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Projeto chinês propõe ônibus que anda por cima dos carros
Mulheres canhotas são mais egoístas Estudo mostrou que canhotas são menos generosas do que destras. por Thiago Perin Cientistas holandeses criaram um jogo em que os voluntários eram agrupados em pares. Uma pessoa recebia dinheiro, e tinha que decidir quanto iria compartilhar com o colega. O estudo constatou que os homens canhotos são mais generosos do que os destros. Já entre as mulheres é diferente: as canhotas retêm mais dinheiro para si.
Um ônibus suspenso que anda por cima dos carros. Já imaginou? Uma equipe de pesquisadores chineses colocou a ideia no papel e defende que o projeto pode ser parte da solução para o trânsito terrível das grandes cidades. Quando parado, o Land Airbus, como é chamado, não interrompe o trânsito, pois a parte inferior funciona como um túnel, “vazada”, em formato de arco – o que os inventores chamaram dedesign oco. O
veículo ocupa duas pistas e permite que carros de até dois metros de altura passem por baixo. Cada “vagão” comporta até 300 pessoas. Os passageiros entram no ônibus via elevador lateral e também são previstas estações fixas de parada. Movido por painéis solares e eletricidade, o veículo chega a 60 km/h. Há ainda um sistema que freia o veículo automaticamente em caso de emergência (se houver um acidente à frente, por exemplo).
Os criadores dizem que o ônibus suspenso pode diminuir em 30% o trânsito nas ruas e avenidas. Outra vantagem destacada é que a construção da estrutura para suportar esse tipo de transporte levaria três vezes menos tempo que a construção de metrôs, com custo 10% menor. O projeto é apresentado como “o futuro das cidades”. Você acha que a solução parece viável?
Dinheiro na mão é vendaval? Por Flávio de Oliveira, consultor financeiro
“Nossa programação é gastar mesmo - fazer vendaval. Só que essa lógica pré-histórica não faz mais sentido. Se antes os recursos eram perecíveis, hoje podem ser conservados e até render juros. Melhor não fazer vendaval.” Philipe Maciel, professor da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro Ô SE É “Sua conta aumentou
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em US$ 1 milhão: você irá conhecer o mundo, viver nos melhores hotéis, pegar caminhões de mulheres, certo? Certo, por 6 meses, se tanto. Depois disso você estará na pior, rezando por outro milhão pra pagar as dívidas.” Carlos Cardoso, do Blog do Cardoso NÃO PRECISA SER “Há dois modos de ver o futuro: o vidente e o previdente. Quem prefere a
opção vidente, se consulte com um deles e torça para ouvir ‘você vai ficar rico!’. A quem opta pelo caminho previdente, aconselho a iniciar um bom plano de previdência privada.”
Segurar o xixi ajuda a tomar decisões por Thiago Perin Psiquiatras da Universidade de Twente, na Holanda, demonstraram que ter bom controle da bexiga ajuda a evitar atitudes impulsivas. Numa experiência, pessoas que tomaram 5 copos de água fizeram escolhas menos imediatistas e mais vantajosas. Isso supostamente acontece porque segurar a vontade de urinar estimula o autocontrole.
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Seitas ufologicas
Grupos messiânicos movidos pela crença na vida extraterrestre arrebanham seguidores mundo afora. Alguns tiveram fim trágico por Marlene Jaggi seria o grande “comandante intergaláctico”, incumbido de promover a regeneração da Terra. É um movimento forte na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. A figura de Ashtar estaria ligada a mensagens de alerta à humanidade. Nos anos 50, segundo seus seguidores, Ashtar teria entrado em contato com a Terra para evitar que bombas atômicas destruíssem nosso planeta e colocassem em risco o equilíbrio intergaláctico. No dia 27 de março de 1997, nada menos do que 39 pessoas foram encontradas mortas numa mansão ao norte de San Diego, na Califórnia, Estados Unidos. Elas haviam cometido suicídio coletivo, levadas pela crença cega em Marshall Applewhite, líder de uma seita denominada Heaven’s Gate (literalmente, “Portal do Paraíso”). Applewhite fez seus seguidores acreditarem que alcançariam a vida eterna se morressem no momento da passagem do cometa Halle-Bopp pela Terra, pois o astro abrigaria em sua cauda uma nave espacial. Fundada em 1970, a Heaven’s Gate é só uma das muitas seitas que se espalharam pelo mundo ancoradas em elementos ufológicos. Na maior parte das vezes, seus líderes se dizem pessoas eleitas por “forças extraterrestres” para cumprir alguma missão na Terra. O ufólogo Vanderlei D’Agostino diz que existem três tipos de líderes de seitas: os bem-intencionados, os que têm algum desvio de conduta (eventualmente patológico) e os literalmente charlatães. Ou seja, não dá para generalizar. Nem todos, é claro, levam a um final trágico quanto o do Heaven’s Gate. A seguir, conheça mais
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algumas seitas que arrebanharam seguidores com base em crenças e dogmas ligados à ufologia.
Movimento Raeliano
Fundado em 1975 pelo jornalista francês Claude Vorilhon, que se autodenomina Rael, prega que o ser humano foi criado em laboratório por extraterrestres. Rael, hoje com 59 anos, afirma ter sido contatado e abduzido em 1973 por um ET, que lhe pediu para construir uma “embaixada” na Terra, para receber de volta os alienígenas. O francês teria sido escolhido como o “messias”, destinado a conscientizar a humanidade sobre a necessidade de evolução. A seita tem 70 mil seguidores no mundo. Nos últimos anos, tem chamado a atenção por sua defesa da clonagem humana – tida como um meio de atingir a imortalidade. Há rumores de que a Clonaid, empresa criada por Rael em 1997, já teria conseguido gerar uma menina, clone de uma mulher de 31 anos.
Comando Ashtar
Baseia-se em supostos contatos realizados entre humanos e um extraterrestre chamado Ashtar Sheran, que
Projeto Portal
A seita foi fundada há dez anos em Corguinho (MS) por Urandir Fernandes de Oliveira, que se considera um representante dos ETs na Terra. “Tem causado grandes estragos na vida de inúmeras pessoas que o procuram na busca de curas e contatos com ETs”, diz Rafael Cury, presidente da Associação Nacional dos Ufólogos do Brasil. Urandir chegou a ser preso, sob acusação de participar de um esquema de venda ilegal de lotes de terra em Corguinho. Segundo Urandir, o mundo será castigado por uma grande inundação, mas o lugar que ele chama de “A Cidade dos ETs” – onde ficam os tais lotes de terra – estaria imune à tragédia. Lineamento Universal Superior (LUS) Criado pela vidente brasileira Valentina Andrade e por seu marido, o argentino José Teruggi, em Buenos Aires. Segundo eles, só os seguidores da seita seriam salvos do apocalipse, resgatados por naves espaciais. Nos anos 80, Valentina e outros membros do grupo foram acusados de castrar nove meninos de 8 a 14 anos e assassinar seis deles, em
rituais satânicos, entre 1989 e 1993, em Altamira, no Pará. “Quando invadiram sua residência em Londrina, no Paraná, encontraram várias fitas de vídeo em que ela, em transe, dizia: ‘Matem criancinhas’”, conta Rafael Cury. Presa em 2003, Valentina foi julgada e absolvida por falta de provas. Outros quatro acusados foram condenados a penas de 35 a 77 anos de prisão.
