UM AMOR MELHOR Título original: Palace City Prince
Arlene James
Um príncipe que veio para ficar. Quando Rebecca menos esperava, Jefferson Spooner surgiu em seu caminho: Sensual, carismático e dono de um grande coração, ele era a resposta que esperava para seus anseios. E, de um dia para o outro, estava perdidamente apaixonada. Desde o momento em que viu Rebecca, Jefferson compreendeu que aquela mulher era a concretização de seus sonhos... Adorável, bela e muito pura, era capaz de fazer qualquer homem cair a seus pés. Mas, por ironia do destino, ele estava proibido de revelar sua verdadeira identidade...
Digitalização: Carla Matos Revisão: Vaneska Formatação e revisão final : Ana Ribeiro
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James
Querida leitora, Já estamos quase no Natal, não é mesmo? Não vejo a hora... Sabe por quê? Bem, é que todos os finais de ano eu vou para a casa da minha mãe, encontro todos os parentes e é aquela festa. Além, é claro, de ter o dia inteiro para descansar, não fazer nada mesmo, fugir do corre-corre daqui de São Paulo. Para tornar meu descanso ainda mais agradável, carrego comigo uma pilha de romances... da Nova Cultural, claro! Janice Florido Editora-chefe
Copyright © 1992
by Arlene James Originalmente publicado em 1992 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin Enterprises Limited.
Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma. Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá. Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas registradas da Harlequin Enterprises B.V. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Título original: Palace City Prince Tradução: Camillo Garcia EDITORA NOVA CULTURAL uma divisão do Círculo do Livro Ltda. Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 - 22 andar CEP: 01410-901 - São Paulo Brasil Copyright para a língua portuguesa: 1995 CÍRCULO DO LIVRO LTDA. Fotocomposição: Círculo do Livro Impressão e acabamento: Gráfica Círculo
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James
PRÓLOGO
Rebecca parou junto à fina porta de metal da mercearia e apurou os ouvidos. Momentos antes, quando ia abri-la, tinha ouvido um som sufocado de riso. Agora, o som se repetia. "Papai está com visitas", ela concluiu, em pensamento. "Algum de seus velhos conhecidos, a caminho de casa, deve ter parado para tomar um café e conversar um pouco." O som se repetiu e Rebecca perguntou-se aonde já teria ouvido aquele riso. A resposta não tardou a vir, enquanto um nome e um rosto delineávam-se em sua memória. Rebecca surpreendeu-se: só poderia ser Lonnie Pittman! Mas o que Lonnie estaria fazendo ali na mercearia, àquela hora? Uma outra voz soou lá dentro e Rebecca constatou que havia mais alguém, com seu pai e Lonnie. Já ia abrir a porta, quando a voz de Lonnie soou, dessa vez num tom de ameaça:
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Não nos cause problemas, Edward Toby. Passe logo o dinheiro e não lhe faremos nenhum mal. Rebecca estremeceu. Seu pai, Edward Toby, corria perigo! Lonnie Pittman, e mais alguém, o estavam assaltando! Assustada demais para tomar uma atitude, ela continuou ali, imóvel, tentando controlar o medo que ameaçava dominá-la.
— Não pode ser... — murmurou, com um misto de perplexidade e horror. Lonnie, que pertencia ao time de futebol da cidade! Lonnie, a quem ela e Edward estimavam tanto... — Não pode ser — repetiu, quase sem fôlego. — Estou avisando você, Edward — alguém falou, num tom igualmente ameaçador. — Abra essa maldita caixa registradora e entregue-nos o dinheiro. Prometo que sairemos daqui imediatamente e que nunca mais ouvirá falar de nós. No auge do terror Rebecca reconheceu, também, aquela voz. Era Jenks Colquitt!
Jenks, que chegara há pouco tempo à cidade, e para quem Edward arranjara um emprego... Rebecca não podia acreditar em tamanha ingratidão. — Vamos logo com isso — Lonnie ordenou. — Não queremos perder a paciência com você, Edward — Jenks elevou a voz. — Portanto, seja razoável. — Vão para o inferno, vocês dois! — A voz de Edward não demonstrava o menor sinal de intimidação. — Dêem o fora de minha mercearia... Agora! — Estou avisando pela última vez... — Lonnie tornava a ameaçá-lo. — Pois sou eu quem o está avisando você, garoto — Edward contrapunha, num tom autoritário. — Saiam daqui agora mesmo e eu tentarei esquecer esta brincadeira de mau-gosto. Idiotas! Se pensam que vou entregar-lhes meu dinheiro, estão muito enganados. Se vocês ainda tiverem um pingo de juízo nessas cabeças-duras, tratem de dar o fora daqui. Já pensaram que suas vidas estarão definitivamente arruinadas, se eu der parte de vocês à polícia? — Chega de sermões, velhinho — Lonnie gritou. — Entregue logo o dinheiro, ou... — Abaixe essa arma, garoto— Edward ordenou, furioso.
"Arma?" Rebecca repetiu, em pensamento, sentindo o sangue
gelar-lhe nas veias. "Jenks e
Lonnie estão com uma arma apontada para papai! E eu aqui, portando-me como uma covarde grande..." Num gesto trêmulo, Rebecca girou a maçaneta da porta. Um tiro soou no interior da mercearia. — Pare com isso, Jenks! — Lonnie gritou. — Jenks... Não!
Rebecca entrou correndo, enquanto os dois rapazes fugiam pela porta dos fundos. Mas Rebecca sequer se deu conta disso. Só pôde olhar para o pai, que escorregava para trás do balcão do caixa, com a camisa ensangüentada. Tomada pelo desespero, ela contornou o balcão e ajoelhou-se ao lado de Edward. — Papai... — murmurou, ainda recusando-se a acreditar que tudo aquilo pudesse estar acontecendo de verdade.
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James Edward fitou-a com um misto de susto e indignação. Seu rosto pálido demonstrava sinais de dor. Rebecca quis abraçá-lo, mas compreendeu que o momento requeria bem mais do que um simples gesto de carinho. Era preciso tomar uma providência, e rápido, ela constatou, precipitando-se na direção do telefone.
CAPÍTULO I Pink roçou a cabeça no joelho de Rebecca, num claro gesto de carinho. Ela sorriu e coçou a orelha direita da mascote, que deitou-se de lado no chão, deliciada. — Não fique zangada por eu deixá-la sozinha, Pink... Estarei de volta a tempo de dar-lhe um banho e uma boa refeição, certo? A mascote respondeu com um grunhido, mais feliz pelo carinho que estava recebendo, do que pela promessa de um bom jantar. Pink era uma leitoa de médio porte e raça pura. Teria ganho muitos prêmios em competições, não fosse a falta da orelha esquerda. Ela nascera assim, na propriedade de um vizinho cujo hobby era criar animais de raça. O homem resolvera oferecê-la de presente a Edward Toby, pai de Rebecca, há alguns meses. Afinal, fazia quase um ano que Edward abrira uma seção de carnes, junto ao balcão de frios da mercearia.
— Mate á leitoa e veja se consegue umas boas bistecas e toucinho — dissera o vizinho. Mas Edward acabara se afeiçoando à leitoinha. E logo decidira que, se Pink tivesse que fazer parte de uma mesa de jantar, não seria o prato principal e sim uma convidada... A mascote não tardara a conquistar, também, a simpatia de Rebecca. Mais limpa do que um cão, menos independente do que um gato, e bem menos arisca do que o esquilo que vivia no celeiro, Pink era um animalzinho especial. Durante a noite, rondava a casa e grunhia em sinal de alarme, diante de qualquer ruído estranho. Depois, acomodava-se na varanda, num pequeno estrado forrado com
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James panos, que Rebecca ali colocava, todas as noites. A presença de Pink causara risos entre a vizinhança. Afinal, uma leitoa não era, exatamente, o animal que as pessoas costumavam ter como mascote. Mas Pink era de fato um bichinho raro. Acompanhava Edward onde quer que ele fosse, como um cachorro fiel e companheiro. E estava sempre disposta a brincar. Rebecca fitou o animalzinho com tristeza, lembrando-se da noite em que Edward fora assaltado. Tinha certeza que se Pink estivesse por perto, na ocasião, haveria atacado os intrusos. Mas justamente naquela tarde Rebecca a havia trancado no celeiro, para que se secasse, depois do banho. E, assim, Pink não pudera acompanhar Edward à mercearia.
— Está tão difícil cuidar de tudo, sem papai para nos ajudar... — Rebecca murmurou, ainda acariciando a mascote. — Mas se Deus quiser ele ainda voltará para nós, pode acreditar. De fato, fazia já dois meses que Edward Toby estava no hospital, em estado de coma. Ainda havia esperanças de que ele se recuperasse, mas os médicos não tinham uma previsão de quanto tempo isso levaria. Ao que tudo indicava, Edward estava sob um forte traumatismo que poderia terminar de um momento para o outro. A bala já fora retirada e a operação correra razoavelmente bem. Mas Edward continuava em coma. Vez por outra murmurava algumas frases ininteligíveis e esta era sua única reação.
Rebecca fitou a mascote com uma expressão penalizada. Nos primeiros dias depois daquele horrível incidente, Pink mergulhara numa tristeza profunda. Só erguiase de seu lugar, na varanda, quando ouvia algum ruído. Corria, então, como se esperasse encontrar Edward... Mas depois voltava a deitar-se. Recusara-se a comer por quase uma semana e perdera alguns quilos. Rebecca chegara a pensar que Pink morreria de tristeza e inanição. Mas aos poucos a mascote fora se recuperando e agora já aceitava suas refeições e chegava até mesmo a brincar como antes.
— Até mais tarde, Pink. — Rebecca trancou a porta da casa e caminhou em direção à caminhonete azul, estacionada em frente à casa. Acionou o motor, que levou uns bons minutos para responder. O veículo estava bem velho e precisava de uma boa revisão. Mas nunca sobrava dinheiro para isso, Rebecca pensou, com um suspiro. Engatando a primeira marcha, ela partiu e transpôs o portão da propriedade. Ao contrário da maioria das rodovias do centro-sul de Oklahoma, aquela estrada era sinuosa e estreita. Tratava-se de um caminho vicinal, que contornava as montanhas e acompanhava uma cachoeira, profunda e estreita. Aquela era uma das poucas cachoeiras que não havia ainda secado, apesar do verão forte que já ia pelo meio. Devido ao fato da cachoeira atravessar os cem acres da propriedade de Edward Toby, ele pudera desenvolver o cultivo do feno e, também, uma extensa criação de cabras. Bem maior, aliás, do que qualquer fazenda daquele porte poderia desenvolver. Apesar dessa vantagem concedida pela mãe-natureza, e do árduo trabalho de Edward e Rebecca Toby, isso ainda não era suficiente para proporcionar-lhes uma vida confortável. Por essa razão, Edward Toby resolvera abrir uma mercearia na cidade, a fim de aumentar o orçamento familiar. A pequena cidade de Palace City erguia-se de ambos os lados da rodovia 81. A mercearia situava-se bem próxima da rodovia, e poderia ser avistada por qualquer viajante que por lá passasse. Como não havia nenhum estabelecimento semelhante, senão a trinta quilômetros dali, a mercearia havia prosperado em pouco tempo. Mas nem por isso os Toby tinham conseguido um nível de vida mais confortável, pois Edward Toby resolvera investir os lucros na ampliação do estabelecimento. Assim, a mercearia transformara-se numa espécie de minimercado, com várias seções: padaria, açougue, banca de frios, latarias
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James e frutas, e até mesmo um setor de venda de ferramentas e rações, para suprir os fazendeiros das vizinhanças. Muitos anos atrás, o casarão onde agora funcionava a mercearia fora o único cinema da região. Ali também eram levadas peças de teatro, nas primeiras décadas do século. O local, antes chamado Palácio das Artes, já fora bastante famoso. Tanto, que a cidade que se erguera ao redor acabara se chamando Palace City, em homenagem ao Palácio das Artes. Agora, a mercearia Palace era a maior da cidade. Mas isso não representava muito, num lugar tão pequeno, cujos únicos pontos comerciais eram o restaurante Dairy Queen, um posto de gasolina e um pequeno shopping que só funcionava durante a estação turística, para atender aos visitantes que iam desfrutar alguns dias no hotel-fazenda de Ryan e das maravilhas da natureza, que eram o maior atrativo da região. Duas igrejas, uma escola, um posto médico, uma agência do correio e muitas casas com jardins bem cuidados compunham o resto da cidade. Nem por isso, Palace City deixava de ser um lugar interessante e cheio de vida. A escola municipal, situada na extremidade de um bosque cheio de árvores centenárias, era um local não apenas de estudo para as crianças e jovens, mas também de lazer para todos os habitantes. Havia quiosques e muitas mesas de piquenique instaladas à sombra das árvores. A prefeitura, bem como ambas as igrejas da cidade, volta e meia promoviam piqueniques e festas, às quais os habitantes compareciam em peso. A mercearia Palace doava sanduíches e refrigerantes para as crianças, o posto de gasolina promovia gincanas e doava os prêmios, e o restaurante Dairy Queen não ficava atrás: também oferecia guloseimas ou jantares aos vencedores de concursos ou sorteios. E havia ainda uma intensa atividade esportiva, na cidade. O time de beisebol de Palace City já vencera muitas competições, na região. O time de futebol também era famoso e conquistara o campeonato estadual do último ano. Havia também um bom time de basquete, vôlei e handball, sem contar a equipe de ginástica, formada por alunos secundaristas, que estava fazendo ótimos progressos e que dentro em breve disputaria alguns títulos estaduais. Mas as atividades de Palace City não se restringiam apenas aos esportes. A professora de educação artística da escola municipal dirigia um grupo de teatro, que se apresentava várias vezes por ano, no auditório da igreja metodista. Era também responsável por um grupo de artes plásticas, que durante a primavera expunha seus trabalhos no pátio da escola. Tudo isso era motivo de orgulho para os habitantes de Palace City, que apoiavam tanto os esportes quanto as artes. Para a pequena população, qualquer atividade social ou artística era igualmente importante. Era verdade que a maioria dos alunos viajavam por quilômetros, todos os dias, para assistirem às aulas. Pois a maioria deles não morava no povoado e sim nas grandes fazendas da região. Mas isso não importava. Quando um time conseguia algum título, era como se toda a cidade houvesse alcançado aquela vitória. Quando uma peça de teatro recebia prêmios em algum festival do 6
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James Estado, era como se todos os habitantes houvessem participado. Palace City podia não ser uma grande e próspera cidade, mas sabia valorizar o que tinha. E seu grande trunfo era o senso de união entre todas as pessoas. Não fora à toa que a prisão de Lonnie Pittman, um dos maiores astros do time de futebol de Palace City, causara um verdadeiro choque entre seus moradores. Alguns tinham chegado a duvidar de Rebecca, quando ela afirmara que Lonnie era um dos ladrões que haviam assaltado Edward Toby, dois meses atrás, naquela terrível noite de fevereiro. Claro que Edward Toby era uma pessoa muito querida na região... Mas, por outro lado, Lonnie Pittman tornara-se um astro dos esportes, admirado por todos. Era exatamente nisso que Rebecca pensava, enquanto entrava na cidade, rumo à mercearia Palace. Estava certa de que não se enganara ao identificar a voz de Lonnie Pittman. Fora ele mesmo quem assaltara Edward Toby, juntamente com Jenks Colquitt, que estava foragido. Mas essa certeza não servia para tranqüilizá-la. E mesmo agora, dois meses após o incidente, ela se questionava a respeito do que dissera às autoridades. Afinal, afirmara ter visto os dois rapazes, quando na verdade apenas tinha ouvido e identificado as vozes de ambos. O fato dela ter entrado na mercearia a tempo de ver dois vultos fugindo pela porta dos fundos não ajudava muito. Pois sentira-se tão apavorada naquela hora, que não tinha realmente prestado atenção aos fugitivos. Só havia conseguido pensar em seu pai e nada mais. Por outro lado, Rebecca não podia deixar, em sã consciência, que Lonnie e Jenks ficassem impunes. Com um profundo suspiro, ela pensou em Edward Toby, a quem tinha visitado na Santa Casa de Ryan, na noite anterior. "Se ao menos papai recobrasse a consciência", disse para si, tomada por uma profunda tristeza. "Ninguém duvidaria da versão dele, sobre os fatos", concluiu. Um calafrio de medo a percorreu. Os médicos haviam dito que Edward Toby conseguiria se recuperar... Ao parcialmente. O que isso poderia significar? Que tipo de vida o aguardaria, caso ele saísse daquele estado vegetativo? Uma paralisia parcial, talvez? E como Edward Toby reagiria diante de uma situação desse tipo? Ele era orgulhoso demais para se conformar a uma cadeira de rodas. Talvez preferisse morrer, a se sentir inválido pelo resto de seus dias. Com um brusco meneio de cabeça, Rebecca afastou esses pensamentos perturbadores. De nada adiantava se perder em cogitações. O melhor que tinha a fazer era aguardar... Diminuindo a marcha, Rebecca entrou no estacionamento da mercearia Palace, desligou o motor e saltou do veículo. Consultou o relógio e constatou que estava um pouco atrasada, pois já eram oito e dez da manhã. E ela sempre abria a mercearia às oito em ponto. A sra. Brown, uma viúva já idosa, aguardava junto à porta envidraçada. A porta fora instalada por Rebecca há menos de um mês, em substituição à antiga porta de metal. Ela tomara essa providência para poder ver, do interior da mercearia, as 7
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James pessoas que se aproximavam, pois não queria correr o risco de um novo assalto. — Bom dia, sra. Brown — Rebecca saudou-a, num tom cordial, enquanto retirava as chaves do bolso do jeans. — Sinto muito por tê-la feito esperar. — Ora, estou aqui há apenas cinco minutos — a viúva respondeu, com um sorriso. Rebecca abriu a porta e convidou-a a entrar: — Fique à vontade, sra. Brown. Já vou atendê-la. — Depois de abrir a caixa registradora, indagou. — Bem, o que deseja? — Acho que hoje vou fugir à dieta de legumes e fazer um bom frango ensopado, com batatas e ervas aromáticas — a viúva anunciou, entusiasmada. — Minha filha virá me visitar e por isso quero preparar uma refeição bem gostosa, para nós. Rebecca assentiu com um olhar compreensivo. Sabia muito bem que a sra. Brown estava passando por uma série de dificuldades financeiras. Em geral; ela comprava apenas alguns legumes, verduras e ovos. Levava uma vida pobre, mas digna. O pouco que recebia pela aposentadoria mal dava para atravessar o mês. — Nós estamos justamente fazendo uma venda promocional de frangos — Rebecca mentiu, no tom mais casual possível. E informou o preço do quilo de frango, bem abaixo do que costumava vender. A viúva reagiu, satisfeita, longe de imaginar que a promoção era apenas um modo de Rebecca ajudá-la, mas sem ofendê-la. Na verdade, Rebecca estava cobrando menos da metade do preço estipulado na tabela. Assim, a sra. Brown acabou comprando três frangos, o que lhe possibilitaria alimentar-se bem nos próximos dias. Depois que ela se foi, Rebecca apagou as luzes de fora da mercearia, que haviam ficado acesas durante a noite. E resolveu preparar o desjejum, pois ainda não havia comido nada, desde que acordara. Preparou um bom bule de café com torradas e dispôs tudo sobre uma pequena mesa, na cozinha próxima ao balcão. Comeu rapidamente e verificou, na agenda, os compromissos do dia. Receberia vários fornecedores, ainda naquela manhã, e não tivera tempo de verificar o estoque, a fim de saber o que deveria encomendar. Andando entre as prateleiras, fez uma lista dos produtos que faltavam e então voltou a sentar-se detrás do balcão, a fim de fazer alguns cálculos. A manhã transcorreu rapidamente, com Rebecca atendendo vários fornecedores. Por volta de meio-dia, Buddy Knox, seu ajudante, chegou. Ambos passaram boa parte da tarde arrumando os novos produtos nas prateleiras e atendendo as crianças que, na saída da escola, corriam à mercearia para comprar balas e outras guloseimas. No final da tarde, foi a vez de atender aos moradores de Palace City que, saindo do trabalho, passavam pela mercearia para comprar pão, leite, ou apenas para tomar o saboroso café expresso que já se tornara famoso na cidade. Rebecca corria de um lado para o outro, tentando atender todas as pessoas. Buddy era um bom empregado e a ajudava muito. Mesmo assim, Rebecca concluiu que precisava, no mínimo, de mais uma pessoa para dar conta de tanto trabalho. No entanto, com Edward doente e os gastos com o hospital, ela nem podia sonhar em 8
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James contratar outro ajudante. Por volta de sete horas, o movimento tornou-se ainda mais intenso: era a hora em que algumas donas de casa resolviam fazer as compras da semana, ou adquirir os ingredientes para um saboroso jantar. Sentada diante da caixa registradora, Rebecca atendia as freguesas, enquanto Buddy as ajudava a levar os pacotes até o carro. Estava tão entretida no trabalho, que nem sequer percebeu a presença de um estranho, que parecia aguardar uma oportunidade para falar-lhe. — Por favor... — disse ele, quando Rebecca terminou de atender uma mulher jovem, que saiu acompanhada de Buddy, com vários pacotes de compras. Rebecca voltou-se em sua direção e fitou-o com curiosidade. Era óbvio que aquele homem não morava em Palace City. Devia ser um viajante, a caminho de alguma outra cidade da região.
O homem era alto, tinha um porte atlético e uma beleza estonteante. Loiro, de olhos verdes e profundos, observava-a com uma expressão de simpatia. — Pois não? — ela respondeu, polidamente. — O que deseja, senhor? — Apenas um pouco de água. — Temos uma pilha de galões de dez litros, logo ali, na entrada — ela informou. — Caso o senhor não tenha trazido o vasilhame, pagará um depósito que lhe será restituído assim que devolver o frasco. O estranho sorriu, exibindo dentes perfeitos como pérolas. Rebecca concluiu, um tanto surpresa, que aquele homem era, de longe, o mais atraente que ela já vira. Na verdade, ele mais se assemelhava a um príncipe de contos de fadas, com seu porte aristocrático e uma elegância natural. Trajava jeans e uma camisa T-Shirt, mas nem mesmo aqueles trajes esportivos roubavam-lhe a aura de nobreza que o envolvia. Por um instante, ela se perguntou se já não conheceria aqueles olhos verdes, que a fitavam de maneira profunda... E constatou que talvez aquele homem fosse um artista de televisão ou cinema. Sim... Embora ela quase não assistisse à TV, era bem possível que o houvesse visto em algum comercial ou filme. Afinal, tinha a nítida impressão de que já o vira antes. — A senhorita não me entendeu. — Ele continuava a sorrir. — Quero apenas um pouco de água para beber. — Nesse caso, sirva-se no bebedouro. — Rebecca apontou uma porta lateral, que dava para o terraço dos fundos da mercearia. — Fica logo ali. — Obrigado. A senhorita é muito gentil. — Por nada... — Sem conter a curiosidade, ela indagou: — O senhor tem parentes em Palace City, ou está apenas de passagem? — Fiz um frete até aqui. — Ele indicou o estacionamento, em frente à mercearia. — Tenho uma caminhonete de aluguel. Rebecca olhou na direção indicada e viu o utilitário reluzente, cor de vinho, bem ao lado de sua velha caminhonete azul. — Ah, sim. Então o senhor trabalha com fretes... — Não é exatamente o meu ramo, mas dá para tirar algum lucro. Hoje em dia, as pessoas já não contratam fretes. Preferem recorrer às grandes empresas de transportes. — É verdade — Rebecca assentiu, afastando para longe sua teoria a respeito 9
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James daquele estranho. Ator de televisão ou cinema! Ela pensou, rindo intimamente. "Minha imaginação às vezes me prega peças", pensou, divertida. — Bem, com licença. Vou tomar um bom gole de água, pois estou sedento. — Fique à vontade, senhor. O homem tornou a agradecer e saiu pela porta lateral, de vidro, que Rebecca lhe havia indicado. Ela observou-o por mais alguns momentos, até que Nancy Jackson, uma simpática professora da escola municipal de Palace City, aproximou-se com um carrinho lotado de compras. Rebecca apressou-se a atendê-la, enquanto Buddy, que acabava de voltar do estacionamento, acomodava as compras nas sacolas. Mais uma vez, o estranho se aproximou de Rebecca, sem que ela se desse conta. — Desculpe-me por importuná-la mais uma vez, senhorita...
— Toby — ela se apresentou. — Rebecca Toby. — Srta. Toby — ele murmurou, como se quisesse memorizar-lhe o nome. — Digame, a que distância fica a cidade mais próxima? — Em que direção, senhor? — Bem... — ele hesitou. — Estou vindo do norte, portanto suponho que deva seguir para o sul. — Sul — Rebecca repetiu, divertida com o falta de senso de direção daquele simpático estranho. — Creio que a próxima cidade seja Ryan, a uns trinta quilômetros daqui. — É um bocado longe — ele comentou, sério. — Nem tanto, senhor. — De fato, mas é que estou cansado de dirigir. — Exibindo de novo aquele sorriso que parecia iluminar tudo ao redor, ele explicou: — É que estou na estrada desde as nove da manhã. — Compreendo. — E não me sinto nem um pouco animado a dirigir por mais trinta quilômetros. A senhorita não poderia me indicar um bom hotel, aqui na cidade? — Infelizmente, não temos nenhum hotel por aqui. Os turistas que visitam Palace City geralmente ficam em Ryan, onde existe um bom hotel-fazenda, ou então em Terral, que fica logo adiante e possui uma série de pousadas bastante confortáveis, a preços razoáveis. Creio que, na próxima temporada, teremos um hotel em Palace City. Mas ele ainda está sendo construído. — Que pena — o estranho comentou, decepcionado. — Estou tão cansado, que não me sinto com ânimo de chegar até a próxima cidade. Rebecca pensou no pequeno apartamento que seu pai mantinha, no andar de cima da mercearia. Há poucos meses, ele começara a reformá-lo, pois pretendia alugá-lo para algum viajante de passagem, durante a temporada. Era um apartamento composto de dois ambientes: uma pequena sala e dormitório, além de uma cozinha minúscula e banheiro. Mas o apartamento ainda não estava pronto para ser alugado. Faltava-lhe uma boa mão de tinta nas paredes, a instalação de um chuveiro e mais uma série de detalhes. Ela se lembrava de que Edward Toby já havia colocado lá uma cama e uma 10
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James velha geladeira, além de uma mesa com duas cadeiras. Mas isso era tudo. "Mesmo assim, talvez eu pudesse alugá-lo para esse homem, já que seria apenas por uma noite", ela pensou, um tanto incerta. Mas desistiu. Afinal, não conhecia aquele homem. E seria arriscado deixar um estranho sozinho, na mercearia. Já bastava a triste experiência que Edward Toby tinha passado, com Jenks Colquitt... Edward tratara-o com consideração, e o que recebera em troca? Ingratidão. — Talvez o senhor consiga um frete para Ryan ou Terral, ainda hoje — ela argumentou, afastando de vez a possibilidade do acolher o estranho. — Duvido — ele retrucou, incrédulo. — Mas diga-me, srta. Toby, será que nenhum morador desta cidade poderia me hospedar por uma noite? Eu... Posso pagar. — Infelizmente, acho que o senhor não conseguirá nada, aqui em Palace City. — Entendo — ele aquiesceu, com ar severo. — Afinal, ninguém me conhece, por aqui. Acho que as pessoas ficariam com medo de me acolher em sua casa. — Creio que o senhor tem razão. — E não as condeno — ele continuou, ignorando a interferência de Rebecca. — Hoje em dia, as pessoas mal conseguem confiar em quem conhecem... Quanto mais num estranho! Rebecca assentiu com um gesto de cabeça, cumprimentando de passagem alguns fregueses que acabavam de chegar e pegavam seus carrinhos de compras. — O melhor que tenho a fazer é seguir viagem — disse o estranho. Hesitou por alguns instantes, antes de prosseguir: — Eu vi algumas caixas de suprimentos, ali fora, perto do bebedouro. — São produtos que recebi, hoje. Vou arrumá-los nas prateleiras, assim que fechar a mercearia — ela explicou. — Há também um velho sofá, perto das caixas — ele afirmou. — A senhorita se importaria se eu descansasse por algum tempo, antes de seguir viagem? — Não — Rebecca concordou, de imediato. — Fique à vontade, senhor. Mas acho que aquele sofá está bastante empoeirado.
— Eu também estou — ele retrucou, com humor. — Então, se não se importa com isso, pode descansar. — Farei isso, srta. Toby. Obrigado, mais uma vez. Rebecca acompanhou-o com os olhos e viu-o recostar-se comodamente no sofá, que ficava bem atrás da porta envidraçada. "Isto encerra o assunto", ela decidiu, em pensamento. No entanto, continuou observando o homem, que agora passava a mão pelos cabelos loiros e lisos. Havia algo nele de especial... Mas Rebecca não saberia dizer o quê. Estaria apenas fascinada pela beleza do desconhecido? Ela se perguntou. Podia bem ser, mas também era verdade que sentia certo receio daquele homem. E isso se devia ao fato dele ser um estranho. Afinal, a última experiência que ela e Edward haviam tido com Jenks, fora terrível. Com um calafrio, ela recordou-se de quantas vezes Edward dera sanduíches e cigarros de graça para o rapaz. E também lhe conseguira um emprego, ao qual ele comparecera apenas por dois dias. E Jenks era um desconhecido, não? E Edward fora bom para ele...
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Jenks!. — ela murmurou. — Ele também tinha olhos verdes, não? Respirando profundamente, Rebecca procurou se controlar. "Devo estar paranóica", disse para si. "Nem todos os estranhos são como Jenks... E o fato daquele homem ter olhos verdes como os dele, não pode significar muita coisa. Trata-se de uma coincidência, só isso." Assim, ela interrompeu as divagações, enquanto sorria para o freguês que se aproximava do caixa.
