TFG - Plano Urbano Jaraguá

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PLANO URBANO JARAGUÁ


Trabalho Final de Graduação Campinas, Dezembro de 2018 Ana Carolina Gonçalves Beatriz Aburad Jardim Beatriz Graboschi Daiane Hernandes Fernanda Malerba Letícia Taverna Papa Mariana Yumi Shimura Marina Cozar Zolio Orientado pelo Prof. Dr. Claudio Manetti Banca examinadora: Leandro Schenk Luís Fernando Campanella

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Pontifícia Universidade Católica Centro de Ciências Exatas, Ambientais e de Tecnologia Faculdade de Arquitetura e Urbanismo


agradecimentos

Ha’vete Um projeto urbano coeso trata a coletividade como essência, e a coesão do Jaraguá nada seria sem a complexidade e beleza que a diversidade etnica, social e racial envolve. Ha’vete em mbya guarani é obrigada, agradecer a partir dessa língua é representar no mais puro o que os povos originários nos ensinaram ao longo desses meses, especialmente a Sônia Ara Mirim, Márcio Mendonça e Thiago Carvalho Wera’i. A Marinaldo Gomes Pedrosa, João Paulo Rodrigues, Rafael Gonçalves Benevenuto, Nicolaos Argyrios Mitsiotis, Dandara Ceconi, Mario Sonoda e Alexandre Sonoda, Sandro Indaíz e todos do Salve Kebrada toda gratidão pelas horas de conhecimento trocados. A Ana Paula Giardini Pedro, Ana Paula Farah, Jane Victal Ferreira pela disposição. A Mônica Manso e Fábio Boretti por acreditar em uma cidade mais inclusiva. Em especial a Cláudio Manetti por acreditar nos anseios de cada aluna orientada. A todos os participantes que responderam a pesquisa, e aos amigos e familiares que fizeram parte do processo:

Ha’vete!

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RESUMO

“NHANDEREKÓ: Nhanderekó é como nós, guarani mbya, chamamos o que o juruá chama de cultura, mas nhanderekó para nós é mais do que isso. É todo o nosso modo de ser, o nosso modo de viver, o jeito como nós educamos nossos filhos e nossas filhas, como enxergamos o mundo, como nos relacionamos com a nossa espiritualidade. É impossível para o juruá entender o que é nhanderekó, porque somente vivendo é que se compreende o que ele é. Mas nós queremos que juruá aprendam mais sobre a nossa cultura – sobre o nhanderekó – pra que diminua o preconceito que eles têm.” (Comissão Guarani YVYRUPA*)

A ocupação do território brasileiro tem origem com os povos indígenas que, devido suas crenças e tradições, vivem em harmonia com a natureza e seu ecossistema. Durante o processo de urbanização, intervenções intensas foram submetidas ao meio ambiente, de forma a adaptá-lo conforme as necessidades do homem não indígena, ocasionando grandes desmatamentos, esgotamento dos recursos naturais, poluição dos recursos hídricos, escravização de povos indígenas e de origem africana em prol dos interesses dos colonizadores. Como o modelo de desenvolvimento urbano do território brasileiro se dá em prol dos interesses político, sócio e econômicos de uma minoria, as formas de cidade resultam em um sistema excludente e com um panorama complexo, constituído pela resistência cultural dos povos desvalorizados, precariedade urbana ocasionada pela expansão desordenada das cidades e os altos custos de vida e das infraestruturas urbanas, fragmentação da malha urbana por barreiras físicas naturais ou artificiais das ações antrópica. Visto isso, as problemáticas enfrentadas no trabalho consistem nas pressões urbanas do mercado sobre áreas periféricas, onde existem núcleos culturais de resistência e, particularmente no Jaraguá, como o potencial Imagem 01: Croqui território indígena. 3 ambiental do território é negligenciado perante as gestões urbanas. Fonte: Acervo pessoal.


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ÍNDICE

Introdução.....................................................................................................07 Levantamentos e diagnósticos.........................................................................09 Área de estudo....................................................................................... 10 Escala metropolitana..............................................................................11 -Recursos Naturais................................................................... 12 -Sistema Viário......................................................................... 16 -Síntese.................................................................................... 21 Escala regional....................................................................................... 23 -Contexto histórico.................................................................. 24 Escala distrito......................................................................................... 31 Meio ambiente........................................................................ 32 Sistema viário.......................................................................... 34 Questão indígena e fragmentação do território...................... 36 Formas de ocupação............................................................... 38 Síntese..................................................................................... 43 Vivência e Pesquisas................................................................ 45 Plano Urbano Jaraguá.................................................................................... 51 Premissas............................................................................................... 52 Metodologia.......................................................................................... 53 Meio ambiente...................................................................................... 54 Sistema viário e mobilidade.................................................................. 56 Formas de Ocupação............................................................................. 58 Síntese................................................................................................... 60 Setorização............................................................................................ 62 -Setor A................................................................................... 64 -Setor B................................................................................... 66 -Setor C................................................................................... 68 -Setor D................................................................................... 70 -Setor E................................................................................... 72 -Setor F................................................................................... 74 -Setor G ................................................................................. 76 O Plano................................................................................................. 78 Propostas de gestão territorial............................................................. 80 Projetos Estruturadores........................................................................ 81 Bibliografia..................................................................................................... 82

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Imagem 01: Croqui índio.................................................................................... 02 Imagem 02: Vista geral Jaraguá.......................................................................... 06 Imagem 03: Vista geral Jaraguá.......................................................................... 09 Mapa 01: Escala metropolitana.......................................................................... 11 Mapa 02: Recurss Naturais................................................................................. 13 Mapa 03: Topografia........................................................................................... 15 Mapa 04: Estradas coloniais............................................................................... 17 Mapa 05: Sistema viário..................................................................................... 19 Mapa 06: Síntese metropolitana........................................................................ 21 Mapa 07: Escala regional................................................................................... 23 Mapa 08: Séculos XVI e XVII.............................................................................. 26 Mapa 09: Séculos XVII eXVIII............................................................................. 27 Mapa 10: Século XX........................................................................................... 28 Mapa 11: Século XXI.......................................................................................... 29 Mapa 12: Escala distrito.................................................................................... 31 Mapa 13: Meio ambiente.................................................................................. 33 Imagem 04: Relação ocupação com Rod. Bandeirantes.................................... 34 Mapa 14: Sistema viário.................................................................................... 35 Mapa 15: território indígena estado de São Paulo............................................ 36 Mapa 16: território indígena Jaraguá................................................................ 37 Mapa 17: Formas de ocupação......................................................................... 39 Mapa 18: Vulnerabilidade social....................................................................... 41 Mapa 19: Síntese distrito................................................................................... 43 Imagem 05: Casarão Afonso Sardinha............................................................... 45 Imagem 06: Vista malha urbana........................................................................ 45 Imagem 07: Croqui Dona Sônia Ara Mirim........................................................ 46 Imagem 08: Pico do Jaraguá.............................................................................. 46 Imagem 09: Espaços coeltivos aldeia Tekoa Ytu................................................ 46 Imagem 10: Apicultura das aldeias.................................................................... 46 Imagem 11: Gráficos de pesquisa-01.................................................................. 47 Imagem 12: Gráficos de pesquisa-02.................................................................. 48 Imagem 13- Gráficos de pesquisa-03................................................................. 49 Imagem 14: Vista geral Jaraguá.......................................................................... 51 Mapa 20: Meio ambiente proposta.................................................................... 55 Mapa 21: Sistema viário proposta...................................................................... 57 Mapa 22: Formas de ocupação proposta........................................................... 59 Mapa 23: Síntese Plano...................................................................................... 61 Mapa 24: Setorização recorte............................................................................ 63 Mapa 25 ao 31: Setores A, B, C, D, E, F e G........................................................ 65-77 Mapa 32: O plano............................................................................................... 79 Mapa 33: Projetos estruturadores...................................................................... 81

lista de imagens

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introdução

Imagem 02:Vista geral Jaraguá. 7 Fonte: Acervo pessoal.

“Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa ideia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los? Cada pedaço desta que terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho. Os mortos do homem branco se esquecem sua terra de origem, quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia, são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do potro, e o homem - todos pertencem à mesma família. Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós. O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil. Esta terra é sagrada para nós. A água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem se lembrar de que ela é sagrada, e devem ensinar as suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais. Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão. Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção da terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra tudo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou enfeites coloridos. Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto. Eu não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não compreenda. Não há um lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo. O ruído parece insultar nossos ouvidos.” (Chief Seattle, líder das tribos Suquamish e Duwamish, atual estado de Washington, EUA.)


