Painel 7

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Torre torre de moncorvo

1974

MONCORVO, ZONA QUENTE NA TERRA FRIA - 2

A EMIGRAÇÃO LEVOU FA M Í L I A S I N T E I R A S Texto de F. ASSIS PACHECO A emigração, acentuada nesta zona a partir de 1963-1964, levou para França e para a Alemanha Federal famílias inteiras, cujo vínculo com a terra de origem é uma incógnita projectada no futuro. Concretamente há muitos emigrantes que deixaram no concelho de Moncorvo os familiares ascendentes e que por ali têm os filhos, principalmente quando em idade escolar, quer aboletados na vila (Ciclo Preparatório, Ensino Secundário), quer nas aldeias natais (Ensino Primário); e sucede até que em terras como a Açoreira, diversamente da regra quase geral, têm emigrado só os chefes de família. O problema mais agudo do hipotético regresso é o dos agregados familiares completamente radicados no novo local de trabalho do pai (e da mãe). De facto essas famílias têm comprado regularmente os seus «prédios», com um ou outro episódio pitoresco à mistura, na expectativa de um dia voltarem e serem «alguém». Mas há cada vez mais gente que refaz de todo a vida na França e na Alemanha: aí adquire o seu «étage»; aí aplica francos ou marcos em títulos vários de investimento; aí educa já os filhos, cujo regresso é ainda mais hipotético que o dos pais.

No primeiro dia completo que passei em Moncorvo, saí da vila e fui às aldeias próximas na fragada da Cardanha. Em ocasiões seguintes a n d e i p e l o F e l g a r, Maçores, Urros, Peredo dos Castelhanos e lugares mais pequenos; não prolonguei o inventário pela razão simples de que os problemas se repetiam de uma para outra terra e,

não quer dizer que os transportes rodoviários houvessem resolvido tudo. Utiliza-se com frequência o automóvel de praça, em especial de e para a vila. No Natal e no Verão, o emigrante recém-chegado para passar férias já por vezes traz o seu carro («olha o avec!» disseram-me que se diz na vila, pelo menos em

Fotos de LEONEL BRITO

talvez mesmo mais de uma centena, nas camionetas de carreira ou no comboio. Na sua maioria são filhos de emigrantes. Mas a maioria dos filhos de emigrantes, por opção dos pais ou porque não têm nas suas aldeias parentes que lhe sirvam de apoio, vive realmente em Moncorvo, não raro e m c o n d i ç õ e s deprimentes de instalação e convívio. Nota-se, sim, um esforço muito claro, por parte dos emigrantes, de darem e s t u d o s a o s descendentes; será também em função deles, tanto quanto do seu próprio possível regresso, que compram as «cortinhas», depois os terrenos maiores e eventualmente um sítio para construção (até na vila). O DINHEIRO QUE VEM

O autocarro de Paris na «praça» de Moncorvo não sendo esta reportagem uma busca turística do «Portugal Desconhecido», havia que sistematizar informações e recortálas com a visão mais experiente dos moncorvenses que contactei. Das aldeias mais importantes do concelho só a Açoreira não tem estrada (actualmente em construção), o que

surdina), e assim se passeia, areja os parentes, acelera e trava nas festas dos oragos. A quadrícula de transportes, como se vê, não é famosa, como famosa não é a cobertura sanitária. Das aldeias vêm todos os dias para Moncorvo, direitos às instalações do Ciclo Preparatório ou à Escola (Secundária), dezenas de estudantes,

De França e da Alemanha Federal, um tanto de Espanha e, em casos de emigração antiga, também do Brasil, vem dinheiro para o concelho de Moncorvo. Sem confirmação, um dado a meditar: a agência do Banco Nacional Ultramarino em Moncorvo seria, no Norte do País, uma das que mais depósitos têm a prazo.Um emigrante é capaz de gastar 400 contos numa casa, sendo 100 para a instalação eléctrica e canalização. Simplesmente, em várias aldeias não há água canalizada e acontece mesmo não ter chegado ainda luz… Assim, fica o equipamento à espera da alimentação. Por exemplo: Peredo dos Castelhanos, sem água canalizada, teria neste momento qualquer coisa como dez ou doze casas de banho! É verdade que o emigrante, mais conto, menos conto, pode dar largas ao seu engenho e trazer água para casa, de poços ou nascentes próximos, mas também é verdade que dezenas de casas de banho, instaladas em aldeias de Moncorvo com dinheiro da emigração, não

