HUMOR PARA MAL-HUMORADOS Gregório Duvivier quer cutucar certezas
LIVROS PARA PEQUENOS CIDADÃOS Além de histórias, respeito ao próximo
nº 116 abril/2016
NÃO SE ILUDA
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Todos defendem o combate à corrupção. Mas “salvadores da pátria” querem cortar direitos, privatizar e dar o pré-sal
RESPEITO À DEMOCRACIA
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ÍNDICE
EDITORIAL
8. Brasil
As reais intenções dos “indignados”
18. Entrevista Duvivier e o remédio contra a “outrofobia”
22. Trabalho Acordo contra os males do mercúrio
26. América Latina Início do governo Macri inquieta a Argentina
MÍDIA NINJA
32. Ambiente Futuro do acordo do clima causa dúvidas
Chico no Rio: divergências existem, mas não se pode pôr em dúvida a integridade da presidenta
36. Literatura O poeta da floresta completa 90 anos
Fazer valer a democracia
O
PIXABAY
Pirâmides em Teotihuacán
40. Viagem
História e histórias nas rotas do México
44. Cidadania Livros infantis que evocam respeito
Seções Cartas
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Marcio Pochmann
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Destaques do mês
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Lalo Leal
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Mauro Santayana
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Emir Sader
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Curta essa dica
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Atitude
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uando Chico Buarque apareceu de surpresa em uma manifestação contra o impeachment no tradicional Largo da Carioca, no centro do Rio, logo se lembrou do golpe de 52 anos atrás, já que era 31 de março. O cantor e compositor fez referência à data, mas para lembrar que aquele episódio não poderia se repetir. E fez um apelo ao bom senso: as pessoas podem não gostar do PT, podem não ter votado em Dilma, porém não se podia pôr em dúvida a integridade da presidenta. Quem faz comentários políticos tem sido hostilizado nas redes sociais, nas ruas, até dentro de casa. Usar determinadas roupas pode ser motivo de agressão física. Ter opinião tornou-se condenável. Especialmente quando vai contra a corrente, aquela encampada pelos principais meios de comunicações, para quem o Brasil só anda para a frente se varrer do mapa não a corrupção, mas um partido político, apenas um. O que embute também aversão a um ideário de busca de avanços sociais, em um país ainda muito atrasado. Em sua coluna nesta edição (leia à página 15), o professor Lalo Leal observa: para saber o que está acontecendo no país, é melhor acompanhar os meios de comunicação estrangeiros. A cobertura política trata de forma desigual as manifestações e inclina-se à derrubada do governo. Isso quando não trata de forma ofensiva e desrespeitosa alguns de seus representantes. Em nome da livre expressão, recorre-se ao vale-tudo. Em nome da moralidade, quantos interesses e valores inconfessáveis. Corruptos avaliando o impeachment? Assim, é preciso dizer quem quer o quê, e o que está em jogo, com a mudança no poder. Reformas, sim. Mas para a turma do chamado mercado, a quem o governo equivocadamente acenou nos últimos anos, esquecendo que há interesses inconciliáveis em questão. Eles querem eliminar direitos, flexibilizar, privatizar. De um governo apoiado por movimentos sociais esperam-se ações para o crescimento, pela redução da desigualdade e por justiça social, caminho que o país começou a trilhar, timidamente. Eles querem retomar uma histórica tradição brasileira, de governar para poucos. Nota da Redação: esta edição foi fechada no dia 6 de abril, procurando acompanhar, do jeito possível, a velocidade cada vez maior dos acontecimentos, em especial na política brasileira. REVISTA DO BRASIL
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CARTAS www.redebrasilatual.com.br Coordenação de planejamento editorial Paulo Salvador e Valter Sanches Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editor Assistente Vitor Nuzzi Redação Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Eduardo Maretti, Fábio M. Michel, Helder Lima, Hylda Cavalcanti, Rodrigo Gomes e Sarah Fernandes Arte Leandro Siman Iconografia Sônia Oddi Capa Montagem com fotos da Pixabay. Paulo Pepe/RBA (Gregório Duvivier) Ilustração de Júnior Caramez para A Princesa e a Costureira (livros infantis). Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3295 2800 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328 8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3295 2800 (Carla Gallani) Impressão Bangraf (11) 2940 6400 Simetal (11) 4341 5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Tiragem 120 mil exemplares
Conselho diretivo Adriana Magalhães, Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Arcângelo Eustáquio Torres Queiroz, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Deusdete José das Virgens, Douglas Izzo, Edgar da Cunha Generoso, Edmar da Silva Feliciano, Eliana Brasil Campos, Eric Nilson, Fabiano Paulo da Silva Jr., Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Gervásio Foganholi, Glaucus José Bastos Lima, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete de Oliveira Silva, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Raimundo Suzart, Raul Heller, Roberto von der Osten, Rodrigo Lopes Britto, Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Juvandia Moreira Rafael Marques Diretores financeiros Rita Berlofa Moisés Selerges Júnior
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Rede da legalidade A riqueza do Brasil tem que ser dividida com os brasileiros e não com meia dúzia de empresários e políticos neoliberais corruptos... (“A nova rede da legalidade”, ed. 115) Edu Souza A culpa por tudo que acontece atualmente é do próprio Lula. Sabia que a oposição iria fritá-lo na primeira oportunidade, mas mesmo assim não acreditou. Acabou dando no que deu. Foi atacado há tempo mas nem ele e nem o PT se defenderam. Deixaram para reagir no final. Agora... aguentem!!! E o Brasil? Novo Brasil Fui assinante de Exame durante alguns anos. Quando a revista passou a priorizar assuntos de política, diga-se, defender os interesses de partidos e políticos de direita em detrimento de assuntos de economia e negócios, cancelei a assinatura e deixei de lê-la. Ficou uma revista canalha igual à sua irmã Veja. Admira-me que o governo que apanha semanalmente desse lixo ainda tenha coragem de nela fazer anúncios. Miguel Silva
Chico Buarque Chico é Chico... E ponto. (“O disco do Chico”, ed. 115) José Fernandes
Atraso Vários erros foram cometidos. O PT, esse tempo todo no governo, tem uma base irrisória, confiou no PMDB, usou e abusou de coligação nos estados, tinha que ter aproveitado e crescer como partido, mas foi se atrelar ao PMDB e na primeira oportunidade é traído pelo seu “parceiro”. O pior vice que poderia arrumar foi Temer, pelo seu caráter e pela sua base política. Se fosse de qualquer outro estado, não estava conspirando. Paulista, nasceu na política pregando golpe... A história nos diz isso. (“Sob o domínio do atraso”, ed. 115) Manu Nenhum dos BRICS está vivendo em céu de brigadeiro. Talvez a Índia seja mais dócil que o Brasil. A Rússia está gastando alguns bilhões por ano na área militar. A economia chinesa começará a enfrentar os problemas tipicamente ocidentais. Mundo afora, já se fala numa situação pré WW III, onde a crise do capitalismo só se resolveria com mais um conflito. Dilma já não tem muita margem de manobra, que piora em função de sua personalidade honesta, mas centralizadora. Na surdina o Congresso entrega o Brasil com tudo dentro. Marcos Silva
Vinil Os discos de vinil fazem da vida de seus amantes uma verdadeira trilha sonora. (“Os sentidos na ponta da agulha”, ed. 114) Som Livros Usados Zika Aqui em Ponta Grossa (PR), o Exército aparentemente esteve nas casas. Mas na rua onde passo, vejo atráves das grades aproximadamente 30 garrafas com a boca para cima e pela metade de água. Não posso acreditar em certas coisas... (...) (“O fenômeno Zika”, ed. 114) Renato Andretti
carta@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para o seguinte endereço: Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que a mensagem venha acompanhada de nome completo, telefone e e-mail.
MARCIO POCHMANN
Ética empresarial e a traição das elites Sem que o Brasil herdado do neoliberalismo seja passado a limpo, dificilmente a democracia será mantida plenamente O descrédito da população frente à deturpação da representação partidária e dos certames eleitorais fortalece o movimento maior que está em curso, de alterar profundamente a relação do Estado com o mercado
ANDRÉ TAMBUCCI/ FOTOS PÚBLICAS
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a sociedade atual, a ética orientada pela consciência, independente de vícios e vontade alheia, conforme definida por clássicos como Aristóteles, terminou sendo associada ao cumprimento das leis estabelecidas. Nesse sentido, a busca pelo capital enquanto objetivo exclusivo dos indivíduos submetidos ao capitalismo estaria mediado pela ação da política e leis. Em grande medida, a realidade brasileira da corrupção desvendada por várias operações dos órgãos de vigilância, repressão e justiça explicita como o “amor pelo dinheiro”, conforme apontado por J. Keynes, subverteu as leis exigentes de convivência ética, sobretudo empresarial. Mas isso somente se tornou possível com a liberdade de atuação e as condições decentes de trabalho concedidas aos órgãos responsáveis pelo governo liderado pelo PT desde 2003. Acontece que a prática do corrupto no setor público somente se manifesta a partir da existência do corruptor no setor privado, conforme entendeu a Lei 12.846, de 2013, que inovou a respeito da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública. Assim, o Brasil passou a assistir, pela primeira vez, empresários sendo presos e condenados por práticas de corrupção. Percebe-se que, embora a prática da corrupção seja de longa duração, somente com o novo instrumento legal e liberdade de atuação das instituições responsáveis que a prática da corrupção foi detectada e coibida em grande escala. Mas, para além disso, deve-se considerar que a desconstrução do Estado por força das políticas neoliberais adotadas ao longo dos anos de 1990 enfraqueceu os dispositivos de coibição das práticas da malversação dos recursos públicos. Em função disso, a relação entre o Estado e o mercado foi sendo gradual e lentamente comprometida pela presença crescente de cartéis participantes dos processos licitatórios nas compras públicas. O abandono da ética empresarial tornou-se inegável, com o
desvio das normas básicas da competição em torno dos contratos com o setor público (União, estados e municípios) e empresas estatais. Com a finalidade de acobertar essa prática difundida no Brasil em torno do abandono da ética empresarial, foi sendo absorvido e financiado o sistema político nacional, bem como outras instituições de controle e justiça. O descrédito da população frente à deturpação da representação partidária e dos certames eleitorais fortalece o movimento maior que está em curso, de alterar profundamente a relação do Estado com o mercado. Diante disso, contudo, as elites distanciam-se do compromisso democrático, alienando mais e organizando forças sociais em torno do impedimento da presidente Dilma, cujo enfrentamento da corrupção tem sido incomparável e levado a ferro e fogo. A traição maior ocorre quando o movimento das elites pretende colocar outro governo, qualquer governo, sem base legal para solapar as operações que colocam em xeque quase todos os partidos e lideranças nacionais e locais. Sem que o Brasil herdado do neoliberalismo e que borrou a ética empresarial seja passado a limpo, dificilmente a democracia será mantida plenamente. Por isso, a traição das elites em relação à defesa do regime democrático no Brasil. REVISTA DO BRASIL
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Informação diária no portal, no Twitter e no Facebook
CUBA DEBATE
FOTOS: PIXABAY
Obama e Raúl Castro
Para crianças, não
Tio Sam na Ilha
Em votação unânime, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a proibição de publicidade infantil. A decisão saiu após uma ação do Ministério Público de São Paulo contra uma peça publicitária, a partir de uma denúncia feita em 2007. O STJ julgou procedentes as denúncias de publicidade abusiva e venda casada, afirmando que deveriam ter sido respeitadas normas de proteção específicas do público infantil. “É uma decisão paradigmática. É a primeira que chega no STJ sobre esse tema e traz interpretação de um conjunto de leis que garantem a prioridade absoluta do direito das crianças, inclusive nas relações de consumo”, afirmou a advogada que representa a Alana, associação autora da denúncia. bit.ly/rba_crianças
A presença de um presidente norte-americano em Cuba representou um fato histórico que ainda terá repercussões devidamente conhecidas. Em 22 de março, Barack Obama afirmou ser preciso “enterrar os restos da Guerra Fria nas Américas” e disse que seu governo continuará trabalhando pelo fim do embargo econômico à Ilha, em decisão que depende do Congresso de seu país. Especialistas destacam os esforços diplomáticos da Casa Branca e do Vaticano para consumar esse reencontro, mas lembram que se trata de um processo também tardio, à medida que outros países, como China e Rússia, já intensificaram essa aproximação. bit.ly/rba_cuba
Trabalho para eles, não O Brasil tem ainda mais de 3 milhões de jovens de 5 a 17 anos trabalhando, mas esse número vem diminuindo. Em duas décadas, de 1992 a 2013, a redução foi de 59% – de 7,8 milhões para 3,2 milhões. A queda no período 2003-2013 foi de: 38,4%. Os dados foram divulgados pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, com base em informações do IBGE. bit.ly/rba_infantil
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VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL
Apesar da redução, o Brasil ainda tem 3 milhões de trabalhadores entre 5 e 17 anos
Canibais nos trilhos
Uma denúncia de “canibalização” de trens levou a Companhia do Metropolitano (Metrô) de São Paulo ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), e diretores da empresa admitiram que foram retiradas peças de cinco composições para garantir a manutenção de outras. Mas alegaram que se tratava de um procedimento planejado. Segundo o Sindicato dos Metroviários, havia 11 trens parados, em duas regiões, nas zonas leste e sul da capital paulista. A entidade afirma que o Metrô tira vários itens dessas unidades para que outras possam operar. bit.ly/rba_metro1 bit.ly/rba_metro2
O doutor em Agronomia Jefferson Fernandes do Nascimento, 51 anos, tornou-se em 12 de março o primeiro reitor indígena do país. Eleito em novembro, ele assumiu a reitoria da Universidade Federal de Roraima (UFRR), instituição criada em 1989 e que nunca teve em sua direção um representante do próprio estado. Nascimento é da etnia Macuxi, a maior de Roraima. “Somos divididos em várias comunidades, com localização diversa no estado em regiões de fronteira”, conta. “Sempre que posso participo, com minha família, das atividades culturais, além de acompanhar desafios da região em várias esferas: política, social, econômica. Valorizo minhas raízes.” Ele lembra que a UFRR é a primeira instituição federal de ensino superior a implementar cursos específicos de graduação para formação de indígenas. “Nosso objetivo é desenvolver e articular com professores, comunidades e organizações de Roraima e com a sociedade em geral a formação profissional dos indígenas da região, de modo específico, diferenciado e intercultural. Temos visto a melhoria na qualidade deste estudante que sai da UFRR e amplia espaços sociais e políticos na sociedade e a contribuição para suas comunidades.” bit.ly/rba_reitor
Muitos interesses em torno do fornecimento da água potável
Não é bem assim
UFRR
Eleito em novembro, Jefferson Fernandes do Nascimento é da etnia Macuxi, a maior de Roraima
MARCOS SANTOS/USP IMAGENS
Reitor e índio
As chuvas dos primeiros meses de 2016 trouxeram alívio à população de São Paulo, mas o problema está longe de terminar, em que pese declaração feita pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), para quem a crise está superada. “(A afirmação) mostra uma visão equivocada sobre segurança hídrica, induz o aumento do consumo e, consequentemente, diminui a já frágil resiliência da Grande São Paulo para enfrentar novas crises. Inclusive porque a situação atual é melhor do que na mesma data em 2014 e 2015, mas ainda muito pior do que era entre 2010 e 2013, período anterior à crise”, diz a Aliança pela Água, que reúne 48 organizações. Para a Aliança, as chuvas contribuíram para a recuperação do nível dos reservatórios, “mas ainda estamos distantes de atingir um nível seguro”. bit.ly/rba_agua1 O Dia Mundial da Água, celebrado em 22 de março, foi motivo para reflexão sobre como os interesses financeiros predominam sobre questões sociais e ambientais. Os rios de São Paulo são exemplo disso. “Temos de ter uma cultura de apropriação dos rios. É preciso considerar que os rios são nossos amigos, e não depósitos de lixo. Isso tem de mudar. O rio não é sujo, sujos somos nós, que poluímos os rios”, afirma o pesquisador e ecologista Ricardo Raele, autor do livro Análise Ambiental: Sustentabilidade, Cenários e Estratégia, lançado em 2015. Para ele, os rios são termômetros de nosso estágio civilizatório. Ele destaca ganhos sociais, econômicos, políticos, culturais e estratégicos com um processo de despoluição. “Mas do ponto de vista social, os ganhos são os mais importantes. Com esses rios limpos, nós poderíamos ter um parque linear gigantesco. A cidade seria cortada pelos rios e pelo parque, com árvores, atraindo pássaros, por exemplo, e equipamentos culturais também poderiam atrair as pessoas, como um museu de história natural, com dados da fauna e flora construída nesses rios, e que já existia antes da poluição.” bit.ly/rba_agua2 REVISTA DO BRASIL
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Articuladores contra o governo dizem que não há golpe, mas situação política obriga atores a revelar suas verdadeiras, e muitas vezes violentas, intenções
NA HORA DA N
o país dos paradoxos chamado Brasil, políticos investigados por corrupção e alguns até réus, como o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tentam levar adiante um processo de impeachment contra uma presidente da República sem 8
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que haja, ao menos até agora, um crime de responsabilidade. Partidos de oposição pedem formalmente a prisão de Guilherme Boulos, líder dos sem-teto, acusando-o de incitar a violência, enquanto seus aliados pregam abertamente atos ofensivos contra artistas e juízes, ou contra qualquer um que se manifestar a favor da preservação
do mandato de Dilma Rousseff. O clima de intolerância instaurado no país levou a reações que fazem supor que o jogo não está decidido. Comitês pela democracia se multiplicaram pelo país, assim como seguidas manifestações de rua defendem a legalidade e chamam a atenção para as intenções por trás de um
FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL
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Para virar a mesa e intimidar, vale praticamente tudo. Um colunista do jornal Folha de S. Paulo, Hélio Schwartsman, por exemplo, escreveu na edição de 5 de abril que o impeachment de Dilma seria uma solução “muito mais civilizada que o assassinato”. E um grupo chegou a oferecer uma gratificação a quem filmasse ataques ao ex-ministro Ciro Gomes, crítico do processo de impedimento.