CAPÍTULO II
Nossa, Buddy, parece que hoje todos os moradores de Palace City resolveram fazer as compras do mês — Rebecca comentou, com um sorriso cansado. Já passava de sete e meia e novos fregueses chegavam. Dentro de quinze minutos, no máximo, Buddy deveria sair. Caso contrário, chegaria atrasado à escola, onde cursava o terceiro ano colegial. — Acho que vou faltar hoje, Rebecca — disse o rapaz, num tom solícito. — Ainda temos de arranjar vários produtos nas prateleiras e se você for cuidar disso sozinha, não conseguirá sair daqui antes da meia-noite. — Agradeço o oferecimento, Buddy, mas não posso aceitar. Prometi a seus pais que jamais permitiria que você faltasse às aulas, em função deste trabalho. — Mas hoje é uma exceção — o rapaz argumentou. — Veja, a sra. Lancaster acaba de chegar. Aposto que ela sairá daqui com pelo menos dois carrinhos lotados. A sra. Margareth Lancaster, esposa do ministro da igreja metodista de Palace City, era uma mulher de meia-idade, um tanto ríspida e irritadiça. Mas era também uma ótima professora e desenvolvia várias atividades beneficentes, na escola. Por isso Rebecca tinha-lhe um profundo respeito. — Pode deixar que eu atendo a sra. Lancaster — disse Rebecca. — Trate de tomar um lanche e sair para a escola, ou chegará atrasado para a primeira aula. — Oh, Deus — Buddy murmurou, empalidecendo, com os olhos fixos no estacionamento da mercearia. — O que foi? — Rebecca indagou, sem entender. — Roadie Pittman acaba de chegar.
Rebecca sobressaltou-se. Roadie Pittman era pai de Lonnie Pittman, o rapaz que assaltara Edward, há dois meses, e que agora estava preso, devido à acusação de Rebecca. — O que será que ele quer aqui? — Buddy perguntou, num tom nervoso. — Vamos esperar, para ver — Rebecca retrucou, com uma segurança que estava longe de sentir. Na época em que ela denunciara Lonnie Pittman às autoridades, o velho Roadie a abordara em plena praça central de Palace City, e a acusara de estar mentindo. Ele estava embriagado, na ocasião, e o incidente fora bastante desagradável.
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James Normalmente, Roadie era um homem calado e taciturno, incapaz de discutir com qualquer pessoa. Mas, quando bêbedo, tornava-se inconveniente e até agressivo. — Tomara que ele esteja sóbrio — Rebecca murmurou, no momento em que Roadie entrava na mercearia. Bastou-lhe um olhar mais atento, para compreender que o homem havia bebido, pois andava de maneira incerta e tinha os olhos avermelhados. — O que faremos? — Buddy indagou, em voz baixa. — Vamos atendê-lo como um simples freguês — Rebecca decidiu. — Agora, trate de ir até a cozinha para fazer seu lanche. — Nem pensar! — o rapaz recusou-se, num tom quase solene, que chegou a comover Rebecca. — Não posso deixá-la aqui, sozinha, com Roadie. — Mas eu não estou sozinha, Buddy — ela protestou. — Há a sra. Lançaster e outros fregueses... — Mesmo assim, prefiro perder a primeira aula — o rapaz replicou, decidido. — Obrigada — Rebecca agradeceu, baixinho, preparando-se para atender a uma nova freguesa, que aproximava-se do caixa com seu carrinho de compras. Mas não teve tempo, pois Roadie Pittman adiantou-se e, antes que a freguesa pudesse colocar as compras sobre o balcão, interpelou Rebecca: — Quero falar com você. — disse, com a voz alterada pelo álcool — É sobre o meu garoto. A freguesa recuou, um tanto assustada. A sra. Lançaster e mais duas pessoas surgiram por entre os corredores cheios de prateleiras, observando a cena. Buddy manteve-se ao lado de Rebecca que, forçando um tom calmo e despreocupado, respondeu: — Sinto muito, sr. Pittman, mas não tenho tempo de conversar, agora. Como o senhor pode ver, estou atendendo uma cliente. Se puder me aguardar um pouco... — Acontece que estou com pressa e não posso esperar — ele a interrompeu, num tom peremptório. — O senhor ouviu o que ela disse — Buddy interveio, encarando o homem com uma expressão corajosa. Rebecca olhou de um para o outro... E estremeceu. Roadie estava totalmente bêbedo e, se Buddy o provocasse, seria bem capaz de agredi-lo. Mesmo embriagado, Roadie era um homem corpulento e não teria dificuldade alguma para derrubar o valente Buddy...
"Oh, Deus", ela pensou, assustada. "Já tenho problemas suficientes e não preciso de mais complicações..." As outras freguesas permaneciam imóveis e apenas assistiam à cena. Rebecca não tardou a constatar que não poderia esperar nenhum tipo de ajuda, da parte delas. Como a desmentir-lhe o pensamento, Margareth Lançaster interveio: — Roadie Pittman! — repreendeu-o, num tom severo. — É melhor ir para casa descansar. Você bebeu demais e está fora de seu juízo. O homem voltou-se na direção de Margareth e riu, com desdém: — A senhora pensa que sou um de seus alunos, para falar assim comigo? — Acho apenas que você passou da conta, Roadie. Trate de ir dormir. Amanhã você poderá refletir melhor e verá que tive toda a razão de mandá-lo para casa. — Fique fora disso — Roadie ordenou. E voltando-se para Rebecca, acrescentou: — Quero falar com você... Agora! E ninguém me fará mudar de idéia, entendeu? Rebecca olhou na direção de Margareth e agradeceu: — Obrigada por tentar me ajudar, sra. Lançaster. — É melhor o senhor ouvir o conselho da sra. Lançaster — disse Buddy, interpondo-se entre Rebecca e Roadie. — Quer fazer o favor de mandar esse moleque calar a boca, antes que eu perca a paciência? — Roadie fitava Rebecca com um olhar ameaçador. — Não sou um moleque e sim um homem! — Buddy elevou a voz. — E se o senhor está querendo brigar... O rapaz não terminou a frase. Com extrema facilidade, Roadie ergueu-o do chão e atirou-o a alguns metros de distância. — Buddy! — Rebecca gritou, apavorada.
Margareth Lancaster precipitou-se na direção do rapaz, que já começava a se erguer. Rebecca quis fazer o mesmo, mas Roadie a deteve, segurando-a pelo braço: — E agora, podemos conversar ou não? — Não temos nada a nos dizer! — Rebecca retrucou, com voz trêmula, tentando se desvencilhar.
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Pare de perturbar a moça — disse uma voz, vinda da porta lateral da mercearia. Todos se voltaram naquela direção, a tempo de ver o homem alto, loiro e de profundos olhos verdes, aproximar-se de Roadie Pittman. — Quem é você? — perguntou Roadie, surpreso com a intervenção. — Sou alguém que não suporta ver um homem de sua idade usando a força para intimidar um rapaz valente como aquele ali... — Ele apontava Buddy, que já estava em pé. — E que também não permitirá que você maltrate uma moça que só quer cuidar de seu trabalho. — Ora, cale a boca! — Roadie ordenou. Rebecca livrou-se dele com um safanão e recuou, assustada. Com uma calma admirável, o estranho tocou o ombro de Roadie, antes de recomendar: — Se eu fosse o senhor, sairia daqui agora mesmo. É melhor me obedecer, antes que esta situação se torne ainda mais lamentável. Acredite, senhor... Eu detesto perder a paciência. Não gostaria de agredir um homem que poderia ser meu pai. Mas se o senhor me obrigar a isso... Um silêncio pesado instalou-se no ambiente. Com o rosto muito pálido, Rebecca desejava ardentemente que Roadie obedecesse à ordem daquele homem, que parecia disposto a tudo, para protegê-la. — Vá embora — o estranho repetiu. — O senhor bebeu demais. Roadie mirou-o de cima a baixo. Então, voltou-se bruscamente e saiu, um tanto cambaleante, pela porta. Rebecca suspirou, invadida por um intenso alívio. Olhou para o estranho, que permanecia tão calmo quanto antes. E só pôde dizer: — Obrigada, senhor. Muito obrigada. O estranho assentiu com um gesto de cabeça e dirigiu-se à porta de entrada, como que para se certificar de que Roadie havia realmente partido. Trêmula, Rebecca terminou de atender à freguesa, incapaz de ouvir os comentários que ela fazia, enquanto pagava as compras. — Quem é aquele homem? — perguntou Margareth Lancaster. — Um bom samaritano, eu suponho. — Foi tudo o que Rebecca pôde responder, enquanto registrava as compras. Voltando-se para Buddy, pediu: — Será que você pode ajudar a sra. Lancaster a colocar tudo isso no carro? — Claro — o rapaz aquiesceu, solícito, com a voz alterada pelo nervosismo. — Como é seu nome, senhor? — Margareth indagou, já de saída. O estranho sorriu, polidamente, e apresentou-se: — Eu me chamo Jefferson Spooner, senhora... As suas ordens. — Sou Margareth Lancaster — respondeu a mulher, com indisfarçável simpatia. — E quero cumprimentá-lo por sua atitude. — Não suporto nenhuma forma de violência ou pressão. — Foi a lacônica resposta de Jefferson, que continuou parado junto à porta, até a saída do último cliente. Rebecca levantou-se e trancou a porta da frente, ajudada por Buddy, que fitava Jefferson Spooner com indisfarçável admiração: 14
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Puxa, o senhor é muito valente!
Jefferson sorriu, com modéstia: — E você também, garoto. — Quero agradecê-lo, mais uma vez — disse Rebecca, fitando-o com gratidão. — Não sei o que teria acontecido, se o senhor não estivesse aqui. — Quem era aquele homem? — Jefferson perguntou. — Por que tratou-a daquele modo? — Seu nome é Roadie Pittman — ela explicou, com um suspiro. — Ele me odeia. — Isso deu para perceber. Mas por quê? Rebecca não viu outra solução, senão esclarecer o assunto: — Bem... Há cerca de dois meses, houve um assalto aqui na mercearia. Meu pai foi gravemente ferido e está no hospital. Um dos assaltantes era Lonnie Pittman, filho daquele homem. — E suponho que esse tal Lonnie Pittman foi identificado e denunciado por você, não? — Exato. — Bem, se você o viu assaltando seu pai, tinha mesmo que denunciá-lo.
Rebecca sentiu de novo a culpa instalando-se em seu íntimo. Ela havia realmente visto os dois rapazes, ou apenas ouvido? Desviando os olhos de Jefferson, ela respondeu: — Sim, foi isso mesmo. Mas creio que o velho Roadie estar tendo dificuldades em aceitar essa triste verdade. Posso imaginar como ele se sente... Por isso agiu daquele modo agressivo! Jefferson deu de ombros: — Já desisti de entender por que as pessoas agem de um modo ou de outro. O ser humano é um grande mistério; seria inútil tentar entendê-lo, ou ao menos buscar alguma coerência em suas atitudes. — Mas às vezes as pessoas têm lá suas razões, para agir... — Rebecca argumentou, pensando nos motivos que a haviam levado a denunciar Lonnie Pittman e Jenks Colquitt. Tivera todos os motivos do mundo para acusá-los perante a polícia... Ou não? Tivera todos os motivos do mundo para dizer que havia visto algo que, na verdade, apenas ouvira...? — Vou telefonar para casa e pedir a minha mãe que prepare o quarto de hóspedes para você, Rebecca — Buddy interveio, cortando-lhe as divagações. — Será melhor você passar esta noite conosco. O sr. Pittman está muito alterado e pode ser que ele resolva ir até sua fazenda, para... — Agradeço, Buddy, mas não é preciso se preocupar — ela o interrompeu, num tom amável. — Mas ele está furioso, Rebecca — o rapaz argumentou. — E se resolver ameaçála novamente? E se voltar aqui, na mercearia? — Não se preocupe — Rebecca repetiu. — A esta hora, é bem capaz de Roadie Pittman já estar dormindo. Buddy voltou-se para Jefferson: — O senhor também pode estar correndo perigo. Sei que o sr. Pittman, em seu estado normal, é incapaz de fazer mal a uma mosca, mas quando bebe... 15
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Buddy, será que você não está exagerando? — Rebecca o censurou. — Talvez não — Jefferson ponderou. — E sempre bom estar prevenido. — Escutem, eu não vou ficar com medo o resto da noite, só porque Roadie Pittman bebeu uns goles a mais. É melhor esquecermos este incidente. — Posso ficar no sofá, lá fora — Jefferson ofereceu. — Se Roadie Pittman resolver voltar aqui para cometer alguma tolice, eu o impedirei. — Negativo — Rebecca retrucou. — O senhor vai ficar aqui, sim, mas num apartamento que temos no andar de cima. Isto é, se não se importar com a falta de conforto. Só não ofereci antes, porque sei que ele ainda não está em condições de ser alugado. Mas, de qualquer forma, está à sua disposição, sr. Spooner.
Jefferson fitou-a, surpreso: — Ora, eis aí uma ótima notícia. Aceito o oferecimento, srta. Toby. — Num tom mais sério, acrescentou: — Naturalmente, pretendo pagar pela hospedagem. — Nem pense nisso, sr. Spooner. Como já disse, o apartamento está em condições precárias. — Mesmo assim, eu ainda insisto... — De jeito nenhum. É o mínimo que posso fazer pelo senhor, depois de tudo. Vou dar-lhe as chaves agora mesmo, pois sei o quanto está cansado. — Se não me engano, a senhorita disse que ainda ia guardar aqueles produtos lá de fora nas prateleiras... — Sim. — Vou ajudá-la. — Não é necessário, sr. Spooner — disse Buddy. — Eu e Rebecca cuidaremos disso. Já perdi a escola, mesmo... — Isso não pode se repetir, Buddy — Rebecca afirmou, pesarosa. — Prometi a seus pais que... — Não me deixaria faltar às aulas — o rapaz completou, sorrindo. — Mas você há de convir que hoje foi um dia particularmente atribulado. — E que amanhã será comentado em toda Palace City — Rebecca assentiu, com um suspiro. — Bem, seja como for, quero ajudá-los — Jefferson insistiu. — Mas não é preciso, sr. Spooner — Rebecca ainda protestou. — Diga-me apenas por onde devo começar — ele pediu, exibindo um largo sorriso. — Ah, e antes que eu me esqueça, vocês podem me chamar de Jefferson. Ou melhor, Jeff.
— Está bem... Jeff — Rebecca aquiesceu, retribuindo o sorriso. — Você também pode dispensar o tratamento formal e me chamar de Rebecca. — Obrigado. Agora, vamos ao trabalho. Durante as próximas três horas, Rebecca, Buddy e Jefferson limparam algumas prateleiras, arrumaram os produtos e no final varreram a mercearia. Por volta de onze horas, Buddy despediu-se de ambos. Rebecca acompanhou-o até a porta, agradecida: — Obrigada por tudo. Não vou me esquecer de suas horas extras. Quer que eu o leve até em casa? — Não é preciso. A noite está linda e eu moro tão perto... — Está bem. Então, até amanhã. — Até... — O rapaz hesitou, antes de dizer: — O Jeff é uma ótima pessoa, não? — Acho que sim. Embora nunca o tenha visto antes, sinto que ele é uma pessoa de 16
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James confiança. — Seria ótimo se Jeff trabalhasse conosco. Você vive dizendo que está precisando de mais um ajudante, mesmo. — Mas não posso me dar a esse luxo, Buddy. Eu... Não poderia pagar uma outra pessoa. Não neste momento. — Entendo... Bem, tenha uma boa noite, Rebecca. Até amanhã. — Boa noite, Buddy. — Rebecca trancou a porta e voltou-se, a tempo de ver Jefferson varrendo o pátio dos fundos, onde antes estavam empilhadas as caixas de produtos. Em poucos minutos ele terminou e, deixando a vassoura a um canto, voltou ao interior da mercearia: — Acho que não há nada mais a fazer. — Exceto descansar — ela retrucou, com um sorriso. — Venha, quero mostrar-lhe o apartamento. — Abriu uma gaveta detrás do balcão, pegou as chaves e acrescentou: — Suponho que você queira comer alguma coisa, antes de se deitar. — Para dizer a verdade, estou faminto. — Então, sirva-se. .— Ela apontou as prateleiras. Jefferson pegou apenas um pacote de biscoitos e um litro de leite. — Só isso? — Rebecca indagou, surpresa. — Sim. Para mim, está ótimo. — Pensei que você estivesse faminto — ela retrucou e, alcançando uma cesta, pegou algumas frutas, iogurtes, frios e pão. Estendeu a cesta a Jefferson e concluiu: — Agora sim, você poderá fazer um bom lanche. — É muita bondade sua, Rebecca — ele respondeu, agradecido. Num tom humorado, continuou: — Vou acabar lhe dando um bom prejuízo. — De jeito nenhum. Ah, antes que eu me esqueça, venha comigo até a cozinha? — Claro. Jefferson acompanhou-a e Rebecca apontou um forno microondas: — Vamos levá-lo lá para cima. Não há fogão no apartamento, mas esse forno pode ajudar. — Obrigado, mais uma vez. Pode me aguardar um instante, enquanto pego minha valise, lá na caminhonete? — Claro. Se tiver muita bagagem, eu ajudarei. — Não se preocupe. Tudo o que preciso está na valise.
Em poucos instantes, ambos subiam as escadas, que saíam do pátio dos fundos em direção a uma porta de madeira antiga. Rebecca abriu-a, acendeu a luz do vestíbulo e da sala. Apontou a cama, onde havia um colchão em bom estado: — Esqueci-me de lhe dizer que não tenho roupas de cama. — Trouxe um lençol comigo — Jefferson explicou, enquanto olhava ao redor. — Este apartamento está ótimo para mim. — E empoeirado! — ela gracejou. — Olhe só para este chão... — Ora, eu não vou dormir no chão e sim na cama — ele respondeu, no mesmo tom. 17
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James Rebecca foi até a cozinha e Jefferson a seguiu. Ele depositou o forno microondas sobre o balcão da pia e ela ligou a velha geladeira. — Sinto muito por não poder lhe oferecer nada melhor, Jeff. — Já lhe disse que ficarei muito bem instalado, aqui. Não se preocupe. — Bem, vou deixá-lo à vontade. — Escute... Você também deve estar faminta. Por que não tomamos um lanche, juntos? Afinal, tudo isso que você pôs na cesta é demais para mim. Não vou conseguir dar conta... Por um momento, Rebecca sentiu-se tentada a aceitar o convite. Mas desistiu. Aquele homem ainda continuava a ser um estranho... Tudo o que sabia a respeito dele era que se chamava Jefferson Spooner, que tinha um serviço de fretes e que seus olhos eram verdes como os de Jenks Colquitt...
Além do mais, ela pretendia passar no hospital, para ver Edward. Sem contar que, ao chegar em casa, teria de alimentar os animais, e isso levaria algum tempo. — Que tal? — Jefferson insistiu. — Vai me dar a honra de lanchar em sua companhia? — Obrigada, mas não posso. Preciso visitar meu pai, no hospital, antes de ir para casa. E já é bem tarde... — Certo. Suponho que seu pai esteja esperando você. — Infelizmente, não — ela respondeu, com infinita tristeza. — Ele foi atingido por uma bala, durante o assalto na mercearia. Perdeu a consciência e às vezes me pergunto se algum dia conseguirá recobrá-la... Jefferson fitou-a de modo tão penalizado, que Rebecca surpreendeu-se. — Oh, Deus... — ele murmurou. — Eu... Sinto muito. Fui idiota em convidá-la para lanchar comigo, quando você tem algo muito mais importante a fazer. — Ora, você não poderia adivinhar — ela retrucou, ainda surpresa com aquela demonstração de profunda solidariedade. — Então é por isso que você está tão desgastada... — Como assim, Jeff? — ela indagou, sem entender. — Quero dizer, você está cuidando de tudo sozinha: da mercearia, de sua casa... — Alguém tem que se encarregar disso. Antes, eu e papai dávamos conta de tudo. Agora... — Logo seu pai recobrará a consciência e essa fase difícil chegará ao fim — ele a interrompeu, com uma expressão esperançosa. — Pode apostar nisso, Rebecca. Ela sorriu, com um misto de tristeza e emoção: — Obrigada por essas belas palavras, Jeff. Bem, eu já vou indo. Trate de tomar seu lanche, está bem? — Mas antes, tomarei um banho. — Infelizmente, ainda não instalamos o chuveiro. — Não faz mal. Estamos no verão, lembra-se? Um banho frio será até saudável. Boa noite, Rebecca. E obrigado por tudo. — Sou eu quem lhe deve agradecimentos, Jeff — ela retrucou e saiu. Enquanto esperava que o motor da caminhonete funcionasse, Rebecca perguntouse se teria agido bem, permitindo que Jefferson Spooner pernoitasse ali. A dúvida assaltou-a por alguns momentos e, mais uma vez, ela lembrou-se de Jenks e de sua terrível ingratidão. — Seja como for... — pensou, em voz alta — agora é tarde para voltar atrás. Esperemos apenas que Jeff não seja como Jenks. Um calafrio percorreu-lhe a espinha: Jeff... Jenks... Até os nomes de ambos eram parecidos, tal como os olhos verdes!
— Não seja idiota, Rebecca Toby – ela ordenou-se, enquanto manobrava a caminhonete. Afinal, Jefferson Spooner já lhe tinha dado provas em suficientes para confiar nele. Era melhor parar de pensar em tolices e concentrar-se na estrada que, apesar de quase deserta àquela hora, era cheia de curvas perigosas.
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CAPÍTULO III
A Santa Casa de Ryan ficava a cerca de trinta quilômetros de distância, numa colina que poderia ser avistada da rodovia. Fora construída ali, para servir tanto à população da cidade de Ryan, como de Palace City e Terral. Rebecca seguiu pela rodovia 81 e tomou o acesso que conduzia à Santa Casa, logo na entrada da cidade. Havia apenas dois carros estacionados em frente ao casarão antigo, onde funcionava o hospital. Apenas as vagas reservadas aos médicos e ao pessoal da direção estavam ocupadas. Certamente as pessoas preferiam visitar os parentes ou amigos doentes durante o dia, e não àquela hora tardia. Rebecca estacionou a velha caminhonete e dirigiu-se à entrada do hospital. A sala de espera estava vazia. No saguão contíguo, havia poucos pacientes assistindo a um programa de televisão. Rebecca passou por eles e cumprimentou-os com um sorriso gentil. Dirigiu-se ao balcão e cumprimentou a atendente:
— —
Boa noite, Lucy. Desculpe-me por ter vindo tão tarde, mas é que só agora consegui fechar a mercearia.
Você sabe que não temos um horário estipulado para visitas, meu bem — a mulher respondeu, num tom amável. — Ao menos, não para você, que trabalha o dia todo.
—
Eu sei, e agradeço a consideração. Bem, como está papai? A atendente consultou o fichário, antes de responder:
— O sr. Edward Toby teve uma leve reação, hoje à tarde, durante a terapia. Foi apenas um leve tremor, mas isso já é bastante significativo, não? — Creio que sim — Rebecca assentiu com um suspiro. Sempre que chegava ao hospital, sentia-se tomada por uma rajada de esperança, com relação ao estado do pai. Sempre esperava pela notícia de que Edward havia saído do estado de coma. — Ele vai reagir, Rebecca — disse Lucy, numa tentativa de confortá-la. — E só uma questão de tempo, acredite. "Faz dois meses que escuto isso", Rebecca respondeu, em pensamento. Agradeceu a atendente e caminhou pelo corredor, em direção ao quarto de Edward. Parou diante da porta, respirou profundamente e entrou. Contemplou Edward e por um momento pareceu-lhe que ele estava apenas adormecido... E que com um leve toque poderia acordá-lo. — Papai... — disse-lhe ao ouvido, acariciando-lhe os cabelos grisalhos. — Será que você pode me ouvir? Olhe para mim, por favor... Abra os olhos e diga-me que tudo vai ficar bem, que você voltará a ser o velho Edward Toby de sempre. Como resposta, apenas o silêncio. E as lágrimas inundaram os olhos de Rebecca. Recostando-se no ombro de Edward, ela desabafou:
— Oh, papai, sinto-me tão cansada e tão sozinha. Aliás, lá na fazenda, todos estão sofrendo com sua falta. Desde o mais humilde dos trabalhadores, até a nossa querida Pink. Tenho certeza de que, se ela pudesse falar, lhe diria o quanto está triste e o quanto aquela fazenda parece vazia, sem você. — Por um instante, Rebecca reviu a cena terrível da noite do assalto: o pai caindo, ensangüentado, atingido pela bala disparada à queima-roupa, o pânico... A indignação cresceu-lhe no íntimo e sua voz soou trêmula, ao exclamar: — Droga! Por que Lonnie e Jenks fizeram isso com você? Por que, papai? De repente, os ombros de Edward estremeceram, como se alguém os sacudisse. Rebecca arregalou os olhos azuis, marejados de lágrimas. Esperou que Edward fizesse mais algum movimento, ou que abrisse os olhos. Mas nada aconteceu. Ele estava de novo
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James imóvel, tal como nos últimos dois meses. Rebecca perguntou-se se aquele estremecer de ombros não teria sido apenas obra de sua imaginação. Afinal, a atendente a havia informado de que naquele dia Edward havia se mexido...
— Eu vi isso — ela murmurou, certa de que aquele movimento de Edward fora real. Na verdade, tinha a nítida impressão de que o pai quisera consolá-la, enxugar-lhe as lágrimas como sempre fizera. Era como se ele pudesse perceber-lhe a tristeza, a despeito de estar reduzido àquele estado meramente vegetativo. Rebecca mergulhou num choro convulso, mas controlou-se em poucos minutos. Fosse o que fosse, aquele fugaz movimento de Edward redobrava-lhe as esperanças. Quem sabe se não teria sido o primeiro passo para sua total recuperação? Enxugando as lágrimas, ela inclinou-se de novo sobre o pai e contou-lhe sobre o dia que passara. Uma voz longínqua, vinda talvez de sua própria esperança, dizia-lhe que talvez Edward a estivesse ouvindo. Por isso Rebecca excluiu, de propósito, o triste episódio com Roadie Pittman. Também não mencionou o nome de Jefferson Spooner. Falou longamente com Edward e por fim decidiu partir: — Preciso ir agora, papai. Pink deve estar impaciente com minha demora. Mas voltarei amanhã, eu prometo. Por favor, tente reagir. Volte para nós, papai... Se soubesse o quanto precisamos de você! — E saiu, depois de beijá-lo ternamente, na testa. A noite estava magnífica, com muitas estrelas no céu e uma temperatura agradável. Rebecca dirigia pela rodovia 81, rumo à fazenda Toby, onde ainda havia trabalho por fazer. Ao chegar, foi recepcionada por Pink, a mascote, bem como pelos dois cães pastores, que correram ao seu encontro. Rebecca acariciou os três animais e sorriu: — Às vezes acho que os seres humanos têm muito a aprender com vocês — disse, enquanto dirigia-se à casa. — Afinal, os animais não mentem, não traem, não são ingratos... A leitoinha Pink grunhiu, como se compreendesse aquelas palavras. — Vocês devem estar com fome, não é? Esperem um minuto, que já vou alimentálos. Cerca de uma hora mais tarde, Rebecca preparava-se para dormir. Já havia alimentado Pink e os cães, além de ter verificado o celeiro e o curral onde ficavam as cabras. Felizmente, o administrador da fazenda era um homem responsável e muito cuidadoso. Se não fosse por isso, ela ainda teria muito mais trabalho, para manter a propriedade. Sobre a mesa da cozinha da casa, ela encontrou um bilhete do administrador: "Rebecca, uma das vacas teve um parto problemático. Pensei que fosse preciso chamar um veterinário, mas felizmente consegui resolver o assunto, com a ajuda de dois empregados. Amanhã cedo levarei minha mulher ao médico e por isso só chegarei por volta da hora do almoço. Deixei a vaca e o bezerrinho no estábulo, separados dos
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James outros animais. Dê uma olhada neles por mim e veja se está tudo bem." Apesar de já ser muito tarde, Rebecca decidiu ir até o estábulo.
Pink acompanhou-a. Os cachorros já deviam estar deitados perto do curral, na casinha de madeira que o próprio Edward construíra para ambos. Utilizando-se de uma lanterna de facho bem forte, ela iluminou o estábulo e não tardou a encontrar a vaca e o bezerrinho, que dormiam sobre um monte de feno.
— Olá, mamãezinha. — Rebecca acariciou a cabeça da vaca malhada, que fitava-a com um olhar dócil. — Só vim verificar se vocês estão bem. Minutos depois, ela retornava à casa, sempre acompanhada por Pink. Acariciou a mascote, trancou a porta, serviu-se de um copo de leite na cozinha e foi para o quarto. Trocou o jeans e a camisa por uma camisola leve e atirou-se na cama. Estava tão cansada, que adormeceu em poucos minutos. O dia amanheceu radiante, como todos os daquele verão de Oklahoma. Uma chuva agradável havia caído durante a madrugada, aguando a terra sedenta, ressequida pelo sol forte. Dirigindo sua velha caminhonete pela rodovia 81, rumo à mercearia, Rebecca contemplava as árvores e outras plantas que ladeavam a estrada. A natureza exuberante parecia agradecida à chuva torrencial da noite anterior. E exibia suas cores variadas, entre os tons de verde das folhagens e flores silvestres. Rebecca consultou o relógio e viu que faltavam alguns minutos para as oito horas. Em pouco tempo, ela já se aproximava da mercearia, perguntando-se se Jefferson Spooner ainda estaria por lá. Ou já teria partido? A caminhonete cor de vinho, no estacionamento, deu-lhe a resposta. E Rebecca sorriu, sem saber ao certo o motivo de seu contentamento. A verdade era que a perspectiva de reencontrar Jefferson deixava-a satisfeita. Ele estava sentado no velho sofá, no pátio dos fundos. Rebecca o viu logo que abriu a porta frontal da mercearia e aproximou-se para saudá-lo: — Bom dia. Espero que tenha dormido bem, apesar do desconforto. Jefferson sorriu, radiante. Tinha trocado os jeans por uma calça de algodão, azul clara. E usava uma camisa branca, de tecido fino, com as mangas arregaçadas. Mais uma vez, Rebecca admirou a beleza estonteante daquele homem... E a luz que emanava daqueles olhos verdes como preciosas esmeraldas. — Passei uma noite ótima — ele respondeu. — Aliás, eu seria capaz de morar naquele apartamento por um bom tempo. — Antes que Rebecca respondesse, Jefferson explicou: — Tomei a liberdade de arrumar aquele quarto de despejos, ali. — E apontou a pequena porta, sob a escada que conduzia ao apartamento. — Espero que você não se importe. Rebecca acompanhou-o até o quarto, onde há anos Edward Toby acumulava velhas ferramentas e outros objetos. Tudo estava imaculadamente limpo e arrumado. Num canto do pátio, havia uma pilha de lixo, que fora retirado do quarto. — Se eu me importo? — ela retrucou, sorrindo. — Só posso agradecê-lo, Jeff. Não precisava ter se incomodado com isso. — Ora, não foi incômodo e sim um prazer. — Acho que já perdi a conta de quantas vezes eu lhe disse "obrigada", de ontem para cá. Bem, estou ansiosa por uma boa xícara de café. Que tal me acompanhar no desjejum?
