Por enquanto indícios ou Nada tão meu que não posso dizê-lo nosso
Alê Fonseca Barbara Grillo Bruna Lobo Julia Costa Lilian Brandão Lucca Ferrari Natália Rezende Manu Lima Manuela Matias Marianne Machado Mateus Moreira Vinícius Guimarães
Org. Patricia Franca-Huchet Natália Rezende Manu Lima
Outono 2018 Escola de Belas Artes • Departamento de Desenho • UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
Foi assim Começou março como costumam começar os meses. Um começo em si discreto e sem ruído algum. Não houve tempestades ou ressoar de trombetas. Éramos apenas nós que falávamos de linhas, cores, luz, superfícies e volumes. Iniciamos — depois de olharmos para o que estava sendo feito — um trabalho sobre fragmentos. Criar fragmentos textuais, que remetiam a sentimentos e imagens, memórias, poesia e desenho a partir da leitura do Texto de Jean-Luc Nancy: 58 Indícios sobre o corpo . Foram lançadas chamas e um trabalho foi replicado, ouvimos uns aos outro, e em seguida, houve o assentamento das palavras quase furtivamente em cada um que esteve atento ao que foi proposto. Logo, houve o desejo de levar adiante os fragmentos [deixá-los esquecidos no tempo? Para que serviram?]. Decidimos, pois, fazer uma publicação desses fragmentos junto aos nossos desenhos e experiências artísticas, tornando-a um Projeto em Comum. E a fagulha tomou forma. Despertou o trabalho da edição, feito em grupo. Quais imagens escolher? Quais fragmentos textuais inserir? Edição e montagem são um importante momento dos nossos trabalhos artísticos. A montagem de um texto, de um projeto, de uma exposição de uma…publicação. Houve uma bela experiência para achar o nome para este trabalho, encontrou-se Por enquanto indícios ou Nada tão meu que não posso dizê-lo nosso. Aquilo nosso; que também são nós, lampejos, marcas e até mesmo o outono que quer andar.
Vemos, imagens de linhas flutuantes em espaços azuis, ora abertas, ora desfiadas, formando mechas de algo orgânico e fluído como fios de sêda. Há figuras, muitas figuras. O conjunto poderia também se chamar Todos, pois vemos muitas pessoas, representações dos corpos, juntos, em algum lugar, pela cidade, rostos e pedaços. Corpos representados e marcados no papel. Páginas carcomidas de um velho livro japônes achadas no lixo da biblioteca mostram samurais em desenhos finos de outras terras. Vemos montagens com imagens fotográficas, o azul líquido derramar muita água escondendo Netuno em suas páginas marítimas, matéricas e aquosas. E a presença inicial do vermelho? — que não podia mesmo faltar neste trabalho solar —tramado pelas mãos e desenhado em linhas cartográficas, se assim quisermos, ou linhas soltas, livres, que não representam nada senão o movimento do desejo forte de marcar. Sonha-se anônima e coletivamente, embora de forma individual. Ah, sim! Isso se chama sonhar com clareza e reinar bem. É bom sempre lembrar. Por isso esse trabalho pulsa com força, porque não pulsa somente pelas razões do corpo de Jean-Luc Nancy, o texto dos começos. Pulsa de modo artístico, pleno e visível por inteiro. Este trabalho é um segmento da disciplina Projeto, oferecida pelo Departamento de Desenho, conduzida por Natália Rezende [estagiária docente do PPGArtes da UFMG] e por mim. Deixamos este trabalho para se lembrar, olhar, contemplar e continuar… tudo está apenas começando. Por enquanto indícios. Patricia Franca-Huchet
O sentir da linha
Como a linha da pipa, que hora afrouxa, hora estica, levando um ser flutuante para diversas direções, sempre conduzido, ligado à vontade e a qualidade do vento.
Como conformação de uma energia,
de um movimento da mão, do braço
do corpo que escolhe criar o registro dessa passagem.
