Painel 15

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torre de moncorvo

1974

MONCORVO, ZONA QUENTE NA TERRA FRIA - (Conclusão) Te x t o d e F. A S S I S PA C H E C O

Fotos de LEONEL BRITO

A VILA DE MONCORVO PASSADAA PENTE FINO M4 - Precisamente o que isto originou foi um maior nivelamento, uma perda de respeito pelos «doutores». Os miúdos estão-se borrifando para os «doutores». Mesmo a camada dos M3 «doutores» não tem já a importância que teve. São uns três ou quatro indivíduos… M1 - São mais. M3 - Talvez alguns mais. Isolaramse num cubicolozito, onde estão à volta de uma mesa a jogar o «king» e a beber umas garrafas de vinho verde. O Café Moreira, que era muito diferente do que é agora, serve sobretudo indivíduos estranhos, serve passantes. É um restaurante de classe média. Temos o Restaurante Martinho, onde esses «doutores» não entram. O Martinho, não sei, mas julgo que vive à base de algum caixeiro-viajante e principalmente à base da Conduril, dos empregados da sub-estação do Pocinho, que são muitos aqui e andam em obras. E temos o Café Basílio, que é um café da classe média, onde se vai beber e jogar dominó. Ao Basílio, às instalações abertas ao público em geral, vai a população arreigada na vila. Por outras palavras: os «doutores» ficaram «desinstalados» … vivem agora num cubículo sete ou oito tipos, mas já sem… COMÉRCIO E LAVOURA R. - Posso estar a fazer confusão, mas Moncorvo, segundo ouvi dizer, era (vocês dirão se hoje ainda é) uma Vila bastante compartimentada em classes.

M3 - Da minha geração, por exemplo, estamos dois. Da geração deste só está ele (aponta), não está mais ninguém. E das gerações intermediárias quem? Não está ninguém. M1 - Se se quiser, Moncorvo presta um serviço escolar e mais nada. É um sitio... M1 - Os indivíduos que estão hoje a ocupar postos-chaves em Moncorvo, e a ocupá-los até no comércio, são indivíduos estranhos que chegaram aqui. Os que aqui estudaram foram entretanto fugindo. O principal comércio não é daqui. M4 - Veio gente da Beira Alta, outros do distrito… M3 - A história é mais ou menos a seguinte: coincide quase com a implantação do Estado Novo a chegada aqui de uns quantos tipos que tiraram cursos em Coimbra - foram as grandes fornadas de «doutores»... R - Antes disso como era? M4 - Antes disso havia a preponderância do grande proprietário. M2 - O grande proprietário da Vilariça. Isto era uma terra M4 essencialmente de proprietários. Numa região de minifúndios, onde a propriedade normal não tem sequer meio hectare, ou sejam cinco mil metros quadrados, encontram-se grandes propriedades, ao ponto de haver lavradores com doze quilómetros de estradas a servir as suas propriedades. Portanto esses «doutores», filhos de Grandes proprietários, regressaram à vila, e regressaram porque os pais lhes haviam criado condições para eles cá se fixarem. Foi um grupo de indivíduos

muitas aldeias e está relativamente isolado, está a cem quilómetros da cidade mais próxima. Noventa e tal, e cento e tal… de Bragança, da Guarda, de Viseu. Neste isolamento é que eles se implantaram aqui. Ora aqui havia então uma casta de comerciantes, comerciantes esses que eram os comerciantes da vila, porque os bairros suburbanos, as aldeias suburbanas - o Prado, a Corredoura, o Carrascal, o Montesinho - não tinham comércio. A Corredoura, que era uma terra, uma enorme aldeia de trabalhadores rurais, não tinha uma única casa comercial! R - Hoje tem o quê? M4 - Não tem nada. M3 - Tem uma espécie de café. M2 - Teve dois comércios, agora tem um, juntamente com o tasco. M3 - No Carrascal tinha o Louceiro, que ganhou umas croas e passou para a vila. A BARREIRA M4 - Voltando a essa casta de comerciantes da vila: ela controlava de facto todo o comércio da vila, comércio que estava localizado no centro da vila. Estes comerciantes, além de comerciantes de porta aberta, eram os armazenistas para as aldeias: as aldeias forneciam-se daqui. É engraçado que isto acompanha a evolução do País (as coisas não sucedem por acaso…) - o País vai evoluindo, começa a dar os primeiros passos na industrialização, Descobre-se que isto é uma zona rica, tem minas de ferro que a gente, nos livros de Geografia, aprendeu que davam ferro para toda a Europa, minas

