ampliando bordas de aprendizagem

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ampliando bordas de aprendizagem

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tfg fauusp



Ao meu Avô Horácio ( in memoriam), a quem devo minha genética artística. À Thabata (in memoriam), cúmplice na pureza de sentimentos.


Agradecimentos

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Prólogo 15 entre bordas

Reflexões sobre o Ensino 25 conexões o brincar o contexto histórico-cultural do brincar - onde a arte se insere direcionamentos possíveis no Brasil

Experiências Artísticas e Lúdicas 45 horizontes na arte formal playgrounds sentir a cidade

Práticas Possíveis de um Encanto Existente 97 mecanismos e movimentos territórios reconhecidos EMEF Brasil Japão

Operando pelas Bordas 155 exposição de fotografias expressões de um desejo colagens e ideias

Expectativas 207 Bibliografia

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“... que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.” Manoel de Barros


Agradecimentos A FAU, como arquitetura em sua mais completa plenitude. À Beatriz Goulart por aceitar contribuir para meu aprendizado durante a banca final. À Alexandre Delijaicov por guiar inspirações durante a graduação e guiá-las mais uma vez durante a banca final. À Marta Bogéa, pela sensibilidade, sorrisos, brilho nos olhos, dinâmismo e por despertar sempre minha admiração, entre as bordas e pelo centro. À Marina Grinover e ao Base 3 pela gentileza e disponibilidade de conversas e arquivos, e a Thais Marcussi pelo contato que nos aproximou. À Jeanine Menezes pelas portas abertas e compreensão durante este “momento difícil”. À Lucilia, pelo entusiasmo que me trouxe dentro das práticas pedagógicas infantis. À EMEF Brasil Japão e seus funcionários, em especial aos professores Marcia Santos, Ana Maria Hilário, Fernanda, Marcos Maurício e aos alunos Clayton, Leticia, Nicole, Maria Luisa, Paloma, Vanderson, Thaisa, Kethellin, Thiago, Johnatan e Lucas por fazerem deste aprendizado parte de mim. Ao Leo, Emerson, Regina, Magali, Emílio, Candinha, Robson, Telma, Tadeu, Adilson e aos funcionários da cantina pelas incontáveis ajudas ou mesmo conversas durante estes 7 anos. À Claudia Terezinha pela humildade e incansável atenção durante o finalzinho dessa corrida por me formar.

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À Maria Raquel pelo carinho eterno e por me levar a Cláudia Estevam, responsável por horizontes mais que importantes. Aos companheiros de FAU, os mais próximos, os mais distantes, os mais estreitos e os mais recentes. Aos que deixaram suas marcas em mim entre as bordas, em especial aos colegas e amigos da Ekó House, de Bologna, do EXPOFAU e do AGT. Ao Futsal, que ficou no coração. Aos amigos da “rua do meio”e uma infância de pega-pega, pular corda, jogar taco. Aos amigos que a escola me trouxe e o tempo não levou Arthur, Tuane, Rafael, Paulo, Marcos, Otávio. À Luiza Itokazu e Alex Ninomia, anjos quando mais precisei. Ao Leandro Leão, pela companhia nos momentos mais gratos e ingratos. À Carol Geise e Sarah Daher pelas conversas e discussões que mudam o mundo, mesmo que só por alguns instantes. Ao Artur Kim Shum, por ser amigo, em seu mais completo significado A Rayssa Fleury, empolgação e incentivo maior do mundo. A Lays Pereira, amiga pelo tempo de uma vida inteira. À minha irmã Priscilla, sempre e para sempre minha companheira de aventuras. Aos meus pais Neide e Pablo, que me ensinaram a arte de amar e a brincar com sonhos, essências do meu ser. Ao Miguel, por possuir dentro de si um mundo especial que provoca meu encantamento diário.

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Considerando este trabalho final de graduação como parte de uma trajetória de aprendizado que apresento aqui como tema, escolhi como linguagem para apresentá-lo a narrativa em primeira pessoa. A escolha se deve a capacidade que acredito que esta linguagem tem de expressar a completude desta experiência em mim, contemplando a expressão de todas as dúvidas e sentimentos, em forma de metalinguagem, inerentes ao processo de aprendizado deste trabalho, que me transformou não apenas como estudante, mas como pessoa.


Pr贸logo

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Entre Bordas

Banda de Araraquara do meu avô

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Sempre dizem que quando o fim de algo esta chegando passamos a lembrar do começo. Pois então, parece que assim aconteceu. Neste momento em que completo esta trajetória da vida começo a lembrar onde tudo teve início. Nem tudo, mas uma fração desse tudo. Fração que me acompanhou acredito desde sempre. Minha mãe diz que eu gostava de cantar para todo mundo ouvir quando era pequena. Talvez esse já seja um sinal de algo que me encanta até hoje, a música. Meu avô era músico também. Minha mãe conta que ele tocava de tudo, e que a casa era sempre cheia de outros músicos e cantorias e risadas. Das poucas coisas que conheço sobre meu avô, gosto muito de uma foto que ele tem com a sua banda tocando em um festival de Araraquara. Sempre que vejo aquela foto fico imaginando como teria sido aquele festival, aquele dia. Imagino os músicos na praça em um dia ensolarado com seus trompetes, saxofones e bateria. As moças com seus vestidos em tecidos leves junto aos rapazes de camiseta e sapatos baixos dançando até anoitecer. Quase a cena de um filme. Il Nuovo cinema Paradiso. Não, a cena da foto do meu

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avô não está nesse filme. Mas me lembrei dele quando pensei em histórias e lugares que eu gostaria de estar. Quando em uma cena do filme, o Cinema chega pela primeira vez na praça, senti como se estivesse ali e fosse uma daquelas pessoas, vendo o cinema pela primeira vez. Aprendendo com ele, me emocionando, sentindo raiva, rindo. Pensei que talvez