Ao resgatar a urbanização brasileira, é possível entender o caminho percorrido para alcançar o surgimento das cidades através das grandes linhas de força e interesses que permitiram o desenvolvimento social, político e econômico do Brasil. O resultado alcançado acarretou em negatividades durante todo o processo de desenvolvimento, tais como a exploração de recursos naturais, minerais e do trabalho braçal, desvalorizando e escravizando os nativos do território (indígenas) e outros povos de origem africana, trazidos através do tráfico negreiro, em prol dos interesses dos colonizadores europeus. Desde o Período Colonial até atualmente, os interesses dos que concentram poder prevalece nas intervenções no território, fragmentando as unidades ambientais e urbanas, desequilibrando o ecossistema e alterando suas condições e intensificando as desigualdades sociais dentro da malha urbana. A problemática escolhida para enfrentamento no projeto parte das Pressões Urbanas recentes (estabelecidas pelo Mercado) sobre as áreas de transição, onde existem núcleos culturais de resistência e áreas de proteção ambiental importantes no ecossistema em grandes escalas. Abordando, conjuntamente, questões como a precariedade urbana, suporte e desenvolvimento humano, lidando justamente com as Estruturas de Força sobre as resistências culturais, como os indígenas e quilombolas; fragmentação do tecido urbano, desconexão da mobilidade na cidade como unidade e a questão do impacto ambiental decorrente da atividade econômica, expansão urbana, desmatamentos e ocupações irregulares em áreas de risco e proteção ambiental. Direcionando para o distrito do Jaraguá como área de estudo, localizado na Região Noroeste da cidade de São Paulo, por abranger as questões abordadas acima, além de outras fragilidades e potencialidades 8 que serão citadas no decorrer deste caderno.


levantamento e diagnรณsticos

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Imagem 03: Vista geral Jaraguรก. Fonte: Acervo pessoal.


área de estudo

A área do Jaraguá possui uma topografia acidentada com importantes reservas naturais, que fazem parte da Reserva da Biosfera, cortadas por grandes eixos de transporte, os quais a Rodovia Anhanguera, Rodovia Bandeirantes, Rodoanel Mário Covas, Rodovia Deputado Raimundo Pereira de Magalhães (Estrada Velha de Campinas) e a Estrada de Ferro SP Railway (atual Linha 07 – Rubi, da CPTM). A região passou pelo processo tradicional de urbanização do Brasil: chegada dos bandeirantes em terras antes habitadas pelo povo Guarani, exploração do ouro local até alcançar seu total esgotamento, transição para a economia do café e da cana-de-açúcar e fundação de aglomerados urbanos em torno das estações ferroviárias que alimentavam a economia de grandes produções agrícolas, seguindo com a implantação de indústrias, até ser denominado como distrito. Devido sua forma de urbanização movida por interesses externos, a pele urbana foi se constituindo de forma fragmentada pelas grandes barreiras do sistema do transporte e do relevo, além de ser constituído por um povoado diversificado dado sua história, repleto de culturas, sejam elas nativas do território, de outros países ou regiões do Brasil, que mantiveram forte sua cultura ou que foram se adaptando com o passar do tempo e modo de vida imposto pelos sistemas de desenvolvimento. Em decorrência à atividade econômica praticada na região, iniciada pela mineração de ouro e outros minerais e, seguindo pelas grandes monoculturas de produção, o solo da região foi tornando-se improdutivo ao longo dos anos. Durante a fase da industrialização, atividades como pedreiras, indústrias e aterros sanitários foram instaladas na região, atingindo diretamente os recursos naturais e o equilíbrio ambiental da região não somente do Jaraguá, mas de uma área mais ampla devido a presença de importantes recursos hídricos como o Rio Tietê e seus afluentes. Definindo, portanto, a região do Jaraguá como uma amostra metropolitana, em se tratando das diversas questões presentes que compõe fragilidades e potencialidades à área de estudo e, devido sua escala, possibilitando planos e projetos que busquem minimizar as questões negativas, maximizar as questões positivas e valorizar as culturas ali presentes. 10


Escala metropolitana

Para compreender melhor a inserção da área de estudo, foram realizados levantamentos em três diferentes escalas, sendo a primeira a escala metropolitana na qual é possível analisar as grandes linhas de força e as características geográficas, como o relevo, a vegetação e os recursos hídricos; que atravessam e influenciam a ocupação da região do Jaraguá. Portanto, as propostas do plano urbano levam em consideração as características territoriais constatadas em todas as escalas, uma vez que o Jaraguá está presente em um sistema local, regional e, até mesmo, nacional. É necessário para a compreensão do contexto, a indicação de três grandes cidades que criam impacto nesta escala, sendo elas, Jundiaí, São Paulo e Santos. Possibilitando a compreensão da região de forma mais 11 ampla, uma vez que abrangem desde o litoral paulista, passando pela região metropolitana de São Paulo e indo sentido ao interior paulista.


As cidades apontadas na escala regional conformam a bacia hidrográfica do Paraná e do Atlântico Sudeste (ao litoral), apresentam grandes reservatórios que abastecem essas regiões, entre eles os reservatórios Billings, Guarapiranga, Pedro Beicht, Taiçupeba, Jundiaí, Biritiba-Mirim, Atibainha, Paiva Castro, Rasgão e Edgard Souza - sendo os principais nesta escala. Além dos reservatórios, podemos destacar alguns rios, tais como o Tietê, Pinheiros, Juqueri, Ipiranga, Aricanduva, Tamanduateí, Jundiaí e Taiçupeba. Nota-se que a mancha urbana se aproxima dos recursos hídricos, de forma a alterar, poluir e/ou impedir sua passagem natural. Desta forma, esses recursos naturais sofrem pressão constante em relação às expansões da cidade e da população que, muitas vezes, ocupam áreas impróprias. Nota-se como intervenção antrópica o estrangulamento dos reservatórios e dos rios e sua repercussão aos possíveis meios de contenção, valorização desses recursos e de forma a proteger as bordas de preservação hídrica, a fim de conservar o meio ambiente natural. A formação geológica da região compreende as Planícies Litorâneas, marcadas pela Serra do Mar e com extensão até o Planalto Atlântico, formado por terrenos predominantemente cristalinos e com a presença de superfícies intensamente acidentadas, com sucessivas escarpas de planalto denominadas Mares de Morros: formado pela Serra da Cantareira, presente na região Metropolitana de São Paulo e a Serra do Japi, em direção ao interior paulista. A malha urbana é definida principalmente pela topografia natural da região em que se instala, uma vez que os planaltos são mais propícios à ocupação, tornando as cristas da topografia uma barreira à expansão urbana – motivo pelo qual a maioria das áreas de reserva da paisagem nativa se encontram em locais de topografia mais acidentada É possível notar na Escala Regional a presença de grandes áreas verdes, qualificadas Unidades de Conservação (UC). Denominadas pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), constituídas na Lei n° 9985/2000, as UC foram criadas com o objetivo de preservar os remanescentes de Mata Atlântica no Estado de São Paulo. Com exceção da Reserva Estadual da Serra do Japi e do Parque Municipal Anhanguera e, incluindo o Horto de São Paulo e o Parque Estadual do Jurupapa, as áreas verdes se conformam de modo a circundar a macro metrópole paulista, dando origem ao Cinturão Verde da cidade de São Paulo e compondo a Reserva da Biosfera: um instrumento de conservação criado pela UNESCO a fim de incentivar soluções para o desmatamento, poluição, efeito estufa e contaminação de rios e nascentes ocasionados pelo crescimento acelerado das cidades. A região do Jaraguá significa, em Guarani, “Senhor do Vale”, devido à topografia acidentada do território, além da potencialização a respeito da importância da preservação, uma vez que a região apresenta muitas nascentes. Também é no Jaraguá em que se localiza o maior ponto de altitude da capital paulista, considerado um marco na paisagem desde o período pré-colonial, denominado Pico do Jaraguá, com uma altitude de 1.135 metros, que se encontra dentro do “Parque Estadual do 12 Jaraguá”.

