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ESSES MOÇOS. ESSAS MOÇAS Levante da Juventude acredita na força e enfrenta o leão

OCUPAÇÃO CAMBRIDGE Sem-teto, refugiados, cineastas em um prédio; ou uma cidade

nº 122 outubro/2016 www.redebrasilatual.com.br

QUE PAÍS SERÁ ESTE? Primeiro, rolo compressor da mídia e omissão do Judiciário fabricam injustiças e desacreditam a política. Depois levam seus direitos, seu emprego, sua saúde, a educação dos seus filhos, seu petróleo e a democracia


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ÍNDICE

EDITORIAL

6. Na Rede

Um balanço das eleições e outros destaques da RBA

12. Flávio Aguiar

Mãos Limpas deu em Berlusconi. Em que dará a Lava Jato? AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO (2001)

14. Santayana

A verdade é a maior vítima do atual surto de convicções

16. Comportamento O Levante da Juventude segue em frente e segura o rojão

22. Educação

Prolongar os efeitos do golpe passa pelo emburrecimento geral

Processo de sucatemento que quase afundou a Petrobras na era FHC voltou com força

24. Judiciário

A serviço de quem?

O STF e sua história de altos e baixos ante o Estado de exceção

30. Entrevista

O gigantesco e cobiçado Aquífero Guarani, na mira da privatização

36. Cultura

ANDRÉ CHERRI/CPV EDUCACIONAL/FLICKR/CC

Antonio e Bruno Fagundes, e uma peça para a posteridade

40. Perfil

A hilária timidez de Luis Fernando Verissimo

42. Cidadania

Cultura e direito à cidade pulsam na Ocupação Cambridge

Seções Marcio Pochmann

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Emir Sader

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Lalo Leal

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Curta essa dica

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ouco depois das eleições de 2 de outubro, circulou a informação de que a Polícia Federal quer parar com as delações na Lava Jato – a pretexto de não contaminar a legalidade da operação. Desde seu início, há mais de dois anos, 66 delatores tiveram punições reduzidas ou transformadas em prisão domiciliar para desfrutar com mais conforto da parte da fortuna que não tiveram de devolver. Apesar de o primeiro deles, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, ter dito que a corrupção de que participava teria sido iniciada nos anos FHC, nenhum tucano foi preso preventivamente. Assim como nenhum integrante do PMDB de Eduardo Cunha e Michel Temer. Agora que delatores mais graúdos da Odebrecht e Andrade Gutierrez podem manchar nomes que não convém, melhor parar. E depois das eleições. A Lava Jato deu sequência a um processo de satanização da política acentuado a partir de 2013. Iniciada no ano seguinte, baseou-se em alicerces que jamais seriam tolerados pela Justiça... dos Estados Unidos. Das prisões preventivas, como ferramenta de tortura para se obter delações, a vazamentos seletivos à imprensa, para antecipar a condenação dos denunciados mesmo que venham a ser absolvidos pela história. O relógio da operação moveu-se no compasso eleitoral. Em 2014, às vésperas da eleição presidencial, a dobradinha com revistas e emissoras encurtou a poucos dias do segundo turno uma ampla distância entre Dilma Rousseff e Aécio Neves. Àquela altura, já haviam sido eleitos os deputados e senadores que compuseram o Congresso mais conservador desde a ditadura. Depois do seletivo massacre à esquerda, a classe política alojada no PMDB, PSDB, DEM e aliados de ocasião reassumiu o poder. E segue irrigando a mídia com mais “repasses” do que nunca. Para quem achava que o golpe se esgotava “apenas” em Dilma e Lula, veio a nova fase, e sua razão de ser: começar a destruir todo resquício de Estado indutor de desenvolvimento com distribuição de renda. A Petrobras não interessará mais aos brasileiros – só aos estrangeiros. Ataques a direitos como aposentadoria, empregos, saúde e educação, a programas sociais e ao meio ambiente só estão começando. A Constituição de 1988, que custou dois anos de intensos debates para ser escrita e mais de duas décadas para que seu lado “cidadã” pudesse ser mais sentido, pode virar pó. Ou trabalhadores e movimentos sociais organizam fileiras para reagir – e como já foi dito aqui são batalhas políticas, jurídicas, nas ruas e de comunicação – ou passará a viger apenas a lei em que para o mercado vale tudo. A vida das pessoas não virá ao caso. REVISTA DO BRASIL

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www.redebrasilatual.com.br Coordenação de planejamento editorial Paulo Salvador e Valter Sanches Editores Paulo Donizetti de Souza Vander Fornazieri Editor Assistente Vitor Nuzzi Redação Cida de Oliveira, Evelyn Pedrozo, Eduardo Maretti, Fábio M. Michel, Gabriel Valery, Helder Lima, Hylda Cavalcanti, Rodrigo Gomes e Sarah Fernandes Arte Leandro Siman Iconografia Sônia Oddi Capa Midia Ninja (Levante) Facebook Carmen Silva Ferreira (Cambridge) Dreambig/Shutterstock (capa) Sede Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100 Tel. (11) 3295 2800 Comercial Sucesso Mídia (61) 3328 8046 Suporte, divulgação e adesões (11) 3295 2800 (Carla Gallani) Impressão Bangraf (11) 2940 6400 Simetal (11) 4341 5810 Distribuição Gratuita aos associados das entidades participantes Tiragem 120 mil exemplares

Conselho diretivo Adriana Magalhães, Almir Aguiar, Aloísio Alves da Silva, Amélia Fernandes Costa, Arcângelo Eustáquio Torres Queiroz, Carlos Decourt Neto, Carlos Eduardo Bezerra Marques, Cláudio de Souza Mello, Claudir Nespolo, Cleiton dos Santos Silva, Douglas Izzo, Edgar da Cunha Generoso, Edmar da Silva Feliciano, Eliana Brasil Campos, Eric Nilson, Fabiano Paulo da Silva Jr., Francisco Alano, Francisco Jr. Maciel da Silva, Genivaldo Marcos Ferreira, Gentil Teixeira de Freitas, Gervásio Foganholi, Glaucus José Bastos Lima, Isaac Jarbas do Carmo, Izídio de Brito Correia, João Carlos de Rosis, José Eloir do Nascimento, José Enoque da Costa Sousa, José Jonisete de Oliveira Silva, José Roberto Brasileiro, Juberlei Baes Bacelo, Luiz César de Freitas, Magna Vinhal, Marcos Aurélio Saraiva Holanda, Marcos Frederico Dias Breda, Maria Izabel Azevedo Noronha, Nilton Souza da Silva, Paulo César Borba Peres, Paulo João Estaúsia, Raimundo Suzart, Raul Heller, Roberto von der Osten, Rodrigo Lopes Britto, Rosilene Corrêa, Sérgio Goiana, Sonia Maria Peres de Oliveira, Vagner Freitas de Moraes, Valmir Marques da Silva, Wilson Franca dos Santos Diretores responsáveis Juvandia Moreira Rafael Marques Diretores financeiros Rita Berlofa Moisés Selerges Júnior

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www.redebrasilatual.com.br carta@revistadobrasil.net As mensagens para a Revista do Brasil podem ser enviadas para o e-mail acima ou para o seguinte endereço: Rua São Bento, 365, 19º andar, Centro, São Paulo, CEP 01011-100. Pede-se que a mensagem venha acompanhada de nome completo, telefone e e-mail.


RICARDO COIMBRA

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redebrasilatual.com.br

Informação diária no portal, no Twitter e no Facebook

ABSTENÇÃO Eleitores em Brasília justificam o não comparecimento às urnas

Nas urnas, a rejeição à política O primeiro turno nas eleições municipais não teve um vencedor claro, mas mostrou o avanço do distanciamento entre partidos, candidatos e eleitores, que se manifestaram em peso pelos votos nulos e em branco, além de abstenções. Entre os 8,9 milhões de eleitores de São Paulo, quase quatro em cada dez não escolheram candidato: 38,48% se abstiveram, votaram nulo ou em branco. O vencedor, João Doria Júnior (PSDB), recebeu menos votos do que a somatória dos “não votos”. Isso se repetiu em outras capitais e municípios. Das 26 capitais, oito não terão segundo turno: além de São Paulo, Salvador, Boa Vista, João Pessoa, Natal, Palmas, Rio Branco e Teresina. Houve fragmentação entre os partidos. O PSDB levou duas, e DEM, PDT, PMDB, PSB, PSD e PT ficaram com uma capital cada. De 2012 para 2016, o PSDB ganhou terreno, de 695 para 792 prefeituras. Se a comparação for feita com 2000, no entanto, os tucanos têm menos administrações municipais, já que tinham quase mil naquele ano. O PMDB ficou estável (de 1.021 prefeituras, em 2012, para 1.028), mas também tem menos prefeituras em relação a 2000 (1.256). O PT sofreu perda significativa: passou de 638, há quatro anos, para 256 agora, mas ainda governará mais do que em 2000 (187). O aumento do número de partidos no Brasil ajuda a explicar outro fenômeno, o de redução da presença das maiores legendas nas Câmaras Municipais. Dezesseis anos atrás, os cinco maiores partidos (PMDB, PFL, PSDB, PP e PTB) concentravam 69% das cadeiras. Agora, os cinco maiores (PMDB, PSDB, PP, PSD e PDT) têm 45%. bit.ly/rba_turno2 | bit.ly/rba_nulos 6

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A eleição da cidade de São Paulo surpreendeu nem tanto pelo resultado, dado o avanço conservador que se observa em todo o país, mas por ter sido resolvida no primeiro turno, depois de uma disputa acirrada pelo segundo lugar, com reviravoltas durante a campanha. “Ganha no primeiro turno um candidato que fez questão de dizer que não tem nada a ver com a política, que não é da política. A impressão que dá é que o sentimento contra a política é o vitorioso, e isso é muito perigoso para a democracia”, disse logo após a votação, ainda na noite de 2 de outubro, o secretário municipal de Saúde, o exministro Alexandre Padilha. Para ele, a votação em São Paulo “reforça, no cenário nacional, o crescimento da intolerância, do ataque à política, da destruição de instituições políticas, sejam partidárias ou sociais”. O secretário de Governo, Chico Macena, destacou ainda a influência da cobertura da mídia tradicional, que teria contribuído para levar a população à descrença. “E não se pode rejeitar a política, porque é ela que transforma a sociedade”, observou. bit.ly/rba_sampa1|bit.ly/rba_mais_sampa

PAULO PINTO/ FOTOS PÚBLICAS

ANTONIO CRUZ/ AGÊNCIA BRASIL

Ecos de São Paulo

INTOLERÂNCIA Alexandre Padilha: “A impressão que dá é que o sentimento contra a política é o vitorioso, e isso é muito perigoso para a democracia”


PAULO PINTO/ FOTOS PÚBLICAS

De olho na Câmara Eleito como vereador mais votado em todo o país (301.446 votos), Eduardo Suplicy (PT) disse, logo após a eleição de 2 de outubro, que a Câmara paulistana deverá ser um espaço de debate profundo sobre as ações do futuro chefe do Executivo, que já adiantou algumas propostas. “Antes que se realizem, algumas dessas proposições devem passar por um debate aprofundado na Câmara”, declarou Suplicy à Rádio Brasil Atual. O ex-senador também citou programas da administração Haddad, como o De Braços Abertos (voltado ao tratamento de usuários de crack) e o Transcidadania (para a população LGBT), além da proposta de Doria de privatizar espaços públicos. Segundo Suplicy, tudo deverá ser analisado antes de qualquer decisão sobre interrupção. Ele destacou seu projeto de renda básica e incluiu a população de rua entre as prioridades de seu mandato. bit.ly/rba_câmarasp

Resultados negativos de partidos de esquerda, notadamente o PT, nas eleições municipais reforçam a avaliação de que é preciso formar uma frente ampla para retomar espaço institucional e político no país. Para o cientista político Roberto Amaral, ex-presidente do PSB, por exemplo, “ou a esquerda faz uma política de frente ou se suicidará”. Ele considerou a eleição em São Paulo emblemática, mas lembrou que não é o único caso. “A esquerda precisa se sentar e fazer uma avaliação desse pleito. Por exemplo, o papel de Luciana Genro (Psol) em Porto Alegre. Não se elegeu, não foi ao segundo turno, não fez grande campanha, mas (com seus votos) tirou Raul Pont (PT) do segundo turno”, avalia. Amaral também destaca “o péssimo desempenho” da esquerda em Minas Gerais. “Trocando em miúdos, tivemos dois vencedores: Alckmin (o governador paulista Geraldo Alckmin), que derrota (José) Serra dentro do PSDB, e Aécio (Neves), em Belo Horizonte.” Amaral considerou a votação no Rio de Janeiro um fato positivo. “Houve uma frente que não conseguimos fazer em termos de partido, mas o eleitorado fez, e levou (Marcelo) Freixo ao segundo turno.” Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares e da Frente Brasil Popular, também defende um novo tipo

ROBERTO PARIZOTTI/CUT

Golpes e erros

ORGANIZAÇÃO Raimundo Bonfim: “Temos de fazer uma política de frente e não só no sentido partidário, mas com os movimentos sociais”

de organização e atuação. “Temos de fazer uma política de frente e não só no sentido partidário, mas com os movimentos sociais. Para além da disputa eleitoral, temos de fazer a disputa de hegemonia na sociedade. A esquerda, e o PT especialmente, têm de fazer um balanço muito real de uma política de alianças dos últimos 13 anos”, afirma. “Quando viram que a mídia e a direita desencadearam os ataques, os que estavam coligados com o PT saíram fora. O partido ficou quase sem alianças nas capitais e cidades médias.” Bonfim vê a “continuidade” de um roteiro traçado pelas forças conservadoras: “Golpe midiático, jurídico, empresarial e também eleitoral”. bit.ly/rba_autocrítica REVISTA DO BRASIL

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Efeito da criminalização Candidatos do PMDB e do PSDB se enfrentarão no segundo turno em Porto Alegre. Para o deputado federal Henrique Fontana (PT-RS), a ausência de representantes da esquerda na eleição da capital gaúcha é reflexo da conjuntura brasileira. “O resultado está dentro do contexto nacional em que há uma operação enorme e um ambiente de golpe na democracia brasileira”, diz. Segundo ele, o ambiente de “criminalização da esquerda e do PT” foi um fator preponderante para o resultado. bit.ly/rba_gaúchos

RICARDO STUKERT/ INSTITUTO LULA

Santana: ambiente de golpe

ANTÔNIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

REDEBRASILATUAL.COM.BR

SEM CHORO Thiago: “É preciso levantar a cabeça e ir para o trabalho”

De volta às bases

Para o Levante Popular da Juventude, é momento de a esquerda retomar “atividades clássicas” e se voltar para o trabalho de base, a fim de ampliar a inserção na periferia. “Em São Paulo, Fernando Haddad não conseguiu vencer em nenhum bairro, nem nas periferias. Isso porque a esquerda se desconectou do trabalho com o povo. É preciso agir, ir para as ruas, retomar o trabalho sabendo da posição que a esquerda está, de derrotada. É preciso levantar a cabeça e ir para o trabalho”, diz Thiago Pará, da coordenação nacional do Levante. Entre os possíveis fatores da ofensiva conservadora, ele cita uma campanha de “combate à política” feita pela mídia. bit.ly/rba_bases

CANDIDATOS AO CHÃO Nenhum partido saiu da eleição em condições de reconciliar o país

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PAULO PINTO/ FOTOS PÚBLICAS

Todos perderam Para o cientista político Leonardo Barreto, todos os partidos enfrentam o desafio de superar a insatisfação do eleitorado e conseguir um entendimento para administrar o país. “O primeiro turno pode ter mostrado um ou outro partido com mais destaque, mas a verdade é que todo mundo saiu perdendo e o que se espera é que os governos venham a ter maior trabalho para fazer seus programas funcionarem. Ninguém, nenhuma sigla, pode afirmar hoje que tem capacidade para levar adiante uma agenda de reconciliação do país e este é um problema que os partidos políticos terão de enfrentar”, afirma. “O PT perdeu muito espaço, precisa ser repensado pelos seus integrantes, mas isso não se converteu em apoio desses votos diretamente para o PSDB ou para o PMDB em larga escala como se pensava”, diz Barreto, para quem o descontentamento leva apenas ao crescimento de pequenas siglas. bit.ly/rba_partidos


DEFESA O legado do petista Fernando Haddad possivelmente está na mira do candidato eleito, João Doria

O PT sofreu uma derrota “devastadora”, avalia o cientista político Aldo Fornazieri, em entrevista à Rádio Brasil Atual. Se por um lado os números sustentam a afirmação, por outro é possível dizer também que o partido mostrou resistência diante de ataques sistemáticos – e não está morto, como diz o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, que destaca “um massacre midiático e jurídico” contra a legenda. “Houve um trabalho para dizimar o PT. Poucos partidos não seriam destruídos com uma campanha dessas”, diz Boulos. “Era esperado que o PT sofresse com isso, o antipetismo foi disseminado no país.” Enfraquecido, “mas não dizimado”, como afirma, o partido precisa agora se somar aos esforços para mudar a estrutura política brasileira. “A esquerda tem condições de construir uma alternativa coerente a esse sistema político e de confrontar os efeitos da crise econômica sobre os mais pobres, com um programa de reformas populares e estruturais. E não tomar a institucionalidade como o único espaço da política”, assinala.

