Apostila
Apresenta
Apostila
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Busca do
ATOR Pag. 1
06 O homem primitivo e suas descobertas artisticas
14 Grécia, origem do teatro, origem de um mundo como o conhecemos
22 A era medieval e a comédia dell’art
28 Século XX e o teatro hoje
36 Exercícios essenciais
A Busca do Ator
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Editorial
Apostila Um trabalho orgânico, onde o ator coloca a sua humanidade não de maneira desatinada e descontrolada. Uma matemática criadora, embasada por uma técnica que garante qualidade, rigor, precisão e que vai possibilitar ao ator locomover-se, construir - se e se tornar uma presença ativa em cena, ou seja, o ator é ao mesmo tempo material e organizador de seu trabalho. Ele deve ser um compositor a cada dia. Todos os dias ele esculpe e compõe a sua obra: ele mesmo, obra viva do teatro. Todos os dias ele escreve uma poesia com o seu corpo. Por isso, uma obra poética - porque capaz de nos enlevar para além de mundos conhecidos, permitindo - nos entrar em contato com o nosso ser essencial. O teatro é a arte de reavivar memórias, busca atingir o ser do homem, se comunica em um outro plano, diferente da realidade cotidiana, superficial e inútil. Rompe a linguagem para tocar a vida. Transmite verdades que de outro modo permaneceriam ocultas. Traduz o intraduzível. Torna visível o invisível Um ato revelador que exige coragem e generosidade. Eis a trajetória do processo de formação do ator. Uma prática sedimentar, com camadas de razão e emoção, depuradas pela ação do tempo milenar, mostrando como a força de uma arte tão antiga continua atual e múltipla, possibilitando o ato único de alta comunhão e celebração e “nos imbuindo de um ardente e passageiro sabor de outro mundo, no qual nosso universo presente esteja integrado e transformado”, como diz Peter Brook.
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Sumรกrio
A Busca do Ator
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Pรกginas
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O HOMEM PRIMITIVO
Apostila
OS HOMENS DAS CAVERNAS, COMO ENTENDER NOSSA EXISTÊNCIA
EGITO ANTIGO E ORIENTE
A ERA DOS GRANDES FARÁOS, DEUSES HUMANOS
JAPÃO E CHINA A ARTE MILENAR DO TEATRO TRANSFIGURADA EM MÁSCARAS E FANTOCHES
GRÉCIA
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A ORIGEM DO TEATRO COMO O CONHECEMOS HOJE
ROMA
HISTORIA E RELIGIÃO
IDADE MÉDIA SURGE AS TRUPES MAMBEMBES
NOMES TEATRO ALGUNS NOMES DO TEATRO NO MUNDO
SECULO XX
TEATRO NA ATUALIDADE
34 Teatro Improvisacional
Rose Quirinno, Coordenadora pedagógica da oficina fala sobre improvisação.
36 Alguns Exercícios
Algumas técnicas para fazer sozinho ou em grupo.
38 Bibliografia
Informações importantes.
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homem primitivo era uma criatura dada às práticas lúdicas. Desde o início foi um imitador, trazendo dentro de si uma incontida ânsia de “ser outro”. Ele partilhava esse atributo com os animais, mas ultrapassava-os na flexibilidade de seu corpo e voz, na desenvolvida consciência de sua vontade e na capacidade de ordenar seu cérebro. Também brincava com seus irmãos animais, descarregando não só sua vitalidade física, mas preparando-se para ações significativas, como a luta pela sobrevivência, pela vida. Essa luta pela existência forçou o homem primitivo a uma visão declaradamente prática e utilitária: queria comer regularmente, conquistar seus inimigos e pôr-se a salvo de ataques. Assim, logo aprendeu que podia realizar seus desejos, simbolizando-os através dos ritos. E o jogo teatral, a noção de representação, nasce essencialmente vinculada ao ritual mágico e religioso primitivo. O Homem Caçador O homem caçador, antes de iniciar a caça, realizava rituais que o ajudaria na sua missão. Os atuantes meio dançavam, meio representavam (movimentos de corpo, pulos, saltos), cobriam-se com máscaras, peles e folhagens para identificar-se com o espírito animal. Dessa maneira, o homem primitivo começava a aguçar sua consciência da natureza e intensificava seu ajustamento a ela. Representava uma caçada e seu sucesso nela, tentando torná-la realidade.
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O Homem Agricultor
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Quando este homem caçador (bastante nômade) passa a estabelecer-se em comunidades (devido ao desenvolvimento da agricultura), começa a desvendar a relação entre seu suprimento de alimentos e a fértil estação das chuvas ou do máximo calor solar. Seu maior terror era a colheita arruinada e um inverno rigoroso. Toda sua concentração estava
focada no medo do inverno (relacionado com a morte) e na esperança da primavera (relacionada com a vida). Neste momento, começa a incluir efetivamente algo de pensamento científico em seu rito dramático. Uma série de rituais se desenvolve em determinados períodos do ano: a morte era expulsa no solstício de inverno e durante o equinócio vernal, as tribos celebravam o ritual da primavera. “O homem primitivo carregava o medo do sono, se apavorava com os pesadelos e sonhos, era comum dormirem em cavernas e em bandos para se protegerem dos medos e dos animais selvagens”. Monah Delacy
Apostila Evolução dos Ritos Gradualmente os ritos assumem maior complexidade: ritmo de dança, símbolos mais sutis e representações mais dinâmicas. A dança pantomima se torna a mais acabada das primitivas formas de drama. O sacerdote que conduz estes ritos, vai assumindo diversas funções dentro dessa complexidade: torna-se um coreógrafo (enquanto condutor de danças mais elaboradas), um inventor (criando os primeiros “adereços” teatrais, quando por exemplo, emprega pedaços de galho em ziguezague para imitar o trovão e o relâmpago que surgem durante a estação chuvosa), um poeta (em virtude da imaginação que o capacita a animar a natureza ou personificar suas forças como espíritos), um cientista (desde que é um fazedor de milagres,
sobre cuja imagem são criados os espíritos da natureza e seres divinos. Muito antes que o homem primitivo pudesse conceber a idéia abstrata de um poderoso agente sobrenatural, tinha que competir com um ser humano todo-poderoso. Assim, se essa figura foi potente enquanto estava viva, poderia ser igualmente potente após sua morte. Ela poderia voltar como um fantasma cuja ira deveria ser prevenida ou apaziguada com ritos tumulares. As boas razões para essa ira: poderia ter sido assassinado por filhos ciosos de seu autocrático controle das propriedades e mulheres da comunidade; poderia ter sido chacinado pela tribo num ato de rebelião; poderia também ter sido morto, Pag. 7
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um feiticeiro que exorciza doenças antecipando o poder curativo ou purgativo do drama - e um proponente da idéia de que a humanidade pode obter o domínio da natureza), um filósofo social (pois é quem organiza a representação como atividade comunitária e amplia a realidade da comuna primitiva. Sob sua liderança a natureza não está sendo dominada para o indivíduo, mas para a tribo). Outros ritos diretamente relacionados com a organização social primitiva, desenvolveram-se sob sua tutela - a iniciação dos jovens na tribo e as diversas maneiras de adorar os ancestrais que cristalizam o conceito da sociedade primitiva. Com toda probabilidade esse herói, o sacerdote, é o primeiro deus - a personagem
porque a tribo julgou oportuno transferir sua alma mágica e doadora de força para o corpo mais jovem e vigoroso de um novo rei sacerdote; até mesmo sua morte natural poderia encher os descendentes de sentimentos de culpa, por algum desejo inexpresso de vê-lo destruído. Ao lado disso, a potência do morto também poderia ser de natureza benéfica, pois ele foi um guia e zelador de seu povo. Assim, o principal assunto da tragédia, a MORTE, ingressa no teatro. O homem primitivo nega a morte trazendo de volta o falecido sob a forma de espírito, e o rito do ancestral ou adoração do espírito converte-se em uma representação gráfica dessa ressurreição, nascendo assim, os Ritos Tumulares.
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EGITO ANTIGO E ORIENTE A história do Egito e do Antigo Oriente Próximo nos proporciona o registro dos povos que, nos três milênios anteriores a Cristo, lançaram as bases da civilização ocidental.
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No Egito, a retratação do cotidiano era feita em paredes e os desenhos seguiam um padrão estipulado pelos governantes. As artes eram submetidas a cópias e não a criação.