Grupo Rama
Começou no Peru, com os irmãos Sixto e Carlos Paz. Após se desentender com o irmão, Carlos mudou-se para o Brasil e criou um braço da seita, o Grupo Amar (Rama ao contrário). Os irmãos organizavam vigílias para aguardar a chegada de naves alienígenas. Afirmavam viajar com freqüência à Constelação de Órion, onde eram recebidos por ETs. Após denúncias sobre a falsidade desses contatos, a seita caiu no ostracismo. Carlos acabou mudando de sexo e Sixto perdeu credibilidade depois de participar de um programa de TV e ser reprovado por um detector de mentiras. As duas vertentes da seita deixaram de existir no início dos anos 90.
Cultura Racional
Foi criada por Manoel Jacinto Coelho em 1935, no Rio de Janeiro, num centro espírita no bairro do Méier. Nos meios usados para sua divulgação, a Cultura Racional cita com freqüência discos voadores e seres extraterrestres. Considera-se um movimento cultural, não uma seita. Nos anos 70 e 80, atraiu milhares de seguidores, entre eles o cantor Tim Maia, que acabou deixando o movimento. Seus princípios se baseavam em um conjunto de livros denominado Universo em Desencanto, considerado por muitos um instrumento de lavagem cerebral.
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Por tras da cortina de fumaca A Organização Mundial da Saúde publica o mais completo relatório sobre os efeitos da maconha. E afasta a onda de desinformação que cerca a droga ilegal mais consumida do mundo.
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por Flávio Dieguez
Era para ser uma festa. Era para ser o triunfo da pesquisa médica em seu esforço de separar, cientificamente, o que é mito e o que é fato sobre os efeitos da Cannabis, conhecida como maconha. Mas o relatório sobre a droga publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), das Nações Unidas, teve uma outra recepção. A entidade começou a trabalhar em 1993. Convocou os maiores especialistas do mundo e incumbiu-os de, nos cinco anos seguintes, examinar o resultado de centenas de pesquisas. Finalmente, em dezembro do ano passado, as conclusões dessa equipe foram reunidas num documento de 49 páginas, publicado sob o título Cannabis: uma Perspectiva de Saúde e Agenda de Pesquisa. Surgia o mais completo relatório produzido sobre a maconha nos últimos quinze anos. Aí, o que era para ser uma festa virou guerra política. O trabalho da OMS mal foi lido. Até o início do mês de março, pouco mais de 500 cidadãos, nos cinco continentes, tinham tido acesso a ele. Quase não houve repercussão. O motivo é que seu conteúdo foi encoberto pela campanha dos que pregam a legalização da droga. Nada contra a polêmica, que pode ser até saudável. Mas o fato é que, no caso, ela fez sombra sobre o texto da OMS e favoreceu a onda de desinformação. A confusão chegou ao ápice quando a revista semanal inglesa New Scientist, na sua edição de 21 de fevereiro, pôs em sua capa uma reportagem explosiva em que acusava a OMS de ter suprimido do documento, por motivos políticos, um capítulo mostrando que a maconha seria menos perniciosa do que o álcool e o tabaco. A OMS admitiu a supressão do capítulo, mas negou os motivos. Declarou que o texto comparando as três drogas fora excluído por prudência, pois os estudos nos quais ele se apoiava não eram conclusivos. De fato, isso só levaria a mais confusão. Tanto é que a confusão, com capítulo ou sem capítulo, alastrou-se. E desviou, ainda mais, a atenção do público daquilo que, afinal, era o mais importante – o próprio relatório da OMS. Quem foi apanhado de surpresa pela guerra de versões pode ter ficado desorientado. E pode até estar pensando que a maconha nem é tão perigosa. Mas ela faz mal, sim, e cria riscos sérios para a saúde.
Quem tem dúvida, é só consultar o relatório. “Ele confirma diversas conseqüências nocivas comumente apontadas em relação à maconha”, resume a psicobióloga brasileira Maristela Monteiro, da OMS, uma das responsáveis pela versão final do texto. “E além disso aponta novos perigos.” Ao mesmo tempo, o trabalho desmontou mitos antigos, livrando a droga de acusações que ainda hoje se escutam. A verdade é que não, a maconha não reduz o número de espermatozóides nos homens, não induz à violência nem tira a disposição para o trabalho e para o estudo. Nas páginas seguintes, a SUPER vai esmiuçar o conteúdo do relatório para você. Os resultados apresentados pela OMS ajudam, e muito, a reverter a maré de dúvidas e de mistificações em torno da droga. Para começar, admite que ela possa ter aplicações medicinais (e sobre isso a SUPER já publicou uma reportagem de capa, em agosto de 1995). Mas aponta, com precisão científica, os males que o uso indiscriminado dessa substância pode causar. Não são poucos. E não são suaves. É bom você se informar a respeito e escapar da cortina de fumaça – que ainda esconde muitos riscos.
