AS POLÊMICAS PÍLULAS CONTRA O CÂNCER A fosfoetanolamina entra em testes clínicos em São Paulo
FOME DE MEDALHAS Atletas paraolímpicos prometem show e pódios
nº 120 agosto/2016 www.redebrasilatual.com.br
O PERIGO POR TRAS DO GOLPE
Políticos e empresários que tramam a derrubada de Dilma preparam um ataque sem precedentes aos direitos dos trabalhadores
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ÍNDICE
EDITORIAL
8. Capa
Trabalhadores que se preparem: querem bater sua carteira
12. Entrevista
Economista Laura Tavares alerta sobre o papel da Previdência
18. Entrevista 2
FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL
Carlos Lessa: o BNDES na corretagem das privatizações
24. Política
Rio ensaia frente inédita da esquerda, se der segundo turno
28. Saúde
Fosfoetanolamina, mais um fio de esperança para quem tem câncer
32. Educação
Trabalhadores de diversas categorias durante protesto no centro do Rio de Janeiro
Especialistas reagem ao projeto que cria escola que não educa
Reaja em legítima defesa
38. Esporte
MELISSA WARWICK
A próxima aventura olímpica na sequência dos Jogos do Rio
Som, paisagem e tradição
42. Música
O ambiente ao redor do Velho Chico captado pela música
44. Viagem
Uma caminhada poética pelos lugares e versos de Drummond
Seções Cartas Destaques do mês
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Lalo Leal
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Marcio Pochmann
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Mauro Santayana
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Emir Sader
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Curta essa dica
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Atitude
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A
lógica é simples: a pretexto de equilibrar as contas, o governo promove cortes de gastos, programas sociais são interrompidos, os juros tornam proibitivo o crédito para pessoas e empresas, fazem explodir a dívida pública. A máquina da economia para, a renda das famílias despenca, os empregos somem. Para os economistas que defendem essa lógica, recessão e desemprego são apenas fórmulas matemáticas, “macroeconômicas”, de combate à inflação. Essas ideias moveram a dita “estabilização da economia” nos anos de governo Fernando Henrique. O real parelho ao dólar barateava itens importados, promovia “concorrência” com os preços internos e segurava a inflação. A fórmula, destrutiva para a indústria nacional, fez também com que um em cada cinco trabalhadores passasse meses a procura de emprego – e, quando encontrava, era uma ocupação pior. O ambiente de desemprego ao seu redor torna o cidadão mais frágil ao perder a força para negociar melhorias salariais e em condições de trabalho, seja individualmente, seja coletivamente. Ele tem de dar “graças a Deus” por ainda não ter sido despedido. E começa a ver com mais frequência empresários e seus porta-vozes nos jornais entoarem a ladainha de que é preciso “modernizar” e “flexibilizar” leis trabalhistas, reduzir o custo do trabalho para que as empresas tenham competitividade e empregos sejam criados – como se os motores de uma economia não fossem o mercado aquecido, o consumo das famílias, o aumento das demandas por produção, enfim, o desenvolvimento. Em reportagem nesta edição, o juiz trabalhista Jorge Luiz Souto Maior afirma: “O que se quer é destruir os avanços conquistados sob o falso argumento de que se está ‘modernizando’ as relações de trabalho”. Ele lembra que esse argumento repete o da década de 1990, e ressalta: “O que se pretende é mesmo acabar com a proteção legal do trabalho, promovendo, ao mesmo tempo, uma destruição da ação sindical”. O golpe jurídico-parlamentar em curso tenta fixar no poder políticos ligados a essa mentalidade atrasada, razão pela qual não conseguiam mais ganhar eleições. Por isso, cabe aos trabalhadores resistir ao golpe para que se restaure a democracia – e com ela o respeito à Constituição e aos seus direitos. REVISTA DO BRASIL
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CARTAS Karmann-Ghia Se voltassem a produzir o Karmann-Ghia só para colecionador, haveria clientes no mundo inteiro. (“Eles querem produzir”, ed. 119) Antônio Bandeira
www.redebrasilatual.com.br Coordenação de planejamento editorial Paulo Salvador e Valter Sanches Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editor Assistente Vitor Nuzzi Redação Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Eduardo Maretti, Fábio M. Michel, Gabriel Valery, Helder Lima, Hylda Cavalcanti, Rodrigo Gomes e Sarah Fernandes Arte Leandro Siman Iconografia Sônia Oddi Capa A partir de foto Shutterstock (direitos) Cecilia Bastos/USP Imagem (FOS) Daniel Zappe/CPB/MPIX (Verônica Hipólito) Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3295 2800 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328 8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3295 2800 (Carla Gallani) Impressão Bangraf (11) 2940 6400 Simetal (11) 4341 5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes. Tiragem 120 mil exemplares
Conselho diretivo Adriana Magalhães, Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Antônio Laércio Andrade de Alencar, Arcângelo Eustáquio Torres Queiroz, Carlos Decourt Neto, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Douglas Izzo, Edgar da Cunha Generoso, Edmar da Silva Feliciano, Eliana Brasil Campos, Eric Nilson, Fabiano Paulo da Silva Jr., Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Gervásio Foganholi, Glaucus José Bastos Lima, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, João Carlos de Rosis, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete de Oliveira Silva, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Raimundo Suzart, Raul Heller, Roberto von der Osten, Rodrigo Lopes Britto, Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilson Franca dos Santos. Diretores responsáveis Juvandia Moreira Rafael Marques Diretores financeiros Rita Berlofa Moisés Selerges Júnior
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Dilma Não há como comparar as palavras comedidas e firmes da presidenta com a aparente grandiloquência e fanfarronice de Michel Temer, o interino usurpador e ilegítimo. É urgente que Dilma coloque o país novamente no caminho da democracia. Temos muitos problemas a resolver, mas não é prejudicando os mais pobres, a saúde e educação que iremos sair do atoleiro em que estamos, grandemente por culpa do engessamento que o Congresso, especialmente a Câmara, sob a batuta de Eduardo Cunha, promoveu. (“Retomada exige outra economia e outra política”, ed. 119) Décio Adams Feminismo A luta contra as injustiças de gênero precisa ganhar mais espaço na sociedade machista. É uma vergonha que, aliada ao racismo, coloca o Brasil em posição de subdesenvolvido. Viva as mulheres dignas e lutadoras do Brasil. (“Lute como uma menina”, ed. 119) Atinelli Privatização de parques Ótima matéria. Importante que se dê voz às populações tradicionais e a todos os afetados pela precipitação e imprudência dos administradores públicos. Ainda precisamos falar sobre a necessidade de participação social no planejamento e gestão do território e de políticas públicas. (“Estado em liquidação”, ed. 119) Rafaela M.R.
Não sou colecionador e compraria sem pensar, pois sempre achei lindo, prefiro ele que um Gol. Detalhe, tenho 28 anos... Adriano Balverdu Guedes
Jogos Olímpicos Tirando a grande tristeza de ver um governo golpista se apropriando de um projeto olímpico que ele jamais faria, todas as críticas construtivas são válidas. Agora é hora de dar força aos nossos atletas, assistir aos jogos, mas, sempre que puder, mostrar aos estrangeiros que estarão por aqui, assim como aos brasileiros que ainda não caíram na real, que não estamos vivendo um estado de direito democrático pleno. (“Vai ter Olimpíada”, ed. 119) Marcos Silva Leitor em Cuba Esta carta é para prestar meu mais alto reconhecimento à Revista do Brasil, por seu conteúdo e pela seriedade com que abordam os temas nacionais e internacionais. Gostaria de ter meu nome e endereço publicado na seção “Cartas”, pois desejo ter contato com colegas do Brasil e da América Latina para trocar ideias e experiências. Brasil, escuta, Cuba está na sua luta. Roberto Gómez Corrés-Gómez Calle 26, nº 2102 e/ 21 e 23 C.P. 32.800 Jaruco, Província de Marabegue, Cuba Correção A produção do documentário Lute como uma Menina, sobre a participação dasmulheresnosmovimentosdeocupação de escolas estaduais em São Paulo, é de Flávio Colombini, e não Fábio, junto com Beatriz Alonso. (“Lute como uma Menina”, ed. 119)
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RICARDO STUCKERT/PR
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Na ONU, por justiça Ao apresentar recurso ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reclamou sobre o que considera “atos ilegais” praticados pelo juiz federal Sérgio Moro. Além da declaração de que os atos de Moro foram ilegais, os advogados pedem a declaração de parcialidade do magistrado e que investigação seja conduzida por um “juiz imparcial”. “Lula busca uma decisão nesse sentido pelo comitê, na esperança e expectativa de que seus pontos de vista sobre essas queixas não só irão fornecer alguma compensação pela violação de seus direitos, mas vão ajudar os futuros governos na elaboração de leis e procedimentos que possam aprimorar o combate à corrupção, enquanto protegem os direitos básicos dos suspeitos”, destacou a peça, assinada por Geoffrey Robertson, um dos responsáveis pela ação nas Nações Unidas – ele atuou na defesa do boxeador Mike Tyson e do ativista Julian Assange, do WikiLeaks. “Lula está recorrendo à ONU porque não conseguirá Justiça no Brasil sob o sistema inquisitório em vigor”, afirmou Robertson. Mais de 60 advogados divulgaram uma petição on-line na qual defendem o recurso do expresidente. De acordo com os profissionais, Lula é alvo de “ataques preconceituosos e discriminatórios” e de tentativas de criminalização. A petição é endereçada ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski. bit.ly/RBA_na_ONU A adoção da medida pelo ex-presidente encontrou
defensores entre advogados e especialistas de direitos humanos, e também foi objeto de notas da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), que consideraram o gesto uma forma de intimidar a atividade de Moro. Advogados de Lula repudiaram as críticas das duas entidades e afirmaram que a petição deveria ser vista como “um meio de defesa das garantias fundamentais, não como motivo de repúdio”. Os advogados do ex-presidente, Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins, afirmam que nenhuma medida prevista em lei – muito menos em um tratado internacional subscrito pelo Brasil (que tem natureza supralegal) – para a defesa das garantias fundamentais pode ser entendida como forma de “constranger o andamento de quaisquer investigações em curso no país”. Disseram ainda que “o poder do Estado não é ilimitado e as medidas legais servem justamente para impedir ações arbitrárias ou ilegais de agentes estatais contra qualquer cidadão”. O diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, ex-secretário de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso e um dos coordenadores da Comissão Nacional da Verdade no governo Dilma Rousseff, disse que as ações de investigação e divulgação de telefonemas ao ex-presidente são “absurdos”. Segundo Pinheiro, a Operação Lava Jato montou “um circo” em torno do ex-presidente. Ele ainda considerou as ações uma ameaça ao Estado de direito no Brasil à qual “ninguém pode ficar indiferente”. bit.ly/RBA_lula_na_ONU REVISTA DO BRASIL
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Ataque na rede
Ricardo Salles: posições de direita renderam cargo
A troca de diretoria da Telebras, com a saída de Jorge Bittar e a entrada do executivo Antônio Loss, que já prestou serviços à falida Oi, não é medida isolada, observa o sociólogo Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC). “Faz parte do desmonte das políticas públicas de inclusão digital e de telecomunicação. Faz parte da privatização que os golpistas vêm para fazer.” Nesse contexto, não entram só medidas do Executivo, mas projetos de lei criados a partir da CPI dos crimes cibernéticos, cujo relatório final foi aprovado em maio e do qual saíram sete projetos que ameaçam o Marco Civil da Internet. “A internet está sob ataque. Por causa dos conservadores e por causa do atual governo golpista”, afirma. bit.ly/rba_ataque_web
Espírito democrático
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), empossou em 18 de julho na Secretaria do Meio Ambiente o advogado Ricardo Salles. É o criador do Movimento Endireita Brasil e defensor da ideia de que generais não deviam depor à Comissão Nacional da Verdade por crimes da ditadura (19641985). A nomeação foi feita em troca do apoio do PP à candidatura de João Dória à prefeitura paulistana. Entre 2013 e 2014, Salles foi secretário pessoal de Alckmin. Nesse período, durante palestra no Clube Militar, disse que não iríamos “ver generais e coronéis, acima dos 80 anos, presos por causa dos crimes de 64 – se é que esses crimes ocorreram”. bit.ly/rba_esquecimento 6
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A compra da Estácio pela Kroton, que tem de ser aceita pelos acionistas antes de ser aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), vai unir as concorrentes numa negociação estimada em R$ 5,5 bilhões. As gigantes da educação privada já registram lucros crescentes. Juntas, tendem a lucrar ainda mais com a concentração no setor. Trabalhadores e alunos, porém, devem somar prejuízos. Segundo o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes SN), a operação pode elevar os preços das mensalidades e dos materiais didáticos. Além disso, tendem a investir mais na educação a distância, mais lucrativa, conforme já vêm fazendo. bit.ly/rba_estacio_kroton
Indústria: 738.705 novos casos em 2015
Campeões de ações A indústria é o setor que concentra a maior quantidade de processos trabalhistas, segundo o Tribunal Superior do Trabalho (TST). Considerando todas as instâncias, a indústria liderou o ranking de atividades econômicas mais recorrentes em 2015, com 738.705 novos casos. Em seguida, vêm serviços diversos (496.333) e comércio (358.555). O tema mais comum das ações é o pagamento de aviso prévio, com 948.861 processos no ano passado. Temas relativos a horas extras, em modalidades distintas, somam 1,7 milhão de casos. No total, foram quase 4 milhões de processos em 2015. bit.ly/rba_processos
GILSON ABREU/FIEP/FOTOS PÚBLICAS
ALEXANDRE CARVALHO/A2IMG/SP.GOV.BR
O negócio da educação
Armazém do Campo, iniciativa do MST, traz produtos orgânicos, livres de agrotóxicos, vindos da reforma agrária e da pequena agricultura
LUCAS DUARTE DE SOUZA/RBA
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Solução ecológica e alimentar São Paulo ganhou em 30 de julho a loja Armazém do Campo. A iniciativa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) traz produtos orgânicos, livres de agrotóxicos, vindos da reforma agrária e da pequena agricultura. “Temos uma epidemia de doenças na sociedade, que nunca culpa o alimento. Quando você pesquisa a fundo, existem provas de que os venenos dos alimentos aceleram o câncer que viria um dia, ou cria em quem não deveria ter”, afirma o produtor José Wilk, o Lico. “Antes de chegar à produção, eu morava em uma favela em Jundiaí (interior de São Paulo). Morava com minha família em uma casa muito pequena, éramos 12.