Apreço à democracia
Em 31 de março, quando várias manifestações pelo país pregaram o respeito à legalidade e criticaram o processo de impeachment, muitos se lembraram de 1964. O cantor e compositor Chico Buarque apareceu em um ato no Rio de Janeiro e admitiu que existem desiludidos com o governo e gente que não gosta do PT ou de Dilma, mas ponderou que isso não podia significar dúvidas quanto à integridade da presidenta. Disse ainda que todos estavam unidos “pelo apreço à democracia e em defesa intransigente da democracia”. Caetano Veloso, não exatamente um apoiador do governo, viu semelhanças entre o ato anti-Dilma do dia 13 de março, na Avenida Paulista, em São Paulo, e a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, manifestação conservadora de 1964. E seu público mostrou que outros personagens estão na mira: durante apresentação com Gilberto Gil no Farol da Barra, em Salvador, a plateia completava com gritos de “Cunha!” o refrão da músi-
ca OdeioVocê. Caetano também acompanhou o coro que foi se repetindo em atos pelo país, o “não vai ter golpe”. Réu no Supremo Tribunal Federal (STF), Eduardo Cunha segue em frente nas articulações contra Dilma. Na Câmara, a comissão especial que analisa o processo de impeachment acelerou os trabalhos – a expectativa era de que a votação ocorreria no dia 18 de abril –, enquanto as reuniões do Conselho de Ética, que investiga Cunha, se arrastam há meses. Mesmo quem se declara como oposição, mas é contra o impeachment, sofre ataques. Em cerimônia no Palácio do Planalto, a atriz Letícia Sabatella disse diante de Dilma que era oposição ao governo, mas comparecia ao ato a favor da presidenta porque via em ação um plano oposicionista para tomar o poder “na marra”. Pouco tempo depois, foi atacada em redes sociais e teve o perfil apagado do Facebook.
Golpe palaciano
Alguns dos principais jornais embarcaram com gosto na campanha para remover o governo, replicando discurso do mercado financeiro que só sem Dilma o país pode entrar no eixo. Mas uma gestão do PMDB, que em três minutos decidiu deixar a base aliada, seria solução? “O PMDB encontra-se envolvido em todos os episódios de corrupção que são utilizados para atingir o PT”, diz o cientista político Fabiano Santos, em entrevista ao jornal El País. “Dificil-
suposto clamor pela moralidade. Entidades patronais e políticos conservadores se preparam para uma avalanche de iniciativas contra direitos sociais, pela chamada flexibilização da legislação trabalhista, por mais privatizações e mudanças na lei do pré-sal, a fim de facilitar o jogo para empresas de fora.
ANTONIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL
DA VERDADE DUPLA DINÂMICA Unidos em uma mesma estratégia, o vice-presidente, Michel Temer, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, são as principais peças do PMDB no xadrez político em que se transformou a tentativa das forças conservadoras de apear do poder o PT e a presidenta Dilma REVISTA DO BRASIL
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mente os atores hoje inconformados com o governo, à esquerda e à direita, enxergariam nas lideranças deste partido autoridade e competência para administrar a crise, sobretudo em uma conjuntura que para muitos resulta de um golpe palaciano.” Para o analista, um processo de impeachment vitorioso teria significados negativos para o país. “Significaria a quebra do jogo democrático e a revelação de que as bases institucionais da democracia brasileira ainda são frágeis, ao contrário do que vínhamos imaginando desde a promulgação da Constituição de 1988”, afirma, identificando uma “típica conspiração palaciana, apoiada por setores monopólicos dos meios de comunicação e setores do Poder Judiciário”. Pode-se dizer que apoiada também com forte presença empresarial, tendo à frente o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o peemedebista Paulo Skaf. Ao mesmo tempo em que aponta a penúria do setor industrial, que de fato enfrenta grave crise, o líder patronal não economizou em sua campanha pela renúncia e, posteriormente, pelo impeachment. As estimativas vão à casa dos milhões de reais em anúncios – professores da rede particular em São Paulo calculam ao menos R$ 8 milhões –, sem contar sanduíches de filé-mignon a manifestantes antigoverno entrincheirados diante da Fiesp, também na Avenida Paulista, e um pato gigante sobre o qual pesa acusação de plágio por parte de um artista holandês. Várias entidades patronais se manifestaram pela saída de Dilma do governo, como fator necessário para o país iniciar um processo de recuperação, passando por reformas na legislação trabalhista, sempre a título de “modernização”. O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) listou 55 ameaças a direitos tramitando no Congresso. O diretor do instituto Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, diz que, independentemente da definição do processo de impeachment, quem pagará a conta será o trabalhador. Ele também destaca a possibilidade de 10
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FÔLEGO NOVO Em São Paulo, manifestação contra o impeachment tomou a Praça da Sé e trouxe a lembrança da campanha pelas diretas
RICARDO STUCKERT/ INSTITUTO LULA
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LULA MARQUES/AGÊNCIA PT
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LULA MARQUES/AGÊNCIA PT
FRENTE BRASIL POPULAR Ato Brasil pela Democracia, no Teatro Casa Grande (RJ), reuniu manifestantes contra o processo de impeachment e pela legalidade
APOIO Letícia Sabatella disse diante de Dilma que era oposição, mas comparecia ao ato a favor da presidenta porque via em ação um plano para tomar o poder “na marra”
REPÚDIO Manifestações questionam postura dos meios de comunicação
adoção do programa do PMDB, que chama de “retrógrado e medieval”, em um cenário econômico desfavorável, com deterioração das finanças públicas e queda de receitas – fatores que seriam usados para justificar um “ajuste” mais profundo. “Com isso, a investida sobre direitos parece inexorável”, diz o analista político do Diap. Em um eventual novo governo, lembra, alguns itens do programa peemedebista, expresso no documento Ponte para o Futuro, poderão ser implementados,
que a operação tem viés político: os governos que estão sendo investigados são os “do PT”, disse em palestra. “A Lava Jato é, agora declaradamente, uma operação judicial com objetivo político-partidário, cujos atos e êxitos contra a corrupção são partes acessórias do percurso contra três governos (partido e personagens). Não são esses os mandatos conferidos ao juiz e aos procuradores da Lava Jato, no entanto”, escreveu o jornalista em sua coluna dominical, em 3 de abril. O juiz federal Sérgio Moro chegou a
“tanto por pressão do poder econômico quanto por exigência de partidos liberais que integrarão a coalizão de apoio ao novo governo, inclusive muito da base atual e quase todos da atual oposição”. (Leia mais sobre o PMDB à página 14).
Ação seletiva
Editorialista do jornal Folha de S. Paulo, o veterano Janio de Freitas pescou uma frase do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força-tarefa da Operação Lava Jato, para observar
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ser criticado pelo ministro Marco Aurélio Mello, do STF, após o episódio de condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depoimento, no início de março. “Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado.” Para o magistrado, é preciso, sim, consertar o Brasil. “Mas não vamos atropelar”, pediu. Outro ministro do STF, Teori Zavascki, relator da Operação Lava Jato, fez ressalvas à atuação de Moro, ao referir-se à divulgação de alguns grampos telefônicos. “É importantíssimo que nós, neste momento de grave situação que o Brasil passa, de comoção social, que investiguemos, que o Judiciário controle isso, que o Ministério Público se empenhe, que as autoridades policiais se empe-
REDE DO MAL Página no Facebook do Movimento Endireita Brasil: recompensa a quem hostilizar Ciro Gomes e Lula. Ameaças também foram feitas por outros extremistas à atriz Letícia Sabatella
MARCELO CAMARGO/AGENCIA BRASIL
POR TODO O PAÍS As manifestações pela legalidade, pela defesa da Constituição e contra o impeachment se espalham. Reações da sociedade contra o que se considera golpe fazem supor que o jogo não está decidido
A FIESP E O PATO Paulo Skaf, líder patronal, não economizou em sua campanha pela renúncia e, posteriormente, pelo impeachment. As estimativas vão à casa dos milhões de reais em anúncios e um pato gigante sobre o qual pesa acusação de plágio
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nhem para investigar e punir independentemente do cargo que a pessoa ocupa, da situação econômica e do partido que defende. Mas, para o Supremo Tribunal Federal, é importante que tudo isso seja feito com estrita observância da Constituição Federal.” No meio do redemoinho, surgiram propostas como um “semiparlamentarismo” ou mesmo eleições gerais. A respeito do parlamentarismo, pesa a avalia-
ACERVO UGT
CONTA CARA O Diap listou 55 ameaças a direitos tramitando no Congresso. O diretor do instituto Antônio Augusto de Queiroz diz que, independentemente da definição do processo de impeachment, quem pagará a conta será o trabalhador
FOTO GERARDO LAZZARI/RBA
Crise se supera com democracia Há, de fato, uma crise econômica séria, que afeta principalmente os setores mais vulneráveis da população, como se vê pela alta do desemprego (que atinge 9,6 milhões, segundo o IBGE) e pela queda da renda. E a corrupção é um problema sério, que deve ser – e está sendo – combatido. Mas o presidente do instituto Data Popular, Renato Meirelles, diz que não se pode associar a crise à corrupção. Por que isso acontece, então? “Primeiro porque metade dos brasileiros não era consumidor, não era adulto na época da hiperinflação. Segundo porque, em uma geração, é a primeira vez que o brasileiro tem sensação de perda. Perder dói muito mais que deixar de ganhar”, afirmou em entrevista ao jornal Valor Econômico, publicada em 29 de março. Presidido pelo publicitário Renato Meirelles, o Data Popular acompanha há 15 anos o comportamento das chamadas classes C, D e E, analisando a inserção desses setores no mercado consumidor, fenômeno que chamou a atenção especialmente na última década, quando muito se falou no surgimento de uma nova classe média no Brasil, um fenômeno que ainda irá requerer análises de fôlego. Neste momento, existe decepção com o governo, mas não com o projeto apresentado à população, que fala em melhor distribuição de renda e mais oportunidades. A decepção vem exatamente do fato de o projeto não ter sido implementado. Uma das pesquisas do instituto mostra que boa parte do eleitorado se frustrou porque votou em um projeto ainda não posto em prática. Também não acreditam que a oposição resolveria a crise – os partidos contra o governo agiriam, principalmente, por interesse próprio, e não pelo país –, embora se manifestem pelo impeachment. Meirelles diz que o discurso das passeatas antigoverno está longe de ser majoritário: nas pesquisas do instituto, as pessoas criticam a ineficiência do Estado, “mas querem a existência do Estado”, porque são elas que usam os serviços públicos. “Graças à presença do Estado que o Brasil tem 9 milhões de universitários a mais nos últimos dez anos. Isso não se deu pela iniciativa privada, mas pelo Prouni e pelo Fies.” Nas pesquisas, os entrevistados podem até se manifestar pelo impeachment por insatisfação, mas não acham que isso seria solução para a crise econômica. Meirelles: o discurso das passeatas antigoverno está longe de ser majoritário
E o clima de intolerância no debate sobre corrupção – um debate fundamental para o país, lembra Meirelles – prejudica “a discussão real do que é um Estado que promova igualdade de oportunidades, redução da desigualdade”. Para ele, não dá para pensar em um Brasil pós-crise sem gestão mais eficiente dos recursos públicos, mas também sem fortalecer as políticas públicas que levaram à redução da desigualdade, ao aumento do consumo interno e criaram milhões de empregos. Difícil imaginar que os arautos da flexibilização possam reorganizar o país contemplando uma pauta de crescimento econômico. O economista Guilherme Mello, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), avalia que a insatisfação popular e a instabilidade aumentariam em um eventual governo Temer. “Seria questionado do ponto de vista judicial, político, ético, moral, e ainda com uma reação forte esperada dos movimentos sociais, sindicatos, em meio a mobilizações.” É nesse ponto que centrais sindicais e organizações sociais têm insistido. Parcela expressiva do movimento sindical vê um golpe nas tentativas de impeachment e apoia a continuidade do mandato de Dilma até o último dia, em 2018. Mas cobram mudanças na economia, com ações voltadas para a retomada do crescimento, do emprego e da renda, estímulo aos investimentos e ao crédito, além de se manifestar contra a reforma da Previdência (leia reportagem na edição 115). Os sindicalistas alertam também para os interesses por trás do impeachment. “Os mesmos que querem fazer o golpe são os querem acabar com carteira assinada, férias, 13º, CLT, ampliar a terceirização”, costuma repetir o presidente da CUT, Vagner Freitas. Em 4 de abril, falando em seu “berço” sindical e político, São Bernardo do Campo, no ABC paulista, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse saber que havia “muito peão dentro da fábrica nervoso com o nosso governo”. E afirmou que seria preciso conversar muito, com todos os setores, dando atenção especial aos movimentos sociais. “Temos de saber que é preciso dar uma certa consertada na política econômica.” Uma pesquisa divulgada pelo Dieese em 6 de abril mostra que a queda de atividade econômica, o desemprego e a inflação tiveram forte impacto nas negociações salariais em 2015, quando pouco mais da metade dos acordos (52%) teve reajuste acima da inflação, e mesmo assim não muito superior ao INPC – desde 2006, as campanhas salariais tinham pelo menos 80% de ganho real. Mas a volta do crescimento precisa ser acompanhada de democracia e estabilidade política. Com reportagens de Helder Lima e Vitor Nuzzi REVISTA DO BRASIL
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ção, pelo Diap, de que o Congresso atual é hostil aos direitos trabalhistas e sociais – a bancada sindical diminuiu nesta legislatura. Sobre a tese de antecipação das eleições, a presidenta Dilma disse “Nem rechaço nem aceito”, durante evento em
Brasília. “Eu acho que é uma proposta. Convença a Câmara e o Senado a abrir mão de seus mandatos”, respondeu. O líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), contesta a hipótese, que segundo ele não está prevista no orde-
namento jurídico brasileiro. Eleição, diz, poderia ser feita em caso de cassação ou vacância, mas não por decisão politica. Até uma parte da oposição não se anima com ideia, talvez por ver diminuírem suas chances.
IGO ESTRELA/ PMDB NACIONAL
O PMDB e o fator Renan
PMDB “PULA” DO GOVERNO Diante da foto, o ministro do STF Luís Roberto Barroso exclamou: “Meu Deus! Essa é nossa alternativa de poder?”