MARCIA MINILLO/RBA

Devastação e resistência Boulos cita ainda o crescimento do Psol, presente no segundo turno no Rio de Janeiro e em Belém, além do aumento do índice de abstenções, votos nulos e em branco. “Os números da eleição mostram uma profunda insatisfação social com esse sistema político, que ainda não foi vocalizada na construção de alternativas, mas que é um contrapeso a esse avanço da direita.” Para Fornazieri, em São Paulo, em particularmente, será preciso defender o legado do petista Fernando Haddad contra as “políticas de desmanche” possivelmente na mira do prefeito eleito, João Doria. “O país deu uma guinada conservadora muito forte. Esse é um preço que as políticas sociais vão pagar. Nós sabemos qual é a política do campo conservador. O fato é que a população tem uma aversão a partidos e a política. Há uma crise de governança democrática. Os partidos e os governos não entregam aquilo que prometem. Isso vem provocando um processo de crescente deslegitimação dos partidos.” bit.ly/rba_direita1 | bit.ly/rba_direita2

Bem diferente do que costuma ocorrer com presidentes da República, o atual ocupante do Palácio do Planalto, Michel Temer (PMDB), passou quase despercebido no dia da eleição. Aguardado para as 11h em sua seção, na zona oeste de São Paulo, chegou antes mesmo da abertura das urnas. Falou rapidamente com os jornalistas e disse que voltaria em seguida para Brasília. O presidente antecipou sua programação depois de saber que haveria uma manifestação de “Fora Temer” no local de votação. Dois dias depois, o Ibope divulgou pesquisa, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (entidade apoiadora do impeachment), mostrando reprovação do governo. Para 68%, Temer não é confiável. bit.ly/rba_temer | bit.ly/rba_ibope

LULA MARQUES/AGÊNCIA PT

Temer se esconde para votar

IBOPE Não confiável para 68%

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Apoiador de Marcelo Freixo (Psol) já no primeiro turno das eleições para a prefeitura do Rio de Janeiro, o cantor, compositor e escritor Chico Buarque voltou a defender a união dos partidos identificados com a esquerda, referindose também a São Paulo. “Acredito que a esquerda irá se unir. Se não agora, no segundo turno”, afirmou Chico, logo depois de votar. Ele lamentou a impossibilidade de alianças, no primeiro turno, entre Freixo e Jandira Feghali (PCdoB) e, em São Paulo, entre Fernando Haddad (PT) e Luiza Erundina (Psol). “Gostaria de ter visto desde o início uma frente progressista na campanha. Espero que no segundo turno estejamos todos juntos para ganhar com o Freixo”, afirmou. O chamado voto útil impulsionou o candidato do Psol nos últimos dias. Parte dos eleitores de Jandira e Alessandro Molon (Rede) acabou votando em Freixo, que teve 553.424 votos, 18,26% dos válidos. Marcelo Crivella (PRB) recebeu 842.201 (27,78%). bit.ly/rba_chico | bit.ly/rba_carioca

MÍDIA NINJA

APOSTA NA UNIÃO Chico Buarque apoia Marcelo Freixo para prefeito do Rio

Flexibilização tem limite

WWW.TST.JUS.BR

FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASIL

Chico e a esquerda

Dalazen: sem redução

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Ao julgar processo de um trabalhador rural contra uma usina no interior do Paraná, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) fez valer o entendimento de que nem todo acordo prevalece sobre a lei. “Uma coisa é flexibilizar o cumprimento das leis trabalhistas e valorizar a negociação coletiva. Outra, muito diferente, é dar um sinal verde para a pura e simples redução de direitos, contrariando a natureza e os fundamentos do Direito do Trabalho”, afirmou o ministro João Oreste Dalazen, expresidente do TST. Para o atual presidente do tribunal, Ives Gandra Filho, o caso se encaixava em precedente do Supremo Tribunal Federal (STF). O caso chamou a atenção em um momento de retorno da tese de que a flexibilização seria uma “solução” para o mercado de trabalho. bit.ly/rba_clt


TIAGO SILVA/SP BANCÁRIOS

CONQUISTAS DECISIVAS Juvandia, presidenta do sindicato de São Paulo: bancários fecham acordo de dois anos

Greve de persistência Em 6 de outubro, a greve nacional dos bancários terminou na maior parte do país depois de 31 dias, em movimento de proporções inéditas, e motivado, afirmam os dirigentes da categoria, pela postura do setor financeiro. Para os sindicalistas, os bancos estão comprometidos com o “ajuste” do governo Temer, que inclui contenção de salários. E outras medidas nocivas à população. “Dois grandes bancos, Itaú e Santander, divulgaram notas apoiando a PEC 241, que congela os gastos sociais nos próximos 20 anos, apoiam a reforma da Previdência, que retira direitos e dificulta o acesso à aposentadoria. A CNI quer aumentar jornada de trabalho. Eles apoiam o projeto de lei que chamam de reforma trabalhista, que na verdade é aprovar a terceirização em todas as atividades... Estão todos unidos com foco nisso”, observa a presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Juvandia Moreira. O presidente da CUT, Vagner Freitas, identificou no governo Temer um “protagonista oculto” da campanha. “Não é verdade que os bancos não podem pagar a inflação. Os bancos estão

se somando ao governo para derrotar a política de reposição salarial, que é a intenção deste governo golpista para todas as categorias”, diz o dirigente. Uma bancária do Banco do Brasil enviou mensagem publicada pelo correspondente da RBA na Europa Flávio Aguiar. “E como os banqueiros realizam lucro nos dias de greve? Com prejuízo do atendimento do cliente comum e concentrando o atendimento apenas nos que interessam ao banqueiro”, acrescenta. O reajuste de 8% sobre salários e regras da participação nos lucros ou resutados (PLR), mais um abono de R$ 3.500 em parcela única, não bastariam para se fechar um acordo. Pesaram na aprovação a introdução da validade de dois anos para a convenção coletiva nacional – a ser renovada em setembro de 2018 –, com garantia de reposição da inflação (INPC) mais aumento real de 1% em 2017. O aumento de 10% nos auxílios creche e babá e no vale-refeição e de 15% no vale-alimentação, mais o abono de todos os dias de paralisação também foram consideradas conquistas decisivas, em meio a uma conjuntura de ataques e incertezas. bit.ly/rba_greve

“SOU O JUIZ” Sartori: julgamento anulado

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Mortes que não cessam Não houve massacre, foi legítima defesa, afirmou o desembargador Ivan Sartori, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, sobre a chacina de Carandiru, em 1992, quando 111 presos foram mortos no presídio paulista. Relator do processo, ele votou pela anulação dos julgamentos de 73 policiais militares. A 4ª Câmara Criminal do TJ acompanhou o relator. Durante o julgamento, Sartori já havia criticado a imprensa, mas demonstrou não se importar com a repercussão nos meios de comunicação. “Sou o juiz e voto como deve ser.” Dias depois, em rede social, sugeriu que imprensa e entidades de direitos humanos são financiadas pelo crime organizado, ao falar em “cobertura tendenciosa” do caso. bit.ly/rba_carandiru1 REVISTA DO BRASIL

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FLÁVIO AGUIAR

Lava Jato e Mãos Limpas Parceria com a imprensa para se obter condenação prévia e tolerância a abusos, cerceamento da defesa, indiciamentos sem provas e a sombra dos Estados Unidos... Semelhanças e coincidências?

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declaração deselegante do prefeito eleito de São cidades grandes, médias e pequenas. Levou alguns dos acusaPaulo, João Doria Júnior (PSDB), de que levaria dos ao suicídio. Todos os partidos foram duramente atingidos, e a operação chocolates para o ex-presidente Lula “em Curitiba” (leia-se, na prisão), seguida da de que nin- provocou o fim da “Primeira República”, construída após a Seguém do seu partido seria preso, sublinhou mais gunda Guerra, e a inauguração da Segunda. Partidos mudaram uma vez o viés partidário da Lava Jato. No passado recente, esse de nome, outros se fundiram em frentes amplas, à esquerda, ao caráter enviesado fora também assinalado com o vazamento centro e à direita. A operação derrubou o primeiro-ministro pelo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, de que “algo socialista Bettino Craxi, acusado de corrupção. Levado a julaconteceria” – a detenção, “por falta de provas” (!), do ex-mi- gamento a partir de 1993, foi condenado, tendo então se refunistro Antonio Palocci. E ele foi sendo evidenciado ao longo giado na Tunísia, onde morreu em 2000. Negou sempre as acude toda a operação, com vazamentos seletivos para a mídia, sações, embora admitisse irregularidades no financiamento do as pressões para que as denúncias atingissem preferencialmen- seu partido. Já no Brasil, a Lava Jato vem sendo progressivamente o PT, culminando com a transformação do ex-presidente e te acusada de partidarismo contra a esquerda, sobretudo o PT. sua mulher em réus pelo juiz-chefe da operação a A Mãos Limpas é apontada como responsável partir de uma denúncia “sem provas cabais” mas Antonin Scalia, o direta pela ascensão ao poder de Silvio Berluscon­i, “com convicção”. arquiconservador com seu então novo partido (Forza Italia), criado Sem falar no pretendido stop nas denúncias pre- juiz da Suprema em 1994. Também é citada sua responsabilidade miadas, segundo anúncio de membros da PF, ago- Corte nortepelo crescimento do Lega Nord, de extrema-direira que elas poderiam devastar Temer, o PMBD e o -americana, ta, fundado em 1991, no norte do país. No caso PSDB, que, diga-se de passagem, já estão devastabrasileiro, tornou-se conhecida a gravação da fala reconheceu que dos, embora isto, ao contrário do caso do PT, não do senador Romero Jucá (PMDB-RR) afirmando resulte em bombas na mídia conservadora e nem o cerceamento que a deposição da presidenta Dilma Rousseff era em prisões temporárias ou preventivas. Com fre- do direito de necessária para parar a Lava Jato. Na Itália, corre quência, os próceres da Lava Jato – juiz, promoto- defesa ocorrido a versão de que Berlusconi entrou para a polítires, policiais, defensores – a comparam à operação na Mãos ca a fim de impedir que a Mãos Limpas atingisse Mãos Limpas (Mani Pulite), deflagrada na Itália Limas seria suas empresas. nos anos 1990. Uma observação mais detalhada, inadmissível nos Isso não impediu que seu irmão Paolo fosse de fato, revela coisas interessantes, algumas dife- Estados Unidos. acusado e detido. Entretanto, logo depois de cherenças e muitas semelhanças, embora estas nem No Brasil, a gar ao poder, Berlusconi conseguiu a aprovação sempre sejam lisonjeiras para ambas. de uma lei possibilitando que os acusados e conatitude timorata denados por crimes de corrupção conseguissem Assim como a Lava Jato começou numa cidade do STF, mais evitar o cárcere. Di Pietro e Berlusconi travaram distante dos grandes centros políticos, Curitiba, a a autorização uma batalha política, que levou o promotor à reMãos Limpas começou em Milão, não em R ­ oma, para o clima de núncia em 6 de dezembro de 1994. Berlusconi se a partir da ação dos promotores locais, capitaneados pelo também promotor Antonio Di Pietro. exceção por um viu forçado a também renunciar logo em seguida, Segundo os dados disponíveis, a Mãos Limpas Tribunal Federal, em meio a uma crise que provocou o afastamento atingiu 5 mil figuras públicas, metade do Parla- garantem da Lega Nord da coligação. Voltaria ao poder em mento italiano, pelo menos 300 empresários, além impunidade para 2001, ficando até 2006, e de 2008 a 2011, quando de policiais e também juízes. Provocou a dissolu- a República renunciou novamente, agora em meio a desavenção de 400 câmaras e conselhos municipais em de Curitiba ças com lideranças da União Europeia. 12

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FLÁVIO AGUIAR

rani; o controle sobre a base de Alcântara (MA); a renovação da frota de caças aéreos da FAB, por ora por conta da Suécia, mas de que a Boeing nunca desistiu; etc. Muitas dessas hipóteses citam a CIA, o Departamento de Estado e até a Casa Branca como a fonte das informações destinadas a desestabilizar o governo brasileiro de esquerda. É possível? O fato é que o governo norte-americano e o mundo dos governos democráticos europeus não se mexeram para defender a democracia no Brasil. Assim como a Lava Jato, a Mãos Limpas foi criticada por cerceamento do direito de defesa de suspeitos e acusados, por presunção de culpa antes da inocência e pelos vazamentos espetaculosos para a mídia. Para os próceres, procuradores e policiais da operação brasileira, isso aparece como um mérito, uma “manipulação virtuosa” da mídia. Embora se ventilassem suspeitas de que alguns dos “vazadores” tenham até ganhado algum com os vazamentos, como o famoso Japa. No caso da Mãos Limpas, até Antonin Scalia, o arquiconservador juiz da Suprema Corte norte-americana, reconheceu que o cerceamento do direito de defesa ocorrido na Mãos Limas seria inadmissível nos Estados Unidos, como escreveu Orlando Sacchelli. No Brasil, até o momento, a atitude timorata do Supremo Tribunal Federal, mais a autorização para o clima de exceção por um Tribunal Federal, garantem impunidade para a República de Curitiba. Sic transit gloria mundi (assim passam as glórias deste mundo). Vamos ver para onde vai tudo isto. Os operadores da Lava Jato pensam que estão construindo suas estátuas e quem sabe, nomes de ruas e logradouros. Será Doria Júnior o futuro Berlusconi, como previu o governador do Maranhão, Flávio Dino, um dos poucos vitoriosos à esquerda neste 2016? O futuro os olha, como sempre, com seus olhos de esfinge: decifra-me ou devoro-te.

AJUDOU A EXTREMA-DIREITA A Mãos Limpas, conduzida pelo promotor Antonio Di Pietro, atingiu 5 mil figuras públicas, metade do Parlamento italiano, pelo menos 300 empresários, além de policiais e também juízes. Provocou a dissolução de 400 câmaras e conselhos municipais em cidades grandes, médias e pequenas

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No Brasil, há avaliações de que a Lava Jato foi criada e municiada com informações sobre a Petrobras e outras empresas a partir dos Estados Unidos – todos hão de se lembrar dos episódios de espionagem da presidenta Dilma Rousseff pela Agência Nacional de Segurança (NSA) norte-americana, noticiados pelo site WikiLeaks. Na época da descoberta, em 2013, a presidenta chegou a cancelar visita de Estado a Barack Obama. A NSA teria grampeado, segundo a revista CartaCapital, uma das publicações que teve acesso aos dados do WikiLeaks, dez números de telefone ligados a Dilma, incluindo a linha fixa de seu gabinete no Planalto e até mesmo o telefone via satélite instalado no avião presidencial. Foi no país de Obama que o juiz Moro complementou sua formação. No caso italiano, houve denúncia de que a Mãos Limpas foi fomentada e municiada também a partir dos Estados Unidos (fala-se na CIA). Em 29 de agosto de 2012, o jornalista Orlando Sacchelli publicou no site Il Giornale artigo em que cita o ex-embaixador norte-americano no país Reginald Bartholomew (1936-2012), afirmando que houve a interferência. Conceituado diplomata, Bartholomew foi embaixador na Itália de 1993 a 1997, depois de servir no Líbano e na Espanha. Citava que durante o período de seu antecessor (1989-1993), Peter Secchia, criou-se um clima de estreita colaboração entre o consulado norte-americano em Milão e os promotores da Mãos Limpas. Ele, Bartholomew, declarou ter determinado o fim da colaboração depois de assumir o cargo de embaixador. Não esqueçamos: se ela terminou, é outra história. Qual o interesse dos Estados Unidos em ambos os casos? Na Itália, uma hipótese provável é a de que, em um mundo se rearranjando desde a queda do Muro de Berlim, houvesse o medo de que a “desorganização” do mundo político italiano pudesse levar para a esquerda um aliado-chave da Otan contra a Rússia que, embora estivesse desde julho de 1991 sob a presidência de Boris Yeltsin, era, e ainda é, um dos principais alvos da organização. No Brasil, há hipóteses não excludentes: a aproximação com Rússia, China e Índia, por meio dos Brics, com a proposta de fundação de um mecanismo bancário alternativo ao controlado pelo FMI e o Banco Mundial; o interesse das empresas norte-americanas no pré-sal; o Aquífero Gua-


MAURO SANTAYANA

A convicção e o fascismo

O que nos deixa indignados e fora do sério é a desfaçatez, a “caradurice” institucionalizada com que estão tratando a verdade, a maior vítima do atual surto de convicções

C

onvicções arraigadas, quando não nascem da ­informação, da razão, do conhecimento, costumam ser fruto do preconceito, da ignorância ou do ódio. Não é por acaso que entre as características do fascismo, a mais marcante está em colocar, furiosamente, convicção acima da razão. Por ter forte convicção de que os judeus, os comunistas, os ciganos, os homossexuais eram seres sub-humanos, os nazistas praticaram atrocidades como guardar em vidros de formol milhares de pênis e cérebros arrancados dos corpos de prisioneiros, esquartejar pessoas­ para fazer sabão, adubar repolhos com cinzas de crematório ou recortar e curtir pedaços de pele humana para colecionar tatuagens e fazer móveis e abajures, em um processo que começou justamente nos tribunais, com a gestação da jurisprudência racista e assassina das Leis de Nuremberg. De tanta mentira, distorção e hipocrisia impostas cotidianamente à população, nos últimos quatro anos, o Brasil tem se transformado em um país em que a realidade está sendo substituída por fantásticos paradigmas, absorvidos e disseminados como verdades, que adquirem rapidamente a condição de inabalável convicção na cabeça e nos corações de quem os adota, a priori, emocionalmente, sem checar a veracidade. Senão, vejamos: muitíssimas pessoas têm convicção de que o PT quebrou o país. Como têm convicção de que o governo de Fernando Henrique Cardoso foi um sucesso econômico. Certo? Errado. Números oficiais do Banco Mundial provam no governo ­Fernando Henrique Cardoso, com relação ao de Itamar Franco, o PIB recuou de US$ 534 bilhões para US$ 504 bilhões e a renda per capita, de US$ 3.426 para US$ 2.810. Nos governos do PT, esses mesmo indicadores aumentaram de US$ 504 bilhões para US$ 2,4 trilhões e de US$ 2.810 para US$ 11.208, respectivamente, entre 2002 e 2014. Assim como o salário mínimo subiu também mais de 300% em moeda norte-americana nesse período. A queda atual da economia é um ponto fora de curva que irá se recuperar, mais cedo do que tarde, se não forem adotadas medidas recessivas, que mandem, mais uma vez, a vaca para o brejo. A maioria das pessoas – incluídos ministros do atual governo que exageram os problemas para vender a sua “competência” e seus projetos ligados a interesses privados – tem convicção 14

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de que o Brasil está endividado até o pescoço. Certo? Errado. Nona economia do mundo em 2016 – éramos a 14ª em 2002 –, o Brasil ocupa, apenas, o 40º lugar entre os países mais endividados. Temos uma dívida pública bruta com relação ao PIB (66%) mais baixa que a de 2002 (80%). Menor que a dos Estados Unidos (104%), Zona do Euro (90%), Japão (220%), Alemanha (71%), Inglaterra (89%), França (96%), Itália (132%), Canadá (91%). Além de possuirmos mais reservas internacionais (mais de US$ 370 bilhões) do que qualquer uma dessas nações. E de não estar devendo um centavo para o Fundo Monetário Internacional – pelo menos até a redação deste texto, dia em que o ministro da Fazenda se reunia com... o FMI. Uma grande pilantragem midiática tenta justificar, entre outras coisas, o absurdo teto de despesas públicas proposto pelo atual governo, os juros pornográficos pagos aos bancos e a privatização e entrega de empresas estatais brasileiras a estrangeiros.