No MST, fomos para um acampamento para lutar por terras improdutivas e torná-las produtivas. Estudei por quatro anos, adquiri conhecimento, respeito pela terra e consciência política para viver no campo.” O jornalista José Trajano, uma das mais de 400 pessoas que passaram pela inauguração, elogiou. “Cada conquista como essa é um passo adiante na resistência.” Segundo João Pedro Stédile, um dos coordenadores do MST, o novo paradigma da reforma agrária é a solidariedade. “Ela não é só camponesa, é popular e de resistência. Também de resistência nestes tempos sombrios de governo golpista.” bit.ly/RBA_organicos
O anúncio de que o Elevado Costa e Silva, o Minhocão, a partir daquele 25 de julho passava a se chamar Elevado João Goulart, foi o momento mais comemorado na cerimônia em que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), sancionou dois projetos que mudam nomes de logradouros da cidade e assinou um decreto tornando permanente o programa Ruas de Memória. Inaugurada há 45 anos, a via passa a homenagear o presidente deposto em 1964, em vez do general-presidente do período do AI-5. Na sanção, Haddad e outros disseram que o gesto é uma resposta à violência e às atrocidades da ditadura e à “transição do esquecimento”, num momento em que a democracia “dá sinais de fragilidade”. bit.ly/rba_ruas_memoria
ANDRÉ TAMBUCCI/FOTOS PÚBLICAS
Memória na rua
O Minhocão, agora, é Elevado João Goulart REVISTA DO BRASIL
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TRABALHO ANTONIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL
A TOQUE DE CAIXA Em 2001, a Câmara dos Deputados, presidida por Aécio Neves, aprovou o projeto de flexibilização trabalhista do então presidente Fernando Henrique. Lula arquivou
Nova agenda velha Durante anos, a economia cresceu sem flexibilização de direitos, e o discurso da competitividade não prosperou. Agora, a crise volta a dar gás aos “modernizadores” Por Vitor Nuzzi 8
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“A
s alterações na CLT aumentariam o emprego, sem dúvida”, diz um diretor da Fiesp. “Todas as conquistas constitucionais estão preservadas e o trabalhador terá mais poder”, garante o governador paulista. “Nenhum direito do trabalhador será retirado”, reforça um advogado e negociador patronal. As frases parecem ter sido pronunciadas agora, mas são de 2001, quando um projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados a toque de
caixa. O texto, de autoria do Executivo então chefiado por Fernando Henrique Cardoso, mesmo polêmico, levou apenas dois meses para ser votado. Quem garantiu a agilidade na tramitação foi o então presidente da Casa, Aécio Neves. Aprovado com placar relativamente apertado (264 a 213) na Câmara, o PL parou no Senado e acabou sendo arquivado em 2003, na véspera do 1º de Maio, no início do governo Lula. Mas a ofensiva empresarial – com apoio do governo interino e adesão, como dantes, da
TRABALHO
ANTONIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL
mídia tradicional, com editoriais sória. Força Sindical – cujo presidente, deputado Paulo Pereira da agressivos contra dirigentes sindicais – volta com força em um Silva, o Paulinho (SD-SP), apoia o momento de crise econômica e de impeachment –, CSB, Nova Central e UGT participam de fórum fragilização de setores que podem sobre a Previdência e de reuniões se contrapor a iniciativas de “flexibilização”. com autoridades no Planalto. Dizia o PL 5.483, de 2001, apreEssas seis centrais formalmensentado pelo governo FHC, que as te reconhecidas (com base em lei condições de trabalho ajustadas de 2008), mais a CGTB e a CSP-Conlutas, sentaram-se à mesa em mediante convenção ou acordo coletivo prevalecem sobre o disposto 26 de julho e acertaram um dia nacional de protestos por emprego e em lei, desde que não contrariem a redução dos juros. As divergênConstituição e as normas de segurança e saúde do trabalho. cias políticas foram momentaneamente esquecidas. “Não importa Diz o PL 4.962, apresentado neste ano pelo deputado Julio Lopes o posicionamento em relação ao (PP-RJ), que as condições de tragoverno. O que unifica é a defesa balho ajustadas mediante convendos direitos”, afirma o presidente PROVOCAÇÃO Robson de Andrade, da CNI, chegou a ção ou acordo coletivo prevalecem sugerir ao interino Michel Temer reformas em nome da da CUT, Vagner Freitas. “Toda vez sobre o disposto em lei, desde que competitividade e citou a França, onde estaria sendo que se fala em flexibilização é para não contrariem a Constituição e as discutida uma jornada de até “80 horas semanais” tirar direitos”, acrescenta. normas de medicina e segurança Papel do Estado do trabalho. Também a argumentação, sempre reEle se disse preocupado com declaA argumentação básica é a mesma de 2001 e de sempre. A legislação atrapalha o petida, de que o aumento do salário mí- rações “intempestivas” do presidente crescimento econômico e a criação de em- nimo provocaria inflação e desemprego da Confederação Nacional da Indústria pregos. Flexibilizá-la, portanto, traria mais não se sustentou, lembra o professor. “De (CNI), Robson Braga de Andrade, que liberdade de contratação. Mas a realidade certa forma, o discurso perdeu força. Mas durante encontro com Michel Temer contraria essa linha de pensamento, obser- a demanda empresarial por flexibilização defendeu reformas em nome da compeva o professor José Dari Krein, do Instituto sempre existiu.” titividade e citou a França, onde estaria de Economia da Universidade Estadual de A chamada tese do negociado sobre o sendo discutida uma jornada de até 80 Campinas (Unicamp), e diretor do Cen- legislado ressurgiu com força devido ao horas semanais (60, na verdade). Com a tro de Estudos Sindicais e de Economia do aprofundamento da crise econômica e repercussão ruim, a CNI divulgou nota Trabalho (Cesit) da instituição. ao crescimento do conservadorismo. Faz para afirmar que “jamais” defendeu jorparte de uma agenda que o professor da nada acima do previsto pela ConstituiRequentadas Unicamp vê como “um desastre do pon- ção brasileira – 44 horas semanais. Para “Desde os anos 1990 que está se colo- to de vista social, destruindo o pacto em as centrais, tratou-se de uma “provocação cando na agenda uma reforma trabalhis- torno da Constituição de 1988”. É uma estapafúrdia” à população. ta de caráter flexibilizador. O setor em- questão civilizatória, demarca. “Isso (pro“As condições (para as reformas) estão presarial sempre pressionou. As medidas postas de reformas) transforma profun- dadas”, avalia o analista político Antonio Augusto de Queiroz, o Toninho, diformuladas (naquele período) foram re- damente a vida social”, afirma. quentadas mais recentemente, a partir O ministro interino do Trabalho, Ro- retor do Departamento Intersindical de de 2013. Mas alguns argumentos empre- naldo Nogueira, tem repetido como Assessoria Parlamentar (Diap). Para ele, sariais não apresentaram comprovação mantra que o trabalhador “não será tra- os setores conservadores dificilmente teempírica”, diz o economista, lembrando ído” com as reformas. Insiste em pelo rão outra oportunidade de implementar que mesmo com uma legislação suposta- menos dois pontos: flexibilização da le- as mudanças pretendidas, na verdade, mente “engessada” o emprego e a forma- gislação, sem detalhar as mudanças pre- desde 1988. “Há uma operação de revilização cresceram desde 2005, até pouco tendidas, e regulação da terceirização. são do papel do Estado e também em relatempo atrás. “Em última instância”, afir- Entre os líderes sindicais, o posiciona- ção ao uso do orçamento. Nos dois casos, ma Krein, “o emprego depende da dinâ- mento é distinto em relação ao processo em benefício do setor privado”, afirma. mica da economia”, além do desenvolvi- de impeachment e ao governo interino. Em parte, Toninho acredita que isso mento de políticas públicas. “Regulação A CTB e a CUT não aceitaram conver- ocorre por falta de esclarecimento posar com representantes da gestão provi- lítico da população. “Não cuidamos, lá não cria emprego.” REVISTA DO BRASIL
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atrás, de criar uma base esclarecida e bem formada. Desde a redemocratização a esquerda brasileira aboliu a formação política”, diz o analista, acrescentando que o cidadão desconhece os três “monopólios” do Estado: imposição de condutas, poder de legislar e de tributar. “Falta esclarecimento sobre a importância da política na vida das pessoas.” Dari Krein, da Unicamp, também vê em andamento a discussão sobre o “tamanho” do Estado e do gasto social, com fortalecimento da iniciativa privada. Destaca três itens já citados pelo ministro do Trabalho como prioritários: além do negociado sobre o legislado, a terceiri-
zação (com projeto já aprovado na Câmara e agora tramitando no Senado, como PLC 30) e a ideia de tornar permanente o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), que originamente foi pensado para uso apenas em situações de crise. Defensor do PPE, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques, diz que o programa pode ser mantido, desde que não seja usado indiscriminadamente, mas “em momentos em que reconhecidamente há uma crise instalada em determinada atividade econômica”. E isso após um necessário balanço entre trabalhadores e empresários sobre os impactos do programa, depois de
quase um ano de sua implementação. Inclusive para evitar oportunismos. “Tem empresa, por exemplo, querendo discutir o fim da carência”, conta Rafael, referindo-se a um item da lei (13.189), que veda demissões durante o PPE e, depois de seu término, por um período equivalente a um terço da vigência do programa. Para o professor da Unicamp, algumas das propostas em discussão significam “uma profunda desconstrução” do Direito existente. “Você tem uma composição política mais favorável para aprovar sua implementação. Mas é uma agenda que não passou pelo crivo eleitoral. São propostas de caráter muito antipopular”, observa. A
Não é tese, é ofensa explícita Para o juiz do Trabalho e professor Jorge Luiz Souto Maior, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o “negociado sobre o legislado” não é uma tese, mas uma ofensa explícita aos trabalhadores. Segundo ele, o que se quer é destruir avanços, sob o argumento de modernização. Souto Maior avalia que as entidades empresariais não criaram o chamado golpe, mas dele se aproveitam para “cobrar a conta” do governo interino. O governo interino parece relacionar a melhoria da economia com as pretendidas reformas, particularmente da Previdência e trabalhista. Uma coisa depende mesmo da outra? Se melhoria da economia estivesse relacionada à redução dos custos trabalhistas o Brasil seria uma das maiores potências econômicas do mundo, pois o custo do trabalho no Brasil é um dos mais baixos do planeta. Além disso, o Brasil tem feito reformas trabalhistas, na linha da redução de custos, desde 1964, e nenhum resultado positivo se obteve para a economia nacional. Os benefícios serviram às multinacionais que se enriqueceram às custas do trabalhador brasileiro, sendo que os lucros foram remetidos ao exterior. Em texto, o senhor afirma que o propósito central do golpe é eliminar direitos trabalhistas. A CNI e outras entidades empresariais estariam “cobrando a fatura” do governo interino? O golpe não se estabeleceu pelas entidades empresariais, mas algumas delas perceberam que a onda de quebra institucional instalada no país e justificada para, supostamente, acabar com a corrupção ou a imoralidade, constituiria o ambiente favorável para eliminar as instituições que, apesar de tudo, ainda resistem aos avanços da exploração do trabalho, quais sejam, a Constituição Federal, a Justiça do Trabalho e o Direito do Trabalho. Desde o final de 2015 passaram, então, a insuflar o impeachment, favorecendo grupos políticos específicos, e agora, efetivamente, cobram a conta do governo interino, até porque este não tem como se manter no poder senão com o apoio dessa parcela empresarial, afinal não possui qualquer base eleitoral. Essa associação entre o governo e parte do setor empresarial 10
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denuncia a existência do golpe de Estado, já que o impeachment não está de fato relacionado a efetivas e significativas infrações da presidenta e sim ao propósito de obter vantagens com a quebra institucional. O que o senhor pensa da tese do negociado sobre o legislado? É, de fato, uma “modernização” do universo do trabalho? Isso não é uma tese. É uma ofensa explícita à classe trabalhadora, uma vez que nunca houve obstáculo para que o negociado prevalecesse sobre o legislado, com a exigência de que o que se negocia traga vantagens aos trabalhadores superiores às garantias já fixadas em lei, que são fruto de lutas históricas. Então, o que se quer é destruir os avanços conquistados, sob o falso argumento de que se está “modernizando” as relações de trabalho, valendo lembrar que argumento igual a esse já se expressava desde o início da década de 90. Há um projeto na Câmara que trata do tema. As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo prevaleceriam sobre o disposto na lei, desde que não contrariem a Constituição e as normas de medicina e segurança do trabalho. O presidente do TST, ministro Ives Gandra Filho, é simpático à proposta. O que está dito não é o que se quer realizar, até porque se a negociação não pode contrariar a Constituição e se a Constituição diz que as normas infraconstitucionais, incluindo as que decorrem de negociação coletiva, devem melhorar a condição social dos trabalhadores, não haveria a possibilidade jurídico-formal, conferida pelo próprio PL, de uma negociação coletiva reduzir direitos fixados em lei. O que se quer é usar a negociação para reduzir direitos e, mais ainda, o que se pretende é mesmo acabar com a proteção legal do trabalho, promovendo, ao mesmo tempo, uma destruição da ação sindical. Ora, em um ambiente sem garantia de emprego e com desemprego alarmante os sindicatos seriam facilmente chantageados a aceitar reduções de direitos e isso dificultaria ainda mais a identidade do trabalhador com a entidade sindical,
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percepção de que as propostas pioram as condições de vida pode provocar reação na sociedade e barrar essas iniciativas. “O que existe é um jogo ainda jogado.” A agenda proposta pode melhorar a economia? Não há nada que prove isso, diz Krein, que considera o discurso da “segurança jurídica” um eufemismo para “precarização”. Ele também reage ao argumento de que a legislação precisa ser modernizada. “O que é velho? É você poder se aposentar, receber um salário mínimo, ter direito a uma jornada de trabalho?” As iniciativas de flexibilização vão do atacado ao varejo. Além da CLT, os empresários miram, por exemplo, na Nor-
ma Regulamentadora (NR) 12, que trata de saúde e segurança no setor de máquinas e equipamentos. Revisada em 2010, an orma já sofreu algumas mudanças, mas há quem defenda simplesmente sua extinção. Em palestra na CNI em 26 de julho, o ministro interino da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira, referiu-se à NR 12 como uma “trava” para o setor produtivo. “Essa norma é uma anomalia”, declarou. No movimento social, a ideia de greve geral passou a circular nos últimos meses, mas é discutida com cautela. “A greve não é uma vontade do dirigente, não se impõe pela nossa vontade. Trabalhador
não faz greve por política, faz greve por direito. Mexeu nos nos direitos, é greve”, diz Vagner Freitas, da CUT. Eleito para a presidência da Câmara até fevereiro, com um enigmático apoio de forças de esquerda, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) já manifestou compromisso com essa agenda. Seu colega no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), idem. Os dois mostraram afinação com o interino Michel Temer, com quem se reuniram para jantar em 19 de julho, no Palácio do Jaburu. Sem fotos oficiais, segundo uma nota em coluna de jornal, para que a reunião pudesse transcorrer de maneira mais informal.
sendo que o mesmo problema ocorreria se o sindicato não aceitasse a redução e a empresa, por vingança, efetivasse a dispensa coletiva de trabalhadores. A questão é que a ação sindical serve para melhorar as condições de trabalho e não para legitimar reduções. Atribuir essa função ao sindicato equivale a destruí-lo na essência. O interessante é que nos momentos de pleno emprego, com sindicatos fortes, instrumentalizados por um direito de greve não submetido a intervenção estatal, os empregadores não querem a livre negociação coletiva, defendendo a prevalência da legislação, como se deu no Brasil na década de 30. A promessa constitucional foi a da melhoria da condição social dos trabalhadores, e nenhum argumento de crise pode obstar a implementação de um esforço neste sentido, até porque o Direito do Trabalho é essencialmente um direito de tempos de crise, para impor limites à sanha autodestrutiva do capital.
Em 2014, em entrevista, o empresário Benjamin Steinbruch falou que nos Estados Unidos “você vê o cara comendo sanduíche com a mão esquerda e operando a máquina com a direita”. Sugeriu que o horário de almoço poderia ser objeto de negociação direta entre as partes. Talvez seja factível, mas não é um exemplo extremo? Já que disse isso, seria, então, muito interessante ver esse senhor trabalhando como terceirizado na construção civil, comendo com uma mão e serrando madeira com a outra; ou em um frigorífico, comendo com uma mão e passando o facão na carne com a outra; ou como motorista de carreta, dirigindo 14 horas por dia, sete dias por semana, e comendo com uma mão e dirigindo com a outra... Retóricas à parte, o fato é que a ordem jurídica, voltada à preservação da dignidade humana, foi construída de forma a não sofrer qualquer tipo de abalo diante das cobranças do pensamento econômico que despreza a condição humana do trabalhador.
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Se melhoria da economia estivesse relacionada à redução dos custos trabalhistas o Brasil seria uma das maiores potências econômicas do mundo
E quanto ao projeto de terceirização, aprovado na Câmara e agora tramitando no Senado? Governo e empresas falam em “segurança jurídica”, enquanto os trabalhadores afirmam que a proposta, como está, representa “precarização”. Se essas empresas defendem segurança jurídica, por que não aceitam conferir aos trabalhadores estabilidade no emprego? Isso sim seria uma segurança jurídica saudável para as relações de trabalho e para a economia como um todo. Independentemente disso, qualquer cidadão ou empresa só terá efetiva segurança jurídica se cumprir as leis. O que parcela do empresariado quer, para satisfação de seus interesses particulares e não para a melhoria da economia nacional, é descumprir a Constituição, que alçou os direitos trabalhistas a patamar de direitos fundamentais. E querem fazer isso com “segurança jurídica”, sendo que a melhor forma que encontraram para atingir esse objetivo foi a de fragilizar a classe trabalhadora, precarizando não apenas as suas condições de trabalho, mas a sua própria condição humana, vez que essa situação praticamente impede a ocorrência de reações individuais ou coletivas no sentido da exigência quanto ao efetivo cumprimento de direitos.
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ENTREVISTA VITOR VOGEL/RBA
Para a economista Laura Tavares Soares, aumento da idade mínima para aposentadoria não será apenas injusto para quem contribui desde adolescente. Trará consequências sociais dramáticas Por Maurício Thuswohl
Muitos morrerão antes
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aura Tavares Soares faz parte de um grupo de economistas que enviou, em abril, uma carta ao Supremo Tribunal Federal pedindo empenho contra a tentativa de golpe no Brasil. Além de condenar a ruptura com a democracia traduzida no afastamento da presidenta Dilma Rousseff, ela lamenta que o governo interino de Michel Temer, qualificado como “usurpador” e “ilegítimo”, esteja tentando impor “políticas regressivas” no que diz respeito às conquistas dos trabalhadores e da população de baixa renda. Especialista em estudos sobre Previdência Social e desigualdade social, professora aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professora investigadora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), Laura afirma que uma eventual desvinculação dos benefícios da Previdência, sobretudo as aposentadorias, do salário mínimo, é “criminosa”. E lembra que a aposentadoria inserida na política de valorização do mínimo sustenta a maioria das famílias em mais de 60% dos pequenos municípios. 12
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Como pesquisadora e intelectual, Laura deu importante contribuição à elaboração da Constituição de 1988, quando atuou na equipe de formuladores dos artigos relativos à Seguridade Social. Ela condena a proposta de aumento da idade mínima de aposentadoria para 65 anos, ou mais, e diz que “muitos brasileiros e brasileiras morrerão antes”. A economista ressalta que os trabalhadores de menor renda entram mais cedo no mercado e diz que ignorar a diferença de expectativa de vida entre as classes sociais significa agravar as desigualdades, inclusive no que diz respeito a condições de saúde e de educação. Nas ideias defendidas pelo governo interino, perdem, e muito, os mais pobres. A economia voltou a rezar pela cartilha do neolibera lismo como nos tempos de FHC?
Ah, com certeza. É assustador que, em tão pouco tempo, o governo provisório e usurpador de Temer esteja implementando e propondo políticas regressivas sob todos os pontos de vista.
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Sob o econômico, aprofundará mais ainda uma crise que assume contornos mundiais, uma crise à qual o Brasil não está imune. No entanto, a crise não vem sozinha. Ela é amplificada e agravada, em boa medida, por políticas que denominávamos de ajuste neoliberal. Sobretudo na adoção de medidas que paralisam os investimentos produtivos, deixam de criar empregos e, o que é pior, criam um desemprego que, no ritmo que vai, chegará aos patamares críticos que tivemos nos anos 90. Se lembrarmos que chegamos a uma situação denominada de “pleno emprego” (em 2014), trata-se de um brutal retrocesso. Eu estudo a série histórica da Previdência desde os anos 70, e pela primeira vez a proporção de contribuintes, ou seja, de empregados formais, supera o patamar de 60%, quando historicamente chegava, no máximo, a 40%. Os dados mostram como o crescimento da ocupação em todos os períodos supera o aumento da população economicamente ativa. Essa diferença corresponde exatamente à diminuição do desemprego. Por sua vez, o número de pessoas filiadas e contribuindo para a Previdência superou em muito, em todos os períodos, o crescimento dos postos de trabalho. Essa maior proteção previdenciária representa um maior grau de formalização do emprego e, naturalmente, da cidadania. O atual cenário representa ameaça a essas conquistas obtidas na última década?
O neoliberalismo é muito mais que um conjunto de medidas econômicas. É uma ideologia que continua forte e traz propostas que modificaram e estão modificando o modo como as políticas sociais são implementadas. Passa por uma visão de que o Estado deve apenas atender aos “mais pobres”. Na área social, é claro. Porque na área econômica, o Estado sempre atendeu aos interesses do capital hegemônico – hoje o capital financeiro – e das classes dominantes remanescentes que detêm ainda o poder sobre a propriedade da terra, os grandes latifundiários. As classes dominantes não têm nenhum pudor em disputar e desfrutar do Estado. Bem como a classe média brasileira, que possui uma renda e um estilo de vida superior às demais classes médias latino-americanas. Ela desfruta da isenção do Imposto de Renda nos gastos, não apenas com educação privada e com saúde privada, e promove uma enorme renúncia tributária ao descontar integralmente os planos de saúde e os fundos de previdência privados. Para estes, não há nenhum problema que o Estado dê uma mãozinha na chamada reserva de mercado para o setor privado em duas áreas sensíveis e historicamente subfinanciadas, como a saúde e a educação.
Eu fiz Economia no doutorado exatamente para me contrapor aos economistas. Outro dia, preparando aula, descobri que a economista inglesa Joan Robinson disse que estudou Economia para não ser enganada por nenhum economista. Estou em boa companhia! Sempre defendi a política social como indutora de um novo padrão de desenvolvimento, ainda que capitalista, menos excludente mas, sobretudo, mais igualitário e garantidor de direitos de cidadania, palavras que andam meio esquecidas desde a Constituição de 1988. Que impacto haveria sobre os trabalhadores a reforma da Previdência pretendida pelo governo interino?
Vou me referir a duas medidas que considero as que causariam impactos sociais inimagináveis. A primeira é a criminosa desvinculação do salário mínimo dos benefícios da Previdência Social, especialmente as aposentadorias. Aliás, a Previdência Social hoje em dia deveria ser chamada de Previdência Fazendária. Nem nos piores casos de neoliberalismo que estudei na América Latina, nunca vi a Previdência ir para o Ministério da Fazenda tão explicitamente. Hoje, a aposentadoria no valor de um salário mínimo, acompanhada de uma valorização sem precedentes, acima da inflação, sustenta a maioria das famílias residentes em mais de 60% dos pequenos municípios, e alguns médios. Se não acreditarem nos dados oficiais dos governos eleitos Lula e Dilma, consultem os dados do Dieese ou da Anfip (associação de auditores da Previdência). Até na Pnad(PesquisaNacionalporAmostradeDomicílios) do IBGE se pode verificar o aumento da importância da Previdência, em muitos casos logo abaixo da renda do trabalho, quando ele existe. Na área rural, então, considero uma verdadeira revolução social que um casal que se aposenta pelo trabalho, ou seja, que tem o direito de receber uma aposentadoria digna, receba hoje R$ 1.736. Isso, para a área rural, é uma renda considerável, muitas vezes maior que o próprio trabalho rural. Detalhe: as mulheres passaram a receber igual aos homens desde a redemocratização, conquista que foi fruto de uma longa luta. Para mim, é a mais redistributiva política social universal que temos, única na América Latina. É uma questão antiga...
