Libertas Edição Especial
Perfil Renata Peron
Cultura 32a Bienal de Arte
Telefones Úteis
SAÚDE
DIREITOS HUMANOS
CTA Henfil Centro de Cidadania LGBT Endereço: Rua Líbero Badaró, Endereço: Rua do Arouche, 23 – 144 - Anhangabaú 4° andar Telefone: 3241-2224 Telefone: 3115-2616 Horário de funcionamento: de seCAPS’ad Sé gunda à sexta-feira, das 09h às 21h Endereço: Rua Frederico Alvaren- ga,259 - 3ºandar - Sé Unidade Móvel de Cidadania Telefone: 3101-0156 LGBT Horário de funcionamento: A uniAmbulatório de Saúde Integral dade móvel de cidadania percorre para Travestis e Transexuais São Paulo com atendimentos de Endereço: Rua Santa Cruz, 81 – quinta a domingo, das 18h às 23h. Vila Mariana Confira onde está a unidade Telefone: 5087-9011 móvel: 3101-0155 / 3101-7008 Disque DST/AIDS Balcão de Atendimento da SecreTelefone: 0800 16 2550 taria de Direitos Humanos Horário de funcionamento: SeEndereço: Pátio do Colégio, 5 – gunda a sexta-feira, das 08h00 as Centro 18h00 Telefone: 3397-1400 02 • EDIÇÃO ESPECIAL
Carta para o leitor
A revista Libertas nasceu com o objetivo de dar voz a comunidade LGBT que é tão silenciada. Na mídia tradicional, essas minorias continuam estampando majoritariamente os cadernos, os noticiários e os programas policiais. “Travesti é morta a tiros no centro de São Paulo”, “Jovem gay é espancado após sair de balada”, “Casal de lésbicas sofrem estupro corretivo” tornaram-se manchetes comuns no dia a dia. Parece que a existência deles só é reconhecida por meio da morte e da violência. Apesar da imagem acolhedora e solidária, o Brasil é um país extremamente violento e conservador. De acordo com o último relatório de violência homofóbica de 2013 do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, foram registradas 1.965 denúncias de violência contra à população LGBT. Entretanto o próprio relatório salienta que “as violências ocorridas cotidianamente contra os LGBT são infelizmente muito mais numerosas do que aquelas que chegam ao conhecimento do poder público. Salienta-se que a falta de um marco legal que regulamente a punição de atos discriminatórios contra a população LGBT aprofunda a dificuldade de realização de diagnósticos estatísticos desta natureza.” Nossa primeira edição será sobre as mulheres transexuais. A letra “T” foi a escolhida pois dentro da sigla LGBT é a mais invisibilizada, algumas vezes marginalizada pelo próprio movimento. Acreditamos que a mídia alternativa é um dos instrumentos essenciais na luta contra a transfobia e pelos direitos individuais delas como cidadãs. Esperamos disponibilizar um espaço para que essas pessoas possam contar suas próprias histórias. Afinal quantas mulheres trans você conhece? Quantas amigas trans você tem? Quantas mulheres trans protagonizam filmes, séries, novelas que você assiste? Em 2015, após ser a primeira negra a conquistar um Emmy na categoria de Melhor Atriz em drama, Viola Davis discursou que “a única coisa que diferencia as mulheres negras de qualquer outra é oportunidade”. O mesmo se aplica às mulheres transexuais. Tudo o que elas precisam são oportunidades. Boa leitura! Letícia Dauer
Trans na Bienal Com a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos EUA, o novo recorde de imigrantes mortos durante a travessia do Mar Mediterrâneo, os atentados praticados pelo Estado Islâmico, Michel Temer no poder por meio de um golpe, o Brasil sendo o país número um na morte de travestis e transexuais, é certo que o mundo sofre com crises em todos os setores e com o avanço do conservadorismo. Em meio a esse período conturbado, o tema da 32a Bienal de Arte de São Paulo é justamente a incerteza. A discussão sobre identidade de gênero e orientação sexual vem ganhando espaço na Bienal a cada edição que passa. Aqueles que não se incluem no padrão heteronormativo e cisgênero, vivem com a incerteza todos os dias, pois temem a opressão física e psicológica e a perda de seus direitos individuais. A reportagem do Libertas selecionou duas obras da exposição para serem analisadas. A primeira é o curta-metragem Heaven (paraíso traduzido do inglês), dirigido pelo brasileiro Luiz Roque. A narrativa se passa no ano de 2080, quando se espalha a notícia de uma epidemia provocada pelo