortes nos gastos sociais e de investimentos, mas de alteração na política de ajuste fiscal
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política de ajuste monetário e fiscal completou oito meses de duração sem ainda produzir resultados positivos, conforme inicialmente anunciados. Não apenas a inflação encontra-se acima da verificada no final de 2014, como a situação das contas públicas agravou-se. A recessão que avançou trouxe consigo a piora no quadro socioeconômico brasileiro, possibilitando que o pensamento neoliberal tomasse coragem para apontar para a necessidade de desconstitucionalizar direitos sociais – sob a justificativa de que a Constituição de 1988 teria tornado insustentável o equilíbrio nas contas públicas pela pressão constante dos gastos sociais. Explica-se que os neoliberais identificam que os interesses do conjunto do povo brasileiro não caberiam na economia nacional. Assim, a economia iria melhor se fossem cortados recursos destinados a expandir direitos sociais estabelecidos pela Constituição. Em grande medida, essa proposição ganha relevância atual porque a adoção das políticas de corte neoliberal em 2015 não levou, pelo menos até o momento, à redução da relação da dívida pública com o Produto Interno Bruto (PIB), pelo contrário. Apesar dos cortes nos gastos e investimentos públicos, o endividamento do Estado tem crescido por força da elevação brutal na taxa de juros que remunera os títulos financeiros, ao passo que o encolhimento próximo de 2% do PIB do ano passado para este força o aumento da relação dívida/PIB. Em síntese, o agravamento das contas públicas indica a dificuldade de fazer o ajuste fiscal paralelamente à contenção da economia. O desemprego aumenta rapidamente com a queda do poder aquisitivo
das remunerações, tornando menor o nível de atividade e, por consequência, decadente a capacidade de arrecadação tributária governamental. Com a contenção da arrecadação tributária em velocidade superior ao corte dos gastos e investimentos, a meta fiscal se mantém cada vez mais distante. Para os neoliberais, a razão do insucesso não está nos equívocos da política, mas na insuficiência dos cortes no orçamento governamental e nos custos dos direitos sociais estabelecidos pela Constituição. A sequência, nesse sentido, é o maior estímulo à recessão. Tomando como comparação países com programas sociais estabelecidos, percebe-se que o Brasil detém ainda direitos que estão longe de permitir definir uma excelência em assistência social. Tomando-se, por exemplo, um programa de garantia de renda, como o Bolsa Família, registra-se que no ano de 2011 o valor médio pago pelo governo federal equivalia a apenas 9% da renda média do brasileiro. Para o mesmo ano, programas de garantias de renda equivalentes ao Bolsa Família correspondiam a 63% da renda média na Dinamarca, 51% na Irlanda, 45% na Bélgica, 38% na Holanda, 36% na Espanha, 28% em Portugal e França, 23% na Alemanha e 22% na Inglaterra. Ademais de serem países com a renda média bem maior que a do Brasil, sustentam mecanismos de garantia de renda muito superior. Esse singelo exemplo permite evitar argumentos neoliberais em favor da desconstituição dos direitos sociais brasileiros. O país não precisa de mais cortes nos gastos sociais e de investimentos, mas de alteração na política de ajuste fiscal e monetário, capaz de permitir a melhora nas contas públicas, com o crescimento do PIB, e a redução das despesas financeiras com o pagamento dos juros da dívida pública. REVISTA DO BRASIL
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TRABALHO
AUGUSTO (CAU) COELHO/COMUNICAMERA/CUT
A CUT contra a recessão
SEM RETROCESSO Ato em Brasília contra o projeto da terceirização
Central realiza o seu 12º congresso de olho no governo. Quer mais diálogo e mudanças na economia, mas sem aceitar virada de mesa na política Por Vitor Nuzzi
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rês anos atrás, quando realizou o seu 11º congresso nacional, a CUT se preocupava com um possível cenário desfavorável na economia e esperava mais disputas dentro do governo, à esquerda e à direita. A crise na economia veio, acompanhada de um furacão político, temas que estarão mais do que presentes no próximo congresso, de 13 a 17 de outubro, em São Paulo. Enquanto procura influenciar o governo para mudanças nas diretrizes econômicas, a central tromba com um Congresso de perfil mais conservador e critica a falta de reação de dirigentes partidários, particularmente do PT. E ao mesmo tempo em que cobra ações do Planalto, principalmente em relação à política econômica “errática e recessiva”, vai à rua para defender o mandato presidencial, ou as instituições.
A ofensiva não se limita ao Brasil, vale para a América Latina, diz o secretário-geral da CUT, Sérgio Nobre, coordenador do congresso e da Articulação Sindical, maior tendência interna da central, apontando um “projeto da direita” na região e alertando para riscos. “Se você perde a democracia, não avança em direitos. Também não estamos felizes com o governo, e deixamos isso muito claro. Podem ir à rua, se manifestar, mas têm de respeitar o mandato da presidenta (Dilma Rousseff)”, afirma Sérgio Nobre, destacando a presença de uma grande delegação internacional no evento. “Uma guinada à direita no Brasil influenciaria toda a região”, afirma. Nobre cita um exemplo, no movimento, sindical da importância que o país assumiu no mundo: a eleição de João Felício, dirigente da CUT, para a Confederação Sindical Internacional. Para ele,
ROBERTO PARIZOTTI/CUT
RODRIGO FÉLIX LEAL/FUTURA PRESS
TRABALHO
LULA MARQUES/AGÊNCIA PT
MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
CONGRESSO Com perspectiva de chapa única no Concut, expectativa é recondução de Vagner Freitas na presidência
o PT é o alvo da vez, mas não o único. O movimento sindical também será objeto de uma política contínua de desqualificação. “É um cenário que nos preocupa.” As forças políticas que atuam na CUT convergem na avaliação de que o governo Dilma decepcionou no início de seu segundo mandato, adotando medidas que contrariaram o discurso da campanha eleitoral. Naquele momento, de acor-
DISPUTA DA AGENDA Atos da CUT e movimentos sociais, como os de 20 de agosto, cobram governo, mas defendem instituições
do com documento de análise feito pela central, o estafe de Dilma “optou por convencer o eleitor fazendo uma guinada à esquerda, apresentando possibilidades para um quarto mandato de maior aprofundamento das políticas sociais e de democratização do Estado”. Não foi o que aconteceu, frustrando os sindicalistas e provocando insatisfação nas bases sociais. Esse debate deverá dar o tom do congresso, que reunirá 2.300 delegados. Com perspectiva de formação de chapa única, eles deverão reconduzir Vagner Freitas à presidência. A questão, segundo Sérgio Nobre, é mudar a agenda. Para ele, hoje o Brasil discute Lava Jato ou inflação, mas não o crescimento, e é preciso denunciar os efeitos da operação que “parou a economia brasileira” e criminalizou empresas importantes. Mas é necessário também mudar rumos no Executivo. “Nenhum governo consegue se sustentar se não despertar esperança no seu povo. O problema é que a agenda do governo está distante de seu eleitorado. Tem de mexer no time, e mudar o centro da política. A agenda não é combate à inflação, é voltar a crescer. A crise começou na política, contaminou a economia e agora está contaminando o social.” Mas não é só o comportamento do Executivo o problema. Para Nobre, o finan-
ciamento empresarial de campanhas eleitorais distorce a correlação de forças. “O povo olha para o Congresso Nacional e não vê a sua agenda lá.” Isso não significa aceitar propostas de interrupção do mandato. “As nossas críticas não são para apear Dilma do poder, porque não tem elemento nenhum para isso. Isso é golpe, não tem outro nome. Não é defesa da Dilma, mas das instituições”, afirma Nobre. A opção Aécio, diz ele, significaria privatização, criminalização dos movimentos sociais, falta de negociação. “Não é da tradição deles. Eles não dialogam. O governo Dilma pode ter todos os problemas do mundo, mas os espaços de negociação estão preservados.”
Base social
O secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney, lamenta a nomeação de Joaquim Levy – “filho da escola de Chicago” –, para a Fazenda, convocado para dar um “tranco” na economia. “O governo erra ao botar a economia acima da política. E perde base social”, afirma o dirigente, ligado à corrente Articulação de Esquerda. Ele lamenta oportunidades perdidas de crescimento e acredita que a política econômica estará no centro da discussão durante o congresso. “O país tinha todas as condições de ter a segunda década de crescimento, sem paREVISTA DO BRASIL
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MUDANÇAS “A agenda do governo se distanciou de seu eleitorado”, diz Sérgio Nobre
tratificação” da classe trabalhadora como classe média. As críticas também vão para o PT, que para ele não discutiu estrategicamente o programa histórico a ser aplicado no governo. “Não está defendendo a sua própria história, e corre o risco perder o legado histórico.” Solaney cita o porto de Suape, em Pernambuco, como exemplo de desenvolvimento a partir de uma visão estratégica, com uma carteira de 22 navios encomendados, dos quais cinco foram produzidos. “Eram 22 mil trabalhadores, agora tem 6 mil. Havia um processo de transferência de tecnologia,
AUGUSTO (CAU) COELHO/COMUNICAMERA/CUT
rar. A tendência era de crescimento chinês mesmo. Para isso, a política está na frente de tudo. A política tem de dizer para onde vai a economia”, diz Solaney, ao comparar a gestão anterior e a atual. “Lula estava dizendo ao empresário brasileiro para investir. Dilma incorpora a tese da inflação de demanda”, afirma o dirigente. Ele também critica opositores: “Nenhum país merece uma elite dessa, que prefere quebrar o país, suas próprias empresas, para derrubar um governo e um projeto de país”. Faltou também discutir reformas (política, dos meios de comunicação, urbana) quando o cenário era mais propício, acredita Solaney. Para ele, com uma política de aliança de classes desde o governo Lula, prevaleceu a tese “antes uma péssima negociação do que uma boa briga”. E lamenta: “Não fizemos as boas brigas, possíveis e necessárias, com chance de êxito”. Ele lembra que, antes mesmo da posse, o governo causou surpresa ao anunciar, sem discussão, as medidas provisórias 664 e 665, que restrigiam acesso a benefícios sociais. No início do ano, surgiu o debate sobre abertura de capital da Caixa Econômica Federal, “uma empresa histórica, que tem função estratégica”. “O governo foi eleito para aprofundar as políticas (sociais), com mais investimento, mais presença do Estado”, diz Solaney, que também considera um erro a “rees-
ADONIS GUERRA/SMABC
TRABALHO
AUTORIDADE Para Júlio Turra, quem trabalhou para eleger tem de cobrar
ROBERTO PARIZOTTI/CUT
Paridade e mandato maior
ROSANE “Esforço pela paridade é coletivo”
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Uma das novidades deste congresso nacional da CUT será a aplicação, pela primeira vez, do conceito de paridade de gêneros. Os cargos na diretoria serão divididos entre homens e mulheres. A alteração foi aprovada em 2012, em um dos principais debates daquele congresso. A secretária da Mulher Trabalhadora da central, Rosane da Silva, destaca o esforço conjunto para concretizar a mudança. “Não tem sido uma tarefa só das mulheres. Tem um envolvimento e um compromisso coletivo pela paridade”, afirma. Concretizada a mudança, a executiva nacional da CUT deverá ter 16 homens e 16 mulheres, ante as dez atuais. Nas origens da entidade, era apenas uma (Rosiver Pavan). Outra alteração a ser aprovada no
Concut trata da duração do mandato, de três para quatro anos. A decisão saiu de plenária nacional realizada em 2014. Durante o congresso, também será entregue o relatório da Comissão Nacional Memória, Verdade e Justiça da CUT, organizado pelo Centro de Documentação (Cedoc) da entidade. “Tem nomes de trabalhadores mortos em conflitos que não foram citados no relatório da Comissão Nacional da Verdade. Queremos que sejam validados pela Comissão de Anistia”, diz o secretário de Políticas Sociais, Expedito Solaney, que representou a central no grupo de trabalho sobre o movimento sindical da CNV. “É uma forma de resgatar a memória da classe trabalhadora, que foi quem pagou mais caro no golpe e ao longo do regime militar”.
emprego, renda, cadeia produtiva, portos interligados com a Transnordestina (paraescoamentodeprodutos).Issoédecisão política.”
Burrice
A secretária de Mulher Trabalhadora da CUT, Rosane da Silva, critica a mudança de uma política “desenvolvimentista”, até 2012, para uma de “viés neoliberal”, que prejudica setores mais vulneráveis da sociedade. “A gente não tem como explicar aos trabalhadores por que o governo mudou o calendário do PIS. É uma bur-
PORTO DE SUAPE Para dirigente, exemplo de decisão política
rice inexplicável, uma economia burra”, exemplifica Rosane, da corrente CUT Socialista e Democrática (CSD). Ela também identifica uma mudança, para pior, na condução da economia. “No início de seu (primeiro) governo, Dilma enfrentou os bancos”, diz Rosane. “Havia um ânimo muito forte (em relação ao governo), que iria enfrentar problemas estruturais.” Diante de uma direita mais organizada, querendo ver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na prisão e o PT na ilegalidade, a dirigente acredita que o partido deveria ter mais iniciativa política. “O PT fica esperando os movimentos sociais, não consegue ser esse fio condutor de aglutinação da esquerda.” Rosane espera que o congresso da CUT dê novo fôlego para o próximo período – permitindo apresentar e discutir uma agenda positiva, em vez de reativa. Mas espera mais do governo. “Quem pode dar sustentação ao governo da Dilma é a classe trabalhadora, são os movimentos sociais. Até agora, o nosso projeto, vitorioso em 2014, não foi executado.” Sérgio Nobre vê um “choque natural” na relação entre o PT e o governo, mas identifica falta de diálogo entre o Planalto e a bancada do partido. “Acho que a guinada do governo na politica econômica aumentou a diferença.” Mas ele espera renovação no próximo congresso do partido, com maior presença de representantes dos movimentos sociais. Para ele, a criação de uma frente de esquerda abre oportunidade para uma discussão estratégica sobre o país. Algo que a CUT es-
ROBERTO PARIZOTTI/CUT
O diretor-executivo Júlio Turra (da corrente CUT Independente e de Luta) lembra de um encontro em março com o secretário-geral da Presidência da República, Miguel Rossetto, quando a central deixou clara a sua posição contrária à política econômica, segundo ele semelhante a medidas de austeridade aplicadas na Europa, “fazendo superávit para remunerar bancos e credores da dívida pública, contenção de salários, da demanda e do consumo popular”, e se desvencilhando das responsabilidades do Estado em infraestrutura. Ele também critica a falta de posição do governo em relação ao projeto de lei sobre terceirização, aprovado na Câmara e agora em tramitação no Senado. “É uma espada de Dâmocles, uma espada permanente sobre a cabeça do trabalhadores.” E vê o PT “na defensiva, sem tomar iniciativas” – em crise que não se sabe quando acabará. Para Turra, a queda de popularidade se explica, em parte, pelo distanciamento do governo de suas bases sociais. “Só não está em uma posição mais difícil porque a CUT polarizou esse movimento de resistência. Isso forjou uma grande unidade dentro da CUT. Quem tem autoridade para cobrar mudanças são aqueles que o elegeram”, afirma. “Sem mudanças na política, o governo vai de olhos vendados para o abismo.” Ele também avalia que, em 12 anos, nenhuma reforma estrutural foi feita. “Estão todas pendentes”, diz, lamentando o “arremedo de reforma política” feito pelo Congresso. “O que não é mais do mesmo, piora.”