Aqui vale fazer uma pausa e afirmar, com veemência, que a Previdência rural não é assistencial e sim vinculada ao trabalho! Essa é uma briga antiga dos trabalhadores rurais e nossa, quando enfrentávamos os parlamentares em 1998 e em 2003 nos debates sobre a reforma da Previdência. Sem nenhum demé-
Não me venham com argumento demográfico. No Brasil ainda temos um bônus de jovens que, se estivessem empregados, dariam conta de manter a solidariedade entre gerações, o regime de repartição, por um bom tempo
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rito à palavra assistencial, pelo contrário. O BPC (Benefício de Prestação Continuada), este sim um benefício assistencial destinado aos idosos urbanos e a pessoas com deficiência de baixa renda, já que a Previdência urbana ainda não é universal, possui uma enorme relevância social. Destaco isso porque a Previdência rural foi e continua sendo alvo dos defensores da reforma da Previdência neoliberal, que quer retirar a população rural do sistema da seguridade. Com isso se perde, no mínimo, a vinculação dos atuais benefícios rurais com o salário mínimo, por exemplo, caindo a patamares ínfimos, como era no período da ditadura. Em outubro de 2014, somente o INSS pagava por mês mais de 32 milhões de benefícios, transferindo renda e movimentando a economia nos municípios. A maior parte dos benefícios (71,2%) foi paga à clientela urbana. Portanto, 28,8% foi pago aos trabalhadores rurais. São milhões de rurais recebendo um salário mínimo na sua velhice ou invalidez.
Fiz em 2012 uma apresentação exatamente com o objetivo de demonstrar o retorno social da despesa da Previdência Social com benefícios. E aqui entra a ideia da Constituição de 1988 de que a Previdência, tal como a saúde e a assistência social, pertence à seguridade social. A maioria das pessoas não sabe nem o que é isso. Sempre recomendo para meus alunos, como tarefa de cidadania, a leitura, pelo menos, do capítulo da Seguridade Social na Constituição. Por outro lado, a grande maioria dos benefícios pagos hoje é de um salário mínimo. Eu não sei ao certo o dado agora, mas é cerca de 80%. O último dado que calculei e que tenho disponível aqui é que as despesas com benefícios, desde 2006, ultrapassam a metade do valor arrecadado pelo governo em impostos e contribuições sociais e econômicas, quando deduzidas as transferências constitucionais a estados, Distrito Federal e municípios, restituições e incentivos fiscais. Em 2013 essa proporção chegou a 54,3%. Isso significa que pouco mais da metade da parcela dos impostos e contribuições que fica no orçamento federal retornou para os segmentos sociais mais necessitados. Além do grande significado social, essas transferências têm um papel econômico importante, pois atingem um quantitativo importante de famílias, distribuídas regionalmente e com uma grande capilaridade. Da mesma forma, os Benefícios de Prestação Continuada, da Loas (Lei Orgânica da Assistência Social), custam o equivalente a 0,6% do PIB, e cada R$ 1 pago gera R$ 1,19 no PIB. Cada R$ 1 pago de seguro-desemprego, cujos gastos alcançam também 0,6% do PIB, rende R$ 1,09 no PIB. O conjunto dos benefícios da Seguridade Social tem a capacidade de diminuir a desigualdade e a pobreza, com grande poder multiplicador na economia. Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgado em 2013 reafirma que, além da Previdência, as despesas com o Bolsa Família representam apenas 0,4% do PIB (Produto Interno Bruto), mas cada real gasto com o programa adiciona R$ 1,78 no PIB. 14
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É verdade que a Previdência Social gasta mais com os ricos do que com os pobres? Existe algum retorno social com o montante que se gasta hoje com Previdência?
Uma auxiliar de enfermagem que comece a trabalhar aos 20 anos, aos 65 está um bagaço ou já não existe mais. Desculpem o realismo
As despesas com políticas sociais então, retornam na forma de dinamização da economia...
Na economia, o impacto multiplicador tem outra vantagem. Ao elevar a produção e a circulação de bens e serviços, obviamente cresce a arrecadação. Portanto, parcela considerável dos recursos públicos aplicados retorna. Quem faz contas da Previdência de modo meramente atuarial olha apenas receitas e despesas, ignorando, além da cidadania e o direito à previdência, as demais contas de arrecadação envolvidas. A diversificação de fontes de financiamento da seguridade social é um princípio pioneiro instituído na Constituição de 1988 que revolucionou o financiamento dessas três áreas: Previdência, Saúde e Assistência Social. Por esse princípio, todas essas áreas deveriam ser financiadas pelo orçamento da seguridade social. Infelizmente, a partir do desmonte dos anos 90, as fontes setoriais ficaram separadas, o que, a meu ver, repõe eternamente o debate do subfinanciamento da Saúde e da Assistência Social. A sacada genial introduzida na Constituição, e batalhada por muitos técnicos que já trabalhavam na Previdência na época do ministro Waldir Pires (1985-1986) e pelos movimentos sociais, é que as contribuições não deveriam apenas incidir sobre o trabalho. Com a crise do mundo do trabalho, nenhum país do mundo sustenta seu sistema de proteção social com folha de salários! Dessa forma, criamos duascontribuições, que incidissem sobre o capital, que
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são as atuais CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Essas contribuições sempre cresceram acima do PIB e da arrecadação federal. Como está na moda dizer hoje, são absolutamente sustentáveis. O resultado da seguridade social em 2013, ou seja, o seu superávit, foi de R$ 76,241 bilhões. Com todas as desvinculações e as isenções fiscais às empresas, que diminuíram a receita da Previdência, o superávit ainda foi de R$ 12,626 bilhões.
vo, onde, a princípio, somos meros assalariados nos três níveis de governo. Isso acontece especialmente nas áreas de saúde, onde pelo menos dois terços são mulheres que trabalham na enfermagem ou em áreas extremamente exaustivas, e educação, onde a maioria é de professoras primárias ou secundárias. E essas são as áreas majoritárias em mão de obra no setor público. Uma auxiliar de enfermagem que comece a trabalhar aos 20 anos aos 65 está um bagaço ou já não existe mais. Desculpem o realismo.
O aumento da idade mínima para a aposen tadoria é um “mal necessário” para garantir a estabilidade do sistema de Previdência?
A mulher pobre é quem mais perde com essa proposta de aumento da idade mínima?
O problema é que as desigualdades no Brasil ainda são enormes, e elas têm influência direta sobre a expectativa de vida. Calcular uma média em um p aís como o Brasil é uma medida de alto risco que, no caso da Previdência, trará consequências sociais dramáticas. Aprendi, desde o meu curso de sanitarista da Escola Nacional de Saúde Pública, que expectativa de vida depende das condições de vida e, junto com elas, das condições de saúde. Isso vai mais além da renda. Depende fundamentalmente do acesso aos serviços de saúde, à habitação digna, ao saneamento, às condições de trabalho, entre outras coisas. Se a idade mínima aumentar de forma linear, muitos brasileiros e brasileiras morrerão antes de receber sua aposentadoria. Até as pedras sabem que os de mais baixa renda têm que entrar mais cedo no mercado de trabalho. E vão ter que esperar a idade mínima muito mais tempo do que aqueles que ingressam mais tarde, como os jovens que têm acesso ao estudo médio e universitário sem precisar trabalhar e que depois ainda podem fazer mestrado, doutorado, cursinho para concurso etc., custeado pelos pais ou pela família. Quase sempre o grupo de baixa renda que tem que trabalhar desde cedo ingressa em trabalhos de pior qualidade, mais precários, com evidentes prejuízos para a sua saúde. E aqui também reside uma diferença perversa: ainda hoje, as mulheres possuem piores condições de trabalho e remuneração. É uma diferença de gênero que persiste no nosso mercado de trabalho, especialmente no mercado privado. Mas diferenças também existem no setor público. Quando o presidente interino e ilegítimo disse que todos os servidores públicos iriam se aposentar com 70 anos, eu, com apenas 62, quase tive um infarto. Trata-se de um total desconhecimento do que é o setor público neste país e sua também enorme heterogeneidade. Não é a mesma coisa trabalhar em estatais ou no Poder Judiciário, com salários muitíssimo acima da média dos servidores públicos, além de muitos privilégios, do que trabalhar no Executi-
Essa mesma “isonomia” entre homens e mulheres proposta para a idade mínima na Previdência, como já disse, não existe no mercado de trabalho. De novo, a mulher vive mais tempo na média. Mas a mulher de baixa renda sofre, além da discriminação de gênero, a racial. A maioria dos postos precários de trabalho ainda é preenchida por mulheres. Por essas e outras é que afirmo que as mulheres trabalhadoras rurais conseguiram o que muitas que trabalham no meio urbano não conseguiram: uma Previdência universal pelo simples fato de ter trabalhado. Tampouco existe isonomia na vida cotidiana das mulheres, especialmente nas de baixa renda, que não podem pagar domésticas ou diaristas. Só conheço homem que participa do trabalho doméstico jovem, ilustrado, de classe média e progressista. E olhe lá! A inclusão do trabalho doméstico na ampliação da Previdência na chamada “inclusão previdenciária” nunca foi compreendida pelos homens tecnocratas e políticos com quem tínhamos que conversar no Ministério da Previdência e no Congresso. E ainda falta um componente, que já se encontra muito mais avançado nos países que de fato dispõem de um Estado de bem-estar social, que é a questão do cuidado. E aí, o cuidado com os filhos e com os idosos sobra para as mulheres mesmo. Melhorou a política de creches? Sim. Mas falta muito. E com os idosos, quem não tem dinheiro para cuidadoras – também mulheres – e assim mesmo quem “cuida” das cuidadoras são as mulheres, mesmo de classe média. E não me venham com o argumento demográfico, pelo menos não no Brasil, onde ainda temos um bônus de jovens que, se estivessem todos, ou a maioria, empregados, dariam perfeitamente conta de manter a solidariedade intergeracional, o regime de repartição, por um bom tempo. E, como já vimos, no caso brasileiro ainda temos muitos recursos que, se não fossem “desviados” para os superávits fiscais, daria conta de sustentar todos os idosos deste país, me arrisco a dizer, de modo universal. Onde todos, como no campo, tivessem pelo menos a garantia de um salário mínimo.
Não existe isonomia na vida cotidiana das mulheres, especialmente nas de baixa renda. Só conheço homem que participa do trabalho doméstico jovem, ilustrado, de classe média e progressista. E olhe lá!
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O jornalismo, do colapso à fraude Nunca antes na história o nível ético da imprensa comercial esteve tão baixo. Na ânsia de derrubar a qualquer custo um governo eleito, mandou às favas valores consagrados internacionalmente
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LIA DE PAULA/AGÊNCIA SENADO
GERALDO MAGELA/AGÊNCIA SENADO
ssistimos ao colapso do jornalismo comercial dência até 2018 e que apenas 3% do eleitorado era favorável brasileiro. Nunca antes na história deste país o a novas eleições. nível ético de jornais, rádios e TVs esteve tão Diante desses números surpreendentemente positivos baixo. Na ânsia de derrubar a qualquer custo para um governo tão impopular como o de Temer, outro um governo eleito democraticamente, as em- jornalista estrangeiro, Brad Brooks, correspondente-chefe presas de comunicação mandaram às favas princípios e valo- da agência de notícias Reuters no Brasil, também se assusres jornalísticos consagrados internacionalmente. Causaram tou. Foi o primeiro a perceber a discrepância entre aqueles espanto em quem viu esse processo com olhar estrangeiro. O números e a informação do próprio Datafolha, dada em cojornalista estadunidense Glenn Greenwald, radicado no Bra- municado à imprensa, de que três em cada cinco brasileiros sil, arregalou os olhos. Primeiro surpreendeu-se com a unani- preferem novas eleições. midade da mídia tradicional brasileira na defesa dos mesmos Só que essa informação sumiu até da página do instituto de interesses, sem espaço para divergências. pesquisa. Foi Fernando Brito quem descobriu nos escaninhos É dele a melhor definição desse processo, ao comparar a si- da internet a versão original dos dados coletados. Segundo tuação real do Brasil com um cenário hipotético dos Estados Greenwald e Erick Dau, do site The Intercept, o que foi enUnidos, no qual todos os meios de comunicação adotariam contrado na versão original do documento – aparentemente a linha conservadora da Fox News. Para quem vive naquele retirada do ar de forma discreta pelo Datafolha – é de tirar país, ficou fácil de entender. Por aqui, é mais difícil. A maio- o fôlego. Ficou comprovado que a matéria da Folha era uma ria da população se informa pelo rádio e pela TV, que por sua fraude jornalística completa. vez ecoam o que dizem jornais e revistas, num círculo fechaDizem os jornalistas, no Intercept: “A pergunta 14, encondo à controvérsia. trada na versão original, dizia: ‘Uma situação em que poderia Do susto inicial ao constatar essas evidências, o jornalista foi haver novas eleições presidenciais no Brasil seria em caso de além e desvendou uma das maiorenúncia de Dilma Rousseff e Mires fraudes já ocorridas na imchel Temer a seus cargos. Você é prensa brasileira veiculada pelo a favor ou contra Michel Temer e jornal Folha de S. Paulo, espetaDilma Rousseff renunciarem pacularizada pelo programa Fanra a convocação de novas eleições tástico, da Rede Globo, e dispara a Presidência da República seminada por diferentes meios ainda neste ano?’ Os dados não de comunicação. Greenwald, publicados pelo Datafolha mostram que 62% dos brasileiros são depois com o importante complemento do jornalista brasileifavoráveis à renúncia de Dilma ro Fernando Brito, editor do sie Temer, e à realização de novas te Tijolaço, revelou a manobra eleições, enquanto 30% são contrários a essa solução. Isso signifioperada por aquele jornal com a ca que, ao contrário da afirmação colaboração do seu instituto de da Folha de que apenas 3% quepesquisa, o Datafolha. Num domingo de julho, a Folha disse que rem novas eleições e 50% dos braTRATAMENTO DA NOTÍCIA Otavio Frias Filho, dono sileiros querem a permanência de 50% dos brasileiros desejavam a do grupo Folha, e o jornalista norte-americano Glenn Temer como presidente até 2018 permanência de Temer na presi- Greenwald: diferenças numéricas e de conduta
REPRODUÇÃO/FOLHA DE S.PAULO 17.07.2016
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MANIPULAÇÃO No domingo 17 de julho, a Folha disse, na capa, que 50% dos brasileiros desejavam a permanência de Temer na presidência até 2018 e que apenas 3% do eleitorado era favorável a novas eleições: “edição” da pesquisa escondeu resultados
REPRODUÇÃO/FANTÁSTICO 17.07.2016
– ao menos 62% dos brasileiros, uma ampla maioria, querem a paganda para pôr no chinelo as ideias e frases dos mais renomados renúncia imediata de Temer”. e experientes marqueteiros políticos do país. Mas a Folha não ficou por ai. Escondeu também uma perPesquisas realizadas por outros institutos, alguns dias depois, gunta cujas respostas eram mais favoráveis a Dilma. O Data- confirmaram a fraude. Segundo levantamento do Ipsos, publifolha perguntou: “Na sua opinião, o processo de impeachment cado pelo jornal Valor Econômico, 20% da população quer a contra a presidente Dilma Rousseff está seguindo a regras de- permanência de Dilma e apenas 16% do interino, que é rejeitamocráticas e a Constituição ou está desrespeitando as regras do por 68% da população (a rejeição à Dilma caiu de 61% em democráticas e a Constituição?” Apenas 49% disseram que março para 48% em julho). A preferência por novas eleições o impeachment cumpre as regras democráticas e respeita a chega a 52% (bem distante dos 3% da Folha). Constituição, enquanMas o estrago maior to 37% disseram que para a democracia foi não. “Como a Folha porealizado pela TV, tendo de omitir este dado tão o Fantástico à frente. Foram longos minutos dissurpreendente e importante quando, supostasecando didaticamenmente, quer descrever te para o telespectador a visão dos eleitores soos números da pesquibre o impeachment?”, sa numa ação de duplo perguntam os jornalisefeito: diminuir a rejeitas do Intercept. ção popular ao governo Para completar, o jorinterino e, por consequnal embalou esses e outros ência, dar respaldo aos números numa manchevotos dos senadores golte de primeira página que pistas no processo de impeachment. A fraude no dizia: “Cresce o otimismo DIDÁTICA Tadeu Schmidt, do Fantástico, apresenta a pesquisa editada jornalismo acompanha com a economia, diz Da- do Datafolha: longos minutos dissecando os números buscando diminuir tafolha”. Trabalho de pro- rejeição ao interino e dar respaldo ao golpe a fraude na política. REVISTA DO BRASIL
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O BNDES QUER PRIVATIZAR O BRASIL
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Para Carlos Lessa, um projeto nacional tem de promover o trabalho e o emprego. Ex-presidente do BNDES, ele teme que o banco hoje atue para “vender barato o patrimônio que custou caro aos brasileiros” Por Maurício Thuswohl
O
economista e professor Carlos Lessa é figura sem par no pensamento político e econômico brasileiro. Conhecido por seu perfil nacionalista, ele faz sobre o atual momento do país uma análise que ultrapassa os limites do embate ideológico, ao se posicionar de forma crítica em relação à política econômica do governo interino de Michel Temer e ao que classifica como “falta de rumo” do Brasil nos últimos anos, incluindo a era Lula e Dilma, quando o país não teria sabido definir o 18
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caminho para garantir seu crescimento econômico. Lessa lamenta que, no governo interino, o BNDES, uma das principais ferramentas de promoção do setor produtivo e do desenvolvimento, tenha voltado à “era tucana” e se tornado um “instrumento de corretagem para facilitar a venda dos ativos brasileiros”. Presidente da instituição em 2003, ele diz se orgulhar de ter sido demitido por ter “brigado” com o então presidente do Banco Central do governo Lula, Henrique Meirelles, hoje ministro da Fazenda. “Eu sou inimigo do Meirelles.”
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A receita econômica de Michel Temer e Hen rique Meirelles, que inclui aumento de impos tos e venda de ativos, é o melhor caminho pa ra que se estabilize a economia brasileira?
Há uma discussão – do meu ponto de vista quase que histérica – sobre o corta ou o não corta, sobre põe imposto ou não põe imposto. No Brasil, a taxa de inflação não é o horror, o horror é a taxa de desemprego. Quais medidas seriam necessárias para a retomada?
A grande discussão a ser feita é: crescer em que direção? Eu, por exemplo, acho que deve crescer pela construção da casa própria. Eu acho o programa Minha Casa, Minha Vida uma ideia absolutamente correta. Para construir uma casa você usa um terreno, usa materiais locais, como areia e pedra, usa a mão de obra local e ao mesmo tempo usa cimento e ferro de construção, que são produtos nacionais. Então, você tem a cadeia produtiva virada para dentro da economia. Se você constrói casa, todos esses fornecimentos são ativados. Como o senhor avalia a proposta do governo de estabelecer um teto para os gastos públi cos pelos próximos 20 anos?
Isso é uma bobagem, é uma besteira. Não existe essa coisa de teto. Quer dizer: você está com sua perna arrebentada, mas não pode consertá-la porque há teto de gastos? A questão é saber se o gasto público é relevante e se está sendo produzido de uma maneira correta. O problema não é o que você gasta, mas como você gasta. O sistema de exploração do pré-sal a partir do regime de partilha e com participação míni ma de 30% da Petrobras em cada campo está em vias de ser desmontado pelo Congresso e pelo governo interino. O que o senhor acha dessa mudança?