Tramo planos, formas. Enquanto tramo, tramo tempo que a partir de um gesto de instante possibilita espaรงo para tramar.
Linha que forma a forma
Qualquer atrito ĂŠ prenuncia de nova existĂŞncia.
Com intenção, posso criar rastro consciente na superfície que recebe todo o gesto. Mesmo quando acredito não estar presente, não há escapatória. Não quero escapatória. Às vezes me perceber ali é de grande importância, mas o trabalho se estende além de mim. Por isso ele existe.
O erro é cheio de graça. Às vezes o erro sangra quando toca no âmago do desejo. O desejo ocupa toda a pele despida.
Só há desenho quando o corpo delira A linha é corpo que delira em dança. Cada gesto é deslize e boa pontaria.
É necessário que se conheça e se ajuste ao seu próprio ritmo de trabalho. De nada adianta produzir freneticamente sem prazer e qualidade como também não adianta manter-se em um ritmo estagnado sem buscar estímulos e curiosidade.
A linha que emerge do papel sem ser vista, longe do olho, rei que julga demais, me ensina.
A mistura de materiais causa efeitos inesperados. Eles podem ser positivos ou não. O importante é a pesquisa e a experimentação, aprendendo como eles se relacionam sozinhos e entre si.
Observar é habilidade imprescindível. Dormir também.
Os objetos, seres vivos e locais mais abandonados, misteriosos e nĂŁo-vistos, sĂŁo grandes merecedores de ser tema da arte.
O espaço não preenchido – “em branco” ou qualquer que seja o tom do suporte em questão - não é vazio, é parte do todo e pode dizer muito – ou nada, que não deixa de ser uma forma de comunicação. Tudo depende da forma como ele entra no desenho, podendo provocar os mais diversos efeitos, desde harmonia e composição até de ansiedade, peso ou leveza, passando por infinitas interpretações e sentimentos nem sempre propositais, mas que dependem do observador.
Os tons de marrom, vermelhos, alaranjados e verdes oliva evocam uma natureza primitiva e artesanal do ser e da arte. Os pretos brancos e escalas de cinza podem ser o que quiserem.
Do acaso, se aproveita ou se descarta – não sem antes compreender seu efeito: de ruído, de composição, de pessoalidade, etc.
É possível se construir com manchas e ausência de manchas assim como é possível se construir com linhas. O modo de se pensar o desenho, no entanto, se transforma. Enquanto a linha aparece firme e decidida na superfície, mesmo que sem essa pretensão e planejamento, a mancha apenas surge como massa e se retira como massa, e a partir dela se cria.
Aprenda bem a técnica para depois saber como desligar-se dela nas horas certas. Desliguei-me de técnicas tradicionais formais dos materiais, assumindo o acaso, o risco e o ocasional fracasso como coisa do meu processo de pintura.
A abstração feita pela água, pela tinta, pela gestualidade do material que for, é atmosférica, se comunica livremente com o que há. Expressar-se sem amarras, tudo pela gestualidade da cor e do movimento do corpo, é onde talvez está contido o segredo do prazer infinito.
Quando o mar ĂŠ persistente, ele bate nas rochas atĂŠ formar depressĂŁo, onde tudo pode se habitar; seja esse mar: agitado, poderoso, persistente.
Ao passo que tudo se lava dessas รกguas, se purifica, se tranquiliza, se lava, se transforma em pรณ com o tempo e nos renova. Outros recomeรงos virรฃo.
o entorno é como a casa - sólido e transitório. inventar um espaço temporário é sugerir uma extensão ao corpo do outro. é permitir que se instalem-se
O termo conceito tem a origem latina “conceptus” – coisa formada na mente. são essas as mais intensas fruições. imagens invisíveis não precisam de linguagem plástica compartilhada
o alvo é sempre o outro. o eu, se não orientado à fruição do outro, me desinteressa em absoluto.
meu processo é como a casa e o corpo – não é seguro. tenho aprendido a me conscientizar dele. costumo acertar mais quando miro nas bordas do alvo.