DANIELA NADER/SUAPE
Defensiva
DECISÃO Solaney lamenta chances perdidas
tá pensando, ao trabalhar em um projeto econômico alternativo. Para o dirigente, é preciso pensar em reforma política que aprimore a democracia, em valorização da negociação coletiva, política industrial, fortalecimento de um empresariado nacional, “com interesse no desenvolvimento do país”. O “momento mágico” de 2010 passou. A conjuntura muda rápido, observa Nobre. Segundo seus dirigentes, a CUT quer preservar a visão crítica em relação ao governo, de quem espera mais diálogo, e nos rumos na economia, que já mostra seus efeitos no mercado de trabalho. Sem fechar os olhos para setores da sociedade que, em vez de discutir o país, apostam no caos. REVISTA DO BRASIL
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O DESAFIO DA ENERGIA LIMPA 20
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A produção brasileira de energia eólica e de biomassa cresceu nos últimos anos. Mas o país ainda patina em energia solar, em infraestrutura e inovação para depender menos das hidrelétricas e térmicas
QUEDA D’ÀGUA As hidrelétricas respondem atualmente por 66% da energia gerada no país. Há duas décadas, eram 88%
USINA EÓLICA EM BARRA DE CAMARATUBA, PARAÍBA. FOTO: KLEIDE TEIXEIRA/OLHAR IMAGEM
UHE MAUÁ, PARANÁ. FOTO: DIVULGAÇÃO
Por Maurício Thuswohl
omo evoluiu a matriz energética brasileira nesses 23 anos transcorridos desde que o país foi anfitrião da ECO-92, a histórica conferência global sobre meio ambiente realizada no Rio de Janeiro? Desde então, o Brasil se tornou protagonista em discussões ambientais que resultaram, entre outras coisas, na elaboração da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU e na geração do seu “filho” mais famoso, o Protocolo de Kyoto, documento por meio do qual as nações se comprometeram a reduzir suas emissões de gases provocadores do efeito estufa (GEE). Passaram-se os anos e Kyoto expirou – espera-se que sua continuidade seja definida ainda este ano na COP-21, em Paris –, enquanto diversos países, inclusive o Brasil, declararam metas e compromissos voluntários de redução das emissões. Nesse cenário, cresce a busca global por fontes alternativas de energia que tenham produção mais limpa e pela redução da queima de lenha e de combustíveis fósseis, vilões do aquecimento do planeta. Sempre observado por conta do desmatamento na Amazônia e suas consequências para o agravamento do aquecimento da atmosfera, o Brasil costuma apresentar como trunfo sua matriz energética “limpa” e baseada na utilização de usinas hidrelétricas. É um fato, mas as hidrelétricas, que há poucos anos já foram responsáveis por mais de 80% da energia gerada no país, respondem em 2015 por “apenas” 66,6% da capacidade instalada nacional, segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME). Com as seguidas estiagens, a queda no nível dos reservatórios e o atraso na conclusão de grandes projetos como as usinas de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau, as hidrelétricas vêm perdendo espaço para as térmicas, que queimam óleo ou carvão e são muito mais poluentes. Estas já são responsáveis por quase um terço (29,7%) da atual capacidade instalada de energia no Brasil, segundo o MME. Enquanto isso, fontes de energia consideradas mais limpas, como a solar e a eólica, têm espaço e potencial para crescer no país, mas sua utilização em larga escala ainda depende da concretização de projetos e obras de infraestrutura. No que diz respeito à geração de energia eólica, os ventos parecem soprar a favor do Brasil. Segundo a Associação Mundial de Energia Eólica (WWEA, na sigla em inglês), o país registrou em 2014 o terceiro maior crescimento de mercado, atrás somente de Índia e Estados Unidos. O Brasil chegou ao fim de 2014 com 4.945 megawatts de capacidade eólica instalada e já em condições de operação comercial, de acordo com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). O setor saltou de 90 usinas em condições de operação em 2013 para 195 este ano, o que representa um aumento de 117%.
Conectar as regiões
Segundo o MME, a geração de energia eólica responde atualmente por 3,7% da capacidade instalada. A expectativa é de que, com os próximos leilões a serem realizados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), essa participação suba para 8% até 2018. REVISTA DO BRASIL
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Essa evolução, no entanto, pode ser atrapalhada pela falta de infraestrutura para a transmissão da energia gerada pelos ventos. Na avaliação do ministério, o país precisa fazer um investimento de R$ 6 bilhões para construir 4.087 quilômetros de novas linhas entre Bahia, Goiás, Minas Gerais e Espírito Santo. Outros R$ 600 milhões são necessários para a construção de 1.200 quilômetros de redes de interligação regional no Nordeste. O investimento estrutural é fundamental, pois somente quando for de fato estabelecida uma ampla rede de conexão entre as regiões produtoras e os maiores centros consumidores – localizados no Sul e Sudeste do país – a opção eólica se tornará economicamente viável. A expansão da geração eólica tem recebido investimentos. No principal Leilão de Fontes Alternativas do ano (FA 2015), realizado em abril, foram contratadas três novas usinas, todas localizadas na Bahia, com capacidade de 90 megawatts e previsão de entrega da energia para janeiro do ano que vem. O mais recente Leilão de Energia Elétrica, realizado pela EPE em julho e com entrega prevista para 2018, contratou 19 projetos de usinas eólicas, com capacidade instalada de 538,8 megawatts nos estados da Bahia, Ceará, Maranhão e Piauí. No total, foram contratados 29 projetos, com capacidade de 669,5 megawatts, correspondendo a investimentos de R$ 2,5 bilhões. O Leilão (A3-2015) teve a 22
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RENATO ARAÚJO/AGÊNCIA BRASIL
PAC MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO (2013)
TOCK M/ALAMY/LATINS SUE CUNNINGHA
BELO MONTE Os impactos ambientais da terceira maior hidrelétrica do mundo, na bacia do rio Xingu (PA), apontam que o caminho tem de ser outro. Na foto menor, protesto durante a Rio+20, em junho de 2012
TOLMASQUIM “Queremos diversificar a matriz elétrica”
participação recorde de 475 projetos eólicos. “Outros leilões para fontes alternativas acontecerão ainda este ano, o que certamente aumentará ainda mais a oferta eólica”, diz o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim. No primeiro trimestre de 2015, segundo o órgão, entraram em operação comercial 781,4 megawatts em novos empreendimentos eólicos, o que representa 49% do total de energia nova instalada no período. Segundo as previsões da EPE, a capacidade das usinas eólicas no Brasil será de 22,4 mil megawatts em 2023, o que, segundo o Plano Decenal de Energia (PDE 2023), representará 11,5% da capacidade instalada de produção de energia do país.
Lugar ao sol
Segundo os dados do MME, para 2015, a energia solar representa somente 0,01%
da matriz energética nacional, isso depois de um aumento de 207% em relação a 2014. A atual capacidade instalada de captação solar é de míseros 15 megawatts. Em um país que tem grande exposição ao sol o ano inteiro, o resultado mostra o quanto o setor tem espaço para crescer. O principal gargalo para o desenvolvimento dessa modalidade no Brasil, no entanto, continua sendo a falta de tecnologia nacional para a produção das chamadas placas fotovoltaicas e seus componentes, além de outros equipamentos. O governo tenta superar essa deficiência. O BNDES, por exemplo, aprovou este ano um financiamento de R$ 26 milhões para um projeto de nacionalização de componentes de painéis fotovoltaicos desenvolvido pela empresa alagoana Pure Energy. A operação, aprovada no âmbito do Plano Inova Energia, é a primeira aprovação de financiamento do banco para um projeto na cadeia de fornecedores de energia solar. A tecnologia a ser adotada pela Pure Energy é a de silício cristalino e foi escolhida, segundo a empresa, “devido a sua ampla aceitação no mercado e por ser uma tecnologia já dominada”. Ao mesmo tempo, a academia também mobiliza recursos para o desenvolvimento de tecnologias nacionais. Um projeto conduzido por pesquisadores do Núcleo de Tecnologia em Energia Solar (NT-Solar) da Faculdade de Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
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Capacidade energética do Brasil
Sul (PUC-RS), pretende criar placas solares mais eficientes que a média mundial, e a custos menores. O projeto já recebeu R$ 6 milhões em investimentos por meio de uma parceria entre Finep, Petrobras, Eletrosul e Companhia Nacional de Energia Elétrica. Os módulos, formados por 36 células solares, são capazes de converter 15,4% da energia solar em elétrica, enquanto a média mundial é de 14%. As melhores placas do mundo atingem o patamar de 16%. O objetivo final da pesquisa é fomentar a cadeia produtiva desse tipo de energia com materiais oriundos do mercado nacional. O esforço para desenvolver tecnologia própria e competitividade na geração de energia solar é acompanhado pelo estímulo à expansão do setor no país. A EPE marcou para 14 de agosto o 1º Leilão de Energia de Reserva 2015, voltado preferencialmente à contratação de energia solar. Foram credenciados 382 projetos, em um total ofertado de 12.528 megawatts, com previsão de início do suprimento para agosto de 2017 e prazo de 20 anos: “Queremos diversificar a matriz elétrica e propiciar uma competição isonômica e o atendimento à garantia de suprimento”, diz Tolmasquim.
1992 – Capacidade total – 55,03 GW Hidráulica (Hidrelétricas) – 47,7 GW (86,7%) Térmicas e outras (Gás Natural, Nuclear, Biomassa e Carvão) – 7,33 GW (13,3%)
2015 – Capacidade total – 133,9 GW
PAC MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO (PATROCÍNIO, MG, 2012) ANTONIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL (ABRIL 2015)
PAINÉIS SOLARES Obrigatoriedade em programas do Minha Casa Minha Vida destinados a famílias com renda até R$ 1.600 e convite (acima) para o governo adotar os painéis no Palácio do Planalto
Hidráulica – 89,22 GW (66,6%) Hidrelétricas – 89,22 GW (66,6%) Térmica – 39,78 GW (20,5%) Gás Natural – 12,77 GW (9,5%) Petróleo – 9,08 GW (6,8%) Carvão – 3,59 GW (2,7%)
Nuclear – 1,99 GW (1,5%) Alternativas – 17,335 GW (12,91%) Biomassa – 12,34 GW (9,2%) Eólica – 4,98 GW (3,7%) Solar – 0, 015 GW (0,01%)
2030 – Capacidade total – 224,9 GW* Hidráulica – 164,06 GW (77,1%) Hidrelétricas – 156,3 GW (69,5%) Pequenas centrais hidrelétricas (PCH) – 7,76 GW (7,6%) Térmica – 39,89 GW (17,3%) Gás Natural – 21,03 GW (9%) Nuclear – 7,34 GW (3,2%)
Carvão – 6,01 GW (2,7%) Outras – 5,5 GW (2,4%) Alternativas – 12,56 GW (6,1%) Biomassa da Cana – 6,57 GW (2,9%) Eólica – 4,68 GW Solar (2,1%) Resíduos Urbanos – 1,3 GW (0,6%) Solar – 1,18 (0,5%)
*Projeção de Empresa de Pesquisa Energética. A EPE não explica por que inclui as usinas PCH (de Pequenas Centrais Hidrelétricas, situadas em reservatórios de pequeno porte e de baixo impacto ambiental) entre as que considera alternativas nas projeções para 2030. Nem por que inclui a biomassa entre as alternativas na estimativa futura, embora a mantenha no quesito “térmica” REVISTA DO BRASIL
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BIOMASSA Geração de energia a partir do bagaço da cana-de-açúcar, em Maringá (PR)
do o MME, por somente 1,5% da capacidade instalada nacional. A construção de Angra 3 e a retomada de um programa nuclear, entretanto, fazem parte da agenda nacional de discussões, como admite o próprio governo. Uma sinalização dessa intenção foi a nomeação, em julho, do físico Rex Nazaré para a Diretoria de Projetos Estratégicos Nacionais da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), órgão subordinado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Nazaré foi o principal formulador e executor do programa de autonomia tecnológica nuclear que levou o Brasil a dominar o setor como um todo ainda na década de 1980: “Mas esse domínio não foi materializado por completo no ciclo de desenvolvimento de energia nuclear no Brasil. Pretendemos materializar essa autonomia de tecnologia nuclear agora, na efetiva produção do ciclo completo”, disse o presidente da Finep, Luís Fernandes, ao justificar a escolha do físico.