Tripé do capital

Muitas pessoas também aparentam ter desenvolvido a convicção de que o PT é um partido contrário às Forças Armadas, bolivariano e comunista. Certo? Errado O PT sempre trabalhou com o tripé capital estatal, capital privado nacional e capital estrangeiro. Apoiou as maiores empresas privadas do país, e não apenas as de controle brasileiro, expandindo o crédito subsidiado do BNDES, aumentando a oferta de crédito na economia, melhorando a situação do varejo e da indústria, fomentando vendas com linhas especiais de financiamento, e fortalecendo o agronegócio com bilhões de reais ao Plano Safra, duplicando a colheita de grãos depois que chegou ao poder, sem atrapalhar o mercado financeiro, que teve forte expansão após 2002. Na área bélica, prestigiou o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, lançando a Estratégia Nacional de Defesa, e bancando o maior programa de rearmamento das Forças Armadas na história brasileira. Nem nos governos militares ousou-se investir, ao mesmo tempo, em tantos projetos estratégicos como se fez nos últimos anos. Da mesma forma, muitíssimas pessoas têm convicção, nos dias de hoje, de que o PT é o partido mais corrupto do Brasil. Certo? Errado.


MAURO SANTAYANA

MARCIA MINILLO/RBA (AV. PAULISTA 12-04-15)

Proporções franciscanas

PRECONCEITO, IGNORÂNCIA,ÓDIO De tanta mentira, distorção e hipocrisia, o Brasil tem se transformado em um país em que a realidade está sendo substituída por fantásticos paradigmas, absorvidos e disseminados como verdades, que adquirem a condição de inabalável convicção na cabeça e nos corações de quem os adota, a priori, emocionalmente

Em ranking publicado pelo Movimento de Combate à ­ orrupção Eleitoral em 2012 – que, estranhamente, parou de C publicar rankings anuais por partido depois disso –, o PT aparece apenas em nono lugar, em uma lista encabeçada pelo DEM. Na lista de 50 políticos investigados na Lava Jato que estão com processos no STF, cuja maioria pertence ao PP, só seis nomes são do PT, como o eram apenas 20 do total de 252 candidatos impugnados por serem ficha-suja nas eleições de 2014. Dados que não mudam em nada o fato de que o discurso anticorrupção só existe na proporção que ocorre porque serve como bandeira, desde o início, à direita e à extrema-direita. A esquerda, que costuma cair com facilidade nessa esparrela moral dos imorais, precisa tratar de outros temas, sem deixar – prudentemente – de colocar suas barbas de molho. Por exemplo, o futuro do projeto nacional-desenvolvimentista brasileiro, com foco nas áreas social, científica, da educação, da indústria bélica, naval e de petróleo e de infraestrutura. Ou a defesa da democracia, do Estado de direito e da soberania nacional, em tempos de risco de inserção subalterna do país em um processo de globalização que não deixa outras opções: ou se fortalece, ou capitula. Tudo isso, no contexto do urgente estabelecimento de uma aliança que permita manter a estabilidade da República e evitar a vitória da antipolítica – e a ascensão­ do fascismo – em 2018.

É nesse país ridículo, mal informado, rasteiramente manipulado por segmentos da mídia mendazes e deturpadores, que alguns procuradores do Ministério Público Federal vieram a público, há alguns dias, para dizer que têm “convicção” de que o ex-presidente Lula é o chefe supremo da corrupção nacional. Que ele, que nunca teve contas no exterior, como Eduardo Cunha ou Paulo Maluf, teria recebido “virtualmente”, para o padrão de consumo de nossa impoluta elite, acostumada a apartamentos em Paris, Miami e Higienópolis, um modesto apartamento de 215 metros quadrados – no qual nunca dormiu e do qual não sem tem notícia de escritura em seu nome. Além de um sitiozinho, mambembe até mesmo para o gosto de nossa pseudoclasse média paneleira, que também não está em seu nome. E de uma ajuda para a guarda de seus documentos presidenciais – de inestimável valor histórico nacional. Tudo isso apresentado como a parte do leão, do “comandante”, de um suposto esquema de propina, o qual o mesmo MPF, mesmo admitindo não ter provas cabais, afirma ter movimentado a extraordinária soma de R$ 42 bilhões em desvios da Petrobras­ (antes eram R$ 6 bilhões, segundo “impecável auditoria” da “honestíssima” consultoria norte-americana Pricewaterhouse). Cinismo por cinismo, poderíamos dizer que, na hipótese, difícil de provar, que tivesse recebido os alegados R$ 3,7 milhões em propina pelos quais foi acusado, ante um negócio de mais de R$ 40 bilhões, Lula seria o mais “ingênuo” ou um dos mais “modestos” políticos brasileiros, considerando-se a quantidade de empregos, negócios, projetos, obras e programas que ajudou a proporcionar à economia nacional. E o PT, que teria pedido miseráveis R$ 5 milhões para pagar contas atrasadas devidas a publicitários, em um contrato de aproximadamente US$ 1 bilhão para construção de duas plataformas de petróleo pela empresa do senhor Eike Batista – um sujeito que resolveu depor “espontaneamente”, depois de ter recebido bilhões do BNDES, durante anos, em apoio às suas empresas falidas –, teria sido, diante das franciscanas proporções da solicitação, de uma tacanhice digna de fazer corar outras legendas e personagens do espectro político nacional. Ninguém está aqui para santificar o Partido dos Trabalhadores­ ou o senhor Lula, que, se tiver cometido algum crime, deve purgá-lo, na mesma proporção de seus erros. O que nos deixa indignados e fora do sério, trabalhando na área em que trabalhamos, é a desfaçatez, a “caradurice”, a hipocrisia institucionalizada com que estão tratando a verdade, a maior vítima desse atual surto de “convicções”. Não nos venham com estórias da Carochinha e mirabolantes apresentações de Powerpoint que pelo exagero, ausência de lógica e verossimilhança – como mostram matérias e editoriais dos jornais estrangeiros – vão ridicularizar o Ministério Público e o J­udiciário brasileiros junto à opinião pública internacional. Correndo o risco, seus “convictos” acusadores, de verem o tiro sair pela culatra, transformando Lula em herói, se for impedido de concorrer à Presidência da República. Ou em mártir, perante o mundo – caso alguma coisa ocorra a ele, eventualmente, na prisão. REVISTA DO BRASIL

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COMPORTAMENTO

E S E U Q S O D A D O OS INCOM

M E T N A LEV

Levante Popular da Juventude reúne milhares de jovens de todo o Brasil que sonham em melhorar o lugar onde vivem e construir um projeto popular para o país. E agem Por Juliana Afonso 16

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pós o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Juliana Lino, 21 anos, que garantiu a nota exigida para o curso de Direito na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, se mudou de Salvador para Dourados, a 235 quilômetros da capital, Campo Grande. A


COMPORTAMENTO SHEYDEN SOUZA FOTOGRAFIAS/LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE

LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE

MÍDIA NINJA (2014)

O Levante é um movimento que passou a agrupar jovens em todo o Brasil, os futuros protagonistas das lutas pelos direitos sociais

cidade é palco de um dos maiores conflitos agrários do país, que opõem cerca de 15 mil indígenas Guarani Kaiowá e fazendeiros. D ­ ourados também sofre com o alto índice de violência contra a mulher, problema comum no estado, que apresenta a maior taxa de registros na Central de Atendimento à Mulher. Esse é o contexto que Juliana apresentou nas atividades do 3º Acampamento Nacional do Levante Popular da Juventude, realizado entre 5 e 9 de setembro, em Belo Horizonte. O Acampa, como é chamado pelos participantes, é um encontro de formação política que discute a conjuntura nacional e busca a construção do que chamam de projeto popular. Segundo os organizadores, o evento contou com a presença de 7.000 jovens de todos os estados. Na programação, palestras, mesas-redondas, oficinas e apresentações culturais, além de uma diversidade de convidados co-

mo o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) João Pedro Stédile, o ativista estadunidense Eddie Conway, do Panteras Negras, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A presença volumosa é vista como resultado de uma expansão do movimento social jovem em um momento singular da história política brasileira. “A juventude de hoje não viu nenhum momento político como esse. Vivemos um golpe, um período de retirada de direitos”, afirma a estudante de Serviço Social Mara Farias, 24 anos, de Natal. Coordenadora nacional e integrante da Frente Territorial, ela acredita que esse é o melhor momento para organizar o povo. “Eu quero que o jovem tenha o sentimento de mudança radical da sociedade, que esteja nas ruas lutando pelo Fora Temer e por qualquer direito que seja retirado do povo brasileiro.” REVISTA DO BRASIL

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COMPORTAMENTO

A troca de experiências para pensar os próximos passos do movimento foi a tônica do encontro. “Tem muita gente que está em processo de formação e ainda precisa identificar o caminho, se identificar como agente”, diz Juliana. Coordenadora nacional e integrante da Frente Estudantil, ela trabalha para expandir a discussão da questão feminista em Dourados. Como estudante, quer popularizar o tema, e quem sabe trabalhar na Defensoria Pública. A baiana respira o movimento Tem muita até nas horas de lazer. “A gente vai sempre onde acha gente que está massa, conforme o que a gente acredita politicamenem processo de te”, diz. Entre os locais que gosta de frequentar esformação e ainda precisa identificar tão teatros e saraus. “Eu adoro, inclusive escrevo e o caminho, se recito poesia.” identificar O Levante Popular da Juventude é um movimento que passou a agrupar jovens em todo o Brasil a partir da constatação de que a juventude seria a futura protagonista das lutas por direitos no país. De diversas organizações, como Consulta Popular, MST, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e o Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), surgiu o embrião do Levante, no Rio Grande do Sul. A nacionalização do debate era uma demanda cada vez mais forte, até que em 2012 aconteceu o 1º Acampa, em Santa Cruz do Sul (RS), com a presença de 1.500 jovens de 17 estados. O evento consolidou o movimento nacionalmente e lançou as bases para a formação das células nas universidades, escolas, comunidades e no campo. Ainda naquele ano, o Levante ganhou a atenção da mídia com a realização de “escrachos” em diversas cidades do país para denunciar torturadores da ditadura e exigir maior poder de ação da Comissão Nacional da Verdade. Dois anos mais tarde ocorreu o 2º Acampa, em Cotia (SP), com 3 mil participantes. A passeata realizada durante o acampamento lançou campanha por uma Constituinte exclusiva para reformar o sistema político. “Só através de uma Constituinte popular vamos poder mudar as estruturas eleitorais”, afirma Mara. Os acampados voltaram para suas cidades com a tarefa de organizar as bases para a realização de um plebiscito. Este ano, o tema mais abordado foi o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Os gritos de “Fora Temer” e “governo golpista” ecoavam o tempo todo pelo ginásio do Mineirinho. O ato no último dia do evento, 9 de setembro, teve escracho na porta da Rede Globo Minas e terminou com uma passeata. O Acampa se transformou no principal evento do Levante, pela troca de ideias e pela explosão de eventos culturais. É em seus estados, porém, que os militantes buscam pôr os planos em prática. O elo entre pensamento político e ação é o que mais atrai os jovens. “A diferença do Levante para outros movimentos de juventude é o sentido de construir com o povo, colocar para fora, fazer trabalho de base, e não só fazer ações de fortalecimento interno”, opina Mara Faria. Ela conheceu o movimento 18

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Juliana

As pessoas ligadas ao Levante veem um horizonte de transformação no país. A gente sabe que é uma organização com potencial para isso Walisson

FOTOS JULIANA AFONSO

Construir para fora

a partir do conselho comunitário do bairro Felipe Camarão, onde mora, na capital potiguar, e quis construir o Levante no local, com o qual tem forte relação. “Sou de ficar em casa. Gosto de ler, assistir filmes ou sair no meu bairro para encontrar os amigos. O lazer em Natal é muito privatizado e eu não tenho tanta grana para sair em uma cidade onde tudo tem que ser pago”, diz. Ao juntar rotina e militância, ela e outros jovens que atuam no Felipe Camarão promoveram a atividade Juventude Organizada contra as Doenças Sexualmente­Transmissíveis (DST), surgida do diagnóstico de um posto de saúde de que 90% das pessoas com incidência de sífilis na capital eram adolescentes do bairro. Uma escola logo cedeu o espaço para que fossem realizadas exposições e rodas de conversa ao longo de quatro semanas, com assuntos desde o amor até a questão do sexo e das DST. “No último dia os próprios jovens organizaram uma feira de promoção da saúde, com vacinação, distribuição de camisinha, roda de conversa, apresentação de teatro e dança”, diz Mara. Alguns passaram a atuar no Levante, com o desejo de multiplicar a ação em outros espaços. O movimento já promoveu feiras, atendimentos de saúde e revitalização de parquinhos. Quase sempre buscando associar ações com parte de uma luta política.­


COMPORTAMENTO MÍDIA NINJA (2014)

A parcela da juventude que o movimento busca organizar é aquela que sofre mais diretamente com as injustiças sociais

“Por exemplo, se a atividade for em uma praça que não tem luz, pode ser construída uma ação de luta pela iluminação da praça”, exemplifica Mara.

Sem acordo

A parcela da juventude que o movimento busca organizar é aquela que sofre mais diretamente com as injustiças sociais: jovens que estudam em escolas privadas e públicas e não se sentem contemplados pela educação que recebem, que vivem no campo e carecem de acesso a políticas públicas, que moram em bairros, favelas e comunidades e não têm direitos respeitados. São também negras e negros, gays, lésbicas, transexuais e setores que lutam para afirmar sua identidade. O sentimento que os une é indignação. “O Levante representa uma juventude que não se sente contemplada pela política atual, e que também não se sente contemplada pela juventude dos partidos atuais”, afirma o estudante de Direito David Liboreo, 23 anos, de Aracaju, que acompanhou a repercussão dos escrachos aos torturadores da ditadura e procurou o movimento na capital sergipana, em 2012. Quando era secundarista, David participou de grêmios estudantis, mas diz que nunca chegaram a pensar em ações para além da escola.

Seu interesse no Levante, como coordenador nacional da Frente Estudantil, é a construção de uma pauta que concilie os anseios da juventude do Brasil com a possibilidade de atuar em função deles. “Eu fico 24 horas ligado. Meus finais de semana são quase todos preenchidos com agenda do movimento”, conta. David busca estar com a família e os amigos, mas admite que, muitas vezes, o espaço de relaxamento é o espaço do próprio movimento. “Ir a um acampamento do MST, por exemplo, inspira, dá fôlego. Muita gente que é militante tende a recarregar suas energias nos espaços místicos do movimento”, explica. Para trabalhar as pautas da juventude, o Levante se organiza em três frentes. A Frente Territorial atua nos bairros e favelas, a Frente Camponesa trabalha com pessoas que moram no campo, quilombolas e indígenas, e a Frente Estudantil organiza estudantes das escolas secundaristas e das universidades públicas e privadas. “A base de organização do movimento é a célula, que atua por territórios. Pode ser dentro de uma universidade, de um bairro, de um assentamento”, explica a estudante de Letras Luiza Troccoli, 25 anos, de São Paulo. Depois das células há as coordenações municipal, estadual e a nacional. Luiza explica que dentro da organização há ainda os grupos REVISTA DO BRASIL

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COMPORTAMENTO

FOTOS JULIANA AFONSO

O Levante representa uma juventude que não se sente contemplada pela política atual, e que também não se sente contemplada pela juventude dos partidos atuais David

movimento na sua cidade, em 2014. Ele afirma que existe uma dinâmica diferente na vida dos jovens que são e que não são militantes. Alguns de seus amigos resistem a estar no movimento, mas outros começaram a se aproximar e se inserir nos processos. “Tem os dois lados. Quando as pessoas começam a ter contato com a organização se apaixonam e se aproximam.” Coordenador nacional da Frente Camponesa, ele afirma hoje compreender melhor a diversidade do país, especialmente da juventude. Para Walisson, quem está no Levante quer uma coisa: a revolução. “A gente só vai conquistar direitos de fato se tiver um processo de transformação da nossa sociedade. Se a gente entrar em acordo com essa burguesia, que é ligada diretamente ao capital internacional, só temos a perder.”