produzo muitas imagens invisíveis – espero fazê-las encontrar olhos de gente.
as fronteiras nada sรฃo que linhas frรกgeis demarcando diferenรงas entre eu e o outro.
com as minhas mĂŁos invento materialidades - essas me asseguram de que moldo meu entorno.
a única terra de que sou capaz de me apropriar é meu corpo e essa é uma tarefa impossível. por maldição ou sorte, ele é meu e do tempo - já não é o que foi no instante passado.
o outro é terra que ninguém conhece
a rua estĂĄ morta mas parece viva - o tempo ĂŠ a medida viva de sua necrologia
O passado é sempre uma invenção. A memória é local ilusório. Mentir sobre o passado em nada mais consiste do que lembrar-se.
a invenção é a mais bonita das ilusões. devo ao mundo meu papel de iludi-lo. para tal existem muitas cores apetitosas.
O contato da arte com a materialidade pode ser visto como uma necessidade no mais danoso sentido. Entretanto, lidar com o material Ê visualizar com constância a dualidade natureza e cultura, e sobretudo reforçar os conhecimentos sobre como o humano molda, enxerga e forma o seu mundo: afinal, somos seres essencialmente culturais, exploradores dos sentidos.
Não há como afirmar que de fato existam erros e fracassos que o tempo e o espírito não mudem e solucionem. Mas atos falhos são fatídicos, e a sensibilidade de notá-los, bem como a conscienciabilidade em acompanhar as assertivas, se desenvolvem. Só costumam demandar tempo, e a arte é ambiente propício para o corroborar destes aspectos.
A matér i a pode ser transfor m ada à po nto de acordar analo gias capazes de mo v er afet os e des pertar a mem ór i a de situaçõe s, l ocai s e identida de s di st ant es. P o r meio de hi st ór i as, represent açõe s, imagens e sons, a analo gia pode ser fo r ma indi re t a de ve r o mundo e a si mesm o, c o mo o lago que reflete u ma fl ore st a de fo lha s e m ade i r a mesmo se n do águ a.
Penso e vivo por imagens e, longe das aparĂŞncias, convivo com algo indescritĂvel que chamo de imagem profunda.
Trata-se de algo que antecede a imagem e o mundo aparente. É uma imagem que concentra em si todas as possibilidades relativas ao tema que aborda,
Assim minha convivência é soberana e submissa, tendo eu todo e nenhum controle sobre qualquer coisa que seja. Desse modo não existe pensamento ou ação real fora dessa convivência da imagem profunda.
Num tempo em que a crítica é essencial e se ocupa do estreito objetivo de realizar a mediação entre arte e público, é possível notar uma multiplicidade de circuitos e ideologias. Assim como uma desconfiança ou desatenção em relação aos principais lugares de veiculação da arte, é fácil estar sujeito a imposições e vícios das partes, e ainda a práticas contestáveis, ausência de debates e limitações no contato com material sobre arte e com a própria arte: colecionar com afinco ainda é para poucos. É papel coletivo lutar por um sistema e circuitos fortes, recheados de debates, que fortalecem as obras como argumentos por si
Há uma janela que exibe, para mim e para o mundo, um novo universo magicamente inatingível.
Um universo feito de narrativas, representações e atrações. Não se trata de qualquer mundo impossível, mas um mundo que nos permita questionar nossa própria presença dentro dele.
Para tal questionamento, não basta que a janela nos mostre apenas um espaço, ou apenas uma figura. A coexistência destes dois elementos é o que torna possível compreender cada um deles. É esta interação que se apresenta como narrativa.
Representação. Esta é quem aproxima o espectador e janela. Torna possível enxergar elementos do mundo real sob novas possibilidades. Também exerce poder sobre nossas concepções de belo, podendo tanto agir de forma inovadora quanto conservadora.