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Egito antigo eram povos atuantes nas regiões que iam desde o rio Nilo aos rios Tigre e Eufrates e ao planalto iraniano, desde o Bósforo até o Golfo Pérsico. Nesta criativa época da humanidade, o Egito instituiu as artes plásticas, a Mesopotâmia, a ciência e Israel, uma religião mundial. A leste e a oeste do mar Vermelho, o rei-deus do Egito era o único e todo-poderoso legislador, a mais alta autoridade e juiz na terra. A ele rendiam-se homenagens em múltiplas formas de música, dança e diálogo dramático. Nas celebrações dos festivais, em glorificação à vida neste mundo ou no além-mundo, era ele figura central, e não se economizava pompa no que concernia à sua pessoa. Esta era a posição dos dinastas do Egito, dos grandes legisladores sumérios, dos imperadores dos acádios, dos reis-deuses de Ur, dos governantes do império hitita e também dos reis da Síria e da Palestina. No Egito e por todo o antigo Oriente Próximo, a religião e mistérios, todo pensamento e ação eram determinados pela realeza, o único princípio ordenador. Alexandre, sabiamente respeitoso, submeteu-se a ela em seu triunfante progresso. Visitou o túmulo de Ciro e lhe prestou homenagem, da mesma forma que o próprio Ciro havia prestado homenagens nas tumbas dos grandes reis da Babilônia. Durante muitos séculos, as fontes das quais emergiu a imagem do antigo Oriente Próximo estiveram limitadas a alguns poucos documentos: o Antigo Testamento, que fala da Sabedoria e da vida luxuosa do Egito, e das narrativas de alguns escritores da Antigüidade, que culpavam uns aos outros por sua “orientação notavelmente pobre”. Mesmo Heródoto, o “pai da História”, que visitou o Egito e a Mesopotâmia no século V a.C., é freqüentemente vago. Seu silêncio sobre os “jardins suspenso de Semíramis” diminui o nosso conhecimento de uma das Sete Maravilhas do mundo, e o fato de o pavilhão do festival do Ano Novo de Nabucodonosor permanecer desconhecido para ele priva os pesquisadores do teatro de valiosas chaves. Nesse meio tempo, arqueólogos escavaram as ruínas de vastos palácios, de edifícios incrustados de mosaicos para o festival do ano novo,
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e até mesmo cidades inteiras. Historiadores da lei e da religião decifraram o engenhoso código das tabuinhas cuneiformes, que também proporcionaram algumas indicações sobre os espetáculos teatrais de antigamente. Sabemos do ritual mágico-mítico do “casamento sagrado” dos mesopotâmios e temos fragmentos descobertos das disputas divinas dos sumérios; somos agora capazes de reconstruir a origem do diálogo da dança egípcia de Hator e a organização da paixão de Osíris em Abidos. Sabemos que o mimo e a farsa, também, tinham seu lugar reservado. Havia o anão do faraó, que lançava seus trocadilhos diante do trono e também representava o deus/gnomo Bes nas cerimônias religiosas. Havia os atores mascarados que divertiam as cortes principes do Oriente Próximo antigo, parodiando os generais inimigos e, mais tarde, na época do crepúsculo dos deuses, zombavam até mesmo dos seres sobrenaturais.
Ao lado dos textos que sobrevivem, as artes plásticas nos fornecem algumas evidências – que deve, entretanto, ser interpretadas com cuidado – a respeito das origens do teatro. As “máscaras” ornamentais do palácio pátrio em Hatra, as máscaras grotescas nas casas dos colonos fenícios e Tharros ou as representações das cabeças dos inimigos derrotados, pendendo de broches dourados e com relevos de pedra – tudo isso dá testemunho de concepções intimamente relacionadas: o poder primitivo da máscara continua a exercer seu efeito mesmo quando ela torna decorativa. Os motivos das máscaras antigas – a despeito de algumas interpretações contraditórias - não impedem, fundamentalmente, especulações a respeito de conexões teatrais, mas mais necessariamente permanecem como suposições no enigmático panorama do terceiro milênio a.C.
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Japão e China
“É a poesia que movimenta sem esforço o céu e a terra, e desperta a compaixão dos deuses e demônios invisíveis, e é a dança que na dança que a poesia assume forma visível”. Essas palavras constam da introdução da primeira coletânea japonesa de poemas, Kokinshu, publicada em 922.
Foto: Teatro Kabuki O Kabuki, é uma forma de teatro japonês, conhecida pela estilização do drama e pela elaborada maquilhagem usada por seus atores.
Foto: Teatro das sombras chinês Teatro das sombras chinês, era feito com fantoches, uma tela branca e uma luz que projetava as sombras na tela.
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teatro japonês pode ser descrito como uma celebração solene, estritamente formalizada, de emoções e sentimentos, indo da invocação pantomímica dos poderes da natureza às mais sutis diferenciações da forma dramática aristocrática. Sua mola propulsora está no poder sugestivo do movimento, do gesto e da palavra falada. Dentro desses meios de expressão, os japoneses desenvolveram uma arte teatral tão original e única que desafia comparações, pois qualquer comparação será invariavelmente relevante para um só de seus muitos aspectos. À primeira vista, a coexistência de muitos gêneros e formas completamente distintos de teatro parece confusa. A arte teatral do Japão moderno não é resultado de uma síntese; resulta de um pluralismo multifacetado, de séculos de desenvolvimento. Sua história não é uma cadeia de estágios evolutivos que se superam; assemelha-se mais a um instrumento ao qual são acrescentadas novas cordas, em intervalos, cada uma paralela às outras. O comprimento de cada corda (para evocar uma alusão à história) determina seu som. Mas entre as cordas há o silêncio, silêncio como contraente dopathos e sua culminação última.
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“Quando todos os componentes da arte são dominados pela contenção, o resultado é muito comovente…” Chikamatsu ao palco. No shingeki do século XX, os jovens intelectuais japoneses finalmente tomaram a palavra. Todas essas formas básicas do teatro japonês – incluindo também o bunraku, teatro de bonecos de Osaka – permanecem vivas até hoje, simultaneamente e lado a lado. Cada qual tem seu público próprio e específico, seu próprio teatro, seu valor atemporal.
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“Considero que o pathos seja inteiramente uma questão de contenção”, escreveu o dramaturgo japonês Chikamatsu por volta de 1720: “quando todos os componentes da arte são dominados pela contenção, o resultado é muito comovente…” Os estilos distintos do teatro japonês constituem ao mesmo tempo um marco miliário. Cada um deles reflete as circunstâncias históricas, sociológicas e artísticas de sua origem. As danças kagura do primeiro milênio testemunham o poder de exorcismo dos ritos mágicos primordiais. Os gigaku e bugaku, peças de máscaras, refletem a influência dos conceitos religiosos budistas, emprestados da China nos séculos VII e VIII. As peças nô dos séculos XIV e XV glorificam o ethos do samurai. As farsas kyogen, apresentadas como interlúdios grotescos e cômicos entre as peças nô, anunciam a crítica social popular. O kabuki do início do século XVII foi encorajado pelo poder crescente dos mercadores. No final do século XIX, o shimpa, sob a influência ocidental, trouxe pela primeira vez temas atuais com uma tendência marcadamente sentimental Continua
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A China da arte e das tradições milenares Foi durante a dinastia da imperatriz Ling que o teatro de sombras com fantoches apareceram como uma forma reconhecida de teatro na China. Havia duas formas distintos de teatro de sombras, Cantonese (do sul) e Pekingese (do norte). Os dois estilos foram diferenciados pelo método de fazer os fantoches e de posicioná-los nas hastes, em oposição do tipo de peça com fantoche. Ambos os estilos geralmente executaram peças que descreviam grandes aventuras e fantasia, raramente eram formas muito estilizadas de teatro usado para propaganda política. Os fantoches de sombra cantonese eram os maiores dos dois. Eram construídos usando um couro grosso que criava sombras mais substanciais. A cor simbólica também era muito predominante; uma face preta representava a honestidade, uma vermelha a bravura. As varas usadas para controlar fantoches cantonese eram perpendicularmente unidas às cabeças dos fantoches. Assim, não eram vistas pelo público quando a sombra era criada. Os fantoches de Pekingese eram mais delicados e menores. Eram feitos de couro fino, translúcido (geralmente feito da barriga de asno). Eram pintados com cores vibrantes, então moldavam uma sombra bem colorida. As finas varas que controlavam seus movimentos eram unidas a um colar de couro na garganta do fantoche. As hastes agiam varas eram visíveis ao projetar a sombra, colocavam fora da sombra do fantoche; assim não interferiram na aparência da figura. As varas eram unidas nas gargantas para facilitar uso de multiplas cabeças em um único corpo. Quando as cabeças não eram usadas, ficavam armazenadas. As cabeças sempre eram removidas à noite. De acordo com a antiga superstição, se deixada no corpo, os fantoches viriam à vida durante à noite. Alguns manipuladores foram tão longe que guardavam as cabeças em um lugar e os corpos em outro, para eduzir ainda mais a possibilidade de dar vida a eles.
Na Dinastia Song, havia muitas peças populares que envolviam acrobacias e música. Estes desenvolvidos na Dinastia Yuan na forma mais sofisticada com uma estrutura de quatro ou cinco atos. O drama moderno tem os Acrobacias Chinesas para agradecer por ele Pag. 13 ser coreografado artesanalmente e negócio deleitável do teatro. O drama de Yuan propagou se através da China e se diversificou em inumeras formas regionais melhor conhecidas do que a Ópera de Pequim, que hoje é ainda popular.
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GRÉCIA Do culto ao teatro
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na Grécia, que o teatro e o drama, assumem a sua feição definitiva. Das suas raízes religiosas, advindas do culto a Dioniso, nasce o TEATRO GREGO.