Unidos em uma mesma estratégia, o vice-presidente, Michel Temer, e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, são as principais peças do PMDB no xadrez político em que se transformou a tentativa das forças conservadoras de apear do poder o PT e a presidenta Dilma Rousseff. No entanto, caberá ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-RR), o papel de fiel da balança em um eventual processo de impeachment, já que a Casa dará a palavra final sobre o afastamento ou não de Dilma, se esta proposta for aprovada na Câmara. Nas últimas semanas, o peemedebista, conhecido por sua maleabilidade, tem oscilado entre as declarações de apoio ao governo e conversas com líderes da oposição. Fiel a si mesmo, o senador alagoano se aquece nos bastidores para um jogo de “ganha-ganha”. Se o governo conseguir furar a onda desestabilizadora e Dilma permanecer na Presidência, terá atuado como garantidor da governabilidade e estará cacifado para tornar-se a maior liderança do PMDB nos próximos anos. Em caso de vitória da oposição, Renan está pronto para assumir o papel de pilar da construção de um “novo país” e se aliar a uma direita que, mesmo sem ter obtido a aprovação das urnas nas últimas quatro eleições presidenciais, pretende impor uma agenda que inclui, entre outras coisas, ampliação do ajuste fiscal, enfraquecimento dos programas de inclusão social, esfacelamento do marco regulatório do pré-sal e recuo em conquistas históricas dos trabalhadores. O senador se manifestou de forma contrária à saída do partido do governo Dilma, decisão tomada pela executiva nacional em 29 de março. “Se optar por sair, o PMDB terá que arcar com as consequências”, declarou. Uma dessas consequências poderá ser até mesmo um racha no partido, uma vez que ministros peemedebistas como Kátia Abreu (Agricultura), Eduardo Braga 14
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(Minas e Energia), Marcelo Castro (Saúde) e Celso Pansera (Ciência e Tecnologia) afirmaram que não entregarão os seus cargos. Renan é autor do documento Agenda Brasil, conjunto de 43 propostas lançado em agosto do ano passado e que se seguiu à publicação do programa de governo Ponte Para o Futuro, divulgado por Temer, com forte teor neoliberal. O documento do vice, muito próximo daquele apresentado pelo candidato derrotado Aécio Neves nas eleições de 2014, fala em redução de gastos públicos, aprofundamento do ajuste fiscal, corte nos repasses orçamentários para saúde e educação e flexibilização da legislação trabalhista, entre outros itens. Já o documento de Renan, previamente discutido, segundo o senador, com a bancada do PMDB no Senado e com o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, procura ser mais equilibrado, embora esteja distante das bandeiras programáticas do governo Dilma e do PT. Uma das propostas da Agenda Brasil que mais desagrada ao PT é acabar com o Mercosul, “a fim de possibilitar que o Brasil possa firmar acordos bilaterais ou multilaterais sem depender do apoio dos demais membros do mercado comum”. Posição historicamente defendida por PDSB e DEM, significaria também o fim da Unasul e de outras iniciativas de integração sul-americana, uma mudança completa de direção na política comercial e diplomática que o país pratica nos últimos 14 anos. Outra bandeira da oposição traduzida na agenda fala em “regulamentar o ambiente institucional dos trabalhadores terceirizados”. A medida seria a brecha para a adoção de políticas repudiadas pelos trabalhadores e seus sindicatos, como a flexibilização de acordos salariais e a aprovação da terceirização para atividades-fim, esta já aprovada na Câmara. Maurício Thuswohl
LALO LEAL
Notícias do Brasil Para sabermos com clareza o que se passa por aqui, temos de recorrer à mídia internacional
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uem diria que um dia ainda voltaríamos a recorrer à mídia internacional para saber o que acontece no Brasil. Era assim, durante a última ditadura, especialmente depois da promulgação do AI-5, em 1968. Diante da censura do Estado sobre os meios de comunicação só restavam aos brasileiros, para se informar, os veículos produzidos no exterior: jornais, revistas e principalmente o rádio em ondas curtas. Faziam sucesso a BBC de Londres, a Voz da América e a Rádio Central de Moscou. Em meio à Guerra Fria, um seringueiro no Acre, chamado Chico Mendes, dizia que durante a ditadura ouvia a Voz da América saudar o golpe de Estado como uma vitória da democracia e a Central de Moscou denunciar prisões de políticos e sindicalistas. Foi a BBC que anunciou, antes de qualquer emissora brasileira, o derrame sofrido pelo ditador C osta e Silva e sua substituição por uma Junta Militar em 31 de agosto de 1969. Era domingo, jogavam no Maracanã diante de 183 mil pessoas as seleções do Brasil e do Paraguai, pelas eliminatórias da Copa do Mundo. As emissoras brasileiras só foram dar a nota oficial do governo, informando da troca de comando da ditadura, quando o jogo terminou (vitória do Brasil por 1 a 0), bem depois da BBC. A emissora britânica denunciava a prática sistemática de tortura e os assassinatos que vinham sendo cometidos a mando dos militares. Temas tabu, silenciados pela censura interna, como a guerrilha do Araguaia, eram notícia na BBC, assim como a passagem por Londres de personalidades que se opunham ao regime militar, como a arcebispo de Olinda e Recife, dom Hélder Câmara. Enquanto parte da mídia brasileira, tendo as Organizações Globo à frente, seguia louvando o regime de força, a BBC informava ao Brasil que o ditador de plantão Ernesto Geisel havia sido hostilizado nas ruas de Londres, durante visita oficial ao Reino Unido. Tudo isso ocorreu há quase 50 anos, num momento de forte repressão política, sem as mínimas
garantias individuais. Hoje, mesmo num ambiente de maior liberdade, vivemos situação semelhante no campo da informação. Para sabermos com clareza o que se passa por aqui, temos de recorrer à mídia internacional. Não por imposição do Estado, mas pela censura imposta aos veículos de comunicação pelas famílias que os controlam. Outra vez é a BBC, não mais pelo rádio, mas agora pela internet, que dá um panorama equilibrado da situação no Brasil. Enquanto a mídia brasileira se alinha como um batalhão militar a favor do golpe, sem mencionar essa palavra, a emissora britânica faz ampla reportagem mostrando a presidenta como vítima de um julgamento sumário, “movido pelo interesse do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de esconder seus próprios malfeitos e de uma oposição que fecha os olhos para o devido processo legal”. O jornal El País, da Espanha, que já teve posições menos conservadoras, consegue ainda assim cobrir a situação brasileira de forma muito mais precisa do que a mídia nacional. Por aqui campeia o pensamento único muito bem exemplificado pelo jornalista Gleen Greenwald, repórter do The Guardian, que não teve dúvidas: denunciou o golpe em andamento e traçou um paralelo imaginário com a realidade dos Estados Unidos. Disse ele: “Considere o papel da Fox News na promoção dos protestos do Tea Party. Agora, imagine o que esses protestos seriam se não fosse apenas a Fox, mas também a ABC, NBC, CBS, a revista Time, o New York Times e o Huffington Post, todos apoiando o movimento do Tea Party”. Aquilo que é inimaginável na pátria do liberalismo é a dura realidade brasileira. Uma voz única, capitaneada pela TV Globo e pela GloboNews, insufla a população a ir às ruas defender o golpe de Estado. A melhor síntese desse alinhamento foi a frase dita, ao vivo, por uma repórter em meio à manifestação golpista: “São muitas as famílias chegando, todas unidas por um mesmo ideal”. Que ideal era esse, ela não teve coragem de dizer. REVISTA DO BRASIL
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TRABALHO MAURO SANTAYANA
A “multa-bomba” de R$ 7 bilhões
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inalmente, depois de meses de pressão desumana, gestapiana, sobre o empresário Marcelo Odebrecht, o juiz Sérgio Moro levou-o a julgamento, condenando-o – baseado não em provas de sua participação direta, mas na suposição condicional de que um empresário que comanda uma holding com mais de 180 mil funcionários e que opera em mais de 20 países tem a obrigação de saber de tudo que ocorre nas dezenas de empresas que a compõem – a 19 anos e quatro meses de prisão. Não satisfeito com a pena, e com a chantagem, que prossegue – já que o objetivo é quebrar o exemplo do réu –, um dos poucos que não se dobraram à prepotência e ao arbítrio – com o aceno ao preso da possibilidade de “fazer delação premiada a qualquer momento”, o juiz Moro, na impossibilidade de provar propinas e desvios, ou a existência de superfaturamento da ordem dos bilhões de reais alardeados aos quatro ventos desde o princípio dessa operação, pretende impor ao grupo Odebrecht uma estratosférica multa “civil” que pode chegar a R$ 7 bilhões – mais de 12 vezes o lucro da empresa em 2014 – que, pela sua magnitude, se cobrada for, deverá levá-lo à falência, ou à paralisação destrutiva, leia-se sucateamento, de dezenas de obras e de projetos, a maior parte deles essenciais, estratégicos, para o futuro do Brasil nos próximos anos. Com a imposição dessa multa, absolutamente desproporcional, da ordem de 30 vezes as quantias que a sentença afirma terem sido pagas em propina pela Odebrecht, por meio de subsidiárias situadas no exterior, a corruptos da Petrobras que já estão, paradoxalmente, soltos, o juiz Sérgio Moro – e seus colegas do Ministério Público de uma operação que deveria se chamar “Destrói a Jato” – prova que não lhe importam, em nefasto efeito cascata, nem as dezenas de milhares de empregos que ainda serão eliminados pelo grupo Odebrecht, no Brasil e no exterior, nem a quebra de milhares de acionistas e fornecedores do grupo, nem a paralisação das obras com que a empresa se encontra envolvida neste momento, nem o futuro, por exemplo, de projetos de extrema importância para a defesa nacional, como os submarinos convencionais e o submarino nuclear brasileiro que estão sendo fabricados pela Odebrecht em parceria com a DCNS francesa, ou o míssil ar-ar A-Darter, que está sendo construído por sua controlada Mectron, em conjunto com a Denel sul-africana, além de
SAAB GROUP
Estamos cheios de gente com contas na Suíça solta e sem contas na Suíça atrás das grades – com a onipotente destruição do país, de milhares de empregos e bilhões em investimentos
MAURO SANTAYANA
outros produtos como softwares seguros de comunicação estratégica, radares aéreos para os caças AMX e produtos espaciais. Considerando-se que se trata de uma decisão meramente punitiva, ao fazer isso o juiz Moro age, no comando da Operação Lava Jato, como agiria o líder de uma tropa de sabotadores estrangeiros que colocasse, diretamente, com essa sanção – e uma tremenda carga de irresponsabilidade estratégica e social – centenas de quilos de explosivos plásticos no casco desses submarinos, ou nos laboratórios onde ficam os protótipos desse míssil, sem o qual ficarão inermes os 36 aviões caça Gripen NG-BR que estão sendo desenvolvidos pelo Brasil com a Saab sueca. Que não tenha ele a ilusão de que essa sua sanha destrutiva esteja agradando às centenas de técnicos envolvidos com esses projetos, ou aos almirantes da Marinha e brigadeiros da Aero-
Considerando-se que se trata de uma decisão meramente punitiva, ao fazer isso o juiz Moro age, no comando da Operação Lava Jato, como agiria o líder de uma tropa de sabotadores estrangeiros que colocasse, diretamente, com essa sanção – e uma tremenda carga de irresponsabilidade estratégica e social – centenas de quilos de explosivos plásticos no casco desses submarinos, ou nos laboratórios onde ficam os protótipos desse míssil, sem o qual ficarão inermes os 36 aviões caça Gripen
náutica que, depois de esperar décadas pela aprovação desses programas, estão vendo-os sofrer a ameaça de serem destruídos técnica e financeiramente de um dia para o outro. Como um inútil, estúpido, sacrifício, um absurdo e estéril tributo da Nação – chantageada e manipulada por uma parte antinacional da mídia, que não tem o menor compromisso com o futuro do país – a ser realizado no altar da vaidade de quem parece pretender colocar toda a República de joelhos, até que alguém assuma a responsabilidade de impor, com determinação, bom senso e respeito à Lei e à Constituição Federal, limites à sua atuação e à implacável, imparável, destruição, de alguns dos principais projetos e empresas nacionais. Enquanto isso, para ridículo do país e divertimento de nossos concorrentes externos, nos congressos, nos governos, na área de inteligência, nas forças armadas de outros países, milhares de tupiniquins vibram, nos bares, na conversinha fiada do escritório, nos comentários que agridem e insultam a inteligência nas redes sociais, com a destruição de um dos principais grupos empresariais do Brasil, deleitando-se com a perda de negócios e empregos, e com a sabotagem e incompreensível inviabilização de algumas de nossas maiores obras de engenharia e de defesa, mergulhados em uma orgia de desinformação, hipocrisia, manipulação e mediocridade. Mesmo que Marcelo Odebrecht venha a aceitar, eventualmente, fazer um acordo de delação premiada, nenhum jurista do mundo reconheceria, moralmente, a sua legitimidade. Não se pode pressionar ninguém, a fazer acordos com a Justiça, para fazer afirmações que dependerão da produção de provas futuras. Assim como não se pode confundir o combate à corrupção – se houver corruptos que sejam julgados com amplo direito de defesa e encaminhados exemplarmente à cadeia, estamos cheios de gente com contas na Suíça solta e sem contas na Suíça atrás das grades – com a onipotente destruição do país e de milhares de empregos e bilhões de reais em investimentos. A pergunta que não quer calar é a seguinte: se a situação fosse contrária, e um juiz norte-americano formado no Brasil e “treinado” por autoridades brasileiras, a quem propôs, por mais de uma vez, sua “cooperação”, estivesse processando um almirante envolvido com o programa nuclear norte-americano, e influindo no destino de todo um programa de submarinos, da construção de um novo submarino atômico, e do desenvolvimento de um míssil ar-ar para a US Air Force, a ponto de a empresa norte-americana responsável por ele ter de ser provavelmente vendida a estrangeiros, ele teria chegado, à posição em que chegou, em nosso país, o juiz Sérgio Moro? Ou já não teria sido denunciado por pelo menos parte da imprensa dos Estados Unidos, e chamado à razão, em nome da segurança e dos interesses nacionais, por autoridades – especialmente as judiciais – dos Estados Unidos? O único consolo que resta, nesta nação tomada pela loucura – lembramos por meio destas palavras, que quem sabe venham a ser transportadas, em bits, para o amanhã – é que, sob o olhar do tempo, que para todos passará, inexorável, a História, magistrada definitiva e atenciosa, criteriosa e implacável, vigia, registra e julga. E cobrará caro no futuro. REVISTA DO BRASIL
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HUMOR em tempos de cólera
Ele nunca foi tão urgente quanto agora, diz o ator, escritor e humorista Gregório Duvivier. Sua função principal talvez seja “cutucar as certezas” Por Helder Lima 18
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humor nunca foi tão urgente quanto agora. Para mim, sua função principal talvez seja cutucar as certezas. E nós estamos em um tempo de certezas muito exacerbadas”, afirma o ator, escritor e humorista Gregório Duvivier, definitivamente engajado na defesa da democracia e preocupado em firmar um diálogo com quem defende o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Acima de tudo, com quem pensa diferente, no que ele chama de outrofobia. “O medo é filho da ignorância e da desinformação. Eu acho que a arte e a informação impressa, o humor, o principal alvo é
ENTREVISTA
Nesta entrevista, concedida em São Paulo em 25 de março, o artista nascido no Rio de Janeiro fala sobretudo de política, deste momento conturbado para a história, em que o país se vê dividido. Critica a mídia por alimentar essa divisão e reflete também sobre o seu trabalho. Duvivier conta que gosta de transitar entre gêneros, como o humor e o drama, em seu trabalho atual, o monólogo Uma Noite na Lua, e reflete sobre os seus 30 anos, completados agora em abril. Já desistiu de salvar o Fluminense, mas espera que as dúvidas ajudem a esclarecer as certezas. Como fazer humor em tempos tão bicudos?
O humor nunca foi tão urgente quanto agora. Para mim, sua função principal talvez seja cutucar as certezas. E nós estamos em um tempo de certezas muito exacerbadas. A função do humor, assim como a do jornalismo e do ensino, é a função de fazer perguntas, mais do que dar respostas. E no momento em que só se vê respostas e soluções, e as pessoas desesperadas por meio de manchetes sensacionalistas ou políticos também muito veementes, com fórmulas tipo “para acabar com a corrupção é preciso varrer o PT do Brasil”, a função do humor é perguntar: como assim? É isso mesmo o que vocês estão querendo, vocês acreditam nisso? É duvidar onde só se vê certezas.
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E essa narrativa dominante que vem temperada com intolerância? O que para você causa essa intolerância?
esse medo, que é um medo do outro. Outrofobia inclui o medo da diferença, o medo da alteridade. Eu acho que a função da arte é promover esse encontro com a alteridade”, diz. Isso acontece na política, observa Duviver, que vê uma situação fomentada por meios de comunicação. Para ele, notícias e vazamentos seletivos da Operação Lava Jato têm construído convicções que alimentam o medo de perda de privilégios por parte das classes mais privilegiadas, que se sentem ameaçadas. Um medo que, no fundo, dá vazão ao ódio ao outro, ao semelhante, e dificulta ainda mais o diálogo, o respeito a quem pensa diferente.
Essa intolerância não é natural, nossa, brasileira, uma coisa espontânea. Acho que ela é fomentada pelos meios de comunicação. Quando você vê uma capa em que a figura do Lula ou da Dilma é sempre diabólica, como as capas da Veja ou da IstoÉ, é sempre uma arte que tenta transformá-los em demônios, literalmente mesmo: orelhas pontudas, uma coisa sempre no escuro, luz debaixo para cima. São estratégias demonizantes não só com Lula e Dilma, mas com os militantes – essa própria criminalização da palavra militante, e O Globo disse assim, ‘a diferença de uma passeata para outra é que no dia 13 (de março) eram cidadãos, e no dia 18 eram militantes, ou milícias’, e usa militante de forma negativa, como se militante não fosse cidadão. Esse antagonismo, imagem de terror, enfim, eu acho problemático. Quando tem uma passeata qualquer, se as pessoas não estão militando, estão fazendo o quê? Essa demonização do militante, da esquerda de um modo geral, é fomentada pela imprensa, não é uma coisa natural da nossa sociedade, sabe?! Você escreveu sobre as palavras e a apropriação de seus significados. Hoje é comum a autoridade ou a mídia se apropriar de uma palavra e dar a ela o conteúdo que quiser. É um sintoma dos nossos tempos. Chega a incomodar?
Sim, incomoda, as palavras são muito mal empregadas. Talvez por ter feito graduação em Letras, minha formação é nesse campo e eu sou apaixonado pelas palavras. Incomoda muito quando vejo as palavras roubadas, que estão roubando no jogo das palavras. A direita, por exemplo, se apropria da palavra ‘mudança’, mas essa é uma palavra de esquerda por definiREVISTA DO BRASIL
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ção. A direita por definição, o que a define, é que ela quer a manutenção, a concentração do lugar de poder, do status quo, do establishment. E a esquerda não. Quando a direita pede mudança, você vê que isso não é uma mudança, é uma troca. O que ela quer é trocar em vez de mudar, porque o problema todo é que está se mudando, então, que fique claro isso, o uso das palavras corretas: “O que nós queremos não é a mudança, nós queremos o retrocesso diante das mudanças” – é importante usar as palavras corretas.
Eu acho que importa bastante pensar que você vê claramente uma diferença gigantesca de renda, mesmo entre as manifestações dos dias 13 e 18. Isso é claro. No entanto, é perigoso a gente classificar todo mundo do dia 13 como elitista, como uma pessoa que está revoltada com a distribuição de renda e está indo às ruas contra isso, o que também não é verdade. Acho que o que existe, que é um fato, é o PT fez sim, bem, eu acho, um pouco, aumentou um degrauzinho para as pessoas mais pobres do país, da miséria. Como pode um partido, um candidato, se eleger contra a mídia inteira? Que foi o que aconteceu, não é? Porque em termos de distribuição é muito irrelevante a mídia de esquerda no país, ela é muito pequena comparada em termos de distribuição e de tiragem, não como expressão, mas em termos de distribuição. O que está gritante agora, talvez, mais até do que a luta de classes, o que está levando as pessoas às ruas, que fique bem claro, não é a corrupção. Esse é o pretexto, a chamada, mas na verdade mesmo é o medo da perda de alguns privilégios. O dólar está mais alto realmente, e tem gente de amarelo nas passeatas falando da dificuldade de você ter uma empregada hoje em dia. Isso é um fato, é uma coisa que incomoda a elite. Está mais caro para ter uma empregada doméstica que dorme na sua casa. Isso está dificílimo, e tem gente que se incomoda com isso. Não são todos, claro. Mas o que existe de modo geral é uma insatisfação legítima com a situação atual, não só a corrupção, mas o país não crescendo. Mas essa insatisfação que é justificada e que é compartilhada pela esquerda – na verdade, a esquerda está insatisfeita há muito mais tempo – se canaliza em uma coisa que eu acho muito burra, que é a vontade de erradicação do PT. Essa é uma grande estupidez da direita: o que a erradicação do PT vai trazer para o país? A arte tem o espírito de transformar o mundo, mas neste momento é importante ter isso voltado para transformar o conservadorismo político?