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Arte
à flor da pele A tatuagem pode ser tanto uma manifestação artística quanto de rebeldia. Conheça seus vários significados ao redor do mundo e ao longo dos tempos por Mariana Mello
O lugar é asséptico, limpíssimo. Paredes brancas, espelhos, aparelhos de esterilização, luvas descartáveis, gavetas com seringas lacradas e cadeiras de dentista. Num balcão ficam expostos os tubos de tinta colorida. O ambiente seria tão silencioso quanto um hospital não fosse o som psicodélico que agita os corajosos que circulam pela casa em busca de uma das poucas coisas definitivas na vida: uma tatuagem. No estúdio Led’s Tattoo, do paulista Sérgio Maciel, 38 anos, cerca de 50 pessoas são tatuadas todos os dias. Com o verão, que naturalmente coloca barrigas, costas e pernas de fora, esse número cresce. “Tatuagem hoje é status, como se fosse uma jóia. Significa que você é moderno. É sinônimo de personalidade”, diz Maciel. A tatuagem existe desde que o mundo é mundo. O Homem de Gelo, um corpo congelado encontrado na Itália em 1991, que se supõe ter vivido há cerca de 7 300 anos, tinha vários desenhos sobre a pele. A múmia da princesa Amunet, de Tebas, exibe desenhos feitos de pontos e linhas que certamente chamaram a atenção dos egípcios há mais de 4 000 anos. Não se sabe o que aquela tatuagem significava para os nossos ancestrais. Mas é muito provável que ela não tenha sido desprovida de sentido. “O corpo foi um dos primeiros instrumentos manipulados pelo homem para expressar um significado”, afirma a antropóloga Lux Vidal, especialista em pinturas corporais da Universidade de São Paulo. “Tatuagens, pinturas, mutilações e cortes de cabelo são modos de transformar o corpo para que ele comunique códigos, relações sociais e valores.” As motivações que levam uma pessoa a se tatuar são quase infinitas. Índios de vários países costumam se pintar para, entre outras coisas, assinalar classificações de status entre os membros da tribo. Como em seu local de origem, dispensam as roupas com que o homem branco sinaliza seu poder aquisitivo e valores estéticos, é com tinta e formas impressas no corpo que eles se diferenciam. Os peles-vermelhas, da América do Norte, cobriam o corpo com pinturas em situações de luto ou para ir à guerra. Já na região que hoje corresponde aos países árabes, as tatuagens eram feitas para “proteger” o corpo de doenças e trazer prosperidade. Acreditava-se que a impressão definitiva de desenhos na pele tinha propriedades mágicas. Quando a região foi dominada pelo Islamismo do profeta
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Maomé, tatuagens e qualquer alteração no corpo passaram a ser vistas como pecado. O primeiro registro literário da tatuagem data de 1769. Trata-se do relato do navegador inglês James Cook sobre o que viu ao chegar ao Taiti, na Polinésia: os nativos usavam espinhas de peixe finíssimas, ou ossos de passarinho, para perfurar a pele e injetar um pigmento feito à base de carvão e ferrugem. Data daí também a palavra tattoo, versão para o inglês do taitiano tatu (pronuncia-se tatau), que quer dizer, adivinhe, desenho na pele. Ao longo da história as tatuagens também têm sido freqüente mente associadas à punição e a comportamentos marginais. Os bretões, povo bárbaro que habitava a região da atual Grã-Bretanha, pintavam o rosto com várias cores para intimidar invasores. No Império Romano, os escravos eram tatuados. Na França do século XVIII, criminosos ganhavam uma pintura na pele – às vezes uma marca com ferro quente – registrando o crime que tinham cometido. Prostitutas, piratas e marinheiros também se tatuam há séculos, como sinal de valentia e para demarcar seus grupos sociais (na primeira década deste século, todo navio que partia da Europa levava a bordo um tatuador). Sereias, caravelas, mulheres, âncoras e sinais patrióticos sempre foram os desenhos mais escolhidos entre os marinheiros. Era comum também as prostitutas levarem uma marca de seus cafetões, como um atestado de propriedade. Em presídios do mundo inteiro, os próprios detentos se tatuam para diferenciar a facção à qual pertencem. O desenho do punhal cravado num coração significa “assassino”. É comum também os presos marcarem o número do crime que cometeram (o número 288, por exemplo, é o artigo referente ao crime de formação de quadrilha no Código Penal Brasileiro). Antigamente, era a própria polícia que os tatuava. Na Inglaterra, cravavam-se as iniciais “BC” – bad character, mau caráter em inglês – na pele dos condenados. “Ao longo do tempo, a tatuagem acabou virando a marca de pessoas marginais, diferentes do resto da sociedade”, diz Mirela Berger, mestre em Antropologia pela Universidade de São Paulo. Hoje isso mudou. Alguns grupos marginais ainda utilizam a tatuagem como código, como os mafiosos japoneses da Yakuza, que tatuam grande parte do corpo como prova
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de coragem e de fidelidade à gangue. Além da tatuagem, é muito comum membros do grupo terem falanges decepadas como punição por traição. Mas a tatuagem, principalmente nas últimas décadas, deixou de significar desencaixe social. Para muita gente – e gente formadora de opinião, com alto poder aquisitivo e boa bagagem cultural –, tatuagem pode ser apenas uma forma de arte e diversão. “Perdi a conta de quantas vezes me perguntaram se eu vendo drogas. Infelizmente a tatuagem ainda é vista como sinônimo de irresponsabilidade”, diz a analista de sistemas Katia Marcolino, 32 anos, toda tatuada. Essa réstia de preconceito em relação a quem se tatua pode explicar a tremenda irritação que análises psicológicas geram na maioria dos tatuados de hoje. Clubbers, roqueiros, skatistas, surfistas, lutadores de jiu-jitsu, ou simplesmente aquela gatinha que tatuou uma flor de lótus no tornozelo, todos eles detestam ser tratados como excêntricos ou anormais. “Não gosto que me rotulem porque não sou lata de óleo nem vidro de maionese”, diz Katia. De todo modo, certamente uma das razões que conduzem à tatuagem hoje é o desejo de aparecer em público com um visual inusitado. O motorista Luis Cláudio Marangoni, 32 anos, tatuado da cabeça raspada aos dedos dos pés (“Inclusive lá”, afirma), com motivos que vão de mulheres nuas a morcegos, passando por escrita japonesa, adora pôr uma sunga e sair por aí. Ao seu lado, acredite, qualquer modelo de biquíni passaria despercebida. “Por meio da tatuagem, as pessoas procuram ser valorizadas e consideradas bonitas pelo grupo a que pertencem. Trata-se de uma necessidade de parecer igual e, ao mesmo tempo, diferente em relação aos outros”, diz Sandro Caramaschi, professor do Departamento de Psicologia da USP. “A necessidade de se destacar dentro de uma sociedade massificada como a nossa é cada vez maior”, diz a antropóloga Mirela. “Todos queremos chamar a atenção. E cada um chama a atenção da maneira que mais lhe parece positiva, ainda que isso possa escandalizar quem optou por outros padrões de conduta e de afirmação.” Fazer uma marca definitiva no corpo exige coragem para desafiar normas e encarar preconceitos. Em profissões tradicionais, como advocacia e medicina, braços cheios de desenhos não
são vistos com bons olhos. Nem por chefes, nem por pares e nem pelos clientes da maioria das empresas. “Para cargos mais altos, não seleciono pessoas que têm tatuagem. Não soa bem. As empresas sempre dão preferência aos perfis tradicionais”, diz Silvana Case, vice-presidente da Catho, consultoria especializada em selecionar executivos. Em muitas empresas, funcionários tatuados precisam usar roupas amplas e deselegantes para esconder o corpo marcado e preservar o emprego. “No trabalho preciso usar blusas que cheguem até o cotovelo, cubram o pescoço e não tenham decotes. Nas pernas sempre meias grossas”, afirma Kátia. Mas é preciso coragem também para encarar a dor de uma série de agulhas perfurando 3 mm de pele durante horas. O mecânico Flávio Melanas, 28 anos, levou 15 anos para decidir tatuar um dragão no braço. Sem camisa, no estúdio de Sérgio, disfarçava o incômodo de ver o sangue escorrendo pelo braço, evento normalíssimo do pós-tattoo. “O desenho levou quatro horas para ficar pronto. Arde um pouco. A sensação é a mesma de estar tomando uma série de beliscões ininterruptamente.” Para o tatuador Francisco Russo não há motivo para drama. “Quando se percebe que a vida continua depois da tatuagem, o medo passa”, afirma Russo. E quando o garotão percebe que ter tatuado nas costas o rosto do Axl Rose, líder do Guns n’ Roses, uma banda de rock que fez sucesso no início dos anos 90, foi uma burrada? Segundo Caramaschi, a vontade de chamar a atenção é comum na adolescência, mas isso muda. Depois de um certo tempo, o desenho feito no corpo pode perder o significado: a banda deixa de existir, troca-se de namorada, pode-se até mudar de time. Com o passar do tempo também se desenvolvem padrões pessoais, não mais grupais. E, então, pode bater um arrependimento pesado. “Há uma fila de tatuados arrependidos esperando pelo tratamento de remoção gratuito”, diz Lydia Massako Ferreira, chefe do Departamento de Cirurgia Plástica da Escola Paulista de Medicina (EPM), em São Paulo. Para saber mais Na livraria: O Brasil Tatuado e Outros Mundos Toni Marques, Editora Rocco
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DEUS EXISTE?