Epstein-Barr, vírus da mononucleose, em uma versão muito mais agressiva, ligada a doenças de imunodeficiência, como a Aids. Os órgãos de saúde levantam a hipótese que a doença é transmitida pela saliva dos transexuais, pois o vírus teria se modificado a partir de um hormônio utilizado pela comunidade trans. Entretanto ignora-se o fato de que a distribuição desse hormônio era feita pelo próprio governo. Durante o filme, o medo e a opressão a esse segmento social se intensifica. As pessoas evitam o contato a todo custo. Há inclusive uma cena de sexo entre duas mulheres, na qual uma delas está com o rosto coberto 04 • EDIÇÃO ESPECIAL
por um plástico para impedir o contágio. Não é coincidência a história acontecer em 2080. Cem anos atrás, a Aids foi descoberta e os primeiros casos foram detectados em homossexuais. Os conservadores e religiosos rapidamente culpabilizaram os gays pela epidemia, pois estariam sofrendo um castigo divino devido a seus hábitos sexuais promíscuos. O que contribuiu para o aumento da homofobia e da violência. Entretanto o vírus HIV pode ser transmitido por transfusão de sangue e por relações sexuais desprotegidas. Logo a doença foi detectada também em heterossexuais, principalmente em hemofílicos. Em Heaven, o mesmo processo se repete. Quando a epidemia foi descoberta, em meio há muitas incertezas, os órgãos de saúde e a mídia escolheram precocemente um culpado: a comunidade trans. Assim como na década de 80, os alvos selecio-
Peça do Dispositivo doméstico
Cena do filme Heaven nados são pessoas que já são marginalizadas e sofrem discriminação diariamente. De maneira um tanto quanto pessimista, Luiz Roque retratou como as disputas sociais e a retórica preconceituosa são cíclicas. Já em Dispositivo doméstico, Kátia Sepúveda apresenta a construção social do desejo e sua difusão pelos meios de comunicação de massa. Nas capas de revistas, nas novelas, nas propagandas, nos filmes, apenas um tipo de mulher é valorizada e desejada: a magra, branca, heterossexual e principalmente cisgênera. O trabalho de Sepúveda consiste em colagens com 250 peças de papel da revista Playboy entre 1953 e 2000. A revista de temática erótica foi fundada em 1953 pelo estadunidense Hugh Hefner. A primeira edição teve na capa a célebre atriz Marilyn Monroe, um verdadeiro símbolo sexual na época. O periódico mensal fazia muito sucesso entre o público masculino e contribuiu para a construção desse imaginário sexual. Na década de 70, por exemplo, cerca de 5,6 milhões de exemplares foram vendidos. Atualmente com o acesso à internet e à pornografia gratuita, o consumo da Playboy caiu vertiginosamente, mas seu legado permanece. De acordo com o site de buscas PornMD, entre os termos pornográficos mais
buscados no Brasil em 2013 está “novinha”, “teen”, “amateur”, “brasileirinhas”. O modelo patriarcal construído por revistas como a Playboy foi incorporado à cultura de massa e continua a ser seguido até os dias de hoje. Não se pode negar que a cultura de massa exerce forte influência na identidade de gênero de cada indivíduo. Aquele que não se encaixa com o padrão preestabelecido tenta se adequar ou é automaticamente marginalizado, como as transexuais e travestis. A linguagem utilizada pela revista também contribuiu para a objetificação do corpo da mulher e é uma das críticas que a obra faz. Em uma das colagens, a artista combina a fotografia de uma mulher seminua com a imagem de um pedaço de carne, na qual está escrito “Amerika: paradies für steak-fresser”. A ideia de consumir fotos e mais fotos femininas a qualquer instante e em qualquer lugar reduz a mulher a um mero objeto sexual. A 32a Bienal de Arte de São Paulo se encerrará no dia 11 de dezembro deste ano, no Pavilhão da Bienal, no Parque Ibirapuera, portão 3, na avenida Pedro Álvares Cabral. O horário de visitação é de terça-feira a domingo das 9 horas às 19 horas, com exceção de quinta-feira e sábado, dias que a exposição se estende até às 22 horas. A entrada é gratuita. LIBERTAS • 05
Perfil: Renata Peron A
