A RELAÇÃO POLÍTICA ENTRE SUJEITO E ESPAÇO
uma investigação sobre a participação popular
e os centros comunitários dos núcleos habitacionais de diadema
uma investigação sobre a participação popular
A RELAÇÃO POLÍTICA ENTRE SUJEITO E ESPAÇO
e os centros comunitários dos núcleos habitacionais de diadema
leonardo pequi + prof. ma. letícia peruchi
trabalho final de graduação em arquitetura e urbanismo, 1º mov. universidade anhembi morumbi são paulo, dez/2018
primeiro
movimento
aos meus pais, bartolomeu e gislene, trabalhadores.
“os filósofos dizem que, apesar de sabermos que nascemos para morrer, temos ânimo em relação ao futuro, porque no fim não nascemos para morrer, mas sim para continuar. [...] a arquitetura só pode ser assim, voltada para a dimensão da nossa permanência no universo”. paulo mendes da rocha, maquetes de papel, 2007.
gratidão Aproveito da ocasião, ainda que esse trabalho não tenha sido concluído, para agradecer ao conjunto de oportunidades e privilégios que me trazem até aqui, me mantém e me dotam de razões para continuar. Aos meus pais, Bartolomeu Pitas Pequi e Gislene Rodrigues Pequi, pelo privilégio de ser o seu único filho, pelas oportunidades diárias que promovem para que eu possa viver e, acima de tudo, por acreditarem. Ao lado de Roberto Borges Júnior, o primo favorito, a quem sou grato pelo estímulo ao conhecimento e por toda proximidade. À Cláudia Bastos Coelho, querida mestra, pelas oportunidades contínuas de me fazer arquiteto, por me apresentar a dimensão do mundo a cada degrau que subíamos nas escadarias dos núcleos habitacionais e pelos esforços e contribuições para o desenvolvimento dessa investigação. Além de Cláudia, agradeço à Shedd Pegáz, Marta Cirera, Sebastião Coelho, Antônio Osório Monteiro, o “Toninho” e Erivaldo Rodrigues de Souza, o “Barriga”, todos sujeitos da participação popular de Diadema, pelos depoimentos concedidos como colaboração para as argumentações das páginas seguintes. Agradeço às experiências como aprendiz junto à Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de Diadema e a Secretaria do Verde e Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo, por apresentar-me a esfera pública, da qual eu sigo a defender. Aos meus caros amigos, to dessa faculdade, sou Aline Dias, inspiração, são e pelas discussões
o projeto mais concreeminentemente grato. À pelo carinho, compreenenriquecedoras; Amanda
Pires, enigma, pelas idas e vindas com a verdade nas mãos; Bruno Gobi, ânimo, pela atenção, afeição e por trazer-me o riso; Filipe Santos, mutação, por compartilhar dos mesmos sonhos periféricos; Igor Casal da Conceição, indagação, pela partilha de dúvidas, músicas e conhecimentos; Julia O’Donnell, pujança, pela disposição e entrega às ações; Leonam Gusmão, comunhão, pelo partidarismo e companheirismo nas lutas cotidianas; e, Willian Siqueira, resistência, pela continuidade em busca da revolução. Em especial, agradeço à Anderson Silva, de qual a vida, o humor e solicitude tornaram os últimos tempos mais toleráveis e gargalháveis, e à Guilherme Pacheco, o irmão mais velho que agora tenho, a quem a vida em dupla fez-me muito mais feliz. Por fim, agradeço a legião de super-heróis, de qual a força pedagógica me apresentou ao possível: os queridos professores. À Cláudio Manetti, ó capitão! meu capitão!, pela incitação à dúvida, ao desenho investigativo e, sobretudo, ao posicionamento como forma de se fazer existir; ao fenomenal João Ricardo Mori, que elevou a arquitetura à consciência; à Isabela Sollero Lemos, da qual a intensidade e veemência me levou à profundidade; à Larissa Soares Gonçalves, pelas discussões sensíveis ao passo que táticas; e, à Thaís Vieira Gutto, a quem o carinho, o envolvimento e as orientações, me instrumentalizaram. À Letícia Bernardi Peruchi, mentora nos enfrentamentos dessa investigação, agradeço pela coexistência e confiança e, acima de tudo, por juntos realizarmos política, nas ruas se manifestando, nas discussões dos cenários e na defesa do coletivo. A esse agrupamento, defensores da justa condição humana, muito obrigado!
| apresentação, 12 prólogo, 14 tudo muito, 14 _ a relação política, 19 arquitetura é sempre política, 20 espaço, direito manifesto da arquitetura existir, 23 o que nos interessa, arquitetura,28 política, a natureza das relações, 29 sujeito, a ação humana, 31 espaço, ações e objetos organizados, 35 comunitário, a comunhão humana, 38 o que nos interessa, as correlações, 39 arquitetura, que nos interessa, 40 percurso, 45 1 _ entre sujeito e espaço, 49 quem nasceu primeiro, 50 ações, 51 objetos, 53 indissociáveis, 55 2 _ uma investigação sobre a participação popular, 59 vidas populares em luta, 60 a cidade conquistada, 78
ações mobilizadas, organizadas e partícipes, 94 participação administrativa, 105 quando a luta vence a guerra, 110 quando a guerra vence a luta, 115 nunca fomos tão participativos, 120 para que serve a história, 125 3 _ e os centros comunitários dos núcleos habitacionais de diadema, 133 organização do espaço, 134 espaço da organização, 163 condição, 172 aproximação, dois pontos, 193 potência, 200 4 _ a relação política entre sujeito e espaço: uma investigação sobre a participação popular e os centros comunitários dos núcleos habitacionais de diadema, 205 relacional, 206 escolha, 209 epílogo, 218 sujeito de sorte, 218 | referências bibliográficas, 220
_ apresentação A ação como construção do espaço é investigada por esse trabalho. A ação, entendida como o mover, o realizar, o fazer, o agir, encontra no espaço, isto é, na matéria finita, no ente, no objeto, uma possibilidade de se manifestar, nos arriscamos dizer que talvez seja a única: forma. Assim, nos inclinamos a pensar que é o caráter das ações que, por óbvio, caracterizam o espaço. No entanto, se o espaço é, enquanto matéria, as características que o consiste, então serão as ações que o produz? Nesse sentido, se essas ações forem, por exemplo, políticas, o espaço também assim será? Ou, de maneira oposta, será o espaço, que com suas propriedades e finitudes, determina as ações? Essa pesquisa não responde a essas perguntas, mas se propõe a investigá-las, tendo compromisso com uma experiência concreta. Antes de anunciá-la, é preciso revelar que o interesse nas ações, surge da percepção de que são algumas delas que levam a esse trabalho, dada em um processo de formação humana, arquitetônica e política, por isso as primeiras páginas desse texto se dedicarão a isso. Motivados por essas questões, defendemos os sujeitos e a participação popular como um dos mais evidentes retratos, isso porquê, ambos necessitam de que se pratique a ação para poder existir,
refletindo em diferentes desdobramentos espaciais. Nessa perspectiva, os processos históricos que constituíram Diadema, cidade desenhada pela participação popular, se apresenta como o caso a se perscrutar. Nessa cidade, as ações dos populares construíram e organizaram o espaço, tanto do território municipal, quanto aos espaços para fins dessa própria organização, os Centros Comunitários. Assim, esse trabalho se dispõe a investigar as relações entre ação, espaço e política, presentes nesse quadro, e acaba descobrindo muitas outras: poder, coletividade, cidadania, ausências, desinteresses, cooptação, etc., e se dispõe a correlacioná-las.
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APRESENTAÇÃO
Todas as descobertas provocadas pela investigação, nos inquietam e suscitam a se fazer alguma coisa. Confiando na arquitetura, enquanto organização do espaço e das ações, contribuímos com uma escolha.
prólogo
_ tudo muito* Muitas são as razões que me levaram à arquitetura. Nascer e viver em uma periferia autoconstruída, onde o tio chapisca, o vizinho emboça, o pai reboca e a mãe colore, fez com que eu apreendesse, ainda pequeno, sobre a necessidade e a predisposição para construir que os adultos possuem. Eu sabia que ao crescer essas também deveriam de ser as minhas atribuições. Por vezes, o cheiro do cimento que pairava no ar, o espaço vazio da sala recém pintada, bem como a capacidade e surpresa da transformação que as modestas obras ocasionavam, provocando uma inexplicável sensação de conforto, culminavam num estranho anseio de viver numa reforma que não tem fim. Soma-se a isso, a admiração, ao passo que a inabilidade, pelo desenho, fazendo com que eu realizasse essa escolha, apesar de não saber nada sobre o mundo, tampouco sobre a arquitetura. Muitos são os meios e as motivações que me levaram à universidade. Ter mãe e pai, de poucas oportunidades, regidos pela crença na educação, ainda que sob o restrito imaginário de “quem estuda tem a garantia de emprego”, fora um deles. O primeiro da família na faculdade, mas, diversos primos e vizi-
* Essa é uma das duas vezes que esse trabalho será escrito em primeira pessoa, a próxima será no epílogo, isso devido ao caráter pessoal que inicia e finaliza a investigação aqui proposta. A parte disso, o trabalho, apesar de apenas um autor, é uma construção coletiva, por isso será desenvolvido e descrito na primeira pessoa do plural.
nhos, de mesma idade, sem os mesmos incentivos e privilégios. O sentimento de ausência fora outra causa: era a falta de objetividade no ensino médio e a falta de subjetividade no ensino técnico, que me fizeram depositar no ensino superior a expectativa da conciliação. Acima de tudo, é a efetivação de ações afirmativas que potencializaram a realização do sonho dos meus pais e uma das minhas primeiras possibilidades de escolha: fora através do Programa Universidade para Todos (ProUni), mantenedor da bolsa integral que usufruo, que se concretizou a oportunidade de ingresso à graduação. Muitas são as experiências, oportunidades e pessoas que me fazem o arquiteto que quero ser. Ser aprendiz em sedes do poder executivo, anteriormente na Secretaria de Habitação da Prefeitura de Diadema e, agora, na Secretaria do Verde da Prefeitura de São Paulo, me levam a entender que o maior encargo do arquiteto é defender e manter a condição pública, fundamentalmente em tempos de retrocessão como se mostram os dias atuais e futuros. Ter tido professores que defendem que arquitetura não é uma profissão e sim uma posição, que ela é sobretudo o sentido que possui, que o que a interessa é a matéria prima da vida, que a construção é para além de pilar, viga e laje, que o pensamento complexo deve sobrepor ao cartesiano, e, até mesmo, professores que sus16 | 17
tentavam que dentro da hierarquia de funcionários de uma mesma corporação haveriam práticas higiênicas diferentes, isto é, que para os de mais baixo grau o projeto deveria dispor de sanitários diferentes, foram, assim, todos sujeitos que contribuíram para a arquitetura que defendo hoje. Os colegas de constante aversão e recriminação quanto ao meu posicionamento, os amigos de proximidade e discussões incitantes, profundas e questionadoras, além das pessoas dissipadas pelo sistema cotidiano que eu testemunhei e nada pude fazer, são outros colaboradores. Foram três ou quatro projetos que também corroboraram, que fizeram sentir-me-arquiteto,oportunizando discutir questões como os direitos humanos, a metrópole, a reconversão dos espaços e as estratégias para territórios regionais constituídos por desigualdades, impasses e interesses. Alguns livros também detêm sua parcela, num desses dizia que a “questão fundamental que navega entre nós arquitetos é imaginar as coisas que ainda não existem”**, e é assim que venho me fazendo existir. Tal como antes, ainda não sei nada sobre o mundo, tampouco sobre a arquitetura, mas agora reúno um conjunto de angústias, incertezas e intenções, que me fazem defendê-la e enviesá-la e, essencialmente, que me trazem até aqui. Tudo isso. Tudo. A inoportunidade
** ROCHA, Paulo Mendes da. Maquetes de Papel. 1 ed. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
da vida dos meus pais, o lugar onde nasci, a circunstância de ingresso na universidade, o quadro e as adversidades da esfera pública, a postura dos professoresarquitetos, a reação dos colegas, a verdade dos amigos, a financeirização e fragilidade da escola, o compromisso dos projetos, seu clientelismo e exclusivismo, as dinâmicas do território, os interesses em jogo e o que vem sendo escrito pela literatura especializada, me fazem acreditar que: a arquitetura é política.
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a relação política
arquitetura é sempre política Arquitetura é política!1 Mesmo que fosse essa uma afirmação de natureza pessoal, ela ainda assim seria, dado que, as questões pessoais sempre são políticas². Contudo, seguramente, há uma pluralidade de demonstrações e manifestações que asseguram a politicidade do exercício e pensamento arquitetônico. São os arquitetos catalães, Josep Maria Montaner e Zaida Muxí3, que concedem uma das maiores contribuições para que essa afirmação seja defendida, a partir da publicação do célebre exemplar intitulado Arquitetura e Política. Neste, são retomados os preceitos elementares da arquitetura que, de acordo com os autores, “tem uma estreita relação com a vida humana; portanto, tem muito a ver com o poder político e econômico, com a vontade coletiva pelo social e o comum, com o público e a permanência no futuro”4. Em vista disso, por serem relações tão intrínsecas e impalpáveis, acabam sendo desvinculadas quanto a função da arquitetura. Os autores retratam que essas correspondências “são óbvias no que diz respeito aos edifícios públicos, mas também são vitais no que se refere à legislação e à gestão, ao projeto e à construção das moradias e dos bairros como espaços para os novos modelos de vida e para a felicidade das pessoas”5. Desta forma,
Assim como João Batista Vilanova Artigas (1915-1985), em Caminhos da arquitetura, é preciso assegurar que “quem diz arquitetura diz urbanismo”, ou, ao menos, é desta maneira que será entendido toda vez que o substantivo arquitetura for cunhado isoladamente. (ARTIGAS, 1999, p. 99) 2 No célebre Arquitetura e Política, Josep Maria Montaner e Zaida Muxí nos relembra que “também não podemos nos esquecer de que assim, como o feminismo defendeu e continua a defender, as questões pessoais sempre são políticas” (MONTANER; MUXÍ, 2014, p. 15). 1
Josep Maria Montaner (1954) é arquiteto, escritor e catedrático da Escola Técnica Superior d’Arquitetura de Barcelona (ETSAB-UPC), onde, também, Zaida Muxí (1964) é professora titular, além de arquiteta especialista em urbanismo e gênero e escritora. Ambos são diretores do Mestrado em Habitação do Século XXI na Universidade Politécnica da Catalunha. 3
MONTANER, J.; MUXÍ, Z. Arquitetura e Política: ensaios para mundos alternativos. 2014, p. 15. 4
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Ibid., p. 15.
Veremos mais à frente a que sentido o termo política surge, pertence e do qual nos apropriaremos, mas, por ora, antecipamos apenas o seu concreto vínculo com tudo o que contorna a relação e organização coletiva entre pessoas. 7
MONTANER, J.; MUXÍ, Z. op. cit. 2014, p. 32.
Insaciados, os autores prosseguem explorando outras questões que tratam das relações entre arquitetura e política. Conforme Montaner e Muxí, uma das respostas mais imediatas é analisar as relações entre a arquitetura e o poder, ou seja, entre os poderosos e os arquitetos como projetistas de suas obras, indicando como são impostas suas ideias por meio dos espaços e das formas8. Corrobora a esse ponto de vista o autor Mauricio Puls, do qual a “a arquitetura é uma arte política, pois exprime o poder do Estado”9, entretanto, é preciso compreender que política não é o mesmo que poder, esta abarca um campo muito mais amplo, do qual nos leva a entender que a política, como relação da arquitetura e do urbanismo, tem de se ter com todos os diversos atores de cada sociedade10.
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” (BRASIL, 1988, p. 11)
Isto posto, é imprescindível reassumir o que é garantido em parágrafo único do primeiro artigo da Constituição Federal de 1988, se “todo o poder emana do povo”11, e à arquitetura é atribuída uma relação de poder-político, em consequência, ao povo ela, indis-
MONTANER, J.; MUXÍ, Z. op. cit. 2014, p. 32. 8
Em Arquitetura e Filosofia, Mauricio Puls proclama que “quem constrói a cidade não são os arquitetos, mas os governantes: a arquitetura é uma arte política, pois exprime o poder do Estado”, assim sendo, somos “obrigados a reconhecer que os arquitetos não definem seus fins, mas apenas os meios para realiza-los”. (PULS, 2006, p. 92) 9
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Ibid.
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considerando o intuito, a incumbência e a interferência da arquitetura na criação dos espaços para as relações entre as pessoas6, bem como sua contribuição ao direito, à organização e sustentação de uma vida oportuna, esta tem, necessariamente, relação com a política7.
pensavelmente, terá compromisso. Portanto, “as relações entre arquitetura e política não se reduzem unicamente à esfera dos políticos, ao servilismo perante o poder reclamado pelos ricos e poderosos para conformar o mundo, mas também tem a ver com o protagonismo dos habitantes nos processos de participação, nas ONGs, nas cooperativas ou nos movimentos sociais e nas iniciativas dedicadas à difusão e promoção dos direitos humanos. Em suma, trata-se da política como capacidade das pessoas de intervir”12. Sendo assim, é incontestável a politicidade – logo, responsabilidade – dessa disciplina. Até arquitetos laureados e de ampla difusão midiática, como é o caso de Paulo Mendes da Rocha13, sempre que possível discursar sobre o seu próprio discurso, manifesta que a “arquitetura é uma questão política”, com isso, precisamente, “nossa maior preocupação deve ser nesse campo. Nós [segundo o arquiteto] devíamos procurar influir cada vez mais para que a visão política se sobressaia em relação aos projetos”14, o que o leva a defender que a prática da arquitetura é “para resolver problemas. O que há são sempre problemas, e a forma como pensamos neles e nos planejamos para resolvê-los nos define politicamente”15. Ainda que seja breve essa reunião de argumentos, defesas, experi-
MONTANER, J.; MUXÍ, Z. op. cit. 2014, p. 33. 12
Não que seja necessária sua apresentação, mas como compromisso monográfico, relembramos de Paulo Mendes da Rocha (1928) é arquiteto e urbanista brasileiro, capixaba, radicado em São Paulo, onde formou-se, constituiu seu escritório e está presente muitas de suas obras. É um dos expoentes da chamada “escola paulista”, grupo de arquitetos modernistas liberado por Vilanova Artigas; são de sua autoria projetos como o Museu Brasileiro da Escultura (MuBE) e a reforma da Pinacoteca do Estado. Dentre alguns reconhecimentos estão o Prêmio Pritzker, dito mais importante laurel da arquitetura mundial, em 2006, bem como o Leão de Ouro, o Prêmio Imperial do Japão, ambos em 2016, e, a Royal Gold Medal em 2017. 13
Em resposta a perguntas feitas por nove arquitetos como entrevista para o jornal O Globo. (Gianini, A., Rubim, N. Arquitetos e urbanistas entrevistam Paulo Mendes da Rocha. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 30 de outubro de 2016, Cultura. Disponível em: <https://goo. gl/2UsYsH>. Acesso em: 15 de setembro de 2018.) 15 Ibid. 14
ências e ideias, podemos reafirmar: arquitetura é política! Daí em diante, de modo oposto, será a partir de uma afirmação que se principiará as interrogações que serão apontadas e exploradas nesta investigação que se inicia.
Essa demonstração da politicidade da arquitetura nos apresentou aos elementos que lhe constitui e a concede sentido concreto. Como visto, a arquitetura, sobretudo sua condição política, consiste no interesse, na organização e na relação entre as pessoas, na promoção objetiva de soluções, na instrumentalização do poder, na expressão como qualidade de forma
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espaço, direito manifesto da arquitetura existir
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MONTANER, J.; MUXÍ, Z. op. cit. 2014, p. 65-66. 16
A fins de advertência e síntese, indo de acordo, mais uma vez, com Montaner e Muxí, é possível inferir que “a ação política a partir da arquitetura sempre existiu, apesar de haver profissionais que negam essa relação e que fazem política por omissão. Se a política é a organização social de um grupo que se desenvolve em um espaço, o lugar no qual esse espaço é criado será integrador ou segregador, inclusivo ou excludente, estará orientado de acordo com a aspiração à redistribuição da qualidade de vida ou com a perpetuação da exclusão e do domínio dos poderes. É por isso que a arquitetura é sempre política”16.
< manifestação de estudantes em 1969 no prédio da faculdade de arquitetura e urbanismo da universidade de são paulo /imagem: joão batista vilanova artigas, reprodução: fau/usp, 1969.
e, não obstante, na apreensão do espaço. É por meio do espaço (condição material), que todos os princípios (condição imaterial) que integram a arquitetura podem ser cometidos. A arquitetura, que é política, sugere que o espaço, de mesmo modo, seja. Uma vez que já conferimos a politicidade dela, é preciso nos aproximarmos de uma compreensão de qual relação o espaço e a arquitetura correspondem, para, posteriormente, entendermos a que posição política o espaço estará propenso. Bruno Zevi, arquiteto, crítico e historiador italiano, reitera que o espaço é o protagonista da arquitetura. Segundo ele, o caráter essencial da arquitetura está no fato de agir com um vocabulário tridimensional que inclui o homem17. Essa defesa, é ainda reflexo do pensamento da arquitetura como arte, mas a tridimensionalidade, que Zevi se refere, é espacial, e isso é o que distinguiria a arquitetura das demais atividades e expressões artísticas que, segundo o crítico, jamais alcançaram efetivamente experienciar as três dimensões que, geometricamente, formam o espaço. Até mesmo a escultura, insiste ele, que é formada tridimensionalmente, não se realiza devido ao “homem ficar de fora, desligado, olhando do exterior as três dimensões”, enquanto o espaço, no âmbito arquitetôni-
ZEVI, B. Saber ver a arquitetura. 2009, p. 17. 17
19
Ibid., p. 19.
20
Ibid., p. 25.
21
Ibid., p. 26.
Porém, prossegue Zevi, “a arquitetura não provém de um conjunto de larguras, comprimentos e alturas dos elementos construtivos que encerram o espaço, mas precisamente do vazio, do espaço encerrado, do espaço interior em que os homens andam e vivem”19, o que reforça a proeminência da condição humana em relação ao espaço, assim como ocorre na relação da arquitetura com a política. É preciso compreendermos que esse espaço interior, alegado pelo crítico, não se restringe apenas a interioridade do espaço de uma edificação, por exemplo, mas sim de que a “experiência espacial própria da arquitetura prolonga-se na cidade, nas ruas e praças, nos becos e parques, nos estádios e jardins, onde quer que a obra do homem haja limitado vazios, isto é, tenha criado espaços fechados”20, sendo que por “fechados” entendemos como a condição delimitada e finita que o espaço possui. Zevi, adverte que “é claro que o espaço em si, apesar de ser o substantivo da arquitetura, não é suficiente para defini-la”21. Ainda assim, é evidente que ela precisa do espaço objetivo e/ou pressuposto, para se fazer percebida, portanto, podemos endossar que o espaço é a voz da arquitetura, o meio pelo qual ela se manifesta.
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Ibid.
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co, “é como uma grande escultura escavada, em cujo interior o homem penetra e caminha”18.
Está aí sua propensão política: o espaço é objeto do direito da arquitetura – e tudo o que a compõe, como já vimos – se fazer existir. o que nos interessa, arquitetura Nos interessa vivenciar a arquitetura em sua plenitude, foi em função disso que retomamos os elementos que a constituem através das argumentações precedentes. Assim, vimos que a arquitetura é polissêmica, no entanto, sua elementaridade gira em torno de três condições fundamentais e complementares: 1) a arquitetura é de natureza política, 2) acima de tudo quanto as ações, aos interesses, aos poderes e as organizações, individuais e comunitárias, das pessoas ou de grupos dessas, e, 3) sua realização é manifestada por artifício do espaço. É à vista desses fundamentos que estabeleceremos e examinaremos, mais profundamente, quatro conceitos, a fim de ir, agora de modo oposto, ao encontro da arquitetura que nos interessa. Neste sentido, procuraremos 1) apreender o que é política, 2) o que é sujeito (por se referir à condição humana em ação), 3) o que é espaço, e, 4) o que é comunitário (por se referir à condição humana em comunhão). Acima de tudo, compreenderemos a correlação dialética, no que tange a totalidade e contradição, destes conceitos entrecruzados. Nos adentraremos nesses conceitos
com “imparcialidade arquitetônica”, isto é, exploraremos a partir de argumentações interdisciplinares que não, propriamente, a arquitetura. É preciso, reconhecermos que, assim como a exposição quanto a politicidade da arquitetura e do espaço, não esgotaremos as fontes de argumentos para definição dos conceitos, e sim, reuniremos e sistematizaremos o conteúdo multidisciplinar necessário para o entendimento.
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MONTANER, J.; MUXÍ, Z. op. cit. 2015, p. 15. 23 Marilena Chauí (1941) é filósofa brasileira, escritora e professora emérita de Filosofia Política e Estética da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Foi secretária Municipal de Cultura de São Paulo, de 1989 a 1992 e se destaca pela sua atuação política como membro do Partido dos Trabalhadores, partido político de que é uma das fundadoras e ativa militante intelectual. 22
Não há como se distanciar da longínqua origem da definição de política. São Montaner e Muxí, novamente, que relembram que o termo deriva do grego polis, isto é, a cidade como agrupação ordenada de cidadãos livres e diferentes que se auto-organizam para interagir no mundo. Ainda que ali e naquele tempo as definições de cidadão, diversidade e liberdade sejam um tanto falaciosas, como é sabido, as primeiras civilizações gregas foram escravistas, sexistas e xenofóbicas, como aponta a história. Porém, os autores destacam a estreita relação entre política e cidade nas suas raízes22. Na cidade estavam imbricadas a vida em sociedade, as relações propositivas e, fundamentalmente, a organização. Marilena Chauí23 objeta o nascimento da política junto com as cidades gregas, que já eram organizadas por leis e instituições.