recursos naturais


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sistema viário Antes da colonização pelos povos europeus, os povos indígenas utilizavam os marcos da paisagem natural, a orientação e posição do sol e os astros para locomover-se no território. Através da análise e percepção de elementos do relevo já destacados, os indígenas deslocavam-se pelo território através de caminhos seguindo os cursos de água ou por fendas no relevo nas grandes formações geológicas, permitindo a conexão do território no sentido Norte-Sul e Leste-Oeste. Com a chegada dos bandeirantes e a exploração do território, via-se a necessidade da criação de caminhos comerciais com objetivo de conectar o interior do território com o litoral, para escoamento e exportação dos produtos extraídos e/ou cultivados na colônia. Para a definição desses caminhos, os bandeirantes utilizavam, muitas vezes, os caminhos já utilizados pelos indígenas. A ocupação decorrente da colonização do Brasil deu início à urbanização do território, através da instalação de grandes fazendas de monoculturas de produção, vilas e aldeias. A alta produção agrícola demandava um escoamento mais rápido e com menos perdas pelo percurso, acarretando na construção da Estrada de Ferro SP Railway que interligava o Porto de Santos com as produções de São Paulo e Jundiaí, inaugurada em 1867. Esse processo de desenvolvimento econômico através das grandes produções e presença do eixo ferroviário trouxeram uma intensificação na ocupação das glebas próximas às estações, contribuindo para o processo de urbanização das cidades. Ao tratar da implantação das vias de conexão territorial mais modernas, como as rodovias, em alguns casos essas novas vias foram feitas sobre antigas trilhas indígenas devido à demanda de fluxos, como é o caso da Rodovia Anhanguera. Tanto a Rodovia Anhanguera (SP-330) quanto a Rodovia Bandeirantes (SP-348) são consideradas corredores financeiros do país por conectar o território no sentido Norte-Sul, comportando tráfego pesado com intensa presença de caminhões e criando um sistema viário comercial até os pólos de importação e exportação do país, como o Porto de Santos e o Aeroporto Internacional de Viracopos. Em conjunto a este sistema, encontra-se o Rodoanel Mário Covas, grande ponto modal de distribuição de fluxos para os demais estados (ver mapa xx, pág. xx). Essas Rodovias são classificadas como Classe 0, as quais possuem um controle total sobre seu acesso, contribuindo numa distribuição mais efetiva dos fluxos, ao mesmo tempo em que tornam-se barreiras na escala local e 16 criam relações predatórias com a paisagem natural.


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Escala regional

A escala regional busca analisar as grandes estruturas e equipamentos que conformam o território em uma escala mais próxima da área de estudo, traçando uma metodologia de aproximação e conhecimento da área. Nesta escala, tem-se a localização dos principais rios, importantes fatores para o desenvolvimento dos aglomerados urbanos e, assim, da região. Alem disso, é possível compreender as relações de mobilidade urbana e a organização dos grandes equipamentos de abrangência regional, 23 explicitando a importância do distrito Jaraguá no contexto.


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Escala DO DISTRITO

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Na escala do distrito do Jaraguá, a última escala de análise, é possível compreender como as grandes estruturas metropolitanas influenciam o desenho urbano e a distribuição dos equipamentos na escala local, podendo reafirmar a questão da fragmentação do território e os vetores de pressão urbana que ordenam o crescimento da cidade. A proximidade com a área de estudo torna as análises mais específicas e minuciosas, e, a partir da conclusão delas, direcionam para um recorte de intervenção coerente que explicitam as potencialidades e conflitos existentes.


Através do mapa de Uso e Ocupação do Solo gerado pela Prefeitura Municipal de São Paulo em 2016, demarca-se dentro da malha urbana, as áreas previstas para preservação ambiental, com o intuito a garantir a conexão da fauna e flora, a qual interliga as grandes áreas de reserva regionais: Parque Estadual do Jaraguá, Parque Municipal Anhanguera e Parque Estadual da Serra da Cantareira, criando um grande sistema estruturador de áreas livres. As zonas destacadas foram: 1. ZPAM: Zona de Proteção Ambiental – destina-se prioritariamente à conservação ambiental, ao uso sustentável dos recursos naturais, admitindo uso residencial de baixa densidade construtiva e populacional, bem como atividades de recreação e lazer da população. 2. ZEP: Zona Especial de Preservação - porções do território destinadas a parques estaduais considerados unidades de conservação, parques naturais municipais existentes e outras Unidades de Conservação de Proteção Integral, existentes e que vierem a ser criadas no Município, tendo por objetivo a preservação dos ecossistemas e permitindo apenas a pesquisa, o ecoturismo e a educação ambiental. É exigido a observação do plano de manejo de cada unidade de conservação. 3. ZPDS: Zonas de Preservação e Desenvolvimento Sustentável - porções do território destinadas à conservação da paisagem e à implantação de atividades econômicas compatíveis com a manutenção e recuperação dos serviços ambientais por elas prestados, em especial os relacionados às cadeias produtivas da agricultura e do turismo, de densidades demográfica e construtiva baixas. 4. AC-2: Clubes de Campo e Clubes Náuticos; A partir da sobreposição do mapa de hidrografia, observa-se com frequência cursos d’água e/ou fundos de vale que não possuem mata ciliar, ou uma encosta significativa que garanta sua preservação. Ao norte do recorte, a Favela do Saad, Favela da Oduvaldo e a Favela do Donária se encontram instaladas em cima do leito de um córrego que deságua no rio Juquery. Além disso, dentro dos limites do distrito, são pontuadas cinco pedreiras, sendo quatro ainda em funcionamento e dois aterros sanitários já com a capacidade completa. Vale ressaltar que, através da pesquisa realizada com os moradores da região, 83,3% das pessoas que responderam ao questionário não concordam com as atividades de extração mineral dentro do distrito. E 67,8% gostariam que o funcionamento das pedreiras chegasse ao fim. Essas áreas são demarcadas como ZPDS. Existe uma grande gleba com cerca de 500 hectares, ao sul do distrito, marcada pela presença de grande quantidade de nascentes e remanescentes da Mata Atlântica, as quais são, contraditoriamente, sobrepostas por uma linha de alta tensão que atravessa a área longitudinalmente. Atualmente, a gleba é utilizada por um clube de campo particular (Jaraguá Clube Campestre) e um centro de formação de soldados. Além disso, as previsões para área, de acordo com o plano diretor vigente, garantem que parte da área está destinada ao uso misto, junto a extensão da linha 06 (laranja) do metrô, com uma 32 estação prevista para região.

meio ambiente


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SISTEMA VIÁRIO

Imagem 04: Relação das formas de ocupação com a Rov. Bandeirantes. Fonte: Acervo pessoal.

A terceira escala de aproximação, a do distrito, reafirma a fragmentação do território através das grandes estruturas metropolitanas de mobilidade, sendo elas as rodovias Anhanguera e Bandeirantes, a ferrovia que executa a linha 7 da CPTM, o Rodoanel Mário Covas e a antiga estrada de ligação entre São Paulo e Jundiaí, que recebe atualmente o nome de Avenida Raimundo Pereira Magalhães. É importante notar que, apesar do fracionamento do distrito por estas grandes estruturas, existem poucas conexões transversais ou transposições capazes de vencer essas barreiras, fato que dificulta o entendimento do distrito como uma unidade territorial e o acesso entre fragmentos. Vale destacar que a Estrada Turística do Jaraguá e a Estrada de Taipas são as mais importantes vias que exercem esta função dentro do distrito. Um estudo mais específico do sistema viário do Jaraguá, através do levantamento dos fluxos e do itinerário do transporte de massa, revelou a ausência de uma hierarquia bem definida de vias, pois todas recebem ao menos uma linha de ônibus, indicando que os pontos não ficam concentrados nas vias com maior demanda de fluxos. Os principais destinos do transporte público feito por ônibus são o bairro da Lapa, em São Paulo e o Terminal de Pirituba, o único da região. Para quem sai de Perus ou do próprio Jaraguá com destino final neste terminal, a Avenida Raimundo Pereira Magalhães apresenta-se como importante corredor. Vale dizer que, em geral, todas as vias, sejam elas de maior ou menor demanda de fluxo, apresentam precariedade de infraestrutura. Devido às condições topográficas do Jaraguá, são muito sinuosas, estreitas ou ainda com declividades muito acentuadas. As calçadas, quando existentes, são também estreitas e precárias, o que compromete a instalação de abrigos 34 para pontos de ônibus.


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QUESTÃO INDÍGENA E FRAGMENTAÇÃO DO TERRITÓRIO

A T.I. Jaraguá localizase dentro do Parque Estadual do Jaraguá e, devido à fragmentação das grandes áreas verdes por conta do tecido urbano e das grandes estruturas viárias, os índios guaranis acabam isolados apenas na área do Parque Estadual do Jaraguá. Considerada a menor Terra Indígena América Latina, a T.I. Jaraguá conta com uma área de 1,7 hectares e é composta por seis aldeias, sendo elas a Tekoa Pyau, Tekoa Itakupe, Tekoa Ita Wera, Tekoa Ita Endy, Tekoa Yvy Porã e a Tekoa Ytu, possui uma média de 800 indígenas atualmente. Em maio de 2015, o ministro José Eduardo Cardozo aprovou a extensão da área demarcada do povo Guarani para 532 hectares, garantindo uma ocupação segura para as aldeias, porém a demarcação foi cancelada em 2017, pelo ministro da justiça Torquato Jardim, alegando um conflito de interesses sobre uma área de preservação. As grandes estruturas viárias também fragmentam a natureza na relação da conexão da fauna e flora e geram impactos na malha urbana, uma vez que as vias cortam longitudinalmente a região e tornam-se barreiras. Em decorrência a um estudo mais minucioso, é possível notar a escassez de conexões e transposições que contemplam não apenas veículos, mas também pedestres e ciclistas. Tornando a Estrada Turística do Jaraguá e a Estrada de Taipas essenciais na região do Jaraguá por vencerem as barreiras e conectarem o território transversalmente e, portanto, comportam-se como 36 vias estruturadoras e de grande fluxo.