rtista, paraibana, militante, mulher, transexual. Renata Peron, de 40 anos, mora há 13 anos em São Paulo e sonha ser reconhecida nacionalmente como cantora algum dia. Atualmente ela trabalha na SP Escola de Teatro, localizada na Praça Roosevelt, como recepcionista. Muito querida e conhecida pelos alunos e demais funcionários, não há quem não pare para conversar um pouco com Peron. O vestido longo vibrante, a maquiagem e o bom humor escondem um passado sofrido e uma trajetória de muita luta. Nasceu em João Pessoa, na Paraíba, e morou com os pais até os sete anos na capital, quando uma tragédia desestruturou toda a sua família. Ainda criança, Peron passou por uma grande perda. Sua mãe, que tinha depressão pós parto, se matou ateando fogo no próprio corpo. Logo em seguida, seu pai se casou novamente e ela foi morar com a avó em Missão Velha, uma cidade interiorana do Ceará, onde residiu até os onze anos. “Meu pai era um tipo de homem do 06• EDIÇÃO ESPECIAL
mato, procriador. Ele teve 13 filhos com a minha mãe e teve 11 filhos com a segunda esposa. Não era uma pessoa que tinha amor aos filhos. Então a gente foi criado como Deus criou batata. Assim nas mãos de amigos, de colegas, de pessoas”, conta a artista. Após ficar quatro anos na casa da avó, Peron voltou para a Paraíba e foi morar novamente com o pai, porém a tentativa durou apenas seis meses. A partir dos doze anos, a cantora se distanciou da família e foi acolhida por três senhoras. Aos 17 anos, ela tentou pela última vez estabelecer contato com algum familiar e se mudou para a residência de um de seus irmãos em Juazeiro, na Bahia. Entretanto a estadia foi curta, permaneceu apenas 15 dias. Esse ano foi o mesmo que Peron descobriu ser transexual. Entretanto ela não podia revelar sua identidade de gênero verdadeira em decorrência do acentuado preconceito e da ignorância dos moradores da região. Com medo da violência e sem o apoio da família, a paraibana se escondia
w
sob a máscara de um homem homossexual. Em Juazeiro, dos 17 aos 27 anos, Peron teve que sobreviver sozinha, mas encontrou carinho e um lar com os amigos durante esse período. Como a discriminação contra pessoas transexuais e travestis era grande, ela só conseguia empregos informais. Vendia produtos de beleza, roupas, fazia faxina e outras atividades temporárias, mas ressalta que nunca se envolveu com prostituição, destino e realidade de muitas na comunidades trans.
“N
ós temos uma ideia muito equivo-
cada da cidade grande ser acolhedora. Porém o paulistano é um bicho
”
com preconceito de todo tipo
Paralelamente, a paraibana começou a desenvolver e aprimorar suas habilidades artísticas. Em seu tempo livre, ela criou uma personagem, conhecida como persona queen, por meio da qual conseguia libertar seu verdadeiro eu. Apresentou-se em diversas casas de show, no teatro, cantou e até mesmo gravou quatro CDs. “Eu fiquei muito conhecida em Juazeiro como persona queen, mas eu queria alçar voos maiores. Então decidi vir para São Paulo. Nós temos uma ideia muito equivocada da cidade grande ser acolhedora. Porém o paulistano é um bicho com preconceito de todo tipo. Preconceito da cor, do local, da origem da pessoa, da religião, da pobreza. O paulistano de um modo geral, salvo raríssimas exceções, é muito difícil lidar. É muita frieza”, afirma Peron. Com 27 anos, mudou-se para São Paulo em busca do sonho de ser reconhecida nacionalmente como cantora de Música Popular Brasileira, porém de imediato percebeu que a jornada não seria fácil. De
acordo com as vivências da entrevistada, os paulistanos são mais hostis e opressores do que os nordestinos, pois os primeiros matam as trans psicologicamente e fisicamente e os segundos matam somente fisicamente. O Brasil é o país número um em assassinatos de travestis e transexuais, porém o que mais choca e revolta Peron é o fato das vítimas serem estupradas antes de mortas. “Como é que você não gosta de alguém e, antes de matá-lo, você se delicia deste corpo? Todos as trans, tirando raríssimas exceções, que são encontradas mortas, têm marcas de violência sexual no corpo. Então não dá para digerir isso de uma maneira saudável. Se é que há maneira saudável enxergar uma situação dessas”, diz a artista. Ao longo dos anos de militância, a cantora percebeu que mais difícil do que ser trans é ser trans e não abaixar a cabeça para os opressores. A força deles é adquirida a partir