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Agradeço e aceito o convite. Acho que ontem eu estava mais faminto do que imaginava, pois comi todas as frutas, pão e bolachas que você me deixou. — E não sobrou nada para hoje? — Nem sequer uma migalha — ele respondeu, humorado. — Então, vamos preparar um bom café da manhã. Venha comigo até a cozinha, Jeff. Logo, ambos acomodaram-se à pequena mesa da cozinha, saboreando café e biscoitos. Rebecca teve de se levantar apenas para atender a sra. Brown, que vinha buscar pão e leite. Depois, voltou a sentar-se. — Onde está seu ajudante? — Jefferson perguntou. — Ele só trabalha no período da tarde — ela explicou, servindo-se de uma segunda xícara de café. — E seu pai? — ele indagou, após alguns instantes. — Melhorou? — Continua na mesma. Mas ontem eu tive a nítida impressão de que ele podia me ouvir. — Ótimo. Isso é um bom sinal. — È só uma esperança — Rebecca contrapôs, com um suspiro. — A esperança é algo que jamais podemos perder — ele sentenciou. — Caso contrário, a vida pareceria totalmente sem sentido. — Tem razão, Jeff — ela concordou, fitando-o com admiração. — Obrigada por seu interesse. Ele relutou, antes de dizer: — Quanto àquele homem, Roadie Pittman... Você pretende tomar alguma providência? — Não. O que posso fazer, senão rezar para que ele não me importune mais? — Talvez você devesse pedir proteção policial. — Temos poucos policiais, aqui em Palace City. O delegado de Ryan, que responde pela segurança de toda a região, não pode ordenar que um deles fique a meu lado, o tempo todo. Portanto, tenho de cuidar de mim mesma. Jefferson fitou-a longamente e sua voz soou muito baixa, ao dizer: — Talvez você pudesse reconsiderar sua versão sobre os fatos... Rebecca estremeceu. Por um momento, teve a nítida impressão de que Jefferson sabia muito mais sobre aquele assalto do que ela poderia supor. Com um brusco meneio de cabeça, Rebecca afastou de si aquele pensamento incômodo. "Foi só uma impressão", disse para si, passando a mão pelos cabelos castanhos, num gesto nervoso. De qualquer forma, como Jefferson poderia saber? Na verdade, nem mesmo Lonnie Pittman ou Jenks Colquitt poderiam dizer até que ponto, exatamente, ela havia presenciado o assalto. Forçando um sorriso, Rebecca afirmou: — Admiro seu interesse nesse caso, Jeff, mas você não deve se preocupar com minha segurança. Roadie Pittman não me fará mal, disso tenho certeza. O máximo que pode acontecer é ele se embriagar e provocar uma situação constrangedora como a de 22
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James ontem, sem maiores conseqüências. Na verdade, eu penso muito mais em Buddy, do que em mim. Você sabe, ele é um rapaz corajoso, mas perde a paciência muito depressa. Tenho medo de um confronto entre ele e Roadie. Afinal, Buddy quer me proteger e pode cometer alguma tolice, apesar de ser muito bem-intencionado. — Talvez eu pudesse conversar com ele e dar-lhe alguns conselhos. Não creio que isso ajude muito, mas vou aconselhá-lo a ter paciência com Roadie, a não perder a cabeça. O que você acha? — É uma ótima idéia — Rebecca aprovou, satisfeita. — Você deve ter percebido que Buddy o considera uma espécie de herói, devido à sua atitude, ontem, com Roadie. Assim, creio que ele ouvirá seus conselhos. — Certo. Então, vou esperar que ele chegue, para conversarmos. O diálogo foi interrompido pela chegada de duas freguesas. Rebecca levantou-se para atendê-las e Jefferson começou a tirar a mesa: — Deixe que eu cuide disso. — Obrigada — ela agradeceu, de passagem, dirigindo-se ao caixa. Eram quase dez horas, quando Stephen Knox, pai de Buddy, entrou na mercearia. Rebecca sorriu, ao vê-lo: — Bom dia, sr. Knox. Em que posso servi-lo? — Preciso falar com a senhorita... Em particular — o homem explicou, visivelmente constrangido. — Certo — Rebecca aquiesceu. — Aguarde-me um momento, sim? — Caminhou até o pátio dos fundos e avistou Jefferson, recostado a uma árvore, lendo um livro. Chamou-o e pediu: — Por favor, você se importaria de ficar no caixa por alguns minutos? O pai de Buddy acaba de chegar e pediu-me para termos uma conversa reservada. — Está bem — Jefferson concordou de imediato, fechando o livro e acompanhando-a ao interior da mercearia. — Venha comigo até a cozinha, sr. Knox — disse Rebecca. — Assim, poderemos conversar em paz. O homem seguiu-a e Rebecca indicou-lhe uma cadeira para que se acomodasse: — Fique à vontade. O senhor aceita uma xícara de café? — Não, obrigado. Minha demora será pouca, senhorita.
Rebecca sentou-se em frente a ele: — Pode falar, sr. Knox. Suponho que o assunto seja relativo ao que aconteceu ontem. Perdoe-me por Buddy ter faltado à escola. Prometo-lhe que isso não voltará a ocorrer. Stephen Knox ficou em silêncio por algum tempo, como se escolhesse as palavras apropriadas para o que tinha a dizer. Por fim, pareceu armar-se de coragem para introduzir o assunto: — Srta. Toby, em primeiro lugar quero que saiba que eu e minha família a temos em alta consideração. — Sei disso, sr. Knox — ela aquiesceu, com um sorriso. — Mas creio que o senhor não veio até aqui apenas para me falar sobre isso. — De fato, não. Olhe, eu nem sei como começar, mas... — Fale, simplesmente — Rebecca o estimulou.
Ele tomou fôlego: — Bem, ontem à noite, depois que soubemos o que havia acontecido entre Buddy e Roadie Pittman, eu e minha mulher ficamos muito preocupados. 23
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Naturalmente que sim — Rebecca assentiu. — Ainda há pouco, eu estava conversando com o sr. Spooner...
— Buddy me falou sobre ele — Stephen a interrompeu. — Pois é. Eu e o sr. Spooner acabamos de falar sobre Buddy. Ele até se propôs a dar alguns conselhos ao garoto, sabe? Eu mesma não quero que Buddy tenha um novo confronto com Roadie Pittman. Preocupo-me demais com sua segurança e... — Eu também, srta. Toby. Para mim, a segurança de meu filho está em primeiro lugar. — Claro. — E foi exatamente por este motivo que vim lhe dizer que... — Stephen relutou, antes de concluir — que Buddy não vai mais trabalhar aqui: Não quero que ele se exponha ao risco de um novo confronto com Roadie Pittman. Rebecca baixou os olhos. Seria uma pena perder Buddy. Ele era um rapaz responsável, apesar da pouca idade. Era também um empregado de confiança, e um ótimo garoto. — Por favor, não fique ofendida por isso — Stephen continuou, cada vez mais embaraçado. — Tomei essa atitude pensando unicamente em Buddy e sua segurança. — Compreendo — Rebecca disse, por fim. — Creio que, no seu lugar, eu assumiria a mesma posição. — Obrigado por dizer isso, srta. Toby. Sabe, meu filho adora trabalhar aqui. Na verdade, ele reagiu muito mal, diante dessa minha decisão. — Diga-lhe que um dia, quando todos esses problemas terminarem, poderemos trabalhar juntos novamente. Diga-lhe que eu o estimo muito e que ele foi um ótimo empregado. Stephen Knox sorriu, aliviado: — Posso dizer-lhe também que a senhorita não ficou ofendida? — Lógico, sr. Knox. Buddy é um garoto maravilhoso e o senhor só está cumprindo seu papel de pai. Como eu poderia me ofender? — De repente, uma idéia ocorreu a Rebecca: Jefferson Spooner! Ele bem que poderia substituir Buddy... Como não? — Meu filho ofereceu-se para continuar trabalhando, até que a senhorita arranje outra pessoa. Mas, cá entre nós, creio que isso seria muito arriscado. Afinal, quem pode garantir que Roadie Pittman...
— Fique tranqüilo, sr. Knox — Rebecca recomendou, num tom firme. — Eu darei um jeito. Aliás, acabo de pensar em alguém para assumir o lugar de Buddy. — Ótimo! — Stephen exclamou, realmente satisfeito. — Bem, acho que não vou roubar-lhe mais tempo, srta. Toby. Tenha um bom dia. — Desejo-lhe o mesmo, sr. Knox. Dê um abraço em seu filho, por mim, e diga-lhe para aparecer por aqui, uma hora dessas, para conversarmos um pouco. Agora, vamos acertar as contas de Buddy. — Não é preciso. — Stephen levantou-se. — Deixe para fazer as contas no final do expediente. Amanhã ou depois, pedirei a Buddy que passe por aqui, para resolver este assunto. — Está bem, sr. Knox. O homem saiu, mas Rebecca continuou ali, na cozinha, refletindo. Estava prestes a oferecer emprego a um homem que conhecia há menos de vinte e quatro horas. No entanto, algo lhe dizia que poderia confiar em Jefferson Spooner. Ele já havia provado o quanto era eficiente e trabalhador. Além do mais, não dissera, ainda há pouco, que seria capaz de morar naquele apartamento acima da mercearia, por um bom tempo?
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James Rebecca puxou um caderno de notas do bolso e fez algumas contas. Quanto, exatamente, ela poderia pagar a Jefferson Spooner? Não muito, era verdade... Mas, por outro lado, poderia oferecer-lhe o apartamento e as provisões, que escolheria entre os produtos da mercearia. Será que ele concordaria com esse arranjo? Para ela, seria perfeito ter Jefferson como ajudante. Além disso, ele poderia protegê-la, caso Roadie Pittman voltasse a importuná-la. Sim. Decididamente, Jefferson Spooner era a resposta para os seus problemas, Rebecca concluiu. Parecia até que o destino havia se encarregado de colocá-lo em seu caminho, no momento em que ela mais precisava de ajuda. — Vou fazer-lhe esta proposta — ela pensou, em voz alta. Apenas não lhe ocorreu que, embora Jefferson Spooner representasse a solução de seus problemas, ele poderia ser, também, a origem de novas e insuspeitadas complicações...
CAPÍTULO IV
Jefferson empilhava cuidadosamente as latas de óleo, formando uma pirâmide colorida, próxima à entrada principal da mercearia. Fazia já quinze dias que estava trabalhando para Rebecca e, nesse curto período, fizera algumas modificações na disposição das prateleiras e no setor de latarias. Com extrema paciência, Jefferson compunha pirâmides ou espirais com as latas, ou então espalhava cartazes de promoção de produtos, pelas paredes brancas do estabelecimento. Mas a principal inovação ficava por conta da música suave que agora se podia ouvir, através de pequenas caixas de som, dispostas em pontos estratégicos da mercearia. Jefferson havia encontrado um velho 2 em 1 no quarto de despejo, bem como várias caixas de som. A aparelhagem precisara apenas de um pequeno conserto, para funcionar bem. Rebecca e vários fregueses haviam elogiado sua iniciativa, que tornava o ambiente bem mais agradável. Agora mesmo, enquanto empilhava cuidadosamente as latas de óleo, Jefferson cantarolava a música que vinha do rádio, sintonizado numa emissora que transmitia velhas canções populares da América. A dupla Simon e Garfunkel cantava Bridge over troubles water, uma das músicas preferidas de Jefferson: "Quando você se sentir tão pequeno, quando as lágrimas vierem aos seus olhos eu as secarei. Estarei a seu lado durante todo o tempo e quando você não puder encontrar um amigo, como uma ponte sobre as águas turvas eu me curvarei para que você passe..." Quase sem se dar conta, Jefferson interrompeu o trabalho e ficou observando Rebecca, que estava entretida em limpar o balcão da caixa registradora. Mesmo uma tarefa tão simples como aquela, parecia algo especial, apenas pelo
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James fato de estar sendo feita por Rebecca. Jefferson deteve-se a admirar os cabelos longos e castanhos, que caíam-lhe em suaves ondas, bem abaixo dos ombros. Por um instante, ele pensou em como seria bom acariciar longamente aquelas mechas castanhas... Mas censurou-se em seguida. Por mais que se sentisse atraído por Rebecca, nunca poderia tentar uma aproximação. O motivo que o levara a Palace City era um segredo que jamais deveria revelar a Rebecca. Afinal, ela não o perdoaria, se soubesse... — Rebecca Toby... — ele disse, baixinho — o que vou fazer com esse sentimento que vem crescendo aqui dentro, a cada dia? — E tocou o peito, onde seu coração pulsava descompassado. Tentou voltar a concentrar-se no trabalho, mas era simplesmente impossível desviar os olhos daquela mulher. "Como é bela", ele pensou, com um suspiro. Os olhos azuis como safiras preciosas, a pele clara onde despontavam algumas sardas, o nariz levemente arrebitado, a boca vermelha e sensual... E o corpo bem proporcionado, cujas curvas perfeitas o jeans e a camisa xadrez ocultavam. "Pare de sonhar, Jefferson Spoone r", ele se ordenou. "Não importa o quanto aquela mulher seja importante para você; ela jamais lhe pertencerá." Tomado pela inquietação, ele levantou-se e foi até o bebedouro, no pátio dos fundos, para tomar um bom gole de água e lavar o rosto. Talvez isso o ajudasse a se acalmar. A porta do escritório de Edward Toby, ao lado do quarto de despejos, estava entreaberta.
O escritório havia permanecido trancado, até dois dias atrás, quando Jefferson resolvera fazer uma boa faxina e arejar o cômodo. Rebecca nunca entrava ali. Dizia que pretendia deixar o escritório pronto para receber Edward Toby, quando ele voltasse ao trabalho. Jefferson tentara convencê-la de que era melhor usar aquele local para receber fornecedores, ou para cuidar da contabilidade. Mas, sempre que tinha de fazer cálculos, ou conversar com fornecedores, Rebecca preferia ocupar a pequena cozinha da mercearia. — Mas se você quiser usar este escritório, fique à vontade — ela oferecera. Jefferson entrou no escritório e olhou ao redor: ali estava a mesa de trabalho de Edward Toby, a cadeira giratória, o telefone e a estante com várias pastas. Sentou-se na borda da mesa, tirou o telefone do gancho, mas tornou a desligá-lo. Saiu e novamente observou Rebecca, que agora estava sentada em frente à caixa registradora. Um grupo de estudantes acabava de entrar na mercearia. Isso significava que Rebecca estaria bastante ocupada nos próximos minutos, Jefferson constatou. Tomado pelo nervosismo, ele voltou a entrar no escritório e fechou a porta. Discou para o centro telefônico e pediu uma ligação a cobrar. Nadine Colquitt Spooner não tardou a atender. — Jeff! Por que demorou tanto para ligar? Já faz mais de duas semanas que você saiu daqui!
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Como vai, mamãe? Eu não queria deixá-la preocupada, mas não tive oportunidade de telefonar antes. — Onde você está? — Arranjei um trabalho na mercearia Palace, com Rebecca Toby, aqui em Palace City. Ela me empregou logo que cheguei. — E Jefferson explicou tudo o que acontecera nos últimos dias, excluindo apenas seus sentimentos com relação a Rebecca. Nadine reagiu com indignação: — Como você teve coragem de se unir a essa mulher mentirosa e sem escrúpulos? — Achei que o fato de estar bem próximo de Rebecca Toby me ajudaria a descobrir a verdade a respeito do que realmente ocorreu, naquele assalto — Jefferson explicou, paciente. Num tom mais sério acrescentou: — E a propósito, mamãe, Rebecca parece ser uma ótima pessoa. — Você se esquece que ela está arruinando a vida de seu irmão? Se Rebecca Toby mantiver sua versão dos fatos daquela noite diante do tribunal, Jenks passará os melhores anos de sua vida numa cadeia imunda. E você não pode deixar que isso aconteça, Jeff. Seu irmão precisa de sua ajuda, mais do que nunca! — Acha que eu não sei disso, mamãe? — Jefferson contrapos, com um suspiro. — Há anos que estou acostumado a livrar Jenks das encrencas em que ele se mete. Mas confesso que nesta última "aprontação", Jenks passou dos limites. E, para ser franco, não tenho certeza se conseguirei salvá-lo, desta vez. — Você tem que fazer isso! — Nadine ordenou, num tom exageradamente dramático. — Aliás, você é a única pessoa que pode salvá-lo, agora. — Farei tudo o que puder, mamãe. Mas você há de convir que a situação é muito grave. — Pobre Jenks — Nadine choramingou. — Ele é apenas um menino... — Vamos esclarecer uma coisa, mamãe — Jefferson retrucou, num tom severo. — Jenks não é apenas um pobre garoto. Um homem chamado Edward Toby está em coma no hospital e você sabe, tanto quanto eu, que talvez tenha sido Jenks quem provocou esse desastre. — Não acredito no que estou ouvindo! — Nadine gritou, com voz trêmula. — Como você pode ter coragem de falar assim a respeito de seu próprio irmão? Sobretudo sabendo da vida miserável que ele teve, desde criança! Lembra-se de como seu pai judiava de Jenks, apenas para se vingar de mim? Jefferson fechou os olhos por um momento, e as imagens do passado desfilaramlhe pela mente, com uma nitidez cruel. Recordou as brigas infindáveis entre seu pai e sua mãe... Brigas que só haviam se tornado piores, depois do nascimento de Jenks. Na época, Jefferson tinha doze anos; era um garoto assustado e tímido. Apesar de nunca ter apanhado do pai, tinha-lhe verdadeiro horror. Sobretudo quando via o pai, totalmente embriagado, espancar Nadine. Um calafrio percorreu-lhe a espinha, ao lembrar-se da tarde em que seu pai, Marlon Spooner, recebera uma carta anônima, avisando-o de que o pequeno Jenks, que 27
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James na época tinha seis anos de idade, não era seu filho. Naquela tarde, Marlon fizera mais uma de suas cenas violentas. Escondido detrás das cortinas da sala, Jefferson assistira a tudo. Trêmulo, vira o pai espancar Nadine até que ela por fim confessara a verdade: Jenks era filho de outro homem. A cena terminara com Marlon arrastando o pequeno Jenks para a sala e espancando-o cruelmente. Jefferson tentara defender o irmão, mas o que podia fazer, diante da força bruta de um homem tomado pelo ódio? As cenas violentas continuaram por mais algum tempo, até que Marlon acabara saindo de casa, para nunca mais voltar. Receando uma vingança de Marlon sobre seu filho caçula, Nadine excluíra o nome "Spooner" do sobrenome do garoto. Assim, Jenks ficara se chamando apenas Colquitt, que era o sobrenome da mãe. Apesar de Marlon ser seu pai, Jefferson respirara aliviado, depois que ele partira. Achava que assim Nadine, ele e o pequeno Jenks estariam a salvo de novas violências. Mas Nadine sempre fora uma mulher carente e desequilibrada. Menos de um ano depois, já estava envolvida com outro homem tão brutal quanto Marlon Spooner. Por uma razão que Jefferson jamais pudera compreender, Jenks continuara a ser espancado pelo novo amante de sua mãe. Ele, ao contrário, era sempre poupado. Talvez pelo fato de ser um garoto tímido e quieto, ao passo que Jenks era alegre e muito levado. E, como era de se esperar, Jenks transformara-se num adolescente rebelde e agressivo. Enquanto que ele, Jefferson, continuava a ser, no fundo, o mesmo menino assustado de antes. Mas isso não lhe roubara a coragem para sair de casa, aos dezesseis anos. Trabalhara numa série de empregos e logo conhecera as injustiças do mundo. Mas, ao menos, estava livre da vida familiar violenta que conhecera desde a infância. Agora, aos trinta anos, Jefferson ia se transformando num homem maduro e compreensivo. Entendia os problemas da mãe e do irmão e sempre enviava-lhes parte do dinheiro que conseguia, com seu trabalho. Também jamais deixava de atender aos pedidos de Nadine, para livrar Jenks das encrencas em que ele se metia. Fazia isso com a maior boa vontade do mundo, mas há anos que receava que o irmão se envolvesse em complicações irreversíveis... Tais como o assalto à mercearia Palace. Agora, Jefferson já não tinha certeza se conseguiria salvar a pele de Jenks. Afinal, o garoto fora longe demais, em sua agressividade e rebeldia. Há cerca de cinco anos, Jefferson encontrara sua verdadeira vocação no mundo: tornara-se um humanista, um lutador a favor das pessoas pobres e sem privilégios, num mundo onde a estrutura social era cruel e injusta. A descoberta de sua vocação acontecera numa circunstância curiosa: Jefferson fizera um frete, transportando uma boa quantidade de alimentos destinados à população pobre de uma cidade próxima a Tulsa. Lá, estava sendo realizada um encontro entre várias entidades filantrópicas. E Jefferson, depois de descarregar os 28
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James alimentos, entrara no salão para assistir a um debate sobre justiça social. A certa altura, o homem que dirigia o debate perguntara se alguém da platéia desejava se manifestar. Levado pelo entusiasmo que aquele assunto lhe despertava, Jefferson fizera um discurso inflamado sobre as dificuldades que a população pobre daquela região enfrentava, em sua luta pela sobrevivência e por uma vida mais digna. O discurso arrancara aplausos entusiásticos da platéia e, no final do debate, o conferencista perguntara a Jefferson se ele não queria escrever um artigo para o jornal da entidade. Jefferson, que fizera apenas o curso secundário numa escola noturna, resolvera encarar o desafio. O artigo causara uma verdadeira sensação e ele escrevera um segundo... E mais um. Em poucos meses, era solicitado a escrever para vários jornais, bem como para participar de uma série de encontros e debates sobre justiça social. Assim, ele se tornara um humanista razoavelmente conhecido, que por vezes participava de programas de televisão, ou de encontros com a imprensa. Assinava seus artigos com o pseudônimo Marlon Gidé. Marlon, por ser o nome do pai, de quem se lembrava com um pouco de carinho e muita pena. E Gidé, por ser o nome de um escritor francês que admirava muito. Sua vida mudara bastante, nos últimos anos. Pois, embora não ganhasse muito dinheiro com seus artigos, conseguia o suficiente para ajudar a mãe, e levar uma vida digna. O dinheiro que sobrava era destinado a obras de fundo social, que constituíam a verdadeira razão de viver de Jefferson. Há cerca de dois meses, ele participara de um programa, ao lado de vários sociólogos, sobre direitos humanos. O programa fora transmitido em cadeia nacional, para toda a América. Por isso, ele receara que Rebecca pudesse reconhecê-lo. Mas, embora ela o tivesse olhado com extrema curiosidade, na primeira vez em que ele entrara na mercearia Palace, parecia não tê-lo ligado à figura do humanista que tanto brilhara, durante o debate na TV. Jefferson suspirou. Desejaria tanto revelar sua verdadeira identidade, a Rebecca Toby! Mas não podia fazê-lo. Estava ali para descobrir a verdade sobre aquele terrível assalto, e não para apaixonar-se pela mulher mais gentil e maravilhosa que já conhecera... — Jeff! — Nadine gritou ao telefone, arrancando-o das divagações. — Você está me ouvindo? Por que não responde? — Desculpe, mamãe — ele respondeu, com voz distante. — Acho que me distraí. — Pelo visto, você não está se importando nem um pouco com a sorte do nosso Jenks. Será que não entende o quanto é grave a situação em que ele se meteu? Com um misto de culpa e amargura, Jefferson compreendeu o desespero da mãe. Pobre Nadine... Uma mulher solitária, envelhecida prematuramente pelo excesso de álcool e pela vida irregular que sempre levara, tentando livrar o filho caçula da cadeia. Por que a vida tinha de ser assim? Ele pensou, com o coração oprimido de dor. Se Jenks houvesse desfrutado uma vida melhor, na infância, certamente não teria se 29
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James envolvido naquele assalto... — Fique tranqüila, mamãe — ele confortou-a, num tom suave. — Farei de tudo para ajudar Jenks. A propósito, ele continua foragido, ou já deu notícias? — Ele me ligou há quatro dias. Disse que estava em segurança, no sítio de um amigo. — Que amigo? — Ele não quis me dizer o nome. Mas eu pedi que continuasse mantendo contato. — Você sabe que o outro rapaz, Lonnie Pittman, pode aproveitar-se da ausência de Jenks, para acusá-lo do pior, ou seja: de ter sido o autor do disparo que quase matou Edward Toby... Aliás, segundo Rebecca Toby, foi exatamente isto que aconteceu. — Jenks não seria capaz de atirar num homem indefeso! — Nadine exclamou. — Talvez sim, talvez não. Quem pode dizer? — Eu posso! Sou a mãe dele e sei que jamais cometeria um crime absurdo desses. Oh, por que não me deixam depor a favor do menino? — Suas palavras de nada valeriam, diante de um tribunal, mamãe — Jefferson ponderou. — Tanto o juiz como os jurados só acreditarão no que Rebecca disser. — É por isso que você deve convencê-la a mudar a estória, diante da corte. Você tem que fazer isso, Jeff.
— Se Jenks concordasse em se entregar, as coisas ficariam mais fáceis. Os jurados considerariam a entrega espontânea de Jenks como um fator atenuante, não acha? — Prefiro que Jenks continue foragido, enquanto você trata de convencer aquela maldita Rebecca Toby a mudar sua versão dos fatos. — Um momento, mamãe — Jefferson argumentou, num tom firme. — Só estou aqui para descobrir a verdade, e não para convencer Rebecca a mentir perante a corte. — De que lado você está, afinal? — Do lado da justiça. — Você sabe muito bem o que a sua justiça fará com Jenks, caso consiga agarrálo. — Sei apenas que Jenks está numa enrascada dos diabos... E você bem que poderia ser menos passional e um pouco mais objetiva, entende, mamãe? O que eu quero é a verdade, nada além disso. Se ao menos eu pudesse falar com Jenks, para ouvir o que ele tem a dizer sobre aquele assalto... Por favor, peça a Jenks para encontrar-se comigo. Ou ao menos para me dizer aonde ele está. Eu irei até lá, e o ouvirei. Isso seria de grande ajuda para todos, inclusive para Rebecca. — Você quer ajudar essa mulher?! — Nadine indagou, indignada. — Ponha-se no lugar dela, mamãe. O que você faria, se seu próprio pai houvesse sido ferido num assalto? Deixaria que os ladrões ficassem soltos por aí? — Não me venha com esse tipo de argumento. Tudo o que desejo é salvar a pele do meu filho caçula. Mas parece que meu filho mais velho não consegue compreender isso.
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — O que acha que vim fazer aqui? Não compreende que também desejo ajudar Jenks? — Então, trate de fazer isso, Jeff. E aja depressa, pelo amor de Deus. Jefferson suspirou, desalentado: — Está bem, mamãe. Vou continuar tentando. Entrarei em contato, logo que tiver alguma novidade. — Faça Rebecca falar. Certifique-se de que ela está dizendo a verdade. — Mesmo que essa verdade incrimine Jenks? — Nesse caso, faça-a mudar de idéia. Sabe como...? Afinal, você é u m garoto bonito, capaz de lidar muito bem com as mulheres... — Mamãe! — Jefferson advertiu-a, chocado. — Está insinuando que eu devo seduzir Rebecca, para... — Não estou insinuando coisa alguma — Nadine o interrompeu, ríspida. — Só quero meu filho de volta. E livre, entendeu? Livre da lei! — Eu também quero Jenks a salvo de quaisquer complicações. Mas não recorrerei a nenhum meio ilícito para conseguir isso. Nadine rompeu num choro convulso. Por fim se acalmou e, com voz trêmula, balbuciou:
— Continue tentando, Jeff. É tudo o que lhe peço. — Farei isso, mamãe. Agora, preciso desligar.
Jefferson saiu do escritório e voltou ao trabalho. — Por onde você andou? — Rebecca perguntou, ao vê-lo entrar. — Estive lá fora. — Foi a resposta vaga de Jefferson, que continuou a empilhar as latas de óleo. — Essa pirâmide está ficando muito alta — disse Rebecca, com um sorriso, longe de suspeitar a situação terrível em que ele se encontrava.— Espero que as crianças da escola não tenham a feliz idéia de puxar uma das latas da camada de baixo... — Esperemos que não — Jefferson murmurou, encerrando a conversa. Naqueles quinze dias, havia nascido uma grande camaradagem entre ele e Rebecca. Adorava conversar com ela, ou trocar frases humoradas. Mas, naquele momento, mais do que nunca, ele precisava de solidão. Rebecca observou-o longamente. Já não havia como ignorar o quanto aquele homem a atraía. Desde os tempos de colégio, que não se sentia apaixonada. Mas o sentimento que nutria por Jefferson parecia ir bem mais além, do que uma simples paixão. Como isso era possível? Ela se perguntou, confusa. Como podia sentir-se tão ligada a alguém que conhecia tão pouco? Um velho ditado acorreu-lhe à mente: "o coração tem razões que a própria razão desconhece". E era a pura verdade. Fosse por que fosse, Jefferson já tomara posse de seu coração... E fizera-o de maneira quase imperceptível. As divagações de Rebecca foram interrompidas pela chegada de Sally Mulligan, uma professora da escola municipal, de beleza estonteante. A garota saudou-a com simpatia: — Olá, Rebecca, como vão indo as coisas? — Na mesma — ela respondeu, com um suspiro. — E seu pai? — Continua em coma. 31
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Sinto muito, querida. Tomara que ele reaja logo. — Sonho com isso todos os dias, Sally. — Foi a triste resposta de Rebecca. — Encontrei Tim Hawthorne ainda há pouco. Ele chegou de manhã cedo à cidade e disse que virá falar com você, hoje ou amanhã. Rebecca estremeceu. Tim Hawthorne era o investigador que estava cuidando do caso do assalto à mercearia. Ele trabalhava na chefatura de polícia de Ryan, uma cidade próxima a Palace City. — Tim Hawthorne comentou alguma coisa sobre o outro rapaz que está foragido? — Rebecca quis saber.