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No final do século passado, a ciência acreditava ter todas as chaves do conhecimento: decifrar os últimos mistérios da natureza era só uma questão de tempo. Agora, na entrada de um novo milênio, as certezas mais claras agonizam e os cientistas se perguntam. por José Augusto Lemos
Mecânica quântica e matemática do caos a gente até entende – com a ajuda de um bom professor, claro. Deus é outra história. É o infinito imponderável: aquilo que não dá para se pensar nem imaginar. É o infinito inefável: aquilo que não dá para se falar. Ou pelo menos essa é a maneira mais segura de abordar – e encerrar – o assunto sem cair no ridículo nem ofender ninguém. Mas são os próprios cientistas que não param de falar em Deus. Os últimos dez anos em especial
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viram nascer um novo filão literário dedicado a discutir o Divino – aquele mesmo, um Criador Onipotente e Onisciente! – à luz da física e da matemática, da química e da biologia. O culpado, ao que tudo indica, é o físico inglês Stephen Hawking, ocupante da cadeira que foi de Isaac Newton na ultraprestigiosa Universidade de Cambridge e um dos principais teóricos dos buracos negros. Hawking, todo mundo sabe, realizou um milagre digno do Grande Arquiteto Celestial
ao vender mais de dez milhões de cópias de um tratado de cosmologia e astrofísica, denso o suficiente para fritar o cérebro do público leigo. Publicado em 1988, Uma Breve História do Tempo tornouse o mais inesperado best seller da história e até filme virou – não sem antes deixar no ar, bem no parágrafo final, uma sedutora insinuação de casamento entre ciência e religião: “Se chegarmos a uma teoria completa, com o tempo esta deveria ser compreensível para todos
e não só para um pequeno grupo de cientistas. Então, todo mundo poderia tomar parte na discussão sobre por que nós e o Universo existimos... Nesse momento, conheceríamos a mente de Deus.” Aviso importante: Hawking nunca se declarou religioso e usa essa idéia mais como uma frase de efeito, uma metáfora do conhecimento total do Universo. Mas não demorou para outro cientista inglês do alto escalão, o físico Paul Davies, extrair todo um livro – e mais um sucesso comercial
outubro 2013 de arromba! – levando ao pé da letra as palavras do colega. Acolhido com uma chuva de prêmios destinados à divulgação científica, A Mente de Deus (1992) passa em revista a história da ciência e da filosofia para afirmar, com convicção, que tudo no cosmo revela intenção e consciência. Como o próprio Davies resumiu em uma entrevista: “Acredito que as leis da natureza são engenhosas e criativas, facilitando o desenvolvimento da riqueza e da diversidade na natureza. A vida é apenas um aspecto disso. A consciência é outro. Um ateu pode aceitar essas leis como um fato bruto, mas para mim elas sugerem algo mais profundo e intencional.” Estava dada a deixa para uma verdadeira enxurrada de físicos-teólogos atacar o assunto em dezenas de publicações semelhantes, como Ian Barbour, Arthur Peacocke, Hugh Ross, Frank Tipler e Gerald Schroeder. Dessa turma, o mais ativo é o também inglês John Polkinghorne, colega de Hawking no departamento de Física de Cambridge, que – depois de 25 anos de carreira acadêmica brilhante – largou tudo para se ordenar pastor anglicano e escrever seus livros de “cristianismo quântico”. “Eu não abandonei a física porque estava desiludido com ela, muito pelo contrário: continuo acompanhando o assunto com o máximo interesse. Só não faço mais pesquisa científica. Mas boa parte dos meus livros consiste em ensinar física quântica aos leigos”, disse ele à SUPER. “Acredito que precisamos de ambas as perspectivas, a científica e a religiosa, para compreender esse mundo admirável em que vivemos.” Enxergar Deus na inteligência com que a natureza se organiza – manifesta através de leis matemáticas – não é só a porta de entrada da religião para
contemporâneos como Sandage e John Polkinghorne, como uma tradição que vem desde a própria a raiz do conhecimento científico. Nem o ateísmo confesso de Bertrand Russell – lógico, matemático e filósofo reconhecido como um dos pensadores mais brilhantes do século XX – o impediu de valorizar essa linha peculiar de devoção: “A combinação de matemática e teologia, que começou com Pitágoras, caracterizou a a filosofia religiosa na Grécia Antiga, na Idade Média e chegou à modernidade com Kant. Tanto em Platão como em Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Descartes, Spinoza e Leibniz há essa ligação íntima entre religião e razão, entre aspiração moral e admiração lógica do que é atemporal.”