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formas de ocupação

O crescimento dos núcleos urbanos do distrito do Jaraguá surge nesse contexto. O Jaraguá teve seu processo de ocupação intensificado a partir da instalação de indústrias, como a Voith, que criavam áreas residenciais para acomodar seus funcionários. Assim as demais habitações surgiram ao redor dessas centralidades e foram instalando-se em áreas desvalorizadas, distantes e provenientes de autoconstrução, geralmente em locais com relevos íngremes, áreas de risco, proteção ambiental e de difícil acesso. Entretanto, com o desenvolvimento das políticas públicas novos mecanismos urbanísticos foram criados com o objetivo de dar suporte às classes menos favorecidas. No que diz respeito a habitação, um exemplo é a criação das Zonas Especiais de Interesse Social, conhecidas como ZEIS. No distrito do Jaraguá, estão presentes três classificações de ZEIS, sendo elas: “Zeis 1: são áreas caracterizadas pela presença de favelas, loteamentos irregulares e empreendimentos habitacionais de interesse social, e assentamentos habitacionais populares, habitados predominantemente por população de baixa renda, onde haja interesse público em manter a população moradora e promover a regularização fundiária e urbanística, recuperação ambiental e produção de Habitação de Interesse Social; Zeis 2: são áreas caracterizadas por glebas ou lotes não edificados ou subutilizados, adequados à urbanização e onde haja interesse público ou privado em produzir Empreendimentos de Habitação de Interesse Social; Zeis 5: são lotes ou conjunto de lotes, preferencialmente vazios ou subutilizados, situados em áreas dotadas de serviços, equipamentos e infraestruturas urbanas, onde haja interesse privado em produzir empreendimentos habitacionais de mercado popular e de interesse social.” A partir do mapa de Habitação, é possível verificar uma maior demarcação no território da ZEIS 1, na porção Norte e Leste, devido à presença de favelas. Em seguida, nota-se que a ZEIS 5 ocorre de forma menos intensa por se tratar de regiões consolidadas que apresentam poucas áreas livres disponíveis. Por meio da análise do desenvolvimento das ocupações e seu processo histórico no distrito do Jaraguá, pode-se afirmar que a produção dos espaços periféricos da cidade de São Paulo está intrinsecamente ligada à lógica de mercado imobiliário que é controlada pela especulação imobiliária. Tal lógica é fortalecida pelo déficit habitacional aliado a uma grande necessidade de moradia e terras. Dessa forma, a ocupação promovida pelas classes menos favorecidas é marcada pela presença de loteamentos clandestinos, irregulares e favelas localizadas em áreas precárias, distantes e com má infraestrutura urbana. 38 Assim, o panorama habitacional do distrito do Jaraguá é formado.


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Sua paisagem está composta, quase que na sua totalidade, por assentamentos irregulares, casas realizadas por meio da autoconstrução, conjuntos habitacionais estaduais/municipais e favelas, sendo que a média de renda dos chefes de domicílio está entre 900 a 2.300 reais mensais. Nesse sentido, destaca-se a problemática da questão habitacional que não tange apenas a precariedade das construções de habitação, mas inclui as questões sociais dos grupos de resistência que disputam a posse de terras e mostram sua luta através das ocupações. Nesse contexto, é pertinente ressaltar que a previsão de adensamento populacional para os próximos 20 anos é de pelo menos a metade da população atual residente devido ao crescimento demográfico e migração de habitantes de outros bairros de são Paulo, mostrando que o entrave político e socioeconômico travado entre a população, grupos de resistência, poder público e agentes do mercado imobiliário está cada vez mais intenso, na medida que o crescimento populacional na área aumenta, o estoque e terras diminui e o mercado imobiliário começa a mostrar seu interesse na valorização dessa área. O interesse imobiliário no Jaraguá é proveniente do fato de que há uma área mais valorizada em torno do shopping Cantareira Norte, onde já existem condomínios fechados de médio padrão e grandes empreendimentos residenciais com edifícios de alto padrão. Essa região possui o melhor acesso à infraestrutura urbana e está estrategicamente localizado próximo ao Pico do Jaraguá, que no passado foi um ponto turístico muito importante de São Paulo e ainda hoje se configura como um grande marco natural da metrópole que é dominada pelo cinza do concreto nos edifícios. Tal atributo chamou a atenção de grandes empreendedores a respeito de um potencial para construção de edifícios residenciais de alto padrão com vista panorâmica para o parque e a natureza. Portanto, muito embora o Jaraguá possua uma característica de “bairro de periferia” por concentrar uma população de baixo poder aquisitivo e localizar-se na periferia da cidade de São Paulo, também apresenta uma propensão para o interesse da especulação imobiliária na valorização dessa área nos próximos anos. Nesse contexto, a situação da favela de Taipas se mostra turbulenta, pois se configura como um assentamento precário construído em uma região de encosta e apresenta alto risco geológico de desabamento. Atualmente a favela de Taipas possui aproximadamente 1.500 domicílios, sendo a maior favela do distrito. No entanto, além da situação de extrema precariedade urbana, o plano de expansão do rodoanel, realizado pelo Governo do Estado de São Paulo, prevê a passagem da via sobre a favela de Taipas, gerando a desapropriação de vários domicílios e uma intensa segregação aos domicílios restantes devido ao acesso dificultado com o 40 distrito do Jaraguá.

formas de ocupação


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vivência e pesquisas

A partir das informações adquiridas através das pesquisas e levantamentos, observa-se a necessidade da confirmação no próprio território, para uma compreensão mais coerente e próxima a realidade possível dos moradores do Jaraguá. Para isso, estabelece-se um contato com a comunidade, a fim de vivenciar e experimentar as diferentes formas de vida levantadas no primeiro momento. Para isso, o grupo teve apoio, principalmente, de três grandes agentes: o Thiago, batizado guarani e jornalista, Marinaldo, morador do Jaraguá e jornalista e Sônia Ara Mirim, líder indígena. Estes transmitiram as visões além de livros e noticiários, explicitando a importância da experiência in loco, principalmente em um território diversificado e em constante transformação. O distrito

A chegada ao distrito vinda do interior já explicita a condição atual das principais vias, acessos e percursos da região. As grandes estruturas viárias, como a Rod. Bandeirantes, se confirmam como grandes barreiras e fragmentam a cidade em diversos trechos que são conectados por poucas transposições. A falta de infraestrutura evidencia a priorização dos veículos sobre Imagem 05: Casarão Afonso Sardinha, localizado no Parque Estadual Jaraguá. os pedestres, os quais enfrentam diariamente calçadas (quando existentes) Fonte: Acervo pessoal. precárias, falta de acessibilidade e sinalização enfatizados pelas dificuldades de um território com topografia extremamente acidentada. Além disso, apresenta formas de ocupação precárias, em áreas de risco, e espaços residuais impossibilitados de ocupar. O Parque Estadual Jaraguá, apesar da pequena distância física, se coloca como um grande equipamento isolado do restante da cidade, uma vez que é tangenciado pela rodovia. Mesmo com o grande número de visitações semanalmente, o parque não supre as demandas locais de áreas de lazer do próprio distrito, devido a sua acessibilidade limitada. O território indígena A experiência no território indígena se deu como grande norteador do Plano e a inserção do modo de vida indígena no perímetro urbano. A visita inicia-se pela aldeia Tekoa Ytu, guiada pela líder Sônia Ara Mirim, quem apresentou a organização interna da aldeia e como existe uma relação harmônica com a natureza. Foi possível compreender que a terra não possui significado de apenas uma superfície em que se instalam, mas sim uma fonte de vida. Desta forma, Imagem 06: Vista geral da malha urbana do distrito Jaraguá. 45 cuidar da terra está associado a existência e a sobrevivência dos indivíduos, Fonte: Acervo pessoal. onde se mora, planta, reza, vive e convive, ou seja, toda crença e ação indígena


Imagem 07: Croqui Dona Sônia Ara Mirim, relatando o cotiadiano indígena na casa de reza da aldeia. Fonte: Acervo pessoal.

está diretamente ligada a proteção e gratidão pela terra. Entretanto, considerando a forma como a gestão atual conduziu o processo de demarcação de terras indígenas, restando apenas 1,7 hectares (dos 532 originalmente demarcados) para cerca de 800 indígenas, os costumes tradicionais tiveram que se moldar para a sociedade urbana e a ocupação de algumas aldeias são realizadas em condições de extrema precariedade. As relações que são estabelecidas com a vida urbana não indígena, portanto, são realizadas a fim de suprir as necessidades que a falta de terra gera para a comunidade, ou seja, a busca por alguma fonte de renda que seja suficiente para compra de alimentos se torna cada vez mais frequente, e problemas característicos da vida urbana são inseridos no cotidiano das aldeias, como drogas, alcoolismo, entre outros. Considerando o cenário atual indígena, as aldeias e seus líderes iniciam processos denominados “Retomadas”, onde se estudam as condições das terras não ocupadas e iniciam o processo de instalação de uma nova aldeia, a partir das áreas comuns, como a casa de reza e cozinha coletiva, que guiam, posteriormente as residências de cada família.