Eu acho que a questão do petróleo está sendo mal discutida no Brasil por uma razão muito simples. Na verdade, tem muita gente que diz que o Brasil tem de retirar o petróleo com a maior rapidez possível. Isso significa converter o Brasil em um exportador de petróleo. Ser mero exportador de petróleo no mundo é uma maldição. Eu só conheço um país onde a exportação de petróleo gerou uma vida social sofisticada, organizada e correta, que é a Noruega. O resto dos grandes países exportadores são Arábia Saudita, Irã, Indonésia... A Indonésia é impressionante: foi fundadora da Opep e hoje importa petróleo. O que eu quero dizer é que ter petróleo é uma vantagem colossal para um país, mas ser exportador de
periferia é sempre uma situação muito vulnerável. Eu não quero ser uma Arábia Saudita, um Qatar, não me inspiro em Abu Dhabi. Para o Brasil, eu quero que cada família viva direito, tendo a energia necessária para viver direito. Com o anúncio de iniciativas para incentivar concessões e privatizações, o perfil do BNDES no governo Temer é diferente daquilo que o banco vinha representando nos últimos anos. Para o senhor, qual o papel ideal do BNDES na economia?
A descaracterização do BNDES é mortal para o Brasil. Essa moça que está lá (Maria Silvia Bastos Marques) voltou a fazer o discurso da era tucana, a pior de todas. Agora, vamos entender bem. Eu não quero fazer esse tipo de julgamento, mas, infelizmente, sou obrigado a fazer. O BNDES veio se aproximando muito dessa atual orientação tucana porque, ao priorizar o mercado de capitais, se desviou de sua função que é dar prioridade ao sonho brasileiro de crescimento. O Brasil está crescendo em que direção? Para onde? Para ser celeiro do mundo ou para ser uma pátria sem fome? O Brasil está dando prioridade para quê? Para que cada família tenha um poder de compra mínimo para sua dignidade? Isso significa gerar empregos para os brasileiros. Eu não sei qual é a prioridade do crescimento brasileiro pelo simples fato de que ele não está explicitado, o que leva o BNDES a uma situação muito difícil. Hoje, o projeto que o BNDES tem para o país é privatizar o Brasil. O BNDES é um instrumento de corretagem para facilitar a venda dos ativos brasileiros. Como os ativos brasileiros estão muito baratos, nós vamos cometer um crime contra a brasilidade. Vender barato o que custou o sangue e o suor dos brasileiros. Para quê? Para virar celeiro do mundo e manter a fome no Brasil? É esse o projeto nacional brasileiro? Eu faria essa pergunta à presidente interditada, Dilma Rousseff, e ao presidente em exercício, Michel Temer. Nenhum dos dois vai responder. Tente fazer essa pergunta ao ministro Henrique Meirelles e aos ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci. Singelamente. Na verdade, eu acho que essa pergunta cada brasileiro deve fazer para si mesmo. Você quer deixar seu vizinho desempregado? O morador do seu bairro passando fome? Por que o senhor saiu do BNDES?
Eu sou suspeito porque fui presidente do BNDES e fui demitido pelo presidente Lula. Isso é uma coisa da qual eu me orgulho porque naquela ocasião eu briguei com o Henrique Meirelles. Eu sou inimigo do Meirelles, que na época já era uma figura promovida
O Brasil tem muito petróleo tem muita energia, mas estão privatizando. É isso o que quer a sociedade brasileira? Precisamos crescer e afastar a maldição do desemprego das famílias
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ENTREVISTA
VITOR VOGEL/RBA
pelo PT, infelizmente. Eu acho que o BNDES tem que ser o antigo BNDES, ligado à industrialização brasileira, para empurrar para frente a economia brasileira, para gerar emprego para os brasileiros. É esse o BNDES que eu acho importante. Esse BNDES, por exemplo, não deveria fazer campanha publicitária nos grandes jornais, porque todo mundo conhece a instituição. Tem que gastar dinheiro nos pequenos jornais do interior, aí sim a propaganda poderá atingir pessoas que não saibam o que é o BNDES. O BNDES é a grande invenção que a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos deu para o Brasil. É uma história muito curiosa, porque o Brasil, mesmo tendo participado da Segunda Guerra Mundial, não recebeu nenhum apoio do Plano Marshall. Mas criou-se a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos porque os americanos diziam que queriam nos ajudar. Eles não ajudaram, mas propuseram a criação de um banco de fomento. Esse banco de fomento chama-se BNDES, que foi a melhor sugestão que os americanos fizeram para o Brasil até hoje. O Brasil tem saída no futuro imediato?
Antes de o Brasil ser celeiro do mundo não pode mais haver fome no país. Antes de o Brasil imaginar exportar energia tem que usar a energia para melhorar a vida dos brasileiros. Usar a energia com a tecnologia de utilização dessa energia. Uma das coisas que os vendedores de petróleo ficam falando é que se eles não venderem, a era do petróleo vai acabar. E daí? A era do carvão, na 1ª Revolução Industrial, acabou, mas quem ainda tem carvão tem uma vantagem espetacular. O Brasil tem muito petróleo potencial, tem muita energia elétrica potencial, mas estão privatizando a parte de energia elétrica e despedaçando a rede de energia brasileira. É isso o que quer a sociedade brasileira? Precisamos crescer e afastar a maldição das famílias desempregadas, precisamos dar comida para o povo brasileiro. É possível um realinhamento das forças progressistas em torno de um projeto para o país?
O Brasil está sem um projeto nacional explícito e organizado há muito tempo. Não é de hoje. Eu não gosto muito da divisão esquerda-direita porque ela se refere a um cenário histórico mundial completamente diferente do cenário atual. Sobre isso, eu volto a perguntar, em bom português: qual é o projeto brasileiro. É o projeto de globalização? Então, qual é a nossa referência na globalização? É claro que nós precisamos estar ligados à economia mundial e devemos fazer uma política para fortalecer essas ligações. Porém, essa política é uma política nacional, não é adotar internamente diretivas enunciadas abstratamente pelo país líder. Não é adotar o Consenso de Washington. Como o senhor se define politicamente?
Quando me perguntam o que eu sou, eu digo: sou nacionalista. E digo outra coisa: sou populista. O progresso social na América Latina se dá por figuras que são execradas como populistas porque avançam. Mas a tragédia do populismo é que nunca consegue fazer o sucessor. É sempre um processo complicado, porém as conquistas sociais que os populistas introdu20
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Eu sou inteiramente favorável à ideia de um projeto nacional, à democracia. Antes de o Brasil ser celeiro do mundo não pode mais haver fome no país
ziram ficam. O peronismo existe até hoje porque Perón avançou socialmente a Argentina. O getulismo ainda existe no Brasil porque houve Getúlio Vargas. Eu acho que, dadas as condições latino-americanas e ibéricas, com uma organização partidária fraca, são figuras que empurram a sociedade, e isso é chamado pela ciência política de populismo. Mas eu prefiro as figuras que empurram a sociedade às figuras que desarticulam a sociedade e nos jogam em uma situação subordinada e periférica. O nacionalismo está fora de moda?
Eu sou inteiramente favorável à ideia de um projeto nacional, à democracia como forma básica de organização da sociedade, a partidos que se alternem no poder com respeito a uma regra para não eliminar o outro. Essas regras são singelas, porém são tornadas obscuras para discussão. As pessoas agora têm vergonha de dizer que são nacionalistas porque se criou uma espécie de execração do nacionalismo. Mas, meu amigo, fora da nação não há solução. Eu até adoraria ver o mundo todo preocupado com os problemas do mundo, mas isso é um sonho da humanidade. Eu tenho, em primeiro lugar, que me preocupar com o meu país, me preocupar com os meus vizinhos. Isso significa melhorar a qualidade de vida dos povos sul-americanos, que é muito ruim. Ser nacionalista é dar prioridade ao desenvolvimento e à qualidade de vida do seu povo.
MARCIO POCHMANN
Recessão e os direitos sociais e trabalhistas
A cantilena da redução dos direitos voltou a ser entoada, sob o coro dos patrões. A terceirização e a “simplificação” trabalhista apontam para a uberização das relações de trabalho no Brasil
ADONIS GUERRA/SMABC
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esde a transição da sociedade agrária para a urbana e industrial, iniciada na década de 1930, aos dias de hoje, o Brasil conheceu quatro distintas recessões econômicas, com impactos decisivos sobre os direitos sociais e trabalhistas. De todas, constata-se que em duas delas houve o sentido geral de reação organizada da sociedade que permitiu a ampliação dos direitos da classe trabalhadora, enquanto em apenas uma percebeu-se o retrocesso. Na atual recessão, os direitos sociais e trabalhistas voltaram a ser ameaçados, exigindo resposta firme e consistente do conjunto dos trabalhadores. Na grande recessão do início da década de 1930, por exemplo, o envolvimento dos trabalhadores se mostrou fundamental para a difusão de uma diversificada e heterogênea legislação social e trabalhista. Com isso, somente no ano de 1943, com a implementação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), os trabalhadores urbanos passaram a deter inéditos direitos sociais e trabalhistas. Na sequência, a grave recessão do início dos anos de 1980 descortinou uma nova etapa de lutas dos trabalhadores voltada para a proteção das ocupações, bem como a redução da jornada de trabalho, entre outras reivindicações. O resultado disso foi a aprovação pela Constituição Federal de 1988 do novo patamar dos direitos sociais e trabalhistas. Dois anos depois, contudo, a recessão do início da década de 1990 implicou retrocesso aos direitos da classe trabalhadora. Com a adoção do receituário neoliberal, o objetivo de enfraquecer o mundo do trabalho foi alcançado, mostrando-se fundamental para evitar a reação organizada da sociedade ao rebaixamento das condições e relações de trabalho. Desde o ano de 2015 que o Brasil convive com a quarta recessão econômica, cujos efeitos têm sido a ampliação do sofrimento humano, sobretudo dos trabalhadores que passaram a ter rendimento menor e ocupações a menos. O desemprego generalizado e
a pobreza crescente apontam para direção inversa à verificada nos anos 2000. Tal como nos governos neoliberais durante os anos de 1990, a velha cantilena da redução dos direitos sociais e trabalhistas voltou a ser entoada pelo governo sob o coro dos patrões. Não apenas a nova lei da terceirização, como a simplificação trabalhista propostas apontam para a uberização das relações de trabalho no Brasil. O propósito atual de enxugar os direitos sociais e trabalhistas assenta-se na ideia de que quanto menor o custo de contratação do trabalho pelo empregador, maior a possibilidade de elevar a competitividade da empresa, permitindo, na sequência, elevar o nível de emprego. Mas ao mesmo tempo em que o emprego da mão de obra é custo para o patrão, também é o rendimento para os ocupados. Com menor rendimento e maior flexibilidade contratual, os trabalhadores consomem menos ainda, fazendo contrair, em consequência, o consumo. E, por sua vez, a provocação da queda da demanda na economia como um todo, fazendo aumentar o desemprego da força de trabalho. Retrocesso em cima de retrocessos.
A LUTA NUNCA TERMINA Trabalhadores da fábrica da Mercedes, em São Bernardo do Campo, param contra demissões
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MAURO SANTAYANA
WhatsApp, privacidade e autoritarismo O planeta vive um imenso campo de batalha virtual. Entre os que lutam pelo direito à liberdade de expressão e à privacidade e os que tentam controlar o mundo e as pessoas por meio da bisbilhotagem
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STF, por meio do ministro Ricardo Lewandowski, suspendeu, no mês passado, a proibição, que durou algumas horas, decretada por uma juíza do Rio de Janeiro, de funcionamento do WhatsApp em todo o território nacional. Espera-se que a sábia decisão regulamente definitivamente a questão, não apenas com relação ao aplicativo em questão, mas também a outros semelhantes, e evite que parte da Justiça continue procurando chifre em cabeça de cavalo e passando ridículo aos olhos do mundo. A decisão da juíza e sua suspensão pelo STF se desenvolvem no âmbito da contradição entre indivíduo e sistema descrita por George Orwell, em seu profético livro 1984. A obra do escritor britânico – publicada em 1949 –, que deu origem ao termo Big Brother, tão nefastamente apropriado por uma produtora de vídeo holandesa para servir de título ao programa de televisão homônimo, é a representação de um líder autoritário e onipresente, por meio de aparelhos de televisão, instalados em todas as casas e ruas de uma hipotética nação do futuro. Por meio dessas telas, esse líder prega a ideologia de um regime político opressivo e brutal, com as mentiras cunhadas pelo Miniver – o Ministério da Verdade. E opera, ao mesmo tempo, um sistema de monitoramento que vigia a cada passo tudo que é feito pelo indivíduo, a cada momento, esteja ele nas ruas, no trabalho ou fechado em sua própria casa. Desde, pelo menos, o uso do recenseamento pelos romanos – o que, segundo Lucas, levou a família de Jesus a Belém – e o mito do massacre ordenado por Herodes para matar, ainda bebê, o “rei” dos judeus, que a informação é utilizada pelo sistema para vigiar, localizar e eliminar seus inimigos. Da mesma forma que o anonimato na internet pode facilitar a comunicação entre criminosos, ele protege a vida de pessoas perseguidas por suas convicções políticas ou religiosas, tentando escapar, com suas famílias, da prisão, da tortura, do assassinato, em mãos de regimes ou governos ilegítimos e autoritários. Desse ponto de vista, mesmo que apenas uma vida fosse salva em qualquer lugar do mundo, por meio do WhatsApp ou de outros aplicativos semelhantes, já estaria plenamente justificada a proteção do sigilo de suas mensagens, mesmo que outras vidas 22
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pudessem vir a ser eventualmente ameaçadas por esse mesmo segredo, em outras circunstâncias. Segundo divulgado pela mídia, o ministro da Justiça do governo ainda interino, Alexandre de Moraes, pretende enviar ao Congresso projetos de lei que levem empresas estrangeiras a instalar suas sedes no Brasil, e a utilizar tecnologia que possibilite a decriptação (decodificação de dados criptografados) das informações trocadas pelos usuários. A não ser que se trate de discurso para a plateia, essa é hipótese absurda e descolada da realidade. Primeiro, porque a decisão de instalar ou não aqui uma sede ou representação é estritamente mercadológica e, para muitas empresas internacionais de internet, o Brasil ainda é um mercado secundário e periférico. Segundo, porque a internet não tem fronteiras. Google, Facebook, Telegram, WhatsApp não precisam instalar uma unidade em cada país para atender consumidores do mundo todo da mesma forma. E terceiro, porque seus produtos foram desenvolvidos exatamente para impedir, tecnológica e deliberadamente, por meio de criptografia automática e avançada – e a não gravação de dados – que qualquer um, incluídas as autoridades, possa ter acesso às informações trocadas entre os usuários. Ao contrário do que as autoridades pensam, muita gente escolhe usar um programa como o Telegram e o WhatsApp não para trocar informações, simplesmente, ou por uma questão de “popularidade”, mas para assegurar que suas mensagens se mantenham em sigilo. Isso porque coloca a sua privacidade em nível tão prioritário quanto o da facilidade no acesso ou agilidade de utilização. E não apenas com relação a alguém que possa eventualmente ter acesso físico ao seu computador, tablet ou telefone móvel, mas principalmente no contexto de que essa informação não possa ser interceptada, quando está circulando entre um ponto e outro da rede, pelos numerosos braços do Big Brother de governos cada vez mais autoritários. As empresas que fornecem esses programas e aplicativos não fazem isso apenas porque sabem que esse apelo à privacidade é um importante, imprescindível, ponto de venda na conquista de novos usuários, em um ambiente empresarial extremamente complexo e altamente competitivo. Mas também porque ficaria
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tremendamente caro registrar e guardar os dados relativos à troca de bilhões de mensagens por dia, tornando proibitivo o preço do serviço para consumidores. Mesmo que, eventualmente, fosse possível proibir e bloquear, no Brasil, o uso de certos aplicativos para impedir a comunicação entre bandidos ou “terroristas”, por exemplo, isso seria ainda, absolutamente inócuo. Não há um, mas centenas de programas, até mesmo na Deep Web (internet “invisível”, cujo conteúdo não é indexado a mecanismo de busca) – e surgem novos todos os dias –, que permitem a comunicação criptografada e sem monitoramento. E centenas de outros programas, como VPN (redes para uso privativo, mas que usam a internet como meio de tráfego), que custam pouco mais de R$ 1 por dia e possibilitam ao usuário acessar a internet e todo tipo de aplicativos como se estivesse,
virtualmente, em outro país – logo, fora do alcance da jurisdição das autoridades brasileiras. E, finalmente, porque há, neste momento, dezenas de fundações e associações, e milhares de cientistas e hackers trabalhando de graça, de modo voluntário e colaborativo, 24 horas por dia. Denodados, criativos, eles aplicam tempo e esforços ao desenvolvimento de softwares gratuitos, voltados para assegurar e facilitar o anonimato e a privacidade na internet. E se dedicam à defesa de ideais como liberdade de pensamento, de expressão, política e de comunicação, cada vez mais ameaçada pelo avanço, em muitos lugares do planeta, do sistema representado pelo imenso Big Brother midiático-governamental do fascismo, da manipulação, da vigilância, do controle e do autoritarismo. DIREÇÃO MICHAEL RADFORD/MGM
SEM PRIVACIDADE O mundo vigiado pelo Big Brother no filme 1984: profecia
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O tabuleiro ca
Com três candidatos expressivos anti-impeachment, Rio pode ter frente inédita de esquerda em eventual segundo turno nas eleições municipais e crescer como polo de resistência democrática Por Maurício Thuswohl 24
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inda abafada pelos Jogos Olímpicos, a campanha eleitoral para a Prefeitura do Rio de Janeiro promete uma disputa que se anuncia como a mais pulverizada e indefinida dos últimos 20 anos. Após se concentrar em temas regionais e abandonar – com as sucessivas eleições e reeleições dos prefeitos Cesar Maia (hoje vereador pelo DEM), Luiz Paulo Conde (que morreu em 2015) e Eduardo Paes (PMDB) – sua histórica vocação para caixa de ressonância das grandes questões políticas nacionais, a campanha no Rio este ano se dará em meio ao debate sobre o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Em clima de acirramento político, disputam a preferência e os votos dos cariocas nove candi-
datos, a maioria com reais possibilidades de chegar a um eventual segundo turno, em um leque de partidos que vai da extrema-esquerda à extrema-direita. Caso o afastamento de Dilma seja confirmado pelo Senado, o Rio poderá mais uma vez assumir o papel de polo da resistência democrática no país. Para isso, bastará que um dos três candidatos competitivos lançados pela esquerda vença as eleições para a prefeitura em outubro. No entanto, em um quadro eleitoral que traz um candidato com forte apoio das máquinas administrativas municipal e estadual (o deputado federal Pedro Paulo Carvalho, do PMDB) e outro já bastante conhecido dos eleitores (o senador MarceloCrivella, do PRB), a vitória não será fácil para os deputados Marcelo Freixo (Psol), Ales-
POLÍTICA
carioca
ALERJ
EM BUSCA DO SEGUNDO TURNO Freixo, do Psol, foi o principal adversário do prefeito Paes nas eleições de 2012, quando conquistou 28% dos votos
sandro Molon (Rede) ou Jandira Feghali (PCdoB, com apoio do PT). Embora não haja acúmulo político suficiente para o lançamento de uma candidatura única da esquerda carioca, os três já selaram acordo para uma aliança em torno daquele que conseguir chegar ao segundo turno. Expoente nacional da luta “contra o golpe”, Jandira Feghali usará seus discursos de campanha para denunciar o governo interino de Michel Temer e terá apoio direto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ela entrou na disputa após o PT e o PCdoB romperem com a gestão de Paes. Isso aconteceu quando Pedro Paulo se licenciou da Secretaria de Coordenação de Governo, cargo que ocupava na gestão Paes, apenas para votar a favor do afastamento de Dilma
RICARDO STUCKERT/ INSTITUTO LULA
APOIO PETISTA Jandira Feghali, do PCdoB, Beth Carvalho e Lula: discurso anti-Temer
MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
ESPAÇO Molon, da Rede, mais votado pelo PT em 2014, decidiu deixar o partido após se ver mais uma vez sem espaço para disputar a prefeitura
no plenário da Câmara dos Deputados. O sintoma de que a candidatura de Jandira incomodou foi o peso dado a veículos do Grupo Globo a denúncias feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, que disse em depoimentos vazados ter intermediado na campanha de 2010 pagamento de propina feito pela construtora Queiroz Galvão à deputada. No lançamento de sua candidatura, ao lado de Lula em uma Fundição Progresso lotada, Jandira afirmou que irá processar Machado. “Todas as doações que recebi sempre foram legais, públicas e aprovadas pelos tribunais. A única doação que recebi da Queiroz Galvão, em 2014, chegou via comitê central do PCdoB”, disse. O deputado estadual Marcelo Freixo foi o principal adversário do prefeito
Eduardo Paes nas eleições de 2012, quando conquistou 28% dos votos. Com apenas duas inserções diárias na propaganda eleitoral da televisão, desta vez tentará obter votos suficientes para provocar a realização do segundo turno. Para alavancar sua campanha, o Psol, que tem forte presença na juventude carioca, apostará em mobilizações de rua e nas redes sociais, além de aproveitar a proibição de doações de empresas aos candidatos – bandeira historicamente defendida pelo partido – para criar comitês eleitorais de doação em toda a cidade. O lançamento da candidatura de Freixo reuniu cerca de 5 mil pessoas no Club Municipal, na Tijuca, zona norte do Rio. “Temos um desafio imenso, que é ressignificar como a esquerda pode chegar ao REVISTA DO BRASIL
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poder. Não vamos ganhar tempo de tevê, mas vamos ganhar as ruas, as praças e as redes sociais”, disse o candidato, ao lado dos deputados federais Chico Alencar e Jean Wyllys e de artistas como a cantora Teresa Cristina e o ator Gregório Duvivier. Freixo não teme que a grande quantidade de candidatos atrapalhe. “A diversidade contribui para a democracia”, diz. Alessandro Molon, mais votado pelo PT em 2014, decidiu deixar o partido após se ver mais uma vez sem espaço para disputar a prefeitura. Em setembro passado, quando, impulsionado por sua direção regional, o PT parecia marchar para uma aliança na qual seria vice na chapa de Pedro Paulo, Molon ingressou na Rede. Sua vida, no entanto, não tem sido fácil, já que dentro do novo partido enfrenta a oposição do grupo ligado ao deputado federal Miro Teixeira, que também aspirava à candidatura. Miro votou a favor do afastamento de Dilma. Molon, líder da bancada da Rede na Câmara, foi contra. A diferença política aprofundou a cisão entre as duas alas da legenda no Rio. Para conquistar eleitores, Molon terá em seu palanque a ex-ministra Marina Silva, que obteve 31% dos votos fluminenses nas eleições presidenciais. “O Brasil vive um momento crucial em sua política, e o contexto de crise faz com que aqui no Rio tenhamos chances concretas de derrotar o PMDB”, afirma o candidato.