Esse culto agrário chegou à Grécia através da Trácia e da Frigia e lá se associou à vindima e ao ciclo das estações do ano; ou se implantou em Atenas e na sua região, sobre resquícios de antigo culto da mesma natureza, comum a todo o Mediterrâneo Oriental, assim se explicando os ARQUÉTIPOS que facilitaram a rápida aceitação de Dioniso, deus estrangeiro. Num primeiro estágio a principal solenidade consistia na caça de um animal selvagem, que representava o deus, sacrificado em seguida. Uma cerimônia acompanhada de libações, danças e música, já contendo o germe da representação dramática. Fundamentadas neste culto, instituíram-se as Pequenas e Grandes Dionisíacas, festas em honra ao deus Dioniso, que passaram a ser celebradas cada vez mais freqüentemente: na vindima, no preparo do vinho e para prantear Dioniso, morto todos os anos com o vinhedo. Nestas cerimônias, entoava-se o “ditirambo”, hino de louvor ao deus, que tomou o nome de tragoidia (canto do bode), quando acompanhado do sacrifício de um animal, sendo o bode o animal sagrado de Dioniso. Essa cerimônia era realizada ao redor do altar de sacrificio, a thymêle. O coro e o ditirambo traziam em si elementos essenciais à arte teatral: Dança, canto, mímica. Abril/14
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“A arte como a redenção do que conhece - daquele que vê o caráter terrível e problemático da existência, que quer vê-la, do conhecedor trágico. A arte como a redenção do que age - daquele que não somente vê o caráter terrível e problemático da existência, mas o vive, quer vivê-la, do guerreiro trágico, do herói. A arte como a redenção do que sofre - como via de acesso a estados onde o sofrimento é transfigurado, divinizado, onde o sofrimento é uma forma de grande delicia.” (Nietzsche) Na página 12: Esquema de organização do teatro Grego. Da esquerda para direita: Teatro do Esculápio, em Epidauro, que abrigava 14 mil pessoas. Representação do teatro Grego, escultura grega. Abaixo: Teatro grego, apresentação teatral.
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Até o século VI, o ditirambo que era praticamente o único acompanhamento destas cerimônias, reunia os elementos dispersos da poesia épica primitiva, enquanto a epopéia dos conquistadores gregos, representada pela Ilíada e pela Odisséia (séc. IX), proporcionou ao gênio grego e ao seu teatro o seu grande repertório de mitos e lendas. Desde a mais remota antiguidade, poetas populares, os rapsodos, percorriam a Grécia recitando os cantos épicos e participando dos concursos públicos. Perde a tragédia a relação aparente com as suas origens, uma vez abandonados os temas dionisíacos do ditirambo. Das que sobreviveram até os nossos dias, só uma retomou a mitologia da divindade matriz As Bacantes, de Eurípedes. Ainda assim, o teatro trágico grego conservou por muito tempo traços do seu início. Foi hábito construir no centro do conjunto teatral, no coração da orchéstra, a thyméle simbólica que trazia à memória o altar-berço da tragédia; o coro permaneceu como uma reminiscência do ditirambo, a indumentária dos atores nunca perdeu o seu sentido hierático; e a ocasião do espetáculo trágico foi sempre a
festa religiosa de Dioniso. A introdução dos atores trágicos e cômicos nos concursos dos festivais dionisíacos foi o primeiro sinal de um itinerário ascendente, rumo à especialização que culminou no séc. IV a.C. O processo começou em 449 a.C., quando a escolha do protagonista passou a ser feita pelo Estado e foi nessa mesma ocasião que os concursos para atores foram instituídos. No século seguinte, surgiram as corporações de atores ou colégios dionisíacos, chefiados por protagonistas ou profissionais de outras artes, como os músicos, com função de aperfeiçoamento e também de produção de peças. A sua composição era eclética, abarcando desde atores trágicos e cômicos a poetas e cantores. As mulheres estavam excluídas, como sempre estiveram do palco grego que se pode chamar de oficial. Só nas formas populares do mesmo, é que tiveram lugar. Eram necessárias as suas habilidades pessoais, uma voz apropriada para amplos espaços e para o canto.
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“Eu sou, Dionísio!”
Da esquerda para direita: Representação grega, Pintura renascentista de Dionísio, Deus do teatro e do vinho, Encenação teatro grego, Máscaras teatro grego.
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a tragédia, a veste principal era o quiton (chitón), diferente do cotidiano por ter mangas largas e cores variadas e pela cintura muito alta, disposta logo abaixo do busto. O coturno (kóthornos), sapato de solas grossas e pintadas e o onkos (alto adorno da cabeça acima da máscara) davam ao intérprete dimensões fora do normal. O quiton era complementado com outras peças externas ou mantos sobre esse traje fundamental. Outros elementos podiam ser acrescentados para melhor caracterizar o personagem: figuras de países estrangeiros, que traziam alguns sinais das suas regiões; heróis usavam coroas; as cores assumiam valor simbólico; o traje da comédia tinha o propósito de acentuar o ridículo e se tornou praxe recheá-lo à frente e atrás, recurso que se denominava somátion. Houve modificações conforme o período da comédia. Resquícios do corte o dos ritos fálicos estiveram presentes na comédia antiga, a exemplo das máscaras de animais e do falo artificial, que só a comédia nova faria desaparecer. Tão pesadamente paramentados, os movimentos dos atores trágicos eram necessariamente lentos e seus gestos amplos. A mais forte característica do ator grego, estava na máscara cujas relações com os ritos primitivos, eram evidentes. Nos ritos primitivos a máscara ritual não é um objeto qualquer. Tem um sentido sagrado, é um objeto sagrado. A máscara ritual encerra em si forças. É uma transferência de energias. Nos rituais as máscaras têm uma função, estão ligadas a ações, ações essenciais. Têm também um sentido de mutação, metamorfose. A máscara ritual transcende. Dá vida a um ser divino. É uma simulação de poderes divinos. Concretiza conceitos abstratos. Confere uma qualidade espiritual ao homem. Representa o espírito dos mortos e animais. Ao representar um determinado animal, a máscara transfere qualidades e poderes desse animal. Quando esculpida em madeira, as qualidades sagradas das árvores impregnam a máscara e se transferem depois aos seus portadores. Em muitas comunidades primitivas contemporâneas, entre elas as comunidades indígenas, a máscara está ainda viva. Segundo Jacob Klintowitz, a máscara é para os índiosum fator de equilíbrio e de transcendência, é uma experiência social e espiritual nesta vivência ritualística e mítica. Ela continua sendo para os índios, um elemento de ligação entre o
Apostila homem e o mundo espiritual. Quanto ao seu visual, as máscaras primitivas são abstratas. Elas partem do real (formas geométricas, linhas, triângulos, indicando nariz, olhos, etc), mas expressam o não real, diz Kirby. As máscaras primitivas ao representarem o espírito do homem ou do animal, apresentam um não-homem, um não-animal, mostram um ser mutuante, algo entre homem e animal, são como que uma ligação entre um e outro. Os rituais apresentam fragmentos da vida terrena, mas insinuam uma outra realidade. São manifestações do real e do não-real, ilusão e realidade, partindo de dados reais, apresentam algo além. Os rituais se utilizam de gestos, ações, ritmo, palavras, objetos e máscaras. Nos rituais ocorre um desdobramento imediato de personalidades. Ocorre uma identificação com o que se pretende imitar, seja com uma entidade sobrenatural, seja com forças da natureza ou com animais. É o homem que, saindo de seu quotidiano se transforma, acarretando modificações ao seu redor e transformando o seu ambiente, apresentando outra realidade. Princípios esses básicos do teatro. A máscara, como o teatro, amplia conceitos, amplifica a vida, mostra algo além do que aparenta. “À medida que os rituais decaíram, conforme observou Odette Aslan, “a máscara se dessocializou e deixou de representar o divino, passou a representar apenas conceitos genéricos, mas nunca deixou de trazer em si a sua essência.” Assim, as complexas e fortes histórias da mitologia grega, originaram as grandes tragédias. E a tragédia, tratando de deuses e heróis, assimilou o uso da máscara para representá-los simbolicamente. As máscaras mantidas pelo teatro grego eram um poderoso meio de prender a atenção, criando excitação e expressando a essência do drama. Todos os atores usavam máscaras alongadas e grotescas de linho, cortiça e madeira, que se tornaram maiores com o tempo. Máscaras especiais eram exigidas por personagens mitológicas e alegóricas como Io, de chifres, Argos de muitos olhos, as Fúrias, cujos cabelos eram serpentes, e figuras alegóricas como a Morte, a Forca, a Loucura. As máscaras criavam o clima mítico da tragédia, e grotesco na comédia. O que a máscara da tragédia perseguia em solenidade e gravidade, a da comédia buscou em grotesco e ridículo. Já se percebe na máscara grega o propósito de fixar tipos, destinação que a comédia dell’arte levaria ao extremo, na Itália Continua
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A Busca do Ator do Renascimento. Fator importante no uso da máscara era o ónkos, deformação piramidal da cabeleira sobre a mesma, bem como a dos lábios, concebida para ampliar o alcance vocal.