Imagem 08: O pico Jaraguá. Fonte: Acervo pessoal.

Imagem 09: Espaços coletivos na aldeia Tekoa Ytu. Fonte: Acervo pessoal.

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Imagem 10: Apicultura na aldeia Tekoa Ytu. Fonte: Acervo pessoal.


QUAL BAIRRO VOCÊ MORA?

A pesquisa Como último instrumento para compreensão do território e suas demandas, foi realizada uma pesquisa online que permitisse a exposição das opiniões de moradores em relação as diversas características peculiares e a diversidade de resistências que sobrevivem no Jaraguá. O resultado possibilita a confirmação de algumas relações urbanas, da população perante grandes equipamentos localizados no Jaraguá e a descoberta de novas demandas que guiam para elaboração do Plano Urbano e seus projetos estruturadores. As principais para elaboração do plano são apresentadas a seguir. A primeira questão em relação ao território mostra como a fragmentação da malha urbana devido às barreiras físicas reflete na incerteza quanto à definição de bairro e distrito e limites dos bairros, questão também confirmada pelo jornalista Marinaldo em uma conversa durante a visita. A questão da incerteza da identificação dos bairros do distrito aparece também na construção de mapas elaborados pelo Estado de São Paulo e também em programas que trabalham com geolocalização. (Gráfico - “qual bairro você mora?”)

ONDE VOCÊ TRABALHA OU ESTUDA?

Segundo a pesquisa, muitos moradores buscam em outros territórios trabalho e instituições de estudo, uma vez que não há ensino superior no distrito. A mobilidade é facilitada pela presença da estação da linha 7 da CPTM (que faz conexão com o metrô) e linhas de ônibus que atravessam o Jaraguá, sendo os meios de transporte mais utilizados por conectarem tanto dentro de uma escala local quanto em uma escala metropolitana. Segundo os dados do IBGE (2010), a renda média da população é de R$877,50, coerente com a forma mais utilizada de transporte devido ao custo do investimento, entretanto, ainda há uma minoria que utiliza o transporte particular. Apesar da precariedade da infraestrutura das calçadas e sinalização (segundo os participantes da pesquisa, visto também como uma necessidade de melhoria), muitos deles andam a pé para sua mobilização, tendo apenas uma pequena porcentagem de ciclistas devido à topografia acidentada e a falta de estrutura de ciclovias que viabilize o uso de bicicletas com maior segurança. (Gráfico – “você trabalha ou estuda.../ qual meio de transporte você utiliza para se locomover?”)

A pergunta sobre a intervenção no território consiste na construção do trecho Norte do Rodoanel, localizado a leste do distrito, cuja construção acarretou na desapropriação de moradias e levou a segregações e Imagem 11: Gráficos das pesquisas realizadas com a população. 47 modificações, como é o caso do Parque Taipas e da favela de Taipas, uma vez Fonte: Acervo pessoal. que o Rodoanel as divide em duas partes; além da alteração no ecossistema,


uma vez que o novo trecho bordeia a área da Reserva da Cantareira. Apesar dessa intervenção no território, a maioria das respostas alegam que a obra não gerou impacto no dia-a-dia e que facilitou o acesso ao distrito, entretanto, não houve nenhuma resposta de pessoas que morassem na favela de Taipas ou mais próximo à região da intervenção. A segunda pergunta se baseia no impacto ambiental gerado pelas quatro pedreiras presentes na região Norte do distrito e sobre a opinião dos moradores quanto à desativação da atividade. Apesar de algumas pessoas defenderem a extração, a maioria dos participantes deseja a desativação das pedreiras por conta do incômodo causado pelas explosões, além do impacto ambiental que a atividade gera. Segundo o Marinaldo, durante a visita técnica à região, foi feito um acordo com a pedreira para que as explosões acontecessem somente após às 18 horas devido ao intenso fluxo de veículos ocasionado pelo final do horário comercial. (Gráfico – “você concorda com a atividade de extração mineral no Jaraguá?/ Você gostaria que desativassem as pedreiras do distrito do Jaraguá?”)

QUAL MEIO DE TRANSPORTE VOCÊ UTILIZA PARA SE LOCOMOVER?

No âmbito social, devido à dificuldade de acesso ao Parque Estadual do Jaraguá, sua utilização por moradores do distrito é moderada, levandoos a buscar equipamentos de lazer, permanência, cultura e esporte em outros locais em São Paulo. (Gráfico – “Qual sua principal atividade de lazer? Onde você pratica suas atividades de lazer?”) Para finalizar a pesquisa, foi abordada a questão indígena e sobre outros movimentos de resistência, as porcentagens dos resultados mostram o equilíbrio entre a participação ou a não-participação em movimentos de resistência. A partir da liberdade de resposta, foi possível um conhecimento maior sobre a manifestação dos moradores da região, como por exemplo a “batalha de MC’s”, um movimento que está crescendo na região e dá voz à comunidade, movimento para moradia, LGBTQ+, negro, regionalista, coletivos culturais, religiosos e de educação pública. Apesar da grande presença e manifestação dos índios guarani mbyá, muitos moradores do distrito sabem ou se interessam pela causa, havendo até mesmo preconceito e não aceitação; mesmo havendo ciência sobre a causa, muitas vezes não há conhecimento sobre a cultura ou entendimento sobre as lutas que os indígenas enfrentam, entretanto, também há apoio, respeito sobre sua história e cultura e até mesmo a defesa da demarcação das terras indígenas como forma de “devolver a terra que lhes foi tirada”. (Gráfico – “Você participa de alguma dessas resistências? / Você conhece a causa indígena no Jaraguá?”)

ONDE VOCÊ PRATICA SUAS ATIVIDADES DE LAZER?

Imagem 12: Gráficos das pesquisas realizadas com a população. Fonte: Acervo pessoal.

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QUAIS INFRAESTRUTURAS DO DISTRITO VOCÊ ACREDITA QUE PODEM MELHORAR?

VOCÊ FAZ PARTE DE ALGUMA DESSAS RESISTÊNICAS?

VOCÊ É A FAVOR DO FIM DAS ATIVIDADES DA PEDREIRA?

VOCÊ CONHECE A CAUSA INDÍGENA NO JARAGUÁ?

Imagem 13: Gráficos das pesquisas realizadas com a população. Fonte: Acervo pessoal.

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PLANO URBANO JARAGUร

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Imagem 14: Vista geral do distrito Jaraguรก. Fonte: Acervo pessoal.


Rompimento barreiras físicas e visuais Perante a consolidação de um território fragmentado devido às suas condições naturais e a forma como sua ocupação foi desenvolvida, o projeto busca romper, por um lado, as barreiras visuais, enaltecendo o potencial paisagístico do território, raramente explorado atualmente. Por outro lado, busca-se romper as barreiras físicas, considerando o próprio território como um obstáculo, já que apresenta diversos cursos d’água e topografia acidentada, e grandes elementos implantados com o intuito de conexão na escala regional, que, entretanto, prejudicaram as conexões locais, como as grandes rodovias.

premissas do plano

Valorização cultural Em consequência da ocupação do território ter tido início com os povos indígenas e, devido a sua presença na região até atualmente, uma das premissas se baseia na valorização da cultura do povo nativo, de forma em que suas tradições e modo-de-vida sejam valorizados e divulgados a fim de romper qualquer pré conceito a respeito a cultura desses povos. Além da cultura indígena, busca-se valorizar, respeitar e apoiar as demais culturas presentes na região, como, por exemplo, os quilombolas, cuja presença e resistência teve importância na construção e desenvolvimento do país, tanto no setor da economia, urbanização, religião, gastronomia e cultura. Reestruturação habitacional e espacial O processo de ocupação de um território fragmentado sem apoio e legislações urbanas mais justas geraram um espaço desordenado e desqualificado, o que intensificou o surgimento de favelas e ocupações irregulares, as quais muitas vezes se localizam em áreas de risco. O plano busca criar espacialidades mais coerentes, que solucionam o problema do déficit habitacional atual e fornecem espaços mais democráticos e que incentivam a vida urbana. Conexão e preservação de áreas ambientais A diretriz ambiental consiste na conexão das áreas verdes, incorporando as reservas ambientais, parques e áreas livres, de forma a romper as barreiras criadas pela intervenção antrópica, de forma a compor um “anel verde” que preserve o meio ambiente natural e traga equilíbrio ao ecossistema, uma vez 52 que conecta e permite a fluidez da fauna e flora pelo território.