Norte e Nordeste, sol e ventos O crescimento da produção e oferta de energia eólica no Nordeste é particularmente notável, e a projeção da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é que até 2018 a região tenha mais de 15.000 megawatts de capacidade eólica instalada. Em três anos, somadas as fontes eólica, hidrelétrica e solar, o total da produção de energia limpa no Nordeste, segundo a Aneel, deverá ultrapassar o patamar de 27.000 megawatts, o que colocará a região atrás apenas da Região Norte neste quesito. Dos 341 projetos de energia recém-leiloados pela EPE, 283 ficam no Nordeste. A opção eólica tem sido fundamental no enfrentamento ao atual momento de crise hídrica. Se dependesse somente do desempenho das hidrelétricas, a produção atual no Nordeste estaria em 2.800 megawatts, bem abaixo da capacidade de 6.000 megawatts, o que levaria inevitavelmente a uma crise na oferta de energia. Isso não acontecendo, no entanto, graças à energia eólica gerada, principalmente, nos estados do Rio Grande do Norte, Ceará e Bahia. A expectativa da Aneel é que a temporada de ventos fortes no Nordeste – que vai de agosto a dezembro – torne a região autossuficiente ainda este ano. Novas usinas e ntrarão em operação em Piauí e Pernambuco. 24
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Em maio, durante o Congresso Internacional sobre os Avanços de Plantas de Energia Nuclear realizado em Nice, na França, a Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares ratificou uma declaração internacional, assinada por 39 países, que aponta “a geração de energia nuclear como melhor alternativa para frear o aquecimento global”. Nas discussões com o setor, o governo brasileiro se comprometeu com a construção de 12 usinas nucleares até 2050. Para atender à futura demanda, o objetivo é aumentar a produção brasileira de urânio, como afirmou o presidente das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), Aquilino Senra, durante a abertura do Seminário Internacional de Energia Nuclear para Fins Pacíficos, realizado em junho no Rio de Janeiro. “A previsão é que até 2017 a produção de urânio no país será suficiente para atender ao mercado nacional.”
Parque eólico em Brotas de Macaúbas (BA)
ALBERTO COUTINHO/SECOM-BA (2011)
Enquanto o desenvolvimento da produção eólica e solar ainda não é suficiente para consolidar uma alternativa à dependência das hidrelétricas ou à queima de combustíveis fósseis e altamente poluentes, outras fontes de energia contribuem para a matriz brasileira. A produção de eletricidade a partir de biomassa, segundo o MME, participa este ano com surpreendentes 9,2% na capacidade instalada nacional, quase o mesmo resultado do gás natural (9,5%). No entanto, mais da metade da produção com biomassa se dá a partir da queima de bagaço de cana-de-açúcar, também considerada poluente. A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única) queixa-se da falta de infraestrutura eficiente e de aspectos regulatórios para o desenvolvimento de uma cadeia de geração elétrica a partir da biomassa. Segundo a entidade, a energia produzida com o bagaço poderia aumentar até 15% em 2015, desde que devidamente estimulada. Paralelamente, o setor de biomassa vê crescer também alternativas mais sustentáveis, com o aumento no número de projetos para utilização do gás metano produzido em aterros sanitários ou de processamento do lixo urbano para geração de energia elétrica. Como outra opção energética, o Brasil tem ainda a polêmica geração nuclear. As usinas Angra 1 e Angra 2, as únicas em operação no país, respondem hoje, segun-
ERNESTO REGHRAN/PULSAR IMAGENS (2013)
Biomassa e nuclear
LALO LEAL
Terceirização do ridículo O país tem poucos jornais. E ainda assim quase sempre estampam as mesmas fotos e manchetes. A maioria da sociedade, embora passe longe deles, acaba atingida pelo ódio que fabricam
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ouve época no Brasil em que a oferta diária de jornais passava de uma dezena. Embora a maioria estivesse alinhada com interesses conservadores, existiam alternativas. Basta lembrar o Última Hora, de Samuel Wainer, comprometido com a defesa de causas populares. Hoje os jornais são poucos e quase sempre iguais. É comum vermos em determinados dias fotos e manchetes idênticas estampando suas capas. Mesmice que acompanha os conteúdos, unificados em linhas editoriais voltadas para fustigar diariamente o governo federal. Mas evitam ultrapassar certa linha de ataques que os levaria ao ridículo. Afinal, têm uma aura de seriedade que precisa ser preservada. Para escapar dessa encruzilhada, abrem espaço para que terceiros digam o que eles gostariam de dizer. Nos editoriais, em que se expressa a “voz do dono”, surgem por vezes argumentos ponderados em defesa das instituições democráticas e de respeito aos resultados eleitorais. É a seriedade oferecida como álibi para dar a leitores radicalizados e personagens opacos os espaços necessários para as suas diatribes contra o governo, os movimentos populares e mesmo as instituições republicanas. As seções de cartas dos leitores são um espaço muito mais nítido que os editoriais para conhecermos o que pensam os donos do jornal sobre determinado assunto. Alguns só publicam cartas que dizem o que lhes interessa, outros tentam disfarçar com mensagens divergentes, sempre em número e contundência menor que as outras. Nas reportagens, a escolha das fontes é primorosa. Da noite para o dia surgem “líderes” de movimentos cujas origens e sobrevivência são obscuras. Ganham espaços generosos no noticiário porque dizem o que os jornais querem falar, mas não têm coragem. Não voltariam, por exemplo, a acenar com o “fantasma do comunismo”, mas deixam que seus entrevistados o façam à vontade. Nem fazem a apologia escancarada do impeachment da presidenta, sabedores da sua inconsistência jurídica, mas colocam
essa palavra na boca dos seus personagens e fazem questão de destacá-la nas fotos das manifestações conservadoras. Para não falar dos defensores da “intervenção militar”, igualmente abrigados nos jornais por textos e imagens. O crime contido na mensagem raramente é mencionado. Não vale relativizar tudo isso dizendo que pouca gente lê jornais. É verdade que as tiragens no Brasil são baixíssimas, mas as mensagens impressas vão muito além da leitura do jornal. Elas reverberam pela internet, onde os sites de notícias que as reproduzem são os mais acessados. Espalham-se pelas emissoras de rádio, tanto nas noticiosas como nas de entretenimento. As primeiras usando as notícias para a elaboração de suas pautas, indo atrás dos personagens dos jornais, para pôr no ar vozes até então desconhecidas. As outras, encaixando entre músicas, receitas e aconselhamentos pessoais a leitura do noticiário impresso, feita de forma sedutora, quase sempre coloquial. São os chamados comunicadores populares falando para milhões de ouvintes diariamente através do rádio. Na televisão, esse aparelho que mesmo que não queiramos somos obrigados a ver em salas de espera, bares, restaurantes e outros lugares públicos, estão os telejornais e seus comentaristas repercutindo aquilo que está estampado nos jornais. Para não falar das bancas nas ruas, onde transeuntes se juntam para ler e, às vezes, comentar as manchetes. Assim como dos outdoors e dos painéis nos pontos de ônibus e nas TVs dentro deles e dos vagões dos metrôs, mostrando as capas de revistas transformadas em peças de propaganda política fora do período eleitoral. Resultado de tudo isso: a grande maioria da sociedade, mesmo passando longe dos jornais impressos, é por eles impactada absor vendo o ódio que destilam contra governos, partidos e causas populares, vociferado em manifestações de rua e nas redes sociais. A linha editorial desses jornais é responsável também pela exacerbação da crise econômica, fazendo com que muitas pessoas, mesmo imunes a ela, sintam-se atingidas. Os agentes econômicos se retraem, a crise se acentua e o país todo sofre as consequências. REVISTA DO BRASIL
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ALYNE PINHEIRO/SECOM-PE
o d r a r v i l e s Para dever de casa
Inspirados em experiência pernambucana que não deu certo, governos de Goiás, Pará e Espírito Santo querem privatizar a gestão das escolas públicas por meio de organizações sociais Por Cida de Oliveira e Tiago Pereira 26
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riado em 1825, o Ginásio Pernambucano, em Recife, é o colégio mais antigo do país em funcionamento. Ali estudaram o economista Celso Furtado, os escritores Ariano Suassuna e José Lins do Rego e o empresário das comunicações Assis Chateaubriand. Outro diferencial da escola estadual é ser a primeira gerida pela iniciativa privada. Em 2004, depois de reformada, foi reinaugurada como Centro de Ensino Experimental, um projeto idealizado por empresários da multinacional holandesa Philips, da Tintas Coral, do Eurobank e da empresa de capital misto do setor elétrico Chesf. Com apoio de outras, essas companhias criaram em 2000 o Instituto de Correspon-
EDUCAÇÃO
PIONEIRO Estadual, Ginásio Pernambucano, em Recife, teve diretor indicado por empresas entre 2004 e 2008
para toda a rede. Na realidade, as vagas no principal colégio de Recife foram cortadas radicalmente. O estado promoveu uma escola de elite. “O ICE reformou o prédio e indicava a direção e coordenação. O estado pagava tudo”, conta. Sindicato e movimento estudantil então se mobilizaram contra a parceria que se ampliava para outras 13 escolas num processo conflituoso, desativando antigas estruturas, impondo novos gestores, exigindo o que as escolas não tinham, como biblioteca, chuveiro nos banheiros, refeitório, laboratórios, quadra coberta. O vice-governador Mendonça Filho (DEM), então candidato a suceder Jarbas Vasconcelos (PMDB), na eleição de 2006, prometeu ampliar para 50 as escolas experimentais. Venceu Eduardo Campos (PSB), morto em 2014. Pressionado por críticos e defensores do modelo, Campos não o combateu nem defendeu. Em 2008, transformou-o em política pública, com o nome de Escola de Referência. Devolveu ao estado a indicação para gestores escolares, mas manteve o período integral, o sistema de seleção de alunos e de professores, bem como a gratificação, embora o pessoal administrativo não tivesse esse direito.
Nada sobrou
BEZERROS (PE), 2014. FOTO: ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
Algumas unidades se tornaram verdadeiras aberrações: as Escolas de Referência, de ensino médio, conviviam com o fundamental. Em um mesmo prédio, uniformes diferentes, merenda diferente – uma terceirizada e a outra feita no próprio local.
sabilidade pela Educação (ICE). Seus 2.200 estudantes, transferidos antes das obras, não puderam voltar para lá, assim como seus professores. Foram abertas apenas 300 vagas, disputadíssimas, e selecionados 26 novos professores para jornada de oito horas diárias, com salário três vezes maior que o do conjunto da rede, fora premiação por resultados. Tudo pago com dinheiro do estado. O projeto foi implementado de cima para baixo, sem aviso prévio, surpreendendo a todos. Diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), o professor Heleno Araújo conta que havia uma promessa de estender o “modelo de excelência”
RECIFE (PE), 2013. FOTO: HÉLIA SCHEPPA/JC IMAGEM
“INTEGRAL” Em Bezerros, aulas o dia todo só terça e quinta
PRECARIZAÇÃO Alunos lutam por melhorias no ginásio de Recife REVISTA DO BRASIL
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as portas para as OS. Questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF), foram validadas em abril passado. Simão Jatene, segundo Sílvia, já deu início ao seu projeto em outras frentes. Muitos professores perderam aulas, e os alunos do ensino médio são distribuídos em turmas de 50, 52, para assistir a teleaulas da Fundação Roberto Marinho. “A evasão é crescente numa etapa já tão problemática. Os professores de inglês estão perdendo o emprego porque o governo comprou cursos R$ 198 milhões, de uma consultoria ligada a um empresário que foi preso por fraudar o seguro obrigatório.”
“Rende mais”
No começo de janeiro, na primeira reunião com seu novo secretariado, Marconi Perillo afirmou que já estudava a adoção do modelo de organizações sociais na gestão das escolas. Segundo os jornais goianos, a grande determinação do tucano “é que filhos de pobres estudem em escolas com padrão dos filhos de ricos”. Perillo afirmou ainda que a produtividade dos servidores vinculados às OS “rende mais pelo fato de serem substituídos por profissionais no mercado caso não correspondam às expectativas da sociedade no desempenho de um trabalho de qualidade”. Em abril, quando publicou edital para essas organizações, o governador de
JOÃO MARCOS VEIGA/ANPED
las de tempo integral. E continua fazendo escola. Os governadores Simão Jatene (Pará) e Marconi Perillo (Goiás), ambos do PSDB, vão além: querem transferir toda a gestão das escolas para OS. No final de julho, o colunista Antônio Gois, do jornal O Globo, informou que o governador paraense testará em sua rede um modelo de administração escolar controverso até mesmo nos Estados Unidos, onde foi criado: as chamadas escolas Charter. Públicas, mas administradas pela iniciativa privada, deverão ser construídas 50 unidades de ensino médio. Os gestores privados vão receber conforme os resultados alcançados. Para a secretária-geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (Sintepp), Sílvia Letícia da Luz, as OS na educação preocupam e devem ser intensamente debatidas. “Os parceiros privados vão construir as escolas que vão administrar. Mas com o tempo devem assumir toda a rede, já que não há concurso para repor os servidores, mantidos de maneira precária”, diz. Como ela destaca, há respaldo legal para essa política. O Plano Nacional de Educação (PNE) a legitima em sua meta 20, que trata do financiamento da educação, ao permitir que, dos 10% do PIB a ser destinados para o setor, podem ser retirados recursos para custear essas parcerias. Além disso, a reforma administrativa de 1998 abriu
ACERVO SINTEGO
Hoje são 100 as de tempo integral, sendo 13 profissionalizantes e 200 com regime semi-integral, com aula o dia todo apenas duas vezes na semana. A maioria é precária, sem chuveiro nos banheiros, refeitório nem laboratório, inclusive o Ginásio Pernambucano, onde tudo começou. Há 2 anos, os alunos se mobilizaram para expor a situação. “Nessa ampliação do modelo, são trabalhados basicamente os conteúdos de português e matemática visando os índicesnoIdeb(ÍndicedeDesenvolvimentoda Educação Básica)”, conta Araújo. Os professores que não queriam o sindicato nessas escolas, diz, hoje engrossam a greve. Licenças médicas, por exemplo, anulam gratificações, que já não triplicam o salário como antes. “De positivo, não sobrou nada. O aluno não sai preparado para a vida, para o exercício da cidadania nem para o mundo do trabalho. Sem contar aqueles que, por estarem defasados na relação idade-série, foram expulsos para o curso de 18 meses da Fundação Roberto Marinho. E a lógica da aprovação automática tende a se aprofundar com as Organizações Sociais (OS), que vão em busca de bônus e resultados quantitativos.” Longe de ser panaceia para os problemas da educação pública, a proposta que começou no Ginásio Pernambucano se espalhou e inspirou o governo paulista, que buscou ali elementos para suas esco-
Bia, de Goiás: “Educação é tarefa do Estado enquanto ente Público”
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Araújo: “Excelência” para poucos: vagas fechadas e ensino ruim
LUCIVALDO SENA/ARQUIVO UNIDOS PRA LUTAR
PREOCUPAÇÃO Silvia Leticia teme os efeitos das OSs na educação. “Debates devem ser intensos”
ANTONIO SILVA / AGÊNCIA PARÁ
Goiás voltou a defendê-las na educação – “Uma iniciativa ousada e corajosa pelo enfrentamento ideológico”, afirmou. “Como não apareceram interessados, o governo está estimulando a formação dessas organizações”, afirma a presidenta do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), Maria Euzébia de Lima, a Bia. A entidade está entrando com ação na Justiça para impedir que o estado coloque empresas para dirigir as escolas. “Educação é uma tarefa do Estado enquanto ente público. Quem quiser abrir sua própria escola, que a submeta ao conselho de educação e coloque quem quiser para gerir. Mas na escola pública, não. Isso é um absurdo”, diz. Para a dirigente, falam em terceirizar a gestão, mas não falam como ficará a merenda escolar, o livro didático. O estado não abre concurso para professores há seis anos. O último para administrativos foi há 15 anos. De acordo com o site do ICE, há ações por meio da mobilização da sociedade e da classe empresarial em parceria com os governos do Ceará, para o ensino médio profissional, com a cidade do Rio de Janeiro para o ensino fundamental (do 7º ao 9º ano), e com os estados de Sergipe e Piauí, para o ensino médio – na mesma lógica de Pernambuco. E há proposta também na Assembleia Legislativa do Espírito Santo. De acordo com Heleno Araújo, que coordena o Fórum Nacional de Educação, em cinco escolas capixabas será adotado o mesmo modelo. “Já vão mexer na estrutura dessas escolas, tirar alunos e professores. O pessoal está resistindo.” Segundo ele, a situação é mais preocupante em Goiás e no Pará. Enquanto em Pernambuco gestores e diretores eram indicados, as partes financeira e de pessoal continuavam ligadas ao estado. “O modelo de Perillo é o mesmo das OS na saúde, sem fiscalização, que contratam diretamente seus empregados, matando o concurso público, a representação sindical desse trabalhador e o vínculo, que é fundamental na educação. O estado repassa recursos e a entidade deve cumprir as metas definidas pelo governo. Se alcançar, a concessão é renovada. Se não, é substituí da por outra ou devolve para o estado”.