Jefferson continuava a empilhar as latas, mas seus ouvidos estavam atentos à conversa. — Parece que Jenks Colquitt continua bem escondido — Sally respondeu. — Ao menos foi isso que Tim me falou. — Certo — Rebecca aquiesceu, e mudando propositadamente de assunto, perguntou: — Bem, Sally, em que posso servi-la? — Vim procurar um xampu novo, que foi lançado há pouco tempo, no mercado. Dizem que ele deixa os cabelos brilhantes e sedosos — acrescentou, passando a mão por sua cabeleira ruiva e reluzente. Rebecca riu: — Todos os comerciais de xampu dizem isso, Sally. — Mas esse xampu parece ser realmente bom. Sabe quem faz a propaganda? A própria Jennifer Master! Rebecca tornou a rir: Jennifer Master era a estrela de telenovelas mais famosa do momento. — Bem, suponho que Jennifer tenha ganho um bom dinheiro para dizer que o tal xampu é excelente. Agora, diga-me, qual é o nome dessa maravilha? Talvez eu o tenha recebido. Jefferson desinteressou-se da conversa e voltou a concentrar-se no trabalho. Pelo visto, não ouviria nada mais a respeito de Jenks. De qualquer forma, ficaria atento, caso o investigador aparecesse na mercearia. Sally informou a marca do xampu e Rebecca meneou a cabeça, em sinal de negação: — Sinto muito, mas não comprei nenhum produto com esse nome. Talvez você consiga encontrá-lo na farmácia do Jones.
— Jones também não recebeu... — Sally suspirou. — Que pena. Eu queria tanto experimentar o tal xampu... — Posso encomendá-lo, qualquer dia desses, quando receber os fornecedores de produtos de beleza. — Oh, obrigada, Rebecca. Você é um amor. — Baixando o tom de voz, Sally indagou: — Como vão indo as coisas entre você e aquele gato?
— Que gato? — Rebecca retrucou, sem entender. — Ora, tolinha, estou falando daquele "pedaço de mau caminho",
ali... — Sally apontava, discretamente, para
Jefferson. — Vocês estão namorando? Rebecca enrubesceu:
— Claro que não, Sally! — Ora, para que tanta surpresa? Você é livre e, ao que parece, ele também... — Nós... — Rebecca hesitava — apenas trabalhamos juntos. — Isso quer dizer que o caminho está desimpedido? — Sally perguntou, com um
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James sorriso entre brincalhão e malicioso. — Como assim? — Ai, Rebecca, você parece criança! Estou querendo saber se posso me aproximar do gato, só isso! — Ora... Pode. — Ótimo. — Sally piscou-lhe um olho, em sinal de cumplicidade, e caminhou na direção de Jefferson. Tocou-lhe o ombro e exibiu seu melhor sorriso: — Olá, você é novo na cidade, não? — Cheguei há uns quinze dias — ele respondeu, num tom polido. — E está gostando de Palace City? — É uma cidade agradável, pelo pouco que pude conhecer. — Você já viu aquele bosque ma-ra-vi-lho-so que temos, perto da escola? — Ainda não, mas irei até lá, qualquer dia desses. — Que tal hoje? — Sally propôs, num tom ousado. — Teremos um jantar beneficente, às sete da noite. — Obrigado pelo convite, mas não poderei aceitá-lo. — Por quê? — É que, no fim do dia, sinto-me tão cansado, que nem tenho coragem de sair. — Pois deveria. É sempre bom conhecer novas pessoas. — Agradeço mais uma vez, moça. Mas acho que vou deixar para uma outra oportunidade. De seu lugar, Rebecca assistia à investida de Sally, com um sorriso contido. Ao que tudo indicava, a moça não estava conseguindo muitos progressos... Jefferson simplesmente parecia não se dar conta dos olhares provocantes que ela lhe lançava. A conversa durou mais alguns minutos e por fim Sally saiu, visivelmente decepcionada: — Ele pode ser muito bonito... — disse, de passagem — mas é um verdadeiro chato. A sós com Jefferson, Rebecca não se conteve e começou a rir. Ele voltou-se para perguntar: — O que foi? — Nada... Apenas, Sally Master ficou furiosa com o modo com que você a tratou. — Por acaso fui grosseiro com ela? — ele indagou, sem entender. — Não, ao contrário: você foi muito educado... Educado demais, por sinal. Sally é considerada a mulher mais linda e Palace City. Todos os homens caem de joelhos diante de seu charme... Mas parece que isso não funcionou muito bem, com você. Jefferson deu de ombros. Sabia que era um homem bonito e atraente. Há muito estava acostumado com as investidas femininas. Se quisesse, poderia ser um conquistador incorrigível. Mas seu caráter romântico pedia algo mais... Sempre sonhara em encontrar a verdadeira mulher de sua vida. E agora, que isso havia acontecido, ele nada podia fazer, senão resignar-se a uma distância quase insuportável. 33
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Você é muito mais bonita do que ela — Jefferson afirmou, fitando-a com intensidade. — Muito mais... Rebecca enrubesceu, invadida por uma sensação de alegria inexplicável. — Você acha mesmo? — perguntou, com um sorriso embaraçado. — Que você é mais bonita do que aquela garota? Não tenho a menor dúvida. Por que tanta surpresa? — Ora... — Rebecca continuava a sorrir. — Eu nunca me achei bonita. Foi a vez de Jefferson surpreender-se: — Você não tem espelhos, em sua casa? — Estou falando sério — ela confessou, com modéstia. — Nunca me achei bonita. — Você é linda, Rebecca. Possui um corpo maravilhoso e um rosto angelical, mas tem, sobretudo, uma pureza de alma que é incrivelmente cativante. Ninguém nunca lhe disse isso? — Não... — ela murmurou, baixando os olhos. Jefferson sentiu uma tentação incrível de levantar-se e tomá-la nos braços, para beijá-la longamente e dizer-lhe o quanto era bela. Mas conteve-se. Outro homem, que não ele, teria de fazer isso. Pois Jefferson estava proibido de aproximar-se daquela mulher. A chegada de novos fregueses interrompeu a conversa, para alívio de Jefferson e total frustração de Rebecca.
CAPÍTULO V
Naquela noite, depois de alimentar os animais, Rebecca decidiu tomar um longo banho de imersão, na velha banheira que quase nunca usava. Pois, em geral, só tomava um banho rápido de chuveiro, pela manhã, antes de ir trabalhar. Tinha pego um frasco de sais de banho, na mercearia, ao sair. Esperou que a banheira ficasse cheia e salpicou os sais na água morna. Despiu-se e entrou na banheira, esticando os músculos cansados. Pela primeira vez, em muitos anos, observou seu corpo de formas arredondadas. Aos vinte e seis anos, Rebecca sabia muito pouco a respeito da arte do amor. Sua única experiência fora com um garoto que conhecera no colégio, durante o curso secundário, há quase dez anos. A família de Jimmy Gallangher mudara-se para o Estado de Montana, quando ele ainda namorava com Rebecca. Na noite anterior à partida, ambos tiveram sua primeira e única relação sexual. Ainda agora, Rebecca lembrava-se com ternura dos gestos trêmulos, da timidez e da vergonha com que ela e Jimmy haviam feito amor. Claro que nenhum dos dois pudera sentir muito prazer... Mas Rebecca guardara uma bela recordação daqueles momentos: a sensação de descobrir um outro corpo, de entregar-se a novas emoções. Depois da partida de Jimmy, ambos haviam trocado cartas apaixonadas, jurando amor eterno. Mas o tempo acabara se encarregando de distanciá-los. As cartas foram se tornando cada vez mais raras... Até que um dia Rebecca recebera um telegrama da 34
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James França, assinado por Jimmy. Ele comunicava-lhe que fora contratado por uma empresa, para trabalhar como estagiário, no setor de engenharia mecânica. E que passaria os próximos anos por lá. Tempos depois, ele a informara de seu casamento com uma jovem canadense, colega de trabalho. Rebecca escrevera de volta, desejando-lhe toda a felicidade do mundo. Depois, nunca mais tivera notícias de Jimmy. Essa fora sua única estória de amor, exceto por um namoro rápido, com outro colega de escola, sem maiores conseqüências. Depois disso, nunca mais seu coração fora tocado por alguém... Até que Jefferson Spooner aparecera na mercearia. Rebecca fechou os olhos e recordou as palavras de Jefferson: "você é linda". Um sorriso insinuou-se em seus lábios e ela entreabriu os olhos para observar-se: seria mesmo tão bonita assim? Fitou longamente as pernas esguias e bem torneadas, os quadris arredondados, o ventre, os seios pequenos e delicados. Sim, era muito bela, mas jamais se dera conta disso. Agora, podia sentir a força de sua feminilidade. Era uma mulher jovem e saudável; tinha direito ao amor e ao prazer de entregar-se a um homem... E queria, ardentemente, que esse homem fosse Jefferson Spooner. Ao sair do banho, mirou-se por muito tempo no grande espelho, atrás da porta do banheiro. Por fim vestiu a camisola e foi para o quarto. Esticou-se na cama e estendeu- as mãos para o ar, imaginando que estava abraçando Jefferson. Seu corpo ardeu de desejo e ela se perguntou se algum dia aquele sonho poderia tornar-se realidade.
Na manhã seguinte, Rebecca vestiu-se com um cuidado e uma preocupação que há muito não tinha. Escolheu uma bata de crepe, cor de marfim, e uma calça jeans quase nova. Calçou sandálias, em vez dos velhos tênis, e escovou os cabelos longos por muito tempo, até que ficassem bem soltos e brilhantes. Mirou-se
no espelho e saiu, feliz como uma colegial diante da perspectiva de seu primeiro encontro. Tal como acontecia todas as manhãs, Jefferson já havia aberto a mercearia e estava em plena atividade, arrumando a banca de frutas.
— Bom dia — ela o saudou, com um sorriso. Jefferson voltou-se e por um momento julgou que não conseguiria resistir à tentação de abraçá-la com força, estreitando-a contra o peito. "Ela está mais linda do que nunca", pensou, sentindo o coração tão acelerado, que receou que Rebecca pudesse ouvir-lhe as batidas. Mas imediatamente controlou-se e respondeu de maneira quase seca ao cumprimento: — Bom dia. O fornecedor de frutas deve chegar logo. Por isso resolvi arrumar a banca. O sorriso de Rebecca desvaneceu-se. Seria impressão, ou Jefferson a estava tratando de um modo diferente? — Está aborrecido com alguma coisa? — ela perguntou, apreensiva. — Não. Por que estaria? — Não sei. Você parece irritado... — Não dormi muito bem, a noite passada. — O que não era, exatamente, uma mentira. Tinha ficado horas acordado, pensando em Rebecca e no incontrolável sentimento que ela lhe despertava. A conversa foi interrompida pela chegada de um carro no estacionamento: 35
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James tratava-se de uma viatura policial, com a insígnia da cidade de Ryan. — Você tem visitas — disse Jefferson, evitando os olhos de Rebecca. — Tim Hawthorne — ela constatou, aborrecida. O investigador entrou e cumprimentou Rebecca com efusão. Era um homem corpulento, quase calvo. A despeito de suas maneiras forçadamente cordiais, seus olhos eram frios e inexpressivos. Rebecca recebeu-o com reserva e apresentou-o a Jefferson: — Este é meu novo ajudante, sr. Hawthorne. — Como vai, rapaz? — o investigador apertou â mão de Jefferson e fitou-o com atenção. — Sua fisionomia não me é estranha. Será que já não nos vimos antes? — Creio que não, senhor — Jefferson respondeu, incomodado. Só faltava Tim Hawthorne tê-lo visto na TV, ou em algum jornal! — Você tem uma ótima aparência, rapaz! — o investigador continuava a fitá-lo, com atenção. — Parece um galã de telenovelas... Ou algo assim. — Sou apenas o novo empregado da mercearia Palace, senhor — Jefferson retrucou. — Se me der licença, tenho muito trabalho a fazer. — Oh, claro, fique à vontade. — Voltando-se para Rebecca, Tim Hawthorne anunciou: — Tenho novidades para você, mocinha. Parece que o caso do assalto será julgado dentro de um mês, no máximo. A caminho da banca de frutas, Jefferson voltou-se para observar Rebecca... A tempo de perceber o constrangimento que a acometeu, diante das palavras do investigador. — Mas um dos assaltantes ainda continua foragido — ela protestou, sem perceber o olhar tenso e atento de Jefferson. — E, além do mais, o estado de papai permanece inalterado. — Contaremos apenas com o seu testemunho — Tim Hawthorne afirmou. — E julgaremos, naturalmente, a participação de Lonnie Pittman no assalto. Azar do outro rapaz, pois tenho certeza de que Lonnie vai jogar toda a culpa para cima dele, o que vai valer-lhe uma condenação dos diabos. — Não acha que seria melhor esperar um pouco mais? Assim, teríamos o depoimento de papai... — Ora, você viu tudo, não viu? Ninguém duvidará de sua versão dos fatos, mocinha, pode apostar nisso. Será sua palavra contra a de Lonnie... E ele não terá a menor chance, — É isso que me preocupa — Rebecca retrucou, num impulso. — Por quê? — Tim Hawthorne estreitou os olhos frios. — Por acaso você quer poupar o assassino de seu pai? — Meu pai ainda não morreu, sr. Hawthorne. E, se Deus quiser, isso não vai acontecer. Portanto, não se trata de um caso de assassinato e sim de um assalto. Além do mais, acho que seria melhor se Jenks Colquitt também estivesse presente ao julgamento. — Jenks será julgado à revelia. Já que não quer se entregar, azar o dele. 36
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James Uma caixa de maçãs escapou das mãos de Jefferson e as frutas espalharam-se pelo chão, rolando para debaixo de outras prateleiras. — Desculpem — Jefferson resmungou, com uma voz que a ele mesmo pareceu estranha. — Como sou desastrado... — Tudo bem, rapaz — disse Tim Hawthorne. — Essas coisas acontecem. Rebecca sentia-se nervosa demais, com a conversa, para estranhar aquele fato. Se estivesse mais atenta, teria percebido o descontrole. Tim Hawthorne partiu, depois de dizer a Rebecca que a informaria sobre a data do julgamento. Ela o acompanhou até a porta e voltou-se a tempo de ver Jefferson deixar cair outra caixa de frutas no chão. — Droga! — ele exclamou, exaltado. — Parece que hoje acordei com o pé esquerdo! — O que há com você, afinal? — ela perguntou, preocupada. Ele fitou-a com aqueles olhos verdes, que pareciam devassá-la: — Que tal tomarmos uma xícara de chá, enquanto os fregueses não chegam? — É uma boa idéia, Jeff. Você precisa se acalmar e eu também. — A caminho da cozinha, acrescentou: — Não gosto de Tim Hawthorne. — Concordo plenamente — Jefferson aquiesceu. — Aqueles modos cordiais na verdade escondem um caráter frio e cruel. — Por que diz isso, Jeff? — Porque ele me parece mais disposto a condenar os culpados, do que a ouvir o depoimento de seu pai e do outro rapaz, que está foragido. É como se a verdade não lhe importasse, mas sim o castigo. — De uma certa maneira, você tem razão — Rebecca confessou. — Gostaria tanto que papai se recuperasse, para que pudesse contar às autoridades o que realmente aconteceu. Jefferson fitou-a com estranheza: — Por quê? Você viu tudo, não foi? Portanto, o que seu pai disser, apenas confirmará o seu depoimento. Rebecca estremeceu. De novo, a culpa e a confusão ameaçavam dominá-la. Voltando as costas para Jefferson, ela encheu uma vasilha de água e colocou-a para ferver. — Se não se importa, eu gostaria que falássemos sobre outro assunto. — Por quê? — ele insistiu. — Porque detesto lembrar de um fato que quase matou meu pai! — ela desabafou. — Além do mais, você não tem nada a ver com isso. — Eu só queria ajudar... — ele murmurou, sentando-se à mesa. — Talvez você pudesse desabafar comigo. Assim, se sentiria um pouco melhor. — Jeff... É impressão minha, ou você tem uma curiosidade especial quanto ao assalto? Jefferson quase se denunciou, tamanho foi o efeito que aquela pergunta lhe causou. Controlando-se, ele respondeu: 37
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Trata-se de uma curiosidade natural... Nada além disso. — Oh, desculpe. — Rebecca deixou-se cair sobre a cadeira. — Meu Deus, há ocasiões em que eu gostaria de acreditar que tudo isso não passou de um pesadelo. Às vezes sinto tanto medo de... — Rebecca mordeu o lábio inferior, como se assim pudesse conter as palavras que estavam prestes a escapar-lhe. Quase tinha confessado seu temor para Jefferson! Quase ia contando o que não havia revelado a ninguém: que na verdade não tinha visto, mas sim ouvido Lonnie Pittman e Jenks Colquitt assaltando seu pai... — Você ia dizer mais alguma coisa... — Jefferson encorajou-a. — Por que parou? — Por nada — ela reagiu, ríspida. — Como já falei, prefiro não tocar nesse assunto. — Faça como quiser, Rebecca. — Ele suspirou, profundamente. — Eu só queria confortá-la. — Agradeço seu interesse, mas... — Rebecca não conseguiu terminar a frase. A voz morreu-lhe na garganta e as lágrimas afloraram-lhe aos olhos. Escondendo o rosto entre as mãos, ela mergulhou num choro convulso.
— Por favor, não fique assim — Jefferson pediu, num tom suave. — Se existe algo que a atormenta, abra-se comigo. —. Uma sensação de remorso o assaltou e ele se sentiu o mais desprezível dos homens. Por que estava fazendo aquilo com Rebecca? Por que a estava torturando? Claro que tinha um motivo nobre: queria descobrir a verdade, e não encobri-la. Mas se Rebecca soubesse quem ele era, será que o trataria daquele modo? Certamente que não... "Vamos parar com isso", ele se ordenou, disposto a não questioná-la mais. Porém, naquele exato momento, Rebecca começou a falar: — Eu estava chegando aqui, naquela noite, quando ouvi o som de risadas e vozes. Não tardei a identificar a voz de Lonnie e, em seguida, a de Jenks. Papai discutia com eles, sem se deixar intimidar... Jefferson compreendeu que estava prestes a descobrir toda a verdade. Mas, estranhamente, isso não lhe importava, agora. Só queria que Rebecca parasse de chorar e de sofrer. — Não fale, Rebecca. Apenas tente se acalmar — ele disse, baixinho. Entretanto, ela já não o ouvia. Com os olhos fixos no vazio, continuava a narrar os fatos daquela noite, como se os revivesse: — Não sei por que fiquei imóvel, junto à porta, em vez de entrar e interferir. Acho que eu estava apavorada demais, para tomar qualquer atitude. E ainda por cima sentia-me chocada com a ingratidão de Jenks. Papai foi tão bom para ele... Arranjoulhe um emprego na cidade e quantas vezes não deu-lhe sanduíches e até cigarros, sem cobrar nada! — Rebecca tomou fôlego, antes de prosseguir. — Continuei ouvindo tudo, parada junto à porta, e só entrei quando soou o tiro. Lonnie e Jenks devem ter me visto, pois saíram correndo. Ou então compreenderam o que tinham acabado de fazer e decidiram fugir... Você sabe, eu não conseguia raciocinar, naquela hora. Só podia olhar para papai... Julguei que ele estivesse morto. E talvez tivesse sido melhor assim. Não suporto a idéia dele permanecer naquele terrível estado vegetativo, pelo resto da vida. A água estava fervendo e Jefferson preparou rapidamente um chá. Ofereceu-o a Rebecca, que recusou com um brusco gesto de cabeça: — Não quero nada. Só espero que papai acorde, para que minha vida tenha de 38
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James novo um sentido... Para que ele possa contar tudo o que viu às autoridades. Jefferson inclinou-se e abraçou-a. Naquele momento, não sentia nenhuma atração física por Rebecca. Desejava apenas consolá-la; era como se ela fosse uma criança, que precisasse de carinho e amparo. — Acho que agora você pode compreender a terrível situação em que me encontro. Jefferson assentiu com um gesto de cabeça e ela continuou: — Jamais falei a ninguém sobre essa angústia que tem me consumido, desde que tudo aconteceu. Mas sinto que posso confiar em você, Jeff. Apesar de termos nos conhecido há pouco tempo, às vezes parece-me que somos amigos de muitos anos. Mais uma vez, ele percebeu que estava prestes a alcançar o objetivo que o havia levado até Palace City. Entretanto, não se sentia feliz. Tinha a nítida sensação de que, de algum modo, estava traindo Rebecca. E por isso pediu, num tom quase de súplica: — Você me odiaria, se eu lhe dissesse para não me contar mais nada sobre esse assunto? Ela sorriu, com ternura: — É impossível odiar alguém como você, Jeff. — E antes que ele pudesse retrucar, continuou: — Você já deve ter percebido o motivo dessa culpa que vem me tirando o sono, há tanto tempo: veja bem, eu disse às autoridades que vi Lonnie Pittman e Jenks Colquitt assaltando meu pai. Mas, na verdade, eu apenas ouvi a risada e as vozes, durante o assalto. Isso muda tudo, não acha? — De certa forma, sim — ele concluiu, gravemente. — Você acha que pode ter confundido as vozes dos dois rapazes? Quero dizer, existe uma possibilidade dos assaltantes serem outras pessoas, que não Lonnie e Jenks? — De jeito nenhum. Eu tenho certeza de que eram eles. — E quando você entrou aqui na mercearia... Não teve tempo de vê-los? — Eu estava apavorada e só conseguia pensar no meu pai... — Foi a débil resposta de Rebecca. — Percebi os dois rapazes fugindo, mas, se você me perguntar que roupas eles estavam usando, por exemplo, eu não seria capaz de dizer. — Tomando a mão de Jefferson entre as suas, num mudo pedido de solidariedade, ela acrescentou: — Creio que você pode imaginar como me sinto: se eu dissesse ao delegado que não tinha visto Lonnie e Jenks, ele não teria por que iniciar um processo. E os dois, a esta altura, continuariam impunes. Por outro lado estarei mentindo se afirmar, diante da corte, que os vi assaltando meu pai. Um pesado silêncio caiu entre ambos. Jefferson sentia-se tão confuso quanto Rebecca. Sabia que, naquele momento, seria fácil convencê-la a mudar seu depoimento... E isso salvaria Jenks e Lonnie do processo. Por outro lado, acreditava na afirmação de Rebecca: ela não havia se enganado, ao identificar as vozes. Mas isso não consistia numa prova suficiente para incriminar os acusados... — Santo Deus — Jefferson murmurou, acariciando levemente a mão de Rebecca, num gesto de carinho e conforto. — Que situação complicada. — O que devo fazer? — ela indagou, num sussurro. — Por favor, diga-me, Jeff. 39
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Eu não sei — ele respondeu, após um longo momento de reflexão. — Preciso pensar melhor sobre isso, até chegar a uma conclusão. Talvez eu pudesse conversar com aquele investigador... Como é mesmo o nome dele? — Tim Hawthorne. — Sim. Quem sabe ele possa me dar algumas informações preciosas. Seria interessante, também, consultar um advogado. — Jefferson fez uma pausa. — Vou ver o que consigo fazer e depois voltaremos a conversar, está bem? — Certo. Acho que só você poderá me ajudar a sair desta situação. — Se ao menos seu pai pudesse testemunhar... Ele certamente poderia esclarecer tudo o que houve. — É verdade. — As lágrimas voltaram aos olhos de Rebecca. — Oh, papai... — ela disse, baixinho. — por que isso foi acontecer? Você era um homem tão bom... — Seu pai ainda não morreu, Rebecca — Jefferson afirmou, num tom suave. — E, se Deus quiser, acabará reagindo. Eu prometo! — acrescentou, emocionado. — Agora, tome um gole de chá. Isso lhe fará bem. Rebecca aceitou a xícara que Jefferson levou-lhe aos lábios, num gesto de extrema delicadeza. — Cuidado... — ele recomendou — está bem quente. Em alguns minutos, ela já demonstrava estar mais calma. Jefferson tomou-lhe a mão e forçou um sorriso: — Agora prometa-me que não vai mais se atormentar com esse assunto. — Não consigo deixar de pensar nisso, Jeff... Nem por um minuto. — Ao menos, dê-me um tempo para tentar resolver a situação. — Está bem — ela concordou, com um suspiro. — Por que não vai dar uma volta? — ele sugeriu, de repente. — Mas eu tenho de trabalhar — ela protestou, um tanto surpresa com a proposta. — Antes de mais nada, você tem é que ficar mais tranqüila. Pense em você, em primeiro lugar. O resto pode esperar. Agora, obedeça meu conselho e vá dar um passeio. — Mas... — Que tal visitar seu pai? — ele sugeriu, antes que Rebecca protestasse. — Mas e o trabalho? — ela ainda insistiu. — Deixe que eu cuide de tudo, por aqui. Fique tranqüila, sei como fazer. — Não duvido disso, Jeff, mas mesmo assim... — O importante é que você se sinta melhor — ele a encorajou. — Vá, Rebecca, o dia está tão bonito! Passeie um pouco, vá até o hospital, fique lá o quanto quiser. Não tenha pressa de voltar. O velho Jeff tomará conta de tudo. Rebecca hesitou, mas compreendeu que ele tinha razão. Ela estava muito tensa e precisava se acalmar. Caso contrário, acabaria tendo uma crise nervosa ali mesmo, diante dos fregueses. — Obrigada, Jeff — concordou, por fim. — Acho que vou mesmo até o hospital. Mas voltarei a tempo de ajudá-lo, na hora do movimento maior.
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Esqueça desta mercearia, ao menos por algumas horas. E não se preocupe em voltar. Ela sorriu, enxugando os olhos: — Obrigada, mais uma vez. Você tem sido um verdadeiro amigo... Uma espécie de anjo da guarda. Jefferson baixou os olhos, assaltado novamente pelo remorso. Se algum dia Rebecca descobrisse quem ele era, na verdade, jamais o perdoaria. Jamais. — Não sou tão bom quanto você pensa. — Foi tudo o que Jefferson pôde dizer, antes de levantar-se para atender uma freguesa que acabava de entrar. — Você é maravilhoso, Jeff — Rebecca afirmou, cheia de gratidão.
Em poucos minutos, ela dirigia sua velha caminhonete em direção ao hospital de Ryan, sentindo-se muito melhor. Seria um exagero dizer que estava feliz. Como poderia, diante da situação difícil em que se encontrava, e ainda por cima com Edward Toby entre a vida e a morte? Mas o fato era que, pela primeira vez, em meses, Rebecca experimentava uma sensação de alegria e esperança. Chegava até a acreditar que tudo se resolveria do melhor modo possível: que Edward sairia do estado de coma e retomaria a consciência... Que seu testemunho a salvaria daquela culpa que tanto a atormentava... Que tudo terminaria bem. Rebecca suspirou; era como se tivesse tirado um imenso peso dos ombros. O simples fato de ter conversado com Jefferson a ajudara muito. — Jeff Spooner — ela murmurou — como poderei agradecê-lo por tudo o que tem feito por mim? Como resposta, seu coração pulsou mais forte. Sim... O que mais Jefferson estava fazendo por ela, além de dar-lhe a certeza de que não devia se sentir tão sozinha, com suas dúvidas? Ele a estava despertando para algo novo, a estava fazendo sentir-se mais... Mulher.
Rebecca sorriu. Seria inútil negar o que sentia por aquele homem. Ele a havia cativado, e isso era tudo. Por várias vezes, ela o flagrará observando-a com uma atenção diferente... Será que Jefferson também se sentia atraído por ela? Será que também estaria se apaixonando? O olhar de Rebecca tornou-se sombrio. Talvez fosse prudente não sonhar demais... Afinal, o que ela sabia a respeito daquele homem? Nada, exceto que viera de longe e que fazia fretes. Mas algo lhe dizia que Jefferson era uma pessoa livre como um pássaro, do tipo que não se detinha por muito tempo, em nenhum lugar. De um momento para o outro, ele poderia partir, tão inesperadamente quanto chegara. Portanto, era melhor não se afeiçoar demais a Jefferson. Mas como controlar o sentimento que crescia-lhe no peito, a cada dia? Como não se deixar fascinar por aqueles olhos verdes, que pareciam guardar os mais preciosos segredos? Perguntas sem resposta... Apenas o tempo diria se aquele sonho poderia se tornar realidade. Foi nesse estado de ânimo que Rebecca entrou na cidade de Ryan, rumo ao hospital.
Uma hora mais tarde, ela partia, com a triste constatação de que Edward Toby continuava em coma. Os médicos continuavam esperançosos, pois ele voltara a se mover por mais duas vezes. Mas isso era tudo.
CAPÍTULO VI 41
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James
Alô? Por favor, eu preciso falar com o dr. Vincent Stanford. — Jefferson apertava com força o bocal do telefone, olhando a todo o momento para a porta do escritório, com receio de que Rebecca aparecesse. Há dias que estava esperando uma oportunidade para consultar Vincent Stanford, um dos melhores advogados que conhecia e a quem considerava um verdadeiro amigo. — O dr. Stanford não pode atender, no momento — informou a secretária. — Ele está numa reunião e... — Diga-lhe que é um assunto urgente — Jefferson a interrompeu, com impaciência. — Quem deseja falar com ele? — perguntou a secretária. — Jefferson Spooner, da comissão de direitos humanos de Tulsa. Por favor, senhorita, peça-lhe para me atender. — Um momento, sr. Spooner. Após alguns minutos, que a Jefferson pareceram uma insuportável eternidade, o advogado entrou na linha: — Jeff, meu caro! Que prazer ouvi-lo! Por onde você tem andado? O pessoal da comissão tentou localizá-lo, mas não conseguiu. Espero que não tenha se esquecido do congresso marcado para a próxima semana... — Infelizmente, Vincent, não poderei comparecer — Jefferson respondeu, visivelmente tenso. — Mas você lutou tanto para a realização desse congresso — Vincent protestou, decepcionado. — Sabe o quanto será importante nos reunirmos com os empresários da região, para estabelecermos o programa social que temos em mente... — Sinto muito, Vincent, mas estou cuidando de outros assuntos. Peça desculpas ao pessoal da comissão por mim e diga-lhes que entrarei em contato assim que puder. — Mas você não pode faltar! — Ora, Vincent, ninguém é insubstituível — Jefferson argumentou, ansioso para introduzir logo o assunto que tinha a tratar. Aquela era a hora de maior movimento, na mercearia. Portanto, Rebecca devia estar bastante atarefada, atendendo os fregueses. Mas, mesmo assim, era melhor não se arriscar. Sem conseguir disfarçar o nervosismo que ameaçava dominá-lo, ele explicou: — Estou lhe telefonando por um outro motivo. — Mas o congresso... — Pelo amor de Deus, meu amigo, esqueça o congresso. Se soubesse a situação em que me encontro... — O que houve? — o advogado indagou, como se só então percebesse a angústia de Jefferson. — Algum problema sério? — Receio que sim. Preciso de sua ajuda, Vincent... E também de sua discrição. — Você sabe que sempre pode contar comigo. — Obrigado — Jefferson agradeceu, com alívio.