METODOLOGIA

Após os levantamentos gerais realizados através de pesquisas e vivências, as quais explicitam a grande diversidade de potencialidades e conflitos do território, o Plano Urbano é embasado numa metodologia de análise em eixos estruturadores e na setorização do recorte de intervenção. Para um diagnóstico mais coerente, elegem-se três sistemas que estruturam o território, sendo Meio Ambiente, Mobilidade e Ocupação. Estes consistem, respectivamente, na análise dos sistemas livres, naturais e reservas, o sistema viário existente e a forma como o território é ocupado. A partir dessa análise, setoriza-se o recorte, de forma a tratar em uma escala mais próxima os diferentes conflitos e discussões as quais cada trecho apresenta. Desta forma, é possível compreender as complexidades dos espaços e elaborar propostas que abrangem tanto os maiores sistemas que vinculam o território à escala regional quanto os elementos que vão sistematizar e apresentar o território como unidade. Ou seja, o Plano Urbano apresenta propostas que discutem as relações urbanas locais de cada trecho do distrito, com suas fragilidades e potencialidades, integradas a região a qual está 53 diretamente conectada.


MEIO AMBIENTE

A partir da situação atual do tratamento dos recursos naturais do distrito, propõe-se a transformação da gleba vazia (localizada ao sul) em uma área de reserva denominada Parque Guarani. Este terá tratamento ideal nas localidades das nascentes e remanescente de mata Atlântica e com previsão das áreas de uso intensivo para população de forma coerente. Junto a isso, propõe-se a criação de um Arco Verde, o qual conecta as grandes áreas de reserva do Parque Jaraguá, Parque Anhanguera, Parque Cantareira e o novo Parque Guarani. O arco tem como objetivo um sistema macro de conexão de flora e fauna, valorizando a potencialidade natural da região. Este sistema é articulado também com áreas livres e verdes de escala urbana, que estão presentes no interior da mancha urbana, marcado, principalmente, pelo Parque Pinherinho d’Água, com caráter mais local, que supre parte das atividades de lazer demandadas pela população. Como prognóstico para áreas de conexão do grande sistema livre, tendo em vista a preocupação na recuperação hídrica e espacial do distrito, insere-se no plano a realocação de domicílios sobre áreas de risco, entre eles localizados nas favelas do Saad, do Donária e da Oduvaldo, com o intuito de viabilizar a recuperação do córrego o qual está afetado e garantir maior qualidade e segurança para as famílias. Além disso, opta-se pelo encerramento do funcionamento das pedreiras, indicando a paisagem remanescente da extração mineral para recuperação e preservação quando possível e garantindo atividades que beneficiem a população nas “áreas inférteis”. Com relação ao uso do novo Parque Guarani, projeta-se uma intervenção no percurso previsto para a extensão da linha 07 do metrô, de forma a não prejudicar os recursos naturais da gleba e possibilitar maior inclusão da população do distrito Jaraguá no sistema de mobilidade (verificar tópico transporte), alterando a localização da nova estação. Ademais, prevêse a abertura das atividades do clube para a população, para fornecer mais 54 equipamentos de lazer e esporte demandados.


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sistema viário e mobilidade

Considerando o cenário atual do sistema viário e de mobilidade do distrito do Jaraguá, o plano urbanístico desse eixo estruturador busca melhorar a conectividade interna do distrito e relação com as regiões do entorno a partir das vias com mais fluxo, aproveitamento de vias existentes, criação de novos trechos e vias, buscando o mínimo de intervenção e ao mesmo tempo criando novos fluxos e conexões transversais. Visando a otimização do transporte público, o projeto visa a reestruturação da Av. Raimundo Pereira de Magalhães, que passará a comportar corredores de ônibus e faixas exclusivas. A principal transposição criada se estabelece a partir da demarcação da gleba existente como o Parque Guarani. A via tem como principais objetivos a contenção da ocupação predatória sobre as áreas de reserva e uma conexão transversal mais expressiva, articulada pelas estações intermodais. O plano visa também sobre outras formas de mobilidade, criando uma ciclovia que conecte todo o distrito a partir de diversos percursos, considerando as distâncias a serem percorridas e também a topografia, amenizando o desgaste físico do usuário, além da criação de bicicletários em pontos estratégicos, possibilitando pontos intermodais e maior liberdade de circulação. Além da melhoria das calçadas para a circulação de pedestres nas vias de maior fluxo, onde passa a ciclovia e nas envoltórias de áreas verdes. Em relação ao projeto da Linha Laranja do metrô, foi feita uma contraproposta de implantação, trazendo a linha pra dentro da região do Jaraguá, buscando atingir mais regiões e criando Estações Intermodais, uma delas integrando com a Estação Ferroviária da Linha 7 da CPTM, juntamente com a proposta da melhoria das orlas ferroviárias, e outra com o transporte coletivo realizado por ônibus, localizado próximo ao shopping e a Av. Raimundo Pereira de Magalhães, gerando uma centralidade e identidade ao Jaraguá. A Estação Jaraguá passa a receber novos modais, sendo reestruturada em um novo território, o qual cria um a nova centralidade relacionada diretamente com a cidade consolidada e a proposta do novo parque. Além disso, cria-se uma nova estação no cruzamento de duas grandes vias, a Rua do Corredor e a Av. Raimundo Pereira Magalhães, que articula os grandes fluxos recorrentes dos equipamentos e gera a segunda centralidade do distrito. A partir da compreensão do distrito como um dos grandes acessos a região metropolitana de São Paulo do interior e a reestruturação do sistema de transporte, propõe-se a implantação de um estacionamento regional que abriga, principalmente, esse fluxo de veículos individuais, incentiva o uso do transporte público e coletivo e aliva o fluxo intenso no interior da metrópole. Finalizando o novo sistema de transporte com a implantação de novas transposições de automóveis, bicicletas, pedestres e até mesmo para a fauna e a flora sobre a Rodovia dos Bandeirantes e Ferrovia, intensificando as possibilidades de conexão transversal e redução da fragmentação e barreiras físicas da malha urbana. 56


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formas de ocupação

O desenvolvimento do levantamento de dados e análise crítica, constata os empasses gerados por um histórico de planejamento urbano que privilegia as classes abastadas e, unidas ao poder público, destina a população de menor poder aquisitivo em áreas precárias e distantes das centralidades, com o objetivo claro de promover a segregação socioespacial no território. Nesse sentido, a partir do diagnóstico da questão habitacional do distrito, foi elaborado um conjunto de propostas que objetiva reduzir a segregação sócio espacial, viabilizando um espaço urbano mais qualificado, igualitário e livre da desigualdade social. A primeira proposta é a ampliação das ZEIS 2, incorporando alguns lotes e glebas destinados a possíveis futuros projetos ligados à habitação. Tem se tambèm como proposta a realocação dos assentamentos precários e favelas que estão localizados estritamente em zonas de risco ou muito próximos a cursos d’água. Nesse caso, buscou-se intervir o mínimo possível com as desapropriações, evitando assim política do “arrasa quarteirão”. Já nas outras áreas de favela a proposta é promover a requalificação desses espaços, uma vez que o plano tem como premissa a inclusão social, não tratando as favelas como espaços descartáveis e desprovidos de valor urbano. Ainda nesse contexto, alguns lotes importantes foram demarcados como passíveis de desapropriação, uma vez que estão em locais estratégicos e com usos que não são tão interessantes para o plano urbano. São eles: 1- Estacionamento 2- Assaí atacadista 3- Aglomerado de indústrias Esses lotes possuem grande relevância para o plano e a continuidade do corredor verde, além de representarem uma vasta área que poderá ser dedicada aos projetos estruturadores. No entanto, há o reconhecimento da importância econômica das indústrias no jaraguá como elementos indutores de urbanização e geradores de emprego. Portanto uma zona industrial será criada, tanto para a realocação das indústrias desapropriadas quanto para outras futuras. Essa zona está localizada onde há os galpões da mineradora, próximos a pedreira. Por fim, há a proposta de uma faixa de adensamento em torno do Parque Guarani, onde estará passando a via estrutural que forma o eixo principal do plano. Essa zona possui diferentes graus de adensamento possibilitando a ocupação 58 ordenada das bordas das vias.