Calcanhar de Aquiles
Se levada em conta a força das máquinas administrativas municipal e estadual, o candidato a ser batido é Pedro Paulo Carvalho. No entanto, uma série de percalços em seu caminho, do corpo mole de setores do partido a acusações de agressão física contra a ex-mulher, dá a sua candidatura um aspecto de fragilidade que anima os adversários. A ausência do braço direito de Paes em um provável segundo turno já é considerada possível. Com base na Lei Maria da Penha, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, determinou em setembro a abertura de inquérito contra Pedro Paulo após o recebimento de denúncias de que em 2010 ele havia agredido a mu26
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TASSO MARCELO/FOTOS PÚBLICAS
POLÍTICA
POPULAR Em 2014, Romário, do PSB, colou no candidato ao governo do Rio pelo PT, senador Lindbergh Farias. Elegeu-se senador e votou pelo impeachment
lher, Alexandra Marcondes, com socos e pontapés. A própria Alexandra, hoje divorciada, tentou amenizar o episódio, tratando-o como “briga de casal”. Mas o abalo já estava feito e ficou ainda maior em abril, depois que o secretário – na ausência de Paes, que estava em viagem oficial à Suíça – viu chegar sua vez de “dar a cara a tapa” ao ficar na linha de frente das explicações para a queda da recém-construída ciclovia da Avenida Niemeyer, que provocou a morte de duas pessoas e chocou a população carioca. Pior para o candidato do PMDB é que o processo por agressão irá se estender pelo período de campanha, uma vez que Fux, atendendo a um pedido da Procuradoria-Geral da República, determinou que seja ouvido no inquérito o perito FranciscoMourão, que fez o exame de corpo de delito em Alexandra. Por ora, Pedro Paulo,que alega ter apenas se defendido das agressões sofridas pela então esposa, se limita a dizer que aguardará a conclusão do inquérito para se manifestar. Para tentar melhorar sua imagem junto aos eleitores, o candidato confir-
mou como vice em sua chapa a deputada estadual Cidinha Campos (PDT), veterana em eleições no Rio que, questionada por jornalistas sobre sua trajetória como feminista, minimizou o “episódio doméstico” envolvendo Pedro Paulo: “Esse é um caso resolvido. Feminista tem que cuidar para que as mulheres ganhem salários iguais aos dos homens”, disse. Além do PDT, Pedro Paulo é apoiado por DEM, PP, PTB e PPS, e terá direito a 29 inserções diárias na propaganda eleitoral da tevê. Após a revelação do episódio de agressão, setores do PMDB fluminense chegaram a cogitar a substituição de Pedro Paulo pelo também deputado federal Leonardo Picciani, na época líder do partido na Câmara. A ideia da candidatura alternativa foi abortada após o acordo com o presidente interino, Michel Temer, que colocou Leonardo no Ministério dos Esportes. Para que esse arranjo se concretizasse, a insistência de Paes com o nome de seu secretário de Coordenação de Governo foi crucial. “Na hora do voto, os eleitores saberão analisar o que a prefeitura do Rio fez de bom pela cidade e o que o Pedro Paulo,
POLÍTICA
como primeiro-ministro do Eduardo, representou nesse processo”, diz o prefeito.
Popularidade como trunfo
EDVALDO REIS/CRIVELLA 10
Líder em todas as pesquisas de opinião realizadas em julho, o senador e cantor gospel Marcelo Crivella apresenta como principal trunfo a familiaridade que o eleitor carioca tem com seu nome. Candidato à Prefeitura pela terceira vez, há dois anos Crivella levou ao segundo turno a disputa pelo Governo do Estado contra o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) e obteve 44% dos votos. Seu maior desafio nesta campanha será superar a rejeição de parte do eleitorado e ir além da imagem consolidada de representante dos interesses da Igreja Universal do Reino de Deus: “Dizem que sou preposto do Bispo Macedo, mas o que o povo quer saber é se o Eduardo Paes é preposto da Odebrecht”, disse, no ato de lançamento de sua candidatura. Na busca por novas faixas do eleitorado, Crivella chegou a ensaiar filiação ao PSB no início do ano, mas a sombra do senador Romário fez com que decidisse permanecer no PRB, ao qual sempre foi filiado. Normalmente bem votado nas
Costelas de Paes
áreas mais carentes da cidade, Crivella traçou como estratégia de campanha aumentar sua votação na rica zona sul. Após algumas idas e vindas e um flerte com a candidatura de Pedro Paulo, o ex-jogador Romário chegou a lançar sua própria candidatura à prefeitura do Rio, mas acabou desistindo oficialmente no fim de julho. Senador mais votado no estado em 2014, ele também deixou a presidência regional do PSB, que assumira com o objetivo de consolidar a candidatura a prefeito. Agora, o apoio da legenda é disputado por Crivella e Molon, que apostam na proximidade entre Marina Silva e a direção nacional socialista. Além do possível apoio do PSB, Crivella tem a possibilidade de negociar apoios em troca de seu voto sobre o afastamento de Dilma. O senador votou pela admissibilidade do processo contra a presidenta em maio, mas agora admite rever sua posição. Essa ambiguidade será mantida até o dia da votação no Senado, mas já serve como motivação para conversas com setores pró-Dilma, o que não afasta um possível apoio do PT e do PCdoB a Crivella caso ele chegue ao segundo turno contra o candidato do PMDB.
O DESAFIO DA ZONA SUL Marcelo Crivella, do PRB, fez dobradinha com Dilma em 2014 e levou a campanha ao governo do estado para o segundo turno. Teve 44% dos votos
Sem muita tradição eleitoral no Rio, algumas das principais legendas de direita, todas atualmente no campo de apoio ao interino Temer, apostam em nomes oriundos da administração de Paes. O PSDB, após cogitar o técnico de vôlei Bernardinho, os economistas Gustavo Franco e Sérgio Besserman e o jornalista e ex-deputado Fernando Gabeira, acabou cerrando fileiras em torno do deputado estadual Carlos Roberto Osorio, que até o fim de fevereiro era filiado ao PMDB e ocupava o posto de secretário estadual de Transportes no governo Pezão. Osorio, que teve sua entrada no PSDB incentivada pelo senador tucano Aécio Neves (MG), havia sido secretário municipal de Conservação no primeiro mandato de Eduardo Paes. O histórico como peemedebista e a mudança recente para a oposição, segundo o candidato tucano, não o impedirão de criticar a gestão municipal e conquistar insatisfeitos. “Eu estava no PMDB, mas durante toda a minha vida me alinhei às ideias do PSDB”, explica, com naturalidade. Outro ex-secretário de Paes na disputa é o deputado federal Índio da Costa, vice na chapa presidencial do tucano José Serra em 2010. Seu partido, o PSD, colocou à disposição os cargos na prefeitura em outubro e Índio, mesmo “reconhecendo as qualidades do governo atual”, como gosta de repetir, espera conquistar uma fatia do eleitorado que o leve, pelo menos, a negociar com o candidato governista em posição de força em um eventual segundo turno. Entre os nomes já confirmados, completam o leque de candidatos o ex-deputado Cyro Garcia, pelo PSTU, e, no outro extremo do espectro político, o deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSC), filho do polêmico deputado federal Jair Bolsonaro. Apostando no eleitorado conservador que se mobilizou nas manifestações de rua favoráveis ao impeachment, Flávio, que tem posições ideológicas idênticas às de seu pai, se notabilizou em abril ao trocar tiros com bandidos em plena Avenida Brasil, a maior do Rio: “Fiz o que faria um homem de bem com uma arma na mão”, justificou o candidato. REVISTA DO BRASIL
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CÁPSULAS Início dos testes clínicos em São Paulo traz alento para vítimas do câncer e familiares, que têm na liberação da fosfoetanolamina uma chance de sobreviver com menos dor e mais dignidade Por Cida de Oliveira 28
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época não era das melhores para o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). Com a imagem desgastada pelos efeitos da sua má gestão dos recursos hídricos e pelo desastrado projeto de fechar escolas para conter gastos, ele finalmente ouviu o clamor de doentes de câncer e de quem os têm na família. Pesou ainda a pressão dos deputados estaduais Roberto Massafera (PSDB) e Ricardo Madalena (PR), e do federal Lobbe Neto, também tucano, todos defensores da liberação da fosfoetanolamina sintética, a FOS.
Massafera é testemunha pública dos efeitos positivos das cápsulas que tomou. Em 23 de novembro, Alckmin recebeu no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual paulista, o químico Gilberto Orivaldo Chierice, que se aposentou como professor do Instituto de Química de São Carlos, vinculado à Universidade de São Paulo (USP), e outros pesquisadores, que explicaram os princípios da substância. Segundo relatos de doentes, muitos com atestado médico, houve redução das dores e do avanço da doença, e melhora da qualidade de vida. Quatro dias depois, em reunião com o então ministro da Saúde, Marcelo Castro (PMDB), o tu-
EDUARDO AMORIM/SINFAR-SP
CECILIA BASTOS RIBEIRO/USP IMAGEM
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cano pediu autorização do seu uso compassivo e anunciou a realização de testes clínicos no estado. No último 25 de julho, após oito meses, o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) passou a ministrar cápsulas da fosfoetanolamina produzida num laboratório em Cravinhos, município do interior, conforme formulação da equipe de Chierice. Nessa primeira fase, para atestar a segurança, estão incluídos dez pacientes. Se não houver reação tóxica, o estudo será ampliado para mais 200 pacientes com tumor de cabeça e pescoço, pulmão, mama, cólon e reto (intestino), colo uterino, próstata, melanoma, pâncreas, estômago e fígado. Se tudo der certo, o grupo crescerá progressivamente até alcançar mil pessoas. “Não estamos apoiando charlatanismo nem empirismo. Há uma base científica já publicada. Fizemos a leitura de todos os estudos publicados em revistas científicas de prestígio antes de desenhar o projeto de pesquisa aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, o Conep”, afirmou o imunologista David Uip, secretário estadual de Saúde de São Paulo, em entrevista coletiva, ao anunciar o início dos testes. “Não acreditamos em efeitos tóxicos. Observamos tudo o que foi feito, o laboratório que sintetizou, a dose utilizada em pelo menos 20 mil pacientes nesses anos todos. Nossa expectativa é de que os efeitos, ESCOLHA Bernardete Cioffi: “Este é um momento precioso para a nossa luta. Precisamos dos testes clínicos porque seus resultados, muito aguardados, poderão influir na decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal”
que devem aparecer em quatro meses, sejam iguais aos observados nesses 20 mil pacientes. E enquanto tiverem melhora, por mais leve que seja, os pacientes serão mantidos no estudo.”
Definição
Para o diretor-geral do Icesp, o oncologista Paulo Hoff, o estado tem a obrigação de esclarecer, de uma vez por todas, se o produto é mesmo eficaz na diminuição das dores, no controle do crescimento do tumor e revitalização dos pacientes. “Temos de levar em conta o interesse da população, o grande número de pessoas que fizeram uso e as tantas outras que entraram na Justiça para continuar o tratamento e dar uma resposta à sociedade.” O governo estima em 18 mil as liminares contra a USP e o estado. Com dividendos eleitorais e a chance de entrar para a história por ter desafiado a indústria farmacêutica por trás das temidas sessões de quimioterapia – um patamar acima do colega tucano José Serra, que se autointitula criador dos genéricos –, os testes têm, porém, significado muito mais nobre. É a renovação da esperança de um atalho para a liberação da FOS. “Este é um momento precioso para a nossa luta. Precisamos dos testes clínicos porque seus resultados, muito aguardados, poderão influir na decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Dos quatro ministros que votaram a favor da liminar que proibiu a distribuição, três não foram tão firmes, demonstrando postura quase a favor da FOS. Os testes podem ainda vir a ser usados em processo para registro como medicamento na Anvisa”, comemora a analista de sistemas Bernardete Cioffi, de São Paulo, coordenadora do Instituto Viva Fosfo, que defende o direito de escolha pela vida, saúde e dignidade. Entre as ações, a entidade orienta e cadastra pacientes oncológicos para medidas jurídicas e negociações coletivas para obtenção de benefícios. Com diagnóstico de metástase óssea devido ao câncer de mama, Bernardete estava tão debilitada que só saía da cama em cadeira de rodas. Sua vida de dores intensas mudou em junho do ano passado, quando soube da prisão de um colaborador de Chierice, REVISTA DO BRASIL
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o catarinense Carlos Kennedy Witthoeft, de Pomerode, por fabricar fosfoetanolamina em casa.
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EMPÍRICO OU CIENTÍFICO? Alckmin, Chierice e Massafera: no meio de uma crise de popularidade, o governador autorizou pesquisas e testes com a fosfoetanolamina sintética
tratamento”, rebate Bernardete. A Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro ingressou como amicus curiae (“amigo da corte”, em latim, parte estranha à causa que oferece informações) para subsidiar os ministros. “Entre os nossos argumentos, o desinteresse da
entidade médica em entrar com medida semelhante contra o cigarro e suas mais de 4.500 substâncias tóxicas que já mataram milhões de pessoas, e os agrotóxicos liberados pela Anvisa que são proibidos em muitos países”, explica o defensor Daniel Macedo, que em 2015 começou a acompanhar o caso em busca de informações – que, segundo ele, não estavam sendo repassadas pela imprensa.
Testes
ISMAEL EWALD LIMBERGER/TN
Sua filha, médica, leu os 2.700 trabalhos publicados em sites científicos sobre a substância até então desconhecida pela família. “Se não curar, mal não vai fazer. Se houver algum efeito colateral, deixa de tomar”, recorda Bernardete, sobre a recomendação da filha. Dias depois, entrava com pedido de liminar para obter cápsulas em São Carlos. “Tive de parar o uso várias vezes por causa de reveses na Justiça. Se eu não tivesse parado, poderia até estar curada”, acredita ela, ressaltando estar satisfeita pelo câncer deixar de avançar e por ter restaurado sua condição física. Como uma porta-voz dos usuários da FOS, Bernardete hoje percorre o país para audiências públicas e palestras. E promete continuar levando fatos novos aos ministros do Supremo, que em abril deu vitória apertada, por 6 a 4, à Associação Médica Brasileira (AMB), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.501, contra a Lei 13.269/2016, sancionada por Dilma Rousseff em 13 de abril, que autoriza a distribuição da FOS para pacientes diagnosticados com tumor maligno. Comemorada por pacientes e familiares de todas as classes sociais e até em outros países, a lei foi duramente criticada na mídia conservadora, costumeiramente aberta a entidades médicas, como a AMB – a mesma que capitaneou hostilidades contra os profissionais cubanos do programa Mais Médicos. Colunista do jornal Folha de S.Paulo e defensor dos transgênicos, o médico Drauzio V arella chamou de “ignorância populista” a decisão do Congresso de aprovar a liberação da substância “sem que nenhum estudo tenha sido submetido à apreciação da Anvisa”. Para a AMB, faltam testes em seres humanos que confirmem a eficácia e a segurança. “Não me sinto representada nem defendida pela entidade, que falta com a verdade ao dizer que a substância não foi avaliada. E não estou sendo atacada. Pelo contrário. Como paciente, estou tendo ampliado meu direito a alternativas de
WWW.SAOPAULO.SP.GOV.BR
Nova lei
PRISÃO POLÊMICA Colaborador de Chierice, o catarinense Carlos Kennedy, da pequena Pomerode, fabricava a fosfoetanolamina em casa
“Requisitei informações aos pesquisadores, à USP e à juíza Gabriela Müller Carioba Attanasio, da Vara de Fazenda Pública em São Carlos, que concedeu mais de 900 liminares favoráveis às pessoas que queriam obter a fosfoetanolamina. Esse fato é que me deixou mais estarrecido e me deu mais segurança. Com isso, fui pesquisar o currículo dos pesquisadores, analisar as pesquisas científicas com suporte de outros pesquisadores. É como a construção de um prédio, no qual fiz a fundação e construí os andares”, diz. O defensor trabalha agora numa ação civil pública contra irregularidades nas pesquisas conduzidas no âmbito de uma força-tarefa iniciada em outubro do ano passado, pelo então Ministério da Ciência,
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Tecnologia e Inovações, para realização de testes com objetivo de acelerar o processo de registro na Anvisa. Entre as falhas, o uso de cápsulas cuja formulação é diferente da de Chierice. “Está sendo estudada uma fosfoetanolamina sintética desenvolvida nos laboratórios da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) a partir do relatório de patente depositada pelos pesquisadores no Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual). Só que por motivos de proteção da fórmula original, não são divulgados todos os detalhes”, aponta Macedo. “Quando você faz isso, significa má-fé. Quando você suborna dados, significa má-fé. E essa má-fé nós não podemos admitir como pessoa, nem como pesqui-
sador”, disse o químico Chierice durante reunião das Comissões de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática, Assuntos Sociais, Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, em 5 de abril. E avisou: “Para alegria de todos e para não preocupar muito os nossos centros de pesquisa, já começamos a fazer estudos clínicos talvez no México, Coreia e talvez no Canadá. Vai ser feito paralelamente porque não dá para confiar no que vai ser feito aqui no país”. A Defensoria questiona ainda o desvirtuamento do uso dos recursos federais. Dos R$ 10 milhões destinados à pesquisa em andamento em laboratórios ligados às universidades federais do Rio de Janeiro, Ceará e Santa Catarina, R$ 2 milhões
já foram gastos. “Vamos pedir a desconstituição dessa equipe, a desconsideração dos resultados e trazer a ciência para o processo judicial. Mas da forma como está sendo conduzido, isso vai determinar resultados falso-positivos quando entrar na fase clínica. E nós não podemos admitir uma lesão ao erário”, afirma Macedo. Falhas como essas, segundo Bernardete, não devem se repetir na pesquisa paulista, que utiliza formulação original e que tem acompanhamento da equipe de São Carlos. No entanto, ela teme “sabotagem” em nível de administração do medicamento aos pacientes. “Vamos continuar vigilantes. Em dois meses, deveremos ter a resposta quanto à segurança”, afirma, otimista.