A arte de um modo geral produz empatia. Um bom filme é aquele que te comove, que te tira do seu lugar, que te move de onde você estava e leva para outro lugar. Não existe arma maior contra o ódio, por exemplo, porque a comoção, a empatia fazem com que você repense suas certezas, repense sua outrofobia. O principal inimigo da arte é essa outrofobia, que domina o pensamento conservador. Esse medo, a palavra-chave da direita é medo. Medo no Brasil você consegue colocar com a revolução comunista, até hoje. Estamos em 2016, e a direita não convence 20
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Você vê essa disputa na perspectiva da luta de classes? O quanto isso é importante para você?
O principal inimigo da arte é essa outrofobia, que domina o pensamento conservador. Esse medo, a palavrachave da direita é medo. Essa função da arte acho que é a mais bonita, a luta contra o medo as pessoas que está em curso um golpe comunista. Essa função da arte acho que é a mais bonita, que é a luta contra o medo. O medo é filho da ignorância e da desinformação. Eu acho que a arte e a informação impressa, o humor, têm como principal alvo esse medo, que é um medo do outro. Outrofobia inclui o medo da diferença, o medo da alteridade. Eu acho que a função da arte é promover esse encontro com a alteridade. O paradigma politicamente correto te preocupa, como você vê isso?
Sabe que as pessoas falam muito do politicamente correto mas não é uma coisa que me incomoda, porque eu vejo a necessidade de conscientização do humor, humorista, como algo muito positivo. Acho que o fato, por exemplo, das minorias hoje reclamarem quando são ofendidas é um fato muito positivo também. Faz parte de um processo civilizatório do qual a gente hoje tem de se responsabilizar, sim, pelo jogo político do que a gente fala. Antigamente, não é que não existia o politicamente correto, é que as minorias não estavam empoderadas o bastante para manifestar a sua insatisfação. A expressão politicamente correto expõe uma certa rejeição, mas a correção na verdade não se adapta muito à política. Ser politicamente responsável eu acho muito necessário para o humor. Não me atrapalha, ao
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contrário, acho que isso me inspira a pensar que o que a gente escreve tem um alcance e pode ser positivo ou negativo. A responsabilidade política sobre aquilo que a gente diz é inerente ao nosso impacto. A gente hoje, por exemplo, tem impacto grande, eu não só escrevo na Folha ou no Porta (dos Fundos), eu me incomodo muito com os humoristas que dizem: ‘Ah, mas é só uma piada’. O cara é processado e diz, ‘Não, é só uma piada’, gente, mas não é só uma piada. Você vive disso. Jornalista dizendo é só uma matéria, ou o engenheiro, cai o prédio e ele diz, mas era só um prédio. Como assim? Ele vive disso, paga as contas. E a piada é a mesma coisa. É um negócio muito nobre para ser desmerecido. A peça que você está fazendo agora (Uma Noite na Lua) vai além do humor, é um monólogo em que você transita por diferentes gêneros. É uma proposta a seguir daqui por diante na sua carreira?
Sim, gosto muito de misturar os gêneros, gosto de humor, mas talvez mais ainda de comoção, não só do drama, mas dessa tentativa de comover as pessoas, sabe, porque eu acho que o humor vai muito bem quando ele está junto com algum drama, alguma tristeza, algo que se imprime na alma. Os humoristas que ficam, você vê, o humor volta e meia passa, a gente deixa de achar graça. Um programa humorístico de 20 anos atrás é difícil de fazer você rir. No entanto, você vê o Chaplin, por exemplo, e você ainda ri, porque aquilo está em algum lugar histórico, canônico, e por quê? Eu acho que é por causa do drama, não por causa do humor, porque o humor fica quando tem uma pitada de drama. O que fica do Chaplin é o drama, junto com a graça. A graça está ligada a essa tragédia humana, você está rindo da condição humana, tem um peso, fica. Quando você está falando da atualidade, da semana, do que passou, aquilo se esvai, eu acho que é uma grande diferença. No dia 11 de abril você completa 30 anos, o que significa esse momento?
É difícil porque tem uma coisa muito louca da vida que é quando você começa a ficar mais velho que as pessoas que você... Por exemplo, os jogadores de futebol. E todo mundo sonha em ser jogador de futebol, pelo menos no Brasil, e até pouco tempo atrás eu sonhava, achava que podia largar tudo se me dedicasse muito, podia tentar salvar o Fluminense, aí hoje começa a ficar distante. Nem que eu largue tudo, e só faça isso, eu já estou bichado. Isso é uma besteira, claro, mas é quando você começa a ver que várias coisas você não foi e não fez, e eu tenho uma angústia muito grande por não viver a vida plenamente, de não estar
nunca... Nunca morei em outro lugar que não o Rio de Janeiro, é uma vida pequena em vários sentidos, não viajei muito... Eu gosto muito de ler, então viajo de outras maneiras, mas as vezes meu problema é esse, ter uma vivência de mundo ainda um pouco curta. Como a poesia e a música afetam você?
Eu tenho muita inveja dos músicos porque eles rompem as barreiras das palavras, da língua e até do intelecto. Você pode se comunicar com alguém que acha tudo completamente diferente de você, e ainda assim se emociona. Wagner (Richard Wagner) não era um compositor menos brilhante porque era nazista. Porque aquilo era do mundo e emociona um judeu a música que ele faz. E vice-versa também. Um nazista talvez chorasse ouvindo Gershwin (George Gershwin), é uma coisa que eu acho que é muito bonita da música. Ela transcende suas certezas, enquanto a literatura faz isso mais dificilmente porque trabalha com as palavras. E a palavra é carregada, alimenta as convicções. É muito mais difícil você romper essas barreiras. Tenho inveja da música. E da poesia também. Eu queria até voltar a escrever poesia, porque ela diz as coisas de uma maneira tão sutil e tão por debaixo do pano, e eu tento botar isso no que eu escrevo para não ficar só entre convicções, entre porradas. O humor vai bem com poesia, porque dá uma amaciada quando você joga para o lúdico. Sempre que escrevo uma coluna eu releio pensando: ‘Será que eu tenho como deixar ela menos direta, mais poética?’. Porque com isso se passa muito melhor a mensagem, por meio de imagens, do que por meio de frases duras e peremptórias. Quais escritores o influenciaram?
Da minha geração tem o (Mário) Prata, que faz isso muito bem, que eu acho genial, tem bons romancistas também, a Carol Bensimon, que eu adoro, o Daniel Galera, um cara que escreve bem à beça. Alguns escritores têm deixado assim a nossa literatura mais poética, não perdem nunca o leitor de vista, acho isso muito saudável. A Tatiana Salem Levy é outra que eu gosto, ela está em Portugal agora, e das outras gerações, claro, Verissimo (Luis Fernando Verissimo). A gente tem a tradição da crônica no Brasil: Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, porque a crônica por ser um gênero feito para o jornal tem a vantagem de nunca perder o leitor de vista. Você não pode nunca esquecê-lo. Nossos melhores escritores são os que escreviam em jornal, como Nelson Rodrigues. Nunca perderam o leitor de vista e cujo rabo preso sempre foi com o leitor. Essa é uma grande qualidade do escritor. Leia a íntegra no site da Rede Brasil Atual.
Gosto de misturar os gêneros, de humor, mas talvez mais ainda de comoção, dessa tentativa de comover as pessoas. O humor vai muito bem quando está junto com algum drama, alguma tristeza, algo que se imprime na alma
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Alto teor de
perigo Acordo negociado com empresa em Osasco prevê indenização a trabalhadores intoxicados por mercúrio e fim da produção de lâmpadas Por Vitor Nuzzi
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m acordo judicial firmado em março é visto como um passo importante na prevenção contra a intoxição por mercúrio, uma situação ainda recorrente no país. Esse acordo foi firmado entre o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a multinacional alemã Osram, prevendo pagamento de indenizações a funcionários e ex-funcionários da unidade de Osasco, na região metropolitana de São Paulo, por exposição ao mercúrio metálico, e planos de saúde vi22
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talícios a trabalhadores diagnosticados com doenças. O número certo ainda depende de exames, mas a Associação dos Expostos e Intoxicados por Mercúrio Metálico apresentou uma lista com 236 nomes de possíveis habilitados. Outros ainda podem se inscrever. Presidente da associação e ex-funcionário da Sylvania, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, Valdivino dos Santos Rocha, 61 anos, vê um precedente importante e um indicativo de mudanças no país. “Essas grandes empresas vêm aqui, adoe-
cem o trabalhador e vão embora. Acredito que seja uma grande vitória para os trabalhadores envolvidos no processo”, afirma. Para Valdivino, isso também ajuda na conscientização do perigo que representa a exposição do produto. “O problema afeta o sistema nervoso central e a gente vai perdendo a noção da coisas”, diz ele, lembrando que às vezes esses problemas são confundidos com lesões por esforço repetivivo ou doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho (LER/Dort): “Dor nos braços, nas pernas... Não aguenta le-
JANAKA DHARMASENA /STOCKVAULT
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vantar peso. Os trabalhadores caem, e isso se confunde com epilepsia. Tem colega que cai direto. Uma coisa muito constante é a depressão”, conta o trabalhador, que durante os quase seis anos na Sylvania (de 1986 a 1992) foi mecânico na linha fluorescente e supervisor.
Sintomas
A médica Cecília Zavariz, ex-auditora fiscal do Trabalho, lembra que as ocorrências de intoxicação são variadas. Em pesquisa realizada nos anos 1990, hou-
ve uma lista extensa de sintomas relatados pelos trabalhadores: “Dor de cabeça, dor no estômago, sangramento oral, salivação excessiva, má digestão, gosto de metal na boca, náuseas, gengivite, ulceração oral, problemas dentários, diarreia, cãibras, parestesia, tremores, sonolência, alteração de grafia, abalos e fraqueza muscular, nervosismo, irritabilidade, dificuldade de memória, ansiedade, tristeza, depressão, redução da atenção, agressividade, insegurança e medo”. (Leia entrevista na página 24)
Ela acompanha a situação não apenas da Osram, mas de outras empresas, desde a década de 1980, quando, como auditora, realizava inspeções em diversos setores. A médica defende a eliminação do uso de mercúrio em qualquer atividade, como apontou em tese de mestrado na Faculdade de Saúde Pública da Universidadede São Paulo (USP), em 1994. “Em 1990 iniciei o trabalho no ramo de fabricação de lâmpadas com mercúrio, não apenas na Osram, como em outras empresas deste ramo industrial e REVISTA DO BRASIL
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prossegui o trabalho eliminando o uso de mercúrio em várias atividades.” O procurador do Trabalho Murillo César Buck Muniz, do MPT em Osasco, lembra que a empresa vai custear exames e também serão feitos testes neuropsicológicos. “Isso é importante porque não vai onerar ainda mais o sistema público de saúde”, observa. A Osram deverá pagar R$ 20 milhões em indenizações, além de R$ 4 milhões em danos morais coletivos. “A ideia é destinar (os R$ 4 milhões) ao atendimento de saúde ocupacional do Hospital das Clínicas, inclusive para realizar pesquisas, e também ao Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Osasco. É uma forma de compensação de danos”, afirma o representante do Ministério Público.
Produção
Muniz destaca outro ponto do acerto: a empresa deverá cessar a produção de lâmpadas até abril. Caso esse item seja descumprido, está prevista pena de multa diária de R$ 10 mil. O acordo pôs fim a uma ação civil pú-
blica movida em 2012 pelo MPT, com base em conclusões das especialistas Cecília Zavariz e Marcília Medrado, do Hospital das Clínicas. Elas acompanharam centenas de casos de trabalhadores que adoeceram com o chamado mercurialismo crônico ocupacional. Em nota, a Osram do Brasil confirmou ter assinado, em 15 de março, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) “por conta da ação movida pelo Ministério Público do Trabalho de Osasco e a associação dos trabalhadores que alegam terem sido contaminados por mercúrio”. O nome da empresa, de 1906, se origina a partir de dois materiais usados para a produção de filamentos: ósmio e volfrâmio (atualmente, tungstênio). O número de trabalhadores habilitados a receber a indenização só deverá ser conhecido no final de agosto, diz o procurador do Trabalho. Os exames começam em maio. Segundo ele, quem tem diagnóstico e se habilitar receberá o plano de saúde imediatamente. “Isso não afasta a possibilidade de o trabalhador fazer um processo
individual e não se habilitar por aqui”, lembra, destacando a importância do acordo. “Com certeza, o processo judicial demoraria muito mais. Normalmente, as soluções negociadas são as melhores.” Diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, Sertório Aparecido Ribeiro de Carvalho diz que a empresa passará a importar lâmpadas LED e fluorescentes, interrompendo a produção local. Ele cita caso semelhante envolvendo a Philips, que também teve de indenizar funcionários intoxicados. Com 30 anos de Osram, Sertório também foi exposto ao produto e tem um laudo que aponta perda de memória e de concentração. “A gente vive tomando remédio”, lembra Valdivino Rocha, aposentado em decorrência de acidente de trabalho – código B92, invalidez acidentária. Ele mesmo tem uma dose diária de 14 comprimidos. Em uma conferência nacional sobre saúde – durante a qual sofreu uma queda –, ele contestou quem defendia regulamentação do uso do mercúrio. “A gente tem de eliminar, não regulamentar”, afirma.
Problema de saúde pública
Os trabalhadores apresentam que tipo de problemas de saúde? Alguns chamaram mais a atenção? Os quadros da intoxicação são variados e dependem de diversos fatores. Na pesquisa que realizamos na década de 1990, os sintomas mais frequentemente relatados foram dor de cabeça, dor no estômago, sangramento oral, salivação excessiva, má digestão, gosto de metal na boca, náuseas, gengivite, ulceração oral, problemas dentários, diarreia, cãibras, parestesia, tremores, sonolência, alteração de grafia, abalos e fraqueza muscular, nervosismo, irritabilidade, dificuldade de memória, ansiedade, tristeza, depressão, redução da atenção, agressividade, insegurança e medo. No exame 24
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físico foram detectadas as seguintes alterações, cujos resultados foram estatisticamente significativos: hiperemia de orofaringe, depósitos metálicos gengivais e palatares, ulceração oral, linha azul na borda gengival, tremores, alteração de grafia, de sensibilidade térmica e hiperreflexia. Nos testes neuropsicológicos foram observados déficits na rapidez de movimentos, destreza manual, coordenação motora, atenção concentrada, eficiência cognitiva e velocidade perceptiva motora. Na ocasião, foram afastados do trabalho vários casos que apresentavam intoxicação. Atualmente, como previsto no acordo, farei avaliação da saúde referente à exposição ao mercúrio de todos os trabalhadores que solicitarem no prazo previsto, de modo que terei dados atualizados da situação. Há casos que tornaram os empregados definitivamente incapacitados? Há casos de trabalhadores incapacitados para o trabalho, em função do quadro apresentado, de todas as indústrias do ramo.
Cecília Zavariz: “Todas as empresas que usam mercúrio oferecem risco”
LEONARD0 SÁ/AGÊNCIA PORÃ
Para a médica Cecília Zavariz, ex-auditora fiscal do Trabalho, qualquer atividade que envolva mercúrio oferece risco, e seu uso representa “um problema grave de saúde pública”. Ela considera o acordo do MPT um “parâmetro interessante” para outras empresas, mas critica a legislação e avalia que falta vontade para resolver o problema.
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DANILO RAMOS/RBA
FALTA COMPROMISSO Valdivino vê um precedente importante e um indicativo de mudanças no país: “Essas grandes empresas vêm aqui, adoecem o trabalhador e vão embora. Acredito que seja uma grande vitória para os trabalhadores envolvidos no processo”
A Osram representa um fato isolado, ou trata-se de uma realidade comum? Todas as empresas que usam mercúrio oferecem risco, porque este agente é altamente agressivo e por si só representa risco. As características específicas, como a toxicidade a fácil evaporação, a penetração no organismo através da inalação, a bioacumulação no organismo causando lesões irreversíveis, particularmente no sistema nervoso, tornam o uso deste metal um problema grave de saúde pública, dada a facilidade de se dispersar por todo o planeta, contaminando o ambiente e os seres vivos. A sra. acredita que o acordo feito no MPT pode ser um parâmetro para outros casos? Com esse acordo estamos eliminando a fabricação de lâmpadas com mercúrio no país. O acordo com a Osram pode ser um parâmetro para as demais empresas que, na contramão da história, ainda insistem em usar o mercúrio, apesar de fartamente demonstrado o risco que esse agente tóxico representa para o homem e a todo
o planeta. O Conselho de Administração do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), após solicitar um informe sobre o mercúrio e seus compostos em todo o mundo, identificou a contaminação por mercúrio como um grave problema ambiental e de saúde pública e estabeleceu como meta a redução até a eliminação do uso humano do mercúrio, que culminou, em 2013, com o consenso de muitos países, de um documento denominado “Convenção de Minamata”, do qual o Brasil foi signatário. O Brasil ainda não adotou medidas concretas para eliminar o uso de mercúrio, como em empresas de cloro-álcalis, onde ainda há empresas que mantêm a tecnologia obsoleta com mercúrio, bem como na importação e uso de produtos com mercúrio, como termômetros, esfigmomanômetros de coluna de mercúrio, na área odontológica, com o uso de amálgamas dentários com mercúrio e em vacinas que contêm um conservante à base de mercúrio. Em todas essas situações há tecnologia substitutiva, sem os riscos que o mercúrio representa para a saúde humana e o meio ambiente.