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SÍNTESE EIXOS ESTRUTURADORES

A metodologia de análise através dos diferentes eixos estruturadores permite umamelhor compreensão de características específicas do território e um aprofundamento em questões peculiares. Além do mais, quando sobrepostas as camadas de análise, gera-se uma clareza das reais problemáticas e potencialidades dos espaços. No Jaraguá, a síntese de todos eixos gera um mapa que explicita as ocupações de forma precária que sobrepõe áreas ambientais, tornando-as de risco, além de analisar criteriosamente as interrupções mais bruscas ao meio ambiente pela ação humana. Em relação a conectividade do território como um todo, é possível observar eixos descontínuos, por um lado, e a concetração de grande forças, por outro, em locais sem infraestrutura básica da cidade. Ainda, de forma geral, encontram-se potencialidades que induzem ações do plano para melhor qualificação e valorização das mesmas perante a população e os próprios espaços, ou seja, a identificação das vocações diferentes de cada zona junto aos entroncamentos mais signifcativos de fluxos, usos, eixos e grandes elementos marca as novas centralidades do distrito Jaraguá. Desta forma, com o total entendimento do território, é possível estabelecer um recorte específico de intervenção do Plano, de tal maneira que revele amostras de toda diversidade presente no distrito, assim como, o próprio Jaraguá demonstra 60 amostras territoriais metropolitanas.


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setorização

Croqui de estudo para definição dos setores existentes.

A partir de uma metodologia de aproximação da área de estudo com o objetivo de entender as principais problemáticas e potencialidades do território, o Jaraguá pode ser definido como uma amostra metropolitana e, o recorte estabelecido como intervenção, por sua vez, pode ser considerado uma amostra do Jaraguá, uma vez que ambos apresentam questões semelhantes em relação às pressões urbanas sobre a paisagem natural, conexão e fragmentação do território. Dessa forma, o recorte foi dividido em sete setores, conforme as principais particularidades apresentadas e, com isso, possibilita-se a compreensão do território como um todo, podendo, a partir disso, eleger os oito projetos estruturadores, os quais são capazes de 62 atender as deficiências do território e viabilizar o plano urbano.


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setor a

O Setor A é marcado pela paisagem natural e configura-se como uma região do recorte distinta do restante, devido às particularidades como uma área desmatada que contrasta com o remanescente de mata atlântica ao seu redor, acompanhado de um tecido urbano fragmentado que expande para as áreas verdes. Os fatores contribuintes para a fragmentação urbana são formados pela presença da Rodovia Bandeirantes, dificultando o acesso ao Parque Estadual do Jaraguá devido à ausência de transposições; lotes sem uso, propriedade da Prefeitura de São Paulo e o córrego Ferrão, que passa por transformações ao longo do trajeto, ora sendo canalizado, quando passa por baixo da rodovia, ora sendo invadido por ocupações que, devido à falta de uma rede coletora de esgoto, utilizam o córrego para o depósito de dejetos. Em contrapartida ao existente, o projeto urbano traz ao setor A propostas de valorização e conservação dos recursos naturais, a partir da integração das áreas verdes, formando um anel conector de fauna e flora entre o Parque do Jaraguá e o Parque Guarani, do reflorestamento da área desmatada e o repensar da água e o meio ambiente na transposição peatonal da Rodovia Bandeirantes; além da criação de uma rede coletora de esgoto na região do córrego Ferrão, conectando com a rede de esgoto existente e permitindo a apropriação da água para com o coletivo, associada ao percurso, conscientizando os moradores sobre a importância da preservação da natureza a partir dos ensinamentos indígenas, fortalecendo a cultura local e histórica do Jaraguá. 64


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setor b

O Setor B se diferencia pelo caráter histórica dentro do recorte, devido à presença da linha férrea, à Estação Jaraguá, de 1891, e a relação direta com Parque Guarani proposto. Entretanto, a ferrovia apresenta-se como barreira ao longo de sua extensão, apesar de existir algumas transposições como tentativas de conexão do território. Nesse setor, a transposição é feita por baixo da linha férrea e conecta a malha urbana consolidada com os equipamentos urbanos localizados na parte Sul do distrito, como a Polícia Militar, Escola Superior de Soldados e o Jaraguá Clube Campestre. Destaca-se ainda no setor a existência de um grande platô longitudinal sem uso, associado a um grande desnível, decorrente da extração mineral e o escoamento da produção pelo sistema ferroviário realizados no passado. As propostas do plano urbano consistem na otimização do transporte coletivo, melhoria da conexão da malha urbana consolidada e no investimento da valorização histórico cultural do Jaraguá. A partir disso, a antiga Estação Jaraguá passa a ter uma nova função, incentivando o seu uso noturno e visando a conservação do patrimônio através do restauro da estrutura existente. Além disso, propõe-se uma nova estação intermodal, implantada no platô remanescente da atividade de extração mineral, próximo à Av. Guarani e o Parque Guarani, também propostos pelo Plano e presentes no 66 Setor B.


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setor c

O Setor C é caracterizado por um uso predominantemente habitacional de baixa e média renda e ocupações irregulares (“Favela da Band”, “Favela Campos Mello I e III”), e consiste na transição entre a área consolidada do distrito e a área de reserva. A sua localização em um trecho de contraste entre a área de reserva do Parque Guarani e a cidade consolidada revela um potencial para projetos de valorização e conservação do meio ambiente, o resgate da cultura indígena e a reflexão sobre como se produz a cidade. Sendo assim, a proposta consiste na requalificação de espaços precários e a contenção da expansão urbana sobre áreas de risco e proteção ambiental através da implantação da Av. Guarani e Parque Guarani, e de equipamentos capazes de reconectar as áreas socialmente vulneráveis com o restante da cidade a fim de evitar segregação 68 espacial.


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setor d

A presença da gleba ainda sem uso é uma das particularidades deste setor. Esta parcela do território ainda não desmembrada é reconhecida como uma possível área projetual, com capacidade de adensamento. Deve ser integrada à cidade, dando continuidade ao tecido urbano existente e sua malha viária. Os projetos que ocuparão esta área deverão também consagrar a necessidade de conexão com o Parque Guarani, garantindo vida urbana a faixa de uso intensivo do parque. Devido a presença de muitos equipamentos institucionais no centro da Favela da Xurupita, o Setor D pode ser entendido como um polo educacional dentro do distrito, sendo capaz de receber escolas técnicas e profissionalizantes com foco em pesquisas no âmbito ambiental, de forma a capacitar profissionais com estes méritos e 70 viabilizar o crescimento endógeno da região.


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setor e

O setor E é caracterizado principalmente por sua localização no cruzamento das duas grandes linhas de força do recorte: a nova Av. Guarani e a Av. Raimundo P. Magalhães, até as pedreiras. Como consequência, o trecho é marcado pela presença de diversos grandes equipamentos cujas abrangências, muitas vezes, atingem além dos limites do setor. Entre eles, encontram-se o Assaí Atacadista, inaugurado nas estruturas da antiga transportadora Irga, o shopping Cantareira e a subestação de energia. Além disso, o trecho é marcado por uma forma de ocupação predominantemente habitacional unifamiliar e de baixo gabarito, com serviços e comécios voltados para as avenidas, e, algumas vezes, associados aos domícilios. Devido a topografia e falta de organização no crescimento urbano, existem muitas áreas residuais entre as habitações e uma grande área utilizada como ferro velho. Outro forte elemento é a gleba desocupada ao centro, como um grande resíduo gerado pelos equipamentos existentes, com grande potencial de ocupação. Como proposta, a nova Av. Guarani garante o controle de ocupação sobre área de reserva, além de estabelecer uma conexão de usos com o Parque Guarani. Devido a sua importância, a Av. Raimundo Pereira Magalhães será reestruturada para melhor distribuição dos fluxos e passa a receber um corredor de ônibus. Além disso, o trecho como um todo é pensado como um grande articulador dos sistemas estruturadores, uma vez que está diretamente conectado a todos eles. Ou seja, o trecho garante a continuidade dos sistemas de áreas livres, mobilidade, e, recebe como proposta atender as demandas básicas da comunidade, como habitações, serviços e comércios 72 com qualidade.