A própria mente humana – acreditam psiquiatras, neurologistas e companhia – guarda talvez mais mistérios que o Universo lá fora. Para quem compartilha
desse espírito pitágorico, o melhor retrato de Deus já não está nas pinturas de Miguelângelo e sim nas fractais – aquelas imagens geradas por equações matemáticas que estão entre as mais incríveis descobertas relacionadas à teoria do caos. Essa nova geometria, até então oculta na natureza, apareceu – entre as décadas de 60 e 70 – tanto nos estudos de variações climáticas realizadas pelo metere-
ologista Edward Lorenz, quanto nas estatísticas visualizadas em computador pelo matemático Benoit Mandelbrot. O que as fractais tanto mostram que, para alguns, adquire um caráter de revelação divina? Que processos aparentemente irregulares como a ramificação de uma árvore, ou o recorte de uma costa marinha, seguem um desenho-padrão que, por sua vez, obedece uma fórmula matemática. Tem mais: a teoria mais aceita para explicar a origem do Universo – a explosão de uma bola de energia – também vale para esses estudiosos como sinal de uma criação intencional e inteligente. Como diz o próprio astrônomo que batizou essa teoria de Big Bang, o inglês Fred Hoyle: “Uma explosão num depósito de ferro velho não faz com que pedaços de metal se juntem numa máquina útil e funcional!” E o que teria existido, então, antes do Big Bang? Os físicos são unânimes em dizer que é impossível saber. Enquanto houver mistérios intransponíveis para a mente humana, idéias de divindade não só sobrevivem, como proliferam – e até são atualizadas cientificamente. Quando Stephen Hawking fala de uma “teoria completa” que nos permitiria conhecer a “mente de Deus”, está se referindo à busca principal da física no século XX: um modelo que unifique a teoria da relatividade, que explica o movimento dos corpos celestes, e a mecânica quântica, que descreve o outro extremo: energia e matéria no nível subatômico. Aqui reside um dos mais chocantes enigmas quânticos: ondas de energia podem se comportar como partículas de matéria e vice-versa. A própria mente humana – acreditam psiquiatras, neurologistas e companhia – guarda talvez mais mistérios que o Universo lá
fora. Como afirma o físico brasileiro Newton Bernardes, da Unicamp, sem nenhuma crença religiosa: “A ciência depende da linguagem. A religião, não. Ela está no campo do indizível e aí temos que abandonar a razão: só resta a fé. Mas pode existir, sim, conhecimento sem linguagem. Essa é uma limitação da ciência.” Enquanto isso, no Instituto de Física Aplicada da USP, Ricardo Galvão pondera a localização exata de um conhecimento sem linguagem: a criatividade, presente tanto nas artes como na ciência mais exata. “A própria teoria da relatividade, é difícil imaginar como o Einstein chegou a ela – não foi por dedução. Idéias científicas precisam ser formuladas matematicamente, mas na hora surgem muitas vezes de um estalo.” E de onde, então, vêm essas magias chamadas intuição e inspiração? Existem hipóteses, é claro, como o inconsciente de Freud. Mas, por enquanto, só Deus sabe! Para saber mais Na livraria: Deus e a Ciência (Dieu et la Science) Jean Guitton, Nova Fronteira, 1991 Deus e a Ciência (Dieu Face à la Science) Claude Allègre, Edusc, 1997 A Mente de Deus (The Mind of God: The Scientific Basis for a Rational World) Paul Davies, Ediouro, 1992 O Tao da Física (The Tao of Physics) Fritjof Capra, Cultrix, 1975 Espaço-Tempo e Além (Space-Time and Beyond) Bob Toben e Fred Alan Wolf, Cultrix, 1982 Belief in God in an Age of Science John Polkinghorne, Yale University Press, 1998
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OS SONHOS DECIFRADOS
Por que sonhamos? Para que serve o sonho? Ninguém até hoje matou a charada. Para desvendar um dos maiores mistérios da mente, neurologia e psicanálise agora caminham juntas. por Texto André Santoro
Já pensou em visitar um lugar em que as leis da física valem tanto quanto uma nota de 3 reais? Onde você pode beijar uma estrela de cinema segundos antes de sair voando, cair e morrer, para levantar em seguida e ir para o trabalho de pijama? Num universo em que a lógica não tem vez, mas tudo parece fazer sentido – até você acordar e não entender nada do que se passou no momento anterior? Você e a humanidade inteira são habitués desse lugar mental – o domínio dos sonhos. Supondo que uma pessoa passe um terço do dia dormindo e ocupe um quinto do tempo de repouso sonhando, ela passa um fim de semana por mês totalmente desligada do mundo consciente. Em uma existência de 75 anos, os sonhos correspondem a nada menos que 5 anos completos. Apesar de termos tanta familiaridade com os sonhos, poucos fenômenos são tão intrigantes quanto eles. Seus mistérios atormentam o homem desde sempre – e ainda não há nenhuma resposta 100% convincente para esses enigmas. Entre os antigos, os sonhos costumavam ser interpretados como mensagens de outros mundos. Com a psicanálise, ganharam destaque como o caminho mais privilegiado para decifrar o inconsciente. Os avanços científicos mais recentes são promissores: graças ao desenvolvimento das neurociências, já foram desvendados alguns mecanismos cerebrais e funções da experiência onírica. Sabe-se, por exemplo, que os devaneios noturnos ajudam, e muito, a consolidar memórias. Nesta reportagem, você vai acompanhar a trajetória do pensamento humano no maravilhoso mundo dos sonhos. Por enquanto, fique de olhos bem abertos e aproveite a viagem.
Ponte para o divino:
Os estudos de Artemidoro, Macróbio e Aristóteles revelam uma preocupação pouco comum entre nossos antepassados. O sonho não era visto como uma produção da mente humana, mas como um fenômeno sobrenatural. A mitologia dos próprios gregos, por exemplo, delega a responsabilidade dos sonhos aos filhos de Hypnos, deus do sono, que por sua vez era irmão gêmeo de Tanatos, deus da morte. Entre os filhos de Hypnos estavam o célebre Morfeu, que trazia os sonhos dos homens; Icelus, que provocava os sonhos nos animais; e Phantasus, que despertava sonhos nas coisas inanimadas. Outro deus relacionado aos sonhos era Esculápio, cultuado em templos aonde as pessoas doentes iam para receber a cura
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divina durante os sonhos. Outras crenças, tanto antigas quanto atuais, atribuem importância ao conteúdo dos sonhos. “A mitologia em que o sonho tem um papel mais fundamental é a das culturas xamânicas”, diz Malena Contrera, especialista em mitologia e professora da Universidade Paulista. Entre algumas, não há distinção entre o sonho e a realidade. No livro O Ramo de Ouro, o antropólogo britânico James George Frazer cita casos como o da tribo macusi, da Guiana: “Um índio doente sonhou que seu patrão o havia forçado a passar com sua canoa por uma série de cataratas e, quando acordou, reclamou que o mestre não teve piedade ao obrigar um inválido a sair e pegar no batente durante a noite”, escreveu Frazer. Também era comum associar os sonhos a mensagens divinas. Em episódios da Bíblia, por exemplo, vários personagens recebem recados de Deus durante os sonhos. No capítulo 41 do Gênesis, José, capturado como escravo no Egito, se apresenta ao faraó como uma espécie de intermediário de Deus. Ele decifra um sonho do soberano, no qual 7 vacas magras devoram 7 vacas gordas. Para José, trata-se de uma mensagem clara: os egípcios deveriam se preparar, pois depois de 7 anos de abundância viriam outros tantos de fome. Só a passagem de todos os anos de escassez bastou para que o hebreu fosse levado a sério – e finalmente nomeado vice-rei do Egito. Pouquíssimo tempo, se comparado à demora da humanidade para adotar uma postura menos mística em relação ao estudo dos sonhos.