Segundo Vitrúvio (sec.I a.C.) e Poleux (séc. II a.C.), o edifício teatral da Grécia, em sua forma mais evoluída, constava dos seguintes elementos básicos: 1. Kóilon, arquibancada concêntrica para os espectadores. 2. Orchestra, com a thyméle no centro, sede do coro, onde alguns autores acreditam que es- tiveram também os intérpretes, por todo o período clássico. 3. Parodoi, as duas entradas laterais entre o proskénion e o kóilon. 4. Proskenion, o conjunto do palco sobre colunas e em plataformas, esta chamada logeion. Skene, edifício de pedra, com o que hoje corresponde aos camarins. 5. Cenoteca, pórtico no fundo exterior da skené, para abrigo do público e depósito de mecanismos e materiais cênicos. Teoria do teatro Os gregos produziram considerável acervo de comentários e referências sobre o teatro e a literatura dramática. Nada, porém, superou em importância, a Poética de Aristóteles (Aristóteles, 384-322 a.C.), em seus capítulos dedicados à tragédia e à comédia, o primeiro corpo sistemático de teoria do teatro e do drama.
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Apostila Cenários e efeitos cênicos Desde os tempos clássicos da tragédia já se empregavam cenários pintados, creditando-se ao próprio Sófocles o seu desenvolvimento. Dois cenógrafos ficaram famosos: Apolodro de Atenas e Clístenes da Erétria. Aristóteles menciona Fórmio como sendo o inventor do cenário móvel. O cenário básico era uma fachada de palácio com colunas e portas. No rol dos mecanismos, ocupa lugar de relevo a euquiclema (ekkyklema), plataforma móvel que avançava de uma das portas para o proskénion , a fim de oferecer testemunho de fatos ocorridos no interior, à revelia dos espectadores. Vinham, assim, ao conhecimento do público os resultados de cenas violentas, como assassinatos, que as convenções não permitiam se desenrolassem em cena. Entre os recursos do palco inclui-se, também, a chamada “escada de Caronte” (Charónioi Klímakes), abertura sobre o proskénion por onde surgiam os fantasmas que subiam do mundo ínfero ou personagens desciam ao Hades. Theologueion era o mecanismo que fazia subir ou descer os heróis ou deuses, amplamente empregado e definidor da interferência de divindades na ação cênica. Tinha lugar no telhado provocando efeitos espetaculares, como por exemplo, a partida de Medéia numa carruagem tirada por dragões alados. Ocasionalmente, os cenários chegavam a ser mudados dentro de uma mesma peça com a ajuda de prismas giratórios pintados, conhecidos por periakti, embutidos na construção cênica em ambos os lados do palco. Um engenho semelhante a um guindaste - o mekane - transportava o ator que também personificava um deus para o teto da construção cênica. Esse guindaste possibilitava ao ator atravessar velozmente a área de representação, mantinha-o suspenso no ar e baixava-o na orquestra. Era o “deus da máquina” ou deus ex machina. O efeito cênico era grandemente realçado pela presença do côro, que saía dos bastidores marchando com garbo em formações de fileiras e colunas, ia e vinha conforme as necessidades e misturava-se aos atores de tempos em tempos. Em lugar de uma cortina, cada nova cena era introduzida e seguida por um coro, e se era necessária uma passagem de tempo, considerava-se que decorria enquanto era cantado o stasimon ou ode coral.
O côro cantava ou entoava odes com movimentos apropriados e altamente estilizados. Uma forma majestosa de dança denominada emmelia (harmonia) acompanhava as odes mais solenes, enquanto as odes que expressavam emoções intensas ou alegria faziam-se acompanhar por uma dança movimentada.
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ROM A Busca do Ator
O TEATRO DO GRANDE IMPÉRIO
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s principais características do teatro romano derivam em princípio das do teatro grego, uma vez que a própria arquitetura romana deriva diretamente da arquitetura grega do período helenístico. Os primeiros teatros eram construídos em madeira. Eram derrubados depois que o acontecimento para o qual foi erguido se concluía. Uma lei impedia a construção de teatros permanentes. Foi assim que, em 55 a.C. foi erguido o Teatro de Pompeu com um templo, a fim de burlar a vedação legal. Com o passar do tempo, os teatros romanos desenvolveram características específicas. A maior parte dos que se conservaram seguem um modelo arquitetônico proposto por Marco Vitrúvio, constituído por: -Scenae frons (frente do cenário, do palco), normalmente composto de uma dupla linha de colunas. -Orchestra, semi-círculo diante do proscênio, onde se sentavam as autoridades. -Aditus, corredores laterais para entrada na orchestra. -Cavea, estrutura semi-circular onde, segundo a escala social, sentavam-se os espectadores. Era sub-dividido em: ima cavea, media cavea e summa cavea. -Vomitoria: Entradas abobodadas por onde se acessava à cavea e que facilitavam a saída rápida dos espectadores. -Proscaenium (proscênio), espaço diante do palco onde se desenrolava a ação dramática. -Porticus post scaenam (Pórtico detrás do cenário), espécie de pátio com colunas, detrás do cenário ou palco. Alguns teatros apoiavam a cavea sobre galerias abobadadas, enquanto noutros os arquitetos aproveitavam a inclinação de alguma colina para escavar sobre ela a cavea do teatro. O teatro poderia ser coberto com toldos, a fim de proteger aos espectadores da chuva ou da luz solar. Além dessas instalações básicas, muitos teatros mantinham pequenos templos em sua estrutura. O teatro romano é uma construção típica do Império Romano, generalizada por todas as províncias do império, e que tinha a finalidade de servir para a interpretação de peças teatrais do período clássico. A arte do ator é uma teia de extrema delicadeza e de corajosa ousadia. Um percurso ávido, tecido pela paixão de conhecer o homem, o mundo, o cosmo, como uma necessidade implacável, apetite de vida, rigor cósmico, criação contínua. Uma difícil e prazerosa arte de inscrever, com verdade, no tempo e no espaço da representação, os segredos da alma humana. Uma força criadora que apreende a Abril/14
Da esquerda para direita: Desenho estrutural de um teatro Romano, Teatro Romano conservado e aberto para visitações, ruinas do teatro Plovidiv, Bulgária anteriormente território dominado pelos Romanos.
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Apostila
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interioridade ( as aspirações, os fluxos secretos do desejo) e se inscreve na exterioridade. Uma trajetória, na qual o importante não é o se assentar no que foi acumulado, não é o capitalizar as habilidades técnicas e as teorias, nem passar por provas de genialidade e sim o enfrentar o desafio diário em abraçar as suas precariedades, as suas contradições, os seus limites, tendo como grande desafio, transformá - los em matéria expressiva, em algo ainda não nascido, fazendo-o nascer. Uma arte em vida, dinâmica, em movimento, em ação, germinada por esse desejo invencível do vir-a-ser. Uma representação habitada por marcas de sua própria história, gravadas em sua memória, escrita em sua própria carne.
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Idade Média
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teatro medieval é, como o antigo, de origem religiosa; apenas a religião é outra. Os enredos são tirados da história bíblica. As ocasiões de representação são as festas do ano litúrgico. O palco é a praça central da cidade. Toda a população participa dele. Mas no palco também já se encontram os elementos cenográficos que, mais tarde, constituirão o “teatro de ilusão” moderno. O valor literário das peças é muito desigual: entre cenas de lirismo religioso e humorismo popular (cenas do diabo e dos judeus) encontram-se longos trechos didáticos e declamatórios. No final da idade média e no começo do século XVI aparecem na Península Ibérica dois grandes dramaturgos que, sem sair da técnica teatral medieval, enchem-na de idéias novas, em parte já humanistas e renascentistas. La Celestina, de Fernando Rojas (?-1541), é antes um romance dialogado; obra de influência imensa na Europa de então. As peças de Gil Vicente guardam o caráter de representação para determinadas ocasiões, litúrgicas, palacianas e populares. É marcante do século X ao início do século XV e tem grande influência no século XVI. A princípio são encenados dramas litúrgicos em latim, escritos e representados por membros do clero. Os fiéis participam como figurantes e, mais tarde, como atores e misturam ao latim a língua falada no país. As peças, sobre o ciclo da Páscoa ou da Paixão, são longas, podendo durar vários dias. A partir dos dramas eligiosos, formam-se grupos semiprofissionais e leigos, que se apresentam na rua. Os temas ainda são religiosos, mas o texto tem tom popular e inclui situações tiradas do cotidiano. Na França, os jeux (jogos) contam histórias bíblicas. A proibição dos mistérios pela Igreja, em 1548 já na idade moderna, tenta pôr fim à mistura abusiva do litúrgico e do profano. Essa medida consolida o teatro popular. Os grupos se profissionalizam e dois gêneros se fixam: as comédias bufas, chamadas de soties (tolices), com intenções políticas ou sociais; e a farsa, como a de Mestre Pathelin, que satiriza o cotidiano. Abril/14
Espaço cênico medieval O interior das igrejas é usado inicialmente como teatro. Quando as peças tornam-se mais elaboradas e exigem mais espaço, passam para a praça em frente à igreja. Palcos largos dão credibilidade aos cenários extremamente simples. Uma porta simboliza a cidade; uma pequena elevação, uma montanha; uma boca de dragão, à esquerda, indica o inferno; e uma elevação, à direita, o paraíso. Surgem grupos populares que improvisam o palco em carroças e se deslocam de uma praça a outra.
Apostila
“A poesia medieval procurou enaltecer os valores e as virtudes do cavaleiro: justiça, amor, prudência e cortesia. Na poesia épica exaltava-se a ação corajosa dos cavaleiros em prol da cristandade. Na poesia lírica, exaltava-se o amor cortês dos cavaleiros em relação às suas damas”.