De acordo com o relatório Modelo de Escola Charter: A experiência de Pernambuco, da Fundação Itaú Social, as escolas Charter “são um exemplo de como os setores público e privado podem somar diferentes expertises para promover mudanças de paradigma na proposição de alternativas em reformas do ensino público”. O mesmo documento, porém, afirma que “o modelo apresentado (Pernambuco) não dá conta de uma rede pública de ensino inteira, mas tampouco seu propósito é atingir esse tipo de escala”. E que “o valor das experiências de escolas Charter está justamente no fato de que, por serem menores e trazerem um modelo de cogestão com o setor privado, proporcionam mais
PRIVATIZAÇÃO Empresários vão indicar os diretores para as 50 escolas que Simão Jatene (PSDB) vai construir no Pará
agilidade e espaço para inovações”. Já estudos das universidades de Rutgers e do Colorado, nos Estados Unidos, revelam que os orçamentos das escolas privatizadas sob contrato variam. As mais bem dotadas, como de Nova York, recebem por aluno US$ 10 mil a mais do que as públicas tradicionais e outras charters. E nem assim oferecem ensino de qualidade superior. Então, a explicação para a proposta de privatização, transformando a educação em negócio, pode estar na possibilidade de buscar recursos tanto do setor público como privado. Espera-se que os governantes estejam atentos a erros, que podem custar caro aos cofres públicos e à formação de algumas gerações. REVISTA DO BRASIL
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EM BUSCA DA B
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“M ELEZA Geraldo Vandré completa 80 anos com uma história ainda cheia de mistérios, que atrapalham o conhecimento de sua obra Por Vitor Nuzzi
FAVORITA Vandré no Maracanãzinho, em 1968: o público cantou junto e vaiou decisão dos jurados
inha história é secundária”, disse em maio um incomodado Geraldo Vandré ao repórter Julio Maria, do jornal O Estado de S. Paulo, ao responder se o público não mereceria conhecer sua trajetória artística. Era um comentário sobre biografia não autorizada lançada um mês antes. Neste setembro, quando Geraldo Pedrosa de Araújo Dias (seu nome de batismo) completa 80 anos, serão dois livros a seu respeito, de certa forma contestando a afirmação sobre a obra de sua criação. Corte para a noite de 15 de agosto de 2014, no terminal rodoviário do Tietê, na zona norte de São Paulo. Em um espaço do maior terminal da América do Sul, fica um piano. Um anônimo senta, começa a tocar e logo junta uma pequena multidão em volta. Os acordes são reconhecidos de imediato. A letra é longa, mas alguns arriscam-se a cantar, conforme registro feito por um ouvinte que passava por ali. No final, o intérprete ganha aplausos. Em outra escala, a cena se repete em 20 de junho último, na praça da República, centro paulistano, na abertura da Virada Cultural. O maestro Rui Torneze, da Orquestra Paulistana de Viola Caipira, anuncia o bis, para “cutucar o coração”. É a mesma composição tocada pelo pianista desconhecido, agora executada por dezenas de violas – instrumento para a qual a música foi concebida – e aplaudida com emoção ao final. A música é Disparada, parceria de Vandré com o violonista Theo de Barros, nascida durante uma viagem a Catanduva, no interior paulista, em 1966. “Ele pegou a música caipira, juntou Guimarães Rosa e fez uma coisa completamente nova. Como obra de arte, Disparada talvez seja a música mais perfeita que o Brasil já produziu”, declarou, em depoimento, o jornalista e pesquisador Alberto Helena Jr., um dos primeiros a ouvir a canção. Foi o primeiro e único caso de empate na chamada era dos festivais. Naquele 1966, Disparada e A Banda, de Chico Buarque, foram declaradas vencedoras no concurso da TV Record. Na verdade, A Banda havia vencido, mas o próprio Chico exigiu o empate, por considerar – até hoje – que Disparada era melhor. A canção foi defendida por Jair Rodrigues, em interpretação épica, mas que antes de acontecer foi vista com certa desconfiança por Vandré, por considerar Jair muito brincalhão. O primeiro encontro entre eles foi ríspido, mas depois de vê-lo cantando o autor deu um abraço de “quebrar ossos” no intérprete.
Disparada, sucesso com Jair Rodrigues, ganhou festival em 1966
Em 1969, Vandré gravou compacto durante exílio no Chile
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Caminhando deixou autor na mira da ditadura. Logo ele deixaria o país SETEMBRO 2015
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MÚSICA
O ano de 1966 foi especial para Vandré. Ele venceu também o festival da TV Excelsior, com Porta Estandarte, parceria com Fernando Lona, que, vindo da Bahia, finalmente pôde com o prêmio alugar um apartamento. Além disso, o compositor foi responsável pela trilha sonora de A Hora e Vez de Augusto Matraga, filme de Roberto Santos com base em conto de Guimarães Rosa e representante do Brasil no festival de Cannes. Pouca coisa se sabe efetivamente sobre a obra de Geraldo Vandré. Sua carreira de músico profissional foi relativamente curta e prejudicada por um certo folclore alimentado pelo silêncio. São apenas cinco LPs lançados, de 1964 a 1973, data de seu retorno ao Brasil, após quatro anos e cinco meses de andanças pelo exterior, em uma saída forçada pela repercussão de sua música mais conhecida, Pra não Dizer que não Falei das F lores (Caminhando), de 1968. A partir daí, prevaleceram as lendas. Para usar uma expressão do escritor Eric Nepomuceno, em artigo recente no jornal Valor Econômico, o artista “alcançou píncaros de luz para depois mergulhar numa névoa densa, carregada de perguntas sem resposta e mistérios sem solução”. As perguntas mais recorrentes são se Vandré foi mesmo torturado, se enlouqueceu. Ou por que motivo nunca mais se apresentou no Brasil – seu último show foi do lado paraguaio da fronteira, em 1982. A alguns artistas, como Jair Rodrigues e Ney Matogrosso, chegou a falar em fazer apresentações “nas fronteiras”, que nunca aconteceram. Vandré estava no radar do regime, mas tortura física nunca houve. Talvez algo mais grave tivesse acontecido se ficasse no Brasil. Depois da decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, ele permaneceu escondido – na casa de praia do pai de sua namorada, no litoral sul paulista, e depois no apartamento de dona Aracy, viúva de Guimarães Rosa, no Rio de Janeiro, perto do Forte de Copacabana. Os soldados faziam manobras e Vandré, versos. Durante o carnaval de 1969, ele deixou o país disfarçado em direção ao Uruguai, e de lá para o Chile. Partiu para a Europa, 32
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ACERVO ICONOGRAPHIA
Matraga
BOMBA NO TEATRO Grupos anticomunistas atacaram local onde Vandré se apresentava em 1968
andou pelo Velho Continente, fixou-se na França e, por fim, voltou ao Chile, de onde saiu dois meses antes do golpe que em setembro de 1973 derrubou Salvador Allende e iniciou um período de terror.
Alvo militar
Artistas como Caetano Veloso e Chico Buarque, presos naquela época, dizem que nos interrogatórios era possível perceber certa “prioridade” dos militares em relação a Vandré. Alguns falavam mesmo em matá-lo, segundo o compositor baiano. Famoso produtor de festivais, Solano Ribeiro acredita que ele poderia ser morto se fosse preso no pós AI-5. Por ironia, seu último show no Brasil como cantor profissional foi em 13 de dezembro, data do ato institucional, em Anápolis (GO). O motivo de tanta raiva seriam alguns versos de Caminhando, que teriam sido especificamente destinados aos militares, em um período que culminaria no período mais violento da ditadura. A canção carimbou em Vandré o rótulo de “cantor de protesto” ou antimilitarista. Mais de uma vez ele tentou explicar que a música não era contra as Forças Armadas, mas contra uma situação política, um momento da história brasileira. “Caminhando não é uma canção de guerra e os versos ‘nos quartéis se aprende a morrer pela pátria e viver sem razão’ não se refere somente a militares, mas é um modo
de me exprimir para explicar todo tipo de profissão que restringe as pessoas a um certo modo de vida. Aliás, muitos militares concordaram com os versos”, disse Vandré em uma entrevista coletiva, no meio da polêmica, em 1968. Muitos não gostaram: no teatro Opinião, no Rio, onde se ele apresentava com o Quarteto Livre no show Pra não Dizer que não Falei das Flores, houve um atentado a bomba, que não deixou feridos. Os músicos haviam saído pouco antes para comer uma pizza. Na mesma época, ele declarou ao repórter Arthur Poerner, no Jornal do Brasil, um dos que o ajudaram a deixar o país: “A música é, portanto, uma mensagem, uma informação, não um conselho. Mesmo porque o povo não precisa de conselhos”. O refrão é uma necessidade da canção, disse Vandré, criticando quem tentava dissecar a sua como se fosse um comício, ou um tratado de sociologia. Em 2007, à então estudante de Jornalismo Jeane Vidal, o autor chamaria sua obra mais famosa de expiação. “Mais do que uma canção, Caminhando foi um desnudamento. Um dizer-se tudo quando era proibido dizer-se quase tudo. Sem ofensas e sem reivindicações. Um relato indeclinável para todos nós, brasileiros, que ali nos reunimos num concurso de arte, sem paradigma e sem igual, até hoje, para mim.”
ARQUIVO/AGÊNCIA ESTADO
MÚSICA
JAIR RODRIGUES interpreta a música Disparada, de Geraldo Vandré e Theo de Barros
O concurso a que Vandré se refere foi o Festival Internacional da Canção (FIC) da TV Globo. Um representante do Brasil seria escolhido previamente para a fase internacional. Ganhou Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque. Uma música delicada, que tratava do exílio, mas de forma sutil. O público queria a canção explícita de Vandré e vaiou longamente a decisão dos jurados. Não era exatamente para Tom, mas ficou marcada como a maior vaia que o compositor recebeu.
Burguês da canção
O médico otorrino José Vandregíselo (do qual se origina o nome artístico) foi ligado ao Partido Comunista, mas seu filho Geraldo nunca foi militante político. O compositor chegou a se definir como um “profissional burguês da canção”. Vindo da Bossa Nova, como tantos, ele criou uma obra original, de nítida preocupação social, a partir da primeira música de seu primeiro LP, Menino das Laranjas (do futuro parceiro Theo de Barros), canção que se tornaria sucesso inicial de Elis Regina. Vandré começou a chamar a atenção depois da gravação de Samba em Prelúdio, em 1962, com a cantora Ana Lúcia – melodia de Baden Powell, letra de Vinícius de Moraes. Paraibano de João Pessoa, formado em Direito no Rio de Janeiro e com a carreira musical desenvolvida em São Paulo, ele
não foi Bossa Nova – embora tenha bebido dessa fonte, em parceria com autores como Carlos Lyra –, nem cantor de protesto. Brigou com os tropicalistas e com a TV Record (na qual apresentava um programa) e se definiu como nacionalista. Seu temperamento forte e o comportamento por vezes imprevisível certamente contribuíram para os boatos sobre loucura. Ele acabou perseguido por causa de uma canção composta durante a Marcha dos 100 Mil, realizada em junho de 1968, em protesto contra a violência do regime. Deixou sua pátria e retornou em julho de 1973 após difíceis negociações com o governo – ainda no Chile, chegou a ser internado para tratamentos psiquiátricos. Uma condição para a permanência no Brasil foi uma falsa entrevista, forjada pelos militares e exibida no Jornal Nacional, da Globo, um mês depois da real data de seu retorno. Ali, Vandré renegou qualquer uso político de sua obra. Foi uma espécie de retratação, como se dizia na época. O silêncio foi imposto e também assumido. Vandré deu entrevista em 1974 para o programa de estreia de Flávio Cavalcanti, mas o censor viu “apologia” à figura do artista e vetou o quadro. O Brasil também era outro. Tinha mudado durante os anos de exílio, com a massificação da cultura. Além disso, o ex-servidor público, exonerado por decreto fundamentado no
AI-5, não gostou de ser reconduzido ao funcionalismo com base na Lei da Anistia, “como se eu fosse criminoso”, conforme disse em 2010 ao jornalista Geneton Moraes Neto, da GloboNews, em entrevista gravada no dia em que completava 75 anos (12 de setembro). Vandré também reclamou da falta de imagens do FIC de 1968 e chegou a pedir a Geneton que falasse com seus chefes. A Globo diz ter apenas alguns takes da fase internacional. Da mesma forma, não há registro do Jornal Nacional de agosto de 1973 com a entrevista sobre a “volta” do cantor, nem imagens de sua participação no festival da Record em 1967. Para a pesquisadora Dalva Silveira, autora do livro A Vida não se Resume em Festivais, houve uma tentativa do governo autoritário de “apagar Vandré e sua obra da memória coletiva nacional”, à medida que a imprensa não podia fazer referência ao seu nome, nem ele podia se apresentar.