funcionam de todo existem para aldeão ver. Para ver e abrir a boca de espanto: um emigrante encomendou para a sua casa de aldeia um sistema de aquecimento central caríssimo, que tinha de ser igual ao do patrão em França. Foi essa a indicação que deu ao fornecedor: «Ou igual ao do meu patrão, ou nada!» Tudo isto, incluindo uma gama extensa de electrodomésticos, é normalmente pago a pronto.O emigrante detesta, como regra, ficar a dever ou puxar sequer do livro de cheques: «paga em notas», segundo me disse um entendido.Daí ter prosperado na vila o comércio deste ramo. Tanto que um empreiteiro de instalações eléctricas (e canalizações) é de opinião que o pessoal que traz a trabalhar consigo não chega para os pedidos - «se fosse o dobro dos homens, tinha trabalhado para todos» LARINHO «CAMPEû DA EMIGRAÇÃO O emigrante compra promissórias, deposita a prazo, tenta-se pelos títulos de férias, torna-se proprietário de um «prédio», constrói casa, equipa-a… Uma emigrante, perguntada se não quereria entrar no circuito dos títulos de férias, disse que sim, mas ficou muito aquém da ideia do agente.Este insistiu com ela: onde estava o dinheiro, onde o aplicara? A emigrante respondeu que algum estava num banco, a prazo, mas o forte garantira-o ela em promissórias. Outra mulher, viúva a fazer trabalhos de limpeza em França, aconselhou-se com alguém da vila sobre o melhor modo de aplicar 1.070 contos de economias. A g e n t e s d e investimentos oferecendo 10 por cento de rendimento ao ano, ouviram da boca de emigrantes este suspiro inesperado: «Isso é muita avintage!» (Vantagem).

Fragata dos Estevais: com alguma paciência o gado descobre onde pastar É, que o emigrante, até aí, conhecia o rendimento anual de 8 por cento e, como me soprou um moncorvense bem humorado, só não sabia «onde estava a malandrice» dos 10 por cento, que malandrice tinha com certeza que haver… A primeira compra que u m e m i g r a n t e normalmente faz é da «cortinha», o mínimo pedaço de terra para um dia prover à subsistência parcial do regresso (se regressar, se não revender entretanto). A seguir à «cortinha» pensa nos outros investimentos, para onde escoa os excedentes. Um homem de Felgueiras achou que os excedentes davam para uma

Para o comércio da vila é o novo volfrâmio (Moncorvo foi terra de volfrâmio no tempo dele; quem andava ao volfrâmio era o «pobre rico»). Já se não usa a caneta com tampa de ouro, ou o tampo de ouro a tapar um lápis, mas há a nota de banco bem contada. Nota adicional: em 1965 praticamente não existiam máquinas de lavar na vila, hoje elas passam de centena e meia; um representante de esquentadores a gás costuma encomendar aos cem de cada vez, para transaccionar na vila e nas aldeias do con c elho . Concelho que tem um triste «record» a assinalar a sangria rural: a aldeia «campeã» da emigração, actualmente um alfobre de clientes para todo o tipo de comércio, chamase Larinho. Não fui lá, boa máquina de lavar. «Qual é a mais cara que mas fui a outras de tem?» - perguntou a um dimensão paralela. E, para contrastar, estive na fornecedor. «Tenho uma para 15 fragada da Cardanha. contos e tal» - informou-o este. O emigrante não quis saber mais: «Bote-me essa em casa!»

ANTES DE MONCORVO HOUVE SANTA CRUZ DA VILARIÇA Torre de Moncorvo, a meia encosta da serra de Roboredo, foi antecedida em importância histórica pela chamada «Vila Velha», ou Santa Cruz da Vilariça, de que restam a muralha de protecção e ruínas várias no interior. A «Vila Velha» pertence hoje, com História e tudo, ao proprietário de uma quinta. Dentro das muralhas do monumento o que havia de haver? Oliveiras, bem entendido. Do «Guia de Portugal», II vol., de «Trás-os-Montes e Alto Douro», respigo da nota de Sant'Ana Dionísio: «O povoamento dos flancos da Vilariça parece ter sido muito remoto, pois encontram-se vestígios de construções romanas junto aos rochedos sobranceiros à Quinta da Tarrincha e no material utilizado para a construção de uma capela da povoação de Santa Cruz da Vilariça, a Derruída, ou ainda Vila Velha; ali apareceu uma inscrição funerária dedicada a Lelia Roborecia. Em Vila-Maior foram encontradas sepulturas romanas cavadas na rocha, fragmentos de tijolos e, de longe em longe, uma moeda romana. A inscrição funerária conduz insensivelmente, à

“Vila Velha” ou Santa Cruz da Vilariça

designação de Roboretum, dada pelos romanos à serra de Roboredo, e à possibilidade de os considerarmos os fundadores da vila de Moncorvo; pelo Roboredo passava uma via militar que conduzia de «Augusta Emerita» (Mérida) «a Asturica Augusta» ( A s t o rg a ) , « v i a presumivelmente utilizada na exploração de ferro do Roboredo. (…Quando no fim da 1º dinastia, por falecimento de D. Fernando, em 1383 e por questões de sucessão, se travaram lutas com Espanha, derimidas em Aljubarrota, tornou-se já falado este vale; assim o mostra Fernão Lopes na sua Chronica de D. João I…» Recentemente, um homem de Moncorvo tem prestado atenção a este acervo deixado ao abandono. É o dr. Horácio Brilhante Simões, veterinário e professor do Ensino Secundário, que já levou para a Escola uma outra inscrição funerária e moedas romanas. Também a ele se deve a localização, numas arrecadações camarárias, do velho foral da vila de Moncorvo, exposto agora na Escola, onde igualmente se encontra parte do pelourinho local.


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