À saída da missa (l.b.) Pareceu-me útil, a finalizar esta semana de reportagem no concelho de Moncorvo, ouvir em mesa-redonda algumas pessoas da vila, tanto quanto possível de extracção popular. Assim se concretizou o texto seguinte, onde as intervenções dos quatro moncorvenses participantes são assinaladas pelas siglas «M1», «M2», «M3» e «M4». Logicamente o «R» refere-se ao enviado da «República». R - Vamos começar por uma pergunta simples: da vossa juventude para agora, Moncorvo modificou-se em quê? M1 - Bem, isto aumentou sobretudo em malta estudante. No meu tempo, no colégio, quem é que estudava? Estudavam para aí uns trinta indivíduos. Os indivíduos da classe pobre, esses iam normalmente para o seminário e depois, quando tiravam o terceiro ou o quarto ou o quinto ano, iam para onde, iam para as Finanças ou metiam-se num escritório ou iam para a Câmara. Ora, hoje há mais de setecentos estudantes no Ciclo e no Ensino Secundário. R - No vosso tempo como era o panorama do ensino primário? M2 - Na primária devia haver mais malta do que agora, quer dizer, porque agora já começam a não fazer cá a Primária. Fazem nas aldeias ou então os filhos dos emigrantes em França, todos os que têm pelo menos cinco anos de França, já fazem lá a Primária, começam lá a estudar. Aqui o Ciclo dizem-me que está agora estacionário e a Primária a diminuir. Aqui o que aumentou foi o número destes indivíduos de doze e treze anos para cima,

que não apanharam os princípios da emigração e fizeram cá a Primária. R - A vila estava preparada para este aumento da população escolar ao nível do Ciclo e do Ensino Secundário? M1 - Não estava de forma alguma, não tem instalações. Muitos estudantes vivem no Prado, onde praticamente não pode passar um automóvel, onde as pessoas não têm um mínimo de condições de higiene. Andam agora a meter lá esgotos. Muita da população escolar vive no Prado. A Corredoura, onde há também muitos estudantes, também não tem um mínimo de condições: poucas serão as casas com casa de banho. M3 - A Corredoura é uma aldeia encostada à vila… M1 - Sim, é uma vulgar aldeia. Depois há o Carrascal, que aumentou agora com a emigração. No Carrascal não deve haver casas habitadas sem terem ao menos um estudante. Quanto a casas de banho, o Carrascal é a mesma coisa. M3 - Há algumas casas de banho na Corredoura, mas já foram metidas por emigrantes. M2 - Sim, há algumas casas com casa de banho. Mas poucas, poucas. R - A vila estava, ao menos, preparada psicologicamente para este fenómeno? M2 - Não, não! M3 - Ah, não! M1- Diz-se, não sei se com fundamento bastante, que esteve para vir para cá o liceu. Foi aqui há anos. O liceu acabou por ir para Mirandela, e não terá vindo para cá, diz-se, porque iria estragar o ambiente aos «doutores»...

A feira ainda na Praça Francisco Meireles (l.b.)

Á espera do autocarro para terras de França (l.b.) M3 - Era. Era uma vila, para c o m e ç a r, e s s e n c i a l m e n t e d e comerciantes. Mas tinha também os seus «doutores», tinha as suas casas agrícolas a trabalharem para eles, e depois era uma vila de comércio. Moncorvo está cheio - mas cheio - de comércio! O comerciante punha os filhos a estudar, para chegarem talvez a um sexto ou sétimo ano, metia-os num emprego público… e lá seguiam a vida. R - A médio prazo o que se poderá prever para Moncorvo? M2 - Esta malta estudante não é malta para cá ficar. Nenhum.

filhos de latifundiários locais que tiraram cursos superiores e passaram a tomar conta da vila. Asseguraram então os principais cargos, quer públicos, quer semi-oficiais (futebol, bandas, asilos)… Estes indivíduos eram então sensivelmente todos da mesma idade. Por exemplo, há quarenta anos era raro haver vilas destas com licenciados em Farmácia, e aqui havia logo dois… Mas essa gente não veio para Moncorvo por acaso: isto era terra deles, e era uma Região de grandes propriedades propriedades deles … Por outro lado Moncorvo é um concelho enorme, tem

que nunca funcionaram a sério… Então descobrem-se as minas, descobrem-se as barragens, descobre-se portanto um potencial típico para uma estrutura industrial: há ferro, e há um rio, que é o rio Douro, um rio fronteiro, com - salvo erro - nove ou dez barragens de ambos os lados.

Ao lume num dia de inverno (l.b.)

(Continua)


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