Lendas
Mas o compositor faz também sua crítica à sociedade que, de alguma forma, deu as costas quando ele retornou, doente e fragilizado, e que talvez o preferisse como mártir. E ajudou a alimentar a polêmica ao escrever, em 1985, um poema em homenagem à Força Aérea Brasileira, chamado Fabiana. Menos conhecida, Marina Marinheira fez referência a outra das forças armadas, e foi interpretada em show por Ney Matogrosso, em 1980. Vandré não deixou que ele gravasse. Um livro pode fazer com que as lendas fiquem em segundo plano e as canções tenham mais destaque, como se deveria esperar de um artista. Além das duas mais conhecidas, Vandré é autor de composições como Canção Nordestina, Pequeno Concerto que virou Canção, Tristeza de Amar, Aroeira, Cantiga Brava, Maria Memória da Minha Canção, João e Maria, FicaMalcomDeus,DeAméricaeDesacordonar, feita no período do Chile, quando o artista percorreu o país para conhecer a experiência de reforma agrária. Ou Pátria Amada, Idolatrada, Salve, Salve, composta com Manduka, filho do poeta Thiago de Mello, e vencedora do festival de Agua Dulce, realizado no Peru em 1972. REVISTA DO BRASIL
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FILME DE 1965. DIREÇÃO: ROBERTO SANTOS
ARQUIVO/AGÊNCIA ESTADO
MÚSICA
TRILHA Leonardo Villar em cena de Matraga
GINÁSIO LOTADO Pra não Dizer que não Falei das Flores marcou carreira do cantor
Vandré também foi o primeiro a defender uma música de Chico Buarque em um festival (Sonho de um Carnaval, na extinta TV Excelsior, em 1965). E ajudou a revelar músicos até hoje admirados, inclusive internacionalmente. Theo de Barros, Heraldo do Monte, Airto Moreira e Hermeto Pascoal formavam o Quarteto Novo. Bhering, Hilton Acioli e Marconi eram o Trio Marayá. O último grupo a acompanhar o cantor foi o Quarteto Livre, com Nelson Ângelo, Franklin da Flauta, Geraldo Azevedo e Naná Vasconcelos. Assim, há muito o que se explorar e descobrir no universo musical criado por Vandré. Sem se preocupar tanto com o festival que representou seu auge e o fim, ao mesmo tempo. Até hoje fala-se em uma possível pressão militar para que
Caminhando não ganhasse em 1968. Algo desnecessário para demonstrar a importância do artista na música brasileira, como observou, em entrevista, Leon Cakoff, famoso pela criação da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – e que em 1968, aos 20 anos, bancava os estudos com o trabalho de assistente de Vandré. Com uma comparação cinematográfica, ele mostra que nem sempre é preciso ganhar para ser eterno. “A história reserva às peças desse tabuleiro as suas posições corretas, não adianta você mexer. Tanto filme ganha Festival de Cannes e cai no esquecimento em seguida... E tantos filmes que não ganham prêmio nenhum e ficam eternos na memória de todos os cinéfilos”, disse Leon em 2009. “Foi uma radiografia
do momento, de uma época. Qual a foto deste momento que a gente está vivendo hoje? O que traduz este momento? Naquele momento, traduzimos com Caminhando.” E há muitas traduções possíveis. Anos atrás, Vandré usou a mesma palavra dita recentemente ao repórter do Estadão para expor o que pensa sobre a sociedade: para ela, a beleza tem função “secundária” – e quem a procura, também. Mas ele mesmo concluía que sem beleza não existe “o homem feliz”. Em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro, onde tem vivido nos últimos tempos e onde sua mãe morava (dona Marta morreu em 2011;“seu”José, em 1986), possivelmente é disso que ele se ocupa, fazendo canções e versos em silêncio.
Biografia é história O repórter Vitor Nuzzi lançou em abril o livro Geraldo Vandré – Uma Canção Interrompida, de forma independente e com tiragem limitada (100 exemplares). Primeira biografia do compositor, à qual o autor se dedicou por quase uma década, o livro está prestes a ser relançado, agora pela editora Kuarup. Em 10 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma ação direta de inconstitucionalidade e pôs fim a uma espera de três anos, ao decidir que a publicação de biografias não exige autorização prévia. Todos os ministros acompanharam o voto da relatora, Cármen Lúcia. “Não é proibindo, recolhendo obras ou impedindo sua circulação, calando-se a palavra e amordaçando a história que se consegue cumprir a Constituição”, afirmou a juíza, 34
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acrescentando que cabe à Justiça reparar eventuais abusos. “O mais é censura, e censura é uma forma de cala-boca.” A polêmica é antiga, mas ganhou força em 2007, quando Roberto Carlos foi à Justiça para recolher livro escrito pelo biógrafo e professor Paulo Cesar de Araújo. A editora retirou o livro de circulação. Araújo promete relançá-lo, e até já assinou contrato com uma editora. Biografias são livros de história, e ninguém é dono da história, diz o escritor (leia entrevista publicada na edição 95). O escritor Jorge Fernando dos Santos também lança uma biografia em setembro: Geraldo Vandré – O Homem que disse Não, pela Geração Editorial.
EMIR SADER
Direito, chave da consciência social Uma sociedade democrática é aquela em que todos têm acesso a direitos, independentemente de idade, cor, sexo ou identidade sexual. E esse acesso não depende apenas de esforço individual
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os Estados Unidos não se costuma dizer que há pobres. O que existe seriam “fracassados”. Eles se consideram uma sociedade aberta, livre, em que todos têm suas oportunidades. Os que não as aproveitam, fracassam, vão para baixo da pirâmide. A categoria chave ali é “oportunidade”. O caráter democrático da sociedade seria dado pela possibilidade que todo mundo teria de subir na escala social e o risco que todos teriam de descer. É uma sociedade fundada no mercado, a gangorra pela qual alguns sobem, outros descem. Mas a categoria “oportunidade” é enganosa. Pode parecer que democratizar uma sociedade é dar oportunidade para todos. Uma belíssima propaganda do Lula em uma de suas campanhas presidenciais era a imagem de um jovem bradando por oportunidades. E, de alguma forma, dependendo de como a interpretemos, se pode definir democracia como oportunidade para todos. Mas as sociedades de mercado inviabilizam que as oportunidades sejam igualmente para todos. Há poucos anos o PP, o partido da direita espanhola, na Catalunha, usou como lema da sua campanha “não há para todos”. É uma confissão sincera do caráter malthusianista das sociedades neoliberais, em que há lugar apenas para alguns. Na realidade a categoria chave de uma sociedade democrática é a de direitos, direitos para todos. Todos, independentemente da idade, da cor da pele, da identidade sexual, de qualquer outro tipo de opção, têm direitos. Uma sociedade democrática é aquela em que todos têm todos os direitos. As últimas eleições brasileiras tiveram uma dura polarização entre um eleitorado que votou pelas políticas sociais do governo que mudaram suas vidas e um que, mesmo tendo vivido essas mudanças, teve sua consciência formada pelos grandes meios monopolistas de comunicação. Nos grandes centros urbanos do centro-sul do Brasil, a votação a favor do candidato da oposição chegou
próximo a dois terços. Provavelmente metade de sua votação em todo o Brasil foi composta de votos populares. Foi uma polarização entre políticas sociais e formação da opinião pública. Nas regiões em que as transformações das condições de vida foram muito profundas – como o Nordeste –, Dilma teve sempre mais de 70%. Mas o governo perdeu a disputa na formação da opinião pública e quase termina o processo político iniciado em 2003 porque não se avançou praticamente nada na democratização dos meios de comunicação, e se segue permitindo um massacre por parte desses meios. A política social solidária e humanista, que estendeu os direitos a muitos milhões de brasileiros que antes nunca tinham sido contemplados nas suas necessidades fundamentais, não foi acompanhada da formação da consciência social dessa mesma população. Uma visão tecnocrata supunha que bastaria pôr em prática políticas que beneficiam a população para se ter o apoio dela. Sem se dar conta de que, entre a realidade concreta vivida e a consciência das pessoas, se interpõem os mecanismos de formação dessa consciência – no nosso caso, os grandes meios de comunicação. Caso fosse julgada apenas pelo que fez no seu primeiro mandato, Dilma tinha todas as condições de ser reeleita no primeiro turno. Se computamos os beneficiários das políticas sociais, essa possibilidade só se reforçaria. Mas não houve mecanismos de formação da consciência social desses milhões de pessoas, que votaram pela sua intuição ou foram ludibriados pelos mecanismos reiterativos dos meios de comunicação. Se chegar a desenvolver mecanismos que favoreçam essa consciência – responsabilidade dos que desenvolvem as políticas sociais, mas também de todas as organizações sociais, políticas e culturais do campo popular –, o processo de transformações iniciado há mais de 12 anos se tornará consolidado e irreversível. Isso se dará quando a massa da população entender que acesso a direitos não é questão apenas de esforço individual. REVISTA DO BRASIL
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O negócio global da DROGA
O poder do crime organizado conta com a estrutura do sistema financeiro, dos paraísos fiscais e a conivência de parte da sociedade. Negócios do narcotráfico movimentam 1,5% do PIB mundial Por Helder Lima
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debate sobre enfrentamento aos problemas das drogas ilícitas raramente vai além da necessidade da guerra ao consumo e aos traficantes e da internação de usuários. Qualquer coisa fora disso é difícil debater, seja nos veículos de comunicação, nos meios ditos especializados, nos parlamentos ou nos sistemas de segurança pública. A postura acaba até por reforçar o preconceito de quem ainda acha que o próprio usuário deve ser punido. Não por acaso, o preconceito move as ações policiais do dia a dia. Os usuários muitas vezes acabam presos e, por serem pobres, negros e periféricos, enquadrados como traficantes. A Lei federal 11.343, de 2006, sancionada com o espírito de atenuar os flagrantes com drogas, prevendo medidas de reinserção social para usuários, acabou
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produzindo efeito inverso. Desde então, a população carcerária no país presa por tráfico cresceu mais de 300%, de 31 mil presos para 138 mil em 2013. À primeira vista, pode parecer que a repressão às drogas foi eficiente. Mas o fato é que jovens usuários estão sendo presos como traficantes – uma distorção para a qual só agora algumas autoridades parecem despertar, com o debate da descriminalização do porte de drogas para uso próprio levado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse cenário, o grande traficante jamais aparece. E a polícia atua enxugando gelo, combatendo a base da pirâmide hierárquica do tráfico, enquanto o comércio de drogas concentra cada vez mais poder econômico, no Brasil e no mundo. “No Brasil, quem vai preso é o favelado da boca de fumo. As drogas produzem muito lucro, e o cara que ganha mais não está visível, é quem compra no atacado”,
afirma o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Cristiano Maronna. A entidade participou, em maio, do lançamento da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), com o objetivo de promover um debate mais realista do assunto e defender a descriminalização das drogas. Falar em “economia das drogas” atualmente significa se reportar a uma indústria que terminou a primeira década do milênio com um faturamento anual de US$ 870 bilhões, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc). A concentração no comércio de drogas ilegais corresponde a 1,5% de todas as riquezas produzidas no globo, o Produto Interno Bruto (PIB) mundial, e movimenta 40% das demais frentes de negócios mantidas pelo crime organizado globalmente, como tráfico de armas,
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de pessoas e lavagem de dinheiro, entre outros, que giraram US$ 2,1 trilhões, ou 3,6% do PIB global, ainda segundo a Unodc, com base em dados do final da década passada.