Além do ambiente de trabalho, em que outras áreas o mercúrio é utilizado? Quais os riscos? Principalmente na garimpagem de ouro, que além de oferecer risco à saúde de quem manipula o produto ou está nas proximidades, é descartado no meio ambiente contaminando o solo, a água, o ar, a fauna e a flora. A legislação brasileira, na área de saúde e segurança, é adequada? A legislação é tão deficitária que podemos considerar praticamente nula. O Ministério do Meio Ambiente chegou a declarar que o país tem dados incompletos sobre usos e emissões do mercúrio. O que é preciso ser feito, considerando também a Convenção de Minamata? Primeiramente, é preciso querer resolver o problema. Segundo, querer conhecer o tamanho do problema. Terceiro, buscar as soluções. Quarto, planejar e implementar as medidas adequadas para sanar o problema. E fundamental: é preciso ouvir quem conhece o assunto. REVISTA DO BRASIL
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Construir demora, Situação argentina ilustra como sólidas conquistas sociais, que levam anos para serem alcançadas, desmancham no ar quando o poder que controla o capital detém a caneta da Presidência da República Por Erika Morhy, de Buenos Aires
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oram dias turbulentos na Argentina desde a assunção do empresário Maurício Macri à Presidência: o dólar passou a ser nivelado, e nivelado pelo mercado, o que o fez saltar dos oficiais nove pesos para 16; a moeda nacional perdeu pelo menos 40% do seu valor; pelo menos 100 mil trabalhadores já passaram para a lista de desempregados; a chamada Lei de Meios começa a ser esquartejada; e um protocolo de segurança dita rumos repressivos a manifestações públicas. O balanço de governo que fazem hoje algumas lideranças populares é bem diferente daquele sacolejo festivo de Macri na sacada da Casa Rosada, em 10 de dezembro. Foram contra estas medidas que votaram quase 50% dos argentinos, em 2015. Sim, eram previsíveis. “Nos primeiros dias, havia uma discussão sobre a velocidade com que aplicariam sua política, se gradualmente ou de maneira impactante. Estamos governados por uma força de direita clássica, profundamente liberal em termos econômicos, e profundamente autoritária em termos políticos. Não 26
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destruir não
nos surpreende o que se vê”, argumenta Martín Sabbatella, ex-titular da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca) e candidato a vice-governador de Buenos Aires nas mais recentes eleições. Sabbatella, aliás, sentiu na carne o autoritarismo político do governo macrista, que dissolveu a entidade criada pela Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual (Lei nº 26.522, de 2009) e subordinou suas atividades a um novo organismo, a Entidade Nacional de Comunicações (Enacom). Tudo isto por meio de um dos quase 30 Decretos de Necessidade e Urgência (DNUs) emitidos em um período de menos de dois meses, sem passar pelo crivo do Legislativo. Esta foi apenas uma faceta dos decretos que vão de encontro aos esforços de quem ajudou, durante anos, a construir o que seria a Lei de Meios.
AS RUAS PROTESTAM Macri governa na base da canetada: foram quase 30 Decretos de Necessidade e Urgência emitidos em um período de menos de dois meses, sem passar pelo crivo do Legislativo
ELTAN ABRAMOVICH/AFP/GETTY IMAGES (23-12-2015)
Concentração midiática
Presidenta do Fórum Argentino de Rádios Comunitárias e integrante da Coalizão por uma Comunicação Democrática, Mariela Pobliese descreve alguns dos impactos do esfacelamento da normativa. “Uma das coisas que o decreto permite é a compra e venda de licenças, coisa queaté(oex-presidente-generalJorgeRafael) Videla proibiu. É voltar a transformar em negócio as telecomunicações, e o que é pior: em um negócio para os grandes capitais. Estamos falando de algo que é substancial para a democracia, para a soberania política e econômica argentina”, indigna-se. Ela e mais de 300 representantes de organizações vinculadas à comunicação participaram do primeiro congresso nacional da coalizão, na capital do país, em 3 de março. Ali era possível ter a dimensão de como foi ampla e objetiva a conquista da Lei de Meios no governo de Cristina Kirchner, que assegurou a vontade coletiva sistematizada em 21 pontos elaborados a partir de 2004. A convocação para atualizar as diretrizes aponta claramente o alvo: “Denunciamos a atitude do Poder Executivo que, por meio dos decretos 13/2015 e 267/2015, viola a divisão de poderes REVISTA DO BRASIL
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LULA MARQUES/AGÊNCIA PT
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TRATOR Antes que o macrismo completasse 100 dias no poder, a Central de Trabalhadores da Argentina computou 38 mil demissões em âmbito estatal e outras 31 mil no setor privado, principalmente na área da construção civil, indústria automobilística e alimentícia
que estabelece a Constituição, ao mesmo tempo em que pretende apartar o Estado do respeito aos pactos de direitos humanos e desconhece os fundamentos da liberdade de expressão como direito fundamental”. Segundo Mariela, o enfrentamento aos dois decretos de urgência se darão em diferentes níveis – e o trabalho já começou, tanto por meio dos sindicatos como por articulação política com deputados e senadores para que os derrubem. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos já havia incluído na agenda um debate sobre a Lei de Meios argentina, no dia 8 de abril. Para Sabbatella, os meios de comunicação sob o modelo da concentração cumprem papel essencial na blindagem das medidas impopulares do Executivo e têm outro aliado. “Usam também o ´partido judicial´, uma parte do Judiciário como partido, a serviço da estratégia da direita, para atender a eles, atacar as forças políticas e suas lideranças. Somado ao ´partido midiático´, pretendem desestabilizar, 28
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desgastar e mentir. O que escapa dos dois partidos controla-se com a repressão, como se viu em Buenos Aires, La Plata e Santiago Del Estero, com perseguições permanentes: a estigmatização de trabalhadores em estatais e de militantes politicos, associado-os a uma gordura que precisa ser extirpada.”
Princípios impopulares
Trabalhadores dos setores público e privado ocupam quase o mesmo patamar percentual de desempregados na Argentina, e torna no mínimo duvidoso o discurso de Macri de que a “cada dia, estaremos um pouco melhor a partir de 10 de dezembro”. Ou ainda quando o agora presidente garantiu que faria o país surfar numa “pobreza zero”. O vice-presidente da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA-Autônoma), Ricardo Peidro, lamenta. “Tal qual prevíamos, temos uma situação que não é alentadora. Pelo contrário. Existe um marco de demissões associado à deterioração do salário, ocorrido tanto pela desvalorização
da moeda como pela inflação.” Antes que o macrismo completasse 100 dias no poder, a central computou 38 mil demissões em âmbito estatal e 31 mil no setor privado. Ele especifica que “estão concentrados na esfera nacional e municipal, pelo setor público, e principalmente na área da construção civil, indústria automobilística e alimentícia, pelo setor privado”. Estes números crescem regularmente, já tendo alcançado 100 mil poucos dias depois destas declarações. As informações sistematizadas pelo Observatório de Direitos Sociais da CTA-A até 4 de março levam em conta tanto dados informados pelo Instituto Nacional de Estatística e Censo da Argentina (Indec) como registros oferecidos por organizações de classe. Os dados são considerados subnotificados, conforme explicita o próprio organismo. “Quando o Estado produz demissões, demonstra qual é o caminho para a atividade privada: que não vai haver problemas quando demitirem, porque é uma questão economicista, econômica,
de maximizar os lucros por meio das demissões”, diz o sindicalista. Histórico militante sindical – ajudou a montar a CTA – e ativista de movimentos contra a pobreza, Víctor De Gennaro tem uma observação precisa a respeito desse cenário: “A tendência é assustar, utilizar as demissões para baixar os salários. Como nos disse o ministro de Economia, (Alfonso) Prat-Gay, ‘os dirigentes sindicais deverão escolher (durante as negociações com a patronal) entre ter trabalho e ter melhor salário’. O cenário é parte de um conjunto impopular de ações que favorecem as grandes corporações, conforme explica De Gennaro. “O governo produz, sem anestesia, uma transferência imensa de riqueza para grupos econômicos. A primeira medida de Macri é oferecer 128 milhões de pesos ou 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) ao setor agrícola exportador. Por sua vez, oferece aos aposentados e às crianças do programa de assistência básica um aumento emergencial de 400 pesos a cada um, num total de 3,2 milhões, ou 0,1% do PIB”, compara.
Público e privado
ACERVO UNIDAD POPULAR
“Rodrigo era nosso facilitador. Ele acompanhava o domínio das crianças sobre os netbooks como ferramenta pedagógica. Mas este ano nós não vamos poder contar com ele.” Sem muitos detalhes, a diretora da escola pública Bernardino Rivadavia esclarece pais e mães de alunos que receberam do governo fe-
ARROCHO De Gennaro: “A tendência é assustar, utilizar as demissões para baixar os salários”
ACERVO REDPAC
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DESCONSTRUINDO A LEI DE MEIOS Mariela: Macri liberou a compra e venda de licenças de telecomunicações, coisa que nem a ditadura permitiu
deral o pequeno computador, como parte do programa Conectar Igualdade, nos anos anteriores. Há cinco anos, era por meio dele que se entregava um computador por aluno e professor das instituições públicas de ensino. A plataforma pedagógica foi desenvolvida pela equipe governamental, e é utilizada a partir do assessoramento técnico-pedagógico à comunidade escolar feita pelos facilitadores. A lacuna é reflexo da demissão dos mais de mil funcionários que atuavam na inclusão digital dentro dos colégios de todo o país há cinco anos. Professor de Matemática e mestre em Políticas Educativas, Gustavo Romero é um deles. Coordenava exatamente as atividades de outros colegas que visitavam as escolas para acompanhar professores e alunos no processo de aprendizagem na capital federal. “Por sorte, tenho outras fontes de renda – dou aulas e escrevo livros. Mas a maior parte da minha equipe tinha esse trabalho como único salário, e estão sem receber desde janeiro. É desesperador”,
diz Romero, de 34 anos, que trabalhou no Conectar por dois anos. Romero e os demais demitidos estavam contratados em condição vulnerável, admite. Ou como destaca De Gennaro: precária. “Não houve nenhuma greve geral durante os primeiros nove anos de governo de Cristina Kirchner, mas foram cinco nos últimos três anos. Para se chegar a esse nível de consenso, é porque havia muita insatisfação”, pondera. A título de comparação, entre as várias manifestações contra medidas do governo Macri, já houve uma greve nacional de trabalhadores em estatais (em 24 de fevereiro) e outra promovida por um conjunto de centrais sindicais (29 de março). Há que se levar em conta a grande quantidade de demitidos no setor privado no arranque da gestão macrista. E ainda uma repressão policial violenta aos protestos. A marca Cresta Roja, de frangos produzidos pelo Grupo Rasic, localizada na Grande Buenos Aires, anunciou sua falência em dezembro e passou a ser administrada pelo consórcio Ovoprot Internacional. Antes disso, o piquete dos funcionários, que chegam a 5 mil, terminou em 22 de janeiro com a arremetida de balas de borracha desferidas pela polícia. O Grupo 23 de comunicação também não reservou boas notícias aos funcionários de seus veículos no encerramento do ano. Diretor de Redação do jornal Tiempo Argentino, Gustavo Cirelli diz que o diário que ajudou a fundar em 16 de maio de 2010 teve suas atividades suspensas por determinação de seus donos em 5 de fevereiro. “O principal responsável não é o governo federal, mas os empresários que o levaram a essa situação. O que o governo federal está fazendo com o jornal é mais ou menos exemplificar o que acontece com um periódico de características do campo popular, que é o que representamos. Por isso, não há nenhum sinal de que o Estado vai estar do lado dos trabalhadores”, define o jornalista. O que passou com o Conectar Igualdade também acontece de forma muito semelhante com o Tiempo. Os 170 trabalhadores que ficaram desempregados acumulam dívidas desde dezembro, além REVISTA DO BRASIL
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SANTIAGO VIVACQUA/NUEVO ENCUENTRO
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de parte do 13º salário. E mesmo com a blindagem de informação feita pelos grandes meios de comunicação, os protestos e batalhas judiciais com apoio sindical estão de pé. “O conflito foi se aprofundando com a mesma intensidade em que se tornava desesperadora a situação”, relata Cirelli, para quem ainda existe alguma margem de negociação com o Ministério do Trabalho. Aos 46 anos, com um par de experiências no ramo, Cirelli acha estranha a venda do Grupo 23 para um empresário tão
PARCERIA MÍDIA/JUDICIÁRIO Sabbatella: os meios de comunicação sob o modelo da concentração cumprem papel essencial na blindagem das medidas impopulares do Executivo e têm outro aliado. “Usam também o ´partido judicial´”
desconhecido e que ainda não apareceu para dizer a que veio. Ele lamenta a situação vivida pela maioria dos colegas, alguns já sem condições, por exemplo, de pagar o aluguel. “O que me domina todos os dias é a angústia e a raiva. Por ver a mim nesta situação, mas, sobretudo, a
meus companheiros, não podendo viver dignamente como fruto do seu trabalho, como deve ser”, desabafa o portenho. Ele conta que o jornal produziu reportagens significativas para a agenda pública nacional, entre as quais uma investigação sobre os laços entre o então candidato Maurício Macri, e seu primeiro nome para deputado federal, Fernando Niembro. Laços tão vis entre os setores público e privado que fizeram Niembro abdicar de sua candidatura. Houve ainda reportagem de fôlego sobre os negócios com papel-jornal, que envolvia grandes corporações midiáticas e suas relações com governos militares. Cirelli diz que todos os trabalhadores do jornal têm uma história de militância, seja em organizações de direitos humanos, seja em movimentos sindicais ou político-partidários. Ele mesmo reserva muitas críticas ao governo kirchnerista, mas faz questão de ressaltar: “O que houve foi um governo de enfrentamento com o poder real na Argentina. E o poder realnão é o poder político, são os grupos concentrados, transnacionais, os grandes exportadores”. O peronismo em sua faceta kirchnerista continua esperançoso, de acordo com Martín Sabbatella. “Como qualquer força política que perdeu as eleições, voltamos a nos organizar, a nos reunir com quem foi empoderado por Cristina, a receber os que querem se organizar. Vamos disputar as próximas eleições”, conclui, enquanto segue em uma sequência de encontros pelo país.
Uma nova força à direita Víctor De Gennaro e Martín Sabbatella adotam análise semelhante ao se referirem ao cenário político-partidário na Argentina contemporânea e que tem Maurício Macri como seu mais novo representante. O fim do bipartidarismo que se deu em várias nações latinoamericanas em meados dos anos após 2001 se deu de modo diferente na Argentina, relaciona De Gennaro. “Enquanto o bipartidarismo foi superado por forças de centro-esquerda em países como Brasil, Uruguai, Venezuela e Bolívia, PJ (Partido Justicialista) e UCR (União Cívica Radical) foram superados muitos anos depois e por uma força política de direita, que é a Proposta Republicana (PRO)”. Sabbatella recorda que “a direita já esteve presente na Argentina e marcou o rumo do país em determinados momentos históricos, assim como na região sul-americana como um todo”. 30
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A diferença, diz ele, “é que a direita atual é atendida por seus próprios donos, que formaram um partido”. Em décadas anteriores, como a de 1970, quando do terrorismo de Estado, e a de 1990, a direita assumia a condução do Estado por meio de um “partido militar” ou por meio da “colonização de partidos populares”, a exemplo de Carlos Menem, originalmente do Partido Justicialista ou Peronista, e Fernando De la Rúa, advindo da UCR. A conformação dessa força à direita é uma novidade política importante, alerta Sabbatella. No entanto, ele acrescenta que se deve levar em conta que detém “o mesmo pensamento, a mesma lógica, a mesma voracidade, os mesmos interesses econômicos”. A coalizão de partidos que levou Macri à prefeitura de Buenos Aires em 2007, com mandato até 2015, é a mesma que passou a se chamar PRO e o levou à Casa Rosada.