A representação aproxima espectador e janela através de seus elementos reconhecíveis. A narrativa faz o mesmo porém através da emoção evocada no espectador, que passa a interagir emocionalmente com o mundo irreal. A atração criada a partir daí facilita uma profunda imersão. As interações com o mundo fantasioso sobressaem-se em relação ao mundo real, e por alguns instantes, vivemos parte do impossível.
Boas narrativas são independentes de representação, da mesma forma que representações são independentes de figurativismo. No entanto, acredito que a união desses elementos que possibilita a criação de um terceiro, a atração.
O mundo que me atravessa deixa marcas. Marcas de uso e desuso, bom uso e mau uso.
E do acúmulo que me coloca Não suporta É preciso sair, para marcar mais uma vez.
Absorver e transformar, é uma linha tênue, difícil equilibrar
Sim, ela estĂĄ ali, dentro e fora. SĂŁo manchas a primeira vista e se torna paisagem lĂşdica e delirante quando se adentra.
Há uma energia translúcida que unifica tudo e faz com que possam ver meu interior num só lugar.
SuperfĂcie e materialidade. EstĂĄ ali impresso e evidente. A alma despida.
Compreende-se que um dia ela se esvaece. Podendo entĂŁo a energia retornar e desarrumar outra alma, assim consigo minha paz.
Ferve, transpira, é uma febre. Quando medicada sai de minhas mãos numa transpiração intensa fazendo do instrumento parte do meu corpo.
Espaço Ê palco para todos os acontecimentos. É tentador, tanto por sua incerteza, quanto por seu potencial
Nos desafia à criação de algo, que faça com que aquele espaço tenha sentido.
O espaço é quente e frio, grande e pequeno, claro e escuro, e pode ser todas essas coisas ao mesmo tempo.
Desenvolvemos uma relação simbiótica de interdependência com o espaço, vezes mutualista, vezes parasitária.
Aprender é audacioso, prazeroso, saudável, mas se prender a ensinamentos e aprendizados nem sempre é inteligente; a arte é um espaço em que o vazio e o estático unem-se contra a fixação pela última convicção, é um tempo desocupado no qual se convida tanto ao conceito quanto à vitalidade e energia. E assim expecto dar continuidade à vivência artística enquanto este conduzir e for meu desejo; bem como espero assim conduzir o pensar, digerindo provocações, contemplando e refletindo.
Todo meu corpo trabalhava, e meu espĂrito estava totalmente presente, assim percebi que nĂŁo era preciso negĂĄ-lo.
Trama comum Cada palavra escrita desvenda uma passagem ao estado originário da linguagem, memória perdida que cintila no presente: captar essas imagens-palavras talvez seja como dobrar e desdobrar as películas do tempo, peles inscritas de histórias. Desfiando encontros, toques e contatos, estas palavras-fragmentos são faíscas que acendem o desejo da prática na tentativa de compreender o que nosso próprio processo artístico nos diz. É preciso lembrar que a escrita é também um gesto, um movimento do corpo – de um corpo para outro. Uma operação das mãos que marca um suporte num espaço-tempo particular construído para essa incisão. Materializada na superfície do papel, a palavra abre fendas e as atravessa; nossos olhos adentram essa irrecusável e misteriosa abertura: a palavra se revela imagem e a imagem nos leva para além. São duas instâncias que convivem e se misturam, que se completam na semelhança ou na diferença – escrevo para ver o que faço através de outros olhos. Como um tecido translúcido que deixa passar a luz, mas retém as partículas sólidas das palavras (sua materialidade plástica, poderíamos dizer), compomos a urdidura de nossa tapeçaria interna – as tramas de nossa história – que será tecida com os fios que acolhemos e devolvemos ao mundo, transformados. Aqui, as mãos tecelãs abrem-se em oferta e se faz a partilha política e poética de experiências, esboçando a trama comum que nos une no entrelace afetivo da experiência com a imagem. Se cada fio de um tecido já é uma história, dentro de um fragmento pode-se descobrir o inteiro.
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