Seus personagens estereotipados e a forma como são ironizados os acontecimentos do dia-a-dia reaparecem no vaudeville, que no século XVII será apresentado nos teatros de feira. Autores medievais - No século XII, Jean Bodel é o autor do ‘’Jogo de Adam’’ e do ‘’Jogo de Saint Nicolas’’. Os miracles (milagres), como o de ‘’Notre-Dame’’ (século XV), de Théophile Rutebeuf, contam a vida dos santos. E, nos mistérios, como o da ‘’Paixão’’ (1450), de Arnoul Gréban, temas religiosos e profanos se misturam. A comédia é profana, entremeada de canções. ‘’O Jogo de Robin et de Marion’’ (1272), de Adam de la Halle, é um dos precursores da ópera cômica. Durante a Idade Média, que vai desde a queda do Império Romano do Ocidente, em 395, até à queda do Império Romano do Oriente, em 1453, o teatro quase desapareceu na Europa. Os únicos vestígios eram espectáculos de rua em que indivíduos faziam palhaçadas, utilizavam mímica e pantominas. Isto até ao seu ressurgimento a partir da liturgia da Igreja. No entanto, quer em Portugal, quer na Espanha, mesmo o teatro litúrgico parece não se ter desenvolvido muito. Pelo menos, não há nenhum documento que prove a existência
a existência deste tipo de teatro, daí que se afirme a inexistência de teatro religioso na Península Ibérica. No entanto, surgiram nessa altura documentos de proibição, que impediam a realização deste tipo de representações. Mas proibia-se o quê, se o teatro litúrgico não existia na Península Ibérica? Aí está um mistério que ninguém conseguiu resolver, portanto cada um que tire as suas conclusões. Mas este facto enfraquece um pouco a certeza de nunca ter existido teatro religioso na Península. Aqui, o teatro ter-se-á limitado a esboços, pequenas farsas chocarreiras. Algumas delas chegaram a ser representadas para senhores laicos. Um exemplo é um documento firmado por D. Sancho I, em 1193, em que fazia doações aos arremedadores Bonanimis e Acompaniado, em troca de um arremedilho que estes lhe compunham. Pouco se sabe sobre estas representações em Portugal, para além de serem imitações de animais e pessoas. Não é sequer certo que tivessem como base um texto escrito. A maior parte da informação de como era o teatro na época medieval provém sobretudo dos países da Europa culturalmente mais desenvolvidos, onde o teatro conseguiu ganhar importância e daí espalhar-se para outros países vizinhos. É de notar que só os homens é que podiam representar teatro, uma mulher na representação seria um escândalo. Em peças onde havia personagens femininas, eram homens vestidos e disfarçados que as representavam. Continua
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Comédia Dell’Art
A commedia dell’arte foi uma forma de teatro popular improvisado, que começou no séc. XV na Itália e se desenvolveu posteriormente na França e que se manteve popular até o séc. XVIII. A “Commedia dell’arte” vem se opor à “Comédia Erudita”, também sendo chamada de “Commedia All’improviso” e “Commedia a Soggetto”. Esta forma ainda sobrevive através de alguns grupos de teatro. Suas apresentações eram feitas pelas ruas e praças públicas. Ao chegarem à cidade pediam permissão para se apresentar, em suas carroças ou em pequenos palcos improvisados. As companhias de commedia dell’arte eram itinerantes e possuíam uma estrutura de esquema familiar. Seguiam apenas um roteiro, que se denominava “canovaccio”, mas possuindo total liberdade de criação;
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os personagens eram fixos, sendo que muitos atores viviam exclusivamente esses papéis até a sua morte. Karel Dujardins mostrou uma cena vista por ele de perto do palco provisório de uma trupe viajante, em contraste com as ruínas idealizadas Romanas: obra datada de 1657 Museu do Louvre As origens exatas desta forma de comédia são desconhecidas. Alguns reconhecem nela a herdeira das Festas Atelanas, assim chamadas porque se realizavam na cidade de Atella, na península itálica meridional, em homenagem a Baco. As Fabulae Atellane, Farsa (Teatro)|farsas populares, burlesco|burlescas e grosseiras, eram uma das modalidades de comédia da antiguidade romana. Tal fato nunca foi historicamente comprovado.
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I Gelosi (Os Ciumentos), dos irmãos Andreni, é a primeira companhia de que se tem conhecimento. Foi fundada em 1545 por oito actores de Pádua]] que se comprometeram a actuar juntos até à quaresma de 1546. Foram os primeiros a conseguir viver exclusivamente da sua arte. Neste âmbito, destaca-se também o nome de Angelo Beolco (1502-1542), considerado um precursor da Commedia dell’arte. Ele foi autor dos primeiros documentos literários onde as personagens eram tipificados. Outra das suas facetas mais conhecidas foi a de actor. Ele representava a personagem de Ruzzante, um camponês guloso, grosseiro, preguiçoso, ingénuo e zombador. Em meados do século XVIII, Carlo Goldoni, um escritor veneziano, revitalizou as fórmulas usadas até à exaustão através da introdução do texto escrito e elementos mais realistas, que tornaram as suas peças conhecidas por todo o mundo.
Desde o seu início, este tipo de comédia fascinou e atraiu o público entre as classes sociais mais elevadas. As melhores companhias Gelosi, Confidenti, Fedeli – conseguiram levar as suas peças da rua para o palácio, fascinando audiências mais nobres. Devido a este apoio, foi-lhes permitido extrapolar as fronteiras do seu país de origem e viajar por toda a Europa, especialmente a partir de 1570. As companhias itinerantes levaram as suas peças à cena em todas as grandes cidades da Europa renascentista, deixando a sua marca em França, Espanha, Inglaterra, entre outros. Mais tarde, dramaturgos como Ben Jonson, Molière, Maviraux e Gozzi vão inspirar-se nas personagens estereotipadas.
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Alguns icones do Teatro no mundo. Antonin Artaud
Considerado um louco visionário do teatro surrealista, apesar de em vida não ter conseguido ver em prática suas teorias, pretensiosas demais para a época e muito contraditórias, influenciou vários teatrólogos que o sucederam. Para ele não existe diferença entre a vida e a arte. Suas obras mostram que o teatro fala de uma linguagem secreta e para decifrar deve-se investigar. Artaud valorizava o gestual e o objeto, pregava a utilização de elementos que concentrassem o espectador, sem que se fizesse necessário diálogos entre os personagens, mas sim música, dança, gritos, sombras, iluminação forte e muita expressão corporal. Muito embora tenha criado o termo Teatro da Crueldade, não foi um artista do teatro, mas um homem cujos caminhos transpassaram diversas artes. Ele formulou o conceito de Teatro da Crueldade como aquele que procura liberar as forças inconscientes da platéia. Segundo Artaud, a interpretação deveria ser algo mais do que a simples reprodução dos textos. No Teatro da Crueldade encontram-se as necessidades de promover uma mudança no espectador e no ator para que ambos terminassem com marcas em suas carnes e conflitos em sua mente.
Augusto Boal
Fundador do Teatro do Oprimido, suas técnicas e práticas se propagaram pelo mundo nas três últimas décadas do século XX, sendo empregadas não só pelos que entendem o teatro como instrumento de emancipação política mas também nas áreas de educação, saúde mental e no sistema prisional.
Brecht
Além de dramaturgo e diretor, Brecht foi responsável por aprofundar o método de interpretação do teatro épico, uma das grandes teorias de interpretação do século xx. Tentou romper abertamente com o método Stanislávsky. No início de sua carreira Brecht estabelece os elementos de uma nova forma de interpretação para o ator. Cada palavra deve encontrar um significado visual e através do gesto o espectador pode compreender as alternativas da cena. Com Brecht surge a teoria do distanciamento – o espectador deve tirar da peça alguma lição permanente e não se identificar sentimentalmente com ela, enquanto o ator deve ser capaz de sair de sua personagem e comentar sua interpretação. Brecht foi autor de frases famosas: “Infeliz do povo que precisa de heróis”..
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Apostila Cacilda Becker
Atriz brasileira, um dos maiores mitos dos palcos nacionais. Em 30 anos de carreira, Cacilda encenou 68 peças, no Rio de Janeiro e em São Paulo; fez dois filmes (“Luz dos Meus Olhos” em 1947 e “Floradas na Serra”, em 1954) e uma telenovela (“Ciúmes”, em 1966), na TV Tupi além de outras participações em teleteatros na televisão, foi Cacilda quem inaugurou o Teatro Municipal de São Carlos com a peça “Esperando Godot” no começo de 1969.
Stanislavsky
Ator e diretor Russo reponsável pela criação do método de interpretação mais utilizado até os dias de hoje. O princípio mais importante do sistema de Stanislavski é que todas as ações no palco têm que ter um propósito. Isto significa que a atenção do artista sempre deve ser enfocada em uma série de ações físicas ligadas sucessivamente pelas circunstâncias da cena. Stanislavski determinou que a maneira de se criar este elo entre as diversas ações é a resposta às três perguntas essenciais: O que?, Por que? e Como?