Gostava muito de Vincent Stanford e o admirava não apenas como profissional, mas também como pessoa. Ambos haviam lutado muito, no ano anterior, para resolver uma complicada questão de posse de terras, entre uma comunidade pobre de Wichita Falis e alguns empresários. O caso fora solucionado da melhor maneira possível, graças 42
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James a Jefferson e à interferência de Vincent Stanford, que mediara o acordo entre a comunidade e os empresários. Desde aquela época, os dois tinham se tornado bons amigos. — Está metido em alguma encrenca, Jeff? — Vincent indagou, preocupado. — Você parece tão nervoso... — O problema é Jenks — ele explicou, com um suspiro.
Vincent sabia a respeito dos problemas de Jefferson com a família. Aliás, ele próprio já havia livrado Jenks de um processo, por ocasião de uma briga, na saída de um baile, em Tulsa. — O que o maluco de seu irmão aprontou, desta vez? — Ele foi longe demais. — Detalhadamente, Jefferson contou-lhe sobre o assalto, sem ocultar nada. Falou inclusive a respeito de Rebecca, do depoimento que prestara à polícia e da situação difícil em que ela se encontrava, devido à angústia que a atormentava. — O caso é complicado — Vincent sentenciou, depois da narrativa. — Quanto ao testemunho dessa moça, Rebecca Toby... Você sabe que, se ela reconsiderá-lo, tanto Jenks quanto o outro rapaz acusado terão o benefício da dúvida, ou seja: o juiz não aceitará, como principal prova incriminatória, o fato de Rebecca ter apenas ouvido o assalto. A condenação só será certa, se ela afirmar que viu os acusados, no ato do crime. — Acontece que ela não tem dúvidas de que os assaltantes eram realmente Lonnie e Jenks — Jefferson argumentou. — E você acredita nela? — Sim — Jefferson afirmou, sem titubear. — Mas também não posso me esquecer de que a sorte de meu irmão está em jogo. — Posso imaginar como você se sente, meu amigo. — Estou num beco sem saída. — Não — Vincent o corrigiu. — Você tem uma saída, sim. — E qual seria? — Apresentar-se como testemunha, para depor. — Mas eu não vi nada! — Ora, a própria Rebecca Toby confessou-lhe que apenas ouviu as vozes dos assaltantes. Se você disser isso no tribunal, tudo mudará de figura. Aliás, ela pode até ser processada por perjúrio, ou seja, por ter mentido às autoridades. — Eu jamais faria isso contra Rebecca. — Por que não? Como você mesmo disse, é a vida de seu irmão que está em jogo. — A justiça me importa em primeiro lugar, Vincent. Tudo o que desejo a respeito desse caso é a verdade, seja ela qual for. O advogado permaneceu em silêncio por alguns instantes, como se hesitasse em perguntar: — Diga-me, Jeff... Qual é a importância dessa moça, para você?
Jefferson riu, nervosamente: — Você é arguto como uma raposa, Vincent. — Devo considerar essa resposta como: "sim, Vincent, essa moça é muito importante para mim"...? — Exato. — E quanto a Jenks? — Você sabe que o amo muito. Afinal, ele é meu irmão. — Sinto dizer, Jeff, mas sou obrigado a concordar que você realmente encontrase num beco sem saída. A solução deste impasse está em suas mãos: basta dizer ao juiz que Rebecca está mentindo, para que a situação se reverta. Entretanto, você não pode fazer isso... Mesmo que seja para salvar Jenks. De que lado você está, afinal?
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Quero apenas a justiça — Jefferson sentenciou, com veemência. — Além do mais, supondo-se que eu fosse capaz de depor contra Rebecca, por que motivo os jurados acreditariam na minha palavra, e não na dela? — Esqueceu-se de que você é um homem acima de qualquer suspeita, Jeff? Esqueceu-se de que todas as entidades que lutam pela justiça social neste país ficariam do seu lado, diante de um impasse como este? Rebecca Toby não teria a menor chance, contra alguém como você e ela sabe disso muito bem. — Não, Vincent. Ela pensa que sou um simples trabalhador, que tem um serviço de fretes e que parou em Palace City por algum tempo. — Por que não lhe contou sua verdadeira identidade? — Porque, quando cheguei, meu objetivo era descobrir a verdade a respeito desse caso. Além do mais, Rebecca jamais permitiria que eu me aproximasse dela, se soubesse que sou irmão de Jenks. — Tem razão. Mas não estou entendendo sua posição, Jeff... Você foi até aí para conseguir um jeito de salvar seu irmão... E agora, que você pode fazer isso, está indeciso? — Talvez exista uma outra saída — ele ponderou. — Se o pai de Rebecca sair do estado de coma... — Poderá dar um testemunho preciso sobre o que aconteceu — o advogado completou. — Mas e se ele continuar em coma, ou vier a falecer? — Não sei, Vincent — Jefferson respondeu, com tristeza. — Eu realmente não sei. — Talvez você pudesse pedir ao juiz para adiar o julgamento. Mas esse pedido teria de ser baseado em algo muito importante, tal como... — Um depoimento contra Rebecca — Jefferson concluiu. — Exato. E há também um outro fator: se o outro rapaz, Lonnie Pittman, for levado a julgamento sozinho, ele certamente acusará Jenks de ser o principal culpado. — Sei perfeitamente disso... O que me coloca em outra situação: supondo-se que Jenks se entregasse às autoridades... — Eu poderia defendê-lo, no tribunal — Vincent afirmou.
— Você faria isso? — Naturalmente que sim. No caso de Jenks ser culpado, isto é: dele realmente ter participado daquele assalto, eu ao menos tentaria conseguir uma pena mais leve. Nenhum jurado ficará impassível, se eu contar a eles sobre a infância terrível de seu irmão. — É verdade. Mas, Vincent, sei que você é um dos melhores advogados deste país. E não creio que eu tenha dinheiro suficiente para pagar seus honorários. — Quem falou nisso, Jeff? — o advogado retrucou, num tom amável. — Somos amigos, lembra-se? E eu lhe devo muitos favores. — Obrigado — Jefferson agradeceu, comovido. — Agora, já me sinto melhor. Tudo será uma questão de convencer Jenks a se entregar... — Sim. Mantenha-me informado sobre o caso. — Farei isso, Vincent. Eu prometo. — Você... Sabe do paradeiro de Jenks? 44
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Não, mas ele está mantendo contato com minha mãe. — Acha que ela conseguirá convencê-lo a se entregar? — Não sei, mas tentarei falar-lhe sobre isso. — O julgamento já foi marcado? — Creio que será dentro de um mês. — Temos pouco tempo. Bem, vou verificar o caso. Mas para isso, precisarei de uma procuração sua, constituindo-me como advogado de Jenks. — Eu a enviarei para você, o mais depressa possível. — Certo. — Vincent Stanford fez uma pausa, antes de acrescentar: — Jeff, há algo em que você precisa pensar... — Sim? — Pelo que você me disse, tanto Ryan como Palace City são cidades bem pequenas. — Exato. — E você sabe como as notícias correm, nesses lugares. Creio que, se você me designar como advogado de seu irmão, as pessoas de Palace City não tardarão a descobrir sua verdadeira identidade. — Ora... — Jefferson gracejou — não sou tão famoso assim, meu amigo. — Mas por quanto tempo conseguirá se manter anônimo, no caso? Mais cedo ou mais tarde algum freguês dessa mercearia se lembrará de que você era o homem que brilhou naquele programa de TV, há bem pouco tempo. — Felizmente, Rebecca Toby quase não assiste televisão. — Mesmo assim, receio que ela acabará descobrindo quem você é, na verdade. Não se esqueça de que o congresso que realizaremos na próxima semana será divulgado em vários meios de comunicação. Seu nome vai aparecer e... — Entendo o que você quer dizer, Vincent, mas terei de apostar na sorte. — Você acha que ninguém de Palace City assiste aos noticiários? Uma hora dessas, acabarão sabendo de tudo. Isto, sem contar que quando eu entrar em contato com a jurisdição de Ryan, terei de dizer que foi você quem me constituiu advogado de Jenks. — Por favor, não — Jefferson pediu, ansioso. De repente, ocorreu-lhe uma idéia. — Escute, vamos agir de um modo diferente. — Como? — Sei que pode parecer abuso, mas... Que tal se eu pedisse a minha mãe para dar-lhe essa procuração, Vincent? Assim, meu nome não apareceria, no caso. — É uma ótima saída — Vincent aprovou, admirado. — Você é rápido nas idéias, Jeff. Nunca pensou em se tornar advogado? Jefferson riu, sem muita vontade, e então afirmou: — Bem, acho que isso resolve a situação... Ao menos por enquanto. Entrarei em contato com minha mãe o mais depressa possível. Ela deverá procurá-lo nos próximos dias, está bem? — Perfeito. Deixarei a procuração pronta, com minha secretária. E logo lhe darei notícias do caso. Como posso falar com você, Jeff? Dê-me seu telefone. 45
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Impossível, Vincent. Estou falando do telefone da mercearia, mas não quero que você ligue para cá. Eu telefonarei, está bem? — Certo. Mantenha contato, ao menos uma vez por semana. — Obrigado, Vincent. Você é um verdadeiro amigo. Ah, e, por favor, não fale nada ao pessoal do congresso, sobre o meu paradeiro. — Certo. — Vincent aquiesceu, humorado. — Eu nem sei por onde você anda. — Ótimo. Bem, Vincent, agora preciso desligar. — Boa sorte, Jeff. Tomara que tudo se resolva da melhor maneira possível. — Tomara — Jefferson repetiu, e desligou em seguida. Seus olhos se arregalaram, ao ver Rebecca parada junto à porta do escritório. E sua voz soou levemente trêmula, ao dizer: — Desculpe... Eu... Estava falando com minha família, em Tulsa. Liguei a cobrar e sei que não deveria fazer isso sem pedir sua permissão, mas... — Fique tranqüilo — ela respondeu, longe de imaginar os motivos que o preocupavam. — Só vim chamá-lo porque o movimento está muito grande e a sra. Winning precisa de alguém para ajudá-la a pôr as compras no carro. Eu bem que poderia fazer isso, mas há outros fregueses, na fila do caixa. — Vamos. — Jefferson levantou-se. — Perdoe-me por negligenciar meu trabalho, mas... — Imagine! — Rebecca o interrompeu, com um sorriso. — Você sempre trabalha tanto! — Notando-lhe a tensão, ela indagou: — Está tudo bem, com sua família? — Tudo bem — ele assegurou, evitando-lhe os olhos. — Por que pergunta? — É que você parece nervoso. — Impressão sua. Vamos, não quero deixar a sra. Winning esperando.
Naquela noite, após fechar o caixa, Rebecca chamou Jefferson, que já ia se recolher ao apartamento: — Queria lhe falar sobre um assunto... — ela anunciou, embaraçada. — Se for a respeito do telefonema que fiz hoje, prometo-lhe que isso não mais se repetirá. Reconheço que fui no mínimo grosseiro, por não ter lhe pedido permissão para... — Ora, já disse que não fiquei aborrecida — ela o interrompeu. — Você pode falar com sua família quantas vezes quiser. — Obrigado — ele assentiu, com alívio, perguntando-se se Rebecca teria ouvido parte de sua conversa com Vincent. Mas concluiu que não. Caso contrário, ela no mínimo lhe faria algumas perguntas, a respeito. — E então, sobre o que quer falar? — É que pensei em convidá-lo para jantar amanhã, em minha casa. Já faz algum tempo que estamos trabalhando juntos e você nem sequer conheceu a fazenda. Além do mais, devo-lhe tantos favores, que nem sei como agradecer. Achei que talvez um jantar me ajudasse a retribuir ao menos um pouquinho da bondade que você tem demonstrado, para comigo. O convite pegou-o de surpresa. Um jantar em companhia de Rebecca seria, no mínimo, maravilhoso. Mas seria, também, um fator de aproximação que ele deveria evitar. — Sou uma cozinheira razoável, modéstia à parte — ela afirmou, enrubescendo levemente.
Jefferson sorriu, com ternura. Rebecca tinha uma aura de inocência que ele jamais encontrara, em qualquer mulher. Ela parecia combinar, de maneira fantástica, uma pureza de menina com uma feminilidade e um charme irresistíveis.
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James Fazendo um intenso esforço para não denunciar sua emoção, ele respondeu: — Eu adoraria, mas... — Não me diga que tem outro compromisso, para amanhã — ela o censurou, com um sorriso maroto. — Seria a desculpa mais esfarrapada que você poderia arranjar. Afinal, você nunca sai dessa mercearia, ou daquele apartamento! — É verdade mas, mesmo assim... — Jefferson fitou aqueles olhos azuis, que pareciam ansiosos por uma resposta afirmativa. E compreendeu que, embora estivesse se arriscando, não conseguiria recusar o convite. — Está bem, eu aceito. E agradeço. — Ótimo. — Ela continuava a sorrir. — Então, está combinado. Amanhã, depois de encerrarmos o expediente, iremos juntos até a fazenda. — Nesse caso, você poderá sair mais cedo, para providenciar o jantar. — E deixar você sozinho, na hora do maior movimento? — Por que não? Além disso, você costuma visitar seu pai, quando sai daqui, não é verdade? Portanto, trate de encerrar seu trabalho mais cedo. Depois, poderá ir para a fazenda preparar o jantar... Para três. — Três? — ela repetiu, sem entender. — Sim, pois meu apetite é feroz — ele gracejou. — Comerei no mínimo a porção relativa a duas pessoas. E já vou avisando, de antemão, que sou um bom garfo.
— Ei! — Ela riu. — Já estou arrependida de convidá-lo, pois pelo visto terei um terrível prejuízo. — Pode apostar que sim, srta. Toby — ele aquiesceu, divertido. Ambos se olharam longamente, e o riso cedeu lugar a uma emoção profunda. O tempo parecia suspenso. A magia ia se instalando, se apossando dos corações. — Jeff, você está se tornando uma pessoa muito importante para mim — Rebecca confessou, comovida. — Estou atravessando uma fase difícil de minha vida e, francamente, não sei o que seria de mim, sem você. — Ora, não me elogie — ele retrucou, embaraçado. — Não se trata de um elogio e sim da pura verdade. Você tem sido um amigo maravilhoso, sem contar que é um trabalhador competente e... — ela se interrompeu, mas seus olhos pareciam dizer o que as palavras não podiam. Ambos continuavam a fitar-se, como se fascinados um com o outro. — Gostaria que você continuasse aqui por muito tempo, trabalhando junto comigo — ela afirmou, com a voz trêmula de emoção. — Não diga isso, Rebecca — ele pediu, contendo a vontade de tomá-la nos braços. — Sou um homem que nunca se detém por muito tempo, num lugar. Qualquer dia desses, terei de partir. — Por quê? — ela perguntou, docemente. — Porque sou assim. Mas se eu tivesse de me estabelecer, definitivamente, em uma cidade, escolheria Palace City... — Gostou tanto assim de nossa cidade, Jeff? — Não seria por Palace City, realmente... E sim por você. Se eu ao menos pudesse ficar... — E o que o impede de fazer isso? — Boa pergunta... — ele comentou, com amarga ironia. — Mas não posso responder. — Por que não? — Por motivos que você não compreenderia. — Tente me dizer — ela insistiu. Mas obteve, como resposta, apenas um sorriso triste: — Você não deve se ligar a mim, desta forma. Afinal, nem sequer sabe quem eu sou... — Sei que você é uma pessoa maravilhosa — ela sentenciou, presa de uma intensa emoção. — E que agradeço a Deus por têlo conhecido. Aquelas palavras, pronunciadas com tanta doçura, causaram em Jefferson o efeito de um duro golpe. "Se você soubesse quem realmente sou, certamente não agradeceria a Deus a minha presença", ele respondeu, em pensamento. "O mais provável é que você me odiasse."
Naquela noite, após a saída de Rebecca, Jefferson ligou para a mãe, instruindo-a sobre a procuração que deveria dar a Vincent Stanford. Mas quando falou-lhe para recomendar a Jenks que se entregasse, Nadine reagiu furiosa e ambos se envolveram numa profunda discussão. Cerca de quinze minutos depois, Jefferson desligava o telefone, com uma 47
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James sensação de derrota. Pelo que pudera perceber, Nadine jamais aconselharia o filho a entregar-se. E isso tornava a situação ainda mais complicada. "Ao menos Vincent poderá pesquisar o caso e ver se existe alguma outra saída", ele pensou, saindo do escritório. Entretanto, sabia que a única solução seria a recuperação de Edward Toby... Mas essa era uma frágil esperança. Subiu para o apartamento e deitou-se na cama. Porém, estava inquieto demais para adormecer, mesmo depois de ter trabalhado o dia todo. Impaciente, ele levantou-se e decidiu dar uma volta pela cidade. A noite estava agradável e, àquela hora, provavelmente haveria poucas pessoas nas ruas de Palace City. Sim, ele decidiu. Precisava passear um pouco e espairecer. Talvez isso o ajudasse a se acalmar. Tal como Jefferson havia previsto, não havia quase ninguém na rua. Andando a esmo, ele atravessou a praça principal da cidade, aspirando o ar levemente perfumado que vinha das flores do jardim. Viu o restaurante Dairy Queen ainda aberto e resolveu tomar um drinque. Entrou no salão e não tardou a se arrepender: sentado a uma mesa, Tim Hawthorne acenou ao vê-lo. — Alô, rapaz! Que prazer encontrá-lo por aqui! Eu estava justamente dizendo ao garçom que esta cidade mais parece um cemitério, depois das dez da noite. As pessoas só pensam em trabalhar e esquecem de se divertir... Mas vejo que você é diferente, tal como eu. Sente-se, meu amigo, e acompanhe-me numa cerveja. Sabe, eu perdi o último ônibus para Ryan e agora terei de passar mais uma noite na casa do prefeito. Ele sempre me hospeda, quando venho aqui. Trata-se de um bom homem, só que ele não tem o menor senso de humor. E, o que é pior, não bebe sequer uma gota de álcool... Tim Hawthorne continuava falando, sem parar. Era óbvio que tinha bebido várias cervejas e que estava levemente alterado. Jefferson quis recusar o convite, mas o investigador não lhe deu tempo. — Garçom, por favor... Sirva uma cerveja bem gelada para o meu amigo, aqui. A contragosto, Jefferson sentou-se à mesa, decidido a tomar apenas um copo de cerveja e ir embora o mais depressa possível. Mas não seria nada fácil livrar-se de Tim Hawthorne. — Está gostando de Palace City, meu rapaz? — o investigador perguntou, depois de fazer um brinde. — É uma cidade agradável — Jefferson respondeu, num tom polido. — Pois, para mim, parece entediante. Aqui nunca acontece nada, meu caro! É por isso que aquele maldito assalto na mercearia tem dado tanto o que falar... Jefferson assentiu com um gesto de cabeça. E o investigador continuou: — Não vejo a hora de encerrar o caso, de uma vez por todas. — E como vão indo as coisas? — Jefferson indagou, fingindo-se desinteressado. Talvez Tim Hawthorne dissesse algo esclarecedor, afinal. — A data do julgamento já foi marcada? 48
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Só sei que será em breve. Bem, o caso não deverá ter grandes conseqüências. — Mas um dos supostos assaltantes ainda está foragido, não? — A polícia do estado está em seu encalço. Creio que conseguiremos pegá-lo, antes do julgamento. — Tim Hawthorne interrompeu-se e fitou-o com atenção: — Engraçado... Estou de novo com aquela impressão, a seu respeito. — Que impressão? — Jefferson indagou, incomodado. — É que acho que o conheço, de algum lugar. — Impossível, senhor. Eu jamais estive aqui antes. — Nem em Ryan?
— Tampouco lá, senhor. — Mesmo assim, tenho certeza de que já o conheço. Você não costuma aparecer nos jornais, ou na TV? — Não — Jefferson afirmou, com uma segurança que estava longe de sentir. — Às vezes penso que já o vi, em algum noticiário... Você sabe, eu assisto muito à TV. — É mesmo? — Jefferson sentia-se cada vez mais perturbado. — Sim, e sou um ótimo fisionomista. — Eu também. E acho que não me esqueceria de seu rosto, se já o tivesse visto antes. — Bem, eu acabarei me lembrando — Tim Hawthorne replicou, tornando a encher seu copo. — Você me acompanha, rapaz? — Não, senhor, obrigado. Um copo de cerveja para mim já é o suficiente. Se me der licença, preciso ir embora. Terei um dia atribulado, amanhã, na mercearia. — Ah, sim, e como vai indo em seu novo trabalho? — Muito bem. Rebecca é uma pessoa ótima. — Eu sei. Pobre garota... Ela não merecia estar passando por uma situação tão terrível quanto esta. Enfim, logo os culpados pela morte de seu pai serão punidos. — O pai dela ainda não morreu, senhor. — Pois acho que o estado em que ele se encontra é pior do que a morte, meu caro. — Talvez Edward Toby consiga se recuperar. Aliás, Rebecca ainda tem esperanças de que ele recobre a consciência, antes do julgamento. — Deixe-a sonhar. Quanto a mim, sei que isso não vai acontecer. — Por quê? — Porque Edward Toby acabará sucumbindo, mais cedo ou mais tarde. E, também, o julgamento não depende do testemunho dele e sim do de Rebecca. Afinal, ela viu tudo.
Jefferson
não respondeu. Só queria sair dali, o mais rápido possível. — Bem, eu preciso ir, sr. Hawthorne. Tenha uma boa noite. — Fique mais um pouco, rapaz. Gosto do seu jeito de conversar. — Agradeço o convite e a gentileza, mas realmente estou de saída. — Está bem — Tim Hawthorne assentiu, aborrecido.
Jefferson despediu-se novamente e já estava saindo, quando
Tim chamou-o: — Ei, rapaz! — Sim? — ele voltou-se. — Ainda vou descobrir de onde nos conhecemos. "Tomara que não, senhor..." Jefferson respondeu, em pensamento. "Tomara que não". E, acenando mais uma vez, saiu para a noite tranqüila de Palace City. Sentia-se ainda pior do que antes. E lembrou-se das palavras de Vincent Stanford: cedo ou tarde, não apenas as pessoas de Palace City, mas também Rebecca, acabariam sabendo quem ele era, na verdade. Isso seria inevitável.
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James
CAPÍTULO VII
Eram quase dez da noite quando Jefferson, depois de fechar a mercearia, entrou na caminhonete para ir à fazenda Toby. Trazia, no bolso da camisa xadrez, o papel onde Rebecca havia desenhado uma espécie de mapa da região, indicando o melhor caminho para chegar à propriedade. Ao que parecia, ele pensou, não devia ser difícil achar o local. Tinha se vestido com certo cuidado, para o jantar daquela noite. Usava sua camisa preferida, xadrez, de tons degrade azuis, e um jeans quase novo. E tinha trocado os tênis de costume por um par de mocassins, que só usava em ocasiões especiais. Pois bem: aquela era uma ocasião especial... Afinal, ia jantar na companhia da mulher que amava. Jefferson acionou o motor da caminhonete e tomou a rodovia 81, em direção à fazenda Toby. Tinha prometido a si mesmo que, naquela noite, não se preocuparia com a intrincada situação em que se encontrava. Só queria desfrutar a companhia de Rebecca e fazer, daquele jantar, um momento inesquecível. "Mas e quanto ao futuro, Jeff?", uma voz longínqua parecia perguntar. Ele meneou a cabeça e sorriu. A perspectiva de passar algumas horas junto de Rebecca, longe do movimento da mercearia, era suficiente para deixá-lo feliz. Quanto ao futuro... Para que pensar nisso? O que importava era o momento presente. Talvez nunca mais tivesse a chance de ficar a sós com Rebecca, na intimidade de um jantar compartilhado a dois. Por isso, não queria desperdiçar aquela noite com temores ou remorsos. Algum dia, teria de partir... Para sempre. Teria de se resignar a ficar longe de Rebecca. Mas, agora, tudo o que importava era aquela noite enluarada e a estrada sinuosa, que o estava levando na direção da mulher amada.
Jefferson não teve dificuldades em encontrar a fazenda. Transpôs o portão de entrada da propriedade e não tardou a avistar a caminhonete azul de Rebecca, em frente à casa principal. Estacionou sua reluzente caminhonete cor de vinho ao lado do velho veículo. Naquele momento, á porta da casa se abriu, dando passagem a Rebecca, que correu-lhe ao encontro: — Olá, que bom que você chegou. — Ela sorria, radiante. Parecia ainda mais bela, sob o luar. Jefferson seria capaz de ficar contemplando-a por toda a noite. Era a primeira vez que via Rebecca de vestido e por um instante julgou-se incapaz de resistir ao impulso de tomá-la nos braços ali mesmo, para beijá-la longamente e confessar-lhe seu 50
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James amor. Decididamente, seu coração romântico pulsava cada vez mais forte por aquela mulher. Com os cabelos soltos abaixo dos ombros, o vestido azul culturado, de saia esvoaçante, Rebecca era própria imagem da mulher com que ele sempre sonhara. — Foi muito difícil encontrar a entrada da fazenda? — ela perguntou. — Nem um pouco. O mapa que você me deu estava tão claro... Rebecca observou-o, sem conseguir disfarçar a emoção. Também para ela, Jefferson representava a imagem do homem que sempre esperara encontrar. — Puxa, você caprichou, hein! — Rebecca gracejou, um tanto embaraçada. — Como? — Disse que você caprichou... Está parecendo um galã de cinema, nesses trajes tão finos. — As ocasiões especiais merecem roupas adequadas, não acha? — ele retrucou, sentindo-se emocionado como um colegial diante da garota mais bonita da classe. — Está muito faminto, ou gostaria de dar uma volta pela fazenda, antes do jantar? — É uma ótima idéia — ele aprovou. — Esta propriedade é muito bonita, Rebecca. E está bem cuidada, pelo que pude ver. — Graças ao nosso administrador, que trata de tudo por aqui, quase tão bem quanto papai costumava fazer. De fato, a fazenda Toby era um exemplo do melhor que se poderia fazer, com uma propriedade rural. Lampiões de ferro batido iluminavam os caminhos de cascalho que conduziam ao celeiro, aos estábulos e ao curral. A luz amarelada que vinha dos lampiões, aliada à forte luminosidade do luar, parecia espalhar uma atmosfera mágica que envolvia a casa principal e os campos, ao longe. — Antes do passeio, quero que você conheça nossa mascote — disse Rebecca. Voltando-se na direção da varanda, ela assobiou duas vezes e chamou: — Pink! Temos visitas! Jefferson olhou na direção da casa, esperando ver um cachorro. E não pôde conter uma exclamação surpresa ao avistar a leitoinha gorducha, que correu para Rebecca. — Não se espante — disse ela. — Pink é tão inteligente e fiel quanto qualquer cãozinho de estimação. Jefferson fitou o animalzinho com curiosidade. Pink farejou-o e então roçou-lhe as pernas, como um gato. — Confesso que jamais imaginei que alguém pudesse ter um leitão como mascote. Abaixando-se, Rebecca acariciou a cabeça da leitoa: — Conte a ele que você é uma garota e não um garoto, Pink.
Jefferson inclinou-se e tocou, com certo receio, a cabeça da leitoa: — Ei, ela só tem uma orelha. — E adora que você a acaricie — Rebecca explicou e coçou a orelha da mascote, que deitou-se de lado, deliciada. — Assim... Viu? Jefferson riu: — Ei, ela gosta mesmo de carinho! — Experimente...
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James Ele começou a agradar Pink, que reagiu docilmente:
— Alô, garota... Você de fato é uma mascote singular. — Você precisava vê-la brincando com papai... — disse Rebecca. — Os dois simplesmente se amam. A conversa foi interrompida pela chegada dos dois cachorros da fazenda. — Ei, aí estão os outros mascotes. — E que mascotes! — Jefferson comentou, um tanto assustado pelo tamanho dos cães pastores. — Eles são bem mansinhos, apesar de enormes — Rebecca o tranqüilizou. — Não tenha medo. De fato, logo Jefferson já estava brincando com os dois cachorros e com Pink. — Agora, nós cinco vamos dar um passeio — Rebecca sentenciou, divertida. — Sr. Spooner, seja bem-vindo à fazenda Toby.