A RELAÇÃO POLÍTICA
política, a natureza das relações
A autora nos diz que “os gregos inventaram a política porque instituíram práticas pelas quais as decisões eram tomadas com bases em discussões e debates públicos e eram adotadas ou revogadas por votos em assembleias públicas”24, mas também, “porque estabeleceram instituições públicas [...] e, sobretudo, porque criaram a ideia da lei e da justiça como expressões da vontade coletiva pública, e não como imposição da vontade de um só ou de um grupo, em nome de divindades”25. Chauí defende que a finalidade da vida política era a justiça na comunidade26, sendo assim, a política fora inventada de modo que a cada solução encontrada, um novo conflito ou uma nova luta surgia, exigindo novas soluções. Todavia, em lugar de reprimir os conflitos pelo uso da força ou da violência das armas, a política aparece como trabalho legítimo dos conflitos, de tal modo que o fracasso nesse trabalho é a causa do uso da força e da violência27. Neste sentido, a elementaridade da política é estreitamente vinculada ao debate, ao diálogo, a justiça e a vida pública. É quanto ao bem, que o filósofo grego Aristóteles (384 a.C -322 a.C.), se refere como o maior fim da política, superando todos os outros. Segundo ele, em A Política, “o bem político é a justiça, da qual é inseparável o interesse comum, e muitos concordam em considerar a justiça [...] como uma
CHAUÍ, M. Introdução à filosofia. 2010, p. 30. 24
25
Ibid.
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Ibid., p. 325.
27
Ibid., p. 323.
ARISTÓTELES. A Política. 2006, p. 99. 28
espécie de igualdade. Se há, dizem os filósofos, algo de justo entre os homens é a igualdade de tratamento entre pessoas iguais”28. Neste contexto, podemos compreender mais duas significações de política: essa tem como maior finalidade o justo bem ao interesse comum e convicto zelo pela isonomia. Posto isto, a política é compreendida, conjuntamente, como a prática, a mediação e a organização das relações sociais, enquanto manutenção da vida pública, se dando somente a partir da ação coletiva, intuindo a justiça, a igualdade e o bem de interesse comunitário.
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Jair Pinheiro é doutor em ciências sociais e professor. Tem experiência na área de ciência política, com ênfase em teoria política, atuando principalmente nos seguintes temas: ongs, terceiro setor e neoliberalismo, questão habitacional, ideologia; sujeito, propina, administração, estado e políticas públicas. 29
Tal como na gramática, quando da análise sintática, uma das mais simples atribuições correspondentes ao sujeito, o responsabiliza por realizar ou sofrer uma ação, assim, concedendo concordância ao verbo e suporte a afirmação feita pelo predicado, dando forma e estrutura à oração. Utiliza-se essa trivial definição: o sujeito é o praticante da ação. No entanto, diante da complexidade humana, a quem se é interessada essa pesquisa, a mera descrição do sujeito gramatical não compreende a pluralidade do termo aplicado aos seres e limita-nos a demonstrações. Jair Pinheiro29 nos apresenta alguns elementos basilares dos atos e práticas dos sujeitos humanos.
A RELAÇÃO POLÍTICA
sujeito, a ação humana
Segundo ele, os sujeitos são agentes movidos por seus interesses, orientados pelo comportamento de outros e praticantes da continuidade da ação. Ele elucida sua argumentação ao traçar proposições que descrevem a elementaridade dos sujeitos. Para o autor, estes existem e são constituídos apenas em relações sociais efetivas que se materializam em instituições sociais, organizadas burocraticamente ou não, por meio dos rituais materiais próprios a cada uma delas. Dessa maneira, todos os sujeitos participam da atribuição discursiva de significados por meio de suas atividades regulares e cotidianas, na medida em que integram essas instituições. Porém, evidencia Pinheiro, o fazem em condições desiguais de controle e posse dos recursos materiais, o que corresponde a diferentes posições nas relações sociais30. O mesmo autor, salienta a importância da distinção entre indivíduo e sujeito. Em sua acepção, o indivíduo é uma unidade estatística discreta31, ou seja, uma fração ordinária de qualquer coleta de dados quantitativos, um de per si, um ente sem participação e representação de causas, interesses e fundamentos pelos quais lutar. Já o sujeito só existe no interior de uma situação como agente dela32, um atuante, operador e partícipe de realizações propositivas, uns pelos outros, os quais
PINHEIRO, J. O sujeito da ação política: notas para uma teoria. 1997, p. 156-157. 30
31
Ibid., p. 145.
32
Ibid.
interagem intuindo uma finalidade. É importante sobressaltar que essa distinção é de cunho prático e não excludente, o próprio Pinheiro coloca que o indivíduo é passível de se transformar em sujeito em dada situação.
Maria de Lourdes Covre é doutora em ciências sociais, livre docente pela Universidade de São Paulo e autora de diversos livros e textos. 35
Dado isso, e como complementaridade da concepção de política, é possível relacionarmos a significação do sujeito com o papel do cidadão. Para tanto, outros questionamentos precisarão ser enfrentados: o que é cidadania e o que é ser cidadão. Maria de Lourdes Covre35 em O que é cidadania alerta que para muitos, ser cidadão confunde-se com o direito de votar, mas é sabido que o ato de votar não
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KONDER, L. O que é dialética. 1987, p. 18. 34
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Leandro Konder (1936-2014) foi um professor, filósofo marxista e escritor brasileiro. É autor de inúmeras obras em diversas áreas do conhecimento, como filosofia, sociologia, história e educação. 33
O vínculo entre sujeito e ação é defendido por outros autores, inclusive importantes pensadores de outros tempos e defesas. De acordo com Leandro Konder33, o filósofo alemão Hegel (1770-1830), reconhecia que o sujeito humano é essencialmente ativo e está sempre interferindo na realidade, ainda, segundo o autor, antes mesmo desse, o filósofo suíço Rousseau, (1712-1778), já sabia que as mudanças sociais profundas são realizadas por sujeitos coletivos e não costumam ser tranquilas, dizia que as transformações necessárias tendem a ser um tanto tumultuadas34. Desse modo, se é claro que corresponde ao sujeito a consciência, a incumbência e o poder quanto às ações.
garante nenhuma cidadania, se não for acompanhado de determinadas condições de nível econômico, político, social e cultural36. A autora ressalta que o cidadão é dividido entre possuir direitos – nos âmbitos civis, sociais e políticos – e deveres, o que o leva a ser súdito e ser soberano37 das ações coletivas que constituem a sociedade. Neste sentido, se ser cidadão é o “possuir” direitos e deveres, a cidadania é os “praticá-los”. Mas, é importante destacar que estes direitos e deveres, acima de tudo os direitos, não são meros recursos disponíveis para usufrui-los, pelo contrário, são, apesar de garantidos, fruto de constantes lutas e resistências para poder gozá-los, na maioria das vezes não bem-sucedidas. Covre enfatiza e nos alimenta em esperanças de que os cidadãos “em vez de meros receptores, são acima de tudo sujeitos daquilo que podem conquistar”38. A autora afirma que “só existe cidadania se houver a prática da reivindicação, da apropriação de espaços, da pugna para fazer valer os direitos do cidadão”, sendo assim, “a prática da cidadania pode ser a estratégia, por excelência, para a construção de uma sociedade melhor”39. É essencial entender que “o primeiro pressuposto dessa prática é que esteja assegurado o direito de reivindicar os direitos, e que o conhecimento deste se estenda cada vez mais a toda a po-
COVRE, M. O que é cidadania. 1995, p. 8-9. 36
37
Ibid.
38
Ibid., p. 11.
39
Ibid., p. 10.
pulação”40, portanto, é concebida a primeira correlação possível: o sujeito-cidadão é um ente político que se realiza numa organização, consequentemente, política. Deste modo, há uma determinada relação entre política e sujeito; e, como, intrinsecamente vimos, podemos notar que essas se dão dentre o espaço, envoltas aos interesses e meios comunitários e por intermédio da ação, da ação partícipe ou, propriamente, da participação, logo, já são antecipadas as correlações conseguintes. Sendo assim, sujeito é entendido como pessoas das quais praticam ações, em forma de luta, reinvindicação e/ou resistência, que indicam ou provocam transformações para o bem comunitário, por vias políticas, ou seja, como exercício de sua cidadania: gozando de seus direitos e dignificando os seus deveres. espaço, ações e objetos organizados Lancemos o olhar para o espaço em sua condição material finita: geográfica e edificada. Portanto, o meio de extensão física, de princípio artificial sobre o natural, correspondente ao suporte da existência humana sensível e do qual a sua compreensão seja concreta. Apesar dessa implicação materialista, nos afeta ainda mais as ações, dinâmicas e forças sociais que sucedem sobre essa matéria; é a esse sentido que defendemos a
A RELAÇÃO POLÍTICA
Ibid.
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40
ideia de espaço. Claudete Cruz41, ao traçar fundamentos para a pedagogia do espaço, assegura-nos a essa definição manifestada ao alegar que o “espaço é a dimensão social por excelência, enquanto o tempo é a dimensão da mudança. A espacialidade manifesta a práxis sociocultural, portanto, sua compreensão tem implicações para as ciências humanas e sociais que tratam dessa questão indiretamente”42. Assim, o entendimento do espaço transcende a condição física e reconhece as decorrências culturais, sociais e temporais que nele atuam. Nessa perspectiva, é preciso depreender que a “compreensão do espaço passa, necessariamente, pela compreensão de que os objetos e as ações estão em continuidade e são sistematicamente interligados. Objetos e ações só podem ser entendidos à luz de sua história e do presente”43. Milton Santos44 alerta que não podemos considerar essa sistematização isoladamente, o autor reforça que, o “espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório45, de sistemas de objetos e sistemas de ações”46, onde a história se dará. Entendemos essa sistematização defendida pelos autores como organização. Isto posto, há no espaço uma determinada organização, sendo esta, o modo de estruturação constituída no decorrer do tempo,
Claudete Cruz é geógrafa, doutora em educação, pesquisadora e professora. 41
CRUZ, C. Paulo Freire e Milton Santos: Fundamentos para uma Pedagogia do Espaço. 2014, p. 91. 42
Ibid., p. 93. Milton Santos (1926-2001) foi um geógrafo, intelectual, professor e um dos maiores pensadores brasileiros. Destacou-se por seus trabalhos em diversas áreas da geografia, em especial nos estudos de urbanização do Terceiro Mundo. Seus estudos inovaram a área da geografia urbana, os quais foram fundamentais para uma nova abordagem do assunto. 45 Grifo nosso. 46 SANTOS, M. A natureza do espaço: Técnica e tempo. Razão e emoção. 2006, p. 39. 43 44
pela qual o espaço se caracteriza, demonstrando-se com clareza ou não. Marc Augé (1935) é um etnólogo e antropólogo francês. É autor de Não-Lugares, de 1995, o que leva a ser considerado como o primeiro a cunhar o termo “não-lugar” para se referir a lugares transitórios que não possuem significado suficiente para serem definidos como “um lugar”. Esse livro também será explorado no conteúdo conseguinte desse trabalho. 47
AUGÉ, M. Não Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. 2012, p. 50-51. 48
Marc Augé47 colabora para que essa argumentação não soe tão especulativa. Segundo o autor de Não-Lugares, até os espaços mais nocivos são organizados, e nos sugerem que a “organização do espaço e a constituição dos lugares são, no interior de um mesmo grupo social, uma das motivações e uma das modalidades das práticas coletivas e individuais”48, assim, atrelando a natureza de sua organização com as ações que nele transcorrem, ou a forma oposta.
Deste modo, por espaço, arrisca-se a simples definição de: objeto organizado disposto de estrutura, forma, matéria e superfície, cuja condição comporta e é persuadida pelas ações e aspirações humanas individuais e, sobretudo, coletivas. Assim, espaço é objeto de tudo aquilo que não é, propriamente, ser vivo, contrariando, no que corresponde a relação49, ao estado de sujeito.
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De acordo com Marilena Chauí, “confundimos contradição e oposição, mas ambos são conceitos muito diferentes. Na oposição existem dois termos, cada qual dotado de suas próprias características e de sua própria existência, e que se opõem quando, por algum motivo, se encontram. Isto significa que, na oposição, podemos tomar os dois termos separadamente, entender cada um deles, entender por que se oporão se se encontrarem e, sobretudo, podemos perceber que eles existem e se conservam, quer haja ou não haja a oposição. [...] A contradição, porém, não é isto. Na contradição só existe a relação, isto é, 49
A RELAÇÃO POLÍTICA
Se as conceituações dos termos anteriores possibilitaram entrevermos a relação de política e sujeito, esta atrela diretamente o sujeito ao espaço, enquanto praticante ativo, contributivo e suscetível das condições que o regem. Assim, mais uma correlação é estabelecida formando o encadeamento: política-sujeito-espaço.
comunitário, a comunhão humana Não é preciso prolongar-se na conceituação de comunitário. O termo, como é corriqueiro, diz respeito ao sentido de comunidade, ao que é comum a muitos e a qualidade da comunhão. É necessário apenas anunciar que o termo, condiz e confunde-se ao pensamento comunitarista. Pedro Bastos de Souza50, um dos poucos autores nacionais a indagar sobre essa corrente, nos informa que o pensamento comunitarista parte da “crença de que é necessário prestar mais atenção às práticas e valores compartilhados dentro de cada sociedade”51, assim, “busca-se um enfoque relativista de justiça, centrado na ideia de comunidade e de compartilhamento”52. A esse pensamento é atribuído uma série de valores comuns, dentre eles, uma das “diversas perspectivas comunitaristas confluem para uma concepção de justiça enraizada nos valores culturais existentes nas comunidades acerca da definição de bem”53, o que nos reporta ao sentido de política, como já observado. Deste modo, o comunitarismo é, teórico e praticamente, político, logo, mais uma correlação é constituída. Souza ainda, eleva a compreensão desse pensamento à condição humana, ao elucidar que “os seres são comunitários e seus mo-
não podemos tomar os termos antagônicos fora dessa relação. São criados por essa relação e transformados nela e por ela. Além disso, a contradição opera com uma forma muito determinada de negação, a negação interna. Ou seja, se dissermos ‘O caderno não é o livro’, essa negação é externa, pois, além de não definir qualquer relação interna entre os dois termos, qualquer um deles pode aparecer em outras negações, visto que podemos dizer: ‘O caderno não é o livro, não é a pedra, não é a casa, não é o homem, etc.’ A negação é interna quando o que é negado é a própria realidade de um dos termos, por exemplo, quando dizemos: ‘A é não-A’. Só há contradição quando a negação é interna e quando ela for à relação que define uma realidade que é em si mesma dividida num pólo positivo e num pólo negativo, pólo este que é o negativo daquele positivo e de nenhum outro.” (CHAUÍ, 1997, p. 36-37) 50 Pedro Bastos de Souza é mestre em direito, pesquisador e professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro. É especialista em direito e políticas públicas. 51 SOUZA, P. O pensamento comunitarista e sua visão crítica ao liberalismo político. 2014, p. 4. 52 Ibid., p. 3.
53
Ibid.
54
Ibid., p. 7.
mentos de reação refletem isso”54, retomando, assim, a natureza de sujeito. o que nos interessa, as correlações Partimos de um fundamento: a política, vívida pela condição humana, os sujeitos, materializada e organizada na conjunção de firmamentos, o espaço, como manifestação cotidiana: a prática comunitária. Assim, como já declarado, nos interessa a arquitetura, acima de tudo, o que a arquitetura é. Em vista disso, quando compreendemos que a arquitetura é política e avistamos algumas das correlações que a correspondem, tomamos conta de que é a isso que devemos nos concentrar.
Não obstante, enquanto comprometimento prático, é necessário que esses fundamentos sejam experimentados, e, como vimos, a prática comunitária demonstra enlaçar, estreitar e realizar essa tríade fundamental. Neste segmento, e levando em conta que as questões pessoais são sempre políticas55,
A RELAÇÃO POLÍTICA
no prólogo, teve como início da sua formação profissional prática a experiência de trabalhar dentre aos núcleos habitacionais de Diadema, junto a Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano do município. Entre das diversas percepções alcançadas a partir dessa experiência, alguma delas fora que o município possui uma histórica e relevante experiência quanto a participação popular e que os Centros Comunitários se apresentam como espaços de contribuição política, ainda que em condições precárias, o que contribuiu para incitar a essa pesquisa.
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55 O autor, como já apresentado
É neste sentido, que se faz necessário investigar a relação política entre sujeito e espaço, o que, enquanto compromisso teórico, nos elevará o conhecimento e a capacidade de instrumentalização de três dos principais fundamentos que constitui a arquitetura: política, sujeito e espaço.
como já citado, que nos dedicaremos, em complementaridade, a investigar a experiência da relação entre a Participação Popular e os Centros Comunitários dos núcleos habitacionais de Diadema. Exploraremos o porquê. arquitetura, que nos interessa A participação popular e os centros comunitários são demonstrações incontestáveis da prática comunitária que criam, realizam e sustentam a práxis política, a constituição do sujeito e a implicação no espaço. É a jovem Diadema, de 59 anos, cidade da Região Metropolitana de São Paulo, que teve o início da sua formação assinalada pela efervescente participação popular. Ainda aos 24 anos, contados a partir da emancipação do município em 1959, diferentes circunstâncias e demandas que implicavam na vida e na organização dos populares e trabalhadores, levaram os a conceder a administração pública à primeira gestão de defesa das pautas populares e de viés progressista, com a eleição da primeira prefeitura no país pelo Partido dos Trabalhadores (PT), estendendo-se a dois ciclos de três gestões consecutivas, 1983-1996 e 2001-2012. Raquel Rolnik56 nos apresenta o porquê dessa experiência se colocar como uma legítima prática comunitária. “O ponto mais importante”, afirma ela, durante esse
56 Outra personalidade que talvez não precise de apresentação, mas mantendo o compromisso monográfico, relembramos que Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia Adequada, diretora de Planejamento da Cidade de São Paulo e secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, entre outras atividades profissionais e didáticas relacionadas à política urbana e habitacional.
SANTOS, J. Lutas por moradia na cidade de Diadema (1983-1996): cooptação política e acomodação de conflitos do capital. 2009, p. 48. 59
A RELAÇÃO POLÍTICA
Joana Darc dos Santos é doutora, historiadora e cientista social. Exerceu cargo público na administração pública do município de Diadema. 58
Em Diadema houve e há uma diversidade de sujeitos ou conjunto deles, dentre os quais diferentes associações regionais de favelas, associações de moradores, associações e movimentos de luta por moradia, por saneamento, pela educação, pelo transporte, pela saúde, mulheres em movimento, conselhos municipais e populares, fóruns temáticos, entre outros. Joana Darc dos Santos58 nos aproxima ainda mais da condição desses sujeitos, de acordo com a historiadora, “em Diadema, tais sujeitos são motoristas, vendedores, mecânicos, operadores de máquinas, ajudantes gerais, cozinheiros, caixas, auxiliares de inspeção, que, separados das condições autônomas de desenvolverem suas atividades, vendem sua força de trabalho para garantir sua subsistência”59, o que revela entes cotidianos, com problemas reais, a quem a investigação nos aproximará.
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ROLNIK, R. Pólis: estudos, formação e assessoria em políticas sociais. – Regulação urbanística e exclusão territorial. 1999, p. 53. 57
período “foi a participação da população, pois ao incorporar grande parte da sociedade nesta discussão conseguiu reunir propostas e desenhar instrumentos capazes de atender a coletividade”57. É claro que diferentes conquistas, conflitos e impasses decorrem daí, do qual essa grosseira apresentação não abarca, mas que serão explorados, uma vez que agora é conteúdo dessa investigação, nas páginas posteriores.
Enfim, é também em Diadema que existem grande número de Centros Comunitários, ao todos são trinta e dois60; muitos desses foram erguidos a partir da “necessidade de construir um espaço que abrigasse as atividades coletivas dos moradores”61, sendo que, a maior parte, estão inseridos nos núcleos habitacionais do município. A terminologia núcleo habitacional, que também é fruto de uma tomada de decisão comunitária, nos obriga antecipar a sua explicação devido a sua peculiaridade e frequência de que será empregada na sequência da investigação. De acordo com a historiadora Joana Darc, “o conceito de Núcleo Habitacional tem o mesmo significado que núcleos de favelas [urbanizadas]. Tal conceito foi construído a partir dos encontros com a população organizada em comissões e associações, na década de 1980, com o objetivo de expressar os desejos múltiplos dos moradores por mudança de condições de vida. Os termos ‘favela’ e ‘favelados’ continuaram a ser utilizados em documentos oficiais”62. O fato de grande parte dos Centros Comunitários se localizarem nos núcleos habitacionais não é sem motivo. Era ali onde residiam a maioria dos sujeitos e se mantinham muitos dos movimentos organizados. Esses Centros, por vezes, contribuíram como suporte para a
Dado da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura Municipal de Diadema, 2018. 60
61
12.
62
SANTOS, J. op. cit. 2009, p.
Ibid., p. 53.
Afirmação de Paulo Mendes da Rocha em entrevista para a Revista Brasileiros. (Grispum, M. O amplo sentido da arquitetura. Revista Brasileiros, Entrevista, São Paulo: julho de 2016, v. 1. p. 21-29.) 64
De mesmo modo que ao intrigarmos quanto a politicidade da arquitetura nos evidenciou algumas de suas correlações, da qual, a vinculação dos fundamentos política-sujeito-espaço-comunitário, ao investigarmos a relação política entre sujeito e espaço, tendo em vista o caso da participação popular e os Centros Comunitários, que já é fruto dessa compreensão, muito provavelmente, promoverá ainda mais correlações e demonstrações que ilustrará a condição política da arquitetura. Isso devido a essa investigação, dentre outras finalidades, ser instrumento para uma proposição arquitetônica, que a cada página nos direcionará para saber qual será, mas, sobretudo, porque a “arquitetura é inexoravelmente uma forma de conhecimento”64. Com isso, qualquer indagação, percepção e argumentação que nasce dela, ela é. percurso Usaremos das diferentes frentes do pensamento dialético para cursarmos essa investigação. O “método
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Ibid., p. 89.
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63
organização política de algumas ações e como práticas de políticas públicas, eram neles que aconteciam “encontros dos moradores e [onde] abrigavam serviços de saúde, educação, lazer e cultura”63, hoje essas atividades, estrutura e organização estão, em geral, precárias.
dialético nos incita a revermos o passado à luz do que está acontecendo no presente; ele questiona o presente em nome do futuro, [ou seja], o que está sendo em nome do que ainda não é”65, ele nos induz, acima de tudo, a prática de síntese que corresponde a “visão de conjunto [e] que permite ao homem descobrir a estrutura significativa da realidade com que se defronta, numa situação dada”66, esse método é defendido como pensamento devido ele relacionar as “contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação”67, que coincide com os fundamentos e casos que acompanhamos por meio dessa sucinta explanação que aqui se encerra. Dessa maneira, a investigação dará o primeiro passo explorando conceitos, demonstrações e teorias que revelam as relações Entre sujeito e espaço, o que compreende a primeira parte dessa publicação. O passo seguinte, percorre à luz da história, das experiências, de interlocuções, de representações cartográficas e fotográficas, Uma investigação sobre a participação popular que ocorrera no município investigado, compondo a segunda parte do texto. Mais alguns passos à frente, nos aproximaremos em E os Centros Comunitários dos núcleos habitacionais de Diadema, correspondente a terceira parte dessa pesquisa, onde a partir de dados,
KONDER, L. op. cit. 1987, p. 84. 65
66
Ibid., p. 37.
67
Ibid., p. 8.
46 | 47 _
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de interlocuções, de percepções e de representações gráficas espaciais, exploraremos a formação, condição e dinâmicas desses espaços políticos. Ao fim do percurso, poderemos ponderar A relação política entre sujeito e espaço: Uma investigação sobre a participação popular e os Centros Comunitários dos núcleos habitacionais de Diadema, compondo a quarta e última parte desta investigação, com avaliações, considerações e reflexões, na tentativa de manifestar a totalidade das indagações exploradas por esse trabalho; nesta, será oportuna e anunciada a qual sentido seguir.
1 5
entre sujeito e espaรงo:
quem nasceu primeiro Defendemos a indissociabilidade e solidariedade que vinculam sujeito à espaço, prenunciada por Milton Santos, da qual “sistemas de objetos e sistemas de ações interagem. De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações levam à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes”1, dessa maneira, é possível desvendar que a ação antecede o objeto que precede a ação que antecede o objeto... A contradição, símil a inquietação de ovos e galinhas, surge daí, não sabemos o que principia essa interagência, se é o espaço que provoca as ações ou se são elas que suscitam o espaço. Longe de uma discussão genesíaca, dedicaremos a conhecer o que fundamenta essa relação, a fim de constituir um saber mais concreto quanto as duas principais forças que formam o mundo: ação e objeto. Santos exemplifica que “a configuração territorial, ou configuração geográfica, tem, pois, uma existência material própria”, o que a torna elementar, “mas sua existência social, isto é, sua existência real, somente lhe é dada pelo fato das relações sociais”2, sendo a vida que a anima. É por isso que os “objetos não têm realidade filosófica, isto é, não nos permitem o conhecimento, se os vemos separados dos sistemas de
SANTOS, M. A natureza do espaço: Técnica e tempo. Razão e emoção. 2006, p. 39. 1
SANTOS, M. op. cit. 2006, p. 38-39. 2
3
Ibid., p. 39
ações. Os sistemas de ações também não se dão sem os sistemas de objetos”3. Essa interpretação, que reforça a inseparabilidade dos estados, sugere a condição de primazia do espaço sobreposta à supremacia da ação. Nesse sentido, nos renderemos, fadados ao insucesso, investiga-la primeiro, a parte do objeto, depois esse, a parte da ação, para que por fim alcançemos o retrato de sua unidade.
5
Ibid., p. 14.