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setor f

O setor F se caracteriza pela presença do parque urbano Pinheirinho d’Água, o qual não é desfrutado pela população, uma vez que não possui uma boa estrutura com atividades de lazer e não apresenta nenhuma transposição. A área do setor forma uma centralidade em consequência de uma concentração de comércios de grande porte, entre eles dois supermercados e o Shopping Center Jaraguá, e também cerca de 30 indústrias de atividades diversas. Existe também uma concentração de condomínios residenciais de classe média e gabarito predominantemente baixo, o que torna a área pouco densa. Com relação aos equipamentos urbanos, além do parque, o setor conta com uma ETEC, trazendo um ensino profissionalizante aos alunos, inserindo-os diretamente ao mercado de trabalho. A proposta urbana ao setor E consiste na transferência das indústrias para o novo pólo industrial, previsto no setor G, direcionando um adensamento habitacional e a implantação de uma estação intermodal de metrô e ônibus nos terrenos em que as indústrias se localizavam anteriormente, de modo a potenciar a centralidade do setor, intensificar e qualificar a mobilidade da população. Como a área tem diversos córregos, é prevista uma maior área de proteção ambiental nas margens desses recursos hídricos e realocação das famílias que ocupavam as margens desses córregos em busca de habitação. Devido ao contexto urbano, são previstas transposições sobre os córregos para conectar a cidade na escala do pedestre. 74


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setor g

O Setor G é caracterizado principalmente pelas atividades econômicas da pedreira, indústrias (Voith e reciclagem de resíduos da construção civil) e a existência de um aterro de resíduos sólidos classe IIB e III próximos à ferrovia. Devido à demanda que essas atividades trouxeram, esse setor possui extensas áreas habitacionais, sendo algumas delas formadas pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) e ocupações irregulares em áreas de risco. A proposta para este setor visa a reparação dos recursos naturais, qualificação habitacional e a criação de um pólo industrial mais próximo das estruturas viárias de grande porte, tais como a ferrovia e o rodoanel. Para isso, a atividade das pedreiras e do aterro serão cessadas e a infraestrutura existente será utilizada para a realocação das indústrias existentes do distrito, a fim de garantir a proteção da paisagem natural é prevista a demarcação da ZPDS (Zona de Preservação e Desenvolvimento Sustentável) e as pedreiras serão transformadas em Parques Ambientais. Em relação às ocupações em áreas de proteção ambiental dos córregos presentes no setor, o plano visa a realocação dessas pessoas para o setor Em relação às ocupações em áreas de proteção ambiental, o plano visa a realocação das famílias para outros setores que prevêem áreas de adensamento, enquanto nas demais ocupações precárias, a requalificação 76 para espaços com mais qualidade de vida.


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O PLANO

As propostas de todos os setores é essencial e complementar para o funcionamento de cada eixos estruturador do Plano. O sistema de mobilidade do distrito torna-se mais eficaz com a minimização da fragmentação do território a partir da implementação de novas estruturas viárias que completam o sistema existente e articulam todos os trechos. Nos pontos estratégicos, ou seja, nos cruzamentos entre grandes fluxos e associação a grandes equipamentos, criam-se duas novas centralidades ao distrito com a implantação das duas novas estações intermodais. Estas colaboram para a formação de uma identidade do distrito, e para o reconhecimento do território como unidade. No âmbito ambiental, o Plano garante a transição coerente entre a escala metropolitana e a escala urbana das diferentes áreas verdes, garantindo a recuperação e preservação das mesmas, e reintroduzindo o valor dos espaços livres como fundamentais na composição das cidades. As propostas de reestruturação espacial incluem, principalmente, a provisão de habitações com qualidade e a associação destas com todos os sistemas existentes na cidade. Além disso, elabora uma reorganização dos diferentes usos de forma mais coerente conforme a vocação de cada setor, garantindo espaços qualificados que contribuem para urbanidade do território.

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PROPOSTAS DE GESTÃO TERRITORIAL

Como forma de complemento das propostas baseadas nos três eixos estruturadores do Plano Urbano, definem-se propostas relacionadas a questões políticas, as quais influenciam diretamente o funcionamento do plano, porém não são entendidas como ações mapeáveis na escala a qual este se conclui. Em um primeiro momento, reflete-se sobre a inserção da comunidade indígena no Plano Urbano. Considerando o levantamento e vivência dentro das aldeias, que demonstrou que coloca a demarcação de terras como ação que garante os costumes e a sobrevivência dos índios, o plano, primeiramente, garante a área de reservas com gestão compartilhada indígena, ou seja, proporciona o poder de decisões sobre áreas de proteção, uma vez que se entende a comunidade como principal agente de preservação ambiental. Além disso, fortalece a política de retomada, de forma a garantir, cada vez mais, a recuperação de suas terras para prosseguir com suas culturas e costumes. Ainda, propõe-se a implantação de equipamentos que valorizem a diversidade e o respeito das culturas, uma vez que, a causa indígena não é reconhecida no distrito como um todo. Um dos principais conflitos enfrentados para elaboração do plano foi em relação a ocupação urbana e o meio ambiente, principalmente por se tratar de áreas de reserva. Considerando que não houve preocupação com a preservação dessas áreas, os cursos d’água, importantes como infraestrutura urbana, foram, muitas vezes, comprometidos. Em contrapartida, propõe-se a recuperação destes e a implantação de equipamentos que relembrem e reforcem a importância da valorização e proteção dos recursos naturais. Além disso, uma outra grande problemática enfrentada foram, justamente, os problemas advindos de gestões urbanas que não trataram o território do Jaraguá com rigor suas potencialidades e conflitos, fortalecendo a fragmentação do território, ocupação predatória de áreas de reservas e a falta de identificação do distrito como unidade. Sendo assim, prevê-se maior incentivo a participação da população em decisões territoriais, ou seja, proporciona-se a inserção de equipamentos que valorizem a participação 80 política de todas as comunidades.


RECORTE proposta -PROPOSTAArborização Urbana / Reflorestamento Conexões Adensamento Requalificação de Favelas

Projetos Desenvolvidos: 1 Projeto Ferrão Complexo Etnobotânico 3 Viveiro Educacional da Mata Atlântica 5

Estação Parque Guarani Transpassando Trilhos

7 Museu das Nações Indígenas 8 Instituto de Pesquisas Urbanas e Ambientais 9 Centro Educacional Jaraguá 12 Lobo - Habitação Temporária 14 Espaço para Esporte e Cultura do Jaraguá

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referências bibliográficas AFONSO, Marisa Coutinho. Arqueologia Jê no Estado de São Paulo. São Paulo: Museu de Arqueologia e Etnologia, 2016. 30 p. CABRAL, M. FREITAS, M. Geotecnologias no Mapeamento da Aldeia Tekoa Pyau - São Paulo/SP e seu entorno: Experiências de Aplicação de Técnicas Cartográficas e Sistemas Digitais em Ações de Parceria com Jovens Indígenas. Instituto de Geociências e Ciências Exatas, USP. Rio Claro, 2008. GASPARETO, T. FURLAN, S. Pressão Urbana e Conectividade da PAisagem no Entorno dos Parques Estaduais Itapetinga, Itaberaba, Cantareira, Juquery e Jaraguá na Região Metropolitana de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Geografia Física, USP. São Paulo, 2014. PEREIRA, SANDRA DE CASTRO. Os Loteamentos Clandestinos no Distrito de Jaraguá (SP): Moradia e Especulação. São Paulo, 2005. PIZARRO, Eduardo Pimentel. Interstícios e Interfaces Urbanos como oportunidades latentes: o caso da favela de paraisópolis, São Paulo. Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Sao Paulo, 2014. RIBEIRO, Bruno; LEITE, Fábio. Dersa usa verba de obra do Rodoanel Norte para concluir museu. São Paulo: Estadão, 2017. Disponível em <http://sao-paulo.estadao.com.br/blogs/ por-dentro-da-metropole/dersa-usa-verba-do-rodoanel-norte-para-concluir-museu-ligadoao-trecho-oeste/>. Acesso em 13 março.2018. RICHARD, P. MOMSEN, Jr. Routes Over the Serra do Mar: The Evolution of Transportation in the Highlands of Rio de Janeiro and Sao Paulo. Revista Geográfica, T.32, No. 58, 1º Semestre 1963, pp. 5-167. SILVA, F. AMOROSO, M. Elementos de Etnografia Mbyá: Liderança e Grupos Familiares na Aldeia Tekoá Pyaú (Jaraguá - São Paulo, SP). Programa de Pós-Graduação em Antopologia Social do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP. São Paulo, 2008 Caderno de Propostas dos Planos Regionais das Subprefeituras: Macrorregião Norte 2. Prefeitura de São Paulo, 2016. Equipe Mapa Guarani Continental. Guarani Continental: Povo Guarani na Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai. Campo Grande, MS, 2016. Programa Aldeias Centro de Trabalho Indigenista. Vivemos na mata. 1ª Edição, São Paulo, 2016. <http://jaraguasp.blogspot.com.br/> acesso em Fevereiro de 2018 <http://www.piritubaweb.com.br/> acesso em Fevereiro de 2018 <http://guarani.map.as/#!/sites/3463/> acesso em Fevereiro de 2018 <http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx> acesso em Fevereiro de 2018 <http://www.snirh.gov.br/> acesso em Fevereiro de 2018 <www.socioambiental.org/> acesso em Abril de 2018 <http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx> acesso em Abril de 2018 <www.cimi.org.br> acesso em Abril de 2018 <http://videos.yvyrupa.org.br/nhandereko-nosso-modo-de-viver/> acessado em junho de 2018

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