— Obrigado. — Ele sorriu, com um misto de alegria e emoção. Seguidos pela leitoinha Pink e pelos cães, ambos iniciaram o passeio. A certa altura, num gesto natural, Jefferson tomou a mão de Rebecca, enquanto caminhavam. "Realmente, esta é uma noite especial", ele pensou, invadido por uma intensa alegria. Era como se o mundo lá fora não existisse. Era como se nenhum problema, nenhuma situação intrincada, pudesse perturbar a beleza daquela noite. Por fim voltaram para casa. — Sente-se — disse Rebecca, apontando o velho sofá da sala. — Vou colocar a mesa e já virei chamá-lo. — Não quer uma ajuda? — ele ofereceu. — Ora, você é meu convidado. — E daí? — Daí que é melhor você lavar as mãos, pois arrumarei a mesa num instante. — Está bem, srta. Toby. Você é quem manda. Onde fica o banheiro? — Logo ali, no final do corredor. Minutos depois, Jefferson voltava à sala, onde Rebecca dispunha a mesa. O prato principal do jantar era frango ensopado com legumes e ervas aromáticas, à moda rural de Oklahoma. Como acompanhamento, havia arroz branco e maionese. — Acho que o vinho já gelou — disse Rebecca, a caminho da cozinha. Voltou em seguida, trazendo uma garrafa de um bom vinho californiano, que estava na temperatura ideal. — Pronto — ela anunciou e apontou-lhe uma cadeira. — Sente-se, Jeff, e sirva-se. Quero só ver se você é mesmo um bom garfo. — Pode apostar que sim. Como já disse, vou lhe dar um grande prejuízo. — Quero só ver — ela repetiu, rindo. — Agora trate de abrir essa garrafa de vinho, está bem? Jefferson obedeceu e serviu os copos: — Vamos fazer um brinde — propôs. — A que vamos brindar? — ela perguntou. E antes que Jefferson pudesse responder, exclamou: — Que tal um brinde... A vida? Sim, Jeff, vamos brindar à vida que, por mais difícil que seja, ainda é o bem mais precioso que temos. 52
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — A vida — ele repetiu, e os copos tilintaram, um contra o outro. — Agora, sirva-se — ela sugeriu. — Ou prefere que eu faça isso? — Se você não se importar... Minutos depois, ambos saboreavam o jantar, num clima alegre e descontraído. — Está delicioso — Jefferson comentou, com sinceridade. — Você mentiu, quando disse que era uma cozinheira razoável. — Menti? — Rebecca fitou-o, sem entender. — Sim; porque você é simplesmente ótima. — Obrigada — ela agradeceu, lisonjeada. — Se está gostando tanto assim, que tal repetir o prato? — É uma ótima idéia — ele aprovou, sorrindo. — Há tanto tempo que eu não provava uma comida caseira... — Eu cozinho há muitos anos; desde que minha mãe faleceu, assumi a direção da casa. Papai sempre me ajudou nas tarefas domésticas, sabe? Aliás, foi ele quem me ensinou a cozinhar. — Há quanto tempo sua mãe faleceu? — Jefferson perguntou. — Eu tinha doze anos, quando ela caiu doente — Rebecca respondeu, com um olhar melancólico. — Morreu em poucos meses. Daí, só ficamos eu e papai... — Sinto muito, Rebecca. — Eu também. Papai e mamãe se amavam tanto! Eles pareciam eternos namorados, sabe? Você acredita que nunca os vi discutindo? Os dois eram tão felizes. — Posso imaginar — Jefferson aquiesceu, servindo-se de mais uma porção de maionese. — E quanto a sua família, Jeff? — Rebecca perguntou, com interesse. Ele suspirou e fitou-a com tristeza: — Infelizmente, não tive a mesma sorte que você... — Como assim? — Meu pai e minha mãe nunca foram felizes. Ele bebia muito e mamãe era uma mulher muito instável, emocionalmente. Nunca me esquecerei das cenas terríveis que presenciei, desde criança. Quando papai nos abandonou, cheguei a me sentir aliviado, embora também tivesse saudades daquele homem atormentado e profundamente infeliz. Afinal, acho que ele me amava, à sua maneira. — Oh, Jeff... — ela murmurou, penalizada. — Posso imaginar o seu sofrimento. Afinal, você é tão sensível... — Meu irmão caçula sofreu ainda mais. Ele sim, teve uma infância realmente infernal. — Jefferson abandonou o garfo sobre o prato e fitou Rebecca com intensidade. Por um momento, perguntou-se o que aconteceria, se lhe contasse toda a verdade. Rebecca o compreenderia? Ou o mandaria embora naquele instante? — Por que está me olhando assim? — ela indagou.
Jefferson caiu em si. O que estava pensando? Se revelasse sua identidade a Rebecca, tudo iria por água abaixo. — Oh, não é nada — ele mentiu, voltando a concentrar-se no jantar. — Por que não mudamos de assunto? Não quero aborrecê-la com estórias passadas. 53
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Não seria aborrecimento algum — ela protestou, num tom suave. — Pelo que pude perceber, você teve uma infância difícil... Talvez falar sobre isso pudesse ajudálo. — Esqueça. Não há nada de interessante a dizer sobre uma família desequilibrada. Além do mais, minha estória não é muito diferente da de tantos meninos pobres de Tulsa, ou de qualquer outra cidade. — De fato, a injustiça social existe em todos os lugares. Felizmente há pessoas que lutam por um mundo melhor. — Rebecca fitou-o com admiração, antes de acrescentar: — E mesmo tendo vindo de uma família desequilibrada, você é um homem sensato e de bons sentimentos. Há pessoas que jamais conseguem se recuperar desse tipo de trauma. Tornam-se agressivas e rebeldes, revoltadas contra o mundo... — Este é o caso de meu irmão — Jefferson confidenciou. — Acho que ele jamais conseguirá superar a vida difícil que teve, na infância. — Por que não tenta ajudá-lo? — Eu tento... — Jefferson retrucou, baixando os olhos. — E você nem imagina o quanto. Se soubesse quantas vezes eu disse a meu irmão que não temos de passar o resto da vida sofrendo pelos traumas de infância! Que devemos tentar superá-los, mas... Creio que, para ele, isso é simplesmente impossível. — Talvez ele consiga vencer esses traumas, algum dia — disse Rebecca, tentando confortá-lo. — Talvez — Jefferson repetiu, com um nó na garganta. E decidiu desviar o rumo da conversa, antes que esta se tornasse perigosa demais. — Mas este não é o momento adequado para falarmos de tristezas — acrescentou. — Tem razão — ela concordou, com um sorriso. — Mas, quando quiser desabafar, pode contar com esse ombro amigo. — Não me esquecerei disso, Rebecca — ele respondeu, cheio de gratidão. O jantar chegou ao fim e Rebecca propôs que tomassem um café. — De acordo — Jefferson aprovou. — Agora, deixe-me ajudá-la a tirar a mesa. — Negativo, sr. Spooner. Você é meu convidado, lembra-se? — E daí? Um convidado não pode lavar a louça de um jantar maravilhoso como este? — Claro que não. Eu mesma cuidarei disso. — Mas eu insisto em colaborar. — Está bem, você venceu. Juntos, ambos retiraram a mesa; Rebecca lavou a louça e Jefferson enxugou-a. Rebecca sentia-se tomada por uma sensação de intenso bem-estar. Por um momento, imaginou-se casada com Jefferson, dividindo com ele as tarefas domésticas mais comuns, e os sonhos mais doces... Depois de guardarem a louça, ambos foram saborear o café na sala de estar, num clima de agradável intimidade. Rebecca ergueu-se para colocar uma fita cassete, num velho aparelho de som. Os acordes uma peça de Chopin invadiram o ambiente e Jefferson sorriu, em sinal de aprovação: 54
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Como foi que você adivinhou que adoro esse compositor? — Chopin é o preferido de papai — ela explicou, retribuindo o sorriso e voltando a sentar-se ao lado de Jefferson. — Quer mais uma xícara de café? — Não, obrigado. Estou satisfeito. A música era a Sonata ao Luar, do grande compositor polonês. Rebecca desejou que aqueles acordes nunca mais terminassem. Afinal, o momento parecia tão perfeito, tão cheio de significados! — Você é uma pessoa especial, sabe? — Jefferson murmurou, fitando-a como se pudesse adivinhar-lhe os mais íntimos pensamentos. — Você é bonita por dentro e por fora, Rebecca Toby...
— Você também, Jeff — ela respondeu, docemente. Os rostos de ambos estavam muito próximos. — Não me olhe assim... — ele pediu, baixinho. — Como? — ela indagou, no mesmo tom. — Assim... Com esses olhos azuis que parecem guardar todos os segredos do céu. Rebecca compreendeu que Jefferson estava prestes a beijá-la. E que ela nada faria para impedi-lo. — Pare com isso — ele tornou a pedir, num tom que era quase uma súplica. — Parar com o quê? — Você está me enfeitiçando, sabe? — Eu...? — Ela sorria, exibindo os dentes regulares e muito alvos. — Sim, Rebecca Toby. Você está me tirando do sério. E eu... Não consigo resistir. — Por que deveria, Jeff? — Porque... Não podemos. — Não? — Rebecca sussurrou. — Não — ele repetiu, sabendo que já era tarde demais para vencer a voz da paixão que o incendiava. Lentamente, Jefferson aproximou ainda mais o rosto, tocando os lábios de Rebecca com os seus, num beijo leve como o bater de asas de um pássaro. Como que por um passe de mágica, o desejo veio cobrar seu tributo, na forma de um beijo longo e apaixonado. Apertando Rebecca contra si, Jefferson acariciava-lhe os cabelos castanhos, enquanto explorava-lhe a boca com toda a intensidade de uma vontade contida há tantas semanas. Rebecca sentiu-se transportada a uma nova dimensão, a um mundo semelhante ao paraíso, onde apenas as emoções contavam. Correspondeu àquele beijo, e aos outros que se seguiram, com toda a força da paixão que a devorava. Haveria felicidade maior do que estar tão próxima do homem que seu coração elegera? Rebecca suspirou de prazer e não tentou impedir Jefferson, quando ele acariciou-lhe as costas, por sob o fino tecido do vestido... Nem quando ele tocou-lhe os seios, insinuando a mão entre o decote, fazendo-a gemer de desejo. — Se soubesse o quanto te quero, Rebecca — ele disse, baixinho, numa voz rouca de emoção. — Também quero você, Jeff — ela murmurou, extasiada. — Tudo está acontecendo tão depressa e, no entanto não tenho dúvidas a respeito do que sinto por você... Jefferson interrompeu as carícias, voltando bruscamente à dura realidade: sim, tudo começava a acontecer depressa demais, entre ele e Rebecca. 55
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James O que estava fazendo? A que tipo de loucura estava se entregando, para agir daquele modo? — O que houve? — ela perguntou, um tanto confusa e ainda ofegante de desejo. — Eu... Disse algo de errado? Jefferson levantou-se e caminhou até a janela. Lá fora, o luar espalhava sua luminosidade azul e prata pela paisagem. Respirando com dificuldade, ele procurava sufocar o desejo que ainda ameaçava dominá-lo. Rebecca não sabia o que pensar. Por que Jefferson estava se portando daquele modo? "Talvez porque ele não me ame", ela pensou, sentindo-se de repente muito frágil. Mas logo reconsiderou: afinal, Jefferson parecia tão atraído por ela... Parecia, mesmo, um homem apaixonado. No entanto, algo o fizera interromper-se bruscamente. O que seria? — Jeff, diga-me o que há com você — ela insistiu, aproximando-se e tocando-lhe o braço. Ele recuou um passo, como se o contato o queimasse. — Por favor, Rebecca, não faça perguntas. Eu... Sinto muito pelo que acaba de acontecer. Prometo que isso não tornará a se repetir. Perdoe-me por ter sido tão... Inconveniente. — Mas você não foi inconveniente — ela protestou, com as faces ainda coradas pelos beijos ardentes que haviam trocado. — Fui, sim, e você nem imagina o quanto. — Mas você não me forçou a nada, Jeff. Aliás, creio que ambos estávamos desejando isso, não? Ele fitou-a com um misto de admiração e tristeza, antes de dizer: — Sua sinceridade é comovente, Rebecca. Você não é como a maioria das mulheres, que fingem-se de ingênuas ou inacessíveis. Você não tem vergonha de seus sentimentos e... — Por que eu teria? — ela o interrompeu, com veemência. — Por acaso é pecado sentir atração por um homem? — Aí é que está sua pureza... Ou sua ingenuidade. — Não se trata de ingenuidade e sim de franqueza, Jeff. O que há de mal em... — Você não compreende? — ele a interrompeu, exasperado. — Nós não podemos! — Por que não? Você é casado, ou está comprometido com outra pessoa? — Jefferson negou com um gesto de cabeça e ela prosseguiu: — Então, por que não podemos obedecer ao que sentimos um pelo outro? — Eu não tenho o direito de me aproximar de você — ele afirmou, angustiado. — Não a mereço, Rebecca. Pelo amor de Deus, tente entender isso, de uma vez por todas. — Não posso entender, a menos que você se explique melhor. Jefferson sentiu-se invadido por uma onda de ternura. Tomando o rosto de Rebecca entre as mãos, ele fitou-a no fundo dos olhos por um longo momento. 56
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Parece que você está tentando me dizer alguma coisa... — ela murmurou. — Tudo o que posso adiantar é que não tenho o direito de tocá-la. — Por que não? — Porque você não é o tipo de mulher com quem um homem possa se relacionar de um modo superficial. Porque você me faz sonhar com uma vida inteira de amor, com uma felicidade eterna... — E isso é tão ruim assim? — Não, mas é perigoso... Ao menos para mim. — À margem do descontrole, Jefferson murmurou. — Oh, Deus, passei a vida inteira esperando por alguém como você. E agora, que a encontrei, estou proibido de... — ele interrompeu-se e levou a mão à boca, como se assim pudesse conter as palavras que estavam prestes a escapar-lhe. — Não devo, compreende? — Não... — Era o que eu temia. — Por que não me explica? O que há de errado comigo, para que você tenha medo de se aproximar? — Oh, querida, não há nada de errado com você, acredite. Se alguém aqui está destoando, esse alguém sou eu. — Fale claro, Jeff — ela pediu, à beira das lágrimas. — Você está me deixando cada vez mais confusa. A música de Chopin chegou ao fim. Era como se a magia daquela noite também terminasse, Rebecca pensou, com tristeza. — Ouça-me bem... — Jefferson começou. — Sou um homem livre, entende? Do tipo que não costuma se deter por muito tempo, em cada lugar. Não posso lhe prometer nada. — Mas eu não lhe pedi nada, Jeff — ela argumentou. — Se for este o motivo pelo qual não quer se aproximar de mim... — Há uma outra razão — ele confessou. — Diga-me qual é. — Não posso, Rebecca. Eu realmente não posso. Um pesado silêncio caiu entre ambos, quebrado apenas pelo tique-taque do velho relógio de parede, e pelos sons noturnos que vinham de fora. — Perdoe-me, por favor — Jefferson disse, por fim. — Você é uma mulher maravilhosa, mas prefiro que continuemos amigos... Apenas isso. Acredite, eu tenho minhas razões para agir assim. — Acredito, Jeff. — Rebecca suspirou. — O que mais posso fazer? Mais uma vez, o silêncio se instalou entre ambos. Jefferson sentia-se péssimo. Tinha cedido à tentação de beijar Rebecca e só conseguira fazê-la infeliz e confusa. — E melhor que eu vá embora. — Ele consultou o relógio de parede, que marcava quase meia-noite. — Teremos muito trabalho, amanhã. Rebecca não respondeu. Apenas acompanhou-o até a porta, num silêncio constrangido. 57
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Perdoe-me — ele repetiu, ao despedir-se. — Se tenho algo a censurá-lo, é apenas porque você não quis me explicar o motivo pelo qual quer manter-se longe de mim — ela respondeu, com voz trêmula. Jefferson forçou um sorriso: — Amigos? — Amigos — ela assentiu, num tom quase inaudível. — Boa noite, Jeff. — Boa noite. E obrigado pelo jantar. Rebecca fechou a porta e as lágrimas escorreram-lhe pelo rosto. Só havia uma explicação para a atitude de Jefferson: ele não a amava. E, como era um homem de caráter, não queria aproveitar-se dos sentimentos dela. Essa constatação fez Rebecca encolher-se, como um animalzinho ferido Todas aquelas explicações sobre uma razão secreta para nao aproximar-se dela, eram na verdade uma forma delicada de Jefferson dizer que não correspondia ao seu sentimento por ele. Sim, ela pensou, tomada pela amargura. Esta era a dura verdade.
CAPÍTULO VIII
Rebecca acordou cedo na manhã seguinte, como de costume. Deu algumas instruções ao administrador da fazenda, alimentou os animais e foi para a mercearia. Sentia-se triste e confusa; passara uma noite péssima e custara muito a adormecer. Mas estava, ao menos, mais conformada com a situação. Se Jefferson só podia oferecer-lhe amizade, então ela aceitaria. Afinal, não podia obrigá-lo a amá-la. Faltavam poucos minutos para as oito horas, quando ela chegou à mercearia. Estranhou o fato da porta ainda estar fechada, pois Jefferson sempre abria a mercearia, antes mesmo dela chegar. Ficou ainda mais apreensiva por não vê-lo. Uma suspeita cresceu-lhe no íntimo: será que Jefferson havia partido? Com o coração aos saltos, Rebecca subiu a escada que conduzia ao apartamento que ele ocupava. Bateu à porta e aguardou, mas não obteve resposta. Bateu mais uma vez e então Jefferson atendeu: — Oh, bom dia, Rebecca. Eu... Estou atrasado, não? Por favor, desculpe-me. Rebecca sentia-se tão aliviada por vê-lo, que só conseguia sorrir: — Está tudo bem, Jeff. Eu... Apenas pensei que você... — Acho que dormi demais e perdi a hora — ele a interrompeu.
Rebecca observou as profundas olheiras que marcavam-lhe o rosto. Pelo visto, Jefferson também passara uma noite difícil.
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — O que houve? — ela perguntou, apreensiva. — Entre — ele convidou-a, dando-lhe passagem. — Você me acompanha numa xícara de café? Acabei de preparar. — Eu aceito, obrigada. — Ela o seguiu até a pequena cozinha do apartamento e sentou-se numa cadeira. — O que houve, Jeff? — Tornou a perguntar. — Você me parece tão abatido... — Só consegui dormir lá pela madrugada — ele respondeu, passando a mão pelos cabelos loiros. — Algum problema? — ela insistiu, agradecendo com um gesto de cabeça a xícara de café fumegante que ele lhe oferecia. — Estou furioso. — Foi a resposta dúbia de Jefferson. — Furioso? — Rebecca repetiu, confusa. — Comigo?
Ele sorriu, mas seus olhos continuavam tristes: — Não, Rebecca. Estou furioso comigo... Pelo meu descontrole, ontem à noite. — Ora... — Ela baixou os olhos. — Você foi apenas sincero, só isso. Aliás, creio que devo me sentir grata, por ter me dito a verdade. — Como assim? — Bem, você... — ela hesitou, antes de completar a frase. — Você não me ama. Confesso que admiro sua franqueza, Jeff, e não tenho motivos para censurá-lo. Se prefere que continuemos amigos, está tudo bem. Eu... Aceito sua amizade. — Acontece que eu amo você, Rebecca... Como jamais amei nenhuma outra mulher. Ela o fitou, perplexa. Quis dizer algo, mas não conseguiu. — Apenas... — ele continuou — não podemos nos envolver num relacionamento mais sério... Ao menos por enquanto. — Por quê? — Jefferson não respondeu e ela prosseguiu: — Trata-se daquela razão secreta, que você não quis me contar... É isso? — Infelizmente, sim. Por favor, não me pergunte mais nada. Algum dia, quando tudo isso terminar, talvez você possa aceitar meu amor. Então, serei o mais feliz dos homens. — Não entendo você, Jeff— ela murmurou, após um longo silêncio. — Algum dia você me compreenderá. E talvez possa até mesmo me perdoar. — Não tenho por que perdoar ou censurar você, Jeff. Ele ergueu-se e, tomando-lhe o rosto entre as mãos, fitou-a longamente, antes de dizer: — Você não imagina o quanto me senti feliz por saber que era correspondido em meu amor. Só lhe peço que espere um pouco, até que possamos voltar a falar sobre isso.
Rebecca suspirou. Esperaria por quanto tempo fosse preciso. Esperaria a vida toda por Jefferson. Inclinando-se, ele beijou-a nos lábios. Rebecca fechou os olhos e o beijo tornouse mais intenso. Não sabia o que pensar; só tinha certeza de que estava de novo trilhando aquele mundo mágico, onde só as emoções contavam. — Oh, Rebecca... — Jefferson sussurrou. — Será que teremos a chance de sermos felizes? — Certamente que sim, Jeff... Seja qual for o seu motivo para adiar nosso relacionamento, eu o respeito. — Obrigado. — Ele abraçou-a com força. — Eu não esperava mesmo outra coisa de você, senão a sua compreensão. E agora, que tal descermos para trabalhar?
Os dias que se seguiram foram, para Rebecca, uma espécie de sonho do qual ela não queria acordar. Apesar de Jefferson ter lhe dito que queria esperar algum tempo, antes de se 59
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James envolverem num relacionamento mais sério, ambos conversavam longamente, após o trabalho. E acabavam trocando beijos apaixonados, ou passeando de mãos dadas pela cidade, rindo, amando-se, ou apenas permanecendo em silêncio, desfrutando a companhia um do outro. Feliz. Esta era a palavra que melhor poderia definir o estado de Rebecca. E, para que sua felicidade fosse ainda maior, só faltava que Edward Toby recobrasse a consciência. Um tanto inquieta, ela via a data do julgamento aproximar-se. Mas no fundo sentia-se esperançosa. Afinal, Jefferson prometera-lhe que ia pensar no caso e encontrar uma solução. E ela confiava não apenas no amor, mas também na solidariedade daquele homem que fizera sua vida mudar radicalmente... Para melhor. Certa noite, depois de jantar com Jefferson no Dairy Queen, Rebecca foi para casa, cantarolando, tamanha era a felicidade que a invadia. Aquela era a primeira noite, em muito tempo, que não tinha visitado o pai, ela pensou, com uma ponta de culpa. Bem, no dia seguinte, antes de ir para a mercearia, passaria no hospital. Tinha certeza de que o próprio Edward não a condenaria, pelas agradáveis horas passadas ao lado de Jefferson. A leitoinha Pink veio saudá-la, como sempre fazia. Rebecca acariciou-a e tratou de alimentá-la. Depois entrou em casa, tomou uma ducha rápida e preparou-se para dormir. Estava tão exausta quanto feliz. A vida parecia ter ganho uma outra dimensão, um novo e precioso significado.
Deitado na cama do pequeno apartamento que ocupava, Jefferson já estava quase adormecendo quando ouviu o telefone tocar, no escritório. Quem poderia ser, àquela hora? Perguntou-se, enquanto se levantava. Desceu as escadas e apressou-se a atender a chamada. Era Nadine. — Mamãe! — ele a repreendeu, tão logo reconheceu-lhe a voz. — Eu lhe pedi para não ligar para cá! — Tenho meus motivos — Nadine contrapôs. — Pedi à telefonista que me informasse o número e achei que você estaria sozinho, a esta hora. — Bem, o que foi que aconteceu? — Jefferson indagou, preocupado com a evidente aflição da mãe. — O dr. Stanford está ansioso para falar com você. Pediu para você telefonar para a casa dele, ainda hoje. — Mas já é muito tarde. — Mesmo assim, é bom ligar para lá. Você tem o número? — Sim. Você sabe sobre o que, exatamente, Vincent quer me falar? — Bem, ele esteve com seu irmão. — Jenks! — Jefferson exclamou. — Vincent falou com Jenks? — Isso mesmo. Eu... Não queria ter lhe contado sobre o paradeiro do menino. Mas aquele homem parece ter um jeito especial para convencer a gente... — Você fez muito bem, mamãe. E então, como foi a conversa entre os dois? — Não sei. Pedi ao dr. Stanford que me contasse tudo, mas ele se negou. Achei que isso foi uma grosseria imperdoável, da parte dele. Não concorda comigo?
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Talvez Vincent tenha lá suas razões, para manter a conversa entre ele e Jenks em segredo. — E acha que eu comentaria sobre isso com alguém? — Nadine retrucou, irritada. Jefferson sabia que, vez por outra, a mãe se embriagava e falava demais... Talvez por isso Vincent tivesse preferido não contar nada a Nadine. — Aliás, esse tal dr. Stanford tem me tirado do sério — Nadine prosseguiu. — No dia em que assinei a procuração, constituindo-o advogado de Jenks, fiz-lhe uma série de perguntas. Mas ele não me esclareceu nada. Não quis nem mesmo me dizer o que pretende fazer, para conseguir a liberdade do menino. — Mamãe, Vincent Stanford é um dos melhores advogados deste país. Tenho certeza de que ele fará todo o possível para ajudar Jenks. Mas, por favor, não o questione mais sobre o caso, está bem? — Mas eu, como mãe do garoto, tenho todo o direito de... — Não o importune mais, mamãe — Jefferson interrompeu-a, num tom paciente. — Faça isso por mim... E por Jenks. Pense apenas que estamos contando com um grande jurista e que devemos confiar nele, está bem? Ignorando a recomendação do filho, Nadine exigiu: — Fale com aquele petulante e depois me ligue em seguida. Quero saber em que pé está o caso. — Eu telefonarei para você assim que tiver alguma novidade — Jefferson prometeu. — Estou lhe dizendo para ligar ainda hoje, Jeff. Se não fizer isso, voltarei a telefonar para aí, entendeu? — Mamãe, seja razoável... — Como poderia, quando a vida de meu pequeno Jenks está em perigo? — Nadine retrucou, elevando a voz, num tom exageradamente dramático. — Agora vou desligar. Ficarei aguardando notícias, Jeff. Antes que ele pudesse argumentar, Nadine cortou a ligação. Jefferson suspirou e discou o número da casa de Vincent Stanford. O telefone chamou várias vezes, antes que o advogado atendesse, com voz sonolenta:
— Alô? — Vincent, sou eu, Jeff. Desculpe-me por importuná-lo a esta hora, mas mamãe acaba de me telefonar... Ela me passou o seu recado. — Ah, que bom que você ligou, Jeff. Eu precisava mesmo lhe falar. — Espero que tenha boas notícias — ele respondeu, apreensivo. — Bem, eu andei pesquisando o caso. — O advogado fez uma pausa. — Você... Está sozinho? — Sim, Rebecca já foi para casa. Pode falar, Vincent. — Antes de mais nada quero lhe fazer uma pergunta. — Diga. — Que chance você teria para convencer Rebecca Toby a mudar o depoimento que deu à polícia? — Como assim?
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Quero saber se você poderá convencê-la a alterar o testemunho sobre o assalto. — Entendo o que você quer dizer. Devo aconselhar Rebecca a contar às autoridades que apenas ouviu as vozes de Jenks e Lonnie, através da porta. É isso? — Exato. — Vincent Stanford tornou a fazer uma pausa. — Acredite em mim, Jeff: Rebecca Toby não estava na mercearia, quando ocorreu o assalto. — Isso eu já sei. — Mas as autoridades não sabem.
Jefferson recostou-se na cadeira: — Não estou entendendo aonde você pretende chegar, Vincent. Fui eu mesmo quem lhe disse que Rebecca apenas ouviu o que estava acontecendo na mercearia. — Sim, nós todos sabemos desse fato... Exceto a polícia. Estudei o depoimento de Lonnie Pittman e falei hoje à tarde com Jenks. — E o que ele disse? — Alega ser inocente, é claro. — E parece que Lonnie alega o mesmo. — Exato. O único ponto onde o depoimento dos dois coincide é o seguinte: que Rebecca não estava presente ao assalto. Acho que o juiz levará isso em consideração já que, em todos os outros pontos, o testemunho de Lonnie e Jenks são absolutamente contraditórios. Na verdade, um está tentando jogar a maior culpa sobre o outro. Mas ambos não têm dúvidas de que estavam sozinhos com Edward Toby, naquela noite. — Eles viram quando Rebecca entrou na mercearia? — Ouviram o som da porta se abrindo e fugiram. E afirmam que Rebecca não teve tempo de reconhecê-los. — Acha que os jurados acreditarão nela, ou no depoimento de Jenks e Lonnie? — Será a palavra de Rebecca contra a deles. Mas creio que o fato de ambos coincidirem neste ponto deixará os jurados em dúvida, com relação a Rebecca. Além do mais, Jeff, devo avisá-lo que, como advogado de Jenks, eu pretendo interrogar Rebecca, diante da corte. E pode apostar que a farei confessar, perante todos, que estava mentindo quando disse que viu o assalto. — Como? — É minha única chance de defender Jenks, meu caro. E eu não posso abrir mão desse recurso. — E o que acontecerá com Rebecca, se os jurados concluírem que ela mentiu? — Será processada por perjúrio, naturalmente. É por isso que estou lhe pedindo para convencê-la a mudar seu depoimento, antes da data do julgamento. Entendeu, agora? — Sim, Vincent — Jefferson aquiesceu, angustiado. — Meu Deus, que situação. — Convença-a, Jeff. Será melhor para ela. Não há outro caminho. — A menos que Edward Toby recobre a consciência, antes do julgamento — Jefferson pensou, em voz alta. — Sim, mas esta é uma possibilidade muito remota, com a qual não quero contar. — Receio que você tenha razão, Vincent. Bem, só me resta dizer para Rebecca 62
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James alterar o testemunho, antes que ela se envolva em complicações. — Exato. Você compreende minha posição, não? Sou um profissional e tenho de me utilizar de todos os recursos, para defender meu cliente. Outro advogado, em meu lugar, simplesmente questionaria Rebecca Toby no tribunal, sem aviso prévio... E seria muito fácil convencer os jurados de que ela havia mentido. Mas sou seu amigo, Jeff. É por isso que o estou alertando e aconselhando a dizer à moça para mudar tudo, enquanto é tempo. — Eu entendo, Vincent. E só tenho de agradecê-lo. Mas diga-me: como vai Jenks? — Está mais calmo, agora que sabe que tem um advogado. — E quanto a entregar-se às autoridades? O que ele pensa sobre isso? — A princípio, recusou-se. Mas estou conseguindo convencê-lo. De qualquer forma, já me apresentei ao juiz como seu advogado. E prometi que ele estará presente ao julgamento. — Jenks concordou com isso? — Teve de concordar, oras. Disse-lhe que, se não aceitasse a idéia de se entregar, eu não o defenderia. — E quando ele se apresentará ao juiz? — Em breve, mas ainda não sei o dia. Será antes do julgamento, naturalmente. — Certo. Estou mais tranqüilo, agora que você se encarregou do caso. — Farei tudo o que puder. — Sei disso, Vincent. — Ah, e quanto a Rebecca Toby? Ela já sabe quem você é? — Ainda não. — Pois trate de contar logo a ela, Jeff. Você não conseguirá se manter no anonimato por muito mais tempo. — Farei isso, Vincent... No momento oportuno. — Imagino que sim. Cuide-se bem, Jeff. E mantenha-se em contato comigo. — Está bem. Obrigado mais uma vez, e boa noite.
Jefferson desligou o aparelho e já ia deixar o escritório, quando o telefone tocou novamente. Impaciente, ele atendeu: — Mamãe, eu já lhe pedi mil vezes para não ligar para cá! — De onde falam? — perguntou uma voz feminina, que Jefferson não reconheceu. — Mercearia Palace — ele respondeu, confuso. Podia jurar que era Nadine quem havia telefonado, mas agora via que estava enganado. — Com quem quer falar, senhora? — Rebecca Toby está? — Não. Ela já foi para casa. — Ah, que pena. Aqui é da Santa Casa de Ryan... — Algum problema com o sr. Edward Toby? — Jefferson indagou, aflito. — Não, ao contrário: ele acaba de recobrar a consciência e insiste em ver a filha. Já tentamos lhe explicar que passa da meia-noite, mas Edward Toby tem um gênio terrível. E está quase conseguindo enlouquecer as enfermeiras, com sua teimosia. O senhor não teria um jeito de avisar Rebecca? — Irei até a fazenda Toby e lhe darei o recado — Jefferson ofereceu. — Está bem assim? — Claro, senhor. Muito obrigada e desculpe o incômodo. — Não há de que, senhora. Boa noite.