A “pílula do câncer” não cura a doença. É um coadjuvante que potencializa – e não substitui – a quimioterapia. Ou seja, ajuda a matar as células tumorais com doses menores desses fármacos, efeitos colaterais menos severos e melhora da qualidade de vida do paciente oncológico. A fosfoetanolamina é conhecida desde o início do século passado. Encontrada primeiro na membrana celular de tumores, chegou a ser considerada causadora da doença. Por isso, um orientando de Gilberto Chierice queria inibir a ação dessa substância. Na pesquisa, observou a presença no leite materno. Por que um alimento produzido pelo próprio organismo concentraria um agente cancerígeno? Como câncer é a multiplicação de células defeituosas e nos primeiros meses de vida é quando as células se multiplicam mais rapidamente, a substância poderia ter o papel de debelar e não de causar tumores. Uma proteção natural no leite, desconfiaram os pesquisadores. A fosfoetanolamina biológica, então isolada, mostrou ação seletiva contra as células tumorais em laboratório. Daí para estabelecerem doses foi um pulo, e as pesquisas começaram no Hospital Amaral Carvalho, em Jaú (SP), que já testava próteses fabricadas com óleo de mamona desenvolvidas por Chierice. Como a obtenção da substância biológica era custosa é difícil, os bons resultados apontaram para a necessidade de a sintetizarem, assim como foi sintetizada a insulina, por exemplo. “Durante nove meses, 24 horas por dia, Chierice e o químico Otaviano Mendonça Ribeiro Filho se revezavam no laboratório do Instituto de Química de São Carlos. Foram milhares de testes até chegar a uma síntese com a mesma biodisponibilidade, sem toxicidade”, conta Bernardete Cioffi, coordenadora do Instituto Viva Fosfo. Segundo ela, isso foi em 1995, quando surgiram oncologistas interessados e propostas milionárias. “Para proteger a fórmula, e não para lucrar, os pesquisadores patentearam e começaram a procurar órgãos ligados ao Ministério da Saúde, cujas reuniões foram documentadas. A Anvisa ainda não existia. Quando a pesquisa foi suspensa em Jaú, os pacientes que se beneficiavam iam buscar mais cápsulas. Os médicos, vendo melhora na saúde, os encaminhavam para
RICARDO JOFFILY/DPU
Alternativa em meio a polêmicas
DÚVIDAS O defensor público da União do Rio de Janeiro Daniel Macedo: “Documentos e prontuários desapareceram, o hospital desconversa, nega ter havido testes ali, e o ministério não foi atrás”
procurar o “professor” no laboratório de São Carlos. “Não tem como impedir que se espalhe a fama de algo que mostra resultado bom”, conta Bernardete. No entanto, o hospital não renovou o convênio de pesquisa e os registros e prontuários dessa pesquisa nunca foram encontrados. “Todo convênio de pesquisa tem a chancela do Ministério da Saúde, e o de Jaú chegou a ser publicado no Diário Oficial da União”, diz o defensor público da União no Rio de Janeiro Daniel Macedo. “No entanto, documentos e prontuários desapareceram, o hospital desconversa, nega ter havido testes ali, e o ministério não foi atrás.” A aposentadoria de Chierice, em 2013, coincidiu com uma portaria da USP, meses depois, proibindo a distribuição de qualquer substância sem registro na Anvisa. Em junho de 2015, quando Carlos Kennedy Witthoeft foi preso em Santa Catarina, havia uma avalanche de liminares no Fórum de São Carlos. O caso então explodiu na imprensa e nas redes sociais – e foi parar no Congresso Nacional. REVISTA DO BRASIL
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o chegar na escola em que trabalha, o professor de Biologia é chamado à sala da diretoria. O diretor informa que ele está suspenso. Dois policiais o aguardam para levá-lo a prestar esclarecimentos na delegacia. O motivo? A aula do dia anterior, sobre a teoria da evolução, do inglês Charles Darwin, contrariou as crenças de alguns alunos e seus pais. O enredo, fictício, pode se tornar uma cena factível no futuro da educação brasileira, se o projeto denominado Escola Sem Partido virar lei. A ideia inspira dois projetos em tramitação no Congresso, em sete Assembleias Legislativas e 12 Câmaras Municipais. 32
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O Escola sem Partido contesta qualquer afronta a convicções religiosas ou morais dos pais e dos alunos e a apresentação de conteúdo “ideológico” aos estudantes, considerados “vulneráveis” ao professor – nesse caso há uma evidente partidarização, pois somente conteúdos considerados de esquerda são citados. O projeto foi idealizado em 2004, pelo procurador paulista MiguelNagib, depois de um professor de sua filha comparar Che Guevara a São Francisco de Assis, em virtude de ambos abandonarem a riqueza pela causa em que acreditavam. A proposta ficou adormecida até recentemente, quando foi encampada por parlamentares de partidos conservadores. Em
PIXABAY/STOCK PHOTOS
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Ministério Público. Para o autor da proposta, “é fato notório” que professores e autores de livros didáticos usam aulas e obras como meio de “obter a adesão” dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas. “E para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis”, justifica Nagib, em sua página na internet. O nome do movimento tem certa dose de esperteza. Nenhum especialista ou leigo preocupado com educação quer uma escola “com” partido. Ninguém almeja que seus filhos saiam da escola bradando palavras de ordem, desta ou daquela ideia. Mas o que o projeto propõe já está contemplado na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases (LDB): liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. E o que ele cria, efetivamente, são proibições de abordar teorias que contrariem crenças ou convicções de seus autores. Para professores, estudantes e especialistas, a proposta pretende calar professores e esvaziar a educação brasileira de conteúdos críticos ao funcionamento da sociedade. “Na prática, não se poderá debater assunto nenhum. Porque tudo vai contrariar crenças. O projeto determina que você deve respeitar os valores de cada aluno. Isso já é obrigação da escola. Esse vai ser um processo de criminalização do professor. A Escola sem Partido é uma lei da mordaça”, avalia o professor João Cardoso Palma Filho, membro do Conselho Estadual da Educação de São Paulo.
Pedagogia da
ORDACA abril, uma lei (7.800) baseada na proposta do Escola sem Partido foi aprovada em Alagoas. O governador Renan Filho (PMDB) vetou o texto aprovado na Assembleia Legislativa, mas os deputados estaduais derrubaram o veto. O advogado-geral da União, Fábio Medina Osório, disse considerar inconstitucional a lei alagoana. Na Câmara e no Senado, o projeto foi apresentado, respectivamente, pelo deputado Izalci Lucas (PSDB-DF) e pelo senador Magno Malta (PR-RO). Seus defensores propõem medidas como afixar cartazes em salas de aula indicando o que o professor pode ou não abordar. Quem desobedecer deve ser denunciado à Secretaria da Educação e ao
Para especialistas, projeto Escola sem Partido quer cidadãos que não pensam e viola o grande objetivo das escolas: educar, por meio do estudo das diversidades e do conhecimento científico Por Rodrigo Gomes REVISTA DO BRASIL
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Como trabalho de classe solicitado pela professora de Sociologia Gabriela Viola, alunos do Colégio Estadual Professora Maria Gai Grendel, do bairro Caximba, em Curitiba, fizeram uma paródia do funk Baile de Favela baseados nas aulas a respeito das ideias do filósofo alemão Karl Marx – autor de O Capital e expoente teórico do comunismo. Postado na internet, o vídeo repercutiu entre defensores do Escola sem Partido, que cobraram o afastamento da professora. No entanto, ela já havia passado conteúdos com as ideias de outros pensadores, sem ser incomodada. Ao utilizar um funk para transmitir e consolidar a compreensão do tema, Gabriela buscou se aproximar da realidade dos jovens, algo que vem se tornando cada dia mais comum nas escolas, como observa o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. “A didática ensinou que para aprender, para querer aprender, o aluno precisa ter uma aula envolvente, precisa dialogar com a realidade dele. O que nega também essa ideia de que eles são completamente passivos diante do professor. Qualquer um que conheça a realidade da sala de aula sabe que isso é falso.” Daniel questiona como um professor terá condições de dar uma aula sobre a Revolução Industrial, ou sobre a luta das mulheres pelo direito ao voto, ou sobre os movimentos de trabalhadores contra o trabalho infantil nos séculos 19 e 20, sem apresentar características de um lado e de outro da história. “É impossível,
Querem eliminar toda a organização social que hoje está fazendo com que professores entrem em greve, que estudantes ocupem, fechem e paralisem escolas, que protestem Camila Lanes
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essa aula não consegue ser dada. O que se quer é ter somente uma versão da história, uma única visão do mundo”, afirma. Para o professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo (USP) Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação, se o objetivo do projeto é evitar a doutrinação, ele devia exigir maior pluralidade de conteúdo, teórico e de ideias, no currículo escolar. Mas de maneira nenhuma vetar determinados conceitos. Um curso de Sociologia ou Economia, explica Janine, deve mencionar tanto a visão de Marx sobre o capitalismo como a de Adam Smith – liberal, criador do conceito de “mão invisível do mercado”. São autores que representam posições diferentes, mas que não podem ser ignorados por sua contribuição para o saber humano. Para Janine, o objetivo da escola é transmitir conhecimento científico, por isso não se podem aplicar restrições a conteúdos por razões ideológicas ou religiosas. “A escola não tem incumbência de doutrinar a pessoa nem de respeitar a doutrinação religiosa da família. A escola educa. E para educar ela tem de transmitir conhecimento que tem base científica. As pessoas podem acreditar no criacionismo ou não, mas ele não pode ser ensinado na escola, porque trata-se de fé, não de conhecimento científico.” O professor avalia que não é possível considerar a escola como maior formador ou deformador da moral de crianças e adolescentes, descartando o papel da própria família, da igreja e a
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Adam Smith x Marx
ALBERTO KORDA
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INFLUÊNCIAS PERIGOSAS Darwin, Marx e Che: o cientista, o filósofo e o guerrilheiro não teriam espaço na escola sem partido
mídia. “A educação é, nesse conjunto, o protagonista mais fraco. Não me parece justo que seja o único a ser criminalizado”, afirma.
to de conteúdos ligados às ciências naturais e sociais. O ato de fazer da educação um espaço vazio de crítica, carregado de exaltação ufanista e de ideais de “moralização” da Religiosidade e autoritarismo sociedade começou na ditadura do Estado Novo e se aprofunApesar de, como o ex-ministro, especialistas e educadores de- dou após o golpe de 1964. Para o professor Alexandre Pianelli fenderem que a escola deve ser laica – sem controle ou influên- Godoy, doutor em História Social pela Pontifícia Universidade cia de nenhuma religião –, a inserção da fé no espaço educacio- Católica de São Paulo (PUC-SP), é esse viés, mais autoritário do nal vem ganhando terreno nos últimos anos. O Decreto federal que pedagógico, disfarçado de proposta de “educação neutra”, o 7.107, de 2010, determina que o ensino religioso “católico e de que move os defensores do Escola sem Partido. outras confissões religiosas” deve ser constituído como “disciNo entanto, avalia Godoy, esse movimento contemporâneo plina dos horários normais das escolas públicas de ensino fun- tende a ser mais autoritário. Durante a ditadura, embora houdamental”. O Projeto de Lei 309, de 2011, do deputado Marco vesse cartilhas e vigilância, os docentes não eram pressionaFeliciano (PSC-SP), impõe o ensino religioso como “disciplina dos a ensinar desta ou daquela maneira. “Há um retrocesso se obrigatória nos currículos escolares do ensino fundamental” e voltando contra os conteúdos. Viver em uma democracia com práticas autoritárias acaba com o debate de ideias e com a próregulamenta o exercício da docência desse conteúdo. A Constituição contempla o ensino religioso desde 1988. O tema pria democracia”, afirma. Fechada para o debate, esvaziada de conteúdo crítico e sem foi reafirmado na LDB, de 1996. Atualmente, está sendo incluído como conteúdo dos nove anos do ensino fundamental na propos- conflitar com convicções morais ou religiosas, a escola pode ta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) também se tornar incapaz de funcionar como ferramenta civilizatória contra a discrimi– em discussão no Ministério da Educação. Filosofia e Sociologia ficarão relegadas ao ensino nação. A professora Rosilene Corrêa de Lima médio. Esse processo pode estar relacionado aos alerta que, com o educador proibido de afrontar as convicções religiosas ou morais dos aluobjetivos do Escola sem Partido, na avaliação do nos ou de seus pais, conflitos entre estudantes doutor em Educação Luiz Antônio Cunha, professor emérito da Universidade Federal do Rio devem se agravar. de Janeiro (UFRJ). “Se um aluno homossexual ou de uma religião não cristã for discriminado por outro, de “Escola sem Partido é uma perna de um projeto mais amplo. Não basta calar, é preciso colovisão adversa, o professor não poderá intervir. car algo no lugar. Quem mais está agindo para Pois estaria questionando valores religiosos. educar dentro da escola pública, nessa persNa prática, o Escola sem Partido vai liquidar pectiva que se evite o pensamento crítico? São os avanços em direitos humanos que tivemos aqueles grupos que pretendem desenvolver nos últimos anos”, afirma Rosilene, que é direAÍ PODE? O liberal Adam tora do Sindicato dos Professores do Distrito o ensino religioso”, afirma Cunha. Para ele, o Smith, criador do “conceito Federal (Sinpro-DF). maior objetivo dessa proposta é o esvaziamen- de mão invisível do mercado” WIKIPÉDIA
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A que interessa?
A proposta Escola sem Partido, segundo os especialistas, serve também para encobrir temas importantes da educação que estão em debate atualmente. Ao menos dois projetos com impactos significativos à área estão em discussão. Um é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241. O projeto busca limitar ao reajuste inflacionário a evolução dos recursos públicos para gastos sociais. “Isso significa que não vai ter dinheiro novo. Sem isso não vai dar para fazer nada do que precisa ser feito na educação e não vai dar para cumprir o Plano Nacional da Educação. A partir de 2017, nenhuma escola pública vai ser construída, nenhum professor vai poder ter ganho real de salário”, diz Daniel Cara.
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O que se quer é ter somente uma versão da história, uma única visão do mundo
O segundo tema, alerta ele, é a BNCC, em discussão no Ministério da Educação, com pouco acompanhamento da sociedade, exceto por organizações e empresários da área. “Em vez de debatermos essas questões estamos fazendo um debate sobre algo que, honestamente, não tem nenhum sentido pedagógico.” Além disso, o endosso ao projeto por parlamentares de partidos conservadores tem sido visto, pelos estudantes, como uma resposta às recentes mobilizações, em várias partes do país, contra projetos de concessão da educação à iniciativa privada (como o de Marconi Perillo, em Goiás), de reorganização escolar (como o de Geraldo Alckmin, em São Paulo) e mesmo contra as mobilizações por melhorias estruturais e salariais. “Querem eliminar toda a organização social que hoje está fazendo com que professores entrem em greve, que estudantes ocupem, fechem e paralisem escolas, que protestem. O Escola sem Partido é só um ponto de partida, um AI-5 da educação (referência ao Ato Institucional Nº 5, que iniciou o período mais violento da ditadura)”, diz a presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Camila Lanes. O projeto conquistou a antipatia de empresários do setor. Um manifesto conjunto de tradicionais colégios particulares de São Paulo, entre os quais Mackenzie, Santa Cruz, Vera Cruz e Bandeirantes, defendeu que o Escola sem Partido pode “cercear e até inviabilizar o trabalho pedagógico”. Em 14 de julho, foi lançada no Rio a Frente Nacional contra o projeto Escola sem Partido, reunindo professores, estudantes, sindicatos, movimentos sociais, associações de classe e partidos políticos. A ideia é pressionar parlamentares e mobilizar a sociedade para garantir o livre exercício de um direito universal: a educação.
Padrões de conduta O movimento Escola sem Partido divulga um “anteprojeto” de lei estadual com suas diretrizes (abaixo). Genérico, o texto veda práticas que comprometam “o natural desenvolvimento da personalidade” dos alunos, enfatizando “postulados da
ideologia de gênero”. A proibição se amplia a tentativas de “doutrinação política e ideológica” e atividades “de cunho religioso ou moral” conflitantes com as convicções dos pais ou responsáveis pelos estudantes.