EMIR SADER
A onda conservadora de Trump e de Moro Ela não tolera mais o convívio democrático e tem como característica o ódio e a agressividade. A democracia era boa quando a direita ganhava. Quando passou a perder, começou a apelar
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ão há dúvida de que há uma nova onda conservadora no mundo. A profunda e prolongada crise econômica europeia, produto do fracasso das políticas neoliberais de austeridade, não tem tido como regra respostas por parte da esquerda – dos seus partidos, dos sindicatos –, mas tem fortalecido a extrema-direita. Um fenômeno que afeta a França há décadas e que agora chega com força também à Alemanha, depois de percorrer já grande parte dos países da Europa. O tema da imigração resume o egoísmo dessa nova direita, encastelada nos muros da sociedade que construiu na base do colonialismo e do imperialismo, protegendo-se dos “novos bárbaros” que chegam da miséria que ela produziu na África e das guerras que ela produz no Oriente Médio. A mentalidade de cidadela da civilização sitiada pelos bárbaros produz uma nova extrema-direita, que encontra amplos setores, especialmente de classe média, dispostos a apoiá-la nas suas políticas xenófobas, discriminatórias, racistas. O sucesso da campanha de Donald Trump nos Estados Unidos corresponde a um fenômeno similar. Não é à toa que Trump tem nos mexicanos, nos imigrantes em geral, nos muçulmanos, a pedra de toque de sua ideologia, que convoca os sentimentos mais conservadores da classe média do chamado “EUA profundo”. Construção de muros, expulsões, proibição de ingresso – tudo vai na mesma direção do egoísmo que atribui a culpa da crise, provocada pela economia que eles mesmos semearam ali e no mundo, às suas vítimas. Pode não triunfar, mas demonstra que há um caldo de cultivo enorme no próprio centro do sistema para uma nova direita ainda mais extremista. Corresponde ao que Richard Nixon denominou, ainda nos anos 1960, de a “maioria silenciosa”, os norte-americanos do país profundo, conservadores na sua alma. Por aqui, a direita não tolera mais o convívio na democracia. Nem no Brasil, nem na Argentina, nem
no Equador, nem na Venezuela, nem na Bolívia. Pelos meios de comunicação disseminam ódio, mediante campanhas de desqualificação pessoal dos seus dirigentes, na impossibilidade de discutir alternativas e comparar governos. A direita atual tem como característica nova o ódio, a agressividade, a discriminação aberta, as manifestações de rua em que exibem lemas de ofensas abertas aos dirigentes políticos da esquerda. São amplos setores da classe média desesperados porque passaram a perder eleições. A democracia era boa quando a direita ganhava. Quando passou a perder, começou a apelar para a violência, verbal e física. Hoje estão dispostas a lançar-se a um novo golpe, que pode assumir a forma do impeachment ou de alguma forma de parlamentarismo que, na prática, tire o poder da Dilma. Perguntados sobre o que querem, qual a via de solução para os problemas do país, só sabem responder: um país sem o PT. Não podem especificar as políticas que colocariam em prática caso controlassem de novo o governo, por uma via ou por outra, porque são as velhas e derrotadas fórmulas do neoliberalismo. Do ponto de vista do marketing, decisivo nas campanhas eleitorais, trata-se de buscar candidatos que se digam nem de direita nem de esquerda, que denunciem os políticos como corruptos, que se digam cansados da polarização entre PT e tucanos, que falem generalidades. Marina ou Moro se candidatam a esse papel, mas têm dificuldades. Ela já se queimou, especialmente com os jovens, aos quais frustrou depois de se apresentar como renovação. Moro, da mesma forma que Joaquim Barbosa, surfa na onda das campanhas da mídia de priorização do tema da corrupção como o central no país. Não tem mais nada a dizer. JB não se arriscou ao teste das urnas. Moro dificilmente vai tentar. Salvo se conseguir proscrever da política o Lula, pode se candidatar a “salvador da pátria”, ainda assim completamente blindado pela mídia e pela repressão da esquerda e dos movimentos populares. Muito difícil também para ele. REVISTA DO BRASIL
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om temperatura 1,35 grau Celsius acima da média dos últimos 136 anos, fevereiro foi o mês mais quente da história. Ou, pelo menos, desde 1880, quando começaram a ser feitas as medições globais de temperatura. Tórrido no Hemisfério Sul, fevereiro desbancou aquele que até então era o mês mais quente: justamente o anterior, janeiro. Para os climatologistas do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa, autores da medição e da análise científica que a acompanha, tudo indica que 2016 será o ano mais quente da história, superando... 2015. Segundo a agência espacial dos Estados Unidos, novos recordes de temperatura são esperados para julho e agosto, no verão do Hemisfério Norte. Impulsionadas nos últimos dois anos por forte aquecimento das águas na superfície do Oceano Pacífico – fenômeno conhecido como “El Niño” –, as quebras sucessivas de recordes e o aumento considerável em relação à média histórica são indicadores de que o planeta se aquece de forma acelerada. Mais 32
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do que isso, as altas temperaturas, segundo os especialistas da Nasa, trazem embutidas uma má notícia: a permanecer esse ritmo, será impossível manter o aquecimento da Terra no limite de 1,5 grau Celsius, meta defendida como ideal pela maioria das nações durante a 21ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-21), realizada em dezembro em Paris. “Corremos sério risco de não cumprir o acordo celebrado na COP-21”, constata o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, em referência ao documento final aprovado pela maioria dos 195 países presentes ao encontro de cúpula na capital francesa. Considerado a base para um “pós-Kyoto”, o acordo destravou a negociação climática internacional, paralisada havia quase uma década, e será ratificado agora em abril, em cerimônia a se realizar na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Sua aplicação prática terá início em 2020. O documento final da COP-21 estabelece o objetivo de não permitir que o aumento da temperatura média do planeta ul-
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No modelo econômico o planeta
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FERVE trapasse os 2 graus Celsius até 2050. As nações signatárias também se comprometem a tentar limitar este aumento a 1,5 grau, meta considerada “quase impossível” na análise divulgada pela Nasa. Para conseguir honrar as ousadas metas estabelecidas em Paris, os países têm de tornar realidade alguns planos nacionais de ação contra as mudanças climáticas que, em muitos casos, ainda nem saíram do papel. Às vésperas de sua ratificação, o Acordo de Paris permanece frágil, sobretudo pela posição de incerteza interna vivida por alguns dos principais atores das negociações climáticas globais.
Obama e os republicanos
Nos Estados Unidos, país que jamais ratificou o antigo Protocolo de Kyoto, mas que, na gestão de Barack Obama, ensaiou um retorno em força às discussões climáticas no âmbito da ONU, a Suprema Corte suspendeu – por cinco votos a quatro – o Plano de Energia Limpa que havia sido anunciado pelo governo em agosto do passado. Por estabelecer metas concretas para a
Apesar da euforia com a adesão da maioria dos países à COP-21, acordo do clima já nasce ameaçado por depender excessivamente do bom comportamento de Estados Unidos e China Por Maurício Thuswohl
redução da emissão de gases de efeito estufa pelo setor elétrico, o plano chegou a ser apresentado em Paris como a principal ação norte-americana no combate ao aquecimento global. Mas não resistiu à oposição interna liderada pelos estados produtores de petróleo e carvão governados pelo Partido Republicano, como Texas e Virgínia. A decisão dos juízes revelou o quão difícil será para Obama vencer a oposição republicana, que também é maioria no parlamento, e pôr em prática as pretendidas ações de enfrentamento às mudanças climáticas. O caso ainda será analisado por uma corte de apelações, em sessão marcada para junho, e a estratégia do governo para tentar reverter a decisão será citar deliberações anteriores da Suprema Corte que reconhecem o impacto dos gases de efeito estufa sobre a saúde pública do país. “O aquecimento global já afeta o meio ambiente e o bem-estar dos americanos, e é hoje um dos principais desafios para os Estados Unidos”, disse o procurador-geral, Donald Verrilli, à agência de notícias Reuters. REVISTA DO BRASIL
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Apresentado em Paris, o Plano de Energia Limpa elaborado pela Agência de Proteção Ambiental do governo norte-americano traz o compromisso de reduzir as emissões do país em 32% até 2030, tomando como base os índices registrados em 2005. Sua apresentação serviu como grande estímulo para que se chegasse a um acordo na COP-21, já que o setor energético fortemente baseado nas termelétricas a carvão é responsável por um terço das emissões no país. Se a suspensão do plano for confirmada, isso representará um sério revés para as pretensões de adoção de um “pós-Kyoto” pelos países signatários do Acordo de Paris. Um eventual recuo da maior potência econômica do mundo deverá comprometer também o financiamento do Fundo do Clima, mecanismo criado na COP-16 (em Cancún, no México, em 2010) com o objetivo de garantir recursos para que os países mais pobres possam realizar ações de mitigação e enfrentamento das mudanças climáticas. Apesar da ideia inicial de dotar o 34
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fundo com US$ 100 bilhões por ano desde 2011, este ainda se encontra estagnado e descapitalizado. Na COP-21, o secretário de Estado, John Kerry, anunciou compromisso de dobrar os aportes de recursos ao Fundo do Clima. Aí, também, um recuo teria efeitos catastróficos. “É importante que os Estados Unidos continuem no barco, ao lado dos outros países. Ao oferecer mais dinheiro e mostrar mais flexibilidade em sua posição, o país deu o tom e definiu os termos do acordo firmado em Paris”, diz a ambientalista brasileira Iara Pietricovsky, que é dirigente do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e esteve presente na conferência realizada na França.
Dragão sustentável
País que nos últimos 15 anos viveu acelerado crescimento econômico baseado na queima de combustíveis fósseis e tomou dos norte-americanos a liderança do ranking dos que mais emi-
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Dilma veta
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Às vésperas de sua ratificação, o Acordo de Paris permanece frágil, sobretudo pela posição de incerteza interna vivida por alguns dos principais atores das negociações climáticas globais
Do êxito do plano chinês dependerá também o sucesso do Acordo de Paris. “Se traduzir em políticas concretas o que está previsto no plano, a China deixará o papel de vilã do clima que cumpre desde o ano 2000 e poderá tornar-se até mesmo líder do combate às mudanças climáticas”, diz o dirigente da seção asiática do Greenpeace, Li Shuo, segundo o Observatório do Clima. Para tornar real aquilo que qualifica como uma “revolução energética”, o Plano Quinquenal do governo chinês apresenta as metas de limitar o consumo de energia do país em 5 bilhões de toneladas de carvão e de reduzir o uso de energia fóssil em 15% até 2020. Em seus estudos, o governo trabalha com a previsão de uma taxa de crescimento de 6,5% a 7% ao ano nos próximos cinco anos. “A China vai honrar os compromissos climáticos que assumiu em Paris e vai participar ativamente da gestão global do clima”, declarou o primeiro-ministro, Li Keqiang.
tem gases de efeito estufa, a China se comprometeu na COP-21 a reduzir em 65% suas emissões até 2030, tendo como base o ano de 2005. Em Paris, o governo chinês apontou também para o ano de 2030 como prazo limite para atingir o pico de suas emissões, mas o grande desafio do país agora é antecipar o cumprimento dessa meta, já que seu crescimento econômico, sempre em torno dos 10% no período entre 2000 e 2013, desacelerou nos últimos dois anos. Para evitar repetir nos próximos anos os 10,5 bilhões de toneladas de CO2 lançados na atmosfera em 2014, o capítulo sobre energia do Plano Quinquenal divulgado em março pelo governo chinês aposta no desenvolvimento de fontes de energia limpa, como a eólica e a solar. Segundo um estudo elaborado pela London School of Economics, entre 2010 e 2014 as alternativas energéticas não fósseis cresceram 73% na China, e a expectativa do governo é que esse crescimento seja ainda maior nos próximos cinco anos.
No Brasil, a divulgação pelo governo do Plano Plurianual (PPA) para o período 2016-2019 foi alvo de críticas por parte de organizações ambientalistas, que acusam o país de desrespeitar os compromissos assumidos durante a COP-21. O principal problema, dizem as ONGs, foi o veto integral, feito pela presidenta Dilma Rousseff, ao item do PPA que fala em “promover o uso de sistemas e tecnologias visando à inserção de geração de energias renováveis na matriz elétrica brasileira”. O veto presidencial incluiu todas as metas e ações previstas para esse setor. Em Paris, o governo brasileiro se comprometeu em, até 2030, elevar a 45% a participação das fontes renováveis em sua matriz energética, incluindo aí a opção hidrelétrica. Os vetos ao PPA, no entanto, não pouparam a meta de aumentar em 13.100 megawatts a capacidade instalada de energia gerada a partir de fontes limpas. Também foram vetados itens que mencionam o incentivo ao uso de fontes renováveis por meio da geração distribuída, no uso de fontes solares fotovoltaicas e na implementação de projetos voltados ao desenvolvimento de fontes renováveis. Segundo a organização Instituto Socioambiental (ISA), esses vetos não são condizentes com os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris. Para a maioria dos ambientalistas, apesar dos discursos e da boa vontade demonstrada pelos governantes durante a COP21, o combate ao aquecimento global só seria realmente efetivo se conseguisse transformar o modelo de desenvolvimento capitalista atual. “Enquanto pensamos se o aumento da temperatura vai ficar em um grau e meio ou dois graus, os mesmos governantes querem fechar a Rodada de Doha da Organização Mundial de Comércio (OMC), entre outros acordos comerciais tenebrosos que se arquitetam no mundo e que manterão nosso planeta aquecendo-se aceleradamente. Ao que parece, ninguém da parte dos governos e muito menos das grandes corporações quer romper com esse modelo hegemônico. Então, discutir se teremos um aumento de somente um grau e meio ou menor que dois graus parece ridículo para qualquer ser humano comum”, diz a antropóloga Iara Pietricovsky, do Inesc. REVISTA DO BRASIL
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Thiago de Mello completa 90 anos cantando sua esperança no homem e a preocupação com a humanidade Por Vitor Nuzzi
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madeu Thiago de Mello tinha apenas 16 anos quando deixou o Amazonas e embarcou em um navio para o Rio de Janeiro. Na então capital federal – era 1942 –, cursava Medicina e tinha a dúvida comum aos jovens sobre o rumo a tomar na vida. Um amigo de outro amigo conseguiu o telefone do poeta Carlos Drummond de Andrade, funcionário do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (futuro Iphan, instituto), no Ministério da Educação. E deu-se o encontro entre dois poetas, presente e futuro. Em depoimento para Pollyana Furtado Lima, para uma dis-
LITERATURA ALBERTO CÉSAR ARAÚJO/FOLHAPRESS
mesmo ele, escritor já conhecido, vivia dos ganhos como servidor público. Thiago ouviu, deixou alguns poemas e foi embora. Dois dias depois, retornou e escutou o veredito. “Você não tem remédio, nasceu com a tara”, disse Drummond, recomendando que ele levasse os textos para serem publicados no Correio da Manhã. Começava a surgir o poeta Thiago de Mello, 90 anos completados em 30 de março. Dele, Manuel Bandeira escreveu se tratar de “um dos grandes da sua geração e de qualquer geração”.
Lirismo
SAUDADES DE CASA Quando voltou ao Brasil, depois do exílio na Europa, Thiago argumentou que não queria aprender só com livros e jornais, mas “com as águas, os verdes, as estrelas, o chão onde nasci”
sertação de mestrado na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em 2012, o próprio Thiago conta que Drummond, ao saber de sua origem, “quis saber da minha infância, da floresta, as águas, os rios, de meus pais”. Quando o jovem contou que pretendia largar o curso para se dedicar à literatura, ouviu: “Não faça isso, pelo amor de Deus, pois ninguém vive de literatura no Brasil. Faça seus versos, mas não largue a Medicina”. E contou que
Em texto para uma antologia publicada em 2009, o professor Marcos Frederico Aleixo observa que, no início, Thiago de Mello mostra preocupações existenciais, e em sua primeira obra “expressa o que fizera em vida, quando abandonou no quinto ano um curso de Medicina (sempre promissor em termos financeiros) para se dedicar ao lirismo”. No livro A Lenda da Rosa, de 1956, diz o professor, “já se prenuncia a transição para a vereda definitiva que trilharia, de preocupações sociais”. E Faz Escuro Mas Eu Canto, de 1965, que “marcaria sua adesão definitiva à poesia social”. Ele observa que não se trata, nessa situação específica, de fazer prosa em versos. “Mas de manter-se no fio da navalha da linguagem literária: fazer poe-
sia política, sem deixar de fazer, antes de tudo, Poesia.” A sua obra mais conhecida, Os Estatutos do Homem, foi escrita pouco tempo depois do golpe de 1964. Em resposta, ele recebeu uma carta de rompimento de Bandeira. Outro amigo, o poeta chileno Pablo Neruda, chegou a recomendar que ele a devolvesse ao amigo – à época, Thiago de Mello era adido cultural no Chile. Segundo ele revelou em 2013 ao jornal Folha de S. Paulo, já em 1965, de volta ao Brasil, visitou Manuel Bandeira, que recitou o Poema perto do Fim, de Thiago, e, em um abraço, sussurrou para “esquecer” aquela carta. O poema foi uma reação do poeta às primeiras notícias do arbítrio vindas do Brasil. Thiago tambem renunciou ao posto de adido. Os Estatutos ganharam vida própria ao longo dos anos. Em março último, a obra foi relida na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, durante uma homenagem ao poeta. Com direito a um encontro com estudantes, que lembraram das ocupações de escolas no final do ano passado, contra um projeto de reestruturação escolar do governo paulista.
Na história
A presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes),
O NASCIMENTO DE UM POETA Por recomendação de Carlos Drummond de Andrade, Thiago de Mello levou seus textos para serem publicados no Correio da Manhã REVISTA DO BRASIL
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FOTOS EVERTON AMARO/FUNDAÇÃO MAURÍCIO GRABOIS
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CamilaLanes, estava lá. Ficou feliz com o encontro entre a jovem de 19 anos e o poeta de 90, “muito consciente e simpático”. Ela conta que já conhecia um pouco da obra de Thiago na escola e por amigos que gostam de poesia. No primeiro ano do ensino médio, fez um trabalho com base no poema Faz Escuro Mas eu Canto. “Thiago de Mello conviveu com uma parte muito grande da história do país”, diz Camila. Para ela, o atual momento politico, conturbado, ajuda a refletir sobre o papel de cada pessoa como cidadão. Nesse sentido, acrescenta, Thiago é referência, “por sua militância, na poesia e na vida”. Em sua dissertação, Pollyana Furtado Lima destaca o fato de Thiago de Mello não ter permanecido em seu estado de origem. “Sem esse deslocamento geográfico e as estratégias adotadas pelo escritor, seria pouco provável a repercussão de sua obra. Da mesma forma, a atividade diplomática no Chile e na Bolívia, as perseguições políticas no período militar, o refúgio nos países da América Latina seguido de exílio na Europa, foram acontecimentos de sua vida que tiveram 38
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efeito sobre a sua visão de mundo, a sua criação literária e, sobretudo, a circulação de sua obra em países considerados centros literários mundiais, como a França e a Alemanha.” E se porventura a dermos ao mundo, tal como a flor que se oferta – humilde luz –, teremos então cumprido a missão que é dada ao poeta. E como são onda e mar, seremos homem e palavra. (Silêncio e Palavra, 1951) Em 1951, aos 25 anos, Thiago lançou o seu primeiro livro, Silêncio e Palavra. O mais recente, e segundo ele o último, é de 2015: Ajuste de Contas. Entre um e outro, duas dezenas de obras. Desde a poética engajada de Faz Escuro Mas Eu Canto (1965) e Poesia Comprometida com a Minha e a Tua Vida (1975), há publicações sobre o escritor argentino Jorge Luis Borges e até sobre uma paixão de infância, Arte e Ciência de Empinar Papagaio. Faz Escuro Mas eu Canto é também o nome de um show, dirigido por Flávio
Rangel, em meados dos anos 1970, com Thiago declamando e Sérgio Ricardo cantando. Estreou no Teatro Opinião, no Rio de Janeiro, e correu o país. Eles conseguiram liberar o espetáculo, mas a censura vetou parte dos textos. “Foi um momento heróico da nossa vida”, lembra Sérgio Ricardo, que inicialmente procurou, além de Thiago, o também poeta Ferreira Gullar, que acabou não entrando no projeto. “Foi um convívio maravilhoso, sem nenhum atrito, um trabalho meio épico. Cada lugar que a gente passava, deixava uma marca.” Segundo ele, mesmo obras censuradas acabavam entrando no roteiro. “Em alguns lugares a gente driblava, fazia mesmo o que estava proibido. Era uma contravenção total”, diz, rindo. Para o cantor, compositor, cineasta e artista plástico, aquele foi, talvez, o show mais importante de sua vida. “Não era entretenimento, era guerrilha mesmo. Uma guerrilha cultural. Éramos dois pagãos pelo Brasil”, afirma, considerando Thiago um grande artista de palco. “Ele declamando os poemas é uma coisa arrepiante”, diz Sérgio Ricardo.