Em poucos minutos, Jefferson seguia pela rodovia 81, em direção à fazenda Toby. Mal podia esperar para dar a boa notícia a Rebecca. Ele mesmo sentia-se feliz e aliviado. O fato de Edward Toby ter recobrado a
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James consciência significava muito: Edward poderia dar seu depoimento às autoridades, sobre o assalto. E isso esclareceria toda a verdade, além de livrar Rebecca de outras complicações. Jefferson estacionou em frente à casa principal da fazenda e caminhou, apressado, em direção à porta. A leitoinha Pink levantou-se de seu lugar, na varanda. — Lembra-se de mim, garota? — Ele acariciou a cabeça do animal e bateu à porta. — Parece que em breve seu dono estará de volta... Para alívio de todos nós. Rebecca não atendeu e Jefferson concluiu que ela devia estar dormindo profundamente. Bateu mais duas vezes e só então percebeu um movimento no interior da casa. Viu, pela veneziana da janela da sala, que Rebecca havia acendido a luz. — Quem.é? — ouviu-a perguntar. — Sou eu... Jeff — ele respondeu. A porta se abriu e Rebecca olhou-o, com uma expressão entre sonolenta e assustada: — O que aconteceu? — Calma, está tudo bem. — Ele fitou-a com ternura. Vestindo sua camisola de dormir, com os cabelos em desalinho, Rebecca estava mais encantadora do que nunca. — Vim trazer-lhe uma ótima notícia: seu pai acaba de recobrar a consciência. Ligaram da Santa Casa de Ryan lá para a mercearia e... — Oh, Jeff! — Rebecca abraçou-o com força, compartilhando com ele sua alegria e alívio. — Oh, meu Deus! Mas isso é maravilhoso! Um tanto surpreso pela espontaneidade de Rebecca, ele sorriu, acariciando-lhe os cabelos: — Desculpe-me por importuná-la a esta hora, mas... — Ora! — ela o interrompeu, radiante. — Eu não o perdoaria se você tivesse resolvido esperar até amanhã, para me contar. — Parece que era isso que o pessoal lá de Ryan pretendia fazer, mas seu pai não deixou. A pessoa que me comunicou a notícia disse que Edward Toby está deixando todo mundo louco, naquele hospital. Ele exige sua presença lá, o mais depressa possível. — Então, não quero fazê-lo esperar. Entre, Jeff. Estarei pronta num minuto. Como se quisesse participar daquele momento de alegria, a leitoinha Pink grunhiu. Rebecca abaixou-se para acariciá-la: — Você ouviu isso, Pink? Papai voltou para nós! Ele voltou, menina!
Pouco depois, Rebecca e Jefferson seguiam, na caminhonete cor de vinho, rumo a Ryan. Ele estacionou no pátio do hospital e sorriu para Rebecca: — Quer que eu a espere aqui? — Não. Entre comigo, Jeff, por favor. Quero dividir com você este momento maravilhoso. — Está bem. — Ele hesitou por um instante, antes de dizer: — Eu... Acho que chegou a hora de termos uma conversa séria, querida. Há certas coisas sobre mim, que
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James preciso lhe contar. — Ouvirei tudo, meu amor, mas não agora. Será que essa conversa poderia esperar um pouquinho? Jefferson quis dizer não, mas não teve outra alternativa, senão concordar. De repente, havia sentido uma urgência incrível de confessar tudo a Rebecca: o motivo que o levara a Palace City, o fato de ser irmão de Jenks, além de um humanista de renome. Mas também não tinha o direito de obrigar Rebecca a ouvi-lo, naquele momento. Afinal, Edward Toby havia recobrado a consciência. E Rebecca mal podia esperar para vê-lo. — Está bem, querida — Jefferson assentiu, por fim. — Mas lembre-se de que tenho coisas muito importantes a lhe dizer. — Certo. Agora, por favor, podemos ir? — Claro. Ambos entraram no hospital e uma atendente correu para Rebecca, que abraçoua, emocionada: — Oh, Lucy, estou tão feliz por papai! — Nós também, garota. Mas por favor não espere mais um minuto sequer, para vê-lo. O sr. Edward Toby está quase levando as enfermeiras a um ataque de nervos. E juro que não estou exagerando! A passos largos, Rebecca dirigiu-se ao quarto do pai. Jefferson a seguia. — Vocês são um bando de incompetentes! — a voz de Edward soou no corredor. — Onde está minha filha? Faz horas que pedi para a chamarem! — Calma papai — Rebecca entrou no quarto, sempre seguida por Jefferson. — Já cheguei. Comovido, Jefferson assistiu ao longo abraço de Edward e Rebecca. Duas enfermeiras, próximas à cama, trocaram um olhar significativo. Rebecca chorava de emoção e alegria. Por fim, afastou-se delicadamente do pai e tomou-lhe a mão: — Que susto você me deu! Puxa, desta vez pensei que o tivesse perdido pára sempre.
Edward sorria, mas ao ver que as enfermeiras ainda continuavam no quarto, reagiu com irritação: — Fora daqui, vocês duas! Tenho ao menos o direito de falar a sós com minha filha, não? — O senhor não pode se alterar desse jeito — uma enfermeira recomendou, num tom severo. — Você viu só como me tratam? — Edward dirigia-se a Rebecca. — Pensam que sou uma criança, ou algo assim. Não permitem nem mesmo que eu me sente na cama! Rebecca só conseguia sorrir: — Edward Toby e seu gênio terrível atacam outra vez... — ela gracejou, voltandose para as enfermeiras. — Bem, isso mostra o quanto ele está em forma. — Vamos sair um pouco, srta. Toby — a outra enfermeira anunciou. — Se precisar de nós, é só tocar a campainha, na cabeceira da cama. — Só preciso de minha filha — Edward Toby resmungou. — Nossa, como as pessoas desse hospital são irritantes! 65
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Todas elas cuidaram de você muito bem, papai — Rebecca retrucou, num tom suave. — Portanto, não seja tão ingrato e trate de se comportar. — Quando poderei me levantar desta maldita cama? — ele perguntou, impaciente. — Há quanto tempo estou aqui? — Quase três meses, papai — Rebecca respondeu, sem disfarçar a emoção. — Três meses que mais pareceram uma terrível eternidade. — Os médicos me disseram isso, mas não acreditei — Edward comentou, desconfiado. — Você está falando sério, minha filha? — Sim, meu querido. — Rebecca acariciava-lhe a mão. — Oh, meu Deus, se soubesse o quanto estou feliz, por você ter voltado a ser o velho Edward Toby! — O que foi que aconteceu comigo, afinal? — ele indagou, levando a mão ao peito coberto de bandagens.
— O senhor se lembrará aos poucos — disse uma enfermeira, já de saída. — O que aconteceu, filha? — ele insistiu, ignorando a resposta da enfermeira. — Calma, papai — Rebecca procurava tranqüilizá-lo. — Você levou tanto tempo para acordar... Portanto, trate de ficar bem e não faça tantas perguntas. No quarto, restavam apenas Edward, Rebecca e Jeffergon, que continuava junto à porta. — Quem é esse rapaz? — perguntou Edward, com os olhos fixos em Jefferson.
— Ele tem sido um grande amigo, papai, além de trabalhar comigo ha mercearia. — O que houve com Buddy, nosso antigo empregado? — Ele... Teve de deixar o emprego, pois estava indo mal nos estudos. — Rebecca preferiu mentir, sobre a saída de Buddy Knox. Afinal, Edward ainda não se recordava do assalto, e ela não queria precipitar as coisas. Antes que o pai a interpelasse com novas perguntas, ela fez as apresentações: — Bem, este é Jefferson Spooner, papai. Jeff, venha cumprimentar o homem que tem o gênio mais terrível de toda a Palace City. — Ora, não exagere — Edward censurou-a, carinhosamente, fitando Jefferson com curiosidade e estendendo-lhe a mão. — Como vai, rapaz? Se você é amigo de minha filha, considere-se meu amigo, também. — É um prazer conhecê-lo, sr. Toby — Jefferson cumprimentou-o, num tom respeitoso. — Estou feliz por vê-lo de novo com saúde. — Sinto-me ótimo, rapaz. Não sei por que não me deram alta, hoje. — O senhor esteve inconsciente por muito tempo. Talvez os médicos precisem mantê-lo em observação, antes de deixá-lo sair. — Mas o que houve comigo, afinal? — Papai, vá com calma, sim? Até algumas horas atrás, nós nem sabíamos se o senhor sobreviveria... — Mas sobreviver... A quê?
Jefferson decidiu intervir: — Bem, vou deixá-los a sós, para que possam conversar.
— Voltando-se para Rebecca,
acrescentou: — Ficarei esperando, lá fora. — Está bem, Jeff — ela aquiesceu, sem desviar os olhos do pai.
Jefferson foi sentar-se na sala de espera; pegou uma revista e começou a folheá-la. Não havia mais ninguém, por ali, exceto a atendente, sentada detrás do balcão. Jefferson sentia-se inquieto. Não via a hora de poder ficar a sós com Rebecca e contar-lhe tudo o que até então havia mantido em segredo. Mas ela estava demorando
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James tanto! — Não acredito! — alguém exclamou, logo atrás de Jefferson. — Meu Deus, como este mundo é pequeno... Ele voltou-se e deparou com Steve West, que o fitava com uma expressão de surpresa. — Steve! O que faz por aqui? — Eu é quem deveria perguntar isso. Jamais pensei em encontrá-lo neste fim de mundo, Jeff. Ambos se conheciam há cerca de um ano. Steve West era um médico renomado, que dirigia uma entidade filantrópica em Wichita. Jefferson o conhecera por ocasião de um congresso e simpatizara com aquele médico que, além de ser um grande cirurgião, era também um dos melhores homens que já vira. Lutava pelos mesmos ideais que Jefferson e dirigia uma clínica em Wichita onde, duas vezes por semana, atendia gratuitamente as pessoas mais pobres da região. — Vim dar um curso para os médicos de Ryan e outras cidades vizinhas — Steve explicou. — E resolvi ver de perto a situação. Por isso, estou fazendo uma ronda pelos hospitais. Confesso, meu amigo, que fiquei surpreso com a estrutura que eles têm, por aqui. Este hospital não fica devendo nada às boas clínicas do resto do Estado. — Steve sorriu e ajeitou os óculos de lentes grossas. — E quanto a você? Não deveria estar no congresso lá de Tulsa? — Infelizmente, não pude participar. Tive de resolver alguns assuntos, em Palace City. — Suponho que esteja metido em algum caso complicado, entre a classe pobre e os empresários do lugar... — Não, trata-se de um assunto particular — Jefferson apressou-se a dizer. — Compreendo — Steve assentiu, discretamente, e mudou de assunto. — Sabe, tenho lido seus artigos nos jornais. Você continua escrevendo muito bem, Jeff.
— Obrigado — ele aquiesceu, com modéstia. — O pessoal da comissão me contou que em breve você publicará um livro. — Trata-se de uma coletânea de vários artigos escritos, nos últimos meses — Jefferson explicou. Naquele momento, Rebecca aproximou-se. Jefferson levantou-se, ansioso para despedir-se logo de Steve West. Gostava muito daquele bom amigo, mas no momento só desejava poder ficar a sós com Rebecca... Antes que fosse tarde demais. — Steve, esta é Rebecca Toby — ele a apresentou. — O pai dela está internado aqui. — Ah, sim, como vai, srta. Toby? — o médico cumprimentou-a, com um sorriso gentil. — Tudo bem, graças a Deus. Papai está se recuperando, depois de um grande susto. — E Rebecca explicou, em poucas palavras, o que havia acontecido com Edward.
— Ouvi falar sobre o caso dele — disse Steve West. — Aliás, pretendo examinálo ainda hoje. — Gostaria de ouvi-lo sobre esse caso, Steve — disse Jefferson. — Parece que não há mais motivos para temer sobre a saúde do paciente, Jeff — Steve West afirmou. — Conversei com o médico responsável por ele e as perspectivas são as melhores possíveis. — Eis aí uma notícia maravilhosa, doutor — Rebecca interveio. — Sim, senhorita. Agora que ele reagiu, logo recuperará toda a memória. Portanto, pode ficar tranqüila. — O médico fez uma pausa, antes de acrescentar: — Bem, vocês vão me dar licença, agora. — Voltando-se para Jefferson, convidou: — Por que não almoçamos juntos, amanhã? Precisamos conversar, amigo. — Creio que não será possível, Steve. Tenho muitos assuntos para resolver e 67
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James estou com meu tempo todo tomado. — Bem, estarei aqui no hospital. Se tiver uma oportunidade, venha me ver. Ah, e não se esqueça de me avisar, quando for lançar o livro, hein? — Não me esquecerei, Steve — Jefferson prometeu, ignorando o olhar surpreso de Rebecca. — Eu mesmo lhe enviarei o convite para a noite de autógrafos. — Dê lembranças minhas ao pessoal da comissão. Tentarei chegar em Tulsa a tempo de alcançar os últimos dias do congresso. — Nesse caso, será você quem levará minhas lembranças aos amigos de lá, pois não sei quando terei tempo de revê-los. — Certo. Então, boa noite, Jeff. — Voltando-se para Rebecca, o médico despediu-se: — Foi um prazer conhecê-la, senhorita.
— O prazer foi meu, doutor — ela respondeu, automaticamente, pois estava atônita. A sós com Jefferson, perguntou: — A quem o dr. West estava se referindo, quando falou de uma comissão? E quanto ao fato de você ter escrito um livro... — Calma, querida — ele a interrompeu, conduzindo-a em direção à saída. — Como eu já disse, precisamos ter uma longa conversa.
CAPÍTULO IX
Jefferson, o que está acontecendo? — Rebecca perguntou, durante o trajeto até a fazenda. — Será que você pode esperar até chegarmos? — ele pediu, tenso. — Tenho de lhe falar sobre muitas coisas importantes e prefiro fazer isso olhando nos seus olhos.
— Está bem, Jeff — ela aquiesceu, inquieta. — Como foi a conversa com seu pai? — ele indagou, minutos depois. — Ótima — Rebecca respondeu. — Mas ele ainda não se lembra do assalto. — Não se preocupe. Como disse Steve, será apenas uma questão de dias, até que Edward se recorde de tudo. E então poderá dar seu depoimento às autoridades, livrando-a do peso de ter sido a única testemunha.
— Espero que tudo isso aconteça, antes da data do julgamento. Jefferson aquiesceu com um gesto de cabeça, com os olhos
fixos na estrada. A noite estava quente e o calor era sufocante. Nuvens pesadas se acumulavam no horizonte. Ao que tudo indicava, uma chuva torrencial cairia em poucas horas. A caminhonete cor de vinho passou pelo velho portão de ferro batido que indicava a entrada da fazenda Toby. Em poucos instantes, Jefferson estacionava o veículo em frente à casa principal.
— Sei que você deve estar exausta — ele comentou, desligando o motor e retirando a chave da ignição, — Mas, se não se importa, gostaria que conversássemos ainda hoje. — Eu também, Jeff. Vou preparar um café e, assim, espantaremos o sono. — Rebecca saltou do veículo e caminhou até a casa, acariciando Pink de passagem. Não sabia o que esperar, da conversa com Jefferson. Mas sentia que estava prestes a ter uma grande revelação, a respeito daquele homem. Rebecca fez o café e arrumou uma bandeja com xícaras, açúcar e creme. Levou
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James tudo para a sala e serviu duas xícaras. Estendeu uma a Jefferson e sentou-se numa poltrona, ao lado do sofá. — Agora fale, Jeff — pediu, apreensiva. — Mal posso esperar para ouvir o que tem a me dizer. Ele provou um gole de café e depositou a xícara sobre a mesinha de centro. Fitou Rebecca com intensidade e relutância, como se estivesse escolhendo bem as palavras. Por fim, começou:
— —
Em primeiro lugar, devo lhe dizer que não sou quem você pensa...
Posso imaginar. — Foi o breve comentário de Rebecca, cujos olhos azuis tinham uma expressão curiosa. — Quem é você, afinal?
—
Jeff Spooner, da comissão de direitos humanos e justiça social de Tulsa. Rebecca franziu a testa:
— —
Pensei que você trabalhasse com fretes... Era mentira?
Em parte, sim. Embora eu costume ceder minha caminhonete para transportar alimentos, ou jornais publicados pela comissão... Num tom quase neutro, que em nada denunciava o nervosismo que o dominava, Jefferson contou a Rebecca sobre sua participação em várias entidades que lutavam pela justiça social, não apenas em Tulsa, mas em todo o país. Falou-lhe sobre o modo como ingressara naquele trabalho e também sobre os artigos que escrevia para jornais e revistas.
— Conheci Steve West num congresso, há algum tempo — acrescentou, no final da narrativa. — Tornamo-nos bons amigos, desde aquela época. Ele é um grande médico e, também, um humanista admirável. — Jefferson fez uma pausa e terminou o café, antes de perguntar: — Está muito furiosa comigo, por eu ter lhe ocultado a verdade a meu respeito? — Como poderia, Jeff? — ela respondeu, com um doce sorriso. — Não sei o que o levou a esconder sua verdadeira identidade, mas o fato é que só posso admirá-lo ainda mais. Sempre tive respeito pelas pessoas que lutam por um mundo melhor. E saber que você é uma delas só pode me fazer ainda mais feliz. Uma nuvem de tristeza instalou-se nos olhos verdes de Jefferson:
— Receio que você vá se sentir de um modo bem diferente, quando ouvir o que ainda tenho a dizer. — Por quê? Ele ficou em silêncio por vários momentos e então tornou a olhá-la: — Antes de mais nada quero que você saiba de uma coisa... — Sim, Jeff? — E que, a despeito do que você possa pensar de mim, a partir desta noite... Eu te amo, Rebecca. E sempre a amarei. — Sei disso, querido — ela aquiesceu, longe de suspeitar a verdade. — Eu também te amo muito, e nada no mundo poderá mudar este fato. — Gostaria de acreditar que você continuará se sentindo assim, depois de me ouvir. — Jeff! — Ela tomou-lhe a mão. — Será que não percebe a intensidade do meu sentimento? Nada poderá abalar o amor que tenho por você. Nada, meu querido. Jefferson foi assaltado por um terrível mal-estar. Tinha dois assuntos difíceis a tratar com Rebecca. E não sabia por onde começar. Ele tomou fôlego e armou-se de coragem para dizer: — Antes de mais nada, precisamos conversar sobre o julgamento, ou melhor, sobre o depoimento que você deu à polícia. — Sim? — Você se lembra de que lhe prometi que ia me informar sobre o assunto, não? — Claro. E então, conseguiu encontrar uma saída?
Jefferson levantou-se e começou a andar de um lado a outro da sala: — Agora, com a perspectiva de seu pai recobrar a memória, talvez você nem precise testemunhar. Afinal, é claro que o juiz vai considerar o depoimento de seu pai como a prova principal do crime. — Sim. 69
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Mas, supondo que seu pai não se lembre do que ocorreu e que chegue a data do julgamento... — Jefferson suspirou — bem, o melhor que você tem a fazer é alterar seu depoimento. — Você quer dizer...? — Conte à polícia que você apenas ouviu as vozes dos dois rapazes, e não que presenciou o assalto — ele aconselhou, antes que Rebecca concluísse a frase. — É o melhor que você tem a fazer. Os depoimentos de Lonnie e Jenks são contraditórios. Parece que cada um está tentando se livrar do pior, jogando a culpa sobre o outro. Mas há um ponto no qual ambos coincidem: eles afirmam que não havia mais ninguém na mercearia, durante o assalto. O juiz vai considerar isso, pode acreditar. Afinal, tratase da única coincidência, entende? Sei que um dos advogados de defesa vai martelar essa tecla, até a exaustão. Será fácil, para ele, fazê-la entrar em contradição, perante a corte. E isso pode resultar num processo de perjúrio, contra você. Entende, agora, por que é tão importante a alteração de seu testemunho, antes do julgamento? Rebecca considerou aquelas palavras por um longo momento. Só então perguntou: — Como soube de tudo isso, Jeff? — Conversei com o advogado de Jenks — ele respondeu, com voz trêmula. — Mas Jenks está foragido — Rebecca argumentou. — Como foi que você conseguiu falar com o advogado dele? Jefferson parou diante dela e, tomando-lhe a mão, a fez levantar-se: — Agora é que vem a parte mais difícil desta conversa, querida... Sabe, quando eu vim a Palace City, tinha um motivo muito importante... Eu... Queria saber o que, realmente, havia acontecido naquele assalto. Foi por isso que fingi ser um viajante, de passagem pela cidade... E que aceitei o emprego que você me ofereceu. Rebecca arregalou os olhos: — Por favor, fale claro, Jeff. Você está me deixando cada vez mais confusa. — Vou ser mais direto: Jenks Colquitt é meu irmão. Meu meio-irmão, aliás. — O quê? — Rebecca fechou os olhos por um instante, desejando ardentemente estar sonhando. Mas, quando tornou a abri-los, Jefferson continuava ali, fitando-a com aqueles olhos verdes... Verdes como os de Jenks Colquitt! — Você sabe que Jenks fugiu, depois do assalto. Ele jurou, para minha mãe, que você não estava na mercearia, quando tudo aconteceu. Naturalmente, mamãe acreditou nele. Mas me pediu para intervir no caso. Assim, decidi vir para Palace City a fim de descobrir a verdade. Afinal, como eu poderia deixá-lo ir para a prisão, sem saber se ele era de fato culpado... Ou inocente? — Como você pôde...? — ela indagou, num tom quase inaudível.
— Já disse e repito, Rebecca: só estou interessado na justiça e na verdade. — Foi por isso que me pediu para mudar o testemunho — Rebecca concluiu, horrorizada. — Aproveitou-se de meus sentimentos por você, para convencer-me a alterar o depoimento. Assim, seria fácil inocentar seu irmão. — Não! — ele quase gritou. — Se eu quisesse fazer isso, por que lhe contaria que sou irmão de Jenks? Eu simplesmente lhe pediria para mudar o depoimento e continuaria a manter minha identidade em segredo. Rebecca recuou um passo, como se de repente sentisse medo de Jefferson. 70
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Por favor — ele implorou. — Não me julgue capaz de uma atitude dessas. Tão logo eu a conheci, compreendi que você era uma pessoa íntegra, digna de minha total confiança. Mesmo quando você me confessou suas dúvidas a respeito do caso, compreendi que jamais seria capaz de... — Mentir — ela completou, amargamente. — Era isso o que ia dizer, não? Você veio aqui com o único intuito de me convencer a retirar a queixa contra seu irmão, não foi? — Juro que não! — Valeu-se de minha ingenuidade e do seu poder de sedução, para me manipular. E pode acreditar nisso, Jeff: você quase conseguiu. — Rebecca, pelo amor de Deus, não torne esta situação ainda mais difícil do que já é. Se aconselhei-a a alterar o depoimento, foi unicamente por indicação do advogado que contratei para defender Jenks. — E você contou a ele o segredo que lhe confessei, sob uma forte pressão emocional! — ela gritou. — E ele vai usar esse álibi contra mim, no tribunal! Sabe de uma coisa, Jeff? Você é o homem mais monstruoso e sem escrúpulos que já conheci. — Se eu fosse realmente monstruoso, teria manipulado você para alterar o depoimento — ele se defendeu, indignado. — Ou então deixaria que o advogado de Jenks a questionasse diante da corte, para fazê-la entrar em contradição, o que resultaria num processo contra você mesma. Será que não compreende isso? Será que não pode entender a terrível situação em que me encontro? Estou entre a mulher que amo e meu irmão, Rebecca. Pelo amor de Deus, tenha um pouco de piedade e tente colocar-se no meu lugar. Rebecca apoiou-se na guarda da poltrona; uma sensação de vertigem ameaçava dominá-la. De um momento para o outro, toda a felicidade experimentada nos últimos dias desvanecia-se, como num passe de triste magia. O homem que quase matara seu pai era irmão do homem que ela amava. Amava...? Mas como poderia amar alguém que havia mentido de forma tão inescrupulosa? Por alguns segundos, ela recordou os belos momentos vividos com Jefferson: os beijos, as conversas íntimas, as risadas, os passeios pela praça de Palace City... E sentiu-se traída, terrivelmente traída, em seus mais caros sentimentos. — Pense bem, Rebecca — Jefferson pediu, num tom suave. — Sei que cometi um erro grave, ao mentir para você, ocultando-lhe minha verdadeira identidade. Mas veja... Se não fosse por essa mentira, nós jamais haveríamos tido a chance de nos aproximar um do outro, de nos conhecer melhor. Nós... Nunca teríamos nos apaixonado. — Apaixonar-me? — ela repetiu, num sussurro. — Pelo homem cujo irmão quase tirou a vida de meu pai? Pelo homem que se apossou de meu coração através de uma lamentável mentira, e que só queria me manter iludida até o momento em que eu concordasse em alterar meu testemunho? — Ela riu, com amargura. — Devo admitir, Jeff, que você agiu com uma argúcia espantosa. 71
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Já lhe disse que, se eu realmente quisesse manipulá-la para conseguir a liberdade de meu irmão, jamais agiria deste modo. Por que acha que lhe revelei tudo a meu respeito, Rebecca? Supondo-se que eu fosse realmente este ser monstruoso que você imagina, por que estaria lhe contando quem sou? Mas Rebecca não conseguia ouvi-lo. Estava ferida como pessoa e como mulher. E só tinha vontade de agredir o homem que a magoara tão profundamente. — Fora daqui, Jeff Spooner! — ela ordenou, trêmula de raiva e indignação. — Nunca mais quero vê-lo, em toda a minha vida. — Eu amo você, Rebecca — ele afirmou, com ardor. — Sei que está muito ferida, neste momento, e que não pode raciocinar. Mas por favor reflita sobre tudo o que lhe falei e... — Nunca mais ouse repetir que me ama! — Mas é a pura verdade. — Você é tão desprezível quanto Jenks! Eu o odeio, Jefferson Spooner.
— Não posso acreditar nisso. Não, depois de tudo o que houve entre nós. Rebecca sentia-se quase sufocada. Seu coração pulsava tão rápido, que por um instante ela pensou que fosse desmaiar ali mesmo, diante do homem que a traíra. — Você não me odeia... — Jefferson murmurou. — Você... Não poderia. Rebecca escondeu o rosto entre as mãos. Era verdade: ela não conseguia odiá-lo, realmente, por mais que tentasse. Jefferson ia partir, e levaria consigo uma parte dela... Para sempre. — Rebecca, tente compreender... — Vá embora! — ela tornou a ordenar. — Suma da minha frente, Jeff Spooner. Você só merece o meu desprezo e o meu esquecimento.
Jefferson dirigia pela rodovia 81, experimentando de novo uma sensação que o acompanhava há muito tempo: a de ser sozinho no mundo, sem lugar certo para onde ir. Na verdade, tinha tantos amigos, que qualquer um deles o acolheria, com prazer. Mas isso jamais fora suficiente para aplacar o peso da solidão que constantemente o abatia. Nos últimos tempos, essa solidão havia desaparecido... Para ceder lugar à paixão que Rebecca lhe despertara. Agora, no entanto, ele estava novamente sozinho e sem esperanças. Tinha encontrado a mulher de seus sonhos, numa circunstância terrível. E acabava de perdêla, para sempre. Para onde ir? Ele se perguntou, estacionando em frente à mercearia... Pela última vez. Havia chegado a hora de partir. Ele era, de novo, um cidadão do mundo. Rebecca tinha passado a noite inteira acordada, presa de uma angústia indescritível. Nunca, em toda a sua vida, sentira-se tão deprimida. Apenas o fato de Edward haver recobrado a consciência atenuava, levemente, aquela sensação de amargura. A caminho da mercearia, ela se perguntou se Jefferson ainda estaria lá. Sim, com certeza. Afinal, precisava pagá-lo pelo trabalho das últimas semanas. Depois, seria o momento de dizer-lhe adeus. E nunca mais tornaria a vê-lo. Rebecca estacionou em frente à mercearia. A caminhonete vinho de Jefferson não estava lá. Bem, talvez ele a tivesse levado para os fundos do estabelecimento, ela pensou. Mas não tardou a compreender que Jefferson já havia partido, deixando apenas um bilhete junto da caixa registradora:
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James “Apesar de tudo, saiba que nunca deixarei de amá-la. Se algum dia você puder me perdoar, procure-me. Viverei para sempre ligado a essa esperança. Eternamente seu, Jeff.” Havia um endereço postal e um número de telefone, no final do bilhete. Rebecca guardou-o na bolsa, sabendo que jamais entraria em contato com aquele homem. Seria inútil tentar esquecê-lo, claro. Mas, por outro lado, seria absurdo perdoá-lo. Como poderia ligar-se a alguém que a havia enganado daquela forma? Sem contar que aquele homem era, afinal, irmão de Jenks Colquitt, que quase matara Edward Toby... Os olhos de Rebecca encheram-se de lágrimas. O sonho de ser feliz transformara-se no pior dos pesadelos. E, além do mais, aquela mercearia parecia tão vazia, sem a presença de Jefferson... Uma semana se passou. Agora, faltavam dois dias para o julgamento. Rebecca recebera a visita de Tim Hawthorne, que lhe comunicara que Jenks já havia se entregado às autoridades e que estava detido na delegacia de Ryan. Na véspera do julgamento, ela se sentia tão nervosa, que decidiu não abrir a mercearia. Passou a manhã na fazenda, cuidando de várias tarefas, e à tarde foi para o hospital, ver o pai. Edward, que nos últimos dias parecera particularmente irritado e inquieto, recebeu-a com um sorriso calmo, que chegou a surpreendê-la: — Oh, minha filha, eu mal podia esperar para vê-la... Pensei que você só viesse à noite. — Hoje decidi tirar uma folga do trabalho, papai. — Deixou aquele rapaz cuidando da mercearia? — Edward indagou. — Jeff? — Rebecca retrucou, com um nó na garganta. — Ele não trabalha mais para nós. — É mesmo? Que pena, ele pareceu-me uma pessoa bastante responsável. — Engano seu, papai. E não o condeno. Afinal, eu também caí na lábia de Jeff.