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SCHÖPKE, R. Dicionário filosófico: conceitos fundamentais. 2010, p. 13 4
Antes de tudo, é preciso entender que “num sentido bem profundo, ação é movimento. É o ato de ‘fazer’, de ‘realizar’ algo. Eis por que chamamos ativo o indivíduo que realiza coisas, que põe em movimento a vida, que vai para o mundo, e passivo aquele que não se movimenta, que apenas reage aos estímulos, sem – no fundo – ser senhor de sua própria vontade”4. Em função disso, todas as vezes que pronunciarmos a palavra “ação” estaremos intrinsicamente nos referindo aos sujeitos que a promove, posto que “a ação está, em geral, associada aos seres vivos e é quase sempre entendida em sua relação com a vontade, com a intencionalidade”5. A teoria miltoniana enriquece esse pensamento, defendendo que um ato não é um comportamento qualquer, mas um comportamento orientado no sentido de atingir fins ou objetivos, dessa
ENTRE SUJEITO E ESPAÇO
ações
forma “a ação é a execução de um ato projetado e o sentido da ação é o correspondente do ato projetado. E o ato supõe uma situação, sobre a qual se projeta a ação”6, isto é, as ações são processos imbuídos de propósitos com poder de efeito, assim “criando uma alteração, uma modificação do meio. Um dos resultados da ação é, pois, alterar, modificar a situação em que se insere”7. Nessa acepção, essas ações estão ligadas “ao processo direto da produção, isto é, à produção propriamente dita, também o estão à circulação, à distribuição e ao consumo”8, bem como processos históricos, visto que as ações são sucessões de atos que se dão com e no tempo, e as modificações provocadas por elas constituem eventos que formalizam a história. “Dessa maneira, com a produção humana há a produção do espaço”9, isso porque a ação “não se dá sem que haja um objeto; e, quando exercida, acaba por se redefinir como ação e por redefinir o objeto. Por isso os eventos estão no próprio coração da interpretação geográfica dos fenômenos sociais”10. Esse quadro sugere que é a qualidade das ações que caracterizará o espaço, “são as ações que, em última análise, definem os objetos, dando-lhes um sentido”11. Assim, se as ações forem políticas, os objetos que ela criará, sustentará e/ou se encerrará tam-
6
SANTOS, M. op. cit. 2006, p. 50.
7
Ibid.
8
Ibid.
SANTOS, M. Metamorfose do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. 2014, p. 72. 9
10
Ibid., p. 70.
11
SANTOS, M. op. cit. 2006, p. 61.
AUGÉ, M. Não Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. 2012, p. 61. 12
bém o serão. Augé interpreta uma das chaves dessa criptografia e revela que “a linguagem política é naturalmente espacial, nem que seja quando se fala em direita e esquerda, sem dúvida porque lhe é necessário pensar simultaneamente a unidade e a diversidade – sendo a centralidade a expressão mais aproximada”12. Ações tem forma, conteúdo, finalidade: espaço. objeto
SANTOS, M. op. cit. 2006, p. 55.
ENTRE SUJEITO E ESPAÇO
14
O espaço, que é objeto e ao mesmo tempo que um sistema deles, se materializa em diversos conjuntos: paisagem, território, cidade, lugar e construção – para dizer alguns – que dependem da ação para existir. A paisagem, por exemplo, “é a materialização de um instante da sociedade”14, o que, numa comparação ousada, seria a realidade de homens fixos, parados como numa fotografia. A “cidade é feita mais dos comportamentos dos homens do que das construções”, como teste-
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PULS, M. Arquitetura e filosofia. 2006, p. 7. 13
O objeto, no que lhe diz respeito, é entendido como um “ente, uma coisa material finita. Essa finitude indica que ele abriga uma contradição interna, que define seus limites: ele não é apenas um ser, mas um ser que carrega dentro de si seu próprio fim, seja no espaço (o ente possui um contorno), seja no tempo, ele possui uma origem e um fim”13 e só, a parte disso são as ações que o fazem ser o que é.
munha Mendes da Rocha15. As construções seguem o mesmo princípio, “o edifício nada mais é que o lugar do homem no mundo, o espaço aberto pelo sujeito no entorno material que o envolve. Esse invólucro inorgânico criado artificialmente a partir da natureza é moldado a partir do sujeito ao qual ele se destina: a forma do objeto é a experiência social materializada”16. Desse modo, objetos adquirem força de identidade, valores, tempo e poder, portanto, força política, exponenciando as ações. “A partir do reconhecimento dos objetos na paisagem, e no espaço”, por exemplo, “somos alertados para as relações que existem entre os lugares. Essas relações são respostas ao processo produtivo no sentido largo, incluindo desde a produção de mercadorias à produção simbólica”17. Essas forças são mais explícitas nos desdobramentos problemáticos, em diversos fins e dimensões, de maneira que “toda estratificação social pressupõe uma segregação espacial: numa escola, o quadro do professor se opõe às carteiras dos alunos; numa igreja, o altar situa-se num patamar acima do espaço dos fiéis; num palácio, o governante ocupa um gabinete fechado aos governados”18, assim o espaço “espelha a estrutura social, separando dominantes e dominados, aliados e adversários”19. As forças de valores são claras, sobretudo às cidades e aos cidadãos, “o valor do indi-
Paulo Mendes da Rocha em entrevista para o jornal El País. Avendaño, T. Mendes da Rocha: “A cidade é feita mais de homens do que de construções”. El país, Cultura, São Paulo: 8 de novembro de 2018. Disponível em <https://goo.gl/pBBsRe>. 15
16
SCHÖPKE, R. op. cit. 2010, p. 13.
17
SANTOS, M. op. cit. 2014, p. 79.
18
PULS, M. op. cit. 2006, p. 22.
19
Ibid.
22
SANTOS, M. op. cit. 2006, p. 43.
indissociáveis Milton Santos estava certo. É impossível dissociar ação de objeto, objeto de ação, sua relação solidária e simultânea compete a uma reciprocidade jamais vista, os dois estados constituem, conduzem e compartilham as mesmas forças (políticas!). Só é inevitável fazer justiça às ações, reforçamos que são elas que detém o poder transformador, enquanto o espaço a
ENTRE SUJEITO E ESPAÇO
SANTOS, M. op. cit. 2014, p. 143-144. 21
víduo depende, em larga escala, do lugar onde está”20, afirma Santos, assim “morar na periferia é condenar-se duas vezes à pobreza. À pobreza gerada pelo modelo econômico, segmentador do mercado de trabalho e das classes sociais, superpõe-se a pobreza gerada pelo modo territorial. Este, afinal, determina quem deve ser mais ou menos pobre somente por morar neste ou naquele lugar”21. Já a força temporal é materializada no próprio objeto, que o faz ser o maior testemunho dos processos históricos, em virtude de que “toda criação de objetos responde a condições sociais e técnicas presentes num dado momento histórico. Sua reprodução também obedece a condições sociais”22, assim, objetos carregam em si a sucessão e permanência das ações dadas no tempo, consequentemente, a história. À vista disso, as propriedades de ações e objetos mostram-se cada vez mais indistinguíveis e inseparáveis.
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SANTOS, M. O espaço do cidadão. 2014, p. 139. 20
condição transformável. Ao objeto cabe também o reconhecimento de sua polivalência: ele corresponde funcionalmente e simbolicamente aos processos humanos e históricos, sendo o “elo entre o homem e o mundo, basicamente, uma relação de inerência envolvendo a parte e o todo: o sujeito faz parte do objeto, o homem está dentro do mundo. O vínculo essencial entre os dois polos é o que hoje designamos por habitar: o objeto é a morada do sujeito”23. Assim “como toda ação se dá no espaço, um tal enfoque (ação no espaço) em nada serviria à explicação, de um ponto de vista espacial, dos diversos sistemas sociais”24, é necessário “compreender e explicar as ações humanas, clarificar a relação entre ações humanas e os mundos social e físico”25. O caso a ser investigado nas páginas seguintes se ancora nesse ensinamento. Agora que podemos pactuar que a relação política entre sujeito e espaço é propensa quando a ação é política e o espaço a compreende, veremos à frente uma demonstração de como a teoria pode se praticar.
23
PULS, M. op. cit. 2006, p. 51.
SANTOS, M. op. cit. 2006, p.
24
54.
25
Ibid.
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ENTRE SUJEITO E ESPAÃ&#x2021;O
2
uma investigação sobre a participação popular
A participação popular é a mais autêntica realização que dá sentido ao sujeito, isto porquê, ela, ao mesmo tempo, possibilita e necessita de que se pratique a ação para poder existir. Seus alcances são longínquos, ela pode vir a constituir a natureza da coletividade, formar a consciência cidadã, fomentar a reivindicação, conquistar direitos essenciais, instituir políticas públicas, ser instrumento de controle e exploração ou até a parcelar e lotear o território de cidades inteiras. Esse é o caso de Diadema, cidade desenhada pela participação popular, que ao investigá-la, nos inclinaremos a acreditar de que é na prática da ação política que se constrói e se conduz o espaço. Interessados na ação, erguemos a lupa. Para tanto, é a partir das falas de alguns dos sujeitos, que seguimos os primeiros rastros, a história aponta os passos seguintes e a dialética apresenta-nos o fim. vidas populares em luta foram terezinha “Mudei em um sábado e na segunda-feira uma senhora bateu na minha porta me convidando para participar de uma reunião para organizarem os moradores para cobrarem o esgoto”, relata Terezinha ao descrever o dia de sua mudança para
Trata-se do Departamento de Limpeza Urbana, atualmente repartição da Secretaria de Serviços e Obras da Prefeitura do Município de Diadema. 3
_ UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A PARTICIPAÇÃO POPULAR
O Núcleo Habitacional Jardim Portinari localiza-se na região leste do município, teve o início da sua ocupação em 1970. 2
“Primeiro veio o esgoto, depois nós começamos a lutar por lixeiro, a gente jogava lixo nos terrenos baldios”, prossegue Terezinha, retratando as precariedades do núcleo Jardim Portinari2, naquele tempo ainda longe de ser urbanizado, “fomos até a prefeitura, mas infelizmente era uma luta muito desigual porque a gente não conseguia ser recebido por ninguém. A gente ficava plantado o dia todo lá e íamos embora sem conversar com ninguém sobre o problema do lixo”, narra ela, expondo o pouco-caso da gestão, então administrada pelo prefeito Lauro Michels, do extinto Movimento Democrático Brasileiro (MDB), quanto as demandas populares. Ela e seus vizinhos não desistiram, e sim o contrário, persistiram e pressionaram, “até que um dia nós”, diz ela, “conseguirmos ir até o DSU3 conversar com o engenheiro, e ficamos indo lá até conseguir que o lixeiro passasse duas vezes por
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Terezinha Ferreira dos Santos em depoimento concedido a Mary Ferreira Lopes, para o Centro de Memória de Diadema, em 11 de janeiro de 1995. Arquivo de documento oral disponível no acervo público da instituição. 1
o município de Diadema em 25 de janeiro de 1975, “aqui não tinha nada, era um lugar pobre de tudo”, acrescenta. Apesar do impedimento de seu marido, que não gostava da ideia desse envolvimento, ela insistiu e o contrariou, alegando “quero participar e me integrar nos movimentos e ver como é, como se faz isso”1. Compareceu à reunião, junto aos seus novos vizinhos, e afirma que ali, como um rito de passagem, foi quando começou a lutar.
semana. Depois de um mês de muito brigar, o lixeiro começou a passar”4. “Depois foi a luta pela água, a gente não tinha”, avança ela, evidenciando a continuidade de suas ações. As soluções de abastecimento ficavam a cargo dos moradores que, por conta de suas limitações, contribuíam ainda mais para a precariedade do núcleo. “Cheguei a cavar três poços no meu quintal, mas era assim: cavava um poço, afundava, e o poço da vizinha perdia toda água, que vinha para o meu poço. Aí a vizinha afundava o dela, a água ia toda para o dela. Ficou esse sofrimento”, explica Terezinha, “não tinha condições de viver daquele jeito. Chegamos a pegar água da represa com caminhão. Pegávamos aquela água suja, daquele jeito mesmo, sem tratar, levávamos para casa, deixávamos nos tambores, colocava cloro e usávamos”, complementa. Insatisfeitos, ela e seus vizinhos, isto é, companheiros de luta, depositaram na reivindicação, novamente, o caminho para alcançar direitos básicos. “Aí nós começamos a nos organizar, já ficou um movimento mais organizado, com mais pessoas. Quando começamos o movimento, ainda era o DAE5, nós viemos em 63 pessoas onde é atualmente a Sabesp. Acampamos lá do lado de fora e só íamos sair quando eles dessem uma solução”6, reconta ela, atestando que fora a partir dessas ações que a implementação e liga-
Arquivo de documento oral disponível no acervo público do Centro de Memória de Diadema. 4
Trata-se do Departamento de Água e Esgoto (DAE), antiga fonte de abastecimento e tratamento de esgoto do município, atualmente corresponde apenas a serviços à São Caetano do Sul. 5
Arquivo de documento oral disponível no acervo público do Centro de Memória de Diadema. 6
Ibid.
“Só passamos a ter uma participação mais ativa e mais respaldo da prefeitura quando entrou o PT. Antes era uma luta desigual, a gente não conseguia nada”, indica
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“Aí começamos a brigar pela luz de mercúrio, era uma escuridão total”, prossegue Terezinha, “e assim foi uma sequência de lutas. Depois brigamos por guia e sarjeta e depois pelo asfalto”, acrescenta, demonstrando que diferentes demandas de infraestrutura foram encaradas como práticas reivindicativas. “Entrei no movimento de saúde porque no bairro nós não tínhamos postos de saúde. O pessoal precisava vacinar seus filhos, levar ao médico”, avança ela, “não adianta nada você ter esgoto, ter asfalto, e não ter um posto de saúde para levar as crianças, para nossos companheiros levarem seus filhos. Aí começamos a brigar, eu entrei de cabeça no movimento de saúde”, complementa, elucidando que suas lutas ganhavam forças quanto mais organização e reivindicação haviam, “a gente fazia abaixo-assinados, tirava comissões, reunia os moradores nas casas, às vezes a gente não tinha lugar para se reunir, fazia reunião na rua, nas esquinas”7, completa. Assim como as ações anteriores, essa também obteve seus resultados, anos depois a Unidade Básica de Saúde foi construída.
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ção do sistema de abastecimento de água se sucedeu.
Terezinha como transformação da relação entre populares e municipalidade, “depois que o PT entrou a coisa mudou, melhorou. A gente não tinha nada, mas pelo menos tínhamos pessoas que nos ouviam e podiam nos ajudar. Antes a gente não tinha isto. Aumentou mais a nossa força para lutar porque tivemos esse respaldo. Quando você luta e não tem ninguém para te ouvir, você acaba desistindo”, considera. Ainda assim, em contrassenso, outras transformações no passar do tempo ocorreram, “tenho ficado muito triste porque muitas pessoas que naquela época batalhavam comigo acham que não precisa lutar mais, que hoje tem tudo, que é suficiente”8, lamenta. “Quanto mais as pessoas se organizarem é melhor, porque eu digo isto e se hoje posso dizer, é porque procurei participar, procurei me organizar com as pessoas”, persiste Terezinha, depositando na organização e na participação suas esperanças, e conjectura: “muitas vezes a gente chama os outros para participar e eles dizem que não tem estudo, não sabem falar bem, mas eu digo que elas devem falar o que têm dentro delas, dar seu recado, dizer da maneira que sabem dizer”9. a alaídes “Eu vim da Bahia. Daquela terrinha”, anuncia Alaídes, “eu vim de lá, de Irecê, sertãozão, eu vim
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Ibid.
9
Ibid.
“Eu já comecei assim, fui convidada a participar de uma reunião aqui no Centro Comunitário Jardim Santa Rita11”, avança, “a diretora do Centro Comunitário chamou este médico para dar atendimento as crianças daqui”, aponta. O médico, segundo Alaídes, apresentou o quadro de saúde delas. “As crianças tudo com diarreia, tudo
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Alaídes dos Santos Gimenez em depoimento concedido a Maria de Lourdes Ferreira, para o Centro de Memória de Diadema, em 1º de julho de 1997. Arquivo de documento oral disponível no acervo público da instituição. 11 O bairro Jardim Santa Rita localiza-se na região norte do município e teve sua ocupação na década de 1970. O Centro Comunitário é hoje o Centro Público Thereza Lino de Oliveira, construído no mesmo período, mantido e organizado pela população local, e representando um forte espaço de mobilização social. Funcionou como aglutinador de lutas por saúde e infraestrutura urbana. Posteriormente como creche comunitária, programas de educação popular e esportiva. Foi entregue à Prefeitura no ano de 2002. 10
com 16 anos”, prossegue, ao falar da sua migração para Diadema, dos mais de dois mil quilômetros percorridos, em outubro de 1967. Poucos anos depois, casou-se, adentrando, por infelicidade, em uma relação patriarcal. “Ele [meu marido] achava que eu não tinha que fazer mais nada. Tinha que ficar em casa cuidando do marido, cuidando dos filhos, fazendo a comidinha”, relata, “e comecei a me sentir mal. Eu queria trabalhar, eu queria estudar, eu queria ter uma vida mais ativa, uma vida diferente”, completa. Essa situação encadeou em problemas de saúde, levando Alaídes ao psiquiatra, submetendo-se a um diagnóstico. “Aí o psiquiatra falou, o que você precisa é preencher teu espaço, você está sedenta de um trabalho fora”, rememora, “vá visitar os lares de menores, vá visitar os asilos de velhos, vá ajudar, procura fazer alguma coisa pela criança, pelo menor abandonado, começa a fazer este tipo de trabalho”10, continua Alaídes, ao interar a sugestão do médico. É a partir daí que ela considera o início de sua participação.
barrigudo, com problemas, e ele disse que o problema das crianças era de saneamento. Foi aí que tudo começou. Foi o ponto chave nessa reunião, o problema do saneamento básico”, prossegue ela, “e aí a gente começou. Como fazer, como melhorar? E o que fazer com estas crianças que estão nessa situação?”. Alaídes confiou na organização a resposta para essas questões. “E aí formamos uma comissão de encaminhamento das coisas. E eu fiz parte desta comissão. A primeira reunião do bairro. Aí, a gente começou a se reunir aos domingos, uma vez por semana ou a cada 15 dias, já chamando a população”, informa ela ao relatar suas primeiras ações, “pelo saneamento, questão da terra e aí nós fomos lutar por creche, porque a gente precisava lutar por estas crianças que estavam em situação de risco, risco de perder a vida”12, retoma. “A gente constatou muita gente, mas muita gente, com problemas. Crianças amarradas, porque as mães tinham que deixar, para sair para trabalhar, para sobreviver. A gente chegava lá nos barraquinhos, já tinha aquela favelinha lá, do lado debaixo, e as crianças que a gente olhava, só tinha crianças lá e a gente dizia, meu Deus, o que fazer? Outras dentro do córrego, assim tomando banho, naquela água que só tinha fezes e as crianças nadando no meio daquela água”, relata Alaídes, expondo
Arquivo de documento oral disponível no acervo público do Centro de Memória de Diadema. 12
Trata-se de Gilson Menezes, sindicalista eleito pelo Partido dos Trabalhadores à primeira prefeitura administrada pelo partido. Nos aprofundaremos sobre o evento mais à frente. 14
Arquivo de documento oral disponível no acervo público do Centro de Memória de Diadema. 15
“E foi quando o Gilson14 ganhou a eleição, a primeira eleição do PT, nós trabalhamos para o PT, a gente descobriu que a alternativa naquela época pra situação do povo era o PT”, enuncia Alaídes, destacando a gestão como oportuna para as lutas populares, “fomos trabalhar a questão do asfalto, era uma reunião em cima da outra com o prefeito. Era reunião pelo esgoto, nós montamos uma comissão e fomos para a Sabesp, pra pedir esgoto aqui do bairro, pra toda a Diadema [...] Foi uma luta pela água encanada daqui, veio a água, veio a luz, veio o esgoto e veio o asfalto. Primeiro as guias e sarjetas e depois o asfalto”15, relembra ela.
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Ibid.
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a precariedade que a ausência da urbanização constituía, “não, nós temos que pegar estas crianças do bairro e trazer pra cá, amparar e trabalhar estas mães, organizar elas e conscientizá-las que não pode deixar essas crianças desse jeito”, defendia. Ela continuou lutando por uma creche junto a comissão: “a gente conseguiu. Não tinha nada, a gente fez um chá de cozinha, arrecadou os utensílios domésticos para as crianças, copinhos, as coisas para as crianças comerem. Depois a gente organizou os pais das crianças e nós fizemos mesas e os bancos. Fomos pedir madeira nas madeireiras e os próprios pais das crianças fizeram bancos em mutirão”13, revelando que são coletivos os desenlaces.
“A gente chamava e a população vinha porque acreditava na gente [...] Então a gente começou, e o povo começou a confiar na gente. Quando a gente chamava pra outras lutas, todo mundo ia, lutava. Nossas reuniões tinham cem pessoas, cento cinquenta pessoas, duzentas pessoas”, sustenta Alaídes, defendendo que as suas realizações promoviam confiança nos demais indivíduos, levando-os a contribuir e praticar outras ações, “mas eu vou te dizer que quando a gente tem um objetivo e quando a gente acredita realmente na mudança de vida das pessoas, elas tendem a mudar, elas tendem a se conscientizar”16, remata.
16
Ibid.
junto ao maurício “Vim para Diadema em 1974, desde lá estamos lutando por uma Diadema melhor”, declara Maurício, ao narrar sua chegada no município e sua defesa, “desde 73, da época dos prefeitos anteriores e até os prefeitos atuais, sempre tivemos uma luta por reivindicações ao próximo, a comunidade e aos nossos amigos e continuamos nessa luta”17, diz. “Na era de 80, 82, que veio o Partido dos Trabalhadores, que começou a movimentação popular”, assegura, atribuindo à administração o estímulo às pautas populares, “foi formado o Conselho Popular onde os conselheiros tinham voz de decisão no orçamento, nós
Maurício Tomé em depoimento concedido ao Centro de Memória de Diadema, em 11 de julho de 1996. Arquivo de documento oral disponível no acervo público da instituição. 17
Ibid.
“Asfalto, água, luz, esgoto. Tudo era debatido num bom clima que eu acho que isso deveria voltar a nível nacional. A comunidade fazia parte de todo projeto de governo. Acho que é por aí, porque a gente tinha voz de decisão, sabia cobrar, e isso é uma escola, o pessoal vai aprendendo e vai cobrando”, relata Maurício, elucidando a condição colaborativa e pedagógica de suas ações, “a união da comunidade, o esclarecimento, o cidadão cada vez tendo um maior esclarecimento. E principalmente a luta, o interesse. A comunidade tem que ter interesse de decisão. De decidir nos problemas do município, do Estado e na própria Nação. É por aí, tem que haver união. Tendo união, a força está aí. Tinha todo o apoio, mas tinha nossa cobrança também. Aqui o pessoal cobrava mesmo e tinha força para cobrar”, prossegue, reiterando que a organização, a predisposição e a reivindicação, são os fundamentos para as conquistas dos direitos, “é só com luta que se consegue as coisas, muita luta”19, conclui. com o antônio “Vim para São Paulo em 1970 e já vim direto para Diadema, sou da
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19
Ibid.
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que decidimos onde era empregado o dinheiro. Na saúde, na educação, todo dinheiro era posto em votação e era decidido entre os companheiros, uma vez por mês, nós tínhamos reuniões”18, elucida.
Bahia, do Senhor do Bonfim”20, narra Antônio, mais um migrante nordestino, ao descrever sua chegada no município, onde além de morar, começou a trabalhar. “Comecei como sindicalista, trabalhei em indústria metalúrgica de 72 e 87. Por causa da luta a favor dos metalúrgicos, fomos prejudicados, fomos mandados embora sem direitos”, comenta, “a partir daí eu saí da luta sindicalista e entrei nas lutas populares de Diadema, começando como conselheiro de saúde”, relata, ao rememorar o início de suas ações. “Fiz parte do primeiro Conselho e desde então começamos a lutar com a própria administração municipal, que já era petista, mas a gente tinha algumas divergências com o prefeito. Lá no bairro, tínhamos um posto de saúde muito pequeno, muito limitado e a gente queria conseguir um posto maior”, refere Antônio, demonstrando a aproximação e organização entre municipalidade e munícipes, “começamos a lutar, juntar pessoas, organizar moradores, até que conseguimos um terreno para que fosse um posto de saúde maior. E daí para cá, a luta popular é isso mesmo, você vai conseguindo as coisas e querendo conseguir mais”21, destaca, expondo as conquistas e o anseio por continuidade delas. “Trabalhar em lutas populares tem seus dissabores, mas também tem suas glórias. A glória de quando
Antônio Guerra Sobrinho, conhecido como Toninho Prego, em depoimento concedido a Mary Ferreira Lopes, para o Centro de Memória de Diadema, em 10 de janeiro de 1995. Arquivo de documento oral disponível no acervo público da instituição. 20
21
Ibid.
22
Ibid.
você consegue alcançar os objetivos. Isso é muito gratificante”, por outro lado, “as pessoas não precisam de mais nada, têm asfalto, têm luz, têm água [...] estão perdendo o incentivo de se organizarem. Se organizar para quê? Estamos chamando essas pessoas para mostrar que não é só isso. A organização continua senão isso tudo acaba”22, contrapesa Antônio. e também a maria
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“O movimento surgiu porque São Paulo, como é uma cidade que todo mundo corre aqui para São Paulo, onde tinha muita gente invadindo, muita favela, então muita gente morria quando tinha temporal, sofria muito, então a gente fundou esse núcleo de habitação para tirar pelo menos um pouco desse pessoal da favela, como de fato já teve muitas remoções”, declara, apontando alguns dos fundamentos de suas ações, “a gente quer trazer melhoria para os moradores dos núcleos habitacionais, como de fato nós já conseguimos muitas
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Maria do Socorro Macedo em depoimento concedido a Mathias Santos, entrevistador especial do Projeto FAPESP, para o Centro de Memória de Diadema, em 1996. Arquivo de documento oral disponível no acervo público da instituição. 23
“Eu vim para Diadema em 1990, nasci no Piauí, em Paulistana”, relata Maria, quanto a sua migração, “vim porque lá a vida é difícil, aqui em São Paulo sempre tem emprego, serviços, foi por esse motivo”23. Ao chegar no município, compassiva as precariedades, Maria integrou uma organização que, entre os diferentes propósitos, defendia, acima de tudo, o direito à moradia.
melhorias, a gente trabalha para isso, para trazer benefício para os núcleos, também para os moradores terem uma vida melhor, mais apropriada”24, acrescenta. “Através do movimento nós já conseguimos muitas coisas, por exemplo: água, luz, que não tinha luz, asfalto e esgoto [...] Também a gente já conseguiu muitos muros de arrimo para evitar algum perigo pelas pessoas que moram em suas casas, como a maioria do pessoal tem suas casinhas boas tudo, mas sempre tem um barranco que a pessoa sempre acaba correndo risco também e a gente já conseguiu muitos muros de arrimo”, expõe Maria, enumerando as conquistas, “muitos moradores hoje estão em casa boa, tudo por causa das remoções de quem morava em favelas, e pessoas sofridas, barracos caiam, morriam, então por isso que foi fundado esse núcleo”25, reafirma, atrelando ao núcleo, que ajudou a fundar e onde residiria, como solução de sobrevivência e de sustentação de uma vida digna.