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UNINDO GERAÇÕES Imagens da celebração dos 90 anos do poeta, organizada em março pela Fundação Maurício Grabois. Na primeira, cantando com um de seus filhos, Thiago Thiago. Na segunda, a homenagem dos estudantes
Texto e engajamento
Filho e neto de escritores, e vice-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE), Ricardo Ramos Filho destaca tanto a qualidade do texto como o engajamento de Thiago, que conheceu pessoalmente durante a Feira Literária Internacional de Paraty (Flip), em 2013, quando Graciliano Ramos foi homenageado. “Acho bacana um escritor, poeta, que tenha engajamento político, desde que esse engajamento se faça via obra, pelo texto.” Ricardo vê paralelos entre as obras de Graciliano e Thiago, embora acredite que o escritor alagoano fosse mais contido em termos de comportamento. “Se você lê um livro como São Bernardo e pega uma figura como Paulo Honório (protagonista da obra), está toda a crítica do fazendeiro, de como ele trata o empregado”, observa. Ambos enfrentaram problemas com a ditadura – Graciliano com a do Estado Novo e Thiago com a instalada a partir de 1964. Eles chegaram a se conhecer, trabalhando no Correio da Manhã. Nascido em 1892, Graciliano chamava Thiago, de
1926, de “menino”. “Na hora do almoço, ele dizia: vamos, menino, tomar um conhaque lá embaixo”, conta Ricardo, que é da terceira geração de sua família a conhecer o poeta amazonense. Aos 62 anos, agora ele é que é chamado de “menino”. Madrugada camponesa. Faz escuro (já nem tanto), vale a pena trabalhar. Faz escuro mas eu canto porque a manhã vai chegar. (Madrugada Camponesa, 1965) Thiago de Mello saiu do Chile após o golpe que derrubou Salvador Allende, em 1973. Passou uma temporada na Europa e voltou ao Brasil antes da anistia, em 1978. E surpreendeu ao decidir que iria morar não em um grande centro, mas na floresta, de onde não saiu mais. Ele conta, em entrevista ao Movimento Humanos Direitos (MHuD), em 2009, que antecipou a volta porque achou que estava ficando doido. “Atravessava a ponte sobre o rio Reno, entre Maiz e Wiesbaden (cidade onde Dostoiévski escreveu O Jogador) e sentia cheiro de pirarucu.
Cheiro de pimenta-murupi. Sentia falta da fala, do canto, do jeito de viver de minha gente.” Amigos discordaram da decisão, mas Thiago argumentou que não queria aprender só com livros e jornais, mas “com as águas, os verdes, as estrelas, o chão onde nasci”. Assim mora o poeta, na sua Barreirinha natal, a 300 quilômetros de Manaus e à beira do Rio Andirá. Sei porque canto: se raspas o fundo do poço antigo de sua esperança, acharás restos de água que apodrece. É preciso fazer alguma coisa, livrá-lo dessa sedução voraz da engrenagem organizada e fria que nos devora a todos a ternura, a alegria de dar e receber o gosto de ser gente e de viver. (É preciso fazer alguma coisa, 1974) Foi lá que, como conta, aprendeu a nadar antes de andar. Aos 9 anos, o avô Gaudêncio escreveu a ele uma carta, para que o menino estudasse “com vontade”, para se tornar um homem de bem. “Estudar, estudo até hoje, cada dia mais. Ser um homem de bem é que não é fácil, dá um trabalho danado, neste mundo de maldade e ilusão, como o Caymmi canta”, disse Thiago ao MHuD, citando Saudade da Bahia, de Dorival Caymmi. Também naquela entrevista, Thiago falava da importância da ética no cotidiano. “De uns para os outros. Na vida de cada pessoa. No viver e sobretudo no conviver. E, de maneira corajosa, na ação dos chamados homens públicos, os que têm nas mãos e na cabeça o destino.” Da eternidade venho. Dela faço parte, desde o começo da vida dos que me fizeram ser até chegar ao que sou. Transporto com a minha vida a eternidade no tempo. Menino deslumbrado com as águas, os ventos, as palmeiras, as estrelas, prolonguei sem saber a eternidade que neste instante navega no meu sangue fatigado. (Eternidade, 1993) REVISTA DO BRASIL
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Visita ao mundo maia Viagem pela região que se estende pelo sul do México e outros países mostra a complexidade da organização social e a originalidade da cultura Por Flavio Aguiar
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“mundo maia” se estende pelo sul do México, Guatemala, Honduras, El Salvador e Belize. No México, cobriu as três províncias daquela península (Campeche, Yucatán e Quintana Roo), mais as de Tabasco e Chiapas. Mas quem quiser visitá-lo deve começar, curiosamente, fora dele: pelo Museu Nacional de Antropologia, na Cidade do México, a capital do país. Neste excelente museu, o visitante se depara com a extraordinária complexidade e diversidade do mundo indígena mexicano, pré e pós-conquista espanhola. E também pode constatar 40
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a originalidade da cultura maia, uma das mais diversificadas dentre um conjunto de culturas e sociedade extremamente complexas. Ao mesmo tempo, dá para perceber certos traços comuns à maioria destas sociedades e culturas. Eram extremamente estratificadas, verticalizadas, na maioria das vezes militaristas e autoritárias. Estes traços ajudam a entender, primeiro, o desenvolvimento da arquitetura nestas sociedades, que servia para demarcar as distâncias e as funções sociais de modo ao mesmo tempo grandioso e rígido, com destaques para os templos religiosos,
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e ao cabo, acabaram todas dominadas. Mas uma das que mais demorou a cair foi a civilização dos maias, embora, quando da conquista do México, eles já estivessem longe de seu apogeu.
PÉROLA Ruínas de Labná, umas das mais belas cidades maias e uma das menos visitadas por multidões de turistas
prédios administrativos e residências da aristocracia e dos reis. Em segundo lugar, ajudam a entender por que estes mundos, sem exceção, desmoronaram muito rapidamente diante do relativamente pequeno número (pelo menos de início) de conquistadores europeus. Estes, além de dispor de um armamento muito superior e mais agressivo do que os indígenas, souberam valer-se das rivalidades e disputas entre os vários povos autóctones. Invariavelmente, tribos menos poderosas aliaram-se a eles para se livrar da sua dominação pelas mais poderosas. Ao fim
Depois da capital mexicana, fomos à Península de Yucatán, junto ao Caribe. A península é dividida em três estados: Yucatán, Campeche e Quintana Roo (nome de um dos próceres da independência mexicana). Limita ainda com a Guatemala, ao sul, e com Belize, a leste. Quintana Roo, que fica mais a leste, tem uma hora de diferença – a mais – do que a capital mexicana. Está no mesmo horário que o estado brasileiro do Acre e o extremo oeste do Amazonas. A península é o espaço central do “mundo maia”. Até não faz muito, os maias eram descritos em livros de história como os protagonistas de um mundo nebuloso e desconhecido – e “desaparecido”. Esta imagem se deve ao fato de que, fundadas a partir de 1000 a.C., as cidades maias atingiram seu apogeu no chamado “período clássico”, entre 250 e 900 d.C., entrando em declínio posteriormente – mas sem desaparecer completamente. As causas desse declínio são obscuras. Tradicionalmente se atribui o declínio parcial da civilização a fatores climáticos. Com sua agricultura intensiva, os maias contribuíram para o desflorestamento parcial de suas terras, com diminuição consequente das chuvas. As terras da península, sobretudo, são arenosas, o clima subtropical é muito quente, e apesar da existência de água doce em abundância no subsolo – que aparecem em bolsões chamados de “cenotes”, maravilhosos para banhos – os períodos de seca podem ser extensos e prolongados. Mas estudos mais recentes apontam também causas sociais. Como em outras civilizações do atual México, o mundo maia também era extremamente hierarquizado e profuso em sacrifícios humanos e outras religiosidades extremadas. Por exemplo, os maias tinham um curioso jogo de bola, ainda hoje praticado em manifestações folclóricas. A bola era muito dura, e só podia ser impulsionada com os quadris, ou com as SOFISTICAÇÃO Esculturas em Temoaya
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RICHARD A COOKE III/GETTY IMAGES
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GRANDIOSA Teotihuacán viveu revoltas sociais, agravadas pelas secas prolongadas
A conquista
Mas os maias ainda existiam como uma sociedade autônoma quando os Conquistadores da Espanha chegaram, e, como os outros povos, tiveram de ser submetidos a ferro, fogo e… religião. A Conquista foi dura e prolongada, porque os maias se protegiam nas selvas ainda densas da região e se ocultavam nos cenotes, onde a água e a pesca eram abundantes. Existem centenas de ruínas na península, dando conta da complexidade arquitetônica do mundo maia, de sua sofisticação e de sua riqueza cultural. Eram astrônomos de primeira grandeza e dispunham da única escrita alfabética do continente americano. Além disso, conheciam o conceito de “zero” desde muito antes dos matemáticos árabes, que foram, inclusive, os responsáveis por sua introdução na Europa, depois de o herdarem dos hindus e dos babilônios. 42
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PRAIA Tulum fica na costa do mar azul caribenho, em Yucatán
As ruínas maias são, em geral, grandiosas, dando conta da complexidade de sua organização social, de sua estratificação bastante rígida em matéria de classes sociais e de sua articulação com o espaço religioso, bem como de sua militarização, como a dos astecas. Têm um encanto especial, por estarem cobertas ou na vizinhança de florestas algo pujantes ainda. Visitamos algumas delas: Kabah, com seus adornos de máscaras nas paredes; Uxmal, talvez a mais extensa e grandiosa; Izamal, em cujo centro histórico hoje se confrontam as antigas
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juntas do corpo, os cotovelos e os joelhos. Duas equipes disputavam o jogo, cujos pontos eram marcados fazendo a bola passar pela “linha de fundo” de um dos times, ou por rodas de pedras perfuradas no centro e colocadas no alto de colunas ou presa às paredes dos “estádios”. No final do jogo, o capitão do time vencedor era decapitado – o que era considerado “uma honra”… Esta hierarquização levou – como em outras regiões do atual México, entre as quais a de Teotihuacán é um exemplo – a revoltas sociais que se agravaram com as secas prolongadas.
VIAGEM
casas coloniais e uma igreja colossal construída em cima de um antigo templo com as ruínas das pirâmides que restaram; também Tulum, cidade tardia no mundo maia. Foi fundada no século 6º da era cristã, era um porto de mar – um dos únicos dos maias –, tinha fins comerciais e era também usada como balneário pelos habitantes de Kabah. Sua área é muito grande. As construções são mais simples e parecem menos acabadas do que as de outras cidades, embora haja vestígios de pinturas e decorações que devem ter sido extremamente ricas. Outra cidade visitada foi a de Chichen Itzá, igualmente grandiosa e com o detalhe de sua serpente, no flanco de uma das pirâmides, que só se deixa ver em determinadas horas do dia durante o tempo dos dois equinócios anuais, o de primavera e o de outono. Conseguimos vê-la, apesar do tempo parcialmente nublado. Mas – confesso – nenhuma cidade nos encantou tanto quanto as ruínas de Labná. São lindas, e têm um detalhe importante: são muito menos visitadas do que as outras, onde as multidões se acotovelam e se empurram nas filas para comprar entradas. Labná está entregue à floresta, à solidão de um único vigia na entrada, e às iguanas que povoam suas pedras. Não perca, se puder. Em Izamal, constatamos também o porquê da fama de “desaparecimento” do mundo maia – que, aliás, está mais vivo do
que nunca, com sua língua ainda praticada por parte da população. Ali se estabeleceu o padre – depois bispo – Diego de Landa (1524-1579). Landa tornou-se um tenaz perseguidor da religião maia, depois que descobriu que os índios a praticavam secretamente mesmo depois de “convertidos”. Aplicou indiscriminadamente diversas formas de tortura. A mais cruel era a do “içamento”, que consistia em pendurar a vítima com cordas amarradas a seus braços e pesos presos aos pés, coisa que provocava o desconjuntamento dos membros e que foi, aliás, bastante praticado pelos nazistas no campo de Dachau, perto de Munique. Além disto, destruiu um número estimado entre 27 e 200 códices escritos com história maia. Mandado de volta para a Espanha devido a seus desmandos considerados excessivos, parece ter-se arrependido do que fez e dedicou-se a escrever uma história da cultura e da língua dos maias, num livro recuperado no século 19 e que hoje é considerado uma peça fundamental, apesar de suas distorções, para o entendimento da língua do mundo maia. Em Izamal há um curioso monumento em sua honra, que diz ter ele sido tanto um preservador da cultural local, quanto um seu “fanático destruidor”. É o único caso que vi de um monumento ao mesmo tempo laudatório e contrário ao homenageado…
Os atrativos da capital mexicana Zócalo, praça central da cidade do México
AQUILES CARATTINO/FLICKR/CC
É possível seguir diretamente do Brasil ao aeroporto de Cancún, na Península do Yucatán, com escala em Lima, Bogotá ou Caracas, pelo menos. Mas recomendamos fazer uma esticada à Cidade do México. Além do Museu Nacional de Antropologia, a capital oferece ao visitante um sem número de atrativos: O Zócalo, como é chamada a praça central, cujo nome oficial é Praça da Constituição. Em seu entorno se situam a Catedral, as ruínas do Templo Maior asteca, reminiscência da antiga Tenochitlán, capital daquela civilização, com seu museu também extraordinário e o Palácio Nacional, sede do governo, que pode ser visitado e exibe murais de Diego Rivera. Não muito longe dali, está o Palácio de Belas Artes, com o mural que Diego Rivera projetara inicialmente para o Rockefeller Center em Nova York. Acusado de fazer propaganda comunista, o mural foi destruído. Mas Rivera o fizera fotografar antes, e o refez no Palácio de Belas Artes. As casas de Frida Kahlo e de Leon Trotski, muito perto uma da outra. Exibem belos acervos da artista e do líder revolucionário, além de preciosas coleções de fotografias. Não muito longe fica o museu dedicado a Diego Rivera. Vale a pena, pelo menos, fazer uma excursão a Teotihuacán, imponente conjunto de ruínas a 50 quilômetros da capital. De preferencia, vá de manhã, e na volta dê uma passada na antiga Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, que está rachada ao meio, com cada um dos lados adernando em direção diferente. Relatos assustadores sobre criminalidade, assaltos etc. chegarão aos ouvidos do visitante. Mantenha cuidado, mas não fique paranoico. Mantenha sua bolsa à frente do corpo, não pegue táxis avulsos nas ruas, saia só com o dinheiro ou cartões indispensáveis, não faça exibição desnecessária de câmeras,
ande com uma cópia xerox do passaporte e algum outro documento de identidade (lojas podem pedir isto, caso se use um cartão). Pergunte sempre se há entradas “para maiores” (idosos, mais de 60 anos) nos museus, se for o seu caso. Atenção, sim, com a poluição, que é bastante forte, pois a cidade fica em um vale. E se for fazer comida em casa, lembre-se que a Cidade do México está a 2.400 metros de altitude: a água ferve a 92, em vez de 100 graus, e tudo leva um pouco mais de tempo para cozinhar... REVISTA DO BRASIL
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Além de divertir, literatura infantil e infanto-juvenil pode ajudar a promover a diversidade e o respeito
LER Por Xandra Stefanel
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para entender e conviver
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que falar de diversidade amorosa e de arranjos familiares diversos é importante, porque tudo isso se soma e também forma o imaginário. Se uma criança cresce entendendo que tudo isso é ‘normal’, que todos são iguais e merecem respeito, ela naturalmente será mais tolerante e cidadã”, opina.