da aceitação e submissão de seus alvos. Se a vítima não se deixa abalar e os enfrenta, os agressores tornam-se ainda mais violentos. Segundo Peron, é difícil para o transfóbicos compreenderem que, apesar de sua identidade de gênero ser diferente, ela é um ser humano como outro qualquer. “Eu faço minha necessidades básicas, eu choro, eu tenho raiva, eu quero gozar, eu quero abraçar a minha mãe, eu quero beijar os meus irmãos, eu quero criar um cachorro. Qual é a diferença? Nenhuma”, questiona. O ano de 2007 marcou sua vida e deixa marcas físicas até hoje em seu corpo. Enquanto passeava com um amigo pela Praça Roosevelt, no centro de São Paulo, a noite, a militante e seu amigo foram atacados por um grupo de nove homens. Um deles calçava uma bota com uma placa de ferro na ponta, objeto que Peron nunca vai se esquecer, pois perdeu um dos rins por causa dela. Seu companheiro tentou defendê-la, porém levou LIBERTAS • 07
vários chutes na região do nervo ciático e acabou ficando paralisado por três meses. Além do episódio de violência, o que mais revolta a artista é a negligência do Estado com a população LGBT. Ela contou que recebeu um péssimo tratamento no hospital e também foi abandonada pelo sistema judiciário. Depois da ocorrência, ela entrou com uma ação contra o Estado devido à falta de segurança pública na região, na qual crimes contra gays são reincidentes. No fim, Peron perdeu o caso e ainda foi desrespeitada e culpabilizada pelo juiz, que questionou o motivo dela estar na praça àquela hora e o porquê dela ser transexual. Hoje Renata Peron mora em uma ocupação do Movimento dos Trabalhos sem Teto, do qual é integrante. Durante a semana, trabalha na SP Escola de Teatro. Conseguiu o emprego por meio de um pro08 • EDIÇÃO ESPECIAL
jeto da instituição, no qual 10% das vagas são destinadas a pessoas travestis e transexuais. Além disso, é presidente do Centro de Apoio e Inclusão de Travestis e Transexuais. E ainda sobra tempo para suas apresentações como atriz e como cantora de MPB. Mesmo com essa rotina agitada, ela conseguiu se formar esse ano em Assistência Social pela Universidade Nove de Julho e espera entrar no mercado formal de trabalho em breve. “Para o ano que vem nós estamos montando uma banda chamada “Mulher com H”. Eu quero trazer algumas trans e homens trans que desejam tocar juntos para a gente começar a fazer shows. Vamos nos jogar no universo e ver o que ele manda de volta.”, conta sobre seus planos artísticos.
CAIS ajuda trans a ingressarem no mercado de trabalho U
ma das poucas instituições direcionadas à comunidade trans no Brasil, o Centro de Apoio e Inclusão Social de Travestis e Transexuis completa nove meses de vida na próxima terça-feira (06). “A CAIS tem o objetivo de promover ações para a defesa dos direitos de travestis e transexuais. Vai estimular trabalhos nas áreas de ensino, pesquisa e cultura, promover campanhas de conscientização acerca dos nossos direitos. Uma das ideias que mais está nos estimulando é a realização de cursos, simpósios e outras iniciativas de formação cidadã”, afirma a presidente Renata Peron. A diretoria da CAIS também inclui Paloma Pêssego, Flavia Araujo e Alcione. No conselho fiscal estão Janaina Lima e Renan Alves. Os membros e criadores da organização ainda não tem sede física própria, porém isso não os impediu de desenvolver e promover suas atividades ao público trans. A presidente conta que já organizaram um evento sobre o suicídio para mais de 250 pessoas e outro sobre educação e expressões de gênero, cujo convidado especial foi o médico Drauzio Varela. Além disso, já realizaram uma audiência pública na Câmara dos Vereadores de São Paulo. Para o ano que vem, a atual gestão planeja alugar uma casa, na qual Peron morará no andar de cima. Já o andar de baixo será destinado para o atendimento e o encaminhamen-
Logo da ONG foi criado pela cartunista Laerte Coutinho
to. O objetivo da CAIS não é o acolhimento, mas profissionalizar as pessoas trans e possibilitar a entrada delas no mercado de trabalho. Atualmente de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, 90% das travestis e transexuais estão se prostituindo no Brasil. Ainda que elas queiram arranjar um emprego com rotina, horário de trabalho e carteira assinada, o preconceito fica evidente quando elas se candidatam a uma vaga. “Nossa ideia não é simplesmente levar uma sopa com pão para as meninas que estão nas ruas, porque você está mantendo LIBERTAS • 09