Anteprojeto de Lei Estadual e minuta de justificativa Art. 1º... VII - direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções. Parágrafo único. O Poder Público não se imiscuirá na orientação sexual dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer ou direcionar o natural desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da ideologia de gênero. Art. 2º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades de cunho religioso ou moral que possam estar em conflito com as convicções dos pais ou responsáveis pelos estudantes. Art. 6º. As reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei serão dirigidas, sob garantia de anonimato, à Secretaria de Educação, e encaminhadas, sob pena de responsabilidade, ao órgão do Ministério Público incumbido da defesa dos interesses da criança e do adolescente. Justificativa É fato notório que professores e autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas; e para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis. 36
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O mundo inviável sob a pax americana O predomínio dos interesses norte-americanos – que tentam avançar sobre o Brasil e a América Latina – trouxe ao mundo mais guerras, recessão, terrorismo e desigualdade
MATHIEU DELMESTRE/ PARTI SOCIALISTE
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erminada a Guerra Fria, os Estados Unidos puderam impor sua ordem ao mundo. O que deveria ser uma época da pax americana virou uma nova era de convulsões, tanto econômicas como bélicas. Sem o campo soviético, os Estados Unidos puderam impor sua hegemonia, mas o que surgiu foi um mundo de guerras, terrorismo e violência ainda maiores. O neoliberalismo foi globalizado e se estendeu por praticamente o mundo inteiro. Em vez de retomar o crescimento, a economia internacional entrou no mais longo e profundo ciclo recessivo da sua história, desde 2008, sem prazo para terminar. A ordem norte-americana se impôs no mundo, e o que se estendeu não foi a paz, mas as mais distintas formas de guerra, o aprofundamento de conflitos bélicos e seu surgimento em zonas onde antes não existiam. O Oriente Médio só viu multiplicar as áreas de guerra, nenhum conflito foi resolvido, os Estados Unidos não conseguiram sequer sair do Iraque e do Afeganistão, e passaram a atuar na Síria. O mundo se tornou mais recessivo economicamente e mais violento politicamente. É esse o resultado da paz americana. Na América Latina, o aliado histórico de Washington, o México, é a maior tragédia do continente. Foi dos poucos países cuja situação social não melhorou. O narcotráfico devasta o país, corredor de chegada das drogas ao território norte-americano. Os governos se sucedem com desgaste e desprestígio. O balanço dos 20 anos de tratado de livre comércio com Estados Unidos e Canadá só trouxe benefícios para os vizinhos do norte – o México só perdeu. A América Central se sente abandonada, igualmente devastada pelo corredor das drogas. O “império” perdeu qualquer capacidade de direção política do mundo, apesar de ser a única potência global, que tem interesses – ou os cria – em qualquer região do mundo. Sua inquestionável superioridade militar não se traduz em forca política. Sua economia perde cada vez mais dinamismo e
mergulha no longo ciclo recessivo. As forças que apontam para um futuro distinto são outras, com os Brics em primeiro lugar, em escala mundial, e os processos de integração regional na América Latina em segundo. São forças de resistência à pax americana, fundadas na cooperação, na retomada do desenvolvimento, no combate às desigualdades, na solução negociada dos conflitos internacionais. O Brasil estava plenamente alinhado com essas forças, até o golpe. Caso este se consolide, estará vinculado às forcas mais conservadoras do mundo, na América Latina e no plano internacional. Será mais conveniente a essa política a vitória de Donald Trump, como teria sido a dos golpistas na Turquia e das forças que intensificam os conflitos bélicos, em vez de buscar o diálogo e a paz. A pax americana trouxe mais guerras e mais recessão, mais terrorismo e mais desigualdade. E quer se instalar de modo mais intenso no Brasil, que caminharia na contramão nas necessidades do planeta. A construção de um mundo multipolar é o caminho da paz e do desenvolvimento com direitos sociais.
EFEITO COLATERAL Franceses fazem homenagem a mortos em ações terroristas: aliança com Estados Unidos no “combate ao terror” tem preço alto
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a impecável e novíssima pista de atletismo do Centro Paralímpico Brasileiro (CPB), localizado no Parque Estadual Fontes do Ipiranga, zona sul paulistana, eles estão orgulhosos. Preparam-se todos para um objetivo dos mais elevados: o Brasil trabalha para ficar entre os cinco países melhor posicionados do quadro de medalhas dos Jogos Paralímpicos do Rio, evento que sucede a competição em andamento neste agosto. Delírio? Em Atenas-2004, o Brasil ficou em 24º lugar. Foi o ano em que os brasileiros viram as competições ao vivo pela TV e “descobriram” os atletas cuja deficiência não os desanima de competir para ganhar e representar o seu país. Quatro anos depois, subiu 38
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para a 14ª posição. Em Londres-2012, a 9ª. A meta de 2016, portanto, não parece tão ousada diante dessa evolução. É certo que a Olimpíada vai bombardear os telespectadores de imagens gloriosas e reportagens a realçar façanhas de atletas de todo o mundo. Encerrado o evento, em 21 de agosto, uma pequena pausa e começa o outro espetáculo, de 7 a 18 de setembro. É a vida continuando em grande estilo mesmo após um acidente de moto, um AVC, uma lesão na coluna vertebral, uma perda parcial ou total da visão. Esses atletas lutam sorrindo, sabem mais do que ninguém o valor de um incentivo e não têm pena de si mesmos. Quem já assistiu a uma competição não esquece o grito: “Vai lá, vai lá, vai lá! Vai lá de coração! Vamos
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encer “Vai lá de coração! Vamos sem braço, vamos sem perna. Vamos ser campeão!” Sem dó dos adversários nem de si, atletas paralímpicos sabem que o importante é competir, mas não entram para perder
MARCIO RODRIGUES/MPIX/CPB
ELA CORRE, ELA SALTA Silvânia e seu guia Wendel: no Rio, vai disputar também a corrida de revezamento 4x100m
WASHINGTON ALVES/MPIX/CPB
Por Alessandro Lucchetti
sem braço, vamos sem perna. Vamos ser campeão!”. Amputado dos joelhos para baixo com 21 dias de vida, devido a uma malformação congênita, Alan Fonteles aparafusa suas próteses da marca islandesa Össur sentado em um canto da pista. O trabalho consome quase 20 minutos. No treino após dar um “tiro” (arrancar), o homem que ficou conhecido mundialmente ao bater o astro sul-africano Oscar Pistorius, na final paralímpica dos 200 metros da classe T44 de 2012, cai. Sua prótese direita simplesmente quebra, espalhando carbono esfarelado pela pista. “Nunca isso aconteceu antes comigo, e não vi acontecer com ninguém”, diz o paraense de 24 anos. Hoje, Pistorius está aprisionado, acusado de assassinar a modelo Reeva Steenkamp, sua namorada. Um vídeo em que joga bola numa penitenciária na África do Sul ficou famoso. Outro adversário com potencial, o norte-americano Richard Browne, desistiu da disputa. Vice-campeão olímpico na classe T44 (amputação de uma perna ou limitação similar), nos 200m, e recordista mundial, ele anunciou que não está preparado para “competir no nível em que está acostumado”. Há quem desconfie da justificativa e suspeite de doping, uma praga que penetrou também o inspirador mundo do esporte paralímpico. Até 2008, Fonteles usava uma prótese de madeira, que o machucava bastante e não dava retorno, não devolvia a energia cinética para fazê-lo correr mais. No ciclo que se estendeu até Londres, e até o “ano sabático” que tirou em 2014, teve apoio federal e do Time São Paulo, uma bolsa-atleta estadual, além de outros patrocínios. Os anunciantes descobriram que faz bem vincular suas imagens a atletas paralímpicos consagrados. Dá um tom de humanidade a empresas que por vezes cobram altas taxas e têm número elevado de queixas em órgãos de defesa do consumidor. O período de descanso custou a Fonteles o apoio paulista, mas os que lhe restam, que incluem o da própria Össur, são suficientes para levar uma vida confortável. Com tranquilidade, ele promete espetáculo. “Vamos lá mostrar o nosso trabalho. E vai ser tão bonito que as pessoas não vão nem enxergar as deficiências. Elas vão ver o show.”
Cega voadora
Enquanto ele fala, Silvânia Costa, de 29 anos, se prepara para o salto em distância, na mesma pista do CPB onde bateu o recorde mundial da prova, na categoria T11 (cego total), em 26 de junho. E voltou a superar sua própria marca em 17 de julho, também numa etapa do Circuito Loterias Caixa de Atletismo e Natação. A sul-mato-grossense registra 5,46 metros, avançando 12 centímetros em relação ao salto seu anterior e 25 além da marca estabelecida pela espanhola Purificación Ortiz, que sustentou o recorde desde 1997. O quadro é esse até o fechamento desta edição, mas a cega voadora do Centro-Oeste está em plena evolução. Silvânia, que tem uma mancha no nervo ótico, chamada na literatura médica de stargate, ingressou no mundo do atletismo pelas corridas de rua. Gostava de correr em torno da Lagoa Maior de sua cidade, Três Lagoas, dando voltas num circuito de 2.800 metros. REVISTA DO BRASIL
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O CAMPEÃO Fonteles: “Vai ser tão bonito que as pessoas não vão nem enxergar as deficiências. Elas vão ver o show”
BUDA MENDES/CPB
Tinha, então, apenas 5% de visão. “Eu enxergava vultos e, para me orientar, seguia outro corredor. Às vezes caía e me machucava, mas sempre gostei muito de correr”, conta. De um amigo, ouviu uma dica: haveria uma prova de 10 quilômetros com premiação de R$ 300, a Corrida do Verde. Aos 20 anos, ela já era mãe de uma menina de 2. Com o prêmio, poderia pagar o leiteiro por três meses. Correu, ganhou e pagou. “Mas as mesmas contas chegavam nos meses seguintes”, atesta. Animada com aquela forma de conseguir dinheiro, foi se testar na Corrida de Reis, com premiação de R$ 500, em Campo Grande. O resultado? Quase cinco meses de leiteiro garantidos, deduzidos os custos de viagem – que Silvânia reduzia dormindo nas estações rodoviárias. As performances chamaram a atenção do treinador Ricardo Itacarambi, da Associação dos Cegos de Cuiabá. Com tanto potencial, ganhou apoio da prefeitura de Três Lagoas e foi encaminhada para treinar em São Caetano do Sul, no ABC paulista. Diversos testes revelaram maior aptidão para o salto e corridas de velocidade, mas ela chegou a ser recordista brasileira até no arremesso de peso. No Rio, vai disputar também a corrida de revezamento 4x100m. No salto, Silvânia precisa lidar com a sensação do voo cego. “Existe uma técnica para a gente contrair a musculatura e ficar mais tempo no ar, alongando o salto. Mas o cego não sabe a altura em que se encontra. Por não saber, o corpo da gente se protege e dá uma trancada. É necessário trabalhar psicologicamente para aproveitar todo o potencial do salto”, explica. Quando aprender, quanto conseguirá voar? Um de seus admiradores é seu guia na prova de 4x100m. O brasiliense Wendel Souza Silva, aos 24 anos, ainda sonha com resultados no atletismo convencional. Sua prova são os 400m. Alcançou a final do Campeonato Brasileiro Sub-23, mas ainda não está no nível para alcançar índice olímpico. Enquanto isso, se mostra feliz como guia, inclusive financeiramente. “O apoio,
para um atleta do meu nível, é maior no esporte paralímpico do que no olímpico. Aqui tenho médico, massagista, fisiologista, nutricionista, fisioterapeuta e treinador. Torço para que o apoio paralímpico continue assim depois dos Jogos. Enquanto isso, vou fazendo meu pé de meia.” Sorridente e de fácil trato (não é o caso de todos os guias, que
Garra sobre rodas Não muito distante do centro paralímpico, no bairro da Saúde, também na zona sul paulistana, fica a Confederação Brasileira de Vôlei Sentado. Alto, Amauri Ribeiro está em pé, e olha o mundo lá de cima. É o único integrante de duas gerações famosas do vôlei convencional: a de prata (vice do Mundial de 1982 e dos Jogos Olímpicos de 1984) e a de ouro (campeão olímpico de 1992). O central revelado no Clube Atlético Ypiranga tira sua remuneração de aulas de educação física que ministra numa universidade e dá clínicas de vôlei em 40
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resorts, hotéis e cruzeiros. Sua atividade de dirigente não é remunerada. Isso não significa que seja um trabalho realizado amadoristicamente, no sentido pejorativo do termo. “Eu me sinto gratificado por este trabalho. Estamos vivenciando o crescimento de um esporte novo no Brasil. O que faltava para nós era estruturar as comissões técnicas e dar um bom nível de treinamento às seleções. Felizmente, estamos conseguindo.” Amauri considera o vôlei sentado tão desconhecido no Brasil como era o vôlei convencional nos anos 1970. Ele estima que
não haja muito mais do que 500 atletas da modalidade que abraçou no país – menos popular do que sua maior concorrente em quadras, o basquete em cadeira de rodas. O esporte passou a ser praticado de forma mais séria em 2000. Mesmo com essa base enxuta, o Brasil já é vice-campeão mundial. Na final, em 2014, a Bósnia se saiu melhor. Na semifinal, os brasileiros demonstraram ter elevado seu nível ao superar a potência histórica Irã, dono de cinco medalhas de ouro em sete edições dos Jogos Paralímpicos. Cada país encontra seus jogadores em passagens
tristes de sua trajetória: a Bósnia os arregimenta entre mutilados na guerra dos Bálcãs. O Irã já tem duas gerações: despontou com veteranos do conflito com o Iraque (1980-1988) e a renovou com vítimas de surtos de poliomielite procedentes do Irã e do Paquistão. O vôlei sentado brasileiro, bem como outras modalidades paralímpicas, absorve acidentados que se deslocavam em motocicletas e carros em centros urbanos malucos. Segundo Amauri, 80% de seus pupilos são provenientes dessa tragédia. O grande desafio, segundo o
ESPORTE
JONNE RORIZ/MPIX/CPB
NINGUÉM SEGURA Verônica já tem o título mundial nos 200m rasos da classe T38
DESAFIO Amauri: “Estamos vivenciando o crescimento de um esporte novo no Brasil”
pletar 20 anos, já tem o título mundial nos 200m rasos da classe T38 (limitação por paralisia cerebral), conquistado há quase quatro anos. É difícil perceber qual seria a limitação da velocista. Verônica sofreu um AVC que deixou sua mão direita eternamente meio fechada. Vaidosa, disfarça carregando sempre um celular, quando não está treinando.
DIVULGAÇÃO/CBVD
às vezes se desmotivam e brigam com os atletas), Wendel quer ver Silvânia brilhar, tanto no salto como nas provas de velocidade. “Ela é a razão para eu acordar todos os dias às 6 da manhã para treinar. Cada um desses atletas é uma verdadeira lição de vida”, diz. Uma dessas lições de vida anda apressada pela lateral da pista. Verônica Hipólito parece estar sempre sorrindo. Prestes a com-
antigo meio de rede da Pirelli, é incutir nesses jogadores – com pequeno histórico de prática esportiva antes do acidente, na maior parte dos casos – a necessidade de se disciplinar e ser assíduo aos treinos. O Brasil ganha força no esporte graças a uma peculiaridade da regra: permite-se a participação de um atleta em quadra e de um reserva que não sejam cadeirantes ou amputados. Atletas que passaram por muitas cirurgias de joelho, por exemplo, ou com problemas ligamentares, tornam-se elegíveis. Enquadram-se assim Anderson Ribas, dono
de dois títulos da Superliga, e Fred Doria, que usou a coroa de “Rei da Praia”, tradicional prêmio oferecido num popular evento do vôlei de praia. A comissão técnica também é forte: é encabeçada por Fernando Guimarães, irmão do consagrado José Roberto Guimarães, técnico de Amauri em 1992 e bicampeão olímpico, depois, no comando da seleção feminina. Não faltam histórias edificantes nos Jogos Paralímpicos. Seria uma pena se não lhes dessem a devida atenção. Mas os atletas não se lamentam por isso. Nem por isso, nem por nada. REVISTA DO BRASIL
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MÚSICA FOTOS MELISSA WARWICK
ENCANTAMENTO Alisson Coutto: “A gente encontra problemas, como o rio seco, que são graves, mas também uma tranquilidade e uma felicidade em um modo de vida que chega até a surpreender”
Sons do Velho Chico Orquestra faz expedição por comunidades ribeirinhas do Rio São Francisco para captar sons, imagens e histórias inspiradoras do próximo álbum Por Xandra Stefanel
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uzes e fitas coloridas enfeitavam a embarcação que leva o nome de música brasileira: Bossa Nova. Conduzida pelo septuagenário comandante Seu Bossa, a nau foi casa e transporte da banda sergipana Coutto Orchestra durante 20 dias. Entre março e abril, o grupo percorreu 42
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24 comunidades ribeirinhas do Rio São Francisco, entre Sergipe e Alagoas, em busca de inspiração e de referências sonoras e visuais para a produção de seu segundo disco, Voga (Natura Musical), a ser lançado entre agosto e setembro. Autointituladomicro-bigband,ogrupo formado em 2010 mistura ritmos tradi-
cionais e referências sertanistas, como o maracatu de brejão, a taieira e o forró, com os gêneros musicais do mundo e elementos eletrônicos. Segundo o criador da banda, Alisson Coutto, o projeto Voga nasceu como um contraponto ao primeiro disco, Eletro Fun Farra, que apresentava um diálogo das culturas de Sergipe com o mundo. “Tem um provérbio que diz: ‘Antes de conquistar o mundo, dê três voltas dentro do seu quarto’. Eu já tinha passado por esses lugares trabalhando com produção cultural ou como músico”, conta Alisson. “Daí, eu apresentei a ideia para a banda, e a gente começou a mapear a quantidade de diversidade e de elementos estéticos que existia à beira do Rio São Francisco para poder trazer esses elementos e ressignificá-los dentro
MÚSICA
da nossa composição. Não deixa de ter um diálogo com o mundo, mas a gente observou que tinha mais elemento na ‘nossa casa’ do que a gente imaginava. Elementos que vão além do som: são estéticos, visuais, referências para o figurino e para o palco.” Voga é o movimento ritmado das remadas das embarcações, mas também significa moda nova ou o que está em evidência. É exatamente um Nordeste contemporâneo que a banda quer apresentar ao público. “Resolvemos nos voltar ainda mais para dentro de Sergipe, para um lado B na beira do São Francisco, não muito visto nem muito turístico, para tentar puxar elementos imagéticos para compor”, diz o músico. “É um Nordeste essencialmente estranho a ele mesmo. Para quem não tem
uma vivência tão próxima com a cultura ribeirinha, é um encontro essencialmente estranho. A gente encontra problemas, como o rio seco, que são graves, mas também uma tranquilidade e uma felicidade em um modo de vida que chega até a surpreender”, ressalta.