24
Ibid.
25
Ibid.
o adalberto “Vim da Paraíba em 1975 direto para a Vila Conceição em Diadema”26, recorda Adalberto, outro migrante nordestino que ao chegar no município deparou-se com as precariedades da condição urbana e, ao integrar-se a organizações, contribuiu com ações para a qualificar a jovem cidade.
Adalberto Florêncio de Freitas em depoimento concedido a Mary Ferreira Lopes, para o Centro de Memória de Diadema, em 21 de março de 1995. Arquivo de documento oral disponível no acervo público da instituição. 26
“Participei também da luta pelo transporte em Diadema. Tínhamos aqui um transporte muito ruim, os ônibus eram velhos, tudo furado,
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Ibid.
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27
“Começamos a nos reunir e discutir o melhoramento dessas áreas públicas que estavam jogadas. Montamos um movimento e seguimos até a prefeitura. Mas para montá-lo tiramos comissão em cada área, em cada bairro, para assumir essa luta de moradia. Aí nós encaminhamos à Prefeitura de Diadema, na época o prefeito era Gilson Menezes”, relata, “discutimos os nossos objetivos sobre a moradia, sobre o desenvolvimento da cidade, sobre a limpeza, tudo em benefício da cidade e da população”, complementa, sublinhando a inclinação da gestão para as pautas populares. “Mantivemos essa luta por quatro anos e daí por diante sentimos Diadema mudar. Cada um era responsável por uma comissão de bairro, cada qual tinha seu local de reunião, em cada qual tinha alguém responsável por reunir a população dali. No sábado cada um colocava sua proposta em pauta para nós amarrarmos”, expõe Adalberto, ao relatar a interação entre o conjunto de sujeitos divididos por regiões, “vinham quatro ou cinco propostas de cada bairro, tínhamos um trabalho muito grande em benefício da cidade e da população, e em benefício das moradias porque existiam moradias muito precárias em Diadema”27, acrescenta.
era uma condução péssima, chegávamos em nossos empregos sempre atrasados porque ficávamos horas e horas no ponto e quando os ônibus vinham tinha gente pendurada na porta dianteira e traseira”, descreve Adalberto, ao apontar outra luta que participava, “passamos a pensar como mudar a condução em Diadema para termos uma condução melhor. Levamos a proposta de municipalizar para ser discutida com os moradores. Ela foi aceita e passou a ser administrada pelo município que assumiu de comprar carros novos e melhorar a condição de transporte e de vida dos moradores de Diadema”28, acrescenta, mostrando mais uma ação substanciada pelos munícipes e apoiada pela municipalidade. “A cidade mudou completamente e mudou pela manifestação e cobrança da população junto com a prefeitura, foi um trabalho em conjunto, hoje todos nós estamos sentindo que a cidade mudou, porque nós tivemos uma briga unida e um trabalho unido”, reforça Adalberto. “Nós tivemos aqui uma população muito sofrida porque a população favelada é muito sofrida, e foi por intermédio dela que mudamos essa cidade, foi um pessoal de muita luta, de muita garra, um pessoal determinado às lutas”, constata, “porém diminuiu muito essa luta, hoje sentimos que aqueles companheiros antigos ou estão muito cansados ou mudaram. Outros já estão em suas casas, sosse-
28
Ibid.
29
Ibid.
gados, então eles aquietaram um pouco”29, lamenta. juntamente ao manoel
31
Ibid.
“Me parece que neste período, esta militância, todo este ardor político das lutas populares, das lutas políticas de Diadema, travada pelos movimentos que a gente participou, deixaram um saldo, saldo qualitativo muito importante e o principal é esta constatação da formação do revolucionário, da fusão necessária entre a teoria e a prática, este é o ponto mais alto de toda minha militância até o momento”, ressalta, “militância política que, como já disse, se aprofunda no PT, nos movimentos de moradia”31, acrescenta. “A ausência de planejamento no sentido do proletariado e a falta de habitação, a falta das míni-
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Manoel Boni em depoimento concedido para o Centro de Memória de Diadema, em 18 de setembro de 1996. Arquivo de documento oral disponível no acervo público da instituição. 30
“Nasci em 1964, em Fronteiras, estado de São Paulo, filho de agricultores, camponeses, vim para Diadema com 15 anos”, retrata Manoel, “filho de família de militantes da Igreja, em 1977, 78, na efervescência do movimento sindical e na militância da Igreja, iniciei militância na política sindical”30, acrescenta ele, expondo que suas origens influenciaram na predisposição às lutas populares. Em Diadema, Manoel se tornou uma das mais notórias lideranças comunitárias defendendo o direito à moradia e contribuindo a formação do Partido dos Trabalhadores.
mas condições de moradia, fizeram com que Diadema se transformasse neste caldeirão, numa cidade proletária, onde muitas indústrias se instalam, não havia nem plano habitacional, os operários que vinham, tinham que ocupar as terras, ou seja, na linguagem burguesa, invadi-las”, expõe Manoel, ao sintetizar os dilemas que a formação do município enfrentava, “os prefeitos, mesmo ligado aos militares, inicialmente faziam vistas grossas, a única política habitacional que fizeram estes prefeitos foi fazer vistas grossas à invasão de terra. Permitiram as ocupações porque estes ocupantes eram os operários das fábricas que eles incentivavam, mas uma vez que permitiam as ocupações não permitiam o acesso à água, ao esgoto, à urbanização, esses operários eram tratados como marginais”32, revela. “Esta explosão de exploração, o empréstimo da luz, a falta da água, a falta de esgoto, a falta de ruas e de vielas para dar acesso a estas moradias, esta situação precária, os despejos constantes e a necessidade de ocupar mais terras, este é o processo em que a gente estava no meio”, declara, “a gente comprou esta luta, aderiu a esta luta, e esta luta permitiu que dentro deste contexto se dessem várias lutas aqui em Diadema”33, aponta Manoel, reforçando e partilhando das ações dos sujeitos precedentes.
32
Ibid.
33
Ibid.
Ibid.
“Na verdade, em Diadema houve seus melhoramentos com a luta do povo, mas Diadema continua a mesma, dos problemas sociais, problema de salário, de desempre-
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“Diadema é uma cidade operária. A maioria é operária e esta luta política, por exemplo, a tendência deste mesmo período se houver uma corrente política que trave as lutas das massas, que organize as massas independentes, a tendência das lutas em Diadema é voltar ao que era”, alerta Manoel, ao reconhecer as conquistas compartilhadas entre munícipes e municipalidades, acrescidas de muitas ressalvas, “antes do PT, administração totalmente burguesa, é a administração burguesa e totalmente corrompida, entendeu? Sem nenhuma participação popular. Esta é uma tendência se não houver uma organização independente das massas”, atesta, “se dá que o PT permite o movimento popular, mas desde que ele seja cooptado, estatizado, atrelado ao poder público, ao poder petista”, diz ele, “o objetivo é conseguir o poder, então uma vez conseguido o poder, administrar não precisa mais de movimentos populares, a única coisa que precisa é o que qualquer administração burguesa precisa, é cooptação do movimento popular, cooptação”34, afirma Manoel, denunciando as fragilidades entre a aproximação da gestão, tão defendida pelos sujeitos, e das lutas populares.
go, são os problemas principais”, considera Manoel, livre de qualquer romantismo quanto as práticas participativas, e defende que a luta “terá sentido se Diadema, se a luta de Diadema apontar para o caminho revolucionário, para o caminho marxista, para o caminho do coletivo, para o caminho da desapropriação da sociedade privada, a luta de Diadema levou muito pouco. Se essa luta de Diadema for canalizada para uma política burguesa, será uma derrota”35, conclui ele, como em um presságio.
35
Ibid.
a cidade conquistada Foram Terezinha, a Alaídes, junto ao Maurício, com o Antônio, e também a Maria, o Adalberto juntamente ao Manoel e a outros incontáveis e dissímeis sujeitos que construíram e transmudaram a cidade-vermelha, outrora cidade-dos-dois-sapatos, na qual hoje se declara como a cidademédia: Diadema. Circunscrita entre os municípios de São Paulo e São Bernardo do Campo, Diadema divide os 30,8 km² de sua superfície em 7,06 km² (22,9%) definido como área de preservação ambiental pela proximidade com a Represa Billings, 1,17 km² (3,8%) para o complexo viário da Rodovia dos Imigrantes, justapostos pelos 420,9 mil habitantes que nela residem, o que a leva ser a segunda cidade mais densa do país com cerca de 13,7 mil hab/km²36. O jovem município, com apenas 59
Dados de 2018, IBGE. Para fins de comparação, a cidade de São Paulo, de maior número de habitantes do país, neste mesmo ano, calcula 8,25 mil hab/km2, ou seja, Diadema possui 5,45 mil habitantes a mais por km2, sendo 40% mais densa, em relação a cidade mais populosa da nação. 36
Miguel Reale (1910-2006) foi um jurista, advogado, político, filósofo, professor universitário e poeta brasileiro. A ele é atribuído a mediação política quanto a emancipação do município e a escolha do seu nome, que até então chamava-se Vila Conceição. Ele possuía o cargo de Secretário da Justiça do Estado de São Paulo no período. O Professor Evandro Caiafa Esquivel fora uma liderança local que articulou os moradores para compor e votar junto a Comissão. 38
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DIADEMA. Diadema: Referências Históricas – 1501-2000. 2002, p. 26. 37
É da natureza de Diadema a reivindicação. Ela descende do berço do sindicalismo brasileiro, isto é, dos movimentos sociais de associação de trabalhadores assalariados defendendo a proteção dos seus interesses. Já em 1933 os primeiros sindicatos do país surgiam em São Bernardo do Campo, com o Sindicato dos Marceneiros, Carpinteiros e Classes Anexas, e em Santo André com o Sindicato dos Operários Metalúrgicos, que eram reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, nos anos seguintes muitos outros foram fundados37. Sendo também fruto de uma protestação, Diadema, então distrito de São Bernardo do Campo, nasce da Comissão dos Emancipadores, organização de poucos sujeitos liderados por Evandro Caiafa Esquivel e mediada por Miguel Reale38, que justificados pela inclinação dos moradores, promoveram a Campanha da Emancipação conquistando
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anos, compõe a Região Metropolita de São Paulo (RMSP) e é o intrometido “D” da Região do Grande ABC, assim ABCD, região tradicionalmente industrial do Estado de São Paulo, formada pelas cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, por isso sua denominação, acrescidas a Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, que não contribuem a sigla original por terem sido extensões dos municípios de Santo André ou São Bernardo antes da divisão.
a realização de um plebiscito onde os eleitores aprovaram a autonomia político-administrativa do distrito em relação a São Bernardo do Campo39. Em 31 de dezembro de 1958, Diadema foi declarada emancipada pela Lei No. 5121, votada pela Assembleia Legislativa Estadual40, porém, não livre de corruptelas, na ocasião São Bernardo do Campo alterou substancialmente os limites do antigo distrito, retirando de sua área vários bairros, nos quais se localizavam importantes indústrias, que representavam grande fonte de arrecadação de impostos para a sua administração41. No ano seguinte, 1959, realizou-se a primeira eleição para prefeito e vice-prefeito do município, Evandro Caiaffa Esquível, do Partido Trabalhista Nacional (PTN)42, vence com 683 votos, em relação a Lauro Michels, com 603 votos, que vencera a próxima eleição, em 1963, pelo mesmo partido43. A industrialização foi encarada como política de fundamento da cidade. Em 1961, era aprovada a primeira lei de uso do solo de Diadema, em sistema tripartido, nela foram destinados 74% da área do município para o uso industrial, 24% para área turística e míseros 2% para uso residencial44, assim, desvendando a quais interesses e finalidades competem o surgimento do município. Deve-se considerar que essa designação do uso do solo era contemporânea ao pensamento de cidade instituído naquele tempo,
39
DIADEMA. op. cit. 2002, p. 36.
40
Ibid.
COELHO, M. Espaço de Direitos é mais que Direito a Espaço: O processo de urbanização de favelas em Diadema (1983 – 2008). 2008, p. 33. 41
O PTN foi um partido político brasileiro criado em 1945, extinto pelo Ato Institucional Número Dois (AI-2) baixado pelo regime militar, em 1965, instituindo o bipartidarismo: Arena (Aliança Renovada Nacional) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Após 30 anos de sua extinção, 1995, um novo partido foi criado com o mesmo nome, com o qual manteve-se até 2017, até ser renomeado para Podemos (PODE). 43 DIADEMA. op. cit. 2002, p. 37. 42
44
Ibid., p. 38.
Ibid. ARENA é a sigla para Aliança Renovadora Nacional, foi um partido político brasileiro criado em 1965 com a finalidade de dar sustentação política à ditadura militar instituída a partir do Golpe de Estado no Brasil em 1964. Se intitulava como expressão política da “Revolução de Março de 1964”, que uniu os brasileiros em geral, contra a ameaça do caos econômico, da corrupção administrativa e da ação radical das minorias ativistas, sendo uma aliança de nosso povo, uma coligação de correntes de opinião, uma aliança nacional. 48 MDB é a sigla para Movimento Democrático Brasileiro, foi um partido político brasileiro que abrigou os opositores do Regime Militar de 1964 ante o poderio governista do ARENA. Organizado em fins de 1965 e fundado no ano seguinte, o partido se caracterizou por sua multiplicidade ideológica graças sobretudo ao enfrentamento ao poder militar. 46 47
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ROLNIK, R. Pólis: estudos, formação e assessoria em políticas sociais. – Regulação urbanística e exclusão territorial. 1999, p. 47. 45
neste mesmo ano se encerrava o Governo de Juscelino Kubitschek, que dentre muitas de suas metas para o território nacional, a industrialização era primada e estimulada. Contudo, as legislações municipais posteriores deram sequência a essa priorização defendida como política de desenvolvimento da cidade. Rolnik relembra que “somente em 1973, quando se instalam as grandes indústrias, é que a cidade passa a ter um Plano Diretor. O Plano de 1973 estabelecia normas ordenadoras e disciplinares sobre o planejamento da cidade, reservando grandes áreas vazias para a implantação de indústrias: o Zoneamento proposto por esse plano demarcava cerca de 60% da cidade como uso industrial”45. Este plano foi sendo descaracterizado por projetos de representantes políticos que mudavam o zoneamento e as funções das áreas de acordo com os seus interesses46. É importante ressaltar que pouco depois da segunda eleição para prefeitura do município, é instaurado Golpe de Estado no Brasil, deste modo, a partir de sua terceira gestão, Diadema é administrada pelo partido que dava sustentação política à ditadura militar, o ARENA47, até 1977, sucedido pelo MDB48, até 1982, que apesar de sua condição opositora, ainda respondia as idiossincrasias do regime militar. Associados a isso, soma-se a promoção de incentivos fiscais, com isenção de impostos municipais
para novas indústrias, concedida pela prefeitura49; o fenômeno de desconcentração industrial que se processava na Região Metropolitana de São Paulo, fazendo com que a Região do Grande ABCD recebesse parte das indústrias que saíam da Capital50; e a implantação da Rodovia dos Imigrantes, também na década de 70, que ao seccionar a cidade longitudinalmente, liga São Paulo à Santos, facilitando o escoamento de carga. Deriva daí a consolidação e expansão industrial do município, proporcionando um notório aumento populacional na região: grande número de trabalhadores foram atraídos para compor as demandas empregatícias das indústrias51. Como expressão quantitativa desse evento, o censo de 1960 registrou em Diadema 12,3 mil habitantes, dez anos depois foram contabilizados 78,9 mil deles, o que representa um crescimento de mais de 540%, já em 1980, somavam-se 228,7 mil munícipes52, atestando que a difusão industrial impulsionou o crescimento populacional. Grande parcela desses novos moradores da cidade eram migrantes nordestinos53. Outro alcance dessas resultantes é anunciada por Ermínia Maricato54, que assevera que “a industrialização com baixos salários correspondeu a urbanização com baixos salários”55. A contingente urbanização da cidade se deu à margem desse conjunto de políticas. Lefebvre es-
DIADEMA. Diadema Política Habitacional: Novos rumos com participação popular. 2004, p. 12-13. 49
50
ROLNIK, R. op. cit. 1999, p. 43.
SANTOS, J. Lutas por moradia na cidade de Diadema (19831996): cooptação política e acomodação de conflitos do capital. 2009, p. 35. 52 DIADEMA. Habitação cada dia melhor. 1996, p. 7. 53 Santos afirma que “nas décadas de 1970 e 80, a necessidade de mão-de-obra para as novas fábricas, e posteriormente comércios e serviços, propiciou um grande aumento populacional na região. Baianos, alagoanos, pernambucanos, cearenses, piauienses, maranhenses, sergipanos, paraibanos, capixabas, mineiros, mato-grossenses e paulistas chegaram em grande número para compor os trabalhadores das indústrias automobilísticas, de autopeças e das indústrias químicas da região que hoje se convencionou chamar de Grande ABCD Paulista.” (SANTOS, 2009, p. 35) 54 Ermínia Maricato é arquiteta-urbanista, professora universitária na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, pesquisadora acadêmica, ativista política. Ocupou cargos públicos na Prefeitura da Cidade de São Paulo, onde foi Secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano (1989-1992) e no Governo Federal, onde foi Secretária Executiva do Ministério das Cidades (2003- 2005). Como ativista política foi escolhida para defender a proposta de Reforma Urbana de iniciativa popular junto à Assembleia Constituinte do Brasil (1988). 55 MARICATO, E. Para entender a crise urbana. 2015, p. 27. 51
57
DIADEMA. op. cit. 2004, p. 12.
58
Ibid., p. 13.
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LEFEBVRE, H. O direito à cidade. 2008, p. 124. 56
clarece que “é essencial não mais considerar separadamente a industrialização e a urbanização, mas sim perceber na urbanização o sentido, o objetivo, a finalidade da industrialização”56, e Diadema demonstra ser uma das mais fiéis correligionárias dessa bipartição urbanização x industrialização. A população que se instalava na região por conta da expansão do parque industrial em que se incorporava o Grande ABCD, residiam no município pela proximidade do trabalho e disponibilidade de terra barata, e à medida que a legislação urbanística priorizava quantitativa e qualitativamente o uso industrial, destinando grande parcela do território justamente às áreas mais bem servidas de infraestrutura para esse fim, condicionava as pessoas, predominantemente de baixa renda, às áreas de maiores ausências quanto a infraestrutura urbana, equipamentos e serviços públicos essenciais57. Assim, “Diadema apresentava até o início da década de 1980 uma urbanização muito precária. A água chegava a 50% dos domicílios, a rede de esgotos a 14%, apenas 20% das ruas eram pavimentadas, a ilegalidade urbanística era a regra”58, em função disso, surgem e difundem-se muitas novas favelas. Em 1980, o território era composto por 128 favelas, 70% delas estavam assentadas sobre áreas públicas municipais, que abrigavam 79,2 mil habitantes, isto é 34% da população
total da cidade, com a assustadora densidade de 758 hab/he59. Apesar desse cenário, os investimentos do orçamento municipal “entre as décadas de 1960 e 1980 foram destinados à área central da cidade, local em que estavam instalados o comércio e os moradores de maior poder aquisitivo; e também às áreas de uso industrial, que necessitavam de vias de escoamento, serviços de água encanada, esgoto e energia para funcionarem”60, ilustrando o preceito de Lefebvre. Todas essas conjunções de ausências, interesses e precariedades elevaram o índice de mortalidade infantil de Diadema a 81,8 mortos por mil nascimentos, considerado o maior do Brasil61, esse fator é alarmante por ser utilizado como um indicador sobre a eficácia dos serviços públicos, como: saneamento básico, sistema de saúde, salubridade das habitações, disponibilidade de remédios e vacinas, acompanhamento médico, educação, alimentação adequada, entre outros. Deste modo, cabia a essa população a autorrealização de seus direitos e necessidades básicas, manifestada pela autoconstrução de suas moradias. Maricato explica que “a habitação dos trabalhadores não é problema para o capital e, na maior parte das vezes, nem para o Estado. Por isso, os bairros de moradia dos trabalhadores são construídos por eles mesmos, nos seus horários de descanso. E
59
Ibid., p. 14.
60
SANTOS, J. op. cit. 2009, p. 64.
61
DIADEMA. op. cit. 2002, p. 52
Ibid., p. 26.
IDEM. Diadema e a cidade informal. 2011, p. 20. 64
Com isso, Diadema passa a ser conhecida por dois eufemismos: inicialmente, como a cidade-dos-dois-sapatos, em razão de “quando o trabalhador chegava na montadora com o sapato na sacolinha, sujo de barro, todos já sabiam que era morador de Diadema”64, isto é, devido a ausência de asfalto nas ruas dos bairros, ruas estas compostas apenas por terra batida, faziam com que os moradores inevitavelmente sujassem seus sapatos, obrigando-os a levarem com eles, frequentemente, outro par para o uso assim que acessassem vias asfaltadas; e seguidamente, como a cidade-vermelha, em consequência de fases de expressão da paisagem. Segundo Shedd Pegáz, no início da
_ UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A PARTICIPAÇÃO POPULAR
63
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MARICATO, E. op. cit. 2015, p. 20. 62
também por isso, as favelas fazem parte da reprodução da força de trabalho formal. Foi assim durante o processo de industrialização por substituição de importações e é assim atualmente”62. Em Diadema, durante esse período, era de interesse apenas dos prejudicados, os habitantes das áreas precárias, que assim como na trajetória relatada por Terezinha, além da construção de suas casas, improvisavam seus próprios sistemas de abastecimento, despejo de esgoto, pavimentação, etc., mesmo que “essa construção se desse aos poucos, durante seus horários de folga, ao longo de muitos anos, ignorando toda e qualquer legislação urbanística, em áreas ocupadas informalmente”63.
< precariedade das favelas de diadema na dĂŠcada de 1980 /imagens: acervo shdu/pmd, 1980
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formação das favelas do município, os moradores construíam seus barracos com compensados de madeira, popularmente conhecidos como “madeirite”, que possuíam cores avermelhadas, assim, com a proliferação dessas construções no fim da década de 70, tornando-se muito presente em todas as favelas, se consolida como uma característica da cidade, levando-a ao título de “vermelha”. Mais tarde, já no avançar dos anos 80, a materialidade das construções passou a ser substituída por tijolos cerâmicos, também de tonalidade avermelhada, que devido a ausência de revestimentos, mantinham a “paleta” monocromática da cidade65. Veremos mais à frente que o título cidade vermelha passará para uma conotação simbólica. Por conseguinte, esses “acontecimentos históricos-sociais levaram a cidade de Diadema [...] às páginas policiais dos jornais de todo o Brasil como uma das cidades mais violentas do país. Todas as condicionantes das inóspitas formas de reprodução da vida que impedem os sujeitos de tornarem-se cada vez mais humanizados ao acessarem a produção de sua generidade, a prevalência dos processos de dominação, a separação das condições dignas de sobrevivência impedem a emancipação dos sujeitos e os obrigam a lutar diariamente pelos itens básicos que garantam a sua sobrevivência”66. Desperta-se assim – sensíveis ao aumento
Shedd Pegáz em depoimento cedido ao autor para o desenvolvimento desta investigação. Pegáz é arquiteto e urbanista da Prefeitura Municipal de Diadema, entre 1987- 1989 e 1994-2017, lotado, principalmente, na Secretaria de Habitação, atualmente cumpre seu cargo de servidor no Sindicato dos Funcionários Públicos de Diadema. Além da atuação sindical, atua nos Movimentos Populares, em especial no Movimento de Moradia. 65
66
SANTOS, J. op. cit. 2009, p. 54.
DIADEMA. op. cit. 2004, p. 13.
O Núcleo Habitacional Jardim União, divididos em I e II, localiza-se na região centro-oeste do município, e teve o início de sua ocupação em 1979. 69 SANTOS, J. op. cit. 2009, p. 97. 68
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67
das precariedades, à supressão de seus direitos civis e sociais e ao estado de vulnerabilidade, do qual se encontravam os moradores de muitas das favelas – a urgência de soluções para os seus problemas, predispondo-os a reivindicação. Ainda “no final da década de 1970, a população se organizou e passou a ter maior representatividade e a principal bandeira de luta do movimento já era pela urbanização e posse da terra. Uma das lutas importantes na unificação deste movimento foi a reivindicação de rede de água nas favelas, com manifestações frente à concessionária SABESP e ao Palácio do Governo67”. Essas primeiras ações, deram movimento às problemáticas sociais, “uma das primeiras organizações populares de expressão com atuação em Diadema foi o Movimento de Defesa do Favelado (MDF), de origem na cidade vizinha, Santo André, e organizado por membros da Igreja Católica. O MDF atuou contra a ação de despejo dos moradores que ocupavam a área do Jardim União68 em 1980 em Diadema, momento em que o prefeito da cidade era Lauro Michels”69, acarretando na permanência dos moradores. Desta maneira, a população, essencialmente situada em favelas, já estava minimamente organizada, cujas principais reclamações residiam na instalação e regularização de redes de água, esgoto e energia elétrica às empresas de saneamento e eletricidade estaduais, concessionárias de serviços públicos
que desconsideravam completamente as favelas como objeto de atendimento70. Acima de tudo, consistia ali, no nascimento da cidadania, visto que “só existe cidadania se houver a prática da reivindicação, da apropriação de espaços, da pugna para fazer valer os direitos do cidadão”71. Cultivada a cidadania e germinada a reivindicação, fizeram com que esse processo de organização, segundo Rolnik, refletisse “nas eleições municipais de 1982. Os candidatos preocupados com a questão social foram os mais bem votados do ABCD. Em Diadema é eleito, com o apoio dos movimentos populares, o sindicalista Gilson Menezes, que havia participado das greves e que tinha como proposta de governo inverter as prioridades e investir nas áreas mais carentes da cidade”72. Trata-se da primeira prefeitura do país administrada pelo Partido dos Trabalhadores, o PT73, fundado em 1980, que se apoiava na redemocratização do país e na defesa de mudanças na vida de trabalhadores da cidade e do campo, bem como intuindo a igualdade e justiça social, se identificando, enquanto espectro político, como um movimento de esquerda. É a partir da plataforma de governar por meio dos “conselhos de bairro” que o partido chega à administração de Diadema74, com 23.310 votos, 9.000 a mais em relação ao segundo candidato, Marion
70
IDEM, op. cit. 2011, p. 22.
