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SERÁ UM MILAGRE O FINITO DE NÓS RESISTIR AO INFINITO DO TEMPO
SETE LETRAS, NOVE LIVROS
“Que nunca um livro fique longe de tua mão e de teus olhos.” (“Nunquam de manu et oculis tuis recedat liber.”)
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(São Jerônimo) Que bom seria se o desejo ou recomendação de um homem santo se transformasse, inda que como milagre, em uma realidade!... Mas homens santos são, adjetivamente, santos; substantivamente, são apenas homens -- e isto, substantivamente, os iguala a todo e qualquer ser humano. Escrita nos idos dos anos 400 de nossa era, portanto, há 16 séculos, a frase-epígrafe do sábio dálmatoromano Eusebius Sophronius Hieronymus, o São Jerônimo, é parte de uma carta para seu amigo francês o monge Rusticus de Narbonne, santo da Igreja Católica. Conhecido e reconhecido como intelectual, sábio, doutor da Igreja, São Jerônimo é padroeiro de variadas atividades ligadas ao conhecimento -- arqueólogos, arquivistas, bibliotecários, estudantes, estudiosos da Bíblia, tradutores... Por São Jerônimo interessou-se o notável Dom Paulo Evaristo Arns (1921—2016), frade franciscano, cardeal e arcebispo emérito de São Paulo, também um intelectual e ativista de mão e mente cheia que, estudando na antiga Universidade de Sorbonne, em Paris, elaborou, nos anos 1940, cuidadosa e detalhada tese de doutorado, transformada em livro no Brasil, com o título “A Técnica do Livro Segundo São Jerônimo”, de que tenho exemplar de uma das diversas edições. Esse nariz de cera -- útil ao menos para mim -- expressa a pertinácia e pertinência da frase jeronimiana nestes tempos de protagonismo da imagem X mil palavras, sobretudo em razão da onipresença de aparelhos como o telefone celular -- cada vez mais dispositivo de informação e não de comunicação, diálogo, conversação. De minha parte, há uma semana tenho pelo menos nove motivos para (man)ter livros à mão e à altura dos olhos: são as nove obras, gráfica e conteudisticamente ricas, que recebi da Editora 7Letras, um presente com surpresas enviado pelo editor e escritor Jorge Viveiros de Castro, do Rio de Janeiro (RJ). Nos contatos telefônicos e por mensagens, eu aguardava uns dois ou três livros do autor Jorge Viveiros de Castro. Mas eis que ele, além de quatro livros seus, com dedicatória e autógrafo, brindou-me com outros três livros de poesia e prosa poética de outros autores e mais duas obras de e sobre Rui Barbosa, o talentosíssimo baiano advogado, político, diplomata, tradutor, jornalista e cultor da Língua Portuguesa. O livro “Rui Barbosa: Cronologia da Vida e da Obra” (2021, 3ª edição) resulta de um paciente e percuciente, dedicado e delicado trabalho da pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa (Rio de Janeiro) Rejane Mendes Moreira de Almeida Magalhães (1935-2019), mineira, formada em Letras na Bahia. As 346 páginas abrigam entradas cronológicas por ano e mês e dia, cobrindo desde 1848 (em 29 de julho, casamento dos pais de Rui, que nasceria no ano seguinte, 5 de novembro de 1849) até 1923, em 8 de março, quando se deu a missa do sétimo dia do grande brasileiro. O livro traz, além da Cronologia, as Apresentações das três edições (2021, 1999 e 1995), Introdução de Alfredo Ruy Barbosa, bisneto, 56 reproduções de fotos e outras ilustrações e 68 páginas de índice remissivo onomástico e de assuntos... Enfim, uma grande obra de referência para pesquisadores, estudantes, professores, escritores e admiradores do bom baiano.