De Darwin à psicanálise
As interpretações sobrenaturais dos sonhos perderam força a partir do século 19, quando a ciência começou a se ocupar mais atentamente da questão. Um dos primeiros indícios dessa transformação está no livro A Descendência do Homem, de Charles Darwin, publicado em 1871. Nessa obra, o autor do célebre A Origem das Espécies, de 1859, faz algumas observações sobre a nossa capacidade de sonhar e sugere que não estamos sozinhos no reino de Morfeu. “Cachorros, gatos, cavalos e provavelmente todos os animais superiores, até mesmo as aves, têm sonhos vívidos, o que é mostrado por seus movimentos e pelos sons que emitem. Por isso devemos admitir os cientistas sabem que praticamente todos os mamíferos e aves têm a capacidade de sonhar. Darwin foi contemporâneo de pesquisadores como a psicóloga
outubro 2013 com as cortinas do quarto de hotel onde se encontram). Nas décadas seguintes, a psicanálise foi debatida, modificada e ampliada por vários pesquisadores. Um deles foi Carl Gustav Jung, acolhido inicialmente por Freud como seu discípulo, mas que depois se afastou do mestre e criou sua própria teoria. Inclusive no que diz respeito ao sonhos. “Para Jung, o sonho é um mecanismo compensatório da psique, e a realização de desejos reprimidos é apenas um aspecto dessa compensação”, diz a psicóloga Marion Gallbach, da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Ela dá um exemplo para ilustrar o conceito: “Pessoas na meia-idade que insistem em cultivar a juventude tendem a sonhar com a morte ou com símbolos relacionados ao envelhecimento, como a descida de uma montanha”.
americana Mary Calkins. No artigo Estatística dos Sonhos,licado em 1893, ela apresenta um método usado até hoje: durante o sono, quando seus pacientes começavam a mover algumas partes do corpo, ela os acordava e pedia que relatassem o que estavam sonhando. Calkins descobriu, entre outras coisas, que a maioria dos sonhos acontecia na segunda metade do período de sono e que 89% dos relatos tinham relação direta com os eventos do dia anterior. Houve vários outros estudos sobre os sonhos na segunda metade do século 19, mas eles não fizeram muito sucesso. “Descobertas importantes como essa foram enterradas pelo impacto da psicanálise”, escreveram os
neurologistas César TimoIaria – que morreu no ano passado – e Ângela do Valle, da USP, em artigo publicado em 2004 na revista Hypnos, da PUC-SP. Depois de Freud, de fato, nada seria como antes. O criador da psicanálise inaugurou um novo campo do saber, distinto da medicina, ao publicar A Interpretação dos Sonhos, em 1900 – a data correta é 1899, mas ele pediu ao editor que alterasse o ano para simbolizar sua pesquisa como o marco de um novo século. Depois de elaborar sua teoria sobre o inconsciente, Freud apontou os sonhos como uma “via régia” ou “estrada real” para o conteúdo oculto em nossas mentes. À noite, depois de fechar os olhos, deixa-
mos aflorar os desejos que reprimimos quando estamos acordados. Mas isso não acontece de forma direta. Freud atribui ao sonho um caráter simbólico, formado a partir de dois mecanismos básicos: a condensação e o deslocamento, que servem para distorcer o desejo reprimido – ou recalque, como preferem os psicanalistas – e driblar a censura que nos impomos, no sono ou na vigília. A condensação é um processo de síntese (um sonho relatado em um parágrafo pode render muitas páginas de interpretação) e o deslocamento transfere a importância do tema em destaque para outro sem relevância (um marido infiel pode não sonhar com a amante, mas
Freud atribui ao sonho um caráter simbólico, formado a partir de dois mecanismos básicos: a condensação e o deslocamento, Só assim elas caem na real e começam a perceber que a vida, um dia, vai acabar. Outro conceito difundido por Jung foi o de inconsciente coletivo, que contém representações compartilhadas por todos nós – os arquétipos. “O arquétipo materno, por exemplo, é uma predisposição inata para reconhecer a figura da mãe, mesmo quando nascemos e não sabemos o que é uma mãe”, diz Marion. E o que os arquétipos têm a ver com os sonhos? Para Jung, eles ajudam a explicar alguns fenômenos que, vistos de outro ângulo, podem ser considerados sobrenaturais.
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O ataque científico O ano de 1953 foi especial para a ciência. Em abril, James Watson e Francis Crick anunciaram na revista Nature a descoberta da estrutura do DNA. Em setembro, Nathaniel Kleitman e seu aluno Eugene Aserinsky, da Universidade de Chicago, publicaram um artigo na revista Science que revolucionou os estudos sobre sonhos. Eles descobriram que, durante várias fases do sono, nós mexemos os olhos como se estivéssemos acordados. O fenômeno foi batizado de sono REM, sigla em inglês para “movimento rápido dos olhos”, e passou a ser associado aos sonhos. As conexões entre os neurônios explicavam muita coisa, mas ainda faltava descobrir de onde vinham, afinal, as sensações que passam pela nossa cabeça quando dormimos. E para isso Freud ainda era mais útil do que os neurologistas. Mas não por muito tempo. Em meados da década de 1970, o psiquiatra James Allan Hobson, de Harvard, apresentou um modelo que descartava definitivamente o conteúdo subjetivo dos sonhos. Para ele, o ato de sonhar era o resultado da ação de neurotransmissores que ativavam regiões superiores do cérebro, como o sistema límbico, responsável pelas emoções. Para os pesquisadores que aderiram à causa de Hobson, o sonho era apenas uma seqüência aleatória de imagens geradas pela atividade do nosso cérebro enquanto dormimos. As descobertas de Hobson desferiram mais um golpe contra a psicanálise. Quando o charuto de Freud parecia definitivamente apagado, alguns estudos realizados a partir da década de 1980 reacenderam a discussão. O psiquiatra Mark Solms, da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, fez uma revisão da literatura médica e descobriu 110 casos de pacientes que haviam deixado de sonhar devido a lesões cerebrais. Para surpresa da comunidade
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científica, todos tinham a ponte cerebral intacta e continuavam tendo sono REM, o que jogou por terra a relação obrigatória entre a experiência onírica e os movimentos oculares rápidos. Para Solms, os sonhos são ativados por outras regiões do cérebro, como as que transformam a percepção concreta em pensamento abstrato. Qualquer semelhança com a psicanálise não é mera coincidência. Afinal, você já sabe que um dos mecanismos do sonho, segundo Freud, é a transformação de desejos ou experiências em símbolos que não têm relação direta com a realidade. As descobertas de Mark Solms fizeram com que os psicanalistas e psicólogos colocassem novamente as mangas de fora e abriram caminho para a criação da neuropsicanálise, uma área do conhecimento que tenta aproveitar as descobertas sobre a fisiologia do cérebro para justificar parte das proposições de Freud. “A psicanálise não tem o objetivo de desvendar os mecanismos fisiológicos do cérebro. Isso é função da neurociência. Mas os fenômenos que emergem desses processos físicos são objeto da investigação psicanalítica”, diz o psicanalista brasileiro Yusaku Soussumi, da Sociedade
Internacional de Neuropsicanálise. Afinal, por que sonhamos? A resposta mais honesta seria: ninguém sabe ainda. Mas há várias pistas.