Riqueza ribeirinha
Composto por Alisson (trombone, controladoras e vocais), Vinícius Bigjohn (sanfona e percussão), Rafael Ramos (baixo e piano) e Fabinho Espinhaço (bateria), o grupo passou pelas cidades de Aracaju, Poço Redondo, Porto da Folha, Canindé do São Francisco, Neópolis e Brejo Grande, em Sergipe, e Piranhas e Pão de Açuçar, em Alagoas. A experiência foi vivida intensamente pelas 15 pessoas embarcadas no Bossa Nova, entre
elas profissionais de foto, vídeo, áudio, figurino e produtores. Pelo caminho, o grupo deparou com uma diversidade muito maior do que os integrantes da banda e a tripulação esperavam. “Em Porto da Folha, por exemplo, a gente encontrou uma diversidade étnica gigante. No mesmo local tinha ciganos, vaqueiros, galícios – holandeses com portugueses –, índios e negros, do (quilombo) Mocambo. Tudo isso em uma região muito próxima e com uma diversidade e uma identidade cultural muito forte”, lembra Alisson. Nada passava despercebido dos músicos. Os ensinamentos locais, as histórias, as tradições, os ritos, as danças e, é claro, os mais diferentes tipos de música e sons foram registrados e ressignificados no estúdio montado na embarcação: repentes, badalos de bode, canto de lavadeiras, rezadeiras, aboios de vaqueiro. Até o barulho do barco e do vento na vela serviram de inspiração. “O processo de composição é muito delicado. Tinha a referência do clima, mas também tinha elementos práticos mesmo: pegava o som do motor do barco – pó-pó-pó-pó-pó-pó... – e ia mudando a afinação, ajustando até transformar no contrabaixo da banda. Como é uma banda que não tem baixista, é o motor do barco que vira o baixo em algumas músicas”, conta Alisson. “Ou então, o barulho do vento, que era transformado em elementos de efeito. Ou ainda as rezas – tinha povoados que a gente encontrou o pessoal rezando ou fazendo cantos em latim… Os instrumentos também. Os tambores das bandas de pífano, a gente gravava um por um, inseria efeitos e elementos. Você não consegue reconhecer que é um tambor de uma banda de pífano e acha que é algo de música eletrônica.” Quase toda a viagem foi registrada em uma espécie de diário de bordo, disponível no site da Coutto Orquestra e em seu canal no YouTube. Os vídeos trazem relatos da experiência dos encontros da banda com as comunidades tradicionais, os sentimentos provocados e os bastidores da expedição – que, além do disco, deve virar documentário e exposição fotográfica. REVISTA DO BRASIL
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Carlos caminha na terra
DO VENTO Andança por cidade mineira desvenda obra poética de Drummond Por Vitor Nuzzi
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“A
JOSE ANTONIO BRAGA BARROS
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s pedras caminhavam pela estrada/ (...) O enigma tende a paralisar o mundo.” Os versos de Enigma são os primeiros a serem recitados em uma manhã de sol em Paraisópolis, sul de Minas Gerais, na sexta edição da Caminhada Poética realizada naquele município, a 500 quilômetros de Itabira, terra natal de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), o personagem do evento. Tinha um Drummond no Meio do Caminho – referência a um de seus poemas mais famosos, escrito em 1924 – surgiu da iniciativa de um professor aposentado. A ideia foi inspirada em um outro encontro anual, dedicado a Guimarães Rosa. Neste ano, atraiu 200 pessoas para uma caminhada de três horas, entremeada com versos do itabirano, recitados por um grupo de teatro amador. Na divisa de Minas com São Paulo, na região de Itajubá e Pouso Alegre, Paraisópolis é uma daquelas cidades mineiras com ladeiras por toda a parte, entre as montanhas. Fica ali o Pico do Machadão, com aproximadamente 1.800 metros de altitude, um concorrido ponto de voo livre, e a represa de Brejo Grande, com o lago artificial mais alto do país (1.400 metros). É conhecida também pelos ventos – em 1827, chegou a ter o nome de São José da Ventania. Tornado município em 1874, tem a denominação atual desde 1914. E fica bem mais perto de São Paulo (220 quilômetros) do que de Belo Horizonte (440 quilômetros). Como parte do “caminho da fé”, também é rota de peregrinos. No fim de semana da caminhada, em 3 de julho, o ar estava calmo. “O vento tem seu próprio calendário, na semana anterior estava de arrasar”, conta o professor José Antonio Braga Barros, 61 anos, criador do evento sobre Drummond. “Uma senhora nos contou que, na juventude delas, as moças colocavam chumbinhos nas barras das saias para ir para as ruas e não correr o risco de ver suas roupas subindo.” É também um bom impulso para os praticantes de asa-delta e parapente, que Braga chama de voadores: “Eles nos falam que perto do Machadão o vento forma um colchão de ar, deixando-os mais tempo circulando no ar”.
CALMARIA Duzentas pessoas se juntam para caminhar e escutar poemas: três horas e dez paradas
Ai, como morrem as casas! Como se deixam morrer! E descascadas e secas, Ei-las sumindo-se no ar. (Morte das casas de Ouro Preto) Admiradordospoetasconcretistase,obviamente,deDrummond, Braga não dava aula de literatura, como poderia se supor. Lecionava História e Geografia no ensino público em São José dos Campos, interior paulista, até se aposentar e voltar para sua Paraisópolis, morando a poucas quadras da Praça Getúlio Vargas, onde fica a Igreja Matriz de São José. O fim da atividade profissional não interrompeu sua inquietude. Estudou Comunicação e passou a editar jornais, como o atual, O Vento – referência aos ares movimentados da cidade –, mensal. “De esquerda”, assinala. Com tiragem de 2.500 exemplares e distribuição gratuita, a 23ª edição saiu em julho. Cinco anos atrás, o técnico em Mecânica Pedro Antônio REVISTA DO BRASIL
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ândido, funcionário do Instituto Nacional de Pesquisas EsC paciais (Inpe), em São José dos Campos, conheceu a Semana Roseana, em Cordisburgo (MG), onde nasceu o autor de Grande Sertão: Veredas, obra que está completando 60 anos. Pedro voltou entusiasmado com o que viu e contou ao amigo Braga. Da conversa sobre Guimarães Rosa começou a nascer a ideia de um evento dedicado a Drummond. A palavra oscila no espaço um momento. Eis que, sibilino, entre as aparências sem rumo, responde o poeta: Ao meu destino. (O Chamado) “Sabíamos que era a cara dele”, diz Pedro. “Ficamos conversando até tarde da noite, vendo as fotos e filmes que fizemos da Caminhada Ecoliterária de Cordisburgo e sobre a Semana Roseana. Naquela noite mesmo o Braga já começou a ‘maquinar’ na cabeça dele.” No ano seguinte, o professor foi conferir o evento na terra de Guimarães – e já organizou a primeira caminhada. Pedro e sua companheira, Nádia, participaram das seis edições da caminhada poética – neste ano, levaram uma das filhas, Siman. E é presença frequente em Cordisburgo e eventos similares, inclusive em São José. “Acho muito importantes todas as atividades que valorizem a cultura brasileira. É uma maneira de observar nossa verdadeira identidade e aprender muito com ela. É através da cultura que conquistamos a verdadeira cidadania de nosso povo.” O formato é mais simples. Durante aproximadamente três horas, no domingo pela manhã, depois de um “café na roça”, os participantes fazem um trajeto de 4,5 quilômetros na área rural, com dez paradas. Em cada uma, vestidos com trajes de época, os integrantes do Grupo de Teatro Toque de Arte recitam poemas. Braga viu a trupe durante apresentação em uma praça e fez o convite. A princípio, houve certa resistência. “Foi um susto pra gente. Para nós era tudo novo. Mas todo mundo se apaixonou por Drummond”, diz, durante um intervalo da caminhada, o diretor do Toque de Arte, Gerson Raimundo Silva, o “Drummond”. O que ontem disparava, desbordado alazão, hoje se paralisa em esfinge de mármore, e até o sono, o sono que era grato e era absurdo, é um dormir acordado numa planície grave (Carta) O grupo surgiu há 12 anos, depois da realização de uma semana interna de prevenção de acidentes de trabalho (Sipat) na agroindústria onde Gerson é gerente de produção agrícola – uma das tarefas era encenar uma peça. “Gostamos tanto que resolvemos formar um grupo. A gente prima por autores brasileiros”, conta o diretor, enquanto os participantes da caminhada aproveitam o 46
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descanso para comer frutas e tomar água, no sítio de um morador. Eles decidiram partir para o humor – Gerson e outros fizeram curso de palhaçaria clássica. Depois de Drummond, a poesia passou a fazer parte do trabalho, com serestas pelas ruas da cidade. “Quem sabe a gente consegue estimular as pessoas”, diz. A próxima seresta será em 25 de setembro. São 15 pessoas envolvidas no grupo, de diversas idades – a mais nova é Maria Isabel Maciel, de 10 anos. Nas caminhadas, os livros de Carlos Drummond de Andrade são lidos em ordem cronológica. Agora, por exemplo, foi a vez de Novos Poemas (1948) e Claro Enigma (1951) – o primeiro a ser publicado foi Alguma Poesia, em 1930. Ele mesmo autor de um livro de poesia (Minhas Gerais), Braga afirma não ter um preferido, mas revela afeição por Menino Antigo, de 1973, em que Drummond, já com 71 anos, fala da infância e da adolescência. A caminhada se aproxima do final, pouco depois de a declamação de um poema dedicado a Federico García Lorca (“para sempre viverão os poetas martirizados”) emocionar o grupo. No céu claro, avistam-se quase duas dezenas de paragliders e vários urubus. Presente pelo segundo ano, o poeta e ex-administrador de empresas Moacir Zaratin toca Rio de Lágrimas na gaita, lembrando de sua terra, Piracicaba. Durante todo o percurso, a cada reinício, também tocará um berrante. Mostra agilidade para os seus 74 anos – uma pessoa com seu gênio, conta, não consegue parar. A última parada é em uma porteira, de onde Braga vai agradecer aos participantes, lembrando que se trata de um trabalho voluntário. A próxima será em 2 de julho. No ano que vem, quando se completarão 30 anos da morte do poeta, será a vez de Viola de Bolso (1952) e Fazendeiro do Ar (1954).
FACEBOOK/JOSE ANTONIO BRAGA BARROS
POESIA NO MATO Criado há 12 anos, Grupo de Teatro Toque de Arte reúne integrantes para declamar
DIVULGAÇÃO
JOSE ANTONIO BRAGA BARROS
INSPIRAÇÃO O professor Braga criou o evento depois de conhecer semana dedicada a Guimarães Rosa
BERRANTE E GAITA Zaratin, 74 anos, participou pela segunda vez da caminhada. “Não tem como parar”
O compositor Jean Garfunkel sobe ao palco da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, e começa a leitura de O Peru de Natal, texto do “anfitrião”. Em seguida, com a filha Joana toca Véspera de Natal, de Adoniran Barbosa. É mais um evento do Projeto Canto Livro, criado há dez anos, que promove encontros entre textos de um autor e canções identificadas com aquele universo. Começou com Guimarães Rosa, resultando no espetáculo O Sertão na Canção. “Você tira o livro da estante e leva para o palco, sensibiliza o público, tem um resultado muito interessante no que tange ao incentivo à leitura”, diz Jean. “Somos um povo cantante, mas não somos povo leitor, nem letrado.” Segundo ele, a ideia é redescobrir o prazer da leitura a partir de algo que se chama literatura comparada, “é mostrar como a literatura conversa com a canção”. Para o cantor e compositor – presente na cena musical desde os anos 1980, em parceria com o irmão Paulo –, o Brasil é um país “oral”, com tradição de contação de “causos”. “Mas hoje se vê muito e se ouve pouco, e as pessoas têm saudades de ouvir histórias.” O Canto Livro tem atualmente 35 shows temáticos, entre assuntos e autores, como
SERGIO CADDAH
Encontro de livro e canção
HISTÓRIA CANTADA Jean Garfunkel: a literatura conversa com a canção
Guimarães, Jorge Amado, Machado de Assis, Clarice Lispector, Manuel Bandeira, Adélia Prado, Drummond, Manoel de Barros, além de estrangeiros como Gabriel García Márquez e Isabel Allende. Jean e Joana, que assinam todos os roteiros, não musicam textos – o desafio é procurar canções. “Tem canção sobre qualquer assunto. A canção brasileira está subaproveitada no país.” No caso de Mário de Andrade (18931945), que pai e filha apresentaram em junho, ele conta que teve mais facilidade. “Peguei esse universo paulista que também tenho. O Mário é um escritor tão bom que
o difícil é cortar. É um avatar da nossa cultura”, diz Jean, que emenda Quando eu Morrer quero Ficar – em que o poeta cita cenários paulistanos, como a Rua Aurora, o Largo do Paissandu, a Rua Lopes Chaves (onde morou e agora está a oficina cultural com seu nome), o Pátio do Colégio – com sua composição Avenida São João. Ele também interpreta Viola Quebrada, de Mário, e Valsa Paulistana, parceria de Jean com o maestro Júlio Medaglia. No dia da apresentação na biblioteca paulistana – como parte do projeto Imagens do Brasil Profundo, do professor Jair Marcatti –, quem cantou junto foi o ator Pascoal da Conceição, interpretando Mário de Andrade. No caso de Machado de Assis, uma das músicas escolhidas foi Quem Sabe, modinha de Carlos Gomes. “Parece que estão ouvindo uma música inédita”, diz Jean, lembrando que é uma obra de 1840. É um trabalho de garimpo. “Faço com muito prazer, porque me permite revisitar o cancioneiro brasileiro, que eu adoro.” O projeto inclui oficinas e apresentações em escolas e universidades. Ele pensa em projetos específicos. Cita Graciliano Ramos (“Já, já, a gente faz”), Érico Verissimo, Oswaldo de Andrade e autores mais contemporâneos. “Tem muita coisa para fazer”, diz Jean, de 60 anos. REVISTA DO BRASIL
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curtaessadica
Por Xandra Stefanel
Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar
Decifra-me ou devoro-te
FOTOS TUCA VIEIRA/DIVULGAÇÃO
Jardim Miranda D’Aviz, Mauá
A Casa da Imagem, unidade do Museu da Cidade de São Paulo voltada à fotografia, exibe até 16 de outubro a exposição Atlas Fotográfico da Cidade de São Paulo e Seus Arredores. Com 203 imagens feitas pelo fotógrafo paulistano Tuca Vieira, a mostra abarca a gigantesca diversidade territorial da capital paulista, registrada com uma câmera analógica de 4x5 polegadas. Tuca utilizou um antigo Guia 4 Rodas da cidade e captou uma foto para cada uma das 203 páginas do livro. O resultado é a imagem de uma cidade enigmática, cheia de peculiaridades e claramente impossível de decifrar. De terça a domingo, das 9h às 17h, na Rua Roberto Simonsen, 136-B, metrô Sé, São Paulo. Mais informações: (11) 3106-5122. Grátis.
A Boitempo Editorial traz às livrarias duas obras que abordam diferentes aspectos da sociedade brasileira. Gênero e Trabalho no Brasil e na França – Perspectivas Interseccionais (288 págs., R$ 58) reúne 23 artigos de mais de 30 pesquisadores evidenciando que, apesar do avanço nas conquistas das mulheres, ainda há pouco a ser comemorado. A obra faz uma profunda reflexão sobre diversas questões ligadas à desigualdade de gênero, mais especificamente nas complexas relações entre trabalho e políticas sociais. Também em forma de coletânea de artigos, Por que Gritamos Golpe? Para Entender o Impeachment e a Crise Política no Brasil (176 págs., R$ 15 e R$ 7,50 o e-book), reúne textos de pesquisadores, professores, ativistas, representantes de movimentos sociais, jornalistas e figuras políticas para debater as origens, as causas, os efeitos e as possíveis saídas para a atual crise brasileira. O livro organizado por Ivana Jinkings, Murilo Cleto e Kim Doria traz artigos inéditos de André Singer, Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Jandira Feghali, entre outros, além de charges de Laerte Coutinho e fotos do coletivo Mídia Ninja. 48
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INTERVENÇÕES PATRICIA GOUVÊA E ISABEL LÖFGREN/ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES
Gênero e crise
CURTAESSADICA
Vila Gustavo Correia, Carapicuíba
Cidade Tiradentes, SP
Centro, SP
Piraporinha, Diadema
Memória Maternidade e escravidão são os temas da exposição Mãe Preta, em cartaz até 15 de setembro na Galeria Pretos Novos de Arte Contemporânea, na Gamboa, no Rio de Janeiro. As artistas Isabel Löfgren e Patrícia Gouvêa partem de conhecidas imagens das amas de leite negras, registradas a partir do século 19, para traçar paralelos entre a condição social da maternidade durante a escravidão e as vozes das mulheres e mães negras nos dias atuais. Com curadoria de Marco Antonio Teobaldo, a mostra foi especialmente concebida para o Instituto Pretos Novos, localizado em um sítio arqueológico onde milhares de africanos escravizados foram enterrados. De terça a sexta-feira, das 13h às 19h, e aos sábados, das 10h às 13h, na Rua Pedro Ernesto, 32/34, Rio, (21) 2516-7089. Grátis.
Seres da mata Iara, Boitatá, Caipora, Saci e Curupira estão em crise porque caíram no esquecimento. Chateados com a falta de visitas na floresta, os seres da mata decidem seguir rumo à cidade para recuperar a fama e voltar a fazer parte do imaginário de crianças e adultos. Mas quando chegam, eles deparam com os problemas urbanos e têm de se adaptar à selva de pedras. Esta é a história de Quem Tem Medo de Curupira, um musical escrito pelo cantor maranhense Zeca Baleiro que acaba de virar livro pela Companhia das Letrinhas. Com ilustrações de Raul Aguiar, a obra de 80 páginas é voltada para crianças de 7 a 12 anos. R$ 35. REVISTA DO BRASIL
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No calor da resistência
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ossa democracia está ameaçada e não temos a quem recorrer. Não podemos confiar no Judiciário e a maior parte da mídia é corrupta e parcial. Ajude-nos, denunciando nossa situação em seu país.” A frase está impressa também em inglês. E estampa a ventarola que um grupo de oito mulheres produziu para distribuir ao público presente aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. A enfermeira aposentada Edva Aguilar, de São Paulo, conta que a ideia foi discutida entre integrantes de um coletivo intitulado Grupo Esquerda do Brasil, com atuação no WhatsApp e que reúne 8 mil pessoas no Facebook. “Fizemos uma campanha por meio do Face mesmo e conseguimos arrecadar R$ 3.700. Foi o suficiente para mandar fazer 10 mil ventarolas e ajudar a arcar com algumas despesas para despachar para o Rio e distribuir”, diz Edva. O grupo foi formado em março para discutir política e agregar pessoas descontentes com a situação de golpe. “E também dispostas a colocar a mão na massa”, acrescenta Lorena Maria Castro Fonseca, 34 anos, estudante de Serviço Social e servidora pública, 50
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LEQUE GANHOU AS RUAS DO RIO Edva: democracia ameaçada e denúncia mundial
moradora de Formiga (MG). Para elas, as mulheres estão fazendo a diferença e ocupando papel de destaque nos movimentos de resistência ao impeachment de Dilma Rousseff, um processo “que tem um forte componente machista”, observa Edva. Integram ainda o coletivo a trabalhadora autônoma Cláudia Lúcia, 47 anos, que mora em São Paulo, assim como a jornalista Vera Landioso; a administradora de empresas Alfa Linhares, 61 anos, de Ipatinga (MG); Rosana Donato, 50 anos, dona de casa – “Do lar, mas nem um pouco recatada” – e a educadora social Vânia Almeida Sotovani, ambas de Araraquara (SP); e a advogada Ana Cristina de Medeiros, de Volta Redonda (RJ). Às voltas com um problema de saúde, Ana Cristina lamenta não ter ido ao Rio no dia da abertura da Olimpíada, em 5 de agosto. E se diz triste pelo fato de que sua cidade, “que já foi de muita luta, anda muito paradona”. Ana dá aula de Filosofia em escola estadual em Volta Redonda e também é professora de educação infantil na cidade. “Bem na hora da ‘festa’ não pude ir. Mas estamos fazendo a nossa parte. O trabalhador, em geral, está muito desinformado, ou desanimado, ou conformado. Não pode! Temos que parar esse golpe. Temos de organizar a greve geral”, defende.
ENTRE OS MAIS ACESSADOS Pesquisa do jornal espanhol El Pais-Brasil sobre redes sociais e manifestações revela que “uma proporção muito grande”, conforme matéria publicada em 01/04/2016, de leitores de portais, acessou a Rede Brasil Atual, ao lado de Tico Santa Cruz, Socialista Morena, Leonardo Sakamoto, Duvivier, Boulos e O Tijolaço. Acesse você também notícias sobre o mundo do trabalho e da cidadania, na defesa da democracia e de um Brasil com crescimento econômico e inclusão social.
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