Construção coletiva

As ações visam a organizar a juventude em torno do Projeto Popular para o Brasil. “É um projeto que não surgiu com o Levante. A gente bebe o acúmulo de outros movimentos, principalmente os da via campesina”, acrescenta Luiza. O projeto parte da ideia de que a classe trabalhadora deve atuar na construção dessa nova sociedade. De caráter nacionalista, ele se contrapõe ao neoliberalismo. “Acreditamos que o povo deve estar no poder, pois é o povo que produz, com seu suor, toda a riqueza de nossa nação e deve decidir com soberania sobre os rumos do A base de organização do país. Isso só será possível quando destruirmos o sistema camovimento é a célula, pitalista e a sua face mais dura, o imperialismo.” O trecho que atua por territórios. está na carta compromisso do 3º Acampa. Pode ser dentro de uma universidade, Apesar do entendimento comum sobre o Projeto Popude um bairro, de um lar para o Brasil, não há nenhum documento fechado com assentamento pontos que o compõem ou expondo objetivamente suas diLuiza retrizes. A justificativa é a de que se trata de um projeto em construção. “Não adianta apresentar para o povo e chamar pasobre gênero, raça e diversidade sexual, além de coletivos de fi- ra compor”, argumenta Luiza. Entre as propostas pensadas esnanças e comunicação, formação e agitação e propaganda, to- tá a ampliação das cotas raciais e sociais nas universidades, a dos em níveis municipal, estadual e nacional. A lógica hoje é garantia de acesso a creches e a gratuidade do serviço de transmuito mais complexa que a de quando Luiza era secundarista porte para a juventude. Além de pontos ainda em construção, o Levante propõe e militava no grêmio da escola e no Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente. Dentro da universidade, sua parti- pautas abrangentes, capazes de retratar a diversidade da jucipação se voltou para a pauta feminista. “Comecei a participar ventude no Brasil. “Militância é se propor a mudar algo. de um núcleo da Marcha Mundial das Mulheres que tinha na Quando você se torna militante, você compreende que não USP, antes de me envolver com o Levante”, diz. Hoje, Luiza é consegue fazer isso sozinho, precisa de mais gente com voda coordenação da Frente Estudantil. “Quando seu trabalho é cê, então o sacrifício se torna maior. Quanto mais gente do construir um projeto de sociedade, você enxerga isso em tudo. seu lado, mais difícil ficam as relações e mais você vai ter As contradições estão presentes inclusive nos momentos livres de mudar, compreender as realidades existentes e fazer uma e de divertimento, mas a gente tem de separar as coisas para luta conjunta”, diz Walisson. Os jovens buscam agir no seu dia a dia da forma como gostanão pirar.” Ela considera indispensável ir ao cinema, ao teatro entre uma atividade e outra e “uma cervejinha” com amigos riam que a sociedade fosse organizada. Alguns exemplos dessa visão estiveram presentes no 3º Acampa, como a Ciranda Indepois das reuniões. Outro sentimento que une os integrantes do movimento é o fantil, espaço criado para cuidar das crianças e garantir que as de mudança. “As pessoas ligadas ao Levante veem um horizonte mães possam participar dos espaços políticos, e a divisão das de transformação no país. A gente sabe que é uma organização demais tarefas para manter a casa em ordem. “Aqui é a gente com potencial para isso”, afirma o estudante de Ciências Sociais que faz tudo. A gente cuida da limpeza, da nossa segurança, da Walisson Rodrigues, 25 anos, de Porto Velho. Walisson parti- nossa alimentação, das nossas crianças. É nós por nós. Isso aqui cipava do MAB em Rondônia e foi indicado para construir o é sobre a nossa emancipação”, afirma Juliana. 20

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MARCIO POCHMANN

Recusa ao voto, a política em descrédito Para um país sem tradição democrática, o nível de alienação eleitoral preocupa. Por trás do aparente protesto, a antipolítica e a rejeição à participação podem levar à passividade dos cidadãos

PAULO PINTO/ FOTOS PÚBLICAS

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desatenção das autoridades responsáveis pela condução do sistema político nacional ao movimento das urnas revela muito mais o apego à aparência de normalidade eleitoral do que à essência da crise maior de legitimidade do atual regime de democracia eleitoral. O principal aspecto político a ser realçado das recentes eleições municipais não foi o seu controverso resultado, mas o elevado grau de alienação. Por alienação eleitoral compreende-se o peso relativo da somatória das ausências dos eleitores (abstenções) e dos votos nulos e brancos, apontando para uma desestruturação do sistema político brasileiro. Em geral, as abstenções diferem-se dos votos brancos e nulos, posto que vão desde os custos do comparecimento à desconfiança, bem como à condição de protesto frente ao descrédito do sistema político. Mesmo assim, considerando-se o crescimento do fenômeno da alienação eleitoral ano após ano, o esvaziamento da participação eleitoral se apresenta seriamente preocupante. Como a participação eleitoral constitui centralidade inegável à relação entre o eleitorado e o sistema político, a essência esperada das eleições seria a de revelar a legitimidade do regime democrático representativo no Brasil. Mas o que se percebeu foi o comportamento do eleitor ser lenta e gradualmente alterado, cada vez mais questionador do sistema político nacional. Isso já era visível no decorrer das eleições presidenciais, posto que em 1989, por exemplo, a somatória de abstenções e votos nulos e em brancos no total dos eleitores foi 18,3%. Na última eleição presidencial, em 2014, o grau de alienação eleitoral alcançou 29% do total dos eleitores. No regime militar, a desconfiança no sistema eleitoral vigente levou cerca de 30% dos eleitores do ano de 1970 a se situar entre ausentes, nulos e brancos. A crise de legitimidade eleitoral naquela época não era decisiva, uma vez que o autoritarismo, por si só, ga-

rantia sustentação à autoridade governamental. Mas atualmente a perda de legitimidade do sistema político fica caracterizada pelo fato de – em grande parte das cidades – o prefeito ter sido eleito com menos votos do que a somatória de eleitores ausentes e da votação de nulos e em branco. Nesse sentido, o mandatário principal do poder público municipal deixa de ser escolhido pela maioria dos eleitores, comprometendo a legitimidade do voto e fazendo avançar o ceticismo na democracia representativa. Para um país sem tradição democrática, o crescimento atual do grau de alienação eleitoral se apresenta extremamente preocupante. Apesar das tentativas, a reforma do sistema político eleitoral não avançou. Os remendos legais que terminaram sendo realizados, conforme observado nas eleições municipais de 2016, favoreceram ainda mais as práticas tradicionais, com vantagens para os candidatos já identificados pelo grande público, como políticos, religiosos e outros famosos. Além disso, o impedimento ao financiamento empresarial, sem a alternativa ampliada do financiamento público, facilitou, em alguns casos, o uso da máquina (municipal ou estadual) por candidatos à reeleição ou apoiados pelo status quo, bem como o extravasamento de fontes ilegais, inclusive do crime organizado.

EM XEQUE Com a quantidade de abstenções, votos em branco e nulos, o eleito deixa de ser escolhido pela maioria dos eleitores, comprometendo a legitimidade do voto e fazendo avançar o ceticismo na democracia representativa

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EDUCAÇÃO

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Não pense, trabalhe

Reforma do ensino médio articula estratégias e interesses conservadores para moldar um povo sem voz, robotizado e servil

CHRISTIANCHAN/ SHUTTERSTOCK

Por Cida de Oliveira

intenção do governo de Michel Temer (PMDB) de sabotar a educação pública veio à tona em 8 de setembro, logo que o Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb) mostrou que o ensino médio continuava patinando, sem atingir a meta estipulada para 2015. No mesmo dia, o ministro Mendonça Filho anunciou que tomaria medidas urgentes para resolver os problemas de uma etapa marcada por evasão e notas baixas e longe de oferecer formação adequada para quem vai para a universidade ou precisa ingressar no mercado de trabalho. Nos dias seguintes, a secretária-executiva do Ministério da Educação (MEC), a tucana Maria Helena Guimarães Castro, criticou a escola e defendeu uma reforma baseada na fragmentação do curso, para torná-lo mais interessante. O protagonismo do estudante ficaria limitado à escolha, lá pela metade do segundo ano, se vai continuar tendo disciplinas acadêmicas, com vistas ao ensino superior, ou optar por disciplinas técnicas, com direito a canudo de técnico de nível médio no final. A ampliação do tempo na escola também foi defendida, mas os urgentes investimentos estruturais, como modernização dos prédios, e na carreira docente, com mais formação e salários adequados, nem sequer foram abordados – possivelmente por não caberem na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 que engessa gastos com educação, entre outros, por duas décadas. Baseada nesses preceitos, a Medida Provisória (MP) 746, editada no último dia 22 de setembro e anunciada com pompa e circunstância pela equipe de Temer, causou indignação. Educadores, estudantes, gestores, trabalhadores e movimentos em defesa da educação, envolvidos nos debates para a construção coletiva e democrática da Base Nacional Curricular Comum, determinada pelo Plano Nacional de Educação (PNE), foram todos atropelados. E a discussão para o detalhamento das competências que os estudantes brasileiros devem dominar ao longo de cada etapa escolar pode ser jogado no lixo com uma proposta que


EDUCAÇÃO

devem aprender as questões relacionadas à cidadania e ao pensamento crítico, como nas aulas de Filosofia e Sociologia, que ficam escanteadas”, ressalta Cara. Segundo ele, a oferta dessas disciplinas será opção das escolas, que dificilmente poderão ampliar o número de matrículas e manter uma grade além da determinação da lei. “Sem esse processo de construção crítica na escolarização, teremos uma sociedade com ampla maioria acrítica; e ainda mais cindida entre aqueles que têm uma formação técnica e tecnológica, para o mundo do trabalho, e aqueles com uma formação mais ampla, que serão os tomadores de decisão.”

Desigualdade

A exemplo de projetos em tramitação, como a PEC 241, que congela investimentos, e medidas já tomadas, como cortes em programas sociais, a proposta de reforma terá como um dos efeitos o agravamento da desigualdade. Primeiro, por causa da divisão do curso, ofertando

Mordaça

Permitir ao secundarista escolher entre um percurso mais dedicado a ciências humanas, da natureza, matemática ou formação técnica-profissionalizante de nível médio, como prevê o projeto, é positivo. “Porém, no núcleo comum, todos

ARBITRÁRIA Ato em São Paulo contra a reforma: ensino ameaçado

ROVENA ROSA/ AGÊNCIA BRASIL

­ endonça Filho e seus auxiliares tiraM ram da cartola da noite para o dia. “Alguns iluminados se fecharam em um gabinete e decidiram tirar educação física, artes, e nem foi com projeto de lei. Não se consultou a população. O Estado democrático de direito é aquele que amplia direitos, aquele que complementa a democracia representativa mediante a participação popular”, disse em 26 de setembro o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, em aula ministrada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). A constitucionalidade da MP está sendo questionada no STF pelo Psol e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Diante de tamanha reação, é provável até que a medida seja estrategicamente retirada. Mas não esquecida. Afinal, é uma reforma moldada e costurada com a “cabeça de mercado” que domina o governo, sob medida para aos interesses de moldar um povo que não pense nem reclame, apenas trabalhe. Consenso entre todos os críticos é o caráter autoritário da medida. “O cotidiano das escolas vai ser alterado profundamente com mudanças no formato de distribuição de aulas. E o novo percurso de escolarização vai fazer com que as escolas públicas repensem a distribuição das aulas”, avalia o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. “O preocupante é uma decisão de tal envergadura ser encaminhada por medida provisória, mecanismo oriundo de decreto da ditadura, pelo qual o Executivo passa a ser um superlegislador, quando deve ser tomada após debate com os professores e com os alunos, como aconteceu em diversas partes do mundo. Uma decisão temerária e que precisa ser discutida e combatida pela sociedade”, avalia.

para poucos uma educação ampla. Para a maioria, que mais necessita de ensino de qualidade, aceleração dos estudos para o ingresso no mundo do trabalho, como diz Daniel Cara. Segundo, pelo estímulo à ampliação do ensino em tempo integral, que terá efeito contrário. Ter mais tempo na escola é necessário. Mas essa escola precisa ser discutida e ser para todos. “Se for para reproduzir o que hoje já acontece na escola pública, com aula ruim, desinteressante, isso não vai adiantar em nada.” A presidenta interina da União Nacional dos Estudantes (UNE), Moara Correa Saboia, vislumbra maior abismo entre os alunos das redes pública e privada. “Os filhos da classe trabalhadora terão formação mais pobre, mecânica. Tudo coerente com o pensamento de Mendonça Filho e seu grupo, que sempre votaram contra tudo criado para democratizar o acesso à universidade.” O projeto é temerário também por abrir ainda mais brechas para a entrada do setor privado no ensino público, aumentando seus lucros. “A MP reúne questões perigosas, como liberar processos administrativos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para transferência de recursos, estimular parcerias público-privadas, abrindo espaço para a privatização com a flexibilização a partir das disciplinas profissionalizantes”, diz Moara. A presença privada é crescente também a partir de convênios com governos de diversos estados para o apoio ou gestão das escolas em tempo integral. Quanto ao objetivo de reduzir as taxas de abandono, a proposta de Temer poderá ter efeito contrário. Ao estimular o ensino em tempo integral, desestimula a rede a continuar oferecendo ensino noturno – quando deveria incentivá-lo e melhorar sua qualidade. “Como eu precisava ajudar minha família, fiz ensino médio noturno”, lembra a presidenta do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha, a Bebel. “A MP dialoga com o enxugamento de gastos em saúde e educação e com o tratamento que será dado aos servidores desses setores no país – o que está diretamente ligado ao desmonte do ensino público.” REVISTA DO BRASIL

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JUDICIÁRIO

Entre o Estado de direito e o de

EXCEÇÃO

Aos 208 anos, o STF é visto por alguns como maduro em sua independência. Para outros, a parcialidade em alta debilita a República e a democracia

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EM O VENENO DO ESCORPIÃO. FOTO AURELIO GONZALEZ

MANCHAS A sede do STF e as marcas do seu passado: Olga Benário entregue aos nazistas e Jango deposto

O. ANG/BUNDESARCHIV BILD

O

Supremo Tribunal Federal (STF) empossou em setembro a segunda mulher na presidência, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha. Com 208 anos de existência, desde que Dom João VI criou a chamada Casa de Suplicação do Brasil, e 126 anos desde que passou a ser chamado de STF, pela Constituição de 1890, o tribunal já abrigou 167 ministros indicados por presidentes – de Deodoro da ­Fonseca a Dilma Rousseff. Sua competência como Poder da República, de fato, foi redefinida a partir da Carta de 1988 com o objetivo de torná-lo mais próximo dos cidadãos. Mas o Supremo, que se destacou nessa trajetória por momentos ora dramáticos, ora gloriosos, enfrenta críticas por ser visto como uma Corte com marcada atuação politizada, que abala o Estado democrático. A questão levantada por operadores do Direito, juristas e cientistas políticos é se isso foi diferente em algum momento. Um dos pontos mais negativos da história do STF, com forte componente político, foi a contribuição do tribunal para a entrega da militante Olga Benário às forças nazistas de Hitler, em 1936. Judia, grávida, casada com o líder do Partido Comunista

U. DETTMAR/SCO/STF

Por Hylda Cavalcanti


JUDICIÁRIO

do Brasil (então PCB) Luís Carlos Prestes, ela foi, com a aprovação da Corte, enviada a um campo de concentração nazista para ser morta numa câmara de gás. Segundo historiadores, apesar de a petição de habeas-corpus ter sido considerada peça jurídica perfeita, o pedido foi negado sem sequer ter sido apreciado pelo colegiado. O mesmo tribunal deu respaldo à deposição de João Goulart, em 1964, após o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declarar a vacância da Presidência da República na madrugada de 2 de abril, quando Jango ainda se encontrava em território nacional. Como desdobramento do golpe, o regime aparelhou a Corte, ampliando de 11 para 16 o número de membros e limitando sua capacidade de julgar decisões dos generais, como

cassações de mandatos. O Supremo voltou a ter 11 membros em fevereiro de 1969, com a edição do Ato Institucional nº 6 (AI6). Com a saída de Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Victor ­Nunes Leal, aposentados compulsoriamente, e de Antônio Carlos Lafayette de Andrada e Antônio Gonçalves, que renunciaram em protesto, o regime passou a ter o controle do colegiado. Um julgamento marcante ocorreu há pouco mais de seis anos. Em abril de 2010, o STF rejeitou a revisão da Lei de Anistia por sete votos a dois. O voto do relator Eros Grau, que alegou não caber ao Judiciário rever o acordo político feito para a transição da ditadura à democracia, foi seguido por Cármen Lúcia, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso. Apenas Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres REVISTA DO BRASIL

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JUDICIÁRIO

Britto consideraram que crimes contra a humanidade (como a tortura praticada por agentes do Estado) não podem ser objetos de anistia e nem de prescrição.