Nos últimos anos, vários artigos têm batido na tecla de que o sono REM – durante o qual, sabe-se agora, ocorrem mais de 90% dos sonhos, mas não todos – é importantíssimo no processo de aprendizado. Fazem parte desse time cientistas como Robert Stickgold, de Harvard, e o brasileiro Sidarta Ribeiro, da Universidade Duke, também nos EUA. Este último vem desenvolvendo uma pesquisa que relaciona a expressão de alguns genes ao processo de formação de memórias. Os resultados do estudo indicam que a fase REM ajuda a consolidar memórias recémadquiridas – sem os sonhos, as informações do dia-a-dia entram por um ouvido e saem pelo outro. TDurante o processo evolutivo, o sonho foi incorporado a algumas espécies, mesmo
representando um risco real. “Ao desligar-se do mundo completamente, o homem e outras espécies podem ser atacados. Mas ainda assim o sono REM se manteve, o que é um sinal de que os benefícios dessa fase do sono superaram bastante os riscos”, diz o neurologista Rubens Reimão, da USP. Há indícios de que o sono REM e os sonhos teriam aparecido há mais ou menos 140 milhões de anos, quando os mamíferos se desenvolveram a partir dos répteis. As aves também têm sono REM, mas com períodos bem mais curtos, de apenas alguns segundos, o que sugere que as espécies de mamíferos – inclusive a nossa – sonham mais do que todas as outras. E para que serve tanto sonho? “O sono REM mais longo nos mamíferos, em especial nos primatas, pode ter relação com a maior plasticidade das idéias”, diz Sidarta Ribeiro. Ou seja, ao sonhar, nos tornamos capazes de fazer novas associações para resolver tarefas simples ou complexas. Um dos desafios atuais das neurociências é o estudo do conteúdo dos sonhos. Afinal, é relativamente fácil colher depoimentos de pacientes, mas olhar o cérebro com uma lupa para descobrir exatamente o que se passa lá dentro ainda é uma utopia. “Não acredito que, nos próximos anos, teremos instrumentos específicos para a análise dos sonhos ou dos pensamentos que ocorrem durante a vigília”, diz o psiquiatra Jerome Siegel, da Universidade da Califórnia em Los Angeles. Enquanto isso, dá para arriscar um palpite sobre um futuro em que as pessoas possam controlar o enredo dos próprios sonhos. Há quem creia que isso seja possível agora: o psicólogo americano Stephen LaBerge organiza workshops de indução de sonhos lúcidos por meio da meditação, do relaxamento e da ioga, ante o horror da comunidade científica “séria”. Sonhar não custa nada.
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24 REGRAS DA ETIQUETA DIGITAL Você fala mais com os dedos do que com a boca. Tem mais amigos no Facebook do que na faculdade. Conta mais piada no Twitter que no bar. A tecnologia está no centro das relações sociais. Mas como se comportar? por Felipe Van Deursen e Bruno Garattoni
1. Amo meu smartphone. Mas ele é meio grande, aperta o bolso da minha calça - e não consigo ouvi-lo quando está dentro da minha mochila. Posso colocá-lo sobre a mesa do bar ou do restaurante? Se for um almoço ou jantar formal, nem pensar (compre uma calça maior, um aparelho auditivo ou então, melhor ainda, desligue o aparelho). Quando você estiver no bar com seus amigos, vá lá. Mas é meio brega. Faz tempo que celular não é mais símbolo de status - e, a menos que a mesa seja formada por programadores, ninguém está interessado nos aplicativos que você baixou. 2. Liguei para uma pessoa e ela não atendeu. Deixo recado ou mando SMS? Mande SMS. As estatísticas mostram que, desde 2009, as redes de celular têm mais tráfego de dados que de voz. Ou seja, a caixa postal é um artefato do século 20: lento, caro e invasivo. Só use em último caso, em recados formais (para seu chefe, sogro, médico etc.). Ou se você quiser dar uma de stalker. 3. Choque elétrico, arrancamento de unhas, afogamento simulado. Nenhuma dessas torturas se compara às reuniões da minha empresa: estou preso numa há 3 horas, e quero me matar. Posso buscar alegria no mundinho mágico do meu smartphone? Não busque alegria. Busque conhecimento. Brincadeira. Bem, se os outros estiverem usando seus aparelhos, pode até ser. Tudo depende da idade média das outras pessoas. “Se para os chamados babyboomers (pessoas com mais de 45 anos) isso pode ser grosseiro, para os membros da geração Y (gente
com menos de 30 anos) o indelicado é não responder um SMS em 5 minutos”, afirma Marcelo Coutinho, diretor do Terra América Latina. 4. Ligam pra mim no meio dessa reunião super legal. É imporatante. O que faço? Escolha uma das alternativas abaixo. A. Ignore a chamada e desligue o celular. B. Saia para atender, mas volte rapidinho. C. Saia para atender, mas fique meia hora enrolando. D. Coloque no viva-voz e peça a outra pessoa para dar pitaco na reunião. Resultados Se você respondeu A, ganhou pontos com o chefe - mas perdeu a chance de recuperar a sanidade mental por alguns minutos (o que seria proporcionado pela opção B). A alternativa C só serve para pessoas folgadas extremamente criativas: se você voltar do passeio com uma boa ideia para apimentar a reunião, por que não? Opção D? Prepare-se para ser tachado de louco - ou gênio das estratégias corporativas (qual patrão não adoraria os insights do seu tio do interior?). 5. Estou numa peça de
teatro insuportável. Tudo bem passar o tempo respon¬dendo umas mensagens no celular? Quando você for a um programa potencialmente chato, tipo palestra motivacional ou peça do Gerald Thomas, tome as precauções necessárias: coloque o brilho do visor no mínimo, para poder ligá-lo sem dar muita bandeira. Se você tiver seguro do aparelho, melhor ainda - Thomas já chegou a arrancar o celular da mão de um espectador. 6. Quero dar unfollow em alguém. Como fazer isso sem criar um clima ou ganhar um inimigo? Se você der unfollow, a pessoa vai perceber - existem plug-ins para Twitter e Facebook que alertam sobre esse gesto inamistoso. Existe uma solução melhor. Instale o Tweetfilter, que é um acessório para o navegador Google Chrome e permite ocultar os tweets de uma pessoa sem dar unfollow nela. No Facebook, clique no pequeno “X” que é exibido ao lado do comentário mala - e aparecerá uma opção que permitirá ocultar todas as atualizações daquela pessoa.