— Como assim, filha? Rebecca percebeu que tinha falado demais e procurou mudar de assunto. Mas Edward insistiu: — Por que mandou-o embora? Ele tentou nos roubar, ou algo assim? — Não — ela respondeu, com voz trêmula. — Ele fez algo muito pior. — O que, minha filha? — Edward a perscrutava com os olhos. — Conte tudo para seu velho pai. — Não quero aborrecê-lo com meus problemas. — Rebecca tentou se esquivar. — Será que não podemos falar sobre outro assunto? — Claro que não — Edward retrucou, num tom decisivo. — A simples menção do nome desse rapaz deixou-a tão abalada, que eu insisto em saber o que houve entre vocês. — Está bem, papai — ela aquiesceu, sabendo que Edward jamais desistiria da conversa. — Eu prometo que lhe conto o que houve, mas antes quero saber como foi o seu dia. — Eu me lembrei de tudo, hoje de manhã, logo que acordei — Edward respondeu, com uma calma surpreendente.
Rebecca fitou-o, perplexa: — Lembrou-se? Você quer dizer que...
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — O assalto — ele a interrompeu, com um suspiro. — Agora sei tudo o que aconteceu. Recordo-me claramente daquela noite infernal. E agradeço a Deus por ter sobrevivido. Esquecendo-se por um momento de seus próprios problemas, Rebecca abraçou o pai, com os olhos rasos de lágrimas: — Oh, papai! Eu nem sei o que dizer. — Diga-me apenas o que está havendo com você, querida. — Acariciando-lhe o rosto, ele a fitava com extrema atenção. — Você tem andado triste, muito triste... Por quê? — Isso não importa, agora. — Mas é claro que sim, filha! Conte-me tudo o que se passou com você, desde aquele maldito assalto. Eu preciso saber, minha querida. Rebecca assentiu com um gesto de cabeça e preparou-se para falar. Tomou a mão do pai entre as suas e narrou-lhe sua vida, nos últimos meses. Não podia deixar de mencionar de Jefferson que fora, sem dúvida, uma pessoa muito importante, naquela fase terrível. E, assim, decidiu ser sincera e não ocultar nada do pai.
Edward ouviu tudo com atenção e, no final, comentou: — Acho que não estou enganado em supor que você ama esse tal Jefferson Spooner, com todo o seu coração. — Amava — ela o corrigiu, com um nó na garganta. — Depois dele ter mentido para mim, só posso desprezá-lo. Além disso, seria absurdo amar um homem que é irmão de alguém que quase tirou a vida de meu pai. — Ele é irmão de Lonnie Pittman? — Edward indagou, espantado. — Não, papai. Pois não acabei de lhe contar que ele é irmão de Jenks Colquitt, que disparou a arma contra você? — Mas Jenks... — E pensar que Jeff fez com que eu me apaixonasse por ele, apenas com o objetivo de me convencer a mudar meu depoimento sobre o assalto! — ela exclamou, indignada, interrompendo o pai. — Seu depoimento? — Edward repetiu, espantado. — Mas você nem estava presente, quando tudo aconteceu! — Ouvi as vozes de Lonnie e Jenks, por detrás da porta — Rebecca explicou. — E quando Jenks disparou a arma, eu... — Mas não foi Jenks quem atirou em mim, filha! — O quê? — Rebecca fitou-o, confusa. — Mas eu ouvi tudo, papai! Ouvi quando você enfrentou Jenks e também quando Lonnie gritou: "Jenks, não!". Sim, tenho certeza disso. Aliás, falei em meu depoimento que... — Quer se acalmar, querida, e me ouvir com atenção? — Edward repreendeu-a, num tom firme, mas carinhoso. Suspirou profundamente e recostou-se melhor nos travesseiros, antes de prosseguir: — É verdade que Lonnie gritou com Jenks... E imagino que você concluiu que Jenks estava atirando em mim. Mas o que aconteceu foi justamente o contrário. — Como assim, papai? — Rebecca indagou, num tom quase inaudível. — O que está tentando me dizer? — Bem, foi Lonnie quem me apontou a arma. E Jenks colocou-se entre nós dois, arriscando-se a levar um tiro. Aliás, creio que devo a ele a minha vida. Caso contrário, o tiro de Lonnie teria sido fatal. Você sabe, os dois estavam muito nervosos e eu também. Quando Jenks se interpôs entre Lonnie e mim, lembro-me que Lonnie gritou: "não!", ordenando-lhe que saísse da frente. Mas Jenks permaneceu onde estava e inclusive tentou me ajudar a tirar a arma das mãos de Lonnie. O resto, você já sabe: Lonnie
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James disparou e acabou me acertando. Mas ele tinha apontado para minha cabeça e confesso que vi a morte de perto... Se Jenks não o houvesse desequilibrado com um safanão, desviando assim o tiro, creio que o pior teria acontecido.
Rebecca sentiu o chão fugir-lhe sob os pés. A revelação que acabava de ouvir era espantosa. — Oh, Deus... — ela disse, baixinho. — O que foi que eu fiz? Os pensamentos acorriam-lhe à mente, numa velocidade espantosa. Suas têmporas latejavam, causando-lhe uma pressão insuportável. De repente, tudo escureceu... E Rebecca perdeu os sentidos.
CAPÍTULO X
Rebecca... Você está bem, querida? Por favor, não fique assim... De onde vinha aquela voz que a chamava de maneira tão doce? Ela se perguntou, sentindo-se flutuar numa nuvem macia. Era como se não percebesse a existência de seu próprio corpo. — Rebecca... Lentamente, ela abriu os olhos e deparou com o rosto ansioso de uma enfermeira, que a fitava com um leve sorriso: — Ei... Está tudo bem. Só então Rebecca percebeu que estava deitada no sofá, próxima à cama de Edward. — Filha — ele chamou-a, sem ocultar a preocupação. — Que susto você nos deu. — Ela apenas se sentiu mal — a enfermeira explicou, procurando tranqüilizá-lo. — O que aconteceu? — Rebecca perguntou, com voz débil. — Você estava muito nervosa, querida, e perdeu os sentidos. — A enfermeira estendeu-lhe um copo de suco de laranja. — Tome isso e se sentirá melhor. Rebecca obedeceu. O líquido gelado desceu-lhe maciamente pela garganta ressecada. — Muito obrigada — ela agradeceu, erguendo-se sobre os cotovelos. Voltando-se para o pai, indagou: — Você está bem? — Estou ótimo, querida. Apenas, preocupado com você.
Ela sentou-se e ajeitou os cabelos castanhos: — Fique tranqüilo, papai. — De repente, o motivo de seu desmaio veio-lhe à memória. E ela recordou-se da surpreendente revelação que Edward lhe tinha feito, há pouco. — Oh, Deus, agora me lembro de tudo. Nós precisamos ter uma longa conversa, papai: — Só depois que você se acalmar, meu bem — a enfermeira interveio. — Por que não vem comigo? Podemos dar uma volta pelo jardim e respirar um pouco de ar fresco. Rebecca fitou-a, com uma expressão de gratidão: — Obrigada, moça, mas já me recuperei. — Tem certeza? — Sim — Rebecca assegurou, sorrindo. — Nesse caso, vou deixá-la a sós com o sr. Toby. Se precisar de algo, é só me 75
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James chamar. — Está bem. — Rebecca tornou a agradecer e a enfermeira saiu, depois de verificar a pressão de Edward Toby, que reagiu com um protesto irritado. — Você viu? — ele comentou com a filha. — As pessoas deste hospital me tratam como se eu estivesse à beira da morte. — Tenha paciência com as enfermeiras, papai — ela recomendou, tomando-lhe a mão. — Elas só querem o melhor para você. — Pois, nesse caso, deveriam me dar alta o mais depressa possível. Não vejo a hora de ir para casa e reassumir a minha vida. — Se soubesse o quanto sentimos sua falta... A pobre Pink quase morreu de tristeza, nos primeiros dias.
Edward
sorriu: — Como está aquela danadinha? — Creio que, se ela pudesse falar, diria que está morrendo de saudades de você. — E eu também.
Edward fez uma série de perguntas sobre a fazenda, os animais, e os negócios na mercearia. Rebecca respondia tudo com extrema boa vontade, contente por ver o pai tão entusiasmado. Mas, no íntimo, não conseguia superar a culpa que a dominava. Esperou pacientemente que Edward parasse de questioná-la e abordou o assunto: — Papai, perdoe-me por falar de algo tão difícil quanto aquele assalto, mas... — ela relutou — o julgamento dos dois rapazes será amanhã. E eu preciso alterar meu testemunho sobre o caso, ou estarei cometendo uma injustiça terrível. Afinal, eu acusei Jenks de ter sido o autor do disparo... Oh, Deus, e fui tão cruel com Jeff! Disselhe tantas coisas pesadas... Será que algum dia terei tempo de reparar esse erro? — Acalme-se, querida. De nada adiantar ficar se angustiando. Vamos raciocinar de um modo objetivo e resolver este assunto. Em primeiro lugar, teremos de retirar a acusação contra Jenks. Depois, arranjaremos um jeito de esclarecer tudo, com Jefferson Spooner.
— Mas como? — Vamos refletir com calma. — Edward ficou pensativo por alguns instantes e por fim perguntou: — Você disse que o julgamento será amanhã, não? — Exatamente. — Mas eles não podem fazer isso... Não sem o meu testemunho! Afinal, eu fui a vítima. — Acho que eles não acreditavam que você pudesse recobrar a consciência. Por isso, levaram o caso adiante. Mas agora, que você já se lembra de tudo... — Ligue para Tim Hawthorne — Edward a interrompeu. — Diga-lhe que hoje mesmo iremos até Ryan e que eu prestarei depoimento. — Duvido que os médicos liberem você para fazer isso, papai — Rebecca contrapôs. — Então, diga a Tim para vir até aqui e tomar meu depoimento. — Farei isso agora mesmo — Rebecca decidiu. — Afinal, não temos tempo a perder.
Cerca de duas horas depois, Tim Hawthorne chegava ao hospital de Ryan, acompanhado pelo delegado. Ambos sentaram-se ao lado da cama de Edward e o ouviram durante mais de uma hora. Fizeram-lhe várias perguntas e por fim deram-se por satisfeitos. — O seu testemunho faz com que tudo mude de figura, sr. Toby — disse o delegado. — Creio que o juiz concordará em adiar o julgamento, para que possa estudar melhor o processo.
— Gostaria que o depoimento de minha filha fosse retirado dos autos do processo — Edward pediu. — Acho que, depois do meu testemunho, ele já não será necessário. — Concordo, mas isso não será tão simples assim — Tim interveio. — Por que não? — Edward retrucou, aborrecido. — Afinal, eu fui a única vítima. E o juiz não terá motivos para considerar o testemunho de minha filha, como prova.
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Acontece que existem algumas contradições, entre a sua descrição do assalto e a de Rebecca — o delegado ponderou.
— Agora, resta-nos saber o que o juiz pensará disso. — Vocês adoram complicar tudo, não é? — Edward replicou. — Por que simplesmente não retiram o depoimento de Rebecca do caso, ao invés de nos criarem ainda mais problemas do que já temos? — Lei é Lei, sr. Toby — o delegado afirmou, com um sorriso compreensivo; — E temos de segui-la. — Mas só estou tentando facilitar os caminhos da justiça — Edward argumentou, irritado. — Sim, eu compreendo. Bem, passaremos todas essas novas informações ao juiz e ele decidirá o que fazer. — Há uma outra saída — Tim opinou. — Fale, Tim — Edward reagiu, esperançoso. — Talvez você seja mais razoável do que o nosso amigo, aqui... — acrescentou, lançando um olhar irônico ao delegado. — Talvez Rebecca possa modificar seu depoimento. Ela apenas retificará algumas informações, entende? Refiro-me, naturalmente, aos pontos de discordância entre o seu testemunho e o dela. — Posso fazer isso agora, se quiserem — ela se dispôs. — Você terá de nos acompanhar à delegacia — o delegado exigiu. — Não podem tomar meu depoimento aqui mesmo? — ela pediu. — Infelizmente, não — O delegado, naturalmente aborrecido com o comportamento de Edward, mantinha-se irredutível. — Está bem — Rebecca concordou. — Irei com os senhores até Ryan. — Voltando-se para o pai, anunciou: — Voltarei para cá ainda hoje, papai. Assim, poderemos conversar um pouco mais. — Vá tratar daquele outro assunto, meu bem — Edward retrucou, com um sorriso. — E não se preocupe comigo. — Que outro assunto? — ela perguntou, um tanto confusa. — Jefferson Spooner. — Foi a resposta simples de Edward. — Parece que você tem muitas coisas importantes a dizer-lhe, não? — Jeff partiu — Rebecca informou-o, com amargura. — E é muito provável que jamais queira me ver novamente. — Mas ele não deixou um endereço, Ou um telefone de contato? — Edward insistiu. — Sim, mas... — Então, tente localizá-lo. Você não ficará em paz, enquanto não esclarecê-lo sobre tudo isso. — Está bem, papai. Tem certeza de que não quer mesmo que eu volte ainda hoje?
Edward segurou-lhe a mão entre as suas: — Tenho apenas certeza de que quero o seu bem, minha querida. Você já sofreu muito, nos últimos tempos. Portanto, chega de dores ou mal-entendidos. Vá cuidar de sua vida e volte amanhã, trazendo-me boas notícias. Rebecca fitou-o, comovida. Inclinou-se e beijou-lhe a testa: — Você é maravilhoso, papai. Já lhe disse isso alguma vez? — Centenas de vezes — Edward respondeu, em tom de gracejo. — Agora trate de
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James desaparecer da minha frente e só volte quando tudo estiver bem, entre você e aquele rapaz. — Obrigada. Muito obrigada, papai... Por você existir. — Ora, pare de dizer tolices. Ou você quer que eu comece a chorar na frente das autoridades? Rebecca riu e, momentos depois, saía com Tim Hawthorne e o delegado, rumo ao estacionamento do hospital. — Pelo que entendi, Jefferson Spooner foi embora — o investigador comentou. — Ele parecia um empregado tão dedicado e confiável. Como pôde deixá-la sozinha, assim, de repente? — Aconteceram algumas coisas... — Rebecca respondeu, esquiva. — E se alguém deve ser condenado pela súbita partida de Jeff, esse alguém sou eu. — Não entendi — Tim retrucou, curioso. — Deixe para lá. — Rebecca encerrou o assunto. — E uma estória muito complicada. Diga-me, e quanto a Jenks Colquitt... Ele está detido na delegacia de Ryan?
— Sim. Apresentou-se há alguns dias, junto com um advogado que, diga-se de passagem, é uma verdadeira raposa. — Ótimo — Rebecca comentou, como se falasse consigo mesma. — Seria terrível se Jenks fosse condenado por um crime que não cometeu. — Errado, garota — o investigador respondeu. — Jenks cometeu um assalto e isso é crime. Mesmo não tendo sido ele quem disparou a arma... — Jenks colocou-se entre papai e Lonnie, tentando evitar que o pior acontecesse — ela reagiu, irritada. — Esqueceu-se disso, sr. Hawthorne? — Claro que não. Este fato servirá de atenuante, durante o julgamento. Mas lembre-se de que assalto também é crime, mocinha. E Jenks será indiciado por isso. — De qualquer forma, trata-se de um delito bem mais leve. E talvez o advogado de Jenks, consiga-lhe uma prisão condicional, ou algo assim. — Não duvido nada. Aquele homem é mesmo uma raposa, garota. Mas, se dependesse de mim, tanto Lonnie quanto Jenks passariam o resto de seus dias na cadeia. — Como pode ser tão cruel? — Rebecca fitou-o, com repulsa. — Quero justiça, meu bem. E não acho que devamos dar qualquer chance aos criminosos. — Quanto a mim, acredito que a justiça deveria se preocupar antes em recuperar rapazes como Lonnie e Jenks... E não apenas castigá-los, como o senhor pretende. Além do mais, não acho que alguns anos de cadeia possam fazer com que eles se regenerem. Talvez os dois precisem de compreensão e não apenas de punição. Entende o que quero dizer? Tim Hawthorne olhou-a com espanto: — Ora, o que há com você, afinal? Até poucos dias atrás, você parecia tão ansiosa em punir os culpados... — Acho que comecei a compreender algumas coisas, Tim. Conheci alguém que luta pela justiça social e por um mundo melhor. E isso deve ter abrandado meu coração. — Sinto muito por interromper essa agradável conversa — o delegado interveio, aborrecido. — Mas se vocês pretendem que o juiz responsável por esse caso concorde em adiar o julgamento, é melhor se apressarem. — Está bem, senhor — Rebecca aquiesceu, dirigindo-se para a sua caminhonete, estacionada ao lado da viatura policial. — Eu os seguirei até Ryan.
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James Eram quase sete da noite quando Rebecca, após alterar seu depoimento, foi dispensada pelo delegado. Já estava de saída, quando tomou uma súbita decisão: — Por favor, será que eu poderia falar com Jenks Colquitt por alguns minutos? — Negativo, srta. Toby — o delegado recusou, um tanto surpreso com o pedido. — Aquele rapaz é intratável e, além do mais, não posso autorizá-la a isso. — Quero apenas pedir-lhe desculpas pela injustiça que cometi, acusando-o injustamente. Por favor, senhor... — Deixe-a falar com o garoto — Tim Hawthorne interveio. — Não posso, Hawthorne — o delegado afirmou, irredutível. — Ela é uma testemunha do processo e... — Talvez nem seja chamada para depor, já que o depoimento de Edward será suficiente para esclarecer tudo. — Mesmo assim, não vou permitir isso. — Está bem — Rebecca compreendeu que não adiantaria insistir. — Será que ao menos o senhor pode transmitir a ele minhas desculpas. — Farei isso, srta. Toby — o delegado prometeu e Rebecca saiu, após se despedir dele e de Tim Hawthorne. Sentia-se mais aliviada, durante o trajeto até Palace City. Ao menos, tinha se livrado da culpa que a acompanhava há meses. Mudara seu depoimento e, agora, já não havia motivos para sentir remorsos. Isso resolvia parte de seus problemas. Agora, só faltava encontrar Jefferson...
Rebecca suspirou, profundamente. Será que conseguiria localizá-lo? E será que ele lhe daria a chance de explicar-se? — Tomara que sim — ela murmurou, aumentando a velocidade da caminhonete. Estacionou em frente à mercearia e, contornando a construção, dirigiu-se ao escritório. Abriu a porta com um gesto trêmulo e correu para o telefone. Remexeu na bolsa e retirou o bilhete que Jefferson lhe deixara. Ali estava o número de telefone, para contato... Ali estava sua única esperança de reparar o mal que havia feito para aquele homem. Rebecca discou o número e aguardou, ansiosa. Mas ninguém atendeu a ligação. Discou novamente, mas não obteve resposta. Derrotada, ela deixou-se cair sobre a cadeira e escondeu o rosto entre as mãos. Tentaria falar com Jefferson no dia seguinte... E em todos os dias que viriam. “Mal podia esperar pelo momento de revê-lo.” Sem mais nada a fazer por ali, Rebecca fechou o escritório o dirigiu-se ao estacionamento, onde deixara sua velha caminhonete azul. Olhou para a rodovia sinuosa e viu um outro utilitário aproximando-se. Seu coração disparou, como se lhe saltasse dentro do peito: seria miragem, ou a caminhonete que agora via era cor de vinho...?
Rebecca piscou os olhos, chamando-se de tola. Estava com tanta vontade de rever Jefferson, que chegara a imaginar que... — Mas é ele mesmo! — ela exclamou, identificando o veículo reluzente, que vinha em média velocidade. — É Jeff!
Num impulso, Rebecca correu para a rodovia e parou bem no meio da pista, acenando para o motorista. Jefferson brecou, fazendo "cantar" os pneus. — Você é maluca, ou quer se suicidar? — praguejou, debruçando-se na janela. Só então viu que se tratava de Rebecca. — Oh; meu Deus! Já não basta meu irmão ter quase matado seu pai e agora eu por pouco não a atropelei. — Desceu do veículo e aproximou-se. — O que pensa que está fazendo? — Estou tentando deter você — ela respondeu, com voz trêmula, e um tímido sorriso. — Desculpe se o assustei, mas não havia outro modo de fazê-lo parar. — Tomando fôlego, acrescentou: — Preciso falar com você, Jeff. 79
Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James — Espere, enquanto estaciono em frente à mercearia. Não quero provocar um acidente. Já temos problemas demais, não acha? — Nossos problemas estão chegando ao fim, Jeff — ela afirmou, agradecendo ao destino por aquela feliz coincidência. Se houvesse demorado alguns segundos para sair do escritório, teria perdido aquela chance preciosa. — Se você me der a chance de lhe explicar tudo... Mas Jefferson já não a ouvia. Manobrando com perícia, estacionou o veículo ao lado da caminhonete azul e desceu. — Estou indo para Ryan, levar algumas roupas para Jenks — ele explicou, num tom sério. — Afinal, o julgamento é amanhã e ele precisa, ao menos, apresentar-se de uma forma decente perante a corte. — O julgamento será adiado — Rebecca anunciou, presa de uma intensa emoção. — Adiado? — Jefferson repetiu, com espanto. — Mas por quê? — Calma — ela recomendou. — Há tantas coisas que preciso lhe dizer, que nem sei por onde começar. Será que não podemos entrar um pouco? Assim, conversaremos melhor. Jefferson fitou-a, com um misto de surpresa e curiosidade: — Pensei que você me odiasse, Rebecca. O que a fez mudar de idéia a meu respeito? — Explicarei tudo durante a conversa. Venha, Jeff. — Não seria melhor eu ir até Ryan e voltar depois? Preciso entregar algumas coisas a Jenks. — Já lhe disse que o julgamento será adiado. O próprio delegado de Ryan está tomando providências, a esse respeito. — Mas eu falei com o advogado de Jenks hoje, pela manhã. E ele não me disse nada... — É que, hoje à tarde, muitas coisas aconteceram. Se me der a chance de explicar... — Eu sempre lhe darei todas as chances, Rebecca — ele respondeu, olhando-a com tamanha intensidade, que ela enrubesceu.
Momentos depois, ambos estavam sentados à mesa, na cozinha da mercearia. Rebecca havia preparado um chá e sorveu um longo gole, antes de começar a falar: — Jeff, em primeiro lugar, eu lhe devo desculpas por tê-lo expulsado de minha casa, naquela noite. — Estive pensando muito, nos últimos dias. E cheguei à conclusão de que você só poderia mesmo ter agido daquela forma. Afinal, estava se sentindo traída, magoada em seus mais profundos sentimentos. — Concordo que você errou, ao mentir para mim. Mas também refleti muito, sobre tudo o que houve. E concluí que, se você realmente tivesse querido me enganar, jamais haveria revelado sua verdadeira identidade. Eu estava apaixonada por você, Jeff, e certamente haveria concordado em alterar meu depoimento, a respeito do assalto. Isso livraria seu irmão de uma condenação mais grave, é claro. E você poderia ter se valido de meus sentimentos, para conseguir o que queria. — Eu jamais faria isso, Rebecca — ele afirmou, com veemência. — Seria contra os
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James meus princípios. — Com um sorriso tímido, acrescentou: — Apenas, eu não imaginava que algum dia você concordasse em me rever. E confesso que não poderia condená-la, por isso. Ela assentiu com um gesto de cabeça e sorveu mais um gole de chá, antes de anunciar: — Papai recobrou a memoria. Ele conseguiu lembrar-se de tudo o que aconteceu, durante o assalto. — Inclinando-se para Jefferson, prosseguiu: — Não foi Jenks quem atirou no meu pai, e sim Lonnie. Na verdade, Jenks tentou impedir Lonnie e, se não conseguiu, ao menos desviou o tiro, impedindo que papai fosse atingido na cabeça, como Lonnie pretendia fazer. — O quê? — Jefferson indagou, perplexo.
Pausadamente, Rebecca repetiu o que Edward havia lhe contado. No final, acrescentou: — Ele já deu um depoimento ao delegado. Por isso, o julgamento será transferido para uma outra data, Quanto a mim, alterei meu testemunho, hoje à tarde. Claro que Jenks ainda será processado, mas o próprio delegado acha que ele talvez consiga uma prisão condicional, ou algo assim.
— Graças a Deus — Jefferson murmurou, emocionado. — Eu sempre soube que Jenks era um cabeça-dura, mas nunca o imaginei capaz de atentar contra a vida de outra pessoa. — Erguendo-se, acrescentou: — Preciso falar com mamãe sobre isso. Ela está completamente transtornada. Tenho cuidado dela, nos últimos dias. Minha vontade era ir para um lugar tranqüilo, longe de tantos problemas. Mas confesso que, quando fui visitar mamãe e vi o estado em que se encontrava, não tive coragem de deixá-la sozinha. — — —
Ligue para ela agora mesmo, Jeff. Use o telefone do escritório. — Rebecca sugeriu. — Não a deixe sofrer ainda mais. Obrigado. Voltarei num instante. Será que Jenks já sabe a respeito do depoimento de seu pai?
A esta altura, creio que sim. Eu pedi ao delegado para falar com Jenks, mas ele não permitiu. De qualquer forma, prometeu-me que lhe transmitiria minhas desculpas.
— Ainda bem que você não falou com Jenks. Ele certamente á destrataria. E agora, se você me der permissão, ligarei também para Vincent, o advogado que está cuidando do caso. Preciso lhe contar essa agradável novidade. —
Claro, Jeff. Fique à vontade. Ele saiu e Rebecca aguardou por vários minutos. Quando Jefferson retornou à cozinha, parecia bem mais calmo:
— Mamãe ficou aliviada com a notícia. Quanto a Vincent, o delegado já havia entrado em contato com ele. — Ótimo — Rebecca aquiesceu. Num tom suave, decidiu introduzir o outro assunto que tinha a tratar com Jefferson: — Creio que agora poderemos falar de nós... Ele olhou-a com indisfarçável expectativa, mas não disse nada. Ela continuou:
— Certa vez você me falou que algum dia poderíamos encarar, seriamente, o nosso relacionamento. Estou certa em supor que você pretendia esperar que o caso de Jenks se resolvesse, antes de... — Exato — ele a interrompeu, fitando-a com aqueles olhos verdes e profundos, que Rebecca julgara perdidos para sempre. — E também esperava pela oportunidade de contar-lhe quem eu era, de fato. Assim, com tudo às claras, você teria a opção de me aceitar... Ou não. — Pois bem, Jeff. — Rebecca tinha as faces afogueadas pela emoção. — Já que tudo foi esclarecido, acho que podemos pensar um pouco em nós. Os olhos de Jefferson iluminaram-se: — Você está dizendo que...
— Que te amo, Jeff — ela completou, num sussurro. — E que desejo dar seguimento à nossa relação... Se você ainda quiser. Ele ergueu-se e abraçou-a com força. Por um longo momento, nenhum dos dois foi capaz de falar. Era como se receassem que as palavras pudessem turvar a magia que voltava a se instalar entre ambos. — Não há nada que eu mais deseje no mundo, querida — ele disse, por fim, estreitando-a contra o peito. — Você é a mulher com quem sempre sonhei. Acho que a esperei por toda a minha vida... — E você é o homem que se apossou de meu coração, Jeff... Quando me descobri apaixonada, compreendi que, a despeito de todos os mal-entendidos que aconteceram entre nós, eu jamais poderia esquecê-lo.
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James Um longo beijo selou aquelas palavras e a felicidade voltou a brilhar no coração de ambos. Tomando o rosto de Rebecca entre as mãos, Jefferson perguntou, emocionado:
— Que tal se tornar a sra. Spooner? Acha que esse nome lhe cai bem? — Não desejo nenhum outro nome no mundo, Jeff. — Então, podemos nos casar amanhã. Ela riu, deliciada: — Creio que os preparativos levarão um tempo maior, querido. — Ah, sim, os preparativos... — ele repetiu, com um sorriso radiante. — E, falando nisso, aonde iremos morar? — Irei para onde você for, Jeff. — Foi a doce resposta de Rebecca. — Claro que terei de dar alguma assistência a papai e... — Ela interrompeu-se e então concluiu: — O que acha de morar numa fazenda, em pleno contato com a natureza e ainda por cima tendo uma mascote chamada Pink? — Concordo, desde que você aceite passar também algum tempo em Tulsa, num apartamento confortável, com vista para um belo bosque... — Combinado. Afinal, não somos árvores, para nos manter enraizados apenas em um lugar. — E o mundo é grande, querida. Meu trabalho me obriga a viajar constantemente, para congressos e reuniões. — Acontece que eu adoro viajar... — E eu adoro você, Rebecca Toby. — Jefferson tornou a abraçá-la, pressionando o corpo contra o dela, fazendo-a perceber toda a intensidade de seu desejo. — Jeff... — ela disse, baixinho. — Nós... Não precisamos esperar pelo casamento, para... — Claro que não — ele completou, erguendo-a nos braços. — A chave está na minha bolsa, Jeff — Rebecca sussurrou.
Em poucos minutos, Jefferson entrava no apartamento que havia ocupado, durante o tempo em que trabalhara com Rebecca. Ele ainda a segurava no colo e beijou-a delicadamente, antes de depositá-la na cama. O apartamento, tão simples e quase sem conforto, transformou-se num verdadeiro ninho de amor. Lá fora, a lua destacava-se no céu, espalhando sua luminosidade tênue, que parecia evocar a magia da paixão. Rebecca e Jefferson perdiam-se na contemplação um do outro e prestavam, ao amor, a mais perfeita homenagem... Uma homenagem que se traduzia em carícias e promessas sussurradas entre beijos, que se tornavam cada vez mais intensos e ousados. Rebecca suspirou de prazer quando Jefferson a possuiu, fazendo-a sua para sempre. Agora sim, ela podia sentir-se mulher, amiga e companheira do homem que seu coração elegera. Agora, a vida parecia cheia das mais belas promessas de felicidade. — Gostaria que todas as pessoas deste planeta pudessem se sentir assim... Totalmente em paz — ela disse, baixinho, depois de ter experimentado a mais plena das sensações. — Pode apostar que o mundo seria bem melhor, querida — Jefferson respondeu, abraçando-a e aconchegando-se a ela. Ambos mergulharam num sono profundo e sem imagens. Lá fora um pássaro noturno cantou. Mas nem Rebecca, nem Jefferson, podiam ouvi-lo. Tinham sido tocados pela magia de Cupido e agora, exaustos e felizes, entregavam-se ao sono reparador. O amor se cumpria, mais uma vez.
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Júlia 846 – Um amor melhor – Arlene James
fim
ARLENE nasceu e cresceu em Oklahoma e sempre viveu na região sul dos Estados Unidos. Em 1976, ela se casou com "o mais romântico homem do mundo" e adora viajar na companhia do marido. Mas escrever romances ainda é e sempre será seu passatempo favorito.
JAMES
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