COVRE, M. O que é cidadania. 1995, p. 10. 71
72
ROLNIK, R. op. cit. 1999, p. 44.
Embora naquele mesmo ano o PT tenha vencido a eleição em Santa Quitéria, cidade do Maranhão, o prefeito eleito logo saiu do partido, assumindo outra sigla. 73
74 BEZERRA, C. Do poder
popular ao modo petista de governar: mudanças no significado da participação para o Partido dos Trabalhadores. 2014, p. 48.
BEZERRA, C. op. cit. 2014, p. 48. 76
SANTOS, J. op. cit. 2009, p. 165-166. 77
Oliveira do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)75. A campanha propunha a inversão de prioridades, isto é, ir ao encontro da abundante precariedade existente na cidade, promovida pela priorização da industrialização que as gestões dos vinte anos anteriores instituíram, e torná-las, em objeção, o centro das políticas municipais. Para tanto, a principal proposta expressa pela campanha era governar com a participação popular, pretendendo “remeter o poder decisório aos tais conselhos, nos quais qualquer um poderia participar, cabendo à prefeitura apenas a execução”76. Surgia então a chamada Democracia Participativa, o que significava “a incorporação da população na implantação de políticas públicas elaboradas pelas gestões, segundo os interesses de acomodação de conflitos que eclodiram no enfrentamento entre as necessidades da população e a manutenção do ordenamento político e econômico local”77. Essa bandeira popular continuou a ser levantada pelo partido e disposta às eleições municipais, e Diadema fez essa escolha por seis vezes. Em dois ciclos de três gestões consecutivas, 1983-1996 e 2001-2012, cerca de 25 anos, o Partido dos Trabalhadores administrou os ganhos e as perdas compartilhadas entre munícipes e municipalidades. É por isso que o título cidade-vermelha transfi-
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DIADEMA. op. cit. 2002, p. 50.
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75
gura-se: o vermelho do madeirite e dos tijolos cerâmicos à vista, passa a simbolizar o vermelho das lutas populares e das cores de identidade do partido que continuamente a administrou. Portanto, reunindo a conscientização sobre os problemas comuns78, com a predisposição para a organização e reivindicação, junto à confiança em uma proposta de caráter democrático e popular de governo para a cidade, contemplados por canais e mecanismos institucionais que garantem e legitimam as ações dos sujeitos; tem-se, por fim, o sentido e fundamento da participação popular desabrochada em Diadema. ações mobilizadas, organizadas e partícipes Com a participação popular, Diadema se orgulha de “cada metro de água encanada, de esgoto, de galerias, cada tijolo assentado, cada rua pavimentada ser resultado de um exaustivo processo de discussão com a comunidade, que participou ativamente da mudança ocorrida”79. Para além do romantismo, é preciso distinguir e conjecturar as interações que substanciam esse alcance político em movimento, organização e participação. O movimento é “alteração em qualquer instância, porque o ato mesmo de mudar, é o ato de passar de uma coisa à outra”80. No caso investi-
“Os grupos que se organizaram pela efetivação do direito à habitação, por exemplo, “surgiram por iniciativa dos moradores que se utilizavam de estratégias aparentemente informais para discutir a questão. Ou seja, tal necessidade fazia parte de sua vida cotidiana e, neste sentido, a qualquer momento e horário discutiam a questão, fosse nas conversas com vizinhos, fosse para enfrentar a busca de espaços para se instalarem, fosse em pontos de encontro que instituíram na cidade, tais como garagens, calçadas, botecos, esquinas. Destas aflitas conversas em que trocavam suas vivências e problemas, surgiram alternativas de encaminhamento e a percepção de que suas mazelas eram comuns e coletivas, ou seja, passam a desenvolver consciência de si, que supera a consciência em si. Em outras palavras, a partir do reconhecimento de que a falta de habitação aparentemente era um problema individual, reconhecem, a partir da sociabilidade que se gesta no cotidiano, que tal situação era comum a todos, portanto, não apenas um problema individual. Das conversas informais às reuniões sistematizadas, começaram a emergir as alternativas de ações coletivas, construindo-se assim novos padrões de sociabilidade voltados para a busca de soluções pelas quais passam a lutar enquanto uma produção comum”. (Santos, 2009, p. 13) 79 DIADEMA. op. cit. 1996, p. 1. 78
SCHÖPKE, R. Dicionário filosófico: conceitos fundamentais. 2010, p. 168. 80
BISSILIAT, J. La onde os rios refluem: Diadema - 20 anos de democracia e poder local. 2004, p. 142. 82
83
Ibid., p. 109.
Um destaque importante é que em Diadema todas mobilizações foram promovidas por uma “população essencialmente feminina, que se organizava para conseguir a adesão dos poderes públicos [...] às suas reivindicações. Essas reivindicações, sempre setoriais e restritas aos bairros, são em geral relativas a problemas do tipo canalização de água, instalação da rede elétrica, construção de moradias, melhorias no ensino e na saúde, etc.”82. Bissiliat entende que isso se dá porque “o território do bairro talvez possa ser visto como a extensão territorial da casa, como um espaço de proximidade, referência preferida das mulheres”83, então, atentas e preocupadas com a casa, o bairro e, sobretudo, com as pessoas que ali moram, que não ape-
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SANTOS, J. op. cit. 2009, p. 47.
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81
gado, isso corresponde a consciência dos problemas comuns elevados à predisposição para agir. Santos reforça que “as lutas sociais se desenvolveram em Diadema a partir de um processo de identificação individual e coletiva dos sujeitos que se reconheceram em condição de desigualdade e expressaram suas demandas de forma organizada conforme suas especificidades históricas, criando um feixe de forças”81, ou seja, de nada adiantaria perceber a ausência de infraestrutura como uma contrariedade e nada fizesse sobre isso: o movimento consiste aí, quando a percepção dar passos rumo à ação.
nas seus familiares, fizeram com que a percepção dos problemas e a busca por solucioná-los partissem, essencialmente, delas. Elas “demonstram uma experiência rica e diversificada, tendo aprendido a mobilizar as pessoas, a manobrar, a fazer alianças, a negociar com todo tipo de autoridade – municipal, estadual e federal. Conhecem os pontos fracos de um e de outro, o fenômeno do clientelismo, da cooptação, que elas podem criticar, mas sabem usar para os seus fins; aprenderam a ser populares porque sabem ouvir”84, demonstrando a habilidade política necessárias para dar movimento às ações. Neste sentido, Bissiliat defende que “é urgente extrair as conclusões práticas e teóricas do fato de que os movimentos sociais são sexuados e permitem a formação de um indivíduo social mulher [...] dado que todas as ações populares expressam amplamente o feito de mulheres e que se continua falando dessa participação de modo abstrato e neutro”85. Cabe, portanto, a essa investigação, ancorada nas vidas em luta de Terezinha, Alaídes, Maria, e inúmeras outras, esse reconhecimento. A organização, por sua vez, é o meio pelo qual serão atingidos os resultados pretendidos, isto é, “quefazer?”. Contínua ao movimento, ainda que presente nele, ela sublinha a ação elementar, e organiza as ações seguintes necessárias para se chegar a um fim
84
Ibid.
85
Ibid., p. 111.
BISSILIAT, J. op. cit. 2004, p. 142-143. 87
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ROLNIK, R. op. cit. 1999, p. 43.
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86
objetivo. No caso de Diadema, a organização se dava em diferentes formas, a principal delas tratava-se da combinação da agrupação de sujeitos, a formulação de uma pauta e a reivindicação. Assim, o movimento social ganhava força ao passo que pressionava os governos locais, propondo alternativas à falta de política oficial86, a partir de manifestações, paralisações, negociações com representantes políticos, filiação partidária, compartilhamento local, instruções técnicas, divulgação midiática, etc. Desse modo, a reunião dos sujeitos para discussão do enfrentamento dos problemas, desenvolvendo os encaminhamentos e a busca por executá-los, resumiram o exercício da organização popular. Bissiliat define a organização popular de Diadema em dois tipos, dos quais 1) os meios informais, que seriam os movimentos populares atuantes em quase todos os setores: saúde, educação, transportes, água, meio ambiente e habitação, que constituem a base dinâmica e renovada de toda e qualquer participação; e, 2) os meios formais, que seriam os conselhos populares, cujos membros são eleitos a cada dois anos pela população e principalmente pelos participantes dos movimentos e os conselhos municipais, que têm uma representação tripartite entre Prefeitura, sociedade civil e população87. Sendo assim, a distinção entre os dois tipos refere-se ao vínculo e estrutura ins-
< reuniĂľes de moradores nas favelas de diadema, dĂŠcada de 1980 /imagem: acervo shdu/pmd, 1980
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titucional que constitui os meios formais. Já a participação é o fazer parte, tanto do movimento, da organização, mas, acima de tudo, dos alcances levados por eles. A participação é, nesse sentido, a realização, que não só a factual das ações. Em Diadema, a efervescente participação popular se deu em virtude das pautas dos movimentos e organizações sociais serem levadas às estruturas institucionais, todavia, a tomada de decisão e a construção das políticas públicas faziam-se parte dos populares. A exemplo, as políticas de habitação popular e de urbanização de favelas do município só foram possíveis com a participação. Coelho relata que as casas populares, que substituíam os barracos precários, reivindicadas pelos movimentos, foram construídas “em sistema de mutirão e por administração direta, intervindo eminentemente em áreas de propriedade municipal, com recursos da prefeitura. Uma nova forma de projetar e construir obras públicas se fez necessária, acumulando novos conhecimentos e instrumentos”88, expondo a relação entre administração e população partícipe. Ela também coloca que a “participação popular era intensa nas plenárias regulares para a urbanização das favelas. Eram comuns os mutirões de demolição e reconstrução de barracos, com vizinhos e amigos
88
65.
COELHO, M. op. cit. 2008, p.
Ibid., p. 68.
90
Ibid., p. 84.
91
IDEM. op. cit. 2011, p. 40.
ajudando-se mutuamente”89, o que atesta o fazer parte dos populares na realização das políticas públicas. O mutirão fora uma experiência participativa tão bem-sucedida que levou Diadema, em 1990, à primeira experiência no Brasil de construção verticalizada nesse sistema. Convidados pela Associação de Construção Comunitária de Diadema, o escritório de assessoria técnica em arquitetura, Usina CTAH, reformulou o projeto arquitetônico que havia sido elaborado pela Prefeitura, para a construção de um conjunto misto de seis edifícios, de quatro andares, com 16 apartamentos em cada um, além de 184 casas sobrepostas, no Núcleo Habitacional Gazuza. O escritório assessorou a discussão do sistema construtivo, a organização das atividades de canteiro e a gestão da obra, além do acompanhamento e fiscalização do mutirão autogerido90. O sistema de mutirão, neste mesmo período, também foi explorado para a pavimentação das ruas do município, principalmente os becos, vielas e travessas dos núcleos habitacionais, com a elaboração do Plano Comunitário, que dividiria as atividades e custos entre população e Prefeitura91; também, para a implementação dos sistemas de abastecimento de água, captação de águas pluviais e coleta de esgoto, bem como a construção de escadarias públicas. Isto revela que a população continuou a ter de
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> multirão autogerido para a construção do conjunto habitacional gazuza /imagem: acervo usina-ctah, 1990
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realizar seus direitos e necessidades, contudo, contando com a assistência financeira, social e técnica da administração municipal. Quanto a tomada de decisões, tem-se a exemplo o Orçamento Participativo, mecanismo que permite discutir a aplicação dos recursos financeiros municipais de acordo com as necessidades populares. Em Diadema, o Programa foi instituído em 1983, tendo duração enquanto os governos petistas estavam frente à administração. Foram realizados diversos eventos titulados como Encontro para o Orçamento Participativo, em diferentes plenárias, com assídua presença de movimentos e associações populares decidindo a finalidade do dinheiro público. Esse quadro que o conjunto de movimento-organização-participação configurara em Diadema retrata que “os canais de participação popular propiciam às organizações de luta o alcance de direitos. Mesmo quando estes não estão deliberando diretamente, a partilha do poder ocorre quando os membros da administração pública decidem pressionados pelas demandas populares”92. Porém, de toda a trajetória, sobressai-se, a defesa de que a participação popular “demanda uma conscientização dos cidadãos a respeito do seu papel no âmbito coletivo, pois é a sua percepção sobre o contexto sócio-político que irá conscientizá-lo da sua realidade. Deste modo, pode-
92
SANTOS, J. op. cit. 2009, p. 92.
TSUNOUSHI, P. Um Lugar de Luta: A construção coletiva dos espaços comuns da ocupação Olga Benário. 2017, p. 117. 93
-se dizer que a consciência política é requisito necessário para discordar, decidir e propor o que é melhor para a comunidade. A partir daí, o sujeito poderá formular estratégias para enfrentar os problemas que o afetam e se organizar para intervir na realidade”93, e é exatamente a essa função que a gestão petista, que fomentava as ações, demonstrará seus desacertos.
94
SANTOS, J. op. cit. 2009, p. 13.
É inegável que o conjunto de movimentos, organizações e participações alcançou os poderes decisórios, devido o fato de estar à frente da administração municipal um partido de massas, como se intitulava o PT, que propunha a participação popular direta na gestão pública. Santos aponta que “a questão é que tais demandas visibilizadas pela expressão popular organizada confluem para um poder público que, no momento, estava sendo gerenciado por um partido que se formara, fundamentalmente, a partir de demandas com o mesmo teor popular”94, do qual soube convenientemente explorar a força que constitui as ações dos sujeitos, como já apontado. O partido, que assumiu a gestão da cidade em condições urbanas precárias devido a herança do mal-intencionado planejamento das administrações anteriores, tinha alguns dilemas a enfrentar. Rol-
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participação administrativa
nik, afirma que “o grande desafio do governo local recém-eleito era justamente este: transformar Diadema em cidade. Isto significa uma tarefa de múltiplas dimensões: a construção da cidade em seu sentido físico-territorial, já que o assentamento havia sido produzido pelos próprios moradores/trabalhadores”95, entretanto, fora exatamente o anseio e a condição de cidade que ali existia que levou o partido à sua primeira prefeitura. Nesse sentido, será sempre atrelada aos indivíduos, transformados em sujeitos, a natureza e o mérito das ações. Todavia, podemos notar que a participação da administração petista e os canais instituídos por ela contribuíram efetivamente para que se estabelecesse o direito à cidade, uma vez que este “só pode ser formulado como direito à vida urbana, transformada, renovada”96 em que “só a classe operária pode se tornar o agente, o portador ou o suporte social dessa realização”97, expressos no atender as reivindicações, na execução dos mutirões e nas decisões dos conselhos municipais. A atuação do partido na administração municipal também expressa a transição da idealização teórica para a experiência prática, dado que, o PT, formado por intelectuais e populares imersos em ideais de igualdade e justiça social, simpatizantes ao socialismo, ao defender a participação di-
Raquel Rolnik em BISSILIAT, J. op. cit. 2004, p. 11. 95
LEFEBVRE, H. op. cit. 2008, p. 118. 96
97
Ibid.
SANTOS, J. op. cit. 2009, p. 89.
A continuidade das administrações sob o mesmo partido é ao mesmo tempo a causa e o reflexo da qualidade das políticas públicas promovidas pela gestão. Como visto, Diadema teve dois ciclos de três gestões consecutivas com o PT no poder municipal, o que equivale a cerca de 12 anos em cada um deles. Isso permitira que as ações acontecessem sem frequentes interrupções, assim, longas e complexas obras, como são as de urbanizações de favelas, com
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reta da população na gestão, não dimensionara a complexidade da administração pública e nem considerara os conflitos internos que o partido enfrentaria, justamente por conquistar a eleição. Santos, revela que “os membros da gestão 1983-1988 identificaram as péssimas condições de vida dos trabalhadores residentes em Diadema e assumiram a incapacidade de solucionar essa situação a partir do aparato burocrático da prefeitura. Admitiram, portanto, que as ações implementadas pelo governo municipal possuíam características curativas e suplementares e que não atacaram diretamente as causas que impossibilitaram os trabalhadores de realizarem suas necessidades de moradia: a concentração de renda e situação de miséria dos trabalhadores”98, constituindo sua maior lacuna. Apesar disso, dentro de suas limitações, o partido concedeu à cidade e aos sujeitos o remanescente de seu imaginário cívico.
implementação e readequação de infraestrutura urbana, ocorreram com maiores frequências, conquistando a confiança dos munícipes, tornando-se um indicador da aprovação quanto a competência das gestões. O Instituto Diadema de Estudos Municipais (IDEM) categoriza de forma singular as administrações petistas. A primeira, 1983-1988, é expressa como “vontade política, militância e audácia”, tendo Gilson Menezes como prefeito; a segunda, 1989-1992, como “pressão por moradia explode”, tendo José Augusto Ramos à frente da prefeitura; e a terceira, 1993-1996, como “reforma urbana e integração”, com José de Filippi Júnior em posse do cargo. Após a terceira gestão, divergências políticas internas no partido, iniciadas desde a primeira gestão, são refletidas na eleição municipal. Na disputa de 1996, brigavam pela prefeitura esses três ex-prefeitos, Gilson, José Augusto e José de Fillipi, cada um sob uma legenda diferente. O último, concorrendo a reeleição pelo PT, perde para o primeiro, então filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB). Assim, o IDEM classifica a gestão de 1997-2000 como “o retrocesso”, isso porquê, apesar de Gilson Menezes ter sido o primeiro prefeito petista do município, ele assume essa nova gestão sob outros interesses e interrompe alguns dos programas populares em curso. Na gestão se-
IDEM. op. cit. 2011.
Gorczeski, V. Diadema e PT: o fim de um amor de 30 anos. Diadema e o PT viveram um amor de três décadas. Em outubro, veio a separação. O novo dono do coração da cidade agora lida com a herança petista. São Paulo: Revista Época, fevereiro de 2013. Disponível em <https://glo. bo/2P7kCsL> 100
Toda essa dinâmica partidária é refletida nas políticas que agem e conformam o território municipal, principalmente quanto às pautas populares, por isso é importante compreendê-las. A partir dos informes precedentes, é possível considerar que isso se dá devido aos partidos serem imbuídos de ideologias, e que tentam introduzi-las na organização de como pensam a política da cidade. Também é possível depreender que as administrações respondem às “bandeiras” que à levam ao poder. No caso
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guinte, 2001-2004, José de Fillipi Júnior é eleito, sendo reeleito em 2005-2008, pelo Partido dos Trabalhadores, essas gestões são classificadas como “retomada e consolidação”, pelo mesmo Instituto. Na administração de 20092012 se é eleito o arquiteto Mario Reale, pelo mesmo partido, gestão identificada como “Diadema cidade real”, também pelo IDEM99. Na eleição seguinte ocorre o evento noticiado como “divórcio entre Diadema e o PT, o fim de um amor de 30 anos”100, o último prefeito petista perdera a reeleição. Em 2013-2016, é eleito Lauro Michels Sobrinho, pelo Partido Verde (PV), reeleito para assumir a gestão “2017-2020”, que se afasta substancialmente das pautas e práticas populares. Com a sua eleição, se dá o fim do Instituto Diadema de Estudos Municipais, por isso não há classificações para a atual administração.
de Diadema, enquanto essa bandeira era entendida como a causa dos trabalhadores e dos populares, a administração correspondia a ela. Bissiliat afirma que o maior autoquestionamento do Partido dos Trabalhadores, ao chegar ao poder, indagava se deveria governar para os trabalhadores ou para toda a população?101. A mudança dessa causa, que não nos arriscamos a definir qual seja, faz com que a administração e a cidade de Diadema também assim se convertam: indefinida.
101
BISSILIAT, J. op. cit. 2004, p.
44.
quando a luta vence a guerra Os sujeitos, nas frentes administrativas, técnicas e populares, reunidos e operantes para o levante das políticas públicas e do desenvolvimento social do município, alcançaram importantes conquistas. Uma das principais demonstrações desse avanço é expresso na redução do índice de mortalidade infantil. Em 1994, correspondiam a 20,6 mortos por mil nascimentos, em direção oposta aos 81,8 mortos por mil nascimentos, que assombravam Diadema em 1980102. Pode-se considerar que “essa diminuição não se deve exclusivamente às melhorias no sistema de saúde, mas ao conjunto de políticas sociais, como as relativas à moradia e ao saneamento, que exerceram uma ação benéfica sobre as doenças respiratórias em especial, à educação e
Atualmente o índice de mortalidade do município é de 11,42 por mil nascimentos, ocupando a 304ª posição entre as cidades com mais mortos ao nascimento do Estado de São Paulo. Fonte: IBGE, 2018. 102
BISSILIAT, J. op. cit. 2004, 47.
ROLNIK, R. Exclusão Territorial e Violência: O caso do Estado de São Paulo. 2000, p. 12. 104
105
SANTOS, J. op. cit. 2009, p.
83.
106
ROLNIK, R. op. cit. 1999, p. 49.
Conjuntamente, a legislação urbanística sofrera alterações mediante as pressões populares. Neste mesmo ano, 1994, após os membros da administração de Diadema iniciarem os debates em reuniões realizadas nos núcleos habitacionais, no Fórum de Desenvolvimento Municipal e no Encontro de Habitação, que acontecia no município, são apresentadas as diretrizes do novo Plano Diretor, elaboradas pelos técnicos da prefeitura, com a presença dos vereadores locais, em um processo participativo105. De acordo com Rolnik, “o Plano de Diadema incorporou vários instrumentos urbanísticos que permitem a redistribuição da renda urbana, a inclusão da população de baixa renda no mercado imobiliário e em seus diversos segmentos, a desconcentração dos ganhos e a redistribuição de oportunidades”106, assim, antecipando-se a vários instrumentos que só viriam a ser instituídos com a regulamentação do Estatuto da Cidade em 2001. Após alguns embates sobre as propostas, o Plano Diretor é aprovado pela Lei
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103
à formação, ao abastecimento alimentar, sem, no entanto, que se possa definir o peso de cada uma delas”103. Com efeito, neste período, 121 favelas das 197 existentes no município, tinham sido urbanizadas, a rede de água cobria 95% dos domicílios e a rede de esgotos chegava a 60% deles, 96% das ruas eram pavimentadas e iluminadas104.
Complementar No. 25/94. Baseado nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988107, o plano institui as chamadas Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS), o que torna Diadema pioneira na aplicação do instrumento. As AEIS eram dividias em duas categorias, sendo a AEIS 1 correspondente a 3% da área da cidade e caracterizadas por grafar terrenos particulares não ocupados, onde os proprietários de terrenos nelas localizados, podiam utilizar 80% da área para a construção de Empreendimentos de Habitação de Interesse Social (EHIS) e os 20% restantes para instalação de comércios, indústrias ou residências, de acordo com o tipo de zoneamento definido para as áreas que faziam limite com o território. Já as AEIS 2, conformava 3,5% da área do município, tanto de propriedade pública ou privada, compreendendo todos os espaços ocupados irregularmente por favelas108. Em paralelo, o plano adotou o sistema de imposto progressivo, isto é, estavam suscetíveis a esse imposto os proprietários que não executavam obras de fundo social nos terrenos desocupados dentro de um prazo determinado110. É importante ressaltar que a implantação dos instrumentos não foi pacífica, pois os proprietários de terras resistiram à declaração de sua propriedade como de uso res-
Corresponde ao caput do artigo 182, determinar que “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. Já ao caput do artigo 183, assegura que “Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural” (BRASIL, 1988, p. 112). 107
108
SANTOS, J. op. cit. 2009, p. 81.
110
BISSILIAT, J. op. cit. 2004, p.
87.
DIADEMA. op cit. 2004, p. 20.
112
SANTOS, J. op. cit. 2009, p. 83.
113
IDEM. op. cit. 2011, p. 26.
Diadema também foi pioneira na aprovação da lei de Concessão do Direito Real de Uso (CDRU), outro componente de grande relevância para a legislação urbanística municipal. A divisão de regularização fundiária entregou, entre 1991 e 1995, mais de 3,5 mil títulos para famílias que ocupavam áreas públicas, após dez anos de aprovação desta concessão113. Para tanto, teve de flexionar a exigência legal de que os lotes urbanos
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111
trito à habitação de interesse social, eles alegavam que isso desvalorizava suas propriedades, e argumentavam que o município perdia possibilidades de geração de emprego à medida que reduzia as possibilidades de instalação da indústria. A aprovação só foi possível porque houve grande pressão dos movimentos populares, que ao compreender o conteúdo do instrumento, lutaram por sua regulamentação e não simplesmente pela obtenção da moradia própria111. Santos avalia que essa conquista, inesperadamente, refletira desfavoravelmente à organização popular, já que “várias associações passaram a negociar a compra e venda de terrenos e empreendimentos imobiliários diretamente com seus ‘clientes’. Com os instrumentos urbanísticos já regularizados em forma de lei, algumas associações deixaram a mobilização social para administrar a parte burocrática dos processos de urbanização das AEIS 1”112.
contassem com ao menos 125 m², assim, alterações garantiram a redução para 42 m², com frente de 3,5 metros, evitando a remoção de muitas famílias114. Para assegurar a participação popular nos ganhos que a legislação urbanística provocara, a administração criou um conselho com representantes dos movimentos, cujo caráter era deliberativo. Assim surge o Fundo Municipal de Apoio à Habitação de Interesse Social (Fumapis) e respectivo Conselho Gestor, ativos até os dias atuais, que propiciam apoio ou suporte financeiro à consecução da política de habitação de interesse social do município, voltada à população com renda familiar de até três salários mínimos115. As políticas de saúde e de educação são outras das demonstrações de crescimento a partir do fortalecimento da organização popular. Na saúde, mais de 15 Unidades Básicas de Saúde (UBS) foram construídas e distribuídas por todo o território municipal, após pressão dos movimentos é fundado o Conselho Popular de Saúde, composto por representantes indicados pela administração e eleitos em votação direta para representar a população. Na educação, nasce um grande movimento a fim de erradicar o analfabetismo, apoiado pela gestão municipal, desse modo, surge o Serviço de Educação para os Jovens e Adultos (SEJA),
114
Ibid., p. 24.