Falsificação

Não se pode deixar de lembrar, no meio dessa longa história, que os ministros acumularam entendimentos positivos para os direitos humanos, como a aprovação das pesquisas com células-tronco, a união estável entre homossexuais, a adoção de crianças por casais do mesmo sexo, a autorização para aborto no caso de fetos anencéfalos. E também que, em meio ao desafio de ter recebido, somente no primeiro semestre deste ano, 44 mil processos, tem buscado técnicas de gestão e instrumentos para tornar os julgamentos mais céleres. “Um quantitativo difícil de darmos conta se não tomarmos medidas mais efeti-

vas de racionalização dos trabalhos”, ressalta o ministro Luís Roberto Barroso. Mas não sairá da memória jurídica e política nacional o episódio em que a Corte, em 2012, fez amplo uso da teoria do domínio do fato, durante o julgamento do mensalão, cuja aplicação no Brasil é contestada pelo seu próprio criador, o alemão Claus Roxin. A tese é vista como uma aberração por vários juristas. A doutora em filosofia jurídica Katarina Peixoto, que estuda a obra de Roxin, apresentou uma explicação para a distorção da tese. “Se um juiz ou desembargador brasileiro prescrever uma receita de ovo frito e, com base nela, autorizar a que se enjaule um cidadão antipático à opinião do Jornal Nacional e da revista Veja, por que razão ele não estaria autorizado a fazê-lo?”, questionou, em texto publicado em sua página no Facebook. A filósofa lembrou que existe interpretação e existem teo-

FOTOS CARLOS HUMBERTO, ROSINEI CONTINHO, FELLIPE SAMPAIO, NELSON JR./SCO/STF

Quem são os atuais ministros do STF­

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Ministro

Indicação

Aposenta-se em

Principais funções anteriores

Celso de Mello

Sarney

2020

Promotor e, posteriormente, procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (1970-1989)

Marco Aurélio Mello

Collor

2021

Procurador do Trabalho (1975-1978), juiz do Tribunal Regional do Trabalho-1ª Região (1978-1981), ministro do Tribunal Superior do Trabalho (1981-1990)

Gilmar Mendes

Fernando Henrique

2030

Procurador da República (1985-1988), subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil (1996-2000), advogado-geral da União (2000-2002)

Ricardo Lewandowski

Lula

2023

Advogado (1974-1990), juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo (1990-1997), desembargador do Tribunal de Justiça-SP (1997-2006)

Cármen Lúcia

Lula

2029

Procuradora do Estado de Minas Gerais (1983-2006)

Dias Toffoli

Lula

2042

Advogado (1991-2009), subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil (2003-2005), advogado-geral da União (2007-2009)

Luiz Fux

Dilma

2028

Promotor de Justiça (1979-1982), juiz de Direito do Estado do Rio de Janeiro (1983-1997), desembargador do TJ-RJ (1997-2001), ministro do Superior Tribunal de Justiça (2001-2011)

Rosa Weber

Dilma

2023

Juíza do Trabalho (1976-1991), Desembargadora do TRT-4ª Região (1991-2006), ministra do TST (2006-2011)

Teori Zavascki

Dilma

2023

Advogado do Banco Central (1976-1989), juiz do Tribunal Regional Federal-4ª Região (1989-2003), ministro do STJ (2003-2012)

Luís Roberto Barroso

Dilma

2033

Advogado (1981-2013), procurador do Estado do Rio de Janeiro (1985-2013)

Edson Fachin

Dilma

2033

Advogado (1980-2015), procurador do Estado do Paraná (1990-2006)

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MARCIA MINILLO/RBA (AV. PAULISTA 18.03.16)

JUDICIÁRIO

AMIGO DO PODER Em abril de 2010, o STF rejeitou a revisão da Lei de Anistia por sete votos a dois. Apenas dois ministros, Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Britto, consideraram que crimes contra a humanidade não podem ser objetos de anistia e nem de prescrição

rias da interpretação, as chamadas hermenêuticas, assim como existem distinções de método. “Essas coisas não anulam e nunca anularão a ruptura entre o verdadeiro e o falso e, se o fizerem, nem são interpretação, nem hermenêutica, mas pilantragem, quando não, crime, caso envolvam violação documental e ideológica, tipificadas no código penal, ou o uso mal intencionado e vil de enunciados textuais, a fim de cometer atos sem amparo legal.” Para Katarina, o conceito empregado aqui é uma falsificação do que Roxin produziu. “Na sua versão brasileira, o que ocorreu foi mais grave, em termos lógicos e penais, do que uma dublagem: a arregimentação serviu para se inventar uma teoria penal da responsabilidade objetiva que não visa ao que manda a filosofia penal moderna e o direito penal brasileiro.” Num tempo em que se debate o judicialismo exacerbado de questões legislativas, em especial sobre a correição ou não das delações premiadas na Operação Lava Jato, e visões diversas sobre os chamados “justiceiros da magistratura” – termo criado a partir da postura do ex-presidente do Supremo Joaquim Barbosa, que renunciou ao cargo em maio de 2014, em meio a várias declarações de cunho político e até confissões de ter omitido

fatos na peça jurídica do mensalão –, não se sabe se os tempos serão de correção ou de rumos mais sombrios. O caso do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ­– que se tornou réu em duas ações na Corte, e desde que foi cassado os casos foram remetidos para a primeira instância – foi outro a deixar o tribunal arranhado. Houve demora em avaliar as denúncias contra Cunha para transformá-lo em réu e também para decretar o seu afastamento da presidência. A justificativa, por parte dos ministros, de supostamente se evitar um confronto entre poderes, não convenceu observadores e cientistas políticos, que sabem que, sempre que quis, o tribunal não se furtou a julgar casos envolvendo o Executivo e o Legislativo. As críticas vão de omissão a cumplicidade – o que permitiu a Cunha ter tempo de acolher o pedido de impeachment de ­Dilma e ainda liderar a votação pela Câmara.

Visões de mundo

A ministra Cármen Lúcia, que assumiu a presidência para o biênio 2016-2018, costuma afirmar que “o compromisso dos juízes é com a toga e os cidadãos” e não com os políticos que os indicaram ao cargo, embora acrescente que não se oponha REVISTA DO BRASIL

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Da dependência à ousadia

Para Ricardo Lewandowski, que acaba de deixar a presidência, a história das últimas décadas mostra independência dos integrantes do STF. O ministro, que deixou o comando do tribunal acrescentando à sua biografia a presidência do julgamento do impeachment de Dilma Rousseff no Senado, também é responsável por decisão que transferiu do plenário da Corte para duas turmas (cada uma com cinco magistrados) julgamentos de deputados e senadores. A medida contrariou parlamentares, que observam serem necessários menos votos para uma conde28

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ESPETACULARIZAÇÃO O julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão, marcou o início da aliança entre a mídia e o judiciário. Manchetes e capas de revista alimentaram o circo do STF. As sessões eram transmitidas ao vivo pela TV. O ministro Joaquim Barbosa liderava a cruzada contra a corrupção, na ocasião personificada por José Dirceu, condenado pela controversa tese do “domínio do fato”

nação. Se no plenário são ao menos seis votos para uma decisão majoritária, em uma turma bastam três para que o julgamento seja definido. Já os presidentes da Câmara e do Senado continuam sendo julgados pelo plenário do tribunal. A polêmica atual diz respeito à Lava Jato, ao entendimento sobre a validade ou não das delações premiadas e das prisões temporárias e à dubiedade de alguns magistrados quando citados em ilações ou conversas durante essas delações. O relator do processo no colegiado, ministro Teori Zavascki, chegou pedir satisfações ao juiz federal Sérgio Moro, que conduz a

FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL

a que esses magistrados adotem visões de mundo. Mas a cientista política Maria Teresa Sadek não tem dúvida: “O Judiciário é político sim, sempre foi. O que não pode é ser partidário”, afirmou, em entrevista recente ao jornal O Estado de S. Paulo. Para ela, que avaliou o papel da Justiça no processo do impeachment de Dilma Rousseff, os desdobramentos da Operação Lava Jato e a judicialização de questões legislativas são reflexo da Constituição de 1988. Maria Teresa atribui o chamado protagonismo do Judiciário em questões pertinentes ao Legislativo como omissões observadas por parte do Congresso. E considera razoável que, se houver uma fragilidade em algum dos outros poderes, o STF seja chamado a atuar. Outro questionamento entre os observadores do STF tem sido o fator opinião pública, que para Maria Teresa é muito levada em consideração, mas não é determinante para os julgamentos. “O juiz, hoje, tem muito mais consciência das consequências dos seus atos. Não temos mais o juiz que se fecha em uma redoma e não se importa com o que acontece do lado de fora” ressalta. Nem todos pensam dessa forma. O jurista Marcello Lavenère, ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e até hoje membro emérito do órgão, aponta no STF uma extrema dificuldade em enfrentar temas levados ao seu conhecimento. “Essa dificuldade começou com o mensalão, quando assistimos a uma cobertura da imprensa semelhante às de Olimpíadas. Ligávamos a televisão e durante toda a tarde e parte da noite os canais estavam transmitindo o julgamento”, observou, em entrevista ao jornal Sul21. O julgamento terminou com a condenação à prisão de importantes figuras políticas no país, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e do ex-deputado José Genoino. Sobre a Corte recai, até hoje, a crítica de ter permitido, por meio da teoria do domínio do fato, a condenação sem provas e neutralização da defesa. Lavenère avalia que a exposição à mídia é ruim para o Judiciário. “Não é bom que os magistrados estejam quase todos os dias sendo entrevistados. Em muitos casos os vemos sendo homenageados como o do ano, o de ouro, o pop star, como é o caso do juiz Sérgio Moro”, diz. Segundo ele, essa permeabilidade à mídia compromete a rigidez e o equilíbrio da Justiça. “Não podemos nos esquecer que a Justiça é simbolizada por uma deusa que tem os olhos vendados e uma balança na mão. Os olhos vendados, para não fazer acepção de pessoas, e uma balança na mão para não ter pesos e critérios de ponderação diferentes”, lembra.

ANTONIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

JUDICIÁRIO


FELLIPE SAMPAIO/SCO/STF

MARCOS OLIVEIRA/AGÊNCIA SENADO

JUDICIÁRIO

O EQUILÍBRIO DA JUSTIÇA ESTÁ COMPROMETIDO Marcello Lavenère: “Não é bom que os magistrados estejam quase todos os dias sendo entrevistados. Em muitos casos os vemos sendo homenageados como o do ano, o de ouro, o pop star, como é o caso do juiz Sérgio Moro”

“TROPEÇO NA DEMOCRACIA” O impeachment de Dilma também foi objeto de vários recursos contestando a sua inconstitucionalidade, devido à ausência de crime de responsabilidade. A Corte, no entanto, proferiu sucessivas decisões permitindo o andamento do processo

operação no Paraná, por ter gravado sem autorização conversas telefônicas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então presidenta, Dilma Rousseff. Foi aplaudido pelos que acham que os juízes da mais alta Corte devem ser juízes e não misturar política com Justiça – mas a medida não resultou em consequência para Moro, que teve a finalidade de impedir a ida de Lula para a Casa Civil, o que ajudaria Dilma a recompor a base do governo. Katarina Peixoto considera que as violações da Lei Orgânica da Magistratura observadas no rumo das investigações e nas decisões de Moro – “Violações como tais reconhecidas pelo próprio TRF-4”, afirma – levam ao que ela chama de “exceção jurídica”. Foi o que o ex-ministro da Justiça de Dilma Eugênio Aragão chamou de “vale-tudo”, ao comentar decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que manteve o arquivamento de uma representação contra o juiz do Paraná. “A decisão afirma que em tempos excepcionais as leis são excepcionais e não precisam ser observadas. Parece que todo o Direito brasileiro foi revogado pelo TRF, que é quem supervisiona a área de Curitiba, para dizer que Moro pode tudo”, afirmou ao Diário do Centro do Mundo. A Lei Orgânica, assinala Katarina, veda o expediente de gram-

pear advogados e espionar a relação entre esses e seus clientes. Para a estudiosa, enganam-se os que pensam que isso vai parar ou que isso é só contra o PT e seus dirigentes. “Essa ingenuidade não tem o menor cabimento, quando juízes não se envergonham de falsificar teorias, prender sem provas e dizer que a falta de provas é motivo para prender”, critica. “Pode ser analfabetismo funcional, pode ser ignorância, pode ser miséria intelectual carregada do câncer atávico, residual, da cultura bacharelesca, de colônia escravagista. Há muitas hipóteses que exigem o acompanhamento judicioso do que juízes dizem que usam como fundamento de suas decisões e o que procuradores e promotores usam para fundamentar suas denúncias.” O impeachment de Dilma também foi objeto de vários recursos contestando a sua inconstitucionalidade, devido à ausência de crime de responsabilidade. A Corte, no entanto, proferiu sucessivas decisões permitindo o andamento do processo. Passada a fase da votação, o tribunal terá de enfrentar, agora, a apreciação dos recursos contestando o resultado e avaliando o mérito da ação. No final de setembro, Lewandowski, durante evento com alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, definiu o impeachment como “um tropeço na democracia brasileira”. REVISTA DO BRASIL

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ENTREVISTA

FABRIQUE UMA CRISE

E ATROPELE O ESTADO Geólogo Luiz Fernando Scheibe, da Universidade Federal de Santa Catarina, critica esforço do governo em privatizar o Aquífero Guarani, riqueza subterrânea de 1,1 milhão de quilômetros quadrados Por Helder Lima

FECHEM A TORNEIRA Água jorra do Aquífero Guarani em Ibiporã, PR

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ENTREVISTA

ERNESTO REGHRAN/PULSAR IMAGENS

“A

ideia de conceder tudo à iniciativa Mas não é só a privatização que ameaça esse recurprivada, esse modelo neoliberal, é so natural, um dos maiores do mundo. Em Ribeirão estimulada por uma crise fabrica- Preto (SP), o uso intensivo de suas águas já dá sinais da. Essa ideia de que você fabrica de esgotamento, e ainda há empresas que querem exuma crise para que durante a crise plorar o gás de xisto nas camadas inferiores ao aquíos governos, os parlamentos e as pessoas aceitem fero, o que seria mais uma aberração, já que a técnica negociar coisas que antes eram inegociáveis veio utilizada, o fraturamento hidráulico – ou fracking, do Milton Friedman (economista norte-americano, técnica de extração que consiste em injetar no so1912-2006,um dos ideólogosdo liberalismo lo areia e produtos químicos sob alta pressão, prode mercado).” vocando fissuras no interior da rocha A análise cairia como uma lupara a retirada de combusva para o político do camtíveis líquidos e gasosos po progressista, avesso ao –, mostra grande imgolpe parlamentar consopacto ambiental nos Es0 sedimento metro lidado no país com o impetados Unidos, onde tem achment de Dilma Roussesido adotado. “O grande Aquífero ff, mas vem de um geólogo, drama da questão do gás Bauru o professor emérito da Unide xisto está relacionado 400 versidade Federal de Santa com o fato de que primeiro lava metros endurecida Catarina (UFSC) Luiz Ferele ameaça a qualidade das nando Scheibe, e surge no águas e, em seguida, a quaAquífero meio do discurso de quem lidade do ar”, diz o professor. Guarani 1.000 está seriamente preocupado metros O sr. diria que o Aquífero com a soberania nacional e Guarani está em processo com o direito de acesso às ride privatização? quezas do subsolo brasileiro. Nesta entrevista, ScheiNossa preocupação maior é com os aquíferos Guarani e Serra Geral – be fala do Aquífero Guarani, este último é um aquífero que área de 1,1 milhão de quiestá sobre o Guarani. O lômetros quadrados que acesso à água é consicompreende as regiões derado direito fundaSul, Sudeste e CentroBrasil mental de todos os se-Oeste do país e tamres humanos. Falar em bém parte de Argentina, privatização de qualquer Uruguai e Paraguai, abriganfonte de água é algo que do um imenso reservatório subterrâneo foge ao conceito de direide água, estratégico para o meio ambiente to humano fundamental da e o desenvolvimento sustentável. E Paraguai água. Quanto à privatização de que está no alvo do golpe, já que, Aquífero uma determinada fonte de água, a exemplo do pré-sal, também o Guarani não existe normalmente uma priaquífero poderá ser privatizado. vatização, mas uma possibilidade de No início de setembro, o governo outorga, que é uma concessão feita peMichel Temer conseguiu aprovar lo Estado. O Aquífero Guarani tem 1,1 o Programa de Parcerias para InUruguai milhão de quilômetros quadrados. Falar vestimentos (PPI), instrumento Argentina na privatização do aquífero é como falar na para abrir tais riquezas às mulprivatização de uma área que tem praticamente tinacionais. um oitavo da área do Brasil. Não seria algo viável. “Falar na privatização do aquífero é como falar na privatização Mas é uma discussão pertinente... de uma área que tem praticamente Sim, é extremamente pertinente. O acesso a essa um oitavo da área do Brasil. Não seágua deve ser sempre público e não pode ser priria algo viável”, afirma Scheibe, com a vatizado. A água não deve ser concedida de jeito autoridade de quem conhece as riquenenhum, ainda que exista a possibilidade de ouzas que o subsolo do país ainda guarda. REVISTA DO BRASIL

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torga para determinados usos, desde que eles não comprometam o acesso das outras pessoas. No caso do Aquífero Guarani, por causa da extensão, o grande problema é o uso localizado do aquífero. Vamos tomar como exemplo a cidade de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Essa cidade está localizada sobre uma área de afloramento do aquífero e uma parte da área tem cobertura pelo outro sistema aquífero, que é o Serra Geral. Em Ribeirão, estão fazendo uso tão intenso que, ao cabo de 50 anos de exploração, o nível da água dentro do aquífero já baixou mais de 60 metros, o que significa que a reserva disponível está diminuindo drasticamente. Também é importante a gente ter clareza do que é o aquífero­– uma rocha que contém água nos seus poros ou em suas fraturas. Não se trata de um corpo de água, mas de um corpo de rocha que contém água. E o movimento da água dentro do aquífero é extremamente lento. Enquanto em um rio a água se movimenta em metros por segundo, dentro do aquífero a água se movimenta em velocidade de metros por ano. O que acontece em uma determinada parte do aquífero tem uma abrangência local. O fato de em Ribeirão Preto estarem praticamente esgotando as possibilidades de exploração não quer dizer que o restante da reserva esteja sendo ameaçado. Mas qual seria a situação geral do aquífero, considerando que ele se espraia também pelos países vizinhos (Uruguai, Argentina e Paraguai)?

Exceto em algumas localidades em que ele está sendo superexplorado, ele continua sendo uma reserva extremamente importante do ponto de vista estratégico. É a maior reserva de água subterrânea do mundo?

Uma das maiores do mundo. Sua importância está mais ligada com o fato de que ela ocorre em uma área que é a mais habitada e industrializada da América do Sul. Só para exemplificar: na Amazônia tem um aquífero maior, Alter do Chão, que é quatro vezes maior, mas ele está em baixo do rio Amazonas e no meio da floresta. Então, não é um local em que essa água tem uma importância geopolítica, digamos assim. Embora não seja a maior reserva do mundo, 60% do PIB dos quatro países estão na área de ocorrência do Aquífero Guarani. O Senado aprovou medida provisória que autoriza o chamado PPI, um dos tentáculos do governo Temer. Essa medida, que amplia possibilidades de privatizações e concessões, chega a preocupar no que se refere ao aquífero?

Olha, essa medida preocupa demais com relação a muitas outras questões e também em relação ao aquífero, porque antes de tudo é um patrimônio do povo dos quatro países em que ele ocorre. O fato de que você vai fazer concessões no longo prazo, especialmente para empresas estrangeiras, eventualmente limitando o acesso das populações a essa riqueza, é extremamente preocupante, porque se está concedendo um direito que é da população. A privatização ou outorga que limite o 32

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SOLON SOARES/AGÊNCIA AL

ENTREVISTA

Exceto em algumas localidades em que está sendo superexplorado, o aquífero continua sendo uma reserva estratégica

acesso de outras pessoas ou mesmo de empresas a esse recurso é extremamente preocupante. Como preocupa muito que o Estado brasileiro esteja concedendo a empresas estrangeiras, mesmo estatais de outros países, o acesso ao petróleo, ao pré-sal. A negociação feita pelo governo e pela Petrobras sobre a área de Carcará (em Santos, litoral paulista) é um exemplo disso. Um patrimônio que pode ser estimado em pelo menos US$ 60 bilhões foi entregue a uma empresa estatal norueguesa por US$ 2 bilhões. Temos de ficar muito preocupados. Isso já está acontecendo na Argentina e no Paraguai, não?