Identificação
Em 2007, a psicóloga Janaí na Leslão trabalhava questões ligadas à sexualidade, gênero e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e aids com um grupo de adolescentes. Uma das atividades que eles deveriam realizar no final do ano era montar esquetes baseadas em histórias conhecidas, com uma roupagem atual e que abordasse as questões discutidas. “O referencial de final feliz que eles tinham ainda era o dos contos de fadas. Quando conversávamos sobre questões de sexualidade e gênero de pessoas trans ou do amor entre dois homens ou duas mulheres, não tinham nenhum referencial na literatura, muito menos nos contos de fadas. Só pelo noticiário de jornal, que mostra uma lâmpada na cara, uma travesti esfaqueada. Isso me despertou a vontade de escrever. Fui pesquisar e não tinha nada nesse gênero de literatura, com essas temáticas trabalhadas em uma linguagem mais leve e acessível”, lembra. Foi assim que nasceu seu primeiro livro, A Princesa e a Costureira, escrito em 2009 e publicado em 2015 pela Metanoia Editora. “Ele vendeu bem, superou nossas expectativas, tanto que estamos indo para uma segunda edição e vamos lançar em e-book também. Muitas pessoas, especialmente jovens adultos, me procuram e dizem: ‘Nossa, que maravilha! Queria tanto ter lido isso quando eu era adolescente. Acho que não teria passado por tanto conflito’. Ou então: ‘Eu me senti representada, nunca tinha visto uma princesa negra e ainda por cima lésbica, como eu’. As pessoas me dizem que os contos de fadas com os quais todo mundo sonhava, nunca puderam representá-las. Então, a ideia principal era incluir pessoas que não estavam nas narrativas originais”, afirma a autora, que em maio deve lançar seu segundo livro, Joana Princesa. Para a pedagoga Daniela Auad, professora de Sociologia da Educação na Universidade Federal de Juiz de Fora, livros como os de Janaína fazem com que as crianças vindas de lares homoparentais se sintam representadas. “Os livros infantis, infanILUSTRAÇÃO FREEKJE VELD
ra uma vez... uma princesa que nasceu príncipe. Em outro reino, uma princesa se apaixona pela costureira que faria seu vestido de casamento. A Princesa e a Costureira e Joana Princesa, da escritora e psicóloga Janaína Leslão, trazem a mesma magia que permeia os contos de fada. A diferença é que suas histórias abarcam uma diversidade muito maior de personagens: uma princesa transgênero que tem uma irmã com deficiência física, outra princesa negra que cai de amores por uma costureira ruiva. Em comum, os dois livros trazem as aventuras de pessoas que se amam, querem viver o amor de forma plena e livre, com o bom e velho final “E viveram felizes para sempre”. Não são muitos os livros infantis e infanto-juvenis que representam a diversidade social em suas narrativas, nem que busquem, além de entreter, ensinar as mais diversas questões ligadas à cidadania: o respeito ao próximo, o combate ao preconceito, o consumo consciente. Mesmo que ainda seja uma pequena parcela do que se encontra nas prateleiras das livrarias, há um número crescente de obras que abordam essas temáticas. Um exemplo são os livros do selo Boitatá, da Editora Boitempo, criado no final de 2015 com o objetivo de apresentar temas de interesse social e de cidadania para crianças. Até agora, o selo lançou quatro obras: A Democracia Pode Ser Assim, A Ditadura É Assim, As Mulheres e os Homens e O que São Classes Sociais? Para os próximos meses, devem ser lançados livros que abordarão a prática do bullying, o respeito às diferenças e à diversidade e sobre deficiência física. Para a editora da Boitatá, Thaisa Burani, é importante que não apenas a literatura, mas todas atividades infantis contribuam para formar um imaginário tolerante e cidadão. “Se o indivíduo não possui nem acredita em valores cidadãos (respeito ao próximo, tolerância, cidadania, justiça social, direitos humanos), de muito pouco adianta o discurso ou a ideologia, por mais bem intencionados que sejam. E a experiência da infância, o ato de ser criança, é onde mais podemos explorar e enriquecer nosso imaginário. Livros, filmes e brincadeiras, além de nos entreter, exercitam justamente isso: a forma como vemos, compreendemos e participamos no mundo. É por isso que uma heroína mulher é importante, é por isso que protagonistas negros são importantes, é por isso
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família homoparental é um tipo de família e ponto final. Se aceitamos que as famílias podem ter diferentes composições, o natural é explorar também nas narrativas as relações afetivas (ou a ausência delas) que as estruturam ou desestruturam, que estabilizam ou desestabilizam essa organização familiar. No caso da família da Olívia, o que tentei evidenciar foram situações de rotina, cuidado e amorosidade recíproca entre pais e filha, independentemente de sua composição.” Neste caso, os questionamentos da personagem principal estão mais ligados às questões de gênero. “Procurei fazer com que Olívia fizesse perguntas e tivesse dúvidas pertinentes à idade e ao meio social em que vive sobre questões de gênero e não sobre questões de orientação sexual. Olívia deixa claro que se surpreende por um homem saber cozinhar, pentear a filha e cuidar tão bem dela. Esse é um questionamento de gênero e não de orientação sexual. Olívia não questiona porque os pais se amam, ou estão juntos, ou porque não tem uma mãe. Perguntas
ILUSTRAÇÃO JOAN NEGRESCOLOR
to-juvenis e outras produções na televisão e no teatro mostram para crianças casais compostos por alguém do sexo feminino e alguém do sexo masculino: um homem e uma mulher, um menino e uma menina, um cachorrinho e uma cachorrinha… Mas não se tem usualmente casais compostos por pessoas do mesmo sexo. Esta falta de representação pode fazer com que as crianças que estão em um lar homoparental e, eventualmente crianças e adolescentes que se percebam tendo desejo por pessoas do mesmo sexo, não se sintam representadas”, diz Daniela, responsável pelo prefácio da segunda edição de A Princesa e a Costureira. Olívia Tem Dois Papais (Cia. das Letrinhas), da escritora Márcia Leite, conta a história de uma menininha muito esperta que tem uma família um pouco diferente e totalmente encantadora: seu pai Raul ama brincar de filhinho e mamãe e quando ela se diz desfalecendo (ela adora esta palavra!) de fome, seu pai Luís vai para a cozinha e prepara deliciosas refeições. A autora afirma que a constituição desta narrativa não se deu por meio do tema (a família homoafetiva), mas sim de uma escolha que potencializa o campo de atuação da personagem principal. “A
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Consumo consciente
Além de gênero e sexualidade, também há livros infantis e infanto-juvenis que abordam questões ligadas ao consumo e promovem, por exemplo, reflexões sobre a finitude dos recursos naturais, como é o caso de Eu Produzo Menos Lixo (Cortez Editora). Nele, a bióloga Cristina Santos faz um alerta ecológico para as crianças e contextualiza as mudanças que os hábitos de consumo modernos trouxeram para a sociedade. “Essas questões são contemporâneas e fazem parte de um grande problema mundial. Tentar apresentar esses assuntos numa linguagem que pudesse ser facilmente compreendida pelo público infanto-juvenil e que estimulasse o leitor a refletir sobre a sua maneira de consumir foram as grandes motivações para a preparação desse livro. Além disso, as ilustrações muito criativas de Freekje Veld foram fundamentais para apresentar o assunto de maneira mais descontraída, deixar o livro atraente, além de auxiliar na tarefa da compreensão de um tema considerado tão importante nos dias atuais”, diz a autora. Com Bicicleta Amarela, previsto para ser lançado em abril, o designer recifense Igor Colares trata de forma lúdica sobre a importância da bicicleta para a mobilidade urbana. Em 2012, o autor lançou Bezerro Escritor, sobre o consumo do leite a partir do ponto de vista de Bombom, um bezerro desmamado que apresenta como o processo de industrialização atinge de forma cruel as vacas e seus filhotes. O que motivou Igor a escrever as duas histórias é fazer com que as crianças veganas (que não consomem alimentos derivados de animais) e que os filhos de ciclistas e cicloativistas se sentissem representados na literatura. “Minha ideia não era convencer as pessoas a passarem a andar de bicicleta ou deixar de tomar leite. O que eu queria com os dois livros é que a galera que anda de bicicleta e a galera que não toma leite se identificassem. Para eles, é muito raro encontrar conteúdo em quase qualquer lugar, e na literatura infantil não é diferente. É como se as pessoas que estão
engajadas nesses movimentos fossem meio alienígenas para o senso comum. A minha ideia era criar conteúdo com o qual eles se identificassem”, enfatiza. A professora universitária Bárbara Eduarda Nóbrega Bastos, de 36 anos, leu a história de Bombom para o filho. “Sou vegana e queria um livro que me ajudasse a passar pro meu filho a realidade dos animais explorados para produção de alimentos numa linguagem adequada para a idade dele. Existem poucas publicações com essa temática, então o livro de Igor foi muito bem-vindo. Considero muito importante para a formação cidadã que as crianças conheçam os problemas da sociedade e entendam seu papel no combate a essas questões. Acredito que os temas devem ser apresentados de acordo com a idade, pois o objetivo não é deixar a criança assustada ou triste, então, deve-se levar em conta o que ela está preparada para aprender”, opina a mãe de Mateus Bastos Barretos, de 6 anos. ILUSTRAÇÃO BETO FRANÇA
que também acontecem entre famílias heteroparentais, mas que quase sempre reforçam a noção de gênero dominante (menina faz isso, menino faz aquilo)”, afirma Márcia, também autora de Do Jeito que a Gente É (Editora Ática), em que um dos protagonistas é um menino gay.
Entreter, ensinar, conscientizar
Estes são alguns exemplos de como a literatura também pode contribuir com a construção de um mundo melhor, mais tolerante, com menos ódio e mais respeito às pessoas e suas diferentes formas de viver. Thaisa Burani, do Boitatá, acredita que há muito a ser feito para a publicação de mais livros voltados para os pequenos cidadãos. “O mercado se verga muito facilmente a qualquer coisa que dê retorno financeiro alto e imediato – basta ver as gôndolas das livrarias abarrotadas de bobagens com personagens de grandes franquias da animação”, diz. “Mas não podemos negar toda a riqueza da história da literatura infanto-juvenil brasileira. Há mais de três décadas já tínhamos, por exemplo, uma Ana Maria Machado enaltecendo a beleza das meninas negras, ou mesmo um Pedro Bandeira e seu tão incisivo e politizado É Proibido Miar, sem contar a vasta obra de Tatiana Belinky, com todas as experimentações de linguagem e o caldeirão cultural que ela oferecia.” “Ler um livro sobre uma menina que tem dois pais ou duas mães, ou um pai apenas, ou nenhum dos dois, apenas amplia a condição de percepção do mundo, de si e do outro. Acredito que a literatura que fala/toca em temas considerados difíceis (não apenas sobre a homoafetividade) provoca espaços de conversa e de reflexão que acabam atuando como um acolchoado simbólico para a compreensão do mundo e de si mesmo junto aos pequenos e grandes leitores. Na minha opinião, isso ajuda os leitores a serem melhores pessoas e melhores cidadãos”, resume a escritora Márcia Leite. REVISTA DO BRASIL
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Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar
WWW.VISTOPERMANENTE.COM
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Cultura nas ruas
Em 2015, 58 iniciativas coletivas e individuais se espalharam pela cidade de São Paulo com o intuito de fortalecer o direito à cidade, à inclusão digital, à cidadania e à ocupação do espaço público pela cultura. O programa Redes e Ruas, realizado por meio de uma parceria entre as secretarias municipais de Cultura, de Serviços e de Direitos Humanos, promoveu atividades e intervenções nas áreas de audiovisual, fotografia, música, fotografia, artes cênicas, jornalismo e agroecologia, entre outras. Um dos destaques é o espaço virtual criado pelo coletivo Visto Permanente, que reúne minidocumentários que reivindicam o pertencimento do imigrante à cidade de São Paulo. Os vídeos têm o objetivo de dar visibilidade ao patrimônio urbano das culturas imigrantes, com toda sua riqueza e resistência. Os filmes podem ser assistidos no link bit.ly/coletivovistopermanente. Outro projeto disponível on-line são as exposições virtuais do Museu da Dança: http://museudadanca.com.br/exposicoes-virtuais. Em meados de março, foi lançado o livro Redes e Ruas, organizado e produzido por Sampa.org e pelo Coletivo Digital, com relatos das atividades, depoimentos dos grupos participantes e as transformações proporcionadas pelo programa. A obra está sendo distribuída gratuitamente pela Secretaria de Cultura de São Paulo. 48
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Como viver no capitalismo sem dinheiro No projeto/instalação Como Viver no Capitalismo Sem Dinheiro, em cartaz até 12 de junho no Museu de Arte do Rio (MAR), o artista mexicano José Miguel Casanova convida os visitantes a refletir se é possível conceber a vida além do império da economia financeira. Ele questiona que outras formas de produção, de consumo e de troca podemos considerar possíveis e desejáveis. Inspirado nestas reflexões, o artista criou o Banco dos Irreais, ferramenta de desenvolvimento de trocas sociais, práticas de economia solidária e de cooperação comercial voltadas ao bem comum. Com visitação de terça a domingo, das 10h às 17h, a instalação propõe uma troca de saberes e experiências que abram alternativas para a vida à margem do capital. Na Praça Mauá, 5, centro do Rio de Janeiro. Mais informações: (21) 3031-2741. R$ 10, R$ 5 (meia) e grátis às terças-feiras.
Drummond e a infância
ILUSTRAÇÃO ALE KALKO
Vou Crescer Assim Mesmo – Poemas Sobre a Infância (Cia. das Letrinhas, 64 págs.) presenteia crianças e adultos com poesias sobre o período mais mágico da vida das pessoas. Impossível não se identificar com este livro voltado tanto para crianças que ainda não tiveram contato com a obra do grande poeta Carlos Drummond de Andrade, quanto para aqueles que querem revisitar a infância por meio de um olhar especial. Um dos poemas que compõem a obra ilustrada por Ale Kalko é Lembrete: “Se procurar bem, você acaba encontrando/ não a explicação (duvidosa) da vida,/ mas a poesia (inexplicável) da vida”. R$ 30.
ROSANA PAULINO. AS FILHAS DE EVA 2
Vulnerabilidades femininas Silêncio(s) do Feminino, em cartaz até 1° de maio na Caixa Cultural São Paulo, traz fotografias, vídeos e desenhos de cinco artistas brasileiras sobre temas que envolvem gênero, identidade e abusos a que mulheres são submetidas há séculos. Com curadoria da artista plástica Sandra Tucci, a exposição reúne obras de Cris Bierrenbach, Lia Chaia, Beth Moyses, Rosana Paulino e Marcela Tiboni. Cada uma delas expressa, com linguagens diferentes, as vulnerabilidades do universo feminino. De terça a domingo, das 9h às 19h, na Praça da Sé, 111, centro de São Paulo, (11) 3321-4400. Grátis.
Orquídea em rama Dezesseis anos depois de seu primeiro álbum solo, Rosa Fervida em Mel, Miriam Maria lança o brasileiríssimo Rama. Entre as 11 faixas do disco produzido pela baterista Simone Sou, há composições de Chico César, Arnaldo Antunes, Itamar Assumpção, Paulo Leminski, Zeca Baleiro, Mauricio Pereira e Kleber Albuquerque. Uma das cantoras da banda Orquídeas do Brasil, que acompanhava Itamar Assumpção, Miriam une sonoridades tradicionais com muita poesia. O álbum tem participação especial de Chico César, André Abujamra e Danilo Moraes, entre outros. R$ 26. REVISTA DO BRASIL
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ATITUDE
JAILTON GARCIA/RBA
Orgulho de Dalva
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epois de um dia cheio de trabalho, a empregada doméstica Dalvina Borges Ramos, mais conhecida como dona Dalva, chega em casa, senta na sala e fica observando seu jardim através da parede de vidro. Aos 74 anos, ela esbanja sorrisos a cada elogio que ouve sobre sua casa nova, para a qual mudou há quase um ano, em maio de 2015. Ela mora há mais de 30 anos no mesmo terreno, na Vila Matilde, zona leste de São Paulo, e nunca imaginou que as economias que guardou durante toda a vida seriam suficientes para pagar uma casa tão bonita e ainda por cima vencedora do prêmio internacional de arquitetura ArchDaily Building, que elege os 14 melhores projetos do mundo. “Eu nem acredito nisso que está acontecendo, sabe? Morar nessa casa é uma felicidade muito grande, é muito gratificante, muito bom. A casa antiga foi demolida, era velha, com rachadura. Um dia eu cheguei do trabalho, fui tomar banho e escutei um estouro. Quando eu abri a porta do quarto, foi aquele cenário: o teto tinha desabado em cima da minha cama! Não tinha mais condições. A gente começou do zero”, relembra. 50
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Segundo o escritório responsável pelo projeto de baixo custo, o maior desafio foi a fase inicial da obra. “Foram quatro meses demolindo cuidadosamente a casa antiga, ao mesmo tempo em que se executavam as fundações e arrimos que escoravam as casas vizinhas, apoiadas em seus muros de divisa”. Com estrutura e blocos aparentes, a nova morada de dona Dalva tem chamado a atenção: “Eu nunca tinha visto uma casa assim. Os vizinhos também acham diferente”, afirma a empregada doméstica nascida no distrito de Itaquaraí, na cidade de Brumado, interior da Bahia. O prêmio deixou Dalva orgulhosa, mas felicidade mesmo é poder cuidar de seu novo jardim. “Foi o que eu mais gostei. Na casa antiga, não tinha nenhuma terrinha. Agora eu tenho as minhas plantas, um gramado, uma árvore de pitanga. Quando eu chego do trabalho, fico sentada na sala vendo as plantas. A casa é toda iluminada, é toda de vidro. Eu não preciso nem abrir pra ver as plantas. A chuva caindo deixa tudo ainda mais bonito...” Por Xandra Stefanel
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ENTRE OS MAIS ACESSADOS Pesquisa do jornal espanhol El Pais-Brasil sobre redes sociais e manifestações revela que “uma proporção muito grande”, conforme matéria publicada em 01/04/2016, de leitores de portais, acessou a Rede Brasil Atual, ao lado de Tico Santa Cruz, Socialista Morena, Leonardo Sakamoto, Duvivier, Boulos e O Tijolaço. Acesse você também notícias sobre o mundo do trabalho e da cidadania, na defesa da democracia e de um Brasil com crescimento econômico e inclusão social.
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