7. Posso usar ringtones personalizados? Pode, desde que você evite o ridículo do óbvio (ou o óbvio do ridículo). Como lembra Luiz Yassuda, colaborador do site de tendências Brainstorm #9: “Colocar o tema do plantão da Globo como toque personalizado para a mulher é muito manjado”. Também não valem: - Funk, Charm e pancadões do tipo. - Clássicos de Justin Bieber, como “Baby”. - Música-tema de Super Mario Bros. Ser nerd é legal, mas sem exageros. - Coisas tipo “Ô ADRIANO, TÁ ME OUVINDO?” ou qualquer piada ligada ao Pânico na TV e similares. Prefira A Praça é Nossa. 8. Posso escutar música no trabalho como se não houvesse amanhã e o chefe estivesse em Aruba (mesmo ele estando do meu lado)? Claro. Um estudo da Universidade de Illinois constatou que ouvir música no trabalho aumenta a produtividade média das pessoas em 6,3%. Mas, para não ficar totalmente alheio ao que se passa no escritório, instale o aplicativo Awareness. 9. Meu colega não tira os fones de ouvido. Só que eles vazam o som e sou obrigado a ouvir as músicas dele, na forma de chiadinho, o dia inteiro. Descubra a data de aniversário da pessoa e presenteie-a com um fone do tipo in-ear - são aqueles modelos com ponta de borracha, que ficam enfiados no canal auditivo e por isso não deixam o som escapar. Custam em média R$ 60.
10. Assinei um plano de internet mega rápido.
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MAGAZINE Posso compartilhar a conexão com o pessoal do meu prédio? Por mais que você esteja com megabytes sobrando, é melhor não. Em fevereiro, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) multou em R$ 3 mil um internauta de Teresina que compartilhava sua conexão com mais 3 pessoas. Os contratos dos serviços de banda larga proibem o compartilhamento. 11. Adoro encaminhar correntes de e-mail e arquivos de PowerPoint com mensagens edificantes. Posso? Se você tem mais de 50 anos, pode mandar para seus filhos e sobrinhos. Se não, não. 12. Meu vizinho deixou A rede Wi-Fi aberta sem querer. Oba! Posso usar? Se a sua vida depender disso... Mas não digite senhas de sites como Gmail, Twitter ou Facebook. E não baixe nada: fazendo downloads, você poderá estourar a cota de tráfego (limite imposto por serviços como o Vírtua) do vizinho. 13. Como devo batizar a minha rede? O nome da sua rede Wi-Fi pode ser visto por todo mundo num raio de até 100 metros. Não use seu próprio nome ou sobrenome, pois é exposição demais. E evite termos relacionados a futebol, pois eles podem atrair hackers que torçam para outros times (invadir uma rede Wi-Fi é muito mais fácil do que você imagina). Use um nome neutro, que não chame a atenção. 14. E a senha? Um dia, as visitas vão querer usar o Wi-Fi na sua casa - e você terá de compartilhar a senha com elas. Não repita as senhas que você já utiliza para outros serviços, como Gmail e Facebook, e evite coisas que possam ser constrangedoras (na linha
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“rickfofucho33”). 15. Escrevi uma grande besteira no Twitter. Apago ou ignoro? Se você se der conta rapidamente, apague. Mas, se o tuit foi escrito há mais de 10 minutos (ou se você tem muitos seguidores), não adianta deletá-lo: com certeza alguém já viu, e sua tentativa de eliminar a mensagem chamará mais atenção para ela. Escreva 4 ou 5 tweets sobre outros assuntos, para que a mensagem infeliz seja jogada para a parte de baixo da tela. Se mesmo assim der confusão, peça desculpas e siga em frente. 16. DM or not DM? “@rogério Vamos nos encontrar no bar hoje?” Twitter não é lugar de chat. Se você quer falar com uma só pessoa, use o recurso de Direct Message (ou serviços como o Twee.li, que adiciona um mensageiro instantâneo no Twitter). Não atormente seus seguidores com mensagens que não dizem respeito a eles. 17. “Fulano convidou você para fazer parte do Sonico/Hi5/Quora (ou qualquer outra rede social que você não usa nem quer usar)”. E agora? Se o autor do convite é seu amigo, e se deu ao trabalho de escrever uma mensagem personalizada, é de bom tom adicioná-lo. Já se você receber apenas um convite padronizado, gerado pelo próprio site, pode ignorá-lo (seu amigo provavelmente convidou dezenas de pessoas e nem vai perceber). 18. Passei Photoshop na foto do meu perfil no Facebook. Pode, Arnaldo? Dar um tapa no contraste e nas cores não vai matar ninguém. Só não faça como Paula Leite, a participante do BBB 11 que afinou a própria cintura
numa foto de praia. “Quem abusa ganha o apelido de beleza thumbnail ”, diz Vitor Guerra, da agência Ideia S/A. Também não coloque uma foto em que o seu rosto aparece meio de lado. Todo mundo sabe que isso é um truque para parecer mais magro. 19. Devo preencher campos como esportes, filosofia e religião no perfil do Facebook? Sim. Mas evite coisas radicais ou polêmicas - 70% das empresas olham o Facebook dos candidatos a emprego. 20. Meu amigo está entulhando meu Facebook com atualizações de Mafia Wars, Farmville e outros joguinhos. Instale o Facebook Purity (www.fbpurity.com), que elimina automaticamente todas as menções a esses games. 21. Quero ver um filme muito raro, que não existe em DVD - só nos downloads ilegais. Posso baixar? Não deveria. Mas, ao fazer isso, você não está roubando dinheiro do artista (pois o filme não está à venda). E até ajuda, pois chama atenção para a obra dele. 22. Não entro no Orkut há um tempão. Devo me suicidar? Não! A vida sempre vale a pena. Agora, se você está se referindo a seu perfil no Orkut: deletar a conta dá mais trabalho do que simplesmente deixá-la parada lá. E, segundo o Ibope, o Brasil ainda tem 43 milhões de usuários no Orkut sempre pode aparecer um amigo ou conhecido por lá. 23. Amo minha carametade. Estamos juntos na foto do perfil. Tudo bem? Não. A não ser que vocês queiram ser vistos como se fossem gêmeos siameses
na rede social, é melhor cada um ter seu perfil. Sempre haverá assuntos a ser tratados só com o Michel, não com o “Michel & Vania Forever <3”. 24. Estou fazendo o upload das fotos da festa de ontem. Devo ou não taguear (marcar) meu amigo numa foto em que ele está desmaiado de tanto beber? Melhor não. Se a foto for mesmo embaraçosa, nem publique: mande antes por e-mail para o seu amigo e peça permissão a ele. Também cheque o que você realmente está subindo. “Uma conhecida postou uma foto de suas cachorras e digitou a legenda Os dois monstrinhos . Mas, na verdade, era uma imagem das nádegas dela”, diz Gil Giardelli, coordenador da ESPM e especialista em redes sociais. Para saber mais The Essential Guide to Social Media Brian Solis, 2008.abr.io/ NQR
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