O principal país que tem grandes problemas com relação à privatização da água é o Chile. Lá a ditadura do Pinochet realmente privatizou todas as fontes de água. Hoje, toda a água é objeto de negociação e não há garantia de acesso para a população em geral. O que significa o acordo sobre o Aquífero Guarani, firmado em San Juan, na Argentina, em 2 de agosto de 2010 (já aprovado pela Comissão de Minas e Energia da Câmara, mas que ainda será analisado pelo plenário)?

Sem dúvida, esse acordo é interessante. Diz que cada um de seus signatários, no seu território, é responsável pelo bom uso e pela preservação do aquífero. Mas chega a ser uma garantia contra a privatização?


ENTREVISTA

Não, porque cada país faz o que quiser. Eu acho mais importante o fato de sermos signatários da resolução da ONU que garante a água como um direito humano fundamental. Algo que talvez você pudesse pesquisar para ter uma ideia de como acontecem essas coisas é o caso da água mineral São Lourenço, na qual a concessão foi dada à Nestlé, que comprou os direitos de engarrafamento. Como a empresa tem uma rede de distribuição extremamente poderosa e diversificada, no nosso país e em outros, está vendendo tanta água que a extração na fonte está prejudicando a possibilidade de utilização do balneário, que na cidade (no sul de Minas Gerais) é importante turisticamente como um direito de acesso a todos. Está havendo aí uma forma de exploração para o capital que está fazendo com que a população local seja prejudicada por essa privatização. É isso que não podemos admitir, e temos de insistir que não deve ocorrer. Cresceu o interesse pela exploração do gás de xisto em camada inferior ao aquífero. Essa exploração, que tem como base a tecnologia do fraturamento hidráulico, representa ameaça para o aquífero?

Existe toda uma campanha, digamos assim, no sentido de que realmente a utilização do fracking nas áreas de ocorrência desses aquíferos, tanto o Guarani quanto o Serra Geral, como outros que temos, ameaça esses reservatórios, e também as águas superficiais. A tecnologia do fracking utiliza grandes quantidades de água, e o grande problema é que praticamente a metade da água utilizada volta para a superfície extremamente contaminada. Nos Estados Unidos, a prática mais frequente para se livrar dessa água é injetá-la em poços profundos em outras formações. E já está comprovado que nos locais em que estão fazendo essa reintrodução da água em camadas profundas há um aumento na quantidade de pequenos terremotos. Mas há pouco tempo aconteceu em Oklahoma um terremoto relativamente grande, e todo mundo diz que nas áreas em que estão fazendo esse tipo de injeção os terremotos são mais frequentes. Mas o grande drama da questão do gás de xisto está relacionado com o fato de que primeiro ele ameaça a qualidade das águas e em segundo lugar, a qualidade do ar. Certamente existem fugas de gases nocivos à saúde que vão ao ar também. Por outro lado, eles representam uma ocupação de territórios muito grande, porque acabam criando a necessidade de muitas vias de acesso, então há uma certa incompatibilidade dessa produção com outras atividades. No oeste do Paraná, há os cultivos e é uma das regi-

ões em que já foi negociada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) a autorização para a pesquisa do gás de xisto. Ainda não existe uma autorização para extração, mas para pesquisa. O gás de xisto até agora não está explorado na área do aquífero, mas houve leilão de lotes de exploração...

Não temos notícia de nenhuma exploração. Nesses leilões que aconteceram, as empresas manifestaram interesses, assumiram compromissos, algumas chegaram a assinar contratos, inclusive com a ANP, mas como houve essa campanha contra a imediata autorização e utilização do gás de xisto, na maior parte dos estados em que houve esses leilões o ­Ministério Público Federal entrou com petições e os juízes federais deram liminares proibindo ou suspendendo a vigência desses contratos. A questão está toda judicializada hoje. Em julho, participei em Porto Seguro de uma mesa-redonda com a presença da diretora-geral da ANP, Magda Chambriard, em que ao final ela própria disse que não via inconveniente em que se assinasse, por exemplo, um Termo de Ajustamento de Conduta suspendendo por pelo menos cinco anos qualquer tipo de exploração de gás de xisto no país. Então, há um acordo de que realmente não há pressa. E essa ideia de uma moratória para o gás de xisto vai nos dar a possibilidade de estudar melhor essas questões e ao mesmo tempo de verificar até que ponto é realmente interessante para o país embarcar nesse tipo de exploração. Embora nos Estados Unidos ela esteja sendo um sucesso, não há esse mesmo sucesso em outro lugar. E as condições dos Estados Unidos para esse tipo de exploração são completamente diferentes, porque eles têm um conhecimento geológico de seus terrenos muito maior do que nós. Têm uma necessidade absoluta de fontes internas de petróleo e nós temos, até agora pelo menos, o pré-sal. Eles estão praticamente espremendo o bagaço da terra deles, para tirar o resto de petróleo que têm. Mas nós não temos essa necessidade, e isso tem um custo ambiental, social e de capital extremamente grande. Nós hoje podemos dizer que a comunidade científica não tem mais dúvida em relação à agressividade do fraturamento hidráulico para o meio ambiente?

Não há nenhuma. Apesar disso, há muitas pessoas que consideram que a relação custo-benefício apontaria para o fato de que essa agressão ao meio ambiente pode ser feita para que exista uma maior disponibilidade local de gás, energética etc.

O principal país que tem grandes problemas com relação à privatização da água é o Chile. Lá a ditadura do Pinochet realmente privatizou todas as fontes de água. Hoje, toda a água é objeto de negociação e não há garantia de acesso para a população em geral

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ENTREVISTA

É possível afirmar que pelo menos em parte essa tecnologia e a própria exploração do xisto permitiram aos Estados Unidos jogar para baixo o preço do petróleo no mercado internacional?

Pulverização de inseticida em plantação de feijão. Guaíra, SP

Não é exatamente isso, mas podemos dizer que provavelmente o preço do petróleo internacional baixou como uma reação dos demais países produtores de petróleo na tentativa de tornar antieconômica a exploração do gás de xisto, que é uma coisa que na verdade está acontecendo. Praticamente todas as pequenas empresas produtoras de gás de xisto nos Estados Unidos estão hoje com dívidas muito maiores do que o seu patrimônio. Se persistir esse baixo preço do petróleo, elas não vão conseguir resistir a esse assédio dos preços baixos. Às grandes empresas produtoras de petróleo, no sentido de eliminar a concorrência dessa disseminação de pequenas empresas, que aconteceu nos Estados Unidos. Essas pequenas aos poucos vão sendo absorvidas pelas grandes. Agora, isso tem efeitos colaterais muito importantes. A baixa no preço do petróleo acaba sendo um fator de retardamento da implantação das fontes alternativas de energia. Com o petróleo a US$ 100 o barril, a energia eólica fica muito mais interessante, contra a energia fóssil. Já com o petróleo a US$ 40 você pode pensar em termelétricas, mas a US$ 100 o barril, energia elétrica, fotovoltaica (solar) e hidráulica, que a gente discute até que ponto é tão limpa assim, ficam mais competitivas. Isso (o preço baixo do petróleo) faz com que a implementação dessas outras modalidades seja retardada. No estado de São Paulo, o governo pretende fazer concessões de parques estaduais à iniciativa privada. Considerando que nesses parques há áreas de recarga dos aquíferos, o sr. vê também essas concessões de parques como ameaça?

Um parque estadual pela legislação é de uso extremamente limitado. E normalmente tem também um plano de manejo que define uma área central do parque que é considerada praticamente isenta de qualquer tipo de uso humano. E há uma parte onde existe possibilidade de exploração turística ou de lazer. Mas a ideia de conceder tudo à iniciativa privada, esse modelo neoliberal, é estimulado por uma crise fabricada. Essa ideia de que você fabrica uma crise para que durante a crise os governos, os parlamentos e as pessoas aceitem negociar coisas que antes eram inegociáveis veio do Milton Friedman. Esse modelo está escrito há 80 anos – se você quer mudar as coisas, fabrique uma crise. Essas concessões do pré-sal, por exemplo. Cinco anos atrás, o parlamentar que apresentasse um projeto desses estaria massacrado, tanto que o José Serra (senador pelo PSDB-SP e atual ministro das Relações Exteriores) apresentou esse projeto cinco anos atrás e ele não caminhou. Agora você fabrica uma crise, muda o governo em cima disso e consegue aprovar uma excentricidade como essa, de mudar um modelo que preserva o recurso para o Estado, e consequentemente para a população, 34

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DELFIM MARTINS/PULSAR IMAGENS

O preço baixo interessa a quem?

Todos os aquíferos estão sujeitos ao uso dessa quantidade imensa de agrotóxicos, adubos e fertilizantes químicos

por outro modelo que concede isso para outro Estado ganhar dinheiro em cima, como foi a venda de Carcará para a Noruega. Isso faz com que aumente o nível de vida dos noruegueses em detrimento do nível de vida dos brasileiros. Como se os noruegueses precisassem disso. Existem mais ameaças rondando o aquífero Guarani?

Tem as ameaças do uso abusivo de fertilizantes químicos e de agrotóxicos nas áreas de ocorrência desses aquíferos. No caso do Guarani, sua maior parte não está à flor da terra, mas embaixo de outros aquíferos, no caso o Serra Geral, e no noroeste do Paraná e parte de São Paulo tem outro aquífero muito importante, que é o Bauru. Todos estão sujeitos ao uso dessa quantidade imensa, não só dos agrotóxicos, dos quais o Brasil é campeão mundial de utilização, mas dos próprios adubos e fertilizantes químicos. Esses produtos têm muitos elementos que são prejudiciais à saúde. O uso intenso de fertilizantes e agrotóxicos, consequência direta do domínio exercido pela Monsanto, que agora foi comprada pela Bayern, esse domínio obrigando praticamente o produtor a usar sementes transgênicas, que por seu lado obrigam o uso do glifosato, que se revelou cancerígeno. Enfim, esse é um modelo que afeta as nossas águas superficiais e provavelmente dentro de algum tempo, já que subterraneamente o movimento é lento, afetará as nossas águas subterrâneas. Esse é outro problema extremamente grave.


EMIR SADER

Neoliberalismo contra democracia

Não resta a Temer discurso algum, senão o da ordem e o da economia de recursos, que se traduzem em repressão às manifestações e em medidas antipopulares

A

retomada do modelo neoliberal, fracassado nos anos 1990, derrotado sucessivamente em 2002, 2006, 2010 e 2014, só pode se dar mediante um governo não democrático. Golpista no acesso ao poder, porque não obteria maioria democrática nos processos eleitorais com um projeto tão antipopular e autoritário, porque tem que governar contra o interesse da grande maioria da população. Um governo que se coloca como objetivo a aplicação de um duro ajuste fiscal, que corta direitos adquiridos pela massa da população, que acentua ainda mais a recessão econômica e, com ela, o desemprego e a perda de poder aquisitivo dos salários, é incompatível com a democracia, porque governa contra a grande maioria dos brasileiros. Temer disse que se conforma com ter o apoio de 5% da população, porque sabe que governa para essa minoria. Mesmo contando com o apoio da velha mídia, não conseguiria obter apoio popular para um programa tão antipopular. Daí o endurecimento não apenas repressivo do governo, mas das ações concertadas com a Polícia Federal, com promotores, com a Procuradoria-Geral da República, com o Supremo Tribunal Federal, para blindar o sistema politico, para dificultar ao máximo que as forças populares possam voltar a ganhar eleições presidenciais e desfazer o que o governo golpista está fazendo. O pouco tempo em que está governando foi suficiente para demonstrar que o governo golpista não tem nem discurso e nem medidas que possam conquistar um mínimo de apoio na sociedade. Seu núcleo estratégico, a equipe econômica, só tem a prometer um duro ajuste fiscal, com a esperança de recuperar o que considera o equilíbrio das contas públicas em 2017 ou talvez só em 2018. Não tem o mínimo que se pudesse chamar de projeto hegemônico, que conseguisse organizar um bloco social coerente para governar e um bloco social de apoio.

Ao contrário, o Temer foi indispensável para o golpe, pelo seu cargo de vice-presidente, nada mais do que isso. Seu discurso inicial de “reunificação” do país se choca com o seu isolamento absoluto. A recuperação da economia não tem horizonte futuro algum. Até o equilíbrio fiscal, que poderia ser o objetivo essencial, está afetado pelos gastos desequilibrados do governo. Não lhe resta discurso algum, senão o da ordem e o da economia de recursos, que se traduzem em repressão às manifestações e em medidas antipopulares. Temer se resigna, dizendo que não lhe importaria ter 5% de apoio, se “colocar a economia nos trilhos”, mas em trilhos que atendem a esses 5% e não à grande maioria. Em escala mundial o neoliberalismo produz governos impopulares, que têm pânico das eleições e só se mantêm pela repressão. As políticas de austeridade na Europa desgastam a todos os governos que as assumem e causam crise permanente de legitimidade. Na América Latina, em países como o México, o Peru, o Chile, os governos se desgastam logo que são eleitos e mantêm o modelo neoliberal, nunca conseguem eleger seus sucessores. As pessoas se interessam cada vez menos pela política, porque os partidos se sucedem, mas reproduzem o programa de governo. O capitalismo, na sua fase neoliberal, se choca assim, frontalmente, com a democracia. Tem que apelar, cada vez mais, para a repressão, para blindar os sistemas político-eleitorais, para tentar impedir que a esquerda eleja presidentes que ponham em prática projetos alternativos aos seus. No Brasil, conforme a direita retoma o mesmo modelo neoliberal, a impopularidade fará com que o governo se choque, cada dia mais, com a democracia, se torne cada vez mais autoritário e impopular. Viveremos dois anos de grande disputa política em torno da continuidade desse modelo ou de uma nova derrota sua, se conseguimos recuperar para o povo o direito de decidir sobre os seus destinos. REVISTA DO BRASIL

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CULTURA

O ARTISTA e o sentido da obra IVAN ABUJAMRA

No palco do Tuca, Fagundes, como Rothko, e Bruno, como o assistente Ken

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CULTURA

“O

que você vê?”, pergunta, com o olhar fixo quer um pode fazer, até uma criança. Arte tem de ser difícil. em algum ponto entre a plateia e o além, o Gosto mais daquela”, diz, apontando para Subway (Metrô), obra pintor Mark Rothko. “Vermelho”, responde figurativa, de uma fase anterior do artista. No final, a mesma o assistente. Rothko não se contenta com jovem se levanta e aplaude com entusiasmo. “Alguns trechos do a objetividade ingênua de Ken. Espera do diálogo pareciam ter sido escritos para mim”, diz, comentando assistente uma interpretação que transpasse o sentido da cor suas indagações juvenis sobre o que dá a uma pintura o status e encontre um sentido para a obra em execução. E ambos dão de obra de arte. assim início a um instigante e desafiador diálogo ao longo de 80 minutos que fluirão imperceptíveis até as cortinas se fecharem. Às próprias custas Antonio Fagundes não vê com bons olhos o funcionamento Os dois personagens da peça Vermelho são vividos por Antonio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, a Lei Rouanet. ­Vermelho e Bruno Fagundes, pai e filho. O texto do escritor e dramaturgo norte-americano John Logan­ foi produzida sem patrocínio e sem lei de incentivo, com o es(roteirista de filmes como Gladiador, O Aviador, 007–Operação forço de sete associados – sua sobrevivência depende exclusiSkyfall, A invenção de Hugo Cabret) remete a um período espe- vamente do público, da bilheteria, do espectador. “Nós querecífico da vida de Rothko, no final dos anos 1950, quando o ar- mos que o espetáculo se mantenha por ele próprio”, enfatiza. tista pintava, sob encomenda, murais paOs atores vão além de suas interpretara o sofisticado restaurante Four Seasons, ções no desafio de conquistar o público. no recém-inaugurado edifício Seagram, São várias as iniciativas da produção para tornar a relação mais íntima e interatiem Nova York, obra dos arquitetos Mies va. Após o espetáculo, ambos promovem van der Rohe e Philip Johnson e marco um bate-papo a respeito do trabalho dos da arquitetura contemporânea. artistas – o do pintor, de seu assistente e Questionado sobre o desafio de agradar deles próprios. Explicam o papel do ceao público com a história de um personagem relativamente desconhecido para nário, da iluminação, do som e das cores os padrões brasileiros, Fagundes reage: na composição da carga dramática. “Podemos dizer que a luz é um personagem”, “Rothko era o pintor mais importante define Fagundes. do mundo em sua época. Suas obras são Depois da conversa, uma tela gigante valiosíssimas. Recentemente, uma delas pintada por Rotkho e Ken no decorrer foi leiloada por quase US$ 45 milhões”. Por Paulo Donizetti de Souza da trama é leiloada com lances a partir de Mas nenhum museu brasileiro tem um e Sônia Oddi R$ 60 – a disputa entre os espectadores quadro dele em seu acervo. Mark Rothko (1903-1970), natural da Letônia e de vai longe. A produção oferece também ­família judaica, migrou para os Estados Unidos quando tinha uma visita guiada, para até dez pessoas, aos sábados, para que 10 anos. Ligado ao movimento expressionismo abstrato, ganhou o público respire os ambientes do cenário e dos bastidores por destaque no país após a Segunda Guerra ao se posicionar na con- trás da história. Vermelho tem ainda sessões especiais com acestracorrente do triunfo do capitalismo e da civilização tecnológica. sibilidade nos últimos sábados de cada mês. As próximas serão O fascínio provocado pela genialidade e a tormenta do artista em 29 de outubro e 26 de novembro, com intérprete de Libras, não é o único ingrediente a cativar a plateia. Aliás, não é neces- audiodescrição e legendas. sário ser conhecedor de história da arte para se deliciar com o O veterano ator se irrita ao comentar o mito de que teatro roteiro de John Logan. Trata-se de uma metáfora da vida e do no Brasil é caro. “Existe essa espécie de senso comum e isso valor de nossas escolhas para dar-lhe sentido. O zelo de Logan não é verdade. O valor do ingresso é muito menos do que se no trato das palavras, na lógica, no ritmo e na intensidade do paga para assistir a uma partida de futebol ou a uma luta de diálogo raptam a atenção. O texto soa para os ouvidos como MMA. O que falta é interesse, decorrente da falta de educação uma boa música. “Dá vontade de gravar para ficar ouvindo de- e cultura, infelizmente, para que o teatro faça parte da rotina pois, né?”, brinca Bruno. do nosso povo”, diagnostica, observando que em Nova York Mesmo assim, a produção oferece ao público a oportunida- um ingresso custa de US$ 150 a US$ 300 e os teatros estão de de se familiarizar com a história. No hall do tradicional Te- sempre lotados. “Aqui, mesmo com muitas opções gratuitas, atro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o Tuca, as pessoas não vão.” no bairro das Perdizes, zona oeste paulistana, uma pequena A produção é grandiosa e trabalhosa. O cenário e a estrutura exposição com imagens e textos abastece o espectador com in- toda são desmontados após as apresentações dos domingos e formações sobre todos os artistas, obras e movimentos citados remontado às sextas – já que o Tuca tem outro evento durante a durante o espetáculo. semana. “É um trabalhão”, diz Fagundes, 67 anos. Mas o desejo Ali, uma jovem estudante observa uma obra abstrata de da dupla é que a presença do público os obrigue a prorrogar a ­Rothko e comenta com a mãe. “Isso para mim não é arte, qual- temporada e o trabalhão para o ano seguinte. Bruno, 27, já não

No palco com a genialidade atormentada do pintor Mark Rothko, Antonio e Bruno Fagundes encenam uma metáfora da vida

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CULTURA

Rothko era o pintor mais importante do mundo em sua época. Suas obras são valiosíssimas. Recentemente, uma delas foi leiloada por quase US$ 45 milhões

IVAN ABUJAMRA

Antonio Fagundes

é mais um aprendiz de ator e contracena com o pai com autoridade. Ainda criança já participara de novelas (em A Viagem, com 5 anos, e Rei do Gado, com 7) e frequenta os palcos desde adolescente. É com autoridade, portanto, que incorpora com a miudeza do assistente Ken diante de Rothko. “Ele cresce e se desenvolve, ganha força ao longo da história até subverter a relação mestre-aprendiz, patrão-empregado. Percorrer esse trajeto do personagem tem sido muito gratificante”, diz. “Mergulhei nessa história, a relação deles é intensa, pulsante. Vivo isso de forma completa, profunda, toda vez que entro em cena.” Atuar ao lado do pai também tem um valor especial. “Não é a primeira vez que atuamos juntos. Recentemente fizemos Tribos, que ficou dois anos e meio em cartaz e percorreu 31 cidades, foi assistida por 200 mil pessoas.”