Jerzy Grotowsky
O polonês que modificou a maneira de pensar a atuação cênica. Segundo ele, os figurinos, os cenários, a musica, o efeitos de luz e até mesmo o texto dramático são acessórios dispensáveis. Mas não o ator.
Shakspeare
Considerado o maior dramaturgo da Língua inglesa e um dos mais influentes no mundo ocidental. Soma obras obras que permaneceram ao longo dos tempos em: 38 peças, 154 sonetos, dois poemas de narrativa longa, e várias outras poesias. Suas obras são mais atualizadas do que as de qualquer outro dramaturgo. Muitos de seus textos e temas, especialmente os do teatro, permaneceram vivos até aos nossos dias, sendo revisitados com freqüência pelo teatro, televisão, cinema e literatura.
Nelson Rodrigues
Dramaturgo, jornalista e escritor brasileiro. Escreveu dezessete peças teatrais. Sua edição completa abrange quatro volumes, divididos segundo critérios do crítico Sábato Magaldi, que agrupou as obras de acordo com suas características, dividindo-as em três grupos: Peças psicológicas, Peças míticas e Tragédias cariocas.
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Jerzy Grotowski
Bertold Brecht Meyerhold
Constantin Stanislavski
Antonin Artaud
SĂŠculo XX A Busca do Ator
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Século XIX... No Século XIX, o teatro evoluiu através de múltiplas e diferenciadas propostas estéticas que, opondo-se entre si, ainda hoje estão em desenvolvimento. O drama realista, por oposição ao romantismo, chega-nos da Europa do norte através de autores como Ibsen, escritor e dramaturgo norueguês, considerado um dos criadores do teatro realista, tal como Tchekov , escritor e dramaturgo russo. Este estilo desvaloriza a imaginação romântica e pretende descrever a realidade ao fazer um retrato fiel das personagens, mostrando, também, os aspectos negativos da natureza humana. Surge, neste contexto, uma nova geração de dramaturgos cujo trabalho e arte se centram no desenvolvimento da acção e dos diálogos para que, em todos aspectos, estes se assemelhem e façam um retrato fiel do comportamento humano nas situações do quotidiano. De destacar Émile Zola, escritor e dramaturgo francês, que deu início ao naturalismo, uma forma radicalizada do realismo, influenciado pelos métodos da análise científica e experimental do ser humano, e pelas ideias evolucionistas de Darwin, que revolucionaram o pensamento filosófico e intelectual até aos dias de hoje… Século XX... Neste século surgiram vários e diferenciados actores /autores com múltiplas propostas alternativas. Uns, procuraram aprofundar os aspectos da realidade encerrados no espírito, ou no inconsciente, outros, utilizaram os símbolos e as abstracções como elementos nucleares e fundamentais na representação e na expressão cénicas. O papel do encenador passou a ser determinante nas opções quanto aos métodos experienciados e desenvolvidos nas suas companhias, tendo legado um corpo teórico e prático que influenciou, de forma determinante, a linguagem cénica e a expressão teatral até aos dias de hoje. Constantin Stanislavski Actor, director de actores, pedagogo e dramaturgo russo, Stanislavski foi considerado um dos expoentes máximos do naturalismo. Desenvolveu o seu método durante os séculos XIX
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e XX com repercussões no teatro em todo o mundo. Fundou o Teatro de Arte de Moscou com o objectivo de desenvolver um projecto teatral que renovasse a representação e a interpretação a partir de um processo inovador, tendo testado métodos e técnicas no trabalho de preparação do actor, juntamente com a sua companhia. Muito desses estudos e experiências foram aprofundados e constituíram-se num corpo teórico e prático designado por Método de Stanislavsky. Neste método o autor enfatizou os aspectos psicológicos e da memória emocional, elementos fundamentais, na sua perspectiva, que ajudavam o actor a construir a personagem e a tornar credível a sua interpretação perante o público. A escola Actors Studio, fundada em 1947, é uma das mais emblemáticas associações de actores, encenadores e dramaturgos que desenvolve e promove, ainda hoje, o método de Stanislavsky na formação técnica e artística dos seus alunos, tendo formado, ao longo de décadas, sucessivas Pag. 29 gerações de actores de grande qualidade no mundo do teatro e do cinema. No século XX, os movimentos culturais como o Futurismo, o Dada/Dadaísmo e o Surrealismo contribuíram de forma determinante para a evolução e o enriquecimento do teatro, ao nível dramatúrgico e expressão cénica. Século XX: O Teatro da Fisicalidade e dos Extintos. Duas linhas estéticas opostas determinaram, a partir da experimentação, a evolução do teatro até aos nossos dias. Uma delas apelou à fisicalidade e aos instintos, a outra à racionalidade e à intervenção social didáctica. Na estética teatral apoiada no conceito da fisicalidade destacam-se: Antonin Artaud (1896 – 1948) Actor, encenador e dramaturgo, Artaud esteve ligado ao movimento surrealista de uma forma muito directa. Este autor propôs uma expressão teatral inovadora contida no chamado “teatro da crueldade”, onde não são estabelecidos limites quanto à distância entre os actores e o público, proposta na qual ambos fazem parte do mesmo processo dramático.
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Nesta forma de representação e interpretação a importância do corpo do actor, a respiração, a voz e a fisicalidade são relevados como veículos fundamentais para a interpretação . Artaud legou-nos os seus postulados e investigação teatral na obra O Teatro e o seu Duplo. Jerzy Grotowski (1933- 1999) Foi um encenador polaco e uma figura destacada no teatro experimental mundial. Este autor propôs, também, uma representação baseada no trabalho físico e psíquico do actor, eliminando da cena todo e qualquer “artifício”, incluindo efeitos de sonoplastia ou de luz. No livro “Em busca de um teatro pobre” estão inscritos os fundamentos do trabalho de Grotowski. O autor pretendia que os actores tivessem um controle completo dos seus corpos e voz na procura de uma linguagem cénica que integrasse e representasse a síntese de todas as artes. Século XX: Teatro de Ideias e Intervenções Social Didáticas. Numa outra linha de experimentação, inscrita numa estética racional , envolvendo um teatro de ideias e de intervenção social didáctica, destacam-se Meyerhold e Bertolt Brecht. Meyerhold (1874- 1940) Foi um actor de renome e um dos mais importantes directores de actores, encenador e teórico do teatro do século XX. Fez parte da companhia do Teatro de Arte de Moscou onde trabalhou com Stanislavsky. Em 1905, dirige o Estúdio de Teatro de Moscou, por convite do próprio Stanislavsky, de quem se afasta, mais tarde, após desentendimentos artísticos. Foi o fundador da Companhia de Artistas Dramáticos Russos, onde desenvolveu várias técnicas de representação e interpretação, tendo ficado o seu trabalho associado à linguagem da biomecânica, método que propõe movimentos amplos, sustentados por uma técnica específica, produzindo um impacto cénico intenso. O conceito de estilização, expresso na obra legada Abril/14
-Acima, Stanislavski na leitura do espetáculo “As Gaivotas” em 1897 (Primeiro espetáculo de sucesso do teatro de Moscow). -Mais embaixo a atriz Meryl Streep considerada uma atriz que utiliza os modos de encenação de Stanislaviski.
por Meyerhold, significa relevar através de todos os meios expressivos e de forma sintética um determinado acontecimento com o objectivo de reproduzir os seus traços característicos e mais significativos. O seu trabalho de experimentação deixou uma marca indelével em termos estéricos, no teatro, até aos dias de hoje. Bertolt Brecht (1898 - 1956) Dramaturgo, poeta, pedagogo e encenador alemão, foi, profundamente influenciado por Stanislavsky, Meyerhold, e Piscator, tendo revolucionado a dramaturgia e a encenação, assim como, a função e o sentido social do teatro, usando-o como ferramenta de consciencialização e politização, na perspectiva dramatúrgica e cénica do desenvolvimento das relações humanas. Neste contexto, e juntamente com Piscator, desenvolveu o conceito do teatro épico que se refere a um teatro didáctico e pedagógico onde se estabelece uma distanciação entre a personagem e o espectador para que este possa refletir sobre as propostas cênicas que são representadas. Em 1949, Brecht fundou o Berliner Ensemble , a celebre companhia de teatro alemã . Foi um dos dramaturgos mais importantes do século XX. Deixou-nos uma vastíssima obra da qual se destacam títulos como: a Ópera de Três Vinténs ; Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny, Santa Joana dos Matadores, O Terror e a Miséria no Terceiro Reich; A Vida de Galileu entre muitos outros. Ao nível da dramaturgia, mas não tendo como objectivos a experimentação, métodos ou a inovação cénicas. São incontornáveis autores que propuseram novas formas de olhar e reinterpretar o mundo. Neste âmbito destacam-se dramaturgos como: Pirandello; Beckett e Ionesco, tendo sido os dois primeiros distinguidos com o prémio Nobel da Literatura, respectivamente em 1934 e 1969. Século XXI No início do século XXI, o teatro continua a evoluir e a progredir a partir dos paradigmas e das propostas de experimentação teatral já mencionados, enquadrados, naturalmente, nos momentos históricos e políticos das sociedades atuais, não
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existindo, ainda, a necessária distância histórica para fazer uma avaliação rigorosa quanto aos múltiplos impactos conseguidos, nesta área.