A chave da conexão
A lavagem de dinheiro e a evasão de divisas – impossíveis de serem operadas
sem a participação de engrenagens que movem o sistema financeiro globalizado – são a base da sustentação administrativa e financeira das organizações criminosas. “As atividades relacionadas ao narcotráfico têm raízes espalhadas por todo o mundo, os entorpecentes trafegam entre diversos países até efetivamente chegar ao consumidor final. O financiamento dessas atividades passa pelos crimes de lavagem e evasão, mas é um tanto quanto difícil mensurar qual cifra corresponde a essa modalidade”, afirma o financista Fábio França, professor e especialista em sistema financeiro nacional. “A lavagem de dinheiro é a conexão entre as ilegalidades”, reforça Cristiano Maronna. A Unodc estima que cada US$ 1 investido da produção de psicoativos ilícitos – como maconha, cocaína, ecstasy, heroína – se transforma em US$ 7,3 com as vendas no atacado e em US$ 25 no varejo. Mas não é só nos números que os negócios com drogas são superlativos. Para chegar a esses resultados, em torno do mundo do narcotráfico giram técnicas de administração e estratégias de negócios de fazer inveja a qualquer setor regulamentado da economia. A economista Taciana Santos de Souza adotou o tema “economia das drogas” para a sua tese de mestrado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concluída neste ano. Segundo ela, o narcotráfico é uma indústria com grande capacidade de adaptação e inovação. “Constantemente, são criados novos processos de produção, novas substâncias psicoativas, novas rotas, novas formas de comercialização, novos insumos. A velocidade de inovação e adaptação é, antes de tudo, condição de sobrevivência e de crescimento dos negócios”, afirma. O escritor italiano Roberto Saviano vai mais longe: “Não pode existir a criação de um poder econômico criminoso sem uma conivência e uma aliança com a burguesia saudável do país. É este o elo que precisa ser descrito. A periferia napolitana bomba dinheiro do centro da Itália”,
afirma Saviano, que compara o fenômeno italiano com as favelas brasileiras – vulneráveis ao mundo criminoso brasileiro “bombam dinheiro da economia legal brasileira”, afirma, referindo-se à lavagem de dinheiro com o comércio de drogas. Esse depoimento de Saviano foi gravado em vídeo no início de julho. Convidado para o Festival Literário de Paraty (Flip), o escritor não veio por questões de segurança. Ele vive sob proteção da polícia desde que foi ameaçado de morte pela máfia italiana, por conta do livro e do filme Gomorra, que tratam da máfia de Nápoles. O filme foi lançado em 2008, com ampla repercussão mundial. Em setembro de 2014, foi lançado no Brasil outro título seu, Zero Zero Zero, em que descreve as operações e estruturas de poder dos cartéis do narcotráfico mundial, principalmente com a cocaína, que ele chama de “petróleo branco”. Com base em diversas investigações policiais a que teve acesso para construir sua narrativa, Saviano afirma no livro que as ações do crime organizado representam hoje uma verdadeira ameaça à democracia. “A crise econômica, as finanças devoradas pelos derivativos e pelos capitais tóxicos, o enlouquecimento das bolsas: em quase toda a parte estão destruindo as democracias, destroem o trabalho e as esperanças, destroem créditos e vida. Mas o que a crise não destrói – ao contrário, fortalece – são as economias do crime”, constata.
Estrutura sistêmica
O crescimento da economia mundial desde os anos 1960 segue em paralelo ao crescimento do poder do narcotráfico e das outras práticas ilegais, que na verdade são subprodutos da globalização. Mas a crise mundial de 2008, que neste ano abala o Brasil com mais intensidade, teve sua origem nos paraísos fiscais. Desde então, ganhou força uma tendência à regulamentação, com exigência de compromisso com a transparência. Essa tendência à adoção de marcos regulatórios, que se contrapõe ao discurso neoliberalista em defesa da liberdade dos mercados, é reflexo das forças governamentais, policiais e repressoras tentando REVISTA DO BRASIL
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EFEITO INVERSO Depois de lei destinada a atenuar flagrantes, jovens usuários estão sendo presos como traficantes
ADRIANO VIZONI/FOLHAPRESS
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seguir os fluxos do dinheiro ilegal. “A Fifa (Federação Internacional de Futebol) é um caso claro de corrupção em entidade privada, que permitiu que indivíduos estrangeiros na Suíça fossem presos por ordem da polícia norte-americana. O ponto em comum é a lavagem de dinheiro. Fifa não é droga, mas precisa ocultar a origem do dinheiro, e por isso usa a lavagem”, afirma Cristiano Maronna, do IBCCRIM, lembrando que organizações terroristas como a Al Qaeda e o Estado Islâmico também adotam o mecanismo da lavagem de dinheiro. Em 2010, foi aprovado o Foreign AccountTax Compliance Acts (Fatca), que entrou em vigor em julho de 2014. São regras que permitem ao governo dos Estados Unidos tributar fora de seus limites geográficos e promovem regras bilaterais com países e instituições finan-
Lavagem de dinheiro sangra R$ 500 bi por ano A economia e a política do país são reféns da lavagem de dinheiro. Enquanto a atividade econômica perde R$ 500 bilhões por ano com essa prática, a política se contamina muitas vezes com recursos de empresas de fachada, usadas para esse fim. O senador Fernando Collor (PTB-AL), por exemplo, declarou à Justiça Eleitoral ter feito empréstimos de R$ 7,4 milhões na eleição do ano passado a uma empresa de sua propriedade, considerada de fachada pelos investigadores da Lava Jato. Os recursos perdidos anualmente representam 18,4 vezes o orçamento do Bolsa Família em 2015. E quase cinco vezes a meta do ajuste fiscal autoimposta pelo governo, de R$ 103 bilhões. “Imagine esse os valores destinados a políticas sociais? A distribuição de renda? A infraestrutura em locais de vulnerabilidade? São cifras capazes de mudar a história para melhor”, afirma o professor Fábio França, especialista em sistema financeiro nacional. Confira a entrevista. O que é lavagem de dinheiro e o que é evasão de divisas? A Lei 12.683/12, em seu artigo 1º, define lavagem de dinheiro como: “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”. 38
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Ou seja, toda movimentação financeira de dinheiro, bens, propriedades oriundas de práticas ilegais é considerada lavagem de dinheiro.Sobre evasão de divisas, a Lei 9.069/95 dispôs inicialmente sobre o tema em seu artigo 65º, porém, a partir de 2012 e da promulgação da Lei 12.685/12, o referido artigo passou a ter a seguinte redação: “O ingresso no país e a saída do país de moeda nacional e estrangeira devem ser realizados exclusivamente por meio de instituição autorizada a operar no mercado de câmbio, à qual cabe a perfeita identificação do cliente ou do beneficiário. § 2º O Banco Central do Brasil, segundo diretrizes do Conselho Monetário Nacional, regulamentará o disposto neste artigo, dispondo, inclusive, sobre a forma, os limites e as condições de ingresso no país e saída do país de moeda nacional e estrangeira”.Toda remessa de valores para fora do país, em valores superiores a R$ 10 mil, deve ser mediada por uma instituição financeira autorizada a essa finalidade, que deverá identificar o cliente que está fazendo a operação. E toda manutenção de recursos acima de US$ 100 mil que não for devidamente comunicada ao Banco Central será considerada evasão de divisas. Qual o tamanho do prejuízo que essas práticas produzem na economia?
De acordo com o Global Financial Integrity (GFI), organização de pesquisa e consultoria sediada em Washington, o Brasil perdeu em média 1,5% do PIB ao ano entre 1960 e 2012, com a entrada e saída de dinheiro de maneira ilegal e criminosa. Nos últimos dez anos, com um valor estimado em U$ 217 bilhões, de acordo ainda com a mesma organização, as remessas ilegais de recursos superam em 113% as remessas legais. Cerca de R$ 500 bilhões ao ano é o prejuízo na economia brasileira decorrente da prática de crimes de lavagem de dinheiro. E na economia mundial? Em torno de 2% a 3% do PIB mundial. As obras de arte apreendidas indicam que esse é um dos caminhos da lavagem de dinheiro? Sim, pois obras de arte são atemporais, e o juízo de valor sobre elas demanda questões emocionais e não apenas mercadológicas, o que faz com que sua precificação seja passível de severas diferenças entre real e estimativa. Além disso, o fato de serem ainda patrimônios mundialmente negociáveis e de em grande parte das vezes os proprietários não gostarem de ser identificados facilita muito a prática desse comércio com a finalidade de lavar dinheiro.
Quais são os outros caminhos? São muitos, desde a pequena sonegação do comerciante que não emite nota fiscal até a grande investida através de empresas de fachada, que podem ter várias formas de financiamento, que vão de sonegação fiscal a tráfico de entorpecentes, comercialização de produtos contrabandeados ou piratas. Por que existe lavagem de dinheiro e evasão de divisas no Brasil e no mundo? Falta regulação internacional e nacional? Regulação existe. No Brasil, temos o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão extremamente investigativo e combativo. O que falta não é regulação, mas sim, e isso no mundo todo, um combate mais efetivo em todos os âmbitos da sociedade. Não faz sentido o pequeno cidadão se indignar com essas cifras apresentadas acima e se esquecer que pela manhã comprou produtos piratas. Não faz sentido o comerciante reclamar que se houvesse menos desvios de lavagem de dinheiro a economia estaria melhor, se ele se sujeita a comprar mercadorias sem nota fiscal e revender sem nota fiscal. No meu entender, é uma questão muito ampla e, em alguns aspectos, faz parte da cultura ser conivente, mesmo
JULIANA SPINOLA/DEMOTIX/CORBIS/LATINSTOCK
ceiras. “Os Estados Unidos têm poder de fiscalizar a lavagem de dinheiro a partir da identificação de operações suspeitas. Vão desvelando o novelo, em negócios e pessoas com movimentações incompatíveis. Mas ainda existe um grande obstáculo, que são os paraísos fiscais”, afirma Maronna. Um dos desdobramentos do Fatca se deu em 2013, quando cinco das principais economias da União Europeia – França, Alemanha, Espanha, Itália e Reino Unido – resolveram adotar programas contra a evasão fiscal com base no tratado dos norte-americanos. Além da adoção de marcos regulatórios contra as práticas financeiras ilegais, a legalização das drogas tem despontado em diversos países como caminho efetivo para romper as cadeias de produção ilegais. “Eu apoio a legalização fortemente regulamentada pelo Estado”, afirma
OUSADIA Legalização desponta como caminho contra cadeias de produção ilegais
aciana. “Essa é a minha perspectiva e T que parte inicialmente da maconha, que é a substância psicoativa mais utilizada no mundo. No último relatório da ONU, em 2014, eles estimaram que, no ano de 2012, 177 milhões de pessoas no mundo fizeram uso de maconha, e por conta desse mercado consumidor vai ser o que
mais vai movimentar dinheiro. Além disso, a maconha vai ter um padrão de uso que vai ter o menor risco, porque é uma substância psicoativa milenar, não há relatos de mortes por overdose, e principalmente porque a maconha é uma substância natural, e isso vai fazer diferença na cadeia produtiva das drogas.”
que sem querer, com práticas de lavagem de dinheiro. Falta incentivo à denúncia por parte de qualquer um que presencie possíveis indícios.
e nesse ponto, vivemos recentemente um imenso retrocesso.
Você diria que a fome e a pobreza estão relacionadas a essas práticas? Certamente. Imagina esses valores destinados a políticas sociais? A distribuição de renda? A infraestrutura em locais de vulnerabilidade? São cifras capazes de mudar a história para melhor. Quais prejuízos essas práticas promovem à democracia, uma vez que do ponto de vista político esse dinheiro também acaba financiando campanhas eleitorais, ou não?! São imensos os prejuízos, pois imagine uma empresa de fachada, usada com fins de lavagem de dinheiro, financiando a campanha de um agente político para que esse, se eleito, legisle em benefício dessa ilegalidade, propondo que as regras e a regulação sejam menos severas. Ou ainda, o financiamento de campanhas através de dinheiro oriundo do narcotráfico, de organizações criminosas, com o objetivo de que seus eleitos também trabalhem para o afrouxamento de leis. Por isso é de extrema importância a proibição do financiamento privado de campanhas,
É possível dar alguma dimensão, alguma medida, de como a lavagem de dinheiro e a evasão de divisas estão relacionadas ao narcotráfico? As atividades relacionadas ao narcotráfico têm raízes espalhadas por todo o mundo, os entorpecentes trafegam entre diversos países até efetivamente chegarem ao consumidor final. O financiamento dessas atividades com certeza passa pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, mas é um tanto quanto difícil mensurar cifras correspondentes a essa modalidade. Quais são as empresas ou segmentos de atividade que adotam essas práticas? Foi habitual até algum tempo atrás postos de gasolina serem muito, mas muito utilizados para essa prática. Outros segmentos também já foram alvos: ramo imobiliário, empresas transportadoras, revendedoras de veículos, casas de factoring, comerciantes de joias e objetos de arte, instituições religiosas – estas com certa facilidade e frequência, uma vez que são movidas a doações, e doações são dificílimas de serem mensuradas. REVISTA DO BRASIL
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ENTREVISTA
HENRIQUE VIARD/DIVULGAÇÃO
Cemitério de Juiz de Fora onde estava enterrado Milton Soares de Castro, morto sob custódia dos militares na ditadura
O pior de tudo é não querer saber Com reportagens contundentes transformadas em livros, Daniela Arbex dá um pito em parte da sociedade brasileira que lida com episódios dramáticos de sua história com cabeça de avestruz Por Paulo Hebmüller 40
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ova 312 “é uma Comissão da Verdade”, disse a militante Amelinha Teles durante debate de lançamento do livro da jornalista Daniela Arbex em São Paulo. Para Amelinha, que foi presa e torturada na ditadura e assessorou a Comissão da Verdade Rubens Paiva, da Assembleia Legislativa paulista, se houvesse uma Daniela trabalhando em cada um dos casos de mortos e desaparecidos deixados pelo regime todas essas histórias estariam esclarecidas. O livro recupera a trajetória de Milton Soares de Castro, morto em 1967, aos 26 anos. Um dos militantes capturados na desastrada tentativa de implantação da guerrilha do Caparaó, na divisa
Sua investigação mudou a história no caso do Milton, e é citada em publicações oficiais sobre os mortos e desaparecidos. Você espera mudanças com o Cova 312, que praticamente comprova o assassinato?
Talvez não. Creio que pode ser corrigida a versão final do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que dá o Milton como desaparecido. É um equívoco histórico que precisa ser corrigido, porque o corpo está lá. Você tem a imagem da necropsia, o cadáver, o local onde foi enterrado e, portanto, tem o corpo. Muito mais do que corrigir versões, o livro faz justiça à memória do Milton. Além disso, pode mostrar ao Brasil que é possível continuar encontrando nossos mortos e desaparecidos políticos. Essa foi uma investigação individual, relativamente simples, e que consegui fazer sem grandes recursos. Creio que há vários Miltons por aí a ser localizados.