Lei Ordinária No. 1093/90 de Diadema. 115
62.
BISSILIAT, J. op. cit. 2004, p.
Esses e muitos outros progressos são considerados êxitos das lutas populares que vencem a guerra contra as mazelas urbanas e ao impiedoso arcabouço legal que se constituía na cidade de Diadema. quando a guerra vence a luta Para que algumas guerras sejam vencidas, muitas outras tiveram de ser perdidas. A organização popular tão estimada pela municipalidade, era criminalizada pelos proprietários de terrenos ocupados por movimentos de moradia, por exemplo, e, de mesmo modo, por governantes de outras esferas. Assim, faziam com que o poder local se tornasse rúptil diante ao arbítrio estadual, federal e de indivíduos influentes. Um evento ocorrido em Diadema, em 1990, resume essa conjunção, tendo como agravante a omissão do então prefeito, José Augusto Ramos, sendo conhecido como o “Massacre da Vila Socialista”.
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116
que proporcionava aulas intensivas e noturnas para os cursos supletivos de 1º e 2º grau. Em 1996, contava-se 139 salas e mais de 4,1 mil alunos matriculados. O serviço mantinha estreita parceria com o Sindicato dos Metalúrgicos, que tinha por objetivo acabar com o analfabetismo na categoria. Institui-se, em seguida, o Fórum Municipal de Alfabetização para coordenar o conjunto das operações116.
Apesar do amparo de uma gestão de viés progressista, em 11 de novembro daquele ano, cerca de 500 policiais militares avançavam sobre a barricada erguida com galhos, pneus e arames por moradores de uma ocupação realizada em um terreno do Jardim Inamar117, constituída por aproximadamente 300 famílias, que reivindicavam o acesso à moradia. Essa ação, consequência de um mandato de reintegração de posse, expedida pelo proprietário da área, com amparo do governador estadual, resultou em duas mortes, 47 pessoas feridas e na prisão de 23 pessoas, duas delas vereadores municipais, logo após expulsos de seu partido, o PT118. Mesmo com faixas erguidas com os dizeres “Não queremos guerra, queremos terra. Não mexam com nossos barracos”, a tropa de choque e a cavalaria, munidas de bombas de gás, cães, cassetetes e jatos d’águas, confrontaram os populares, que estavam armados com foices, pedaços de pau, pedras e coquetéis molotov, em um embate que durou cerca de duas horas119. Ao fim do conflito, os ocupantes foram expulsos da propriedade e os barracos destruídos por tratores. Sem ter para onde ir, parte dos sujeitos tiveram de ser transferidos para uma escola, outra para alojamentos de lata. O drama teve grande repercussão em nível nacional, assim “a Prefeitura assumiu as negociações
O bairro Jardim Inamar localiza-se na região sul do município, teve o início da sua ocupação no fim de 1980. 117
118
SANTOS, J. op. cit. 2009, p.
106
BARROS, F. Vila Socialista, Uma história escrita com sangue: Ex-ocupação em Diadema, massacrada pela política, é retrato de luta e homenagens progressistas. São Paulo: Revista Caros Amigos, ano XIX, no. 220, julho de 2015. 119
IDEM. op. cit. 2011, p. 33.
Dois anos depois se iniciam o loteamento da área destinada à Vila Socialista, que não fora a do cenário da guerrilha, e a construir o conjunto habitacional prometido. As ruas do bairro foram ideologicamente simbolizadas ao receber nomes de ideais e de pessoas que entraram para história pela participação nas revoluções cubana e russa, pela literatura esquerdista ou pela resistência às ditaduras militares. Estão ali as ruas Chê Guevara, Bolchevik, Karl Marx, Engels, Vladimir Lenin, Carlos Lamarca, Gregório Bezzerra, a Rua do Manifesto, do Socialismo Cientifico, dos Comunistas, a Rua Cuba Livre, entre outras excentricidades. Ainda que os prosseguimentos após o trágico episódio tenham sido
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120
junto ao proprietário em busca de um acordo para desapropriar a área. Conseguiu também pela primeira vez que o governo estadual financiasse uma desapropriação em Diadema, liberando recursos pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU, órgão estadual) para a construção de 500 apartamentos no bairro Serraria, que também seria denominado Vila Socialista”120. Surge daí o Programa de Apoio às Associações de Luta por Moradia, iniciativa importante que problematizava a questão das responsabilidades das distintas esferas governamentais e da população organizada na política habitacional.
< manchete do dia seguinte ao evento, pelo jornal folha de sĂŁo paulo
/imagem: acervo sĂtio polĂŞmico, 1991
contentes, é improcedente que movimento e organização popular sejam cerceados, justamente pelos poderes que devem por direito os assegurarem, as ações violentas só agravam a conjuntura. A apreensão nasce do conhecimento de que essa conduta é recorrente nos dias atuais e perseguem muitos dos movimentos populares atuantes em todo o país, estando passíveis de serem tipificados como “terroristas” após a última eleição presidencial. nunca fomos tão participativos O movimento, como conhecido, é o ato constante de mudar, de passar de uma coisa à outra, é o impulso à ação. À vista disso, ao que corresponde o não-movimento e a não-ação? Essa questão surge dado o esmorecer dos movimentos populares. Nos dias atuais, os movimentos de meios informais, aqueles de natureza e predisposição reivindicativa, são poucos e inoperantes na dinâmica do município. No entanto, o que existe são as organizações do tipo formais, isto é, os Conselhos Municipais, ao todo são 19, entre alguns deles, têm-se o Conselho Municipal de Assistência Social, de Cultura, do Direito da Mulher, de Desenvolvimento Econômico e Social, da Juventude, de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, de Saúde, de Entorpecentes, do Transporte, e etc.
MARICATO, E. Nunca fomos tão participativos: a possibilidade de debater temas estruturais é longínqua para a maior parte dos movimentos sociais e ONGs, guiados pela hegemonia do “participativismo”. 2008, p. 18. 121
122
MARICATO, E. op. cit. 2015, p.
41.
MARICATO, E. op. cit. 2008, p. 19. 123
Esse quadro aparenta ser vantajoso, e não é intenção dessa investigação negá-lo, todavia, são destacados indicadores para saber a quem. Acontece que, desde o período da efervescência dos movimentos populares, notava-se uma “atração muito forte pelo espaço institucional ou pela institucionalização de práticas participativas, como se isso constituísse um fim em si”121. Segundo Maricato, muitos participantes das lutas populares foram engolidos pela esfera institucional, sendo que, atualmente, a maior parte deles está em cargos públicos ou ao redor deles122. Dessa forma, sendo os Conselhos a “fala” popular, ele limita e a constrange, por enquadrá-la nas regras institucionais, restringindo sua vertente opositora e radical. Também “é preciso entender o que é o Estado em sua complexidade, especialmente numa sociedade como a nossa, patrimonialista e desigual. Seu poder de cooptação e mesmo de corrupção parece imenso”123. A cooptação, isto é, fenômeno que alicia, tomando para si, ações e/ ou organizações para fins de controle, manipulação dos interesses e apropriação das qualidades, sucedeu-se a muitos dos movimentos populares de Diadema, sendo também
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Todos esses representando, de alguma forma, o que um dia já foram as pautas populares, cujo caráter hoje é consultivo.
a mais recorrente crítica atribuída ao Partido dos Trabalhadores, a quem atrelam o princípio dessa prática. Em 1996, o único canal de comunicação entre população e governo, na área da habitação, por exemplo, eram os tais conselhos, “de forma que os líderes comunitários foram obrigados a participar das eleições para conselheiros. O governo municipal se recusou a negociar com as associações que não participavam do conselho, o que provocou a invasão da prefeitura por parte de associações que se sentiram excluídas do processo”124. Assim, a organização popular por meio dos conselhos, tornou-se muito dependente da prefeitura, Santos revela que “os conselheiros não moveram ações em defesa das deliberações não operacionalizadas na prática. Alguns destes, que eram militantes do PT, procuraram resolver os conflitos dentro da lógica estabelecida pela prefeitura, enviando ofícios e levando as reivindicações às reuniões organizadas pelos membros da administração”125, corrompendo e burocratizando a autonomia das ações. Podemos então, entender essa conduta como participação institucionalizada. O proveito da participação popular para realização das atribuições da administração, sem o cultivo de uma consciência política nos sujeitos para o alcance de sua autonomia, como se deu em algumas
124
SANTOS, J. op. cit. 2009, p. 85.
125
Ibid., p. 112.
Aos não-mais-sujeitos, cabem grande parcela de responsabilidade quanto a atenuação dos movimentos populares. Em posse de algumas conquistas, sobretudo materiais, como, por exemplo, a moradia, a infraestrutura, a UBS próxima, muitos dos indivíduos propensos a ação, deram-se por conformados e não enxergaram mais sentido nas lutas populares. Também é expresso o desconhecimento desses quanto ao que de fato são as políticas sociais, ou seja, de que a política habitacional é para além da habitação em si. Bissiliat expõe que “na verdade, um movimento deixa de existir porque conseguiu obter o que reivindicava, ou, então – outra possibilidade –,
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BISSILIAT, J. op. cit. 2004, p. 165. 126
práticas multirantes sob a gestão petista no município, é uma outra face dessa cooptação. É certo que os mutirões aos poucos foram substituídos por obras executadas por empreiteiras licitadas, ao passo que o orçamento municipal se desenvolvia, porém, faltou a municipalidade qualificar e potencializar essa mão-de-obra usufruída para fins que não fossem apenas os de seu interesse. Com isso, “essa ausência dificulta uma sensibilização mais aprofundada da população, dificulta também não só a construção de uma sociedade civil dotada de uma capacidade contínua de oposição ou de apoio em face dos diferentes poderes, mas também na elaboração de uma cultura da cidadania”126.
ele perpetua-se nessa função reivindicativa, como, por exemplo, os movimentos de habitação, mas por intermédio de participantes que se renovam com a obtenção de novos terrenos e novos firmamentos destinados à construção de novas casas”127, infelizmente, essa reinvenção não se firmara entre os munícipes. É preocupante que, presentemente, ainda há velhas e novas problemáticas que implicam nas vidas dos populares diademenses e, ainda assim, não se promovam movimentos para enfrenta-las. Cláudia Bastos, acredita que isso ocorre devido a perda do estímulo à organização, que as gestões petistas promoviam, e da qual a gestão atual não, e também pela condição de que os problemas mais graves – a exemplo, a ausência do saneamento – terem sido sanados em quase todo o município, mas, acima de tudo, por conta dos munícipes não terem consciência de quais são os problemas atuais e de que eles podem ser resolvidos de forma coletiva128. Em suma, o amparo institucional dado as pautas populares, como são os Conselhos municipais, é necessário e estimável, bem como, o ímpeto de gestões de qual o viés estimula movimentos e organizações populares. Entretanto, a participação popular deve ter como fim, sobretudo, a constituição e realização cidadã, o que exige autonomia, discernimento e emancipação dos sujeitos, com a contribuição
127
Ibid., p. 164.
Cláudia Bastos em depoimento cedido ao autor para o desenvolvimento desta investigação. Bastos é arquiteta e urbanista da Prefeitura Municipal de Diadema, desde 2006, lotada na Secretaria de Habitação. 128
coletiva e pedagógica, das diversas esferas, para esse alcance. O caso de Diadema dá sentido à ironia manifesta por Ermínia Maricato: nunca fomos tão participativos e nunca fomos tão participativos.
KONDER, L. O dialética. 1987, p. 84. 129
que
é
DOWBOR, L. O que é poder local. 2016, p. 10. 130
Indo ao encontro do método dialético, que nos incita a revermos o passado à luz do que está acontecendo no presente, questionando o presente em nome do futuro, o que está sendo em nome do que ainda não é129, possibilitou que essa investigação sobre a participação popular demonstrasse como as ações políticas e sociais promovidas por sujeitos, podem construir e caracterizar o território, bem como promover a condição cidadã. Tanto os acertos e os desacertos dessa experiência, ante à crítica, permitem compreender e interferir para que as políticas sejam cada vez mais idôneas e responsáveis com os sujeitos e os espaços suscetíveis a ela. A revisão das práticas e conquistas realizadas pela administração, movimentos e organizações populares, podem assegurar o reestabelecimento e reinvenção do coletivismo e impulsionar a participação comunitária. É preciso reacender a crença de que “quando uma comunidade de famílias decide organizar as suas condições de vida de forma humana, isto é possível”130. É importante avalizar que a com-
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para que serve a história
binação de uma administração progressista com a participação de populares dada no município, de modo geral, foi aprovada e teve consideráveis resultados. Como já dito, as reeleições dos governos e a melhoria das estatísticas é uma clara resposta a isso. Rolnik, acrescenta que “o caso de Diadema, assim como outros exemplos de sucesso no Brasil, demonstra que a existência de capital social e a disposição do poder público em dividir poder com as comunidades de baixa renda são essenciais para transformar a urbanização de risco rumo a um modelo mais igualitário e sustentável”131, portanto, sujeitos e espaço são beneficiados. A cidade é construída a partir daí, das ações da população e gestão frente ao espaço, no decorrer de um processo, assim, é possível certificar que “o território diademense foi construído pela ação de sujeitos condicionados por uma série de interações sócio-históricas que compuseram as formas de vida em Diadema”132. No processo investigado, é notória a relevância da organização das favelas – agora núcleos habitacionais – para o alcance de muitas das conquistas. Como visto, partem delas a propensão de muitas das ações, surgindo os movimentos. Desse modo, é certo que há nelas uma essência reivindicativa. Para a retomada dessa condição, as prá-
131
ROLNIK, R. op. cit. 2000, p. 13.
132
SANTOS, J. op. cit. 2009, p. 33.
IDEM. op. cit. 2011, p. 89.
A experiência da participação popular de Diadema certifica que são vantajosas as práticas coletivas. Com a instituição da AEIS 1, por exemplo, multiplicam-se, até hoje, as associações pró-moradia, onde os terrenos que são comprados coletivamente saem por um preço abaixo do mercado, e cada participante desembolsa a parte que lhe corresponde. Os materiais de
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134
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KEHL, L. Breve história das favelas. 2010, p. 29. 133
ticas políticas devem aproximar daquilo que elas foram, são e podem vir a ser. No entanto, é preciso se reposicionar e compreender que “as favelas abrigam ainda, na atualidade, formas de organização próprias e de tentativas de se criar uma consciência e uma identidade que se contraponham aos modos que a sociedade ‘exterior’ tenta lhes impor”133. Como demonstração, em pesquisa realizada pelo Instituto Diadema de Estudos Municipais, em 2011, 2 em cada 3 entrevistados avaliavam ter participado do processo de urbanização dos núcleos habitacionais, somente 2 em cada 10 disseram que não. A média de participação afirmada pelos entrevistados durante as ações, numa escala de 1 a 5, é avaliada em nível 3,5. Dos dois tipos de participação mais mencionadas, foram elencados a comissão de moradores (média de 4,0) e os encontros municipais de habitação (média de 3,9)134. Dados quantitativos que atestam e asseguram a disposição dos moradores de núcleos às políticas coletivas.
construção são igualmente comprados coletivamente, no modo atacado, e pagos individualmente, livrando dos acréscimos postos pelo varejo. Muitas das associações dispõem de um coordenador que os auxiliam no gerenciamento dessas múltiplas operações, expressando a seriedade das organizações135. As práticas comunitárias são incontestáveis plataformas para a afirmação e formação de uma consciência cidadã. O caso dos sujeitos diademenses fora debilitado quanto a essa questão, muito por conta dos desacertos das administrações, como percebido, esses “não alcançaram autonomia para exercer diretamente seus direitos e não tiveram instrumentos para ampliar sua atuação para além das suas necessidades imediatas”136. Dowbor, alerta que “trata-se, sem dúvida, de um problema de maturidade política: somos um país de incipiente cultura participativa e a transformação do nível de consciência sempre leva tempo”137, portanto, longe da intenção de absolver os responsáveis, é preciso considerar que a cidadania é um curso contínuo e infindo, avaliá-la por períodos administrativos pode ser equivocado. A formação cidadã deve ser principiada pelo desenho de uma unidade coletiva, para que assim se alcance a consciência respectiva, pois, “mesmo os indivíduos mais empenhados na luta pela transformação da sociedade se confundem, com frequên-
BISSILIAT, J. op. cit. 2004, p. 172-173. 135
SANTOS, J. op. cit. 2009, p. 103. 136
137
98.
DOWBOR, L. op. cit. 2016, p.
KONDER, L. op. cit. 1987, p. 76.
SANTOS, J. op. cit. 2009, p. 101-102. 139
A cooptação será sempre um infortúnio e um risco a se enfrentar. Em Diadema, “para efetivarem suas necessidades, os sujeitos necessitaram se organizar dentro da lógica do aparato burocrático do Estado e segundo sua intermediação. Seu nível de atuação esteve restrito à forma politicamente estruturada, não segundo as necessidades específicas das pessoas e por elas diretamente deliberadas e postas em execução”139, conformando, assim, um sólido sistema de controle. Desta forma, a participação popular ocorrida pode ser adjetivada como institucionalizada, problematizada devido as inconstâncias e corrupções institucionais. Para que as práticas políticas sejam legítimas e esclarecidas, “é preciso que a organização não se torne opaca para o indivíduo, que ele não se sinta perdido dentro dela; é preciso que ela não o reduza a uma situação de impotência contemplativa ou a um ativismo cego. Se não, o indivíduo fica impossibilitado de atuar revolucionariamente e se sente alienado na atividade coletiva. A organização deixa de ser o lugar onde suas forças se multiplicam e
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138
cia, quando falta coesão à unidade deles. A falta de coesão diminui, para eles, as possibilidades de fazerem história de modo consciente. Diminui as possibilidades de se organizarem e de se reconhecerem na ação da comunidade organizada a que se integraram”138.
passa a ser um lugar onde elas são neutralizadas ou instrumentalizadas por outras forças, orientadas em função de outros objetivos”140. O caso investigado revela que a política partidária e ideológica é claramente manifestada na construção territorial e nas formas de organização. Há quem afirme que “a história de Diadema é a expressão mesma da história do Partido dos Trabalhadores, um partido que mostrou ao Brasil um novo modo de fazer política e governar. É uma história de luta coletiva, de homens e mulheres, trabalhadores simples, de mãos calejadas. Foram eles que concretizaram, no dia-a-dia, a utopia que fez nascer o PT: o fim da desigualdade e da exclusão social”141. Romantismos de lado, é justo afirmar que as ações participativas dos sujeitos foram alavancadas nos períodos em que a administração progressista geria a cidade, apesar de todos os desencantos que já nos são conhecidos. Ainda assim, os mais de 25 anos do Partido dos Trabalhadores em Diadema, revelam que o espectro político dos partidos em administrações tem o território como reflexo e as organizações como refração, por esse motivo, alerta-se a importância de escolhê-los bem e inserì-los nas críticas socioespaciais. Encontrado o método dialético, que sugere “pensarmos as contradições da realidade, o modo de
KONDER, L. op. cit. 1987, p. 76-77. 140
141
IDEM, op. cit. 2011, p. 47.
KONDER, L. op. cit. 1987, p. 8.
130 | 131 _ UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A PARTICIPAÇÃO POPULAR
142
compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação”142, só foi possível seguindo os eventos e processos históricos, isto posto, revela-se para que a história serve e servirá: para a apreensão, em movimento, da realidade.
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e os centros comunitĂĄrios dos nĂşcleos habitacionais de diadema.
organização do espaço O conjunto das ações praticadas e promovidas pelos sujeitos, a começar no surgimento da cidade e intensificadas na era da participação popular, organizaram, desenharam e construíram o espaço-territorial de Diadema. É possível lê-las na materialização das estruturas e nas dinâmicas que compreendem o município. “Sim, lê-se a cidade porque ela se escreve, porque ela foi uma escrita”, afirma Lefebvre, “entretanto, não basta examinar esse texto sem recorrer ao contexto. Escrever sobre essa escrita ou sobre essa linguagem, elaborar a metalinguagem da cidade não é conhecer a cidade e o urbano”1. Apoiados no contexto explorado no capítulo anterior, nos empenharemos a descrever e interpretar esse corpulento texto. Para tanto, é investigado a configuração física do município, com realce aos núcleos habitacionais, dado a sua influência contextual, sobreposta dos elementos materiais que abrigam, gerenciam e representam substanciais políticas públicas. Neste sentido, equipamentos, instituições e serviços públicos são levantados e atrelados a suposta abrangência2, relacionados ao município em sua conformação administrativa, geográfica e viária. Dessa maneira, leremos as estruturas materiais da educação, da cultura, do lazer, da saúde e da
LEFEBVRE, H. O direito à cidade. 2008, p. 61-62. 1
Será considerado como articulação dos elementos que compõe essa estrutura o estabelecimento de raios de abrangência de extensões relacionadas com as atividades e necessidade dos equipamentos, instituições e serviços levantados junto a cotidianidade dos munícipes. É clara a relatividade e negligência que os raios de abrangência correspondem junto a densidade demográfica e geografia física quando num plano cartesiano. Cientes disso, os raios de abrangência cumprirão o papel de demonstrar a possível relação desses elementos com o território, como já ressaltado. A eficiência e qualidade desses elementos, nessa investigação quantitativa, não se é a prioridade, devido escolhas metodológicas, porém, sempre que tiver ao alcance da pesquisa, dados e informações qualitativas serão empregues junto ao correr do texto. 2
Precedendo as leituras e demonstrações das estruturas específicas, o exame da estrutura municipal e da conjuntura dos núcleos habitacionais é basilar para as análises conseguintes. Assim, a primeira leitura, denominada como a estrutura municipal e os núcleos habitacionais em relação ao território, nos apresenta aos limites administrativos de Diadema, acanhados ao sul do município de São Paulo e a norte do município de São Bernardo do Campo, subdivididos em quatro regiões a partir das orientações norte, leste, centro-oeste e sul. O município é seccionado longitudinalmente pela Rodovia dos Imigrantes (SP-160),
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A leitura desse texto, fundamentado por Lefebvre, é assistida por representações cartográficas que o ilustra e objetiva a expressão da tal metalinguagem.
E OS CENTROS COMUNITÁRIOS DOS NÚCLEOS HABITACIONAIS DE DIADEMA
assistência social, a partir de aspecto metodológico que as analisam à parte para que, então, lermos em conjunção. Em defesa pública das estruturas, são levantados apenas os equipamentos, as instituições e os serviços aonde o acesso, administração e financiamento são públicos e mantidos pelas esferas municipais e/ou estaduais, sabendo que, as mantenedoras privadas também compõem o funcionamento destas políticas, porém, devido sua restrição de acesso, não correspondem a natureza pública por nós defendida.
entendido como “Eixo Baixada Santista-São Paulo”, e transversalmente, ao norte, pelo “Eixo ABC-São Paulo”, que conflui diferentes vias, entre elas a Avenida Prestes Mais, o Corredor ABD, a Avenida Antônio Piranga e a Avenida Cupecê, importantes vias de acesso ao município, juntamente ao Corredor Metropolitano São Mateus-Jabaquara, em qual a linha de trólebus, administrada pela Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), possibilita o acesso via transporte coletivo à Diadema, a partir das linhas Terminal Diadema-Berrini, Terminal Diadema-Jabaquara e Terminal Piraporinha-Jabaquara, no que corresponde a São Paulo, Terminal Diadema-Ferrazópolis e Terminal Diadema-Santo André do Oeste, quanto aos municípios vizinhos da Região do Grande ABC, tendo como aporte os dois terminais metropolitanos de ônibus, Diadema e Piraporinha, onde ocorrem a conversão dos trajetos intermunicipais para os municipais. Portanto, o município faz parte de uma ligação interegional: por ele se conectam as regiões metropolitanas de São Paulo e Baixada Santista, bem como, parte da região do ABC à capital paulista. A morfologia do município é composta por “relevo acidentado marcada por encostas e ondulações que tornam complexas quer a ocupação quer a instalação de infraestrutura”3. Essa complexidade topográfica é mais acentuada ao sul do
DIADEMA. Topografia Social de Diadema. 2009, p. 21. 3
Contudo, o destaque dessa leitura é expressado pela presença, diversidade e dinâmica dos núcleos habitacionais incorporados ao município e, em seguida, pela privação do centro do município a este tipo de ocupação. Notável parcela desses núcleos corresponde à ocupações em áreas consideradas particulares, seguidos dos presentes em áreas com certificação de uso
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É inexpressivo a presença de corpos hídricos em Diadema, dentre os principais, vindo de São Bernardo do Campo, a leste do município, se afluem do mesmo rio, os córregos Ribeirão dos Couros, o Capela e o Curral Grande, já a centro-oeste, encontra-se o córrego Ribeirão dos Monteiros, tendo suas extensões parcialmente retificadas, intermitente tamponadas e integralmente poluídas.
E OS CENTROS COMUNITÁRIOS DOS NÚCLEOS HABITACIONAIS DE DIADEMA
município, onde combinam a maior acentuação do terreno, a menor altitude do município, o remanescente vegetativo e a frágil área de manancial proporcionada pelo braço da Represa Billings que se infiltra dentro a divisão administrativa. A acentuação topográfica, em menor grau, é presente ao norte e oeste do município, onde há maiores altitudes. Já a leste, esta complicação é expressamente menor, o que levou à instalação de grande parte das indústrias para a região, em consequência, é onde há maior quantidade de núcleos habitacionais.
emitida pela divisão de regularização fundiária municipal, isto é, Concessão de Direito Real de Uso, célebre conquista partilhada por sujeitos e gestão partícipe, como conhecido. Há também expressiva presença de núcleos com concessão ao uso, porém, sem a certificação, emissão e regulamentação documental. É relevante a parcela dos núcleos presentes em áreas estaduais. Isto ocorre, sobretudo, nas regiões paralelas a Rodovia dos Imigrantes, em que, áreas estas que outrora fora pertencentes a municipalidade, passou para a propriedade da companhia Desenvolvimento Rodoviário S/A (DERSA) com a finalidade da implantação da via. Esta ação além de acarretar em diferentes conflitos fundiários e viários, fez com que as áreas remanescentes e subutilizadas fossem ocupadas por movimentos de moradia, cerca de 1500 famílias edificaram em área non aedificandi4. Atualmente, a condição destes núcleos é considerada como consolidada. Núcleos ocupando áreas municipais totalizam a diversidade das características fundiárias das favelas da cidade. Também bastante presente pelo território, esses núcleos estão concentrados em todas regiões, com expansivo porte na região leste. Essa leitura também contempla a dinâmica da produção de habitação
COELHO, M. Espaço de Direitos é mais que Direito a Espaço: O processo de urbanização de favelas em Diadema (1983 – 2008). 2008, p. 37. 4
Por último, outra das produções habitacionais apresentada na leitura, fora realizada a partir do Governo do Estado, por meio da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) com apoio da Caixa Econômica Federal (CEF), esta produção é específica e encontra-se na região centro-o-
E OS CENTROS COMUNITÁRIOS DOS NÚCLEOS HABITACIONAIS DE DIADEMA
A parcela seguinte mais presente no território é a produção habitacional realizada pela Prefeitura Municipal, ela se divide em regularizada e não, felizmente as áreas regularizadas são as mais existentes. Elas se encontram, maiormente, nas regiões centro-oeste e leste.