O reconhecimento da importância do teatro nas suas múltiplas funções e objectivos pedagógicos, sociais e culturais, relançam novos desafios que se colocam às sociedades actuais, exigindo que se elaborem prioridades relativamente à formação de públicos mais exigentes e consequentemente cidadãos mais bem preparados que contribuam para a evolução das comunidades, ao nível da organização do pensamento e das mentalidades. Século XIX: Teatro Brasileiro Realismo na dramaturgia nacional pode ser subdividido em dois períodos: o primeiro, de 1855 - quando o empresário Joaquim Heliodoro monta sua companhia - até 1884 com a representação de O mandarim, de Artur Azevedo, que consolida o gênero revista e os dramas de casaca. O segundo período vai de 1884 aos primeiros anos do século XX, quando a opereta e a revista são os gêneros preferidos do público. Essa primeira fase não se completa em um teatro naturalista. À exceção de uma ou outra tentativa, a literatura dramática não acompanhou o naturalismo pôr conta da preferência do público pelo “vaudeville”, a revista e a paródia. A renovação do teatro brasileiro, com a consolidação da comédia como gênero preferido do público, iniciou-se quando Joaquim Heliodoro Gomes dos Santos montou seu teatro, o Ginásio Dramático, em 1855. Esse novo espaço tinha como ensaiador e diretor de cena o francês Emílio Doux que trouxe as peças mais modernas da França da época. O realismo importado da França introduziu a temática social, ou seja, as questões sociais mais relevantes do momento eram discutidas nos dramas de casaca. Era o teatro da tese social e da análise psicológica. Nome de grande importância para o teatro dessa fase é o do dramaturgo Artur Azevedo (1855-1908). Segundo J. Galante de Souza ( O Teatro no Brasil, vol.1), Artur Azevedo “foi mais aplaudido nas suas
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Teatro Brasileiro
bambochatas, nas suas revistas, escritas sem preocupação artística, do que quando escreveu teatro sério. O seu talento era o da improvisação, fácil, natural, mas sem fôlego para composições que exigissem amadurecimento, e para empreendimentos artísticos de larga envergadura”. Século XX: Teatro Brasileiro Fernando Peixoto define bem a história do teatro no Brasil e no mundo em seu livro “O que é teatro”, e nos traz referências de datas que ajudam entender sua trajetória no decorrer dos séculos. A história do teatro brasileiro dramático surgiu em 1564, coincidentemente com a data de nascimento de Willian Shakespeare, quando foi encenado o Auto de Santiago pôr missionários jesuítas, na Bahia. No Brasil o teatro surge como instrumento pedagógico. Eram Autos utilizados para a catequização dos índios, os quais o padre Manuel da Nóbrega encomendava-os ao padre José de Anchieta. Já no século XIX (mais ou menos 1838), o teatro fica marcado pela tragédia romântica de Gonçalves Magalhães com a peça: “O Poeta e a Inquisição” e também Martins Pena com “O juiz de paz na roça”. Martins Pena com toda sua simplicidade para escrever, porém justa eficácia para descrever o painel da época, teve seguidores “clássicos” de seus trabalhos, como Joaquim Manoel de Macedo, Machado de Assis e José de Alencar. Foi em 1880 , em Lagos, na Nigéria que escravos brasileiros libertados deram um enorme salto no desenvolvimento do teatro, fundando a primeira companhia dramática brasileira – a Brazilian Dramatic Company. Em 1900, o teatro deu seu grito de liberdade. Embora tenha enfrentado as mais duras crises políticas do país, conseguiu com muita luta estacar sua bandeira e marcar sua história. De 1937 a 1945, a ditadura procura silenciar o teatro, mas a ideologia populista, através do teatro de revista, mantém-se ativa. Surgem as primeiras companhias estáveis do país, com nomes como:
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Apostila Procópio Ferreira, Jaime Costa, Dulcina de Moraes, Odilon Azevedo, Eva Tudor, entre outros. Uma nova ideologia começava a surgir, juntamente com um dos maiores patrimônios do teatro brasileiro: Oswald de Andrade, que escreveu O Rei da Vela (1933), O Homem e o Cavalo (1934) e A Morta (1937), enfrentando desinibido e corajoso, a sufocante ditadura de Getúlio Vargas. Em 1938, Paschoal Carlos Magno funda o Teatro do Estudante do Brasil. Começam surgir companhias experimentais de teatro, que estendem-se ao longo dos anos, marcando a introdução do modelo estrangeiro de teatro entre nós, consagrando então o princípio da encenação moderna no Brasil. No ano de 1948 surge o TBC uma companhia que produzia teatro da burguesia para a burguesia, importando técnica e repertório, com tendências para o culturalismo estético. Já em 57, meio a preocupações sócio-políticas surge o Teatro de Arena de São Paulo. Relatos de jornais noticiavam que o Teatro de Arena foi a porta de entrada de muitos amadores para o teatro profissional, e que nos anos posteriores tornaram-se verdadeiras personalidades do mundo artístico. Já em 64 com o Golpe Militar, as dificuldades aumentam para diretores e atores de teatro. A censura chega avassaladora, fazendo com que muitos artistas tenham de abandonar os palcos e exilar-se em outros países. Restava às futuras gerações manterem vivas as raízes já fixadas, e dar um novo rumo ao mais novo estilo de teatro que estaria pôr surgir. “...São infindáveis as tendências do teatro contemporâneo. Há uma permanência do realismo e paralelamente uma contestação do mesmo. As tendências muitas vezes são opostas, mas freqüentemente se incorporam umas as outras...” (Fernando Peixoto – O que é teatro). Página a sua esquerda: Francisco Cuoco, 1980. Abaixo, Paulo Autran espetáculo “Depois da queda”. Página a sua direita: Golpe militar de 1964, perseguição a manifestantes. Abaixo, Juca e Dina, espetáculo “Colecionador”, Teatro TBC.
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Teatro Improvisacional
A Improvisação para o teatro “Aprendemos através da experiência, e ninguém ensina nada a ninguém.” Viola Spolin
Rose Quirinno, é Coordenadora Pedagógica da oficina “A Busca do Ator”, Intrutora da cadeira de Teatro improvisacional e atriz.
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A palavra teatro tem sua origem no vocabulário do grego Thetron que significa “local de onde se vê”(plateia). Uma vez que o tema será improvisação, improvisar significa produzir de repente, sem preparação. Ou seja, os papeis não são estabelecidos á priori, mas emergem a partir das interações que ocorrem durante uma ação. Por outras palavras, é a comunicação que emerge a partir da criatividade e espontaneidade das interações entre sujeitos. O teatro de improviso é uma espécie de jogo de atuação entre atores. Não é um jogo de competição, mas sim colaborativo para que se atinja o objetivo, que é criar com base na espontaneidade e na improvisação uma boa historia. Pelas palavras de Peter Brook (1991) a improvisação trata-se da necessidade de sermos completamente livres e ao mesmo tempo suficientemente rigorosos. Mas improvisar por quê? Segundo Peter Brook (1991), “ em primeiro lugar para criar uma atmosfera, uma relação, para pôr toda a gente á vontade, permitir que se levantem, que se sentem, sem com isso fazer drama. Procuramos antes de mais confiança, para lutar contra o medo. O que hoje bloqueia mais as pessoas é falar. Por isso não devemos começar com a palavra, com as ideias, mas com o corpo. O corpo liberto é o primeiro passo. O primeiro passo é importante, mas não basta, é preciso tomar consciência, ao mesmo tempo, da alegria e da armadilha da improvisação. Ao proporcionar uma possibilidade de vida, de expressão, de movimento diferente do que acontece na vida cotidiana, entramos imediatamente num estado de alegria, mas se, muitio rapidamente, não propormos um desafio, a experiência marca passo. No teatro de improvisação, ainda segundo o mesmo autor, há liberdade absoluta, cada um designa quando quer, e, por outro, duas condições que impõe o rigor, manter as ordens e não falar ao mesmo tempo. Segundo Ibrahim Cesar, existem algumas regras que se devem cumprir na improvisação teatral, nomeadamente: 1ª regra – Aceitar sempre, nunca negar. Esta é a regra mais importante da improvisação,
pois deve-se sempre aceitar qualquer coisa que o parceiro diga ou faça como um fato. Qualquer item, personagem ou ideia apresentada é agora, parte da cena. Isso pode ser alterado e modificado, mas nunca negado. 2ª regra – Amplificar Esta é a segunda parte mais importante do processo de improvisação e flui naturalmente ao aceitar aquilo que o parceiro diz. Deve-se aceitar a oferta e amplificar, adicionando mais informação e devolvendo depois ao outro. 3ª regra – Evitar bloquear ou negar A forma mais obvia de bloqueio é a negação da oferta do parceiro, mas há outras formas menos obvias de bloqueio. Uma das mais comuns é a falha em amplificar, adicionando informação e deixando o outro num “beco sem saída”. A segunda mais comum é quando um participante não consegue pensar num bom comentário. 4ª regra – Evitar fazer perguntas Esta é a regra mais difícil de ser seguida, pois na vida real fazemos muitas perguntas, queremos informações precisas. Mas, na improvisação, tentar ser especifico pode ser um desastre. 5ª regra – Não planear È muito tentador levar o parceiro a uma direção especifica, mas isso quase nunca funciona e destrói a cena. Isso leva ao bloqueio e interfere na na espontaneidade. 6ª regra – Não se importar em ser engraçado Quando se segue o processo, permite que algo flua, a graça simplesmente acontece. Deve-se ser espontâneo, acreditar no processo, terminando assim mais engraçado, do que se tentasse ser cômico. A improvisação também vai para alem do teatro, ela também promove as habilidades sociais, desenvolve competências de comunicação, tanto que começam a haver workshops nesse sentido. Exemplo de um é o workshop de mim, que tem como objetivos: • Estimular o aperfeiçoamento das capacidades e competências de comunicação e de relacionamento interpessoal; • Aprender usar o corpo para se comunicar; • Aprender a melhorar a performance vocal; • Identificar obstáculos e desbloquear inibições e defesas na comunicação em publico; • Reforçar conceitos como autoestima, confiança e empatia;
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• Refletir sobre o autodesenvolvimento, o autoconhecimento, a criatividade e a desinibição em processos de comunicação.