elas naquela condição precária. Muitas se perguntam se há outra opção além da prostituição. Nós queremos capacitá-las e oferecer novas oportunidades”, afirma a presidente. A ideia central da organização é criar uma polícia de inclusão social a partir de parcerias com empresas privadas interessados na causa, como o Sesc ou o Senac. O plano é que as empresas parceiras sejam responsáveis pelo fornecimento de cursos profissionalizantes e outras empresas empreguem os participantes do projeto, estabelecendo cotas de 10% para as pessoas trans. A CAIS será responsável pela intermediação e fiscalização desses serviços. Esse projeto foi inspirado na SP Esco-
K LENDÁRIAS
la de Teatro, localizada na Praça Roosevelt, próxima a Igreja da Consolação, onde Peron trabalha atualmente como recepcionista. Na escola, 10% das vagas de emprego são destinadas a pessoas travestis ou transexuais. Além de propiciar a entrada no mercado formal de trabalho e uma condição econômica de vida melhor, a organização acredita que a educação é um instrumento transformador. “O que percebemos é que a ausência de conhecimentos destas pessoas, nestas áreas, impede o avanço na conquista dos direitos. Muitas vezes, não sabemos a quem cobrar a realização de uma demanda, como cobrar, a quem criticar”, diz a militante.
Sou trans, quero dignidade e emprego
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MAKING OFF
Em comemoração ao dia da Visibilidade Trans, que acontece no dia 29 de janeiro 2017, a associação Centro de Apoio e Inclusão Social de Travestis e Transexuais (CAIS) criou o projeto K LENDÁRIAS. Como o nome sugere, cinco mil calendários foram produzidos, ilustrados com as fotografias de quatro travestis, quatro transexuais e quatro homens trans. Cada participante escolheu a profissão dos sonhos que gostaria de exercer como temática das fotos, que futuramente serão exibidas em uma exposição. A escolha dos personagens foi realizada por meio de uma campanha nas redes sociais. Os interessados tinham que completar a seguinte frase: “Posso ser o que eu quiser, só preciso de...”. Os donos das melhores respostas foram convidados a participar do projeto.
Todo o processo foi filmado e será transformado em um documentário, no qual os integrantes vão relatar seus sonhos e objetivos de vida. Além disso, será possível conhecer mais de perto os obstáculos enfrentados para ingressar no mercado de trabalho formal pela comunidade trans e como isso reflete em seu cotidiano. Para concluir o K LENDÁRIAS, a CAIS apostou na plataforma de financiamento coletivo Catarse para a arrecadação dos recursos necessários. O orçamento do projeto é de R$33.900.
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CineTrans Segundo o Internet Movie Database, em 2006, os Estados Unidos produziram cerca de 10.683 filmes e o Brasil produziu cerca de 107 filmes. Em meio a esse mar audiovisual, quantos filmes abordam a temática da transexualidade? É possível contar nos dedos. Pensando nisso, o Libertas selecionou alguns filmes para os leitores se aproximarem e conhecerem mais o universo trans.
Priscila, Rainha do Deserto (1994) Um clássico dos anos 90, o filme australiano é um marco tanto para a comunidade trans quanto para as drag queens. A bordo do estiloso ônibus Priscilla, duas drag queens, Adam e Anthony, e a transexual Bernadette atravessam o deserto para se apresentarem em um resort em Alice Spring. Mais do que uma simples comédia e um musical, o longa-metragem retrata os obstáculos e preconceitos que as personagens sofrem ao longo de sua jornada. Há uma cena, por exemplo, na qual param para descansar em uma cidade e Adam decide caminhar pelas ruas montado de drag. Indignados, os conservadores moradores da região o espancam. Uma curiosidade de Priscilla é que o diretor Stephen Elliot já revelou em uma entrevista que se inspirou no Brasil para a criação do filme. Em 1989, no Rio de Janeiro, ele viu drag queens desfilando no carnaval e ficou encantado.