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de interesse social, uma vez que, em outros tempos, estas áreas foram favelas ou respondem a essa demanda, sendo assim uma materialização das conquistas dos sujeitos em defesa da moradia. Desse modo, a maior parcela dessa produção habitacional é dada por diferentes Associações de Moradores atuantes no município que se organizam a partir da associação de famílias para viabilizar Empreendimentos Habitacionais de Interesse Social (EHIS), potencializadas pela instituição das AEIS 1. Esse tipo de produção encontra-se distribuída por todas as regiões do município, todavia, sua maior extensão está presente na região sul, onde há um conjunto de glebas destinadas a esse fim, mas ainda não edificada.
este do município, adjacente aos limites do município de São Paulo. É uma resposta de quando a guerra vence a luta, com o trágico caso da Vila Socialista, como visto. A destinação das unidades habitacionais foi partilhada entre Associações de Moradores, Associações dos Funcionários Públicos e Prefeitura Municipal, em especial a famílias violentamente removidas5.
5
Ibid., p. 94.
É importante ressaltar que a produção de habitações de interesse social por todas essas ações corresponde a uma diversidade tipológica que não apenas a do tipo coletiva vertical, usualmente construída, mas também a de unidades habitacionais unifamiliar, embriões, lotes, etc. Realçamos a condição que o centro do município se põe: ele se priva da produção do território realizada pelos menos favorecidos na estrutura social. Os núcleos habitacionais são menos incidentes na região centro-oeste, reconhecida como “centro da cidade”, área de histórico investimento municipal6 e, atualmente, de investimentos comerciais e imobiliários. A leitura da estrutura educacional em relação ao território nos apresenta a uma expressiva existência de elementos e abrangência que a compõe. Com exceção ao extremo sul do município, a leitura aponta a quase integralidade do território municipal favorecido por essa po-
“Os investimentos em infraestrutura na cidade de Diadema entre as décadas de 1960 e 1980 foram destinados à área central da cidade, local em que estavam instalados o comércio e os moradores de maior poder aquisitivo; e também às áreas de uso industrial, que necessitavam de vias de escoamento, serviços de água encanada, esgoto e energia para funcionarem.” (SANTOS, 2009, p. 64) 6
As escolas de ensino básico e/ ou infantil são também numerosas, são todas elas sob administração municipal. Ao todo são 53 delas, que contribuem para a política educacional. Apesar de mais justamente distribuídas, a região centro-oeste continua como a mais favorecida com 17 delas, seguida da região leste, com 14, norte, com 13
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Nessa estrutura, a maior parte dos elementos correspondem as escolas estaduais de ensino fundamental e/ou médio. Ao todo são 60 dessas escolas, administradas pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE-SP), 23 delas, estão localizadas na região centro-oeste do município, em seguida, na região leste e norte existem igual parcela dessas escolas, 16 delas, já a região sul, menos favorecida, há apenas 5 escolas estaduais. Mais 10 dessas escolas compõe a estrutura, porém sob administração municipal. Dentre elas, 5 estão presentes na região leste, 4 na região sul e 1 na região centro-oeste, a região norte não possui mais desses elementos.
E OS CENTROS COMUNITÁRIOS DOS NÚCLEOS HABITACIONAIS DE DIADEMA
lítica. É importante sobressaltar que nessa demonstração estão reunidos todos os diferentes elementos materiais constituintes da política educacional, e por isso é necessária uma atenção mais afinada para a compreensão de algumas particularidades quanto as diferentes atuações e características destes equipamentos.
e, novamente, a região sul, como a mais desfavorecida, com 9 delas. Enriquecendo essa estrutura, existem dois elementos na categoria do ensino técnico, a Escola Técnica Estadual (Etec), localizada na região centro-oeste, e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai)7, situado na região norte, próximo a ascendente dinâmica industrial do município. As regiões leste e sul não são contempladas com instituições de acesso público no que diz respeito ao ensino técnico/profissionalizante. Há apenas um elemento correspondente ao ensino superior de tecnologia, a Faculdade de Tecnologia (Fatec), de administração estadual, gerida pelo Centro Paula Souza. Situada na região norte, com apenas um campus, faz com que as demais regiões não sejam favorecidas por ela na estrutura educacional, ainda que sua abrangência seja ampla. Por fim, a estrutura educacional é fortalecida pela implantação dos cursos e campus da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), em 2007, junto ao território municipal. Com unidades localizadas na região centro-oeste e na região sul do município, sua abrangência é considerada relativa, dado que o acesso é em nível federal, onde a maior parcela dos ingressantes são de outras localidades que não a do município. Não há conhecimen-
Apesar de ser uma instituição privada, isto é, não defendida por essa leitura como natureza pública, possui um sistema de ingresso via vestibular público, próximo ao modelo da Etec, assim integra-se a leitura. 7
to sobre políticas afirmativas de ingresso para munícipes.
O principal elemento que compõe a matéria dessa estrutura cultural são os Centros Culturais. Ao todo, são 7 desses equipamentos, somados a 4, que são Centros Culturais e Bibliotecas, o que totalizam 11. Destes, nas regiões norte, sul e leste, situam-se 3 elementos em cada, já na região centro-oeste 2. Mais 6 bibliotecas dão corpo a estrutura, delas, 2 são localizadas na região centro-oeste, 2 na região norte, 1 na região sul e mais 1 na região leste. Elementos especiais dessa estru-
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A leitura da estrutura cultural em relação território se apresenta com uma ampla cobertura do território municipal, ainda assim, nas primeiras observações, é possível perceber que o centro da cidade reforça sua condição privilegiada, já o sul do município, sua condição desassistida. Há parte da região leste que não são contemplados pelas forças dessa estrutura.
E OS CENTROS COMUNITÁRIOS DOS NÚCLEOS HABITACIONAIS DE DIADEMA
Em linhas gerais, a estrutura educacional é, como expresso, distribuída pela extensão municipal, o que é justificado pelas ações do movimento pela educação. De mesmo modo, é certo que o privilégio em quantidade e diversidades dos elementos estão encontrados na região centro-oeste e desvantajosos na região sul.
tura são o Teatro Municipal, o Centro de Memória, a Casa da Música, o Circo Escola e o Centro de Artes e Esportes Unificados (CEU), todos de administração municipal e localizados na região central, bem como, a recém-construída Fábrica de Cultura, que é de mantenedora estadual. Sendo assim, a região centro-oeste, em especial a região central do município, demonstra, mais uma vez, ser privilegiada diante a diversidade dos elementos materiais das políticas culturais. Antagônica, a região sul é, também por elas, desfavorecida. Contínua, a leitura da estrutura de lazer em relação ao território expõe a concentração desses elementos na região centro-oeste. Em contraponto, há ampla parcela territorial não abrangida pela estrutura de lazer8. Dos 8 parques, 3 estão na região sul do município, 3 na região norte e 2 na região central, a região leste não contém o elemento. Das 22 praças, a maior parcela, 15 delas, localizam-se na região centro-oeste, na região sul e na região leste, estão 3 delas, e 1 na região norte. Por último, dos 6 ginásios poliesportivos, 2 deles situados igualmente nas regiões centro-oeste, norte e leste, já a região sul não é beneficiada. A expressão da leitura dessa es-
Nessa leitura, são levantadas as praças, os parques e as quadras poliesportivas municipais, houve uma consideração qualitativa no levantamento das praças, considerando espaços passíveis de atividades, ainda que não avaliado a sua condição de manutenção. Isto porque, os dados do Departamento de Cartografia da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano considera praças todo o espaço de domínio público onde existem alguma espécie de vegetação, inclusive canteiros, remanescentes de áreas entre vias e pontos viciados de lixo, que atrelados a um raio de abrangência comprometeria a demonstração dessa estrutura. 8
COELHO, M. op. cit. 2008, p. 42.
É importante destacar, também, que esses elementos correspondem apenas ao nível primário de atenção à saúde, isto é, correspondem ao atendimento inicial ou de casos mais simples, não abrangendo complexidades maiores. Os elementos dessa estrutura à serviço do nível secundário de atenção à saúde, ofertantes de atendimento mais es-
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9
Ao que nos apresenta a leitura da estrutura de saúde em relação ao território, é quase integral a cobertura do município pela estrutura material das políticas de saúde, até mesmo a desfavorecida região sul, é por elas contemplada. Isso é consequência da extensão dos raios, mas, acima de tudo, pela distribuição mais justa das Unidades Básicas de Saúde. Das 18 incorporadas ao território, 7 situam-se na região leste, 5 na região centro-oeste e as regiões norte e sul, contam com 3 delas, cada. É importante relembrar que 15 dessas UBS foram fruto de conquistas, sendo uma resposta a pressão popular realizada pelo Movimento e Conselho Popular de Saúde, na primeira gestão de José de Filippi Júnior9.
E OS CENTROS COMUNITÁRIOS DOS NÚCLEOS HABITACIONAIS DE DIADEMA
trutura é uma das maiores demonstrações do privilégio da região centro-oeste, assim como, das desvantagens da extremidade da região sul, acompanhada da região leste, que como já dito, sedia a maior parte das indústrias implantadas no município.
pecializados, são a Santa Casa de Misericórdia, o Centro de Doenças Renais de Diadema e o Centros de Especialidades Médicas, que estão situados na região centro-oeste, grande parte de sua abrangência sobrepõe a região norte. Já ao correspondente do nível terciário de atenção à saúde, que contempla as práticas médicas mais complexas, são materializados pelo Pronto Socorro Municipal, conhecido como Quarteirão da Saúde, e o Hospital Geral de Diadema, mantido pela esfera estadual e localizado no bairro Serraria, região centro-oeste, e pelo Hospital Geral Municipal, situado na região leste. Ainda que a abrangência de suas dinâmicas vá além de sua região de implantação, é expresso sua concentração na região central. Mais uma vez o centro é privilegiado no que tange aos elementos estruturais. Na estrutura da saúde, a região centro-oeste detém elementos nos três níveis de atenção à saúde, enquanto as demais regiões, com exceção a leste, contam apenas o nível primário. Apesar das revelações que as leituras vêm trazendo quanto as vantagens da região centro-oeste e, por consequência, desvantagens das demais regiões, ainda assim, cabe a surpresa quanto ao que é demonstrado na leitura da estrutura de assistência social em relação ao território. Trata-se de outra estrutura que encontra a região
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São levantados nessa leitura os Centros de Referência em Assistência Social (CRAS), 5 deles estão presentes no município. A região centro-oeste conta com 2 destes, e as demais regiões com 1, cada. O caráter locacional delas implicam na eficiência de sua abrangência na maioria dos casos, com exceção de um dos CRAS na região centro-oeste, todos estão próximos de áreas de núcleos habitacionais. Os Centros de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) são outros dos elementos materiais que constituem a política pública de assistência social, ao todo, no município existem 3 deles, sendo 2 situados na região centro-oeste e mais 1 na região sul, reforçando o que chamaremos de privilégio central. As regiões leste e norte não são contempladas. Outro elemento considerado são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), somam-se 4 junto ao município, sendo 2 localizados na região centro-oeste, 1 na região norte e mais 1 na re-
E OS CENTROS COMUNITÁRIOS DOS NÚCLEOS HABITACIONAIS DE DIADEMA
centro-oeste como aporte de privilégios. A surpresa neste caso é causada em razão aos elementos dessa estrutura corresponder as políticas de assistência social, ou seja, ser, prioritariamente, destinados para as condições do município carentes de assistência, como é o caso dos núcleos habitacionais e habitações de interesse social, que são diminutamente assistidos pela estrutura.
gião sul, a região leste é por este elemento desfavorecida. Por último, compondo essa estrutura são acrescentados os elementos de assistência específica: o Centro de Apoio a Mulher sob Violência Doméstica, conhecida como Casa Beth Lobo, o Centro de Referência ao Idoso e a Rede de Atenção à Criança e ao Adolescente de Diadema (Recad). Todos esses elementos estão situados na região centro-oeste. O explícito privilégio central é consolidado por essa estrutura e fundamentado pelas demais, como demonstrado na leitura das forças conjuntas em relação ao território. Em contrapartida, há de se considerar a ampla cobertura que proporcionam as dinâmicas dos elementos materiais em que se encerram as políticas públicas. Isso é um evidente retrato das ações que organizaram o espaço, já que os investimentos em infraestrutura na área central, realizados pela municipalidade nos primeiros anos da cidade, repercutem até os dias atuais e parecem inconversíveis. Em contraposição, a organização dos populares e das administrações que defendiam a inversão de prioridades, promoveram a descentralização das estruturas a partir dos ganhos pelas lutas por políticas públicas, por essa razão, hoje muitos dos núcleos habitacionais, por exemplo, são servidos por elas, ainda que haja muito
o que avançar. Ambos os pontos, demonstram a força e a perpetuação das ações ao se materializar no espaço.
SANTOS, J. Lutas por moradia na cidade de Diadema (19831996): cooptação política e acomodação de conflitos do capital. 2009, p. 7. 11
Estes Centros, nascem de diferentes condições, alguns são obras dos próprios sujeitos, muitos outros são produtos da administração municipal, mas, acima de tudo, tem por natureza e finalidade a organização. Marta Cirera afirma que inicialmente, o uso des-
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MONTANER, J., MUXÍ, Z. Arquitetura e política: ensaios para mundos alternativos. 2014, p. 15-16. 10
É preciso revelar que para a organização do espaço antecede-se o espaço da organização. Montaner e Muxí justificam que “a organização de homens e mulheres, para tornar possível a vida na polis, dá lugar a instituições e a organizações políticas que se expressam mediante edifícios”10. Em Diadema não foi diferente, os movimentos “organizaram-se, reunindo-se em vários pontos da cidade, como garagens, calçadas e botecos, onde conversavam sobre as possíveis soluções para atender às suas necessidades básicas de sobrevivência”11, contudo, ao metamorfosear de movimento para organização, era comum instituírem espaços para abrigar a formulação das ações. Essa prática, que fora recorrente aos movimentos populares, associações de moradores, grupos partidários e as administrações partícipes, é manifestadamente edificada pelos Centros Comunitários.
E OS CENTROS COMUNITÁRIOS DOS NÚCLEOS HABITACIONAIS DE DIADEMA
espaço da organização
tes pequenos espaços destinava-se para decisão da organização local e reuniões que discutiam com a comunidade projetos comunitários e regulamento de uso dos espaços12. Não por acaso, predominantemente, eles estão implantados nos núcleos habitacionais, parte de lá a predisposição às ações, como já conhecido. Em Diadema contam-se 32 desses espaços, todos de domínio municipal, mas de responsabilidade das comunidades onde estão situados. Esses Centros Comunitários quando lidos junto das estruturas que dinamizam o espaço da cidade, intermeiam-se entre elas e insinuam-se ser uma outra. Deles, 10 situam-se na região norte, outros 11 na região leste, 9 na região centro-oeste e apenas 2 na região sul, que também por essa possível estrutura é desfavorecida. Os Centros construídos pelos sujeitos populares partem da necessidade do espaço de reunião e de encontro ao coletivo. Na maior parte dos casos, surgem do vínculo com a Igreja Católica, que por razões morais exerciam ações filantrópicas em benefício da comunidade, conformando espaços para esse fim. Aos poucos esses espaços foram se politizando, sendo utilizados para o suprimento das ausências de serviços básicos, como atendimento médico e creche para as crianças, dado a desassistência das favelas, e, ao principiar dos movimentos, da percepção
Marta Cirera em depoimento concedido ao autor para o desenvolvimento desta investigação. Cirera é assistente social, ingressou na Prefeitura Municipal de Diadema em 1989, lotada em diferentes divisões, inicialmente no Departamento Promoção Humana, transitando pelo Departamento de Trabalho Social da Secretaria de Habitação e pela Defesa Civil. Atualmente é servidora aposentada e professora universitária. É autora da dissertação Espaço de Direitos é mais que Direito a Espaço: O processo de urbanização de favelas em Diadema (1983 – 2008), amplamente utilizado como nossas argumentações. 12
Alaídes dos Santos Gimenez em depoimento concedido a Maria de Lourdes Ferreira, para o Centro de Memória de Diadema, em 1º de julho de 1997. Arquivo de documento oral disponível no acervo público da instituição. 14
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SANCHES, A. Conselho de Compromisso: Uma experiência de participação compartilhada, Diadema/SP - 2002/2009. 2009, p. 14. 13
A exemplo, o “antigo Centro Comunitário Jardim Santa Rita, que nos anos de 1970, foi construído, mantido e organizado pela população local, representou um forte espaço de mobilização social. Funcionou como aglutinador de lutas por saúde, moradia e infraestrutura urbana (asfalto, iluminação, etc.), posteriormente como creche comunitária, programas de educação popular e esportiva”13. Este Centro, que é retratado em vidas populares em luta por Alaídes, sediava reuniões com até 200 pessoas para a decisão dos encaminhamentos e ações populares de pressão frente aos órgãos institucionais. O espaço era sensível as dinâmicas dos movimentos sociais, Alaídes relata que o Centro Comunitário chegou a abrigar o “problema dos sem-terra, porque o pessoal começou a chegar falando que não tinha moradia, que não tinha casa, que não sabia como fazer. Aí a gente começou a organizar também o movimento sem-terra lá no Centro Comunitário”14. Dessa forma, o espaço edificado refletia os processos históricos que sucediam na cidade, se reafirmando como um espaço político. Ele se constituía até mesmo como um espaço de resistência, isso “porque quando a gente começou, assim foi
E OS CENTROS COMUNITÁRIOS DOS NÚCLEOS HABITACIONAIS DE DIADEMA
dos problemas e da predisposição à ação, os pequenos espaços começavam a abrigar a mobilização popular.
uma época que não podia se reunir. Lembra da época de repressão? Quando a gente ia pro Centro Comunitário a gente fechava tudo, fechava as portas, porque a gente morria de medo da Polícia estar ali, a Polícia chegar de repente e achar a gente reunido. E pra reunir o Movimento de Favelas, o Movimento de Moradia? Pelo amor de Deus, era o maior sufoco. O prefeito Lauro Michels não podia nem ouvir falar em Movimento de Moradia, nem falar em favelas, porque aqui era proibido construir um barraco de tábuas. Já pensou para organizar este povo com este prefeito? Foi muito difícil nossa luta”15, expõe Alaídes. Muitos dos Centros Comunitários foram construídos pela administração petista como apoio às organizações populares, o que correspondiam a proposta de governar por meio dos “conselhos de bairros” e também à defesa do direito à cidade. Shedd Pegáz aponta que a condição descentralizada desses espaços, isto é, sua implantação por todo município tinha a intenção de a discussão das políticas para a gestão da cidade se desse também de forma descentralizada16. Sebastião Coelho corrobora com essa exposição, segundo ele, dentro da política da prefeitura mantinha-se a proposta de que cada favela tivesse no processo de urbanização um espaço que fosse público, onde as pessoas da comunidade pudessem se reunir para
15
Ibid.
Shedd Pegáz em depoimento concedido ao autor para o desenvolvimento desta investigação. Pegáz é arquiteto e urbanista da Prefeitura Municipal de Diadema, entre 1987- 1989 e 1994-2017, lotado, principalmente, na Secretaria de Habitação, atualmente cumpre seu cargo de servidor no Sindicato dos Funcionários Públicos de Diadema. Além da atuação sindical, atua nos Movimentos Populares, em especial no Movimento de Moradia. 16
SANTOS, J. op. cit. 2009, p. 11-12.
Os Centros Comunitários, enquanto matéria da organização popular, acompanharam suas conquistas. Com o Plano Diretor de 1994, que foi tratado com um mecanismo político, tendo sido buscada a mais ampla mobilização popular para a sua aprovação, é estabelecido função específica para eles. O artigo 57,
E OS CENTROS COMUNITÁRIOS DOS NÚCLEOS HABITACIONAIS DE DIADEMA
18
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Sebastião Coelho em depoimento concedido ao autor para o desenvolvimento desta investigação. Coelho foi professor e coordenador pedagógico na Prefeitura Municipal de Diadema, onde participou da implantação do projeto de alfabetização de jovens e adultos, cujo metodologia baseava-se no pensamento do professor Paulo Freire. 17
discutir os seus desafios, discutir os próximos passos de organização, ou seja, em cada favela onde os processos de urbanização iam acontecer, a prefeitura elaborava um plano, um projeto articulado de lotes, e dentre as medidas dos lotes, do espaço das favelas, era reservado um espaço para a construção de um Centro Comunitário, o que era um facilitador para a organização dessa população, e ao mesmo tempo contribuição para o fortalecimento dos movimentos17. Nesta perspectiva, os Centros Comunitários tornam-se matéria da participação popular, que assim como essa, não escapou do fenômeno de cooptação, já que a contribuição administrativa “não foi usufruída por todos os Centros. Aqueles em que a comissão coordenadora era composta por adversários políticos da administração pública receberam pouco ou nenhum benefício público, tanto pelo isolamento que lhes foi impingido pela prefeitura, quanto pelo interesse político da comissão em não fortalecer os programas propostos pela administração”18.
da Lei Complementar No. 25, instituí “a utilização da Rede Educacional e de Centros Comunitários para a realização de cursos de alfabetização de adultos”19. Esses espaços já contribuíam para essa atividade desde 1984, onde “pessoas que acreditavam nessa alternativa instauraram na cidade, de forma voluntária, um núcleo de alfabetização. Os que se apresentaram para esse desafio eram educadores populares, especialmente lideranças de bairro. Nascia neste contexto o primeiro grupo de alfabetizadores, atendendo em vários Centros Comunitários da cidade”20, cuja metodologia baseava-se no pensamento do professor Paulo Freire, inclusive o próprio Freire participou de grupos de formação de professores em Diadema21. Essa política contribuiu para a formação de muitos indivíduos e sujeitos, sobretudo, indivíduos em sujeitos, para além da diminuição do analfabetismo entre os munícipes. Para Sebastião Coelho, todas essas articulações corroboravam para o fortalecimento de movimentos e organizações, fazendo com que esses Centros Comunitários se tornassem uma referência na comunidade por um todo, já que as aulas de alfabetização não atendiam apenas as pessoas que moravam na própria favela, mas também as que residiam no entorno22. A Concessão de Direito Real de Uso, outra das conquistas, ti-
Lei Complementar No. 25/94 de Diadema. 19
COELHO, M. op. cit. 2008, p. 50. 20
Sebastião Coelho em depoimento concedido ao autor para o desenvolvimento desta investigação. 21
22
Ibid.
97.
COELHO, M. op. cit., 2008, p.