JR FARIA/ARQUIVO DA AUTORA
entre Minas Gerais e Espírito Santo, o gaúcho foi o único preso político encontrado morto na Penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora (MG). O hoje governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), e o atual prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda (PSB), estiveram entre os encarcerados em Linhares durante a ditadura. A versão oficial da morte de Milton apontava suicídio por enforcamento, e o Exército nunca informou à família onde estava o corpo. Numa investigação em 2002 para o jornal Tribuna de Minas, de Juiz de Fora, Daniela localizou a sepultura do jovem – a do título do livro –, o que mudou os registros históricos sobre o caso em publicações como Direito à Memória e à Verdade, da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Doze anos depois, a jornalista retomou a investigação e teve acesso em Brasília ao inquérito sobre a morte de Milton, desmontando finalmente a tese de suicídio. Daniela Arbex, 42 anos, é autora também de Holocausto Brasileiro (assim como Cova 312, da Geração Editorial), um relato das décadas de abandono e violência a que foram submetidas milhares de pessoas no manicômio Colônia, na cidade mineira de Barbacena – estima-se que cerca de 60 mil morreram ali. Lançado em 2013, Holocausto já vendeu mais de 100 mil exemplares e será transformado em documentário da HBO. Em São Paulo, onde participou, em julho, do 10º Congresso Internacional da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a repórter concedeu esta entrevista. Fala sobre seus livros, o futuro do trabalho dos jornalistas e a resistência de boa parte da população em conhecer o que de fato aconteceu na ditadura. “O pior de tudo é não querer saber.”
O Cova mostra o tamanho do abismo entre a nossa história e a população brasileira. É muito grave rejeitar o passado e deixar de querer saber o que aconteceu. Somos talvez o único país da América do Sul que teve uma ditadura em que não há empenho da população em continuar descobrindo seus mortos, e no qual há uma resistência a querer saber. Como podemos não nos interessar pela nossa história recente? Ter acesso ao inquérito e às fotos da morte do Milton fez toda a diferença em sua investigação, não é?
Só tive acesso 12 anos depois do início da investigação. As fotos fizeram toda a diferença porque eram as provas fundamentais. Eu tinha o local e a documentação do sepultamento, mas não tinha o cadáver. As fotos do cadáver me permitiram provar não só que o Milton realmente foi morto em dependências do Estado, como também que as lesões que ele trazia eram incompatíveis com suicídio. Mais do que isso: um perito da época volta atrás. Acho que é uma confissão histórica que precisa ser levada em conta: quase 50 anos depois a pessoa diz que estão caracterizadas a asfixia e o enforcamento, mas não o suicídio. Ele só não disse: “O Milton foi assassinado”, porque aí também era demais – e nem precisava. Creio que foi uma grande descoberta fazer uma pessoa daquela época praticamente confessar. Como você recebe as afirmações da Amelinha Teles, dizendo que o seu livro “é uma Comissão da Verdade” e que com uma Daniela para cada caso todas as histórias estariam esclarecidas?
São superelogios, claro, mas acho que ela exagerou. O livro levanta a versão mais próxima da verdade, e não posso me furtar de dizer que mudou um capítu-
Sem gastar sola de sapato não se faz reportagem. A internet é incrível, mas o corpo a corpo é vital. Estamos perdendo um pouco essa prática para o jornalismo de gabinete. Quem quer ser jornalista de gabinete nem seja!
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lo da história – de uma pessoa, mas já é importante. Não conseguimos avançar mais porque há famílias altamente mobilizadas e outras completamente desmobilizadas. Precisaríamos ter uma vigilância e uma busca permanente em relação ao tema. Mas o Brasil não tem essa cultura de investigar, de buscar e de questionar, como na Argentina ou no Chile. Simplesmente são aceitas as versões mais esdrúxulas. As famílias não são um bloco monolítico, há posturas diferentes entre elas, não é?
Há em nosso imaginário a ideia de que tudo já foi falado sobre a ditadura. Não foi. Só teremos tudo esclarecido quando todos os corpos tiverem sido localizados e todas as histórias, resgatadas. Estamos longe de conhecer a ditadura
É verdade, existe muita mágoa e muito sofrimento em relação à ditadura. A própria família do Milton não quis a exumação, o que para mim é um erro. Ao mesmo tempo, entendo o sofrimento de não querer passar por tudo aquilo de novo. O Milton foi enterrado numa cova rasa que a cada cinco anos era revolvida para receber novos corpos. Na cova dele, até 2002, foram enterradas mais sete pessoas. A informação relevante veio depois, com as fotos da necropsia e com a confissão de um envolvido. A exumação nesse caso não fez falta. Como se pode avançar em relação à questão dos mortos e desaparecidos?
Acho que o Brasil esperava mais do trabalho da CNV. Existia uma expectativa muito grande de que se resolvessem mais casos, o que não aconteceu. Na verdade, isso não desmerece o esforço importante e sério feito pela comissão, mas também mostra que os arquivos do país continuam fechados, porque nem a CNV teve acesso a tudo. Para ter acesso ao inquérito do Milton, tive de pedir autorização ao presidente do Superior Tribunal Militar (STM) e justificar meu pedido. Fiquei à mercê de uma autorização que poderia ser negada. Como isso é possível? Tem de haver um esforço coletivo para abrir esses arquivos. Se não conseguimos acessá-los, como vamos resolver os casos? Você conta que a editora-executiva do jornal, Denise Gonçalves, mandava você ir “buscar a lua” e, quando conseguia, dizia que “você pode ir além”. Estão faltando esse rigor e essa busca no jornalismo praticado atualmente? Temos apuração de menos e opinião demais?
Acho que sim. No congresso da Abraji, assisti a uma palestra da Fabiana Moraes (repórter especial do Jornal do Commercio, de Recife, e autora do livro O nascimento de Joicy – leia reportagem na edição 107). Ela faz um trabalho maravilhoso, com reportagens incríveis pela ousadia e pelos temas supercontroversos e delicados, como transexualidade, e consegue um grande espaço. Ai alguém falou: “Ah, mas o jornal dá 42
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esse espaço para ela”. Eu respondi: “Não, isso é fruto do esforço individual da repórter de brigar por esse espaço, de ter sensibilidade, de conseguir convencer o entrevistado a se deixar fotografar em determinadas situações”. Eu sei porque vivo muito isso no jornal. Consegue-se o espaço porque nesse esforço pessoal você traz uma informação que o jornal não tem como dizer que não vai publicar. As dificuldades são grandes em todas as redações, principalmente porque o jornalismo diário é massacrante e sempre falta tempo. Mas também faltam interesse e disposição. E parece que os mais novos querem resolvertudo pela internet, ou, quem sabe, por telefone...
Pois é. O pessoal diz que quer me entrevistar, aí dou meu telefone e eles falam: “Ah, vou te mandar as perguntas por e-mail”. Sem olho no olho, sem vir me encontrar, como você fez! Fico impressionada com essa ideia do esforço mínimo e digo que não vou responder por escrito. Acho absurdo. O menino diz: “Eu sou seu fã!” E eu respondo: “Então você não quer olhar no meu olho, vir me conhecer? Isso é o mínimo para descrever um entrevistado”. Fico preocupada, porque sem gastar sola de sapato não se faz reportagem. A internet é incrível, ajuda a pular etapas e a localizar coisas, mas o corpo a corpo é insubstituível. Por exemplo: eu briguei para entrar na Penitenciária de Linhares. Era importante? Para compor a minha história, era. Eu queria ver onde o Milton pisou, tentar entender um pouco o que ele sentiu naquela clausura, como era aquele lugar, qual era o seu cheiro. Claro que isso é importante. Estamos perdendo um pouco essa prática pela pressa dos fechamentos e também pelo desinteresse, por essa ideia de fazer jornalismo de gabinete. Isso não existe. Quem quer ser jornalista de gabinete nem seja! A cena em que você descreve o encontro com a família do Milton em Porto Alegre é forte (na roda de chimarrão, Daniela perguntou aos familiares como eles gostariam que Milton fosse lembrado. O irmão Edelson respondeu: “Como está sendo agora”).
Exatamente. Em 2002, entrevistei a família por telefone, porque o jornal não podia me mandar e eu não tinha dinheiro para ir ao Rio Grande do Sul. Agora foi totalmente diferente, e por isso dediquei um capítulo àquele encontro. Ali foi possível ver e abraçar. A Gessi (irmã de Milton) estava curiosa em relação a mim e eu em relação a ela, e ela disse que eu estava trazendo o Milton comigo. Essas coisas só acontecem estando junto, vendo e conhecendo as pessoas, e compõem a história que você vai contar.
ACERVO ICONOGRAPHIA
PRISÃO Milton Soares de Castro, segurando uma mochila, durante prisão dos guerilheiros na Serra do Caparaó, em 1967
Você menciona a sempre presente argumentação de que determinados temas já são “velhos e batidos”, que ninguém quer mais saber deles e que é preciso trazer um “fato novo”. Você trouxe, mas o livro conta também uma história “velha” pouco conhecida – Linhares foi uma prisão política importantíssima e ainda funciona.
Esse conceito é um erro. Linhares tem uma história paralela incrível e apagada. Existe no nosso imaginário a ideia de que tudo já foi falado sobre a ditadura. Não foi – ou não teríamos uma lista de 434 mortos e desaparecidos políticos no relatório da CNV. Só teremos tudo falado e esclarecido quando todos os corpos tiverem sido localizados e todas as histórias resgatadas. Estamos longe de conhecer a ditadura. A gente não sabe de nada. Acabei de fazer uma matéria sobre o relatório da Comissão Municipal da Verdade em Juiz de Fora. Todo mundo fala que conhece tudo sobre a ditadura em Juiz de Fora porque o golpe partiu de lá e o general Mourão (Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar e 4ª Divisão de Infantaria) saiu de lá com as tropas. Mas é só isso que a gente sabe! Se você perguntar a alguém: mas então, o que mais você sabe? “Bom, o general Mourão partiu de lá com as tropas...” E é só. As pessoas não têm ideia do que é ser perseguido, perder familiares e emprego, viver na clandestinidade, mudar de carreira e nunca mais resgatar essas coisas. É um grande equívoco achar que conhecemos essa história. O Cova 312 está me mostrando que as pessoas não só não sabem como resistem a saber. E isso é uma pena, porque quem vence a resistência de conhecer esse período se apaixona e conhece um Brasil e personagens que a história oficial não contemplou. O pior de tudo é não querer saber.
Como você avalia a crise do jornalismo, ou do modelo de negócios da imprensa?
Não sei onde essa crise vai dar e não sei se daqui a 15 anos vamos ter jornal impresso como hoje. Tenho certeza absoluta, e saí do congresso da Abraji com ela, de que temos que zelar pelo conteúdo, em que plataforma for. A questão não é discutir se vai morrer o jornal impresso ou coisa parecida. A questão é discutir se estamos fazendo jornalismo de qualidade, onde quer que estejamos. Temos de achar um caminho, porque o jornalismo não vai morrer – a democracia precisa dele. O foco da nossa preocupação tem de ser o risco de deixarmos de fazer jornalismo de qualidade, porque aí a sociedade estará lascada. Seu livro anterior, Holocausto Brasileiro, teve vários desdobramentos: você viajou o Brasil inteiro falando dele, houve o lançamento em Portugal e agora está sendo produzido um documentário a respeito. Como anda esse processo?
Foram 40 dias de filmagem de um documentário para a HBO, que deve ir ao ar no ano que vem. Vai ser um trabalho surpreendente até para o leitor do Holocausto porque há personagens novos e histórias que eu conheci depois do livro. O que me o rgulha muito é que o Holocausto conseguiu colocar no centro do debate público a questão da saúde mental, que estava muito periférica. O livro interferiu inclusive na formação dos novos psicólogos e psiquiatras, e mesmo de quem já está no mercado de trabalho. Várias faculdades, de várias especialidades, adotaram o livro, e isso é maravilhoso. O maior presente que o livro pôde me trazer é ver essa história sendo lida e sendo útil.
Não sei se daqui a 15 anos vamos ter jornal impresso. Só tenho certeza de que temos de zelar pelo conteúdo, seja em que plataforma for. E achar um caminho para o jornalismo não morrer – a democracia precisa dele
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PENÍNSULA BYGØY, OSLO. FOTO: JEAN-PIERRE DALBÉRA/FLICKR/CC
VIAGEM
Lições norueguesas O país tem belezas, serviços públicos e índices de desenvolvimento humano invejáveis. Graças ao uso exemplar de suas riquezas naturais, como o petróleo, e à gestão do Estado Por Flavio Aguiar
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isitar Oslo é uma experiência rica. Em conhecimentos e em... despesas. Tudo é muito caro. Quase tudo. O transporte público, por exemplo, em comparação com outras capitais europeias, é barato. Pessoas com mais de 67 anos pagam metade do preço das passagens, e o benefício é extensivo a seu ou sua cônjuge, independentemente da idade. E desde 1º de janeiro de 2009 a Noruega reconhece o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Restaurantes, serviços em geral, isto sim é muito caro – mesmo para quem venha de uma cidade como São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília. Mas dá para enfrentar. Vale a pena, por exemplo, procurar casa ou apartamento para alugar em vez de hotel, fazer compras em supermercados ou feiras, lanchar rapidamente durante o dia e cozinhar à noite. Esta, aliás, dependendo da época do ano, pode ser muito longa, 18 horas no pico do inverno, ou muito curta e diáfana, seis horas de um lusco-fusco no auge do verão. A população é gentil e acolhedora no mais das vezes. Parar na rua com um mapa na mão é convite para várias pessoas se disporem a ajudar. Há passeios bonitos de barco na baía que banha a capital no-
rueguesa, pelas ilhas próximas, incluindo museus vikings e as ruínas de um mosteiro cisterciense do século 12. Aliás, museus são um capítulo à parte. O de Arte Moderna é uma beleza só por seu prédio. Há o museu dedicado ao pintor expressionista Edvard Munch, a Galeria Nacional, a casa onde o dramaturgo Henrik Ibsen viveu seus últimos anos de vida, só para citar alguns exemplos. No verão, as manhãs são sempre frescas (de 12 a 15 graus), e à tarde o termômetro pode ir a 30. Como o número de parques na cidade é enorme, vale a pena uma esticada na grama para uma modorra.