Triunfo dos coronéis

Antonio Fagundes viveu mais de 50 de seus 67 anos nos palcos e estúdios. Estreou na TV em 1968, mas em 1964 já estava no teatro. Entre novelas, séries, especiais, peças, curtas e longas-metragens, contabiliza mais de uma centena de atuações. O ator foi também um dos pioneiros de sua classe em participações em campanhas políticas após a redemocratização. Ao lado de colegas como Lélia Abramo, Gianfrancesco Guarnieri, Paulo Betti, Bete Mendes, Irene Ravache, entre outros, aparecia com frequência nas primeiras campanhas petistas dos anos 1980. “Infelizmente, aquilo que sonhávamos não se realizou”, diz, em tom de decepção com o partido. “Hoje, cuido do meu trabalho. Faço minha parte.” Provocado a explicar a indiscreta peruca usada para interpre38

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tar o coronel Afrânio, em Velho Chico, o ator defende o adereço, como símbolo caricato da máscara do coronelismo na política, e como recurso de contraste para facilitar ao público distinguir o tirano do humanizado Afrânio que surgiria no final da novela. “Essas perucas e tinturas estavam todas lá naquele 17 de abril”, diz, referindo-se ao dia do espetáculo deprimente em que a Câmara dos Deputados aprovou o encaminhamento do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, depois confirmado no Senado. Seus olhos brilham e a voz se empolga ao falar das qualidades de Velho Chico, para além do conteúdo social. “As cores, os contrastes, a luz, as locações, as músicas, os personagens, e especialmente a característica teatral dos diálogos, compõem uma obra espetacular”, elogia. Defensor da virada redentora de seu personagem na trama de Benedito Ruy Barbosa, Fagundes é questionado pela reportagem: quando um coronel com passado de crimes e crueldades nas costas, fazendeiro sem escrúpulo e controlador dos três poderes e se redime, vira bonzinho e é humanizado para que o público o perdoe, não se promove uma redenção farsesca da classe que domina a política hoje? A “maldade” concentrada no deputado (Marcelo Serrado), que no fim beirou à insanidade, não é uma forma de satanizar a política, e poupar os controladores do Congresso, os “coronéis”? O ator defende o enredo: “Os que estão lá são mesmo os coronéis.” O artista volta a demonstrar desconforto com o assunto política, quando perguntado se o desfecho do impeachment não seria uma espécie de triunfo dos coronéis. “Não sei. Sai ela e entra quem? Temer? Cunha? Renan? Olha: eu estou de saco cheio.”


LALO LEAL

A força da TV nas urnas

Ao fazer com que as pessoas rejeitem a política, a televisão entrega essa atividade para aqueles que, em grande maioria, a usam em proveito próprio, muito distante dos interesses dos que os elegeram

S

em experiência eleitoral anterior, o candidato tucano à prefeitura de São Paulo consegue em poucas semanas de exposição na mídia tornar-se amplamente conhecido e vencer no primeiro turno as eleições municipais. Tal sucesso tem uma explicação: o poder da televisão em nosso país. Daí a disputa acirrada de partidos e candidatos pelos espaços nos horários reservados à propaganda política. O vencedor em São Paulo teve 30% do tempo fixo total, o maior entre todos os concorrentes. Além de contar com experiência anterior diante das câmeras e de uma certa visibilidade por apresentar programas de entrevistas e entretenimento. A condução da política moderna está nas mãos do Príncipe Eletrônico, a televisão, na feliz definição do professor Octavio Ianni. É ela que conduz a ação política nos nossos dias, como antes o fizeram o príncipe de Nicolau Maquiavel ou o príncipe moderno, na forma de partido político, como concebido por Antonio Gramsci. O crescimento do acesso à internet e às redes sociais por meio dos mais diferentes dispositivos, dos computadores de mesa aos telefones celulares, ainda não é suficiente para abalar o poder da televisão. Ela segue na frente fazendo a cabeça das pessoas, como mostram as pesquisas sobre consumo de mídia e as evidências de sua importância nas campanhas eleitorais. Não cabe aqui o argumento dos que – principalmente na academia – acreditam na possibilidade do livre arbítrio do telespectador que seria, segundo eles, capaz de exercer um olhar crítico sobre as mensagens recebidas e refutá-las. Isso pode até acontecer, mas em proporções residuais, se levarmos em conta o total da população. O que se vê no Brasil é um verdadeiro massacre eletrônico, com as emissoras de televisão e de rádio alinhadas na defesa de um único conjunto de ideias. A possibilidade do contraditório inexiste. A exposição no horário eleitoral obrigatório com-

bina-se com a criminalização cotidiana da política realizada especialmente nos noticiários de maior audiência. A mídia brasileira, incluindo aí além da TV as emissoras de rádio, jornais e revistas, conseguiu impregnar na sociedade a ideia de que política é algo repulsivo que precisa ser execrado. Claro que muitos políticos dão motivos para isso, mas não são todos – e nem a atividade política é nefasta em si. Ao contrário, trata-se de elemento vital para a vida em sociedade. Aos que diziam não gostar de política, Platão na República lembrava que não existia nada de errado com essas pessoas, mas elas seriam simplesmente “governadas por aqueles que gostam”. Cabe lembrar que quase 2 milhões de eleitores paulistanos se abstiveram de votar nas eleições municipais. Exatos 21,84% dos que tinham direito ao voto deixaram de ir às urnas. Sem falar nos que votaram nulo ou em branco, 11,35% e 5,29%, respectivamente. Ao fazer com que as pessoas rejeitem a política, a televisão entrega essa atividade para aqueles que gostam e, em grande maioria, a usam em proveito próprio, muito distante dos interesses dos que os elegeram. O candidato que venceu as eleições paulistanas afinou o seu discurso com o das emissoras de TV, apresentando-se ao público como um não-político, um empresário incapaz de participar dessa atividade tão malvista. Cansou de repetir durante a campanha o bordão “não sou político, sou empresário”, como se isso fosse uma grande virtude. Dessa forma, fechou-se o cerco. A TV – e a mídia em geral – criminalizando a política e, ao mesmo tempo, um partido oferecendo ao eleitor um candidato que diz não ser político, que é imune aos vícios da política. Tabelinha perfeita realizada diante das urnas. Não há livre arbítrio que resista a isso, como provam os resultados eleitorais paulistanos. O candidato explorou com sucesso essa combinação de fatores. Sua vitória é a derrota da política como criação humana, indispensável para a vida em sociedade. REVISTA DO BRASIL

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PERFIL

uma

na escuridão

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om mais de 70 livros publicados, entre romances, novelas, crônicas, contos e cartuns, o escritor, cronista, jornalista, desenhista, saxofonista, torcedor fanático do Internacional de Porto Alegre e filho de Érico Verissimo (1905-1975) Luis Fernando Verissimo completou 80 anos em 26 de setembro. O aniversário coincidiu com o lançamento de As Gêmeas de Moscou (Companhia das Letrinhas), que conta a história das irmãs Olga e Tatiana, idênticas na aparência e no gosto pelo balé. Mais talentosa, porém arrogante, Olga vive um episódio marcante que vai mudar seu jeito de ser. Outro lançamento é Verissimas (Editora Objetiva), antologia de frases de obras de Verissimo garimpadas pelo publicitário e jornalista Marcelo Dunlop. “Essa é mais uma coisa que acontece comigo sem minha iniciativa. Nem vi ainda as frases que ele selecionou. Se não gostarem, reclamem com o Marcelo”, diz, com seu jeito tímido carregado de humor. “A vida foi acontecendo. Por isso não tenho nenhum plano para os próximos 80 anos. A minha grande vocação, mesmo, é para me aposentar. É sério. Acho que se eu parasse de escrever, não faria falta.” Sua carreira é dedicada a retratar situações nem sempre engraçadas que fazem o leitor rir. Como quando fala da morte ou das “DRs” entre casais. “Discutir a relação 40

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Para Luis Fernando Verissimo, que acaba de completar 80 anos, faltando a vela, acende-se um fósforo. A ideia é que a literatura ilumine o mundo. “Nem que seja o nosso pequeno mundo” Por Cida de Oliveira


PERFIL

é tema que interessa. Um dos protótipos que temos à mão; en- prio signo. Não é possível que leiam todos os signos todo dia”, contros, desencontros, bem aproveitados.” Não é por acaso que lembra. “Até que um cronista foi para outro jornal e fui transfigura entre os autores brasileiros mais lidos no mundo, aprecia- ferido para o lugar dele. Eu, que sempre fui um grande leitor, do por leitores de todas as idades, até mesmo do público que ele descobri que sabia escrever crônicas.” agora brinda com as Gêmeas. “Nunca escrevi um livro especiTambém com jeito para desenhar, acabou influenciado pelos ficamente para o público infantil. É difícil escrever para crian- cartuns nos Estados Unidos, criou As Cobras, tirinhas publicaça, acertar o ponto entre ser acessível sem ser condescendente.” das ainda hoje em jornais, embora não as desenhe desde 1999. Em bate-papo com leitores, fãs e aspirantes a escritor – como “Não ficava bem um homem de 60 anos desenhando cobrinhas.” foi batizado pela Editora da Unesp o encontro no começo de setembro, em São Paulo –, Verissimo falou de tudo um pouco, Braguilha Muito questionado pelos aspirantes a escritor, ele lembra que pouco mesmo. Com frases curtas, concisas, respondendo a perguntas longas, longas mesmo, muitas das quais esquecia, fez a é do tempo das redações com máquinas de escrever barulhentas. plateia rir e se emocionar. “Só mais recentemente conquistei o direito de escrever sosseQuando tinha 7 anos, seu pai foi convidado a lecionar na Uni- gado, sem interrupções.” A rotina é determinada pelos prazos versidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e a família ali viveu de entrega. “Três vezes por semana faço crônicas para mandar por três anos. Na casa frequentada por intelectuais, para jornais. O bom é que a crônica dá certa liberdade para o ele se divertia lendo histórias em quadrinhos, em autor.” E a inspiração? “A gente aproveita de tudo. especial de Tarzan, sendo então influenciado pela Uma vez fui entrevistado por uma repórter. Em vez Fazia cultura norte-americana. Daquela época, marcada de pedir autógrafo, vi que ela é quem escrevia no pelos primeiros anos da Segunda Guerra, ele guar- de tudo na meu livro. Fui ler: ‘Luis, sua braguilha está aberta’. da na memória suas brincadeiras solitárias. “‘Ma- redação, até Tudo pode ser tema de uma crônica, até mesmo tei’ tanto alemão e japonês enquanto brincava que horóscopo. uma braguilha aberta”, conta. o pai me levou ao médico. Acho que por isso sou Para não Você gargalha quando lê o que escreve? “Na hora que escrevo, não. Às vezes mais tarde, quando pacifista até hoje.” gastar muito leio, sim. Mas às vezes a gente se decepciona tamAos 17 anos, voltou aos Estados Unidos, quan- tempo, do Érico foi convidado a trabalhar em um depar- eu usava bém.” Cursos podem formar escritor? “Tudo o que tamento de cultura da Organização dos Estados a mesma ensina a escrever é válido, mas não se pode esperar Americanos (OEA), em Washington. Nessa época previsão. O que venha daí um talento. Em um curso desses se aprendeu a tocar saxofone para “brincar de jazzisaprende a escrever corretamente. Mas continue”, retouro de hoje ta”, já que nunca chegou a se aprofundar. Acabou comenda. “A inspiração você busca em outro lugar.” era o leão entrando mais tarde para o grupo Renato e seu SexResistente à tecnologia, ele diz que não tem ceteto, que na verdade tem nove músicos, e há 16 anos de amanhã, lular. Quando precisa, usa o de Lúcia. No entanto, se apresenta, embora nos últimos tempos esteja sem porque as concorda que se trata da grande novidade. “Hoje, pessoas só condições físicas para tocar. com ela, se pode fazer tudo sozinho. Escrever, publicar, lançar. Há poucos leitores, mas muito editoNos tempos de Washington conviveu com leem o próprio res. Cada vez menos livrarias. Há um preconceito ­Clarice Lispector (1920-1977). Casada com diplo- signo. Não é mata, frequentava sua casa. “Ela escreveu o melhor possível que nosso, a gente se criou com o livro na mão, o cheiro do livro. Nostálgicos vão manter o papel. Com conto que li, A Menor Mulher do Mundo. Minha leiam todos os mãe era muito simples. Clarice, intensa. Foi bom signos todo dia papel ou sem papel sempre vai haver o escritor.” Taxado de comunista pela direita e de reacionário o convívio.” A convivência com Clarice, a leitura de cronistas como Rubem Braga (1913-1990) e Antônio Maria pela esquerda, Érico Verissimo se autointitulou socialista de(1921-1964) no começo dos anos 1950, e a leitura dos gibis na mocrático. “Estou mais à esquerda do que ele, mas também me infância, porém, não influenciaram sua carreira na literatura. defino como um socialista democrático.” Em Solo de Clarineta, “Comecei por acaso, aos 30 anos, quando o pai falou com amigos livro de memórias lançado em 1973, em que Verissimo pai traz no jornal Zero Hora e fui trabalhar lá. Eu estava sem nenhuma reflexões sobre sua obra e revela a trajetória da família desde perspectiva de emprego. Morei quatro anos no Rio e, antes de a sua infância, o autor menciona que queria ser uma luz para ir para o jornal, tudo o que eu fiz não deu certo. A única coisa iluminar a sociedade. Verissimo filho pensa de maneira semelhante. “Qualquer tipo de literatura, seja romance, crônica – e que deu certo foi casar com a Lúcia, em 1963.” Verissimo e Lúcia Helena Massa estão casados até hoje. Ele o texto do pai ia nesse sentido – é uma tomada de posição, uma perdeu o sotaque. Parece um paulista falando. “Ela conserva maneira de a gente acender uma luz na escuridão”, diz. “A ideia o carioquês”, diz. Entre suas memórias no Zero Hora, está seu é ser uma maneira de iluminar. O escritor tem de acender uma lado astrólogo. “Fazia de tudo na redação, até horóscopo. Para luz na escuridão, que é a própria dualidade humana. Faltando não gastar muito tempo, eu usava a mesma previsão. O touro uma vela, acende um fósforo. A ideia é de a literatura iluminar de hoje era o leão de amanhã, porque as pessoas só leem o pró- o mundo, nem que seja o nosso pequeno mundo.” REVISTA DO BRASIL

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CIDADANIA Cena de Era o Hotel Cambridge

OCUPAÇÃO, L

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CIDADANIA

“OCUPAR É UM DEVER” Filmagem com refugiado e morador

LUTA E ARTE

Cinema colaborativo inspirado na Ocupação Cambridge, em São Paulo, aproxima artistas e intelectuais de movimentos de sem-teto e refugiados. E explica o direito à cidade, na prática Por Carolina Caffé

FOTOS PAULO CÉSAR LIMA/ STILL ERA O HOTEL CAMBRIDGE

O

cupar está em voga na cidade de São Paulo. Secundaristas, massa crítica, hortelões comunitários, Ministério da Cultura (MinC), fábricas de cultura, Minhocão, jornadas de junho, r­ olezinhos foram e são fenômenos que apontaram para movimentos de apropriação e ressignificação dos espaços públicos e da vida pública. São insurgências distintas, na maioria um pontapé da juventude. E que, apesar de separadas no mapa, possuem pontos comuns: resistência, prática autônoma e discurso apartidário. Uma experiência chama especial atenção nesse fluxo, principalmente pelo cruzamento entre diferentes tribos urbanas – militantes, artistas, jornalistas, psicanalistas, arquitetos, médicos e refugiados: a Ocupação Cambridge, fruto de um movimento não tão novo, mas importante na história das

lutas sociais da cidade, pela moradia digna. Situado no primeiro quarteirão da Avenida 9 de Julho, vizinho do Vale do Anhangabaú, o Hotel Cambridge é dos tempos da “terra da garoa”, inaugurado em 1951. Cerrou as portas em 2002, resistindo ainda algum tempo – antes de fechar de vez – como espaço de festas e eventos, num lobby agitado encimado por andares abandonados. Acabou ocupado na noite de 22 de novembro de 2012 pelo Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC). O edifício sem elevador tem 15 pavimentos e 241 quartos. Após a ocupação, um mutirão de limpeza removeu 15 toneladas de lixo em caçambas de quase 60 caminhões. A reciclagem não era apenas do lixo, mas também do espaço, que deixava de ser um lugar sem função social para abrigar mais de 170 famílias, cerca de 500 pessoas. REVISTA DO BRASIL