Dessa maneira, é concreta a vinculação desses espaços com a condição, subsistência e manutenção da organização, o mesmo valerá para o contrário. Os Centros Comunitários refletem os processos das lutas populares, eles nascem junto ao ato
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DIADEMA. Diadema Política Habitacional: Novos rumos com participação popular. 2004, p. 16. 23
nham esses espaços como obrigação para o seu alcance, uma vez que “em Diadema, a CDRU só é outorgada para ocupações em processo de urbanização, ou seja, contando com todas melhorias básicas prioritárias: lotes demarcados com metragem padrão, vielas projetadas, rede de esgoto instalada, espaço para Centros Comunitários, construção de escadarias se necessário. Também é essencial que as comunidades estejam organizadas em comissões de moradores, que organizam a documentação necessária ao processo de concessão”23. Os Programas de Urbanização sustentavam o uso dos espaços, “em 1996, foi criado o programa de Pós-Urbanização, focado no desenvolvimento comunitário e na integração dos núcleos de favela aos bairros, estivessem aqueles urbanizados ou em processo de urbanização. O programa previa ações de assistência técnica à autoconstrução de moradias, instituição de controle urbano, construção de Centros Comunitários, otimização do uso das áreas livres e dos Centros Comunitários já existentes, numeração e oficialização de ruas, desenvolvimento de ações socioeducativas”24.
de passar de uma coisa à outra dos movimentos, sediam o “que fazer?” das organizações e possibilitam o fazer parte da participação popular. Ações e objetos são, dessa forma, solidários e indissociáveis. condição Na contemporaneidade, os Centros Comunitários desempenham parcamente sua natureza. É dificultoso traçar um panorama de sua situação atual em virtude da ausência de vontade política, dos desinteresses e das implicações partidárias que os cercam, mas que nos instigam ao desafio25. Esses espaços “constituíram-se em Diadema com características físicas diferentes em cada Núcleo Habitacional. Algumas construções são compostas por quadra de esportes e salas de atividades, outras possuem apenas uma sala e um banheiro”26, cabendo a prefeitura, a propriedade dos espaços, as manutenções prediais necessárias, os custos dos serviços (água, luz, etc.), além da proposição e execução de atividades para os espaços. Já à comunidade, compete o uso compartilhado, a zeladoria e a reivindicação de atividades para esses Centros Comunitários. Ambas as partes não cumprem com suas funções. Para a prefeitura esses espaços são apenas onerações desnecessárias e, para muitas das comunidades, esses espaços não tem finalidade. Assim, muitos
Para elaboração dessa investigação buscou-se o contato com a assistente social responsável pelos Centros Comunitários, intencionando a obtenção de dados. Depois de diversas tentativas, obteve-se a negação das informações. Em razão da precariedade construtiva, a falta de controle sobre esses espaços e os débitos correntes, faziam com que as informações sobre os Centros pudessem motivar uma denúncia. No momento da pesquisa, a representante pela Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano, repartição responsável pelos equipamentos, encontrava-se afastada do cargo na tentativa de se eleger Deputada Federal e, no entender da Secretária Interina, a solicitação dos dados tinha como finalidade a exposição da ineficiência de sua administração em período eleitoral. Felizmente, o autor reuniu alguns materiais durante sua colaboração nessa divisão e, acima de tudo, estabeleceu sólidas relações que, solidárias, contribuíram com contatos, dados e materiais que estavam ao seu alcance para o desenvolvimento desse trabalho. 26 SANTOS, J. op. cit. 2009, p. 11. 25
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Uma análise de diferentes Relatórios de Vistorias, de caráter técnico-social, realizados em 2017, permite retratar as condições que os espaços estão suscetíveis28. Em um deles, redigido após inspeção por arquitetos e assistentes sociais da prefeitura, sobre o Centro Comunitário Vinícius de Morais, localizado em loteamento homônimo, região leste do município de Diadema, aponta que: 1) o equipamento, assim como as moradias e comércios de seu entorno, encontra-se sobre área institucional; 2) foi construído pela municipalidade, em área remanescente de ocupações para fins de moradia,
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A Fundação Centro de Educação do Trabalhador Professor Florestan Fernandes é um órgão municipal fundacional com personalidade jurídica de direito público sem fins lucrativos, regida pelo seu Estatuto, Regimento Interno e Legislação aplicável. O foco da escola é o ensino de cursos profissionalizantes, com alunos selecionados através de processos seletivo e totalmente voltados à população do município de Diadema, foi fundada em 1996. Já a Casa Beth Lobo é um Centro de Referência de Atendimento às Mulheres em situação de violência. A entidade presta atendimento social, jurídico e psicológico, oferece cursos de captação de renda, além realizar atividades socioeducativas de caráter preventivo sobre as temáticas de equidade de gênero e raça, violência contra a mulher, cidadania e direitos humanos, também fundada em 1996. 28 Um estudo sobre cinco Relatórios de Vistoria, em fins de exame técnico, elaborados em 2017 por arquitetos e assistentes sociais da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento. 27
dos Centros se mantém fechados, com inúmeras precariedades construtivas e de uso e domínio fora do controle da municipalidade, isto é, alguns dos espaços estão em “posse” de lideranças, nos melhores dos cenários. Poucos abrigam atividades e/ou correspondem a alguma organização. Os que possuem, utilizam o espaço para ações promovidas por instituições da prefeitura, com os cursos profissionalizantes da Fundação Florestan Fernandes, cursos da Casa Beth Lobo e atividades do Projeto Adolescente Aprendiz27. Quanto a comunidade, o espaço é explorado para festas pessoais, como, aniversários, chás de bebê, chás de cozinha e até mesmo velórios, muito em razão da falta de espaço comum característica das moradias dos núcleos habitacionais.
< centro comunitário vinícius de moraes
/região leste, loteamento de interesse social vinícius de moraes
v
ao lado, vista aérea abaixo, vista da fachada fonte: shdu/pmd
> centro comunitário vinícius de moraes /configuração espacial
v
ao lado, planta da edificação a baixo, corte longitudinal 1:200
1 salão de atividades 2 sanitário
se prevendo seu caráter temporário; 3) a proposta final de urbanização e regularização do assentamento ainda não está definida, de forma que ainda há possibilidade de remoção do trecho onde o Centro Comunitário se insere; 4) trata-se de edificação térrea em alvenaria com 64,60 m²; 5) a emendas das vigas de madeira da cobertura são realizadas sobre pilares, de forma que o espaço interno encontra-se prejudicado pelo excesso destes elementos; 6) o banheiro apresenta equipamentos e revestimentos simples; 7) apesar da existência de pontos de hidráulica para instalação de uma pia, não há copa ou cozinha no local; e 8) cabe a associação o pagamento das contas de água e energia através de recursos levantados com o aluguel do espaço para festas dos moradores locais. Dessa maneira, a prefeitura elencou algumas soluções, das quais a revisão e reparos da cobertura, a instalação de calha e condutor, a eliminação total ou parcial dos pilares, com a utilização de vigas ou tesouras para realização das emendas das peças de suporte das telhas, a instalação de forro, instalação de eletrodutos para a fiação do teto e revisão da elétrica do equipamento, além da repintura das paredes, a execução de revestimento cerâmico no banheiro, a substituição do piso cerâmico do salão, a implantação de copa, a instalação de espelhos para aulas de dança e instalação
de lousa ou pintura sobre parede destinada a este fim.
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Cláudia Bastos em depoimento concedido ao autor para o desenvolvimento desta investigação. Bastos é arquiteta e urbanista da Prefeitura Municipal de Diadema, desde 2006, lotada na Secretaria de Habitação. 29
O conjunto dessas condições é quadro do instante histórico em que nos encontramos. Cláudia Bastos assinala que atualmente existem outras formas de se reunir que não apenas a física, tem-se hoje as formas virtuais, assim, muitas discussões acontecem em plataformas não presenciais. Há também algo referente ao medo, que leva a comunidade a não se sentir própria ao espaço, de ver como alguma coisa da prefeitura, em que “vem de cima” e que não deve ser gerido por ela29. Acrescidos a isso, o não estímulo à organização e participação comunitária pelas esferas municipais, estaduais e federais, a incipiente cultura coletiva e a inoportunidade da consciência crítica, refletem na materialização e sentido desses espaços.
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A descrição desse relatório, semelhante aos demais, reforça a condição de precariedade construtiva, dimensional e espacial em que se encontram os Centros Comunitários, além das diversas complicações e instabilidades que os envolve, mas, sobretudo, apesar das assertivas soluções propostas pelos servidores municipais, sobressai-se a defesa tecnocrata encarada por eles, negligenciando a natureza e/ou potência política que esses espaços podem exercer e, portanto, que deveriam ser abordadas no projeto e intervenção.
acima, vista da fachada ao lado, vista aérea fonte: shdu/pmd
< centro comunitário jardim abc <
/região norte, núcleo habitacional jardim abc 1
> centro comunitário jardim abc /configuração espacial
v
ao lado, planta da edificação a baixo, corte longitudinal 1:200
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hall de acesso depósito salão de atividades sanitários copa
< centro comunitário gazuza
/região leste, núcleo habitacional gazuza
v
ao lado, vista aérea abaixo, vista da fachada fonte: shdu/pmd, 2017
> centro comunitário gazuza /configuração espacial
v
ao lado, planta da edificação a baixo, corte longitudinal 1:200
1 salão de atividades 2 sanitários 3 copa
acima, vista das fachadas ao lado, vista aérea fonte: shdu/pmd, 2017
< centro comunitário jardim marilene <
/região leste, núcleo habitacional jardim marilene
> centro comunitário jardim marilene /configuração espacial
v
ao lado, planta da edificação a baixo, corte longitudinal 1:200
1 salão de atividades 2 copa 3 sanitários
< centro comunitário maria tereza
/região norte, núcleo habitacional maria tereza
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ao lado, foto aérea abaixo, vista da fachada lateral fonte: shdu/pmd, 2017
> centro comunitário maria tereza configuração espacial
v
ao lado, planta da edificação a baixo, corte longitudinal 1:200
1 2 3 4 5
hall de acesso cozinha sanitário salão de atividades sala de aula
À vista disso, cabem aos técnicos mesmo os mais militantes, cerceados pelo aparato burocrático, pensar no futuro desses espaços apenas como reformas para melhorias construtivas e uso indefinível. aproximação, dois pontos Como aproximação da discussão inflamada por essa investigação, conhecemos a realidade de dois Centros Comunitários a partir de experiência presencial e de interlocuções com lideranças comunitárias. O primeiro, o Centro Comunitário Gazuza, está situado em núcleo habitacional homônimo na região leste do município, o segundo, o Centro Comunitário Morro do Samba, pertence ao núcleo habitacional Morro do Samba, localizado na região centro-oeste. O Centro Comunitário Gazuza, primeiro ponto, faz parte de uma densa comunidade, que já fora organizada e hoje não. Os 58,87 m² de sua construção, erguidos desde a origem do núcleo em 1989 pelos próprios moradores, detém diversos problemas construtivos, como infiltrações, devido a fissuras, precariedade da cobertura e do reservatório e conta com apenas um pequeno salão, dois sanitários e uma copa. As atividades sediadas por eles, resumem-se na “entrega do leite”, isto é, programa “Vivaleite” da Secretaria de Desenvolvimento Social do Governo do
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O Centro Comunitário Morro do Samba, segundo ponto, pertence a uma comunidade de densidade moderada e mais inclinada à organização. Os 191,25 m² de sua construção foram erguidos parcialmente pela municipalidade e sucessivamente ampliada pelos sujeitos, o espaço foi recém qualificado pela prefeitura, após pressão da associação de moradores para aquisição de recursos, desenvolvimento do projeto arquitetônico e execução da obra, assim, conta com um pequeno pátio com arquibancadas, salão de reunião, cozinha, quatro sanitários, um deles adequado a pessoa com deficiência, sala para saúde da família, sala de informática, administração e um painel artístico em sua fachada, não
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Estado, que distribui duas vezes por semana litros de leite para famílias vulneráveis, o “Banco de Alimentos”, programa de segurança alimentar e nutricional subsidiado pela prefeitura do município, que entrega quinzenalmente, frutas, verduras e legumes para famílias em mesma situação, os cursos profissionalizantes de manicure e jovem aprendiz, fornecidos intermitentemente, além da locação para festas pessoais. A liderança comunitária, apelidada como Toninho, não é encarada como personalidade de referência pelos moradores dali, e já assumiu cargos junto a municipalidade, presentemente, apresenta-se como assistente de vereador.
possui nenhum problema construtivo. O espaço abriga também as atividades do Banco de Alimentos e do Vivaleite, além de atendimento médico, em parceria com hospitais e unidades de saúde próximas, a Liga de Qualidade de Vida, os cursos profissionalizantes, com turmas sequenciais, de informática, auxiliar administrativo, jovem aprendiz, cabelereiro, manicure e pedicure, além de aulas de dança, eventos temáticos (dia das mães, pais, crianças, etc.), bem como locação do espaço para festas pessoais. A liderança comunitária, apelidada como Seu Barriga, é reconhecida como uma personalidade local a quem atribuem muitas das conquistas do núcleo e apresenta-se como vice-presidente da chapa eleita da denominada “Associação Comunitária de Todos Nós”. O primeiro ponto, revela que muitas das ações giram em torno das assistências. Questionado sobre as razões do fim da cultura participativa, Toninho responde que muitos dos moradores do período de efervescência da participação popular não residem mais no núcleo ou não estão mais dispostos às ações. Dessa maneira, os novos moradores que chegam ao Gazuza, não sabem que desde a escadaria que eles sobem até o ônibus que eles descem, foram todos resultados de reivindicações e lutas, assim, ao desconhecer os processos históricos, fazem com que não atribuam valor ao espaço do núcleo, em consequência, ao do
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Os dois pontos estão distantes de sediar, exercer e promover a natureza e potência política que esses espaços possuem. Em contraponto, a confrontação dos casos mostra que a comunidade mais organizada corresponde ao espaço qualificado e, infelizmente,o contrário também é verdadeiro, a comunidade não organizada reflete no espaço desqualificado. Assim, podemos presumir que ações e objetos, sujeitos e espaço, têm constituída correlações interagentes, também por esses equipamentos.
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Centro Comunitário. O segundo ponto, revela que a dimensão e qualificação do espaço promovem uma maior cobertura e diversidade de ações, bem como contentamento da comunidade. O núcleo, fundado em 1990, é frequentemente favorecido por programas municipais. Em 2006, foi atendido pelo programa “Tá Bonito!”, que promoveu melhorias habitacionais em muitas das casas do núcleo, atualmente está em processo a regularização fundiária da área, nos dois últimos anos ocorreram o recapeamento das vias, a reforma do Centro Comunitário, a construção de 96 unidades habitacionais nas adjacências e a obra de uma praça com equipamentos esportivos e de lazer, fazendo com que a população tenha mais esperanças nas ações que beneficiam os populares e perceba a administração como próxima.
potência É necessário acreditar e se dedicar a pensar no potencial que o conjunto de Centros Comunitários possam se constituir como outra das estruturas que dinamizam politicamente o território municipal, “afinal, a essência da arquitetura é sempre propor o horizonte de futuro; para tanto devemos sonhar e, ao mesmo tempo, ser realistas, isto é, devemos conhecer bem as perguntas às quais dar resposta, estar conscientes dos efeitos que podem ser ocasionados nessa realidade – e de como essa realidade, por sua vez, vai transformar o projeto – e, ao mesmo tempo, devemos usar a imaginação”30. A pergunta primordial gira em volta da natureza política desses equipamentos: será possível estabelecê-la? É de competência do espaço ou dos sujeitos o alcance dessa condição? Para Covre, “é preciso haver uma educação para a cidadania. A violência perpassa o cotidiano das pessoas de inúmeros segmentos, em especial da população mais carente: mulheres, presos, negros, crianças e idosos. Há um sofrimento que tem lugar no âmbito privado e não vem a público, a não ser que essas pessoas tomem consciência de seus direitos como cidadãos e se organizem para lutar por eles”, nesse sentido, “é preciso criar espaços para reivindicar os direitos, mas é preciso também estender o conhe-
MONTANER, J., MUXÍ, Z. op. cit., 2014, p. 15. 30
Lefebvre prossegue com os questionamentos, ele indaga se “as necessidades urbanas específicas não seriam necessidades de lugares qualificados, lugares de simultaneidade e de encontros, lugares onde a troca não seria tomada pelo valor de troca, pelo comércio e pelo lucro? Não seria também a necessidade de um tempo desses encontros, dessas trocas?”32. São todas perguntas retóricas, em razão da obviedade, ainda assim, nos suscitam a surpresa de não conseguirmos afirmar que “sim”. A insistente realidade questionará o que fazer? Não sabemos. Tendo em vista o instante histórico, “pode-se pensar num centro de estudos municipais ou equivalente, que permita mobilizar as capacidades científicas locais em torno da resolução dos problemas básicos enfrentados pelo município e pela região”, o que permitiria “desenvolver pesquisa de fundo: estudos demográficos, estudos da posse e uso do solo, estudos da própria história do município, criando gradualmente um núcleo capaz de conhecer o município e os seus problemas mais
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LEFEBVRE, H. op. cit. 2008, p. 105-106. 33
cimento a todos para que saibam da possibilidade de reivindicar”31. Sendo assim, ações e objetos, mais uma vez, devem se associar para o êxito político, que só poderá ser conquistado, dada a formação e realização dos sujeitos conjuntamente a predisposição e organização do espaço.
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COVRE, M. O que é cidadania. 1995, p. 66. 31
significativos e transmitir esses conhecimentos às forças políticas locais”33, uma aprazível proposta, porém, reforçamos: não sabemos. A única certeza é de que caberá ao projeto, enquanto instrumento político, alguma contribuição para o alcance dos poderes transformadores. E a utopia prontamente questiona o por que? Talvez seja por conta da crença, que se confunde com a experiência, de que ao fortalecer e potencializar as bases, hão de se erigir sociedades mais justas e comprometidas com o bem comum. Assim, haverão de se praticar, consciente e responsavelmente: política.
DOWBOR, L. O que é poder local. 2016, p. 95-96. 33
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a relação política entre sujeito e espaço: uma investigação sobre a participação popular e os centros comunitários dos núcleos habitacionais de diadema.
relacional A relação política que há entre sujeito e espaço é, portanto, a ação. Será o caráter, o intuito e a qualidade das ações que determinarão o espaço. Isso não significa, porém, que o espaço é isento ou apenas um ente passível, pelo contrário, “a experiência diária nos diz, ademais, que ações diferentes exigem ambientes diferentes para que transcorram de modo satisfatório”1, isto é, as condições, as predisposições, as finalidades e, nos arriscamos a dizer, a vocação, do espaço possuem influência para que as ações possam se dá e de como podem se dar. Milton Santos esclarece que “a ação é tanto mais eficaz quanto os objetos são mais adequados. Então, à intencionalidade da ação se conjuga a intencionalidade dos objetos e ambas são, hoje, dependentes da respectiva carga de ciência e de técnica presente no território”2, nesse sentido, “organizações espaciais similares podem ter cunhos muito diferentes conforme o tratamento concreto dos elementos que definem o espaço”3. É preciso reconhecermos, acima de tudo, a natureza relativa que existe nesse quadro, “o espaço não é nem uma coisa nem um sistema de coisas senão uma realidade relacional: coisas 4 e relações juntas” . À vista disso, “o importante é realçar a inseparabilidade entre ação e
NORBEG-SCHULZ, C. O fenômeno do lugar. In: NESBITT, K. (Org). Uma nova agenda para a arquitetura: Antologia teórica (1965-1195). 2013, p. 445. 1
SANTOS, M. A natureza do espaço: Técnica e tempo. Razão e emoção. 2006, p. 60. 2
NORBEG-SCHULZ, C. op. cit. 2013, p. 449. 3
SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habitado. 2014, p. 30. 4
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Página 12.
No entanto, é indubitável que são as ações que conduzem a força transformadora, se finalizando no espaço. A experiência de Diadema não deixa dúvidas, foram as ações dos emancipadores, das administrações mal-intencionadas, dos industriários, dos sujeitos populares, das associações de moradores, dos técnicos militantes, das gestões partícipes, e dos diversos outros agentes, que construíram e enformaram o território da cidade. A participação popular e os Centros Comunitários se fazem uma das mais concretas demonstrações da relação entre ação e objeto, sujeito e espaço. Como conhecemos, a organização, o que fazer?, e participação, o fazer parte, eram ações populares que encontravam nesses Centros o espaço para poder se organizar para e fazer parte das políticas públicas respeitantes ao município. Ações e objetos compartilhavam do mesmo sentido. A
_ RELAÇÃO POLÍTICA, SUJEITO E ESPAÇO, PARTICIPAÇÃO POPULAR E CENTROS COMUNITÁRIOS: DIADEMA
SANTOS, M. op. cit. 2014, p. 78
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objeto, para afirmar, como estamos fazendo, [...] [que] não é separadamente os objetos, nem as ações, mas objetos e ações tomados em conjunto”5. Sendo assim, a resposta para uma das questões que abrem essa investigação, questionando se as ações forem, por exemplo, políticas, o espaço também assim o será?6 é sim, entretanto, o espaço detém sua inclinação para que esse tipo de ação se complete a ele.
medida que essas ações perdem força e deixaram de ser praticadas, esses espaços, reciprocamente, também. Outro retrato dessa interdependência é exposto na aproximação investigativa dos dois casos: Centro Comunitário Morro do Samba e Centro Comunitário Gazuza, o primeiro, de comunidade mais organizada, isto é, inclinada as ações, correspondia ao espaço mais qualificado, já o segundo, figura o contrário, a comunidade menos organizada, refletia em um espaço não qualificado. Dessa forma, podemos aferir que “o espaço seria um conjunto de objetos e de relações que se realizam sobre estes objetos; não entre eles especificamente, mas para as quais eles servem de intermediários. Os objetos ajudam a concretizar uma série de relações. O espaço é resultado da ação dos homens sobre o próprio espaço”7. Isto posto, contidos no compromisso espacial que nos compete, defendemos a concentração e contribuição à relação do espaço, “relação em que este, permanecendo o que é e interagindo com o sujeito, contribui para que, nessa interação, o sujeito evolua. É essa mesma evolução que permite revisar o objeto, vendo-o de forma nova, despojando-o dos símbolos que escondem a sua realidade profunda”8. Assim, a escolha a ser feita tem como fundamento, que é no desenvolvimento do espaço, à serviço das relações que o en-
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SANTOS, M. op. cit. 2014, p. 78.
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Ibid., p. 71.
volvem, que as ações poderão ser favorecidas, potencializadas e/ou retomadas.
Para além das compreensões teoréticas, a investigação nos expôs ao quadro de precariedade, subestimação e desconhecimento dos processos históricos que abrangem os Centros Comunitários, sujeitados a tecnocracia da municipalidade e ao imediatismo dos munícipes. Entendemos esses espaços como uma potente estrutura de dinâmica política junto ao município, principalmente, aos núcleos habitacionais, como já elencado, que dentre as incontáveis possibilidades, têm-se o suporte para organização de novas ações, o apoio à formação cidadã e a promoção de encontros, como as mais latentes.
MONTANER, J.; MUXÍ, Z. Arquitetura e política: ensaios para mundos alternativos. 2014, p. 233234. 9
Sensíveis a essa realidade e numa tentativa de compensar os atrasos históricos e os desacertos políticos, defendemos o projeto do espaço como contribuição, isso porque “além da capacidade de projetar, a arquitetura e o urbanismo têm o papel específico de contribuir para a formação de um espaço comunicativo e compartilhável de cultura e crítica, de entornos que favoreçam a interrelação e a capacitação, que possibilitem a comunicação e as relações intersubjetivas. Tudo isso é imprescindível para aproximar a sociedade das instituições democráticas”9.
208 | 209 _ RELAÇÃO POLÍTICA, SUJEITO E ESPAÇO, PARTICIPAÇÃO POPULAR E CENTROS COMUNITÁRIOS: DIADEMA
escolha
É por isso que essa investigação não se encerra aqui, ela se elevará a competência projetual. Nos dedicaremos a perscrutar ação e espaço a partir da prática do projeto. Para tanto, usaremos da síntese, compreendida como a “visão de conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura significativa da realidade com que se defronta, numa situação dada. E é essa estrutura significativa - que a visão de conjunto proporciona - que é chamada de totalidade”10, isto é, elegeremos um recorte do espaço que contenha elementos que demonstrem e exemplifique o que ele é como um todo. Nesse sentido, optamos pelo complexo composto pelo Núcleo Habitacional Gazuza, o Loteamento de Interesse Social Vinícius de Moraes e o Bairro/Conjunto Habitacional Jardim Alba com os três Centros Comunitários existentes em cada um deles. Essa escolha se dá, preliminarmente, porque os três assentamentos vizinhos possuem características diversas e representativas quanto aos comuns a Diadema e correspondem a relevantes processos históricos. O primeiro, o Núcleo Habitacional Gazuza, constitui uma densa ocupação em área particular iniciada em 1989, cerceada por violenta reintegração de posse, mas que veio a ser urbanizada e pós-urbanizada pela municipalidade, ainda hoje
KONDER, L. O que é dialética. 1987, p. 37. 10
O Loteamento Habitacional de Interesse Social Vinícius de Morais, em condição irregular devido à ausência de regularização fundiária, constitui-se em um parcelamento iniciado no ano de 1996. Parte do loteamento é objeto de uma Ação Civil emitida pelo Ministério Público, por estar situado em área de risco geológico. O Centro Comunitário Vinícius de Morais, com 64,60 m², construído pela prefeitura em 2011, pertence a área passível de remoção, também possui problemas construtivos e espaciais; é administrado pela associação de moradores local. Já o Bairro/Conjunto Habitacional Jardim Alba, compreende a primeira construção de edifícios verticais em sistema mutirão autogerido do Brasil, no ano de 1990, como conhecido, além das casas sobrepostas com diversos anexos autoconstruídos e muitas outras novas moradias. Apesar do “aspecto legal”, o assentamento é considerado irregular por conta da falta de regularização fundiária. O conjunto pertence ao
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contém inúmeras precariedades relacionadas à infraestrutura e às unidades habitacionais. O Centro Comunitário Gazuza, já nos apresentado pela investigação, fora construído no início do assentamento pelos próprios moradores, tem 58,87 m², encontra-se subutilizado, com algumas patologias construtivas e espaciais, e está sujeito a uma liderança comunitária.
Inventário de Bens Culturais do Patrimônio Cultural de Diadema, ainda que não seja tombado por leis ou resoluções, por ser a materialização de importante ação popular. O Centro Comunitário Jardim Alba, de 180,33 m², foi o antigo barracão do canteiro de obras do conjunto, atualmente está inutilizado, porém, é alvo de negociações jurídicas para o alcance da regularização fundiária, dado que as áreas verdes e institucionais que constituíam o conjunto foram modificadas, a municipalidade intermedia a qualificação desse equipamento como medida compensatória. Outro motivo para a escolha é em virtude da localização desses três assentamentos, ambos estão situados na região leste do município que, como nos mostraram as leituras, em razão do caráter geográfico foi uma das áreas de mais investimento em infraestrutura para fins industriais, acarretando na insurgência de muitas favelas. É nessa região que existem a maior extensão de núcleos habitacionais e, por infelicidade, onde as forças das estruturas políticas pouco incidem. A região abriga a maior quantidade de Centros Comunitários do município. Além do recorte em questão ser margeado pela Rodovia dos Imigrantes, estrutura de largo impacto na dinâmica territorial do município, que assim, associada a todo o conjunto apontado, constitui uma expressiva síntese do espaço total do município. A hete-
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nas páginas anteriores: centro comunitário jardim alba, região leste, imagem: shdu/pmd, 2011.
rogeneidade dos espaços edificados dos Centros enriquece e substancia o quadro.
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No entanto, sabemos que os próximos passos são ao desconhecido, mas o projeto há de descobrir, há de conhecer...
epílogo
_ sujeito de sorte Para além da condição de arquiteto em formação, as experiências promovidas pela arquitetura possibilitaram formar-me sujeito. Não por conta de ter lutado por direitos elementares, me filiado a uma organização partidária ou ter sido propulsor de programas participativos, como fizeram os sujeitos apresentados nas páginas anteriores. Eu não teria tanta disposição. Me formo um sujeito limitado aos instrumentos que possuo. Torno-me sujeito porque os projetos, as propostas, as discussões, os discursos, as predisposições, foram todas encaradas por mim como ações, como o ato de mudar, de passar de uma coisa à outra, como movimento e, sobretudo, por que possuíam uma finalidade: o estado coletivo. Torno-me sujeito porque a arquitetura tirou-me do caráter de indivíduo ao expor-me a responsabilidade com o público, a quem os arquitetos devem compromissar-se. Formo-me sujeito, porque a arquitetura é organização. Torno-me sujeito, porque a arquitetura é política, e ao praticá-la, também assim o sou. Formo-me sujeito, um sujeito de sorte, como cantara Belchior, porque tive ao meu lado outros sujeitos, cujo nas ações me encontrei.
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