Estado presente
Oslo é considerada a melhor capital europeia em matéria de qualidade de vida. O país todo, de 385 mil quilômetros quadrados – algo como Rio Grande do Sul e Santa Catarina juntos –, tem uma população de quase 5,2 milhões de habitantes, menos da metade da do município de São Paulo. Com um PIB nominal de US$ 421 bilhões e total (levando em conta o poder aquisitivo real da moeda) de US$ 351 bilhões, a Noruega tem Índice de Gini (que mede a desigualdade) de 22,3 (em uma escala de 0 a 100), o menor do mundo, e o melhor Índice de Desenvolvimento
GEORGE REX/FLICKR/CC
CAPÍTULO À PARTE Capital tem vários museus imperdíveis, como o de Arte Moderna (acima) e o Museu de Navios Vikings (abaixo)
fundo governamental dessa natureza no mundo. As do segundo são avaliadas em cerca de € 10 bilhões. O destino dessas reservas foi definido como uma “proteção para as futuras gerações”. Pelas normas vigentes, o Estado só deve gastar 4% dos fundos anualmente, capitalizando o restante para, entre outras coisas, equilibrar-se diante das variações do preço internacional do petróleo, como no momento, em que está em queda livre. Os recursos dos fundos podem ser utilizados para investimentos, inclusive no plano internacional, mas de acordo com rígidos padrões éticos. Por exemplo, eles não podem ser investidos em empresas que colaborem de alguma forma com a produção de armas nucleares. Tampouco em empresas que produzam tabaco. A lista de empresas excluídas é grande, e inclui as norte-americanas Boeing e a Walmart, esta acusada de violação de direitos humanos e trabalhistas. A francesa Alstom está “em observação”, considerada uma
FLAVIO AGUIAR
Humano – 0,944 (o IDH vai de 0 a 1). Para se ter uma ideia do significado disso, os Estados Unidos ocupam o quinto lugar em termos de IDH, com 0,914, mas caem para 28º levando em conta a desigualdade social, com 0,755. Um dos fatores desse sucesso é a utilização, em larga escala social, dos benefícios advindos da exploração do petróleo e derivados em sua plataforma continental no Mar do Norte. A descoberta de grandes jazidas submersas de petróleo data dos anos 1960, e desde então a Noruega se destaca mundialmente pela sabedoria (digamos assim) do uso dessa riqueza natural, ao lado de outras, como a pesca, energia, potencial hídrico e minérios. Petróleo e derivados respondem por 25% do PIB. E sua exploração combina com êxito operações de mercado com um amplo e rigoroso controle estatal sobre setores estratégicos da economia. A exploração do óleo tem três esteios principais: a Statoil, com 62% de suas ações em poder do Estado, a Aker Solutions, com 30% de controle direto pelo Estado, e a Petoro, com 100% do capital estatal. A Petora não faz exploração, mas é a companhia que controla as concessões para empresas privadas. O imposto sobre o lucro dessas explorações sob concessão é de 78%. Graças a esse controle, a Noruega estabeleceu dois fundos estatais de reserva, o Fundo Governamental de Pensões (FGP) Global e o FGP-Noruega. As reservas do primeiro são avaliadas em US$ 884 bilhões, sendo o maior
empresa com alto risco de envolvimento em operações de corrupção. Todo esse universo – ao lado de um sistema universal de saúde, de uma educação primorosa – só é possível graças ao controle extenso e rigoroso do Estado sobre a economia. A presença do setor público é forte no setores de energia (Statkraft), alumínio (Norsk Hydro), bancário (Banco DnB Nord, o maior do país) e telecomunicações (Telenor). Com isso, o Estado norueguês controla 30% das ações em jogo na Bolsa de Valores. A Noruega rejeitou em dois plebiscitos a entrada na União Europeia, embora participe do Mercado Comum Europeu e do acordo de Schengen, sobre vistos e imigração. O país tem alto índice de imigrantes, sobretudo paquistaneses. Em Oslo há até um setor de nome Pequeno Karachi (o mesmo da maior cidade do Paquistão), onde fica a principal mesquita da cidade. Nao se pense que não há tensões. A questão dos imigrantes permanece polêmica, como em outros vizinhos europeus. Foi o pano de fundo para os atentados de 22 de julho de 2011, perpetrados por um fanático de extrema-direta, Andreas Breivik, que deixaram oito vítimas no centro da cidade e 69 jovens mortos da Juventude do Partido Trabalhista na Ilha de Utoya. O uso maior ou menor dos fundos de reserva também provoca polêmicas entre conservadores e trabalhistas. Mas nem por sonhos alguém pensa em extingui-los ou entregá-los alegremente à gestão privada. São, portanto, várias as lições para o Brasil, nestes tempos em que as direitas alçam a cabeça querendo que o país abaixe a sua. REVISTA DO BRASIL
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curtaessadica
Por Xandra Stefanel
Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar
FOTOS: DIVULGAÇÃO
Cinema e inclusão
De 23 de setembro a 5 de outubro, a cidade de São Paulo sedia a sétima edição do Assim Vivemos – Festival Internacional de Filmes Sobre Deficiência. A mostra exibe 33 filmes e promove quatro debates sobre os temas autonomia, imagem e estigma, ser artista e autismo. Estarão em cartaz ficções, animações e documentários de 20 países. O Brasil participa com sete produções: E Agora José, Maria e João, de Marcio Takata; Conjuntos, de Rodrigo Cavalheiro e Monica Farias; Tatuagem e Terremoto, de Sávio Tarso e Nilmar Lage; Marcelo, de Jéssica Lopes; A Onda Traz, O Vento Leva, de Gabriel Mascaro; Marina Não Vai à Praia, de Cássio Pereira dos Santos; e Outro Olhar, de Renata Sette. “O amor e as lutas políticas das pessoas 46
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com deficiência já foram temas do festival. Este ano, recebemos uma grande quantidade de filmes sobre pessoas com autismo, com Síndrome de Down e deficiência intelectual. Mas o grande tema deste ano, que norteia a maior parte dos filmes, é a autonomia, a possibilidade de uma vida com independência. Este assunto surge como o grande objetivo, o grande desejo, o grande sonho. Os filmes, em seu conjunto, nos trazem um belo repertório de experiências, dificuldades e conquistas”, afirma a curadora do evento, Laura Pozzobon. Depois de passar por Rio de Janeiro e São Paulo, o evento deve ser realizado em Brasília em março do ano que vem. Confira a programação completa em www.assimvivemos.com.br. Grátis.
© ALICE RAHON STATE/COLLECTION MUSEO DE ARTE MODERNO, MÉXICO
Balada por Frida Kahlo, 1956 - 1966
Roulotte, 1955
Three Women with Crows, 1951
© LEONORA CARRINGTON/AUTVIS, BRASIL, 2015
Um dos artistas mais ativos e importantes para valorização da cultura da viola caipira no Brasil, Chico Lobo acaba de lançar seu primeiro livro, Conversas de Violeiro – Viola Caipira: Tradição, Mistérios e Crenças de um Instrumento com a Alma do Brasil (144 págs., R$ 45), e o álbum Cantigas de Violeiro (R$ 24,90), pela gravadora Kuarup. Em tom de uma boa prosa descontraída, o livro escrito em parceria com o autor e pesquisador carioca Fábio Sombra conta o folclore que envolve as origens do instrumento, passando por causos, crendices e tradições populares. Já o álbum revisita os 30 anos de carreira de Chico Lobo, com folias, modas, batuques, catiras e toques de viola. Entre as 14 canções – duas delas inéditas –, o disco traz a participação especial de Rolandro Boldrin em Simpatia da Cobra Coral, de Xangai em Boi Carreador e de Pena Branca na canção Tropa.
Vinte telas e 13 obras sobre papel, entre as quais nove desenhos, duas colagens e duas litografias da artista mexicana Frida Kahlo podem ser vistas de 27 de setembro a 10 de janeiro de 2016 no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. A exposição Frida Kahlo – Conexões Entre Mulheres Surrealistas no México apresenta cerca de 100 obras de 16 artistas e revela como Frida acabou se tornando uma figura central na produção de outras mulheres nascidas ou radicadas no quinto maior país das Américas. Entre as 20 pinturas de Frida na mostra, seis são autorretratos. Há Frida Kahlo en Vestido Azul, 1939 também fotografias de Lola Álvarez Bravo, Lucienne Bloch e Kati Horna, que retrataram a artista, e obras de Maria Izquierdo e Rosa Rolanda. De terça a domingo, das 11h às 20h, na Avenida Faria Lima, 201, em Pinheiros. Mais informações: (11) 2245-1900. R$ 5, R$ 10 e grátis às terças-feiras.
© REMÉDIOS VARO/AUTVIS, BRASIL, 2015
Conversas e cantigas
© NICKOLAS MURAY PHOTO ARCHIVES
Frida no Brasil
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Respeito às diferenças
“Somos fortes, merecedoras de respeito e especiais do jeito que somos, independentemente de opiniões e julgamentos alheios.” Esta é a mensagem que a ilustradora mineira Carol Rossetti quer passar desde que começou espalhar seus desenhos de mulheres pela rede, em abril de 2014. As ilustrações que viralizaram na internet vêm sempre acompanhadas de frases que têm como objetivo reforçar a ideia de que a mulher é dona do próprio corpo e que ninguém tem o direito de criticá-la ou julgá-la por sua aparência, orientação sexual, escolhas etc. Em agosto, seus desenhos foram lançados em formato de livro. Além das ilustrações, Mulheres – Retratos de Respeito, Amor-próprio, Direitos e Dignidade (Ed. Sextante, 160 págs.) também traz textos sobre os temas centrais abordados em seu trabalho, como corpo, estilo, identidade, relacionamentos e superação. R$ 39,90.
Toca de novo
FOTOS: DIVULGAÇÃO
Era uma vez, uma família autoritária
O diretor Domingos de Oliveira lança em setembro o longa-metragem Infância, uma adaptação da peça Do Fundo do Lago Escuro, também de sua autoria. A história que se passa em meados da década de 1950 narra um dia na infância de Rodriguinho (Raul Guaraná) em um casarão de Botafogo, no Rio de Janeiro. Enquanto a avó do garoto, a matriarca Dona Mocinha (majestosamente interpretada por Fernanda Montenegro), espera pelo discurso de Carlos Lacerda no rádio, vêm à tona os conflitos internos e externos, além da decadência cada vez mais evidente da família. Verborrágica e autoritária, Dona Mocinha tenta de todas as formas preservar da passagem implacável do tempo os valores familiares e seu status. O roteiro, também assinado por Domingos, resgata as memórias do próprio diretor, que se coloca frente a frente com a criança que um dia foi. Fernanda Montenegro e Paulo Betti (por menor que seja seu papel) seguram soberanos o filme, que tenta ser uma mistura de drama e comédia. 48
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Sandra Peres e Paulo Tatit celebram os 20 anos de Palavra Cantada com o lançamento de uma caixa com os cinco principais DVDs da dupla: Canções do Brasil (2006), Pé com Pé (2007), Brincadeiras Musicais (2011), Vem Dançar com a Gente (2011) e Pauleco e Sandreca (2013). O conjunto lançado pela MCD reúne show e “versões visuais” dos clássicos Criança não Trabalha, Bolacha de Água e Sal, Sopa, Rato, Vambora e Carnaval das Minhocas, entre outros. R$ 149,90.
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DIVULGAÇÃO
Elifas e as vitrines musicais A arte que embalou muitos discos da música popular brasileira compõe a exposição Elifas Andreato: Contornos da Música Carioca, em cartaz no Centro de Referência da Música Carioca até 13 de dezembro. A mostra apresenta o universo criativo do artista paranaense que ilustrou mais de 400 LPs. Além de capas de álbuns de Chico Buarque, Paulinho da Viola, Clara Nunes, Zeca Pagodinho, Martinho da Vila, entre outros grandes nomes da MPB, a exposição reproduz os espaços de criação de Andreato, o cenário de algumas de suas capas em tamanho real e oferece tablets nos quais os visitantes podem ouvir os discos em questão. Também serão exibidos o documentário Elifas Andreato, Um Artista Brasileiro e vídeos em que o artista fala sobre seus principais trabalhos. De terça a domingo, das 10h às 18h, na Rua Conde de Bonfim, 824, na Tijuca, Rio de Janeiro. Informações: contornosdamusicacarioca.com.br. Grátis.
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‘A melhor coisa do mundo é a generosidade’
YASMIN BOTELHO/MÍDIA NINJA
“A pior são os bancos”, diz José Pepe Mujica, diante de 10 mil jovens na Universidade Estadual do Rio de Janeiro
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ex-presidente uruguaio José Pepe Mujica fez história com sua simplicidade e sabedoria diante da multidão de jovens que lotou a concha acústica da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), no último 27 de agosto. Dois dias depois, encontrou-se com o ex-presidente Lula em São Bernardo do Campo, e voltou a falar diante de milhares. Aos 80 anos, 14 vividos no cárcere da ditadura, sete deles na solitária, o socialista Mujica se tornou referência mundial de coerência e ética na política. E encantou com suas frases-lição. “Não há homem insubstituível, há causas insubstituíveis. E essas causas precisam de defesa coletiva e organizada dos homens. Necessitamos de ferramenta coletiva para tratar de modificar a realidade.” 50
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“Os estudantes têm que se dar conta que não é só uma mudança do sistema, é mudança de cultura. Não tem como sonhar com um mundo melhor se não gastar a vida lutando por ele.” “Temos de superar o individualismo e criar consciência coletiva para transformar a sociedade.” “É a hora de um continente distinto, de uma civilização distinta. Não podemos imitar a Europa, o Japão. Não podemos querer desenvolvimento com sofrimento, com angústia. A generosidade é o melhor negócio para a humanidade. Os bancos são o pior.” “Há que gastar um tempo para trabalhar, porque se não trabalha está vivendo de outro que trabalha. Mas tem que ter tempo para o amor, os filhos, os amigos. Se sua vida se transforma em pagar contas e trabalhar horas e horas, haverão comprado toda sua liberdade.”
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