Com o propósito de atingir uma criação com maior espontaneidade no teatro, as peças que utilizam este artifício simulam uma improvisação. Assim como, na musica, os instrumentistas e cantores podem improvisar com liberdade em suas apresentações, no teatro de improvisação, os atores e atrizes agem de forma a inventar uma historia. Na historia mundial do teatro, uma das peças de improvisação mais famosa chama-se L´Improm de Versalles, em português, O Improviso de Versalles. De autoria de Moilére, a peça foi uma das pioneiras a utilizar o artifício da improvisação. A obra é citada como influencia de autores contemporâneos e seu modelo é bastante utilzado como base para peças de improviso. Em meados do século XX, o gênero reaparece em uma em uma obra de Pirandello, Esta noite se representa do Improviso, feita em 1920. Pag. 35 Por se tratar de um gênero que se refere a si mesmo, o improviso tem como características principais: aprofundamento nos limites da criação e maior envolvimento do ator na ação. Alem destes elementos, o improviso é considerado um recurso de interpretação que demonstra a espontaneidade do ator nas ações dramáticas. Um exemplo geralmente apontado para se referir ao teatro improvisado é a Commedia Dell`Arte. Porem, nesta obra, há um personagem fixo que encena com improvisações. Desta forma, a improvisação é apenas aparente. Um dos aspectos mais interessantes na improvisação está na invenção de algo inesperado, que se manifesta no calor da ação. Existem vários graus de improviso, que englobam o jogo dramático, feito a partir de uma senha ou tema, a desconstrução verbal e a invenção gestual. De acordo com Sandra Chacra, no livro natureza e Sentido da Improvisação Teatral (Perspectiva, 1991), a “improvisação tem uma historia longa, tão antiga como a do homem. Ela vem desde as as épocas primitivas perdurando como manifestação até o presente. Todas as formas de arte tiveram uma de suas origens na improvisação. O canto, a dança e os rituais primitivos assumiam formas dramáticas num jogo em que um dos Polos é a atualidade improvisada.
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Alguns Exercícios
EXERCÍCIOS PARA A VOZ Lembre-se: Falar alto e gritar são posturas totalmente diferentes. Ensine seu grupo a falar alto. Gritar só se houver necessidade em cena. CONTAGEM de 1 a 10 Contar de 1 à 10, a cada número, aumentar gradativamente o volume da voz e na seqüência, contar de 10 à 1, a cada número diminuir gradativamente o volume da voz. OBJETIVO: Conhecer a capacidade de voz de cada componente e desenvolver em cada um controle do volume da voz. DICÇÃO Cada componente deve ler em voz alta o texto de seu personagem na trama, destacando todas as silabas, pontuação e entonação. OBJETIVO: Trabalhar as dificuldades encontradas pelos componentes ao pronunciar o texto de modo a tornar mais claro para o público as falas dos personagens. VIBRAÇÃO DAS CORDAS VOCAIS Molhar os lábios (inferior e superior) com a própria saliva, juntar os lábios formando um bico, respirar profundamente e soltar o ar pela boca de maneira a fazer com que os lábios vibrem. Fazer três series de 10 repetições cada. OBJETIVO: Exercitar as cordas vocais. PEGADINHA Algumas cenas exigem da pessoa a necessidade de chorar ou de fazer uma cena de agressividade. Algumas pessoas, às vezes não conseguem devido à timidez ou a vergonha, ou por não querer se expor. Se você percebe que há necessidade que a pessoa chore, faça o seguinte: Discretamente, durante o ensaio, combine com todo o elenco para que na cena que essa pessoa tem de chorar, todos comecem a reclamar do mau desempenho dela e que ela não corresponde às expectativas do grupo, peça a todos para reclamarem muito dela na frente dela. Até que ela chore e liberte suas emoções. No final do exercício, revele a pessoa que a brincadeira tem por objetivo liberar as emoções. Se for o caso
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da pessoa precisar demonstrar agressividade em cena e não esteja atingindo o objetivo, o líder do grupo deverá ser “curto e grosso” e chamar a atenção dessa pessoa na frente de todo o grupo de maneira que só pare na hora que conseguir “tirar do sério” a pessoa em questão. Depois revele que foi um exercício.
Exemplo: Numa guerra, num temporal, numa floresta sombria, andando sobre o fogo, a neve, na água, na beira de um abismo etc.
OBJETIVO: Libertar as emoções.
CRIAÇÃO DE OBJETOS Os componentes devem estar um ao lado do outro numa fila reta. Em silencio total, eles devem criar objetos nas mãos e passar para o componente ao lado que deverá receber o objeto e transformá-lo em outro e passar adiante até o ultimo componente. Deve-se levar em conta o peso, consistência e tamanho do objeto. Quem receber uma agulha deverá recebe-la com cuidado para “não escapar de suas mãos”, porem quem receber uma televisão fará muito esforço para segurá-la.
ORDEM EXECUTADA O líder deverá pedir para o grupo ficar andando, o grupo não pode falar, tudo deverá ser feito através mímica. No ouvido de cada um, o líder dará uma ordem que deverá ser executada. Exemplo: Clara, leva a Maria para aquela parede. Maria, não faça o que a Clara quer que você faça. Ana, não deixe o Pedro imitar um macaco. Pedro imite um macaco. Manoel imite um louco. João imite o Manoel. O líder pode aproveitar esse exercício para aproximar pessoas do grupo que tem pouca afinidade. OBJETIVO: Despertar a criatividade e o improviso nos atores. Também tirar a vergonha e a timidez uma vez que todos estarão se expondo ao mesmo tempo. Exercícios para Expressão Facial A PESSOA E O ESPELHO Coloque um componente de frente para o outro. Um que seja extrovertido, este será a “pessoa” e outro mais tímido, que será o “espelho”. A pessoa fará os movimentos faciais (sorriso, tristeza, espanto, risada, caretas diversas) e o espelho terá que imitar. Depois inverta os papeis de pessoa e espelho. OBJETIVO: Desenvolver expressão facial nos componentes, tirar a timidez e a vergonha. EXERCÍCIOS PARA EXPRESSÃO CORPORAL IMAGINAÇÃO Os componentes estarão espalhados pelo local de ensaio, então o líder lhes dirá como devem se comportar. Os componentes têm liberdade para falar, se quiserem. Eles esquecerão que estão numa sala fechada e se transportarão para outros lugares
OBJETIVO: Desenvolver a capacidade de externar para o corpo sensações que precisem ser mostradas em cena.
OBJETIVO: Desenvolver a criatividade e o improviso em cena. Tornar as mãos e o corpo ágeis.
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A Busca do Ator
Anotações: EXPEDIENTE COMPANHIA OMOIOS DE TEATRO DIREÇÃO: MANOEL CONSTANTINO ATRIZ: ROSE QUIRINNO ATOR: LEO BOUÇAS OFICINA A BUSCA DO ATOR COORDENAÇÃO GERAL ARTEPE - ASSOCIAÇÃO DE REALIZADORES DE TEATRO DE PE. COORDENAÇÃO ARTÍSTICA/INSTRUTOR TEATRO CORPO E VOZ MANOEL CONSTANTINO COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA/INSTRUTOR TEATRO IMPROVISACIONAL ROSE QUIRINNO PRODUÇÃO EXECUTIVA/INSTRUTOR HISTORIA DO TEATRO LEO BOUÇAS APOSTILA A BUSCA DO ATOR BIBLIOGRAFIA Bibliografia Báscia Apostila: BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. Editora Perspectiva FÓ, Dário. Manual Mínimo do Ator. Editora Senac - SP. DELACY, Monah. Introdução ao Teatro. Editora Vozes. Bibliografia Básica Teatro Improvisacional: BROOK, Peter. O Diabo é o aborrecimento- conversas sobre teatro. Porto: Edições Asa, 1991. CESAR, Ibrahim. Como o teatro da improvisação pode melhorar as habilidades sociais. In http//1001gatos.org. OLIVEIRA, Leonel. Nova Enciclopédia Larousse. Circulo de leitores, 1997. CHACRA, Sandra. Natureza do sentido da Improvisação Teatral. São Paulo, Perspectiva, 1991. Gráfica: MXM GRÁFICA. Patrocínio: CAIXA CULTURAL.
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