O outro livro é “A Voz do Direito: Três Clássicos de Rui Barbosa” (2021, 192 páginas). Ele reúne os textos (em verdade, em verdade são quatro trabalhos) “O Dever do Advogado” (uma carta ao advogado e
historiador Antônio Evaristo de Morais, 1871-1939, cujo filho, o advogado e escritor Evaristo de Morais Filho, a prefacia); o discurso de posse como sócio do Instituto dos Advogados Brasileiros (Rio de Janeiro), em 1911, e, três anos depois, o discurso de posse como presidente do mesmo Instituto; e, indescartavelmente, a famosa “Oração aos Moços”, texto do discurso como paraninfo da turma de 1920 da Faculdade de Direito de São Paulo, cuja formatura realizou-se em 29 de março de 1921, com Rui Barbosa, doente, sendo representado pelo advogado e professor paulista Reinaldo Porchat (1868-1953), que leu o texto. Como até o bom Homero cochila (“Quandoque bonus dormitat Homerus”), para lembrar a frase depreendida assim meio arrevesadamente da “Arte Poética” de Horácio, a “Oração aos Moços” traz notas de pé de página onde o filólogo, filósofo, gramático e professor acriano Adriano da Gama Kury (1924-2012) traz/faz respeitosas e úteis observações/revisões/explicações para o texto ruiano. Um terceiro livro do “pacote” é “Antologia Poética” (edição bilíngue, 212 páginas), do francês Arthur Rimbaud (1854-1891). A adolescência, juventude e jovem adultidade dos Oitocentos eram diferentes... Diversos escritores desse século 19 exibiram um talento artístico-literário “precoce” -- pelo menos, para os “padrões” da Contemporaneidade. Rimbaud, Castro Alves, Gonçalves Dias, entre (muitos) outros surpreendem até hoje pela qualidade do que escreveram. Parece que anteviam o fim próximo: o francês morreu aos 37 anos, Castro Alves aos 24 e Gonçalves Dias aos 41. Esta nova “Antologia” rimbaudiana traz ricas notas e apresentação, todas de autoria de Afonso Henriques Neto, escritor mineiro, doutor em Comunicação, que traduziu e organizou a obra. Dois outros livros são bem trabalhadas obras gráficas que ligam norte e sul do Brasil: o médico alagoano Maurício de Macedo, autor de umas duas dezenas de obras literárias (poesia), e o jornalista e tradutor sulrio-grandense Paulo Neves, autor de livros de ensaio, poesia e prosa poética, além de ter traduzido mais de uma centena e meia de obras. Maurício de Macedo comparece com “Caravana” (poesia, 2021, 112 páginas, capa dura) e Paulo Neves traz “Rio Linguagem” (prosa poética, 2020, 176 páginas). “Last but not least”, os quatro livros do Jorge Viveiros de Castro: “Shazam!”, contos de 2012, 80 páginas; e, todos de 2013, “A Invenção do Amor” (romance, 132 páginas), “De Todas as Únicas Maneiras” (romance, 96 páginas) e “Outro (& Outras)”, contos (80 páginas), já em terceira edição -- a primeira em 1993, pela Diadorim.
Nascido no Rio de Janeiro, carioca da gema, Jorge Viveiros de Castro certamente teve transmitido por sangue maranhense ancestral o gosto pelo livro, quer como autor, quer editor. Com efeito, a família Viveiros de Castro resulta da união de Dª Ana Rosa Viveiros com Augusto Olímpio Gomes de Castro (18361909). Augusto Olímpio, além de promotor e político, com diversos mandatos de deputado e presidente das províncias do Piauí e do Maranhão e da Câmara dos Deputados, foi escritor e jornalista, dirigiu jornais e foi membro da Academia Maranhense de Letras. Ana Rosa era filha de Mariana Francisca Correia de Sousa e de Francisco Mariano de Viveiros Sobrinho (1819-1860), o Barão de São Bento, político e proprietário rural, natural da multicentenária cidade de Alcântara, município fundado em 1648 e integrante da região metropolitana de São Luís, capital do Maranhão. A família Viveiros, da qual descende Dª Ana Rosa Viveiros, tem entre seus mais remotos ancestrais conhecidos o senador Jerônimo José Viveiros, nascido em São Luís, em 11 de agosto de 1784 e falecido aos 73 anos, em 13 de dezembro de 1857. O mandato como senador do Império do Brasil foi de 1853 a 1857. Parte da família transferiu-se do Maranhão para o Rio de Janeiro, como o senador Jerônimo José Viveiros e seu neto José Francisco Viveiros. Ainda em São Luís, Jerônimo José teve o filho Jerônimo Viveiros (18841965), que foi professor e historiador, também membro da Academia Maranhense de Letras e, passando a morar no Rio de Janeiro, professor do Colégio Pedro 2º. É de um dos frondosos ramos da grande árvore genealógica Viveiros de Castro que descende Jorge Viveiros de Castro, nascido 1967 e que é hoje, com sua Editora e seus selos editoriais, nome de referência no segmento livreiro nacional.
Nos laços de maranhensidade de Jorge Viveiros há pelo menos dois registros caxienses: sua amizade com escritores filhos da “Princesa do Sertão Maranhense” -- Salgado Maranhão, tido por muitos como um dos maiores poetas vivos do Brasil, e o escritor Adailton Medeiros, este falecido em 2010 e um dos nomes de referência da Poesia Práxis em todo o País, cuja obra reunida, impressa em um só volume, acaba de ser entregue pela Editora 7Letras, por meio do selo Imprimatur. Com a circulação em breve da “Obra Reunida”, do caxiense Adailton Medeiros, talvez se tenha de mudar o título deste texto: “Sete Letras, Dez Livros”. Grato ao Jorge Viveiros. Vida longa e produtiva à 7Letras.