Tomboy (2011) O filme, dirigido pela francesa Céline Sciamma, é sobre a descoberta da identidade de gênero na infância e como o gênero é uma construção social. O longa se inicia com a mudança de Laure e de sua família para uma nova cidade. A menina de 10 anos apresenta um comporta12 • EDIÇÃO ESPECIAL
mento e veste roupas tipicamente relacionadas ao universo masculino. Por isso quando decide explorar seu condomínio e conhece sua primeira amiga, Lisa, é confundida com um menino. Laure passa a se apresentar como Mickael. Para não gerar desconfiança e ser aceita no grupo de crianças, começa a reproduzir vários comportamentos dos meninos, como jogar bola, cuspir no chão, tirar a camiseta. Além de explorar sua identidade, ao longo da história, descobre seu primeiro amor: Lisa. Entretanto nem tudo são flores. Após sua irmã mais nova Jeanne descobrir seu segredo, Laure tem que barganhar seu silêncio, levando-a para brincar com seus novos amigos também. Sua mãe é outro obstáculo na descoberta de sua identidade, pois frequentemente recrimina seu comportamento e a obriga a usar vestidos e roupas consideradas femininas.
Tudo sobre a minha mãe (1ww999) O 13o filme do espanhol Pedro Almodóvar fez sucesso mundial no ano de seu lançamento e é relembrado até hoje pela sua trama sensível que retrata a solidão feminina e a sobrevivência das mulheres ao machismo. O filme começa com a morte acidental do filho da enfermeira Manuela, por culpa de um autógrafo. Após a apresentação de Um bonde chamado desejo, Esteben corre atrás da atriz protagonista da peça Huma Rojo, porém é atropelado por um automóvel. Arrasada, Manuela decide procurar o pai do menino, uma travesti que se chama Lola, para contar sobre a fatalidade. Durante sua jornada solitária, a matriarca encontra várias mulheres que dão um novo significado a sua vida e criam uma rede de solidariedade. São elas: Agrado, uma transexual que se prostitui, Rosa, uma freira de família burguesa que engravidou de Lola e contraiu
Aids, e Nina, a amante da atriz Huma que é go da viagem de volta para Los Angeles, o viciada em tabaco. O longa é uma verdadeira laço entre os dois se estreita e eles enfrentam ode à vida. Inicia-se com a morte de Esteban e muitas situações marcadas pela transfobia. se encerra com o nascimento do filho de Rosa.
Transamérica (2005) São raros os momentos que as minorias, principalmente as transexuais, conseguem a atenção da conservadora indústria cinematográfica. Transamérica conquistou tal proeza em Hollywood e foi indicado em duas categorias no Oscar de 2006: melhor atriz principal e melhor canção original. O longa metragem, dirigido
Eu sou homem (2012)
O documentário brasileiro, produzido pelo Coletivo de Feministas Lésbicas e do grupo Minas de Cor, conta a história de quatro homens transexuais: Xande, Nei, Régis e Celinho. Durante o curta metragem, dirigido por Márcia Cabral, os entrevistados contam suas histórias de vida e como foi o processo de mudança de gênero. São episódios
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por Duncan Tucker, narra a história da mulher transexual Bree Osbourne, cujo sonho é fazer a cirurgia de redesignação sexual. Faltando uma semana para o procedimento, Bree recebe uma ligação de Toby que está preso em Nova York e está em busca de seu pai para libertá-lo. Ela se dá conta que o jovem de 17 anos é fruto de um relacionamento seu quando ainda era homem. Sua psicóloga proíbe que ela se submeta à cirurgia sem resolver esse assunto, por isso Bree viaja para encontrar o garoto. Inicialmente Bree não tem coragem de se apresentar para Toby como seu pai, em razão disso se identifica como uma missionária cristã que deseja ajudá-lo e convertê-lo. Ao lon-
marcados pela violência, pelo preconceito, pela ignorância, pela falta de apoio familiar. Xande, por exemplo, revela que aos 15 anos foi estuprado por quatro colegas, após uma partida de futebol na escola, simplesmente porque estava usando o banheiro masculino. O guarda municipal Régis Vascon conta que também enfrenta problemas no trabalho e prefere usar o banheiro feminino para não causar conflitos. Segundo ele, “as mulheres aceitam melhor um homem trans no banheiro do que os homens”. Os depoimentos também mostram que um direito básico ainda lhes é negado: a aceitação do nome social e a alteração dos documentos. LIBERTAS • 13