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CIDADANIA FESTIVAL GRIST / OCUPAÇÃO CAMBRIDGE

MUITO ALÉM DA OCUPAÇÃO Das oficinas preparatórias para o filme surgiu o Grupo dos Refugiados e Imigrantes Sem Teto, que entre outras atividades organizou o 1º Festival Musical dos Refugiados de São Paulo, realizado no Largo da Batata, tradicional palco de manifestações na zona oeste Hoje, o grupo promove debates e palestras sobre refúgio, história africana, xenofobia, racismo e descriminação e promove cursos

“Além de moradia, aqui promovemos ações e debates, para que o direito constitucional que garante a moradia seja cumprido pelo Estado, corrigindo as falhas cometidas há décadas pelo poder público na distribuição urbanística e habitacional das cidades brasileiras”, afirma Carmen Silva, líder da ocupação e da Frente de Luta por Moradia (FLM). O movimento atuou no centro, pois entende que a morada digna não é apenas “telhado e quatro paredes”, mas estar cercada por serviços públicos como transporte, escola, posto de saúde, creches, faculdades e oportunidades de trabalho. A luta é pelo direito à cidade. 44

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Shopping rua

Chamam a atenção na ocupação diversos aspectos, entre os quais a gestão coletiva do espaço. As famílias dividem a limpeza e se responsabilizam pelas áreas comuns do prédio. Quando há um morador novo, uma força tarefa busca nas ruas móveis e objetos que possam ser reutilizados (o que eles chamam de “shopping rua”). Há horários limitados para visita, não se tolera o uso de drogas e todos devem participar das assembleias e ações do movimento pela cidade. Para quem vem de fora, impressiona o nível de participação dos moradores em assembleias, fóruns, conferências municipais, passeatas

e decisões sobre o orçamento público da cidade. Uma verdadeira aula de cidadania e cuidado com o bem comum. A liderança feminina também se destaca. “Temos muitas heroínas por aqui”, conta Carmen. “As mulheres ocupam cada vez mais o espaço de luta, defendendo suas famílias e a moradia digna.” Ela própria é uma dessas. Cansada das agressões domésticas, trocou Salvador por São Paulo. Deixou com a família os sete filhos e voltou para buscá-los anos depois. Chegou em São Paulo com as mãos vazias e cheia de esperança no peito. Morou de favor na casa de amigos até saber de uma ocupação no centro. Começava ali a


ERA O HOTEL CAMBRIDGE/DIVULGAÇÃO ERA O HOTEL CAMBRIDGE/DIVULGAÇÃO

ERA O HOTEL CAMBRIDGE/DIVULGAÇÃO

PAULO CÉSAR LIMA/ STILL ERA O HOTEL CAMBRIDGE

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SEMELHANÇAS A diretora Eliane Caffé (no alto) e as cenas de Era o Hotel Cambrige: “O que me interessava retratar era o choque cultural entre refugiados e brasileiros, e aí apareceu o tema das ocupações Tanto os refugiados como os trabalhadores de baixa renda dividem esse problema em comum, a falta da moradia”

emocionante trajetória de uma vida política marcada por lutas e conquistas, até se tornar líder do movimento que abriga, em mais de 60% dos casos, mães solteiras como ela. Também nas ocupações do centro vários refugiados encontraram base para nova vida. A ausência de políticas públicas para imigrantes e refugiados faz das ocupações uma alternativa de adaptação e integração com a cidade. Vindos do Congo, Haiti, Senegal, Togo, Camarões, Benin, Colômbia, Peru, Bolívia, República Dominicana e Palestina, procuram, além de uma vida melhor, emprego e um meio de enviar dinheiro pa-

ra seus familiares nos países de origem. “Quando o refugiado chega na cidade não tem onde dormir. O Brasil abriga cerca de 9 mil refugiados, e em São Paulo são apenas 340 leitos no centro de acolhida”, afirma Pitchou Luambo, refugiado da guerra pelo minério na República Democrática do Congo – e morador da Ocupação Cambridge.

Cinema colaborativo

A diversidade cultural resultante desse encontro entre brasileiros de diferentes regiões, imigrantes e refugiados, inspirou a cineasta Eliane Caffé a produzir o filme Era o Hotel Cambridge. “O que me inte-

ressava retratar era o choque cultural entre refugiados e brasileiros, e aí apareceu o tema das ocupações. Mas no lugar do choque encontramos semelhanças: tanto os refugiados como os trabalhadores de baixa renda dividem esse problema em comum: a falta da moradia”, diz. Nas oficinas preparatórias, em que Eliane reuniu os refugiados para o estudo e escolha dos “personagens”, foi formado o Grupo dos Refugiados e Imigrantes Sem Teto (Grist), que decidiu expandir os encontros para além do filme. Hoje, o Grist promove debates e palestras sobre refúgio, história africana, xenofobia, racismo e descriminação e promove cursos, REVISTA DO BRASIL

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CAROLINA CAFFÉ

VOLUNTARISMO Mesmo depois de as gravações terminarem, o intercâmbio social e cultural era tão forte que muitos da equipe do filme resolveram continuar suas ações e oficinas

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DEDICAÇÃO Carmen com o ator José Dumont: “Promovemos ações e debates, para que o direito constitucional que garante a moradia seja cumprido pelo Estado”

CAROLINA CAFFÉ

JARDIEL CARVALHO/R.U.A FOTO COLETIVO

CIDADANIA

INTEGRAÇÃO A produção do filme também garantiu a participação das crianças no projeto. Foi construída uma horta comunitária no telhado do prédio e ministradas aulas de várias disciplinas. Também surgiu o Centro de Assistência à Saúde dos Imigrantes e Refugiados

campanhas, festivais e shows para difusão e valorização da cultura. Em um ano, o grupo realizou o 1º Fórum dos Refugiados e Imigrantes Sem-Teto de São Paulo, o 1º Festival Musical dos Refugiados de São Paulo (no Largo da Batata, tradicional palco de manifestações na zona oeste) e o evento Conexão Cultural (no Museu da Imagem e do Som, o MIS). E não foi o único coletivo que se originou no contexto da gravação de Era o Hotel Cambridge. O filme inspirou a formação e o cruzamento de novas ações e movimentos. Um verdadeiro laboratório social e cultural, fazendo São Paulo despertar para uma forma incomum de pensar o cinema: como um legado social. A 46

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experiência desafiou as estruturas hierárquicas e tradicionais de direção e produção, propondo uma forma participativa, colaborativa e inclusiva. O filme mistura ficção e documentário e narra a trajetória de um grupo de refugiados recém-chegados, que se unem aos sem-teto e dividem a ocupação de um antigo edifício no centro de São Paulo. Foi realizado por meio de um processo colaborativo entre a Aurora Filmes, um grupo de estudantes de arquitetura da ­Escola da Cidade e o MSTC. O elenco reúne atores profissionais, como José Dumont e Suely Franco, e atores sociais: os moradores, que interpretam a própria história. Durante a fase de criação do roteiro,

pesquisa e seleção dos personagens, além dos encontros dominicais com o grupo dos refugiados, foram realizadas oficinas de vídeo com os moradores da ocupação, e o observatório web, com exibições e debates. Toda a produção artística envolveu moradores, não apenas como parte da equipe, mas usando dos seus saberes e tecnologias, como o shopping rua. A professora de Desenho e Arquitetura Carla Caffé, da Escola da Cidade, também diretora de arte de Era o Hotel Cambridge, elaborou um curso para que os alunos colaborassem com o desenho e produção de arte, como na definição de cores, tecidos, imagens, animações, figurinos e cenários. A ideia foi fazer um


CIDADANIA

“cinema de intervenção” em vez de um “cinema de passagem”. Tudo o que fosse construído para os cenários não deveria ser desfeito, e sim ter uma função, um legado, enquanto a ocupação existir. A disciplina foi realizada com 21 estudantes e o professor Luís Felipe Abbud. A atividade experimental uniu ensino de arquitetura ao de direção de arte cinematográfica. A disciplina trouxe à tona problemáticas urbanas como a compreensão e atuação com um movimento social de luta por moradia (MSTC) e o reúso inteligente de materiais descartados, em oficinas com o Coletivo Basurama. “Equipamos a biblioteca, o brechó, a área das costureiras e o saguão de entrada do hotel”, diz Carla. “Equipamos os pontos de encontro e interação dos espaços comuns do edifício, para incentivar o espírito de coletividade do movimento.” Os encontros de pesquisa e criação com os personagens sociais começaram a reunir entusiastas de todos os campos e ganhar vida própria. Mesmo depois de as gravações terminarem, o intercâmbio social e cultural era tão forte que muitos

da equipe do filme resolveram continuar­ suas ações e oficinas, e novos movimentos começaram a brotar na ocupação: a fome dos paulistanos em ocupar, sair das bolhas, cruzar fronteiras e desafiar a ordem. A construção da horta comunitária no telhado do prédio – com o Coletivo Habitacidade –, aulas de dança africana, intervenções de jornalistas independentes, grupos de trabalho em psicanálise – conduzidos por profissionais do Instituto Sedes Sapientiae –, a formação do Centro de Assistência à Saúde dos Imigrantes e Refugiados (Casir) e ações do coletivo interdisciplinar Linha de Frente e da Residência Artística Cambridge são algumas das ações que acontecem hoje no local. Era o Hotel Cambridge ganhou prêmio e foi lançado em setembro deste ano no Festival San Sebastián, na Espanha, um dos mais importantes do mundo. Ganhou reconhecimento internacional em exposições como no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (o MIT, nos Estados Unidos), em março. No Brasil, deve entrar em cartaz no início de 2017.

“Eu gostaria de seguir esta experiência de um filme expandido também na fase de comercialização”, diz Eliane. “Os festivais convidam, pagam passagem a­ érea geralmente para diretor e produtor. Quando você chega lá no tapete vermelho tem a mídia imensa esperando você passar, e quando a gente fala em lançamento expandido, quer dizer não deixar o pessoal do movimento fora dessa, e aproveitar a oportunidade para fazer novas articulações similares em evento que estão acontecendo no mundo, de ocupação e de refugiados.” Na Espanha, Carmen Silva, do MSTC, conheceu e fez alianças com lideranças da Plataforma de Afetados pela Hipoteca (PAH), associação surgida em fevereiro de 2009 em Barcelona. “Estamos conseguindo levar para fora a nossa luta”, celebra Carmen. “É uma grande oportunidade de dar visibilidade ao movimento que sempre foi muito discriminado pela mídia. O filme permitiu mostrar que não somos vândalos, e sim famílias e trabalhadores lutando pelos direitos garantidos na nossa Constituição.”

Em tempos em que o espaço público das cidades se vê ultrajado por bombas de efeito moral e balas de borracha, ocupar virou palavra de ordem para quem defende a democracia e a vida. Como diz o poeta Hamilton Faria, sociólogo do Instituto Pólis: “É preciso desobedecer as práticas antidemocráticas: na vida cotidiana, nas instituições e na sociedade em geral. Ocupar não é invadir. É entrar pacificamente e dizer ‘olha, eu tenho voz e isso me pertence’. A Funarte não é do Ministério da Cultura, as escolas não são do governo estadual, os espaços públicos não são do governo. Eles são públicos”. O conceito do Direito à Cidade tem ganhado visibilidade e reconhecimento, não apenas entre a sociedade civil mas também dos governos mundiais (como a inclusão do termo na Nova Agenda Urbana, documento oficial da Organização das Nações Unidas). A arquiteto e curador Guilherme Wisnik lembra que a ideia de Direito à Cidade para Henri Lefebvre (filósofo francês, autor do conceito) implicava não em um direito aos serviços da cidade exatamente, mas um direito de transformar a cidade. Inventar uma nova cidade a partir do real. Segundo Wisnik, o pensamento ficou esquecido por no mínimo duas décadas (de 1980 e 1990) de predominância do pensamento neoliberal de que tudo aquilo que foi postulado como possibilidade transformadora nos anos 60 tinha se revelado impossível, segundo o raciocínio pragmático. “Mas na virada do século aconteceu por diversas frentes uma espécie de ataque ao coração do sistema, e essas manifestações se desdobraram em possibilidades reais de que o sistema pudesse ser mudado”, afirma.

PAULO CÉSAR LIMA

Direito de ocupar

DESIGUAL Fachada do Cambrige, no centro de São Paulo: ocupação em hotel fechado em 2002 reúne 500 pessoas

A Ocupacão Cambridge não é apenas um marco de resistência ao modelo individualista, competitivo e alienado das cidades modernas capitalistas. É, ao mesmo tempo, um modelo a ser observado e aprendido como paradigma de cidade e relações humanas. As soluções para os grandes problemas que vivemos nas cidades não precisam ser inventadas, mas reconhecidas e fortalecidas. Era o Hotel Cambridge é um exemplo de apropriação das tecnologias e saberes produzidos nas ocupações. REVISTA DO BRASIL

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curtaessadica

Por Xandra Stefanel

Preços, horários e duração de temporadas são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes de se programar

Picasso no Rio

Deux Femmes courant sur la plage (La course), 1922

MUSÉE NATIONAL PICASSO-PARIS. FOTO © RMN

Mais de 130 obras do artista espanhol Pablo Picasso estão em cartaz na Caixa Cultural Rio de Janeiro na exposição Picasso: Mão Erudita, Olho Selvagem, que fica em cartaz até 20 de novembro. Com curadoria de Emilia Philippot, a mostra traz pinturas, desenhos, gravuras, esculturas, cerâmicas e fotografias pertencentes ao Museu Picasso de Paris. As obras apresentam a trajetória do artista desde os anos de formação, com o óleo sobre tela L’Homme à la Casquette (O Homem de Boné, 1895), até os últimos anos de produção do artista. Trata-se de uma imersão cronológica e temática na vida do espanhol, com muitos itens até então inéditos no Brasil. De terça-feira a domingo, das 10h às 21h, na Avenida Almirante Barroso, 25, no centro do Rio. Mais informações: (21) 3980-3815. Grátis.

Um ano de festa GABRIEL OLIVEIRA/DIVULGAÇÃO

Terror e Miséria no Novo Mundo

ALAN SIQUEIRA/DIVULGAÇÃO

Kabaré

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Para celebrar 15 anos em cena, a Companhia Antropofágica de Teatro realiza o Tram(A)ntropofágica, um evento de longa duração que apresenta espetáculos, intervenções, oficinas, debates e experimentos que resgatam a história do grupo paulista. Até agosto de 2017, serão promovidas 18 temporadas de espetáculos e mais 19 atividades a serem apresentadas tanto na sede da companhia, o Espaço Pyndorama, como em outros espaços da cidade de São Paulo. A programação foi aberta em setembro com o Kabaré, uma espécie de abre-alas que transita pelo teatro, pela dança, música e variedades. Em outubro é a vez de Trylogia: Terror e Miséria no Novo Mundo, sobre a história do Brasil nos períodos da Colônia, do Império e da República; e do Programa I: Brazyleirinhas QI, com apresentações dos espetáculos O Grande Circo da Ideologia, Furo no Casco, Estudo para o Terror e M. [Isso não é uma peça feminista]. Em novembro, a Tram(A)ntropofáfica traz A Tragédia de João e Maria, um espetáculo livremente inspirado no conto dos irmãos Grimm, a partir da linguagem conhecida como Teatro da Deformação, no qual é retratada a trajetória de duas crianças abandonadas pelos pais em meio ao desespero da fome e da impossibilidade de alimentá-los. As últimas apresentações do ano, em dezembro, são Prometeu: Estudo 1.1 e Macunaíma no País do Rei da Vela, primeiro espetáculo criado pela companhia. Todas as atividades são gratuitas e abertas ao público. Na página www.antropofagica.com pode ser conferida a programação completa.


ILUSTRAÇÃO TESA GONZÁLES

Consumismo e trabalho infantil

Era uma vez uma menina que sempre ganhava presentes de aniversário, brinquedos e mais brinquedos, que rapidamente acabavam sendo esquecidos. No livro O Sonho de Lu Shzu (Mov Palavras, 48 págs.), de Ricardo Gómez, com ilustrações de Tesa Gonzáles, esses presentes adquirem voz, comentam e questionam a efemeridade de suas vidas. Uma das bonecas abandonadas começa a contar a história de Lu Shzu, uma menina chinesa que trabalha em uma fábrica de brinquedos. Suas mãos pequenas encaixam milhares de olhos de bonecas que nunca serão suas. Uma obra que trata com certa delicadeza esta realidade cruel que tem conexão direta com o consumo inconsequente e desenfreado. R$ 56.

MUSÉE NATIONAL PICASSO-PARIS. FOTO © RMN

Le Baiser, 1969

MUSÉE NATIONAL PICASSO-PARIS. FOTO © RMN

Guitare, 1924

Flow feminista

A rapper Tássia Reis lançou em meados de setembro o disco Outra Esfera. Com apenas sete faixas, o álbum não economiza no flow, no gingado e na qualidade. Em Semana Vem, ela trata com ironia sobre um relacionamento abusivo. Desapegada é uma espécie de continuidade, quando a mulher se dá conta de que não merece nem tem de aceitar este tipo de relação. Segura e senhora de si, Tássia transborda talento e mensagens de empoderamento feminino. Outra Esfera pode ser baixado gratuitamente no site www.tassiareis.com.br. REVISTA DO BRASIL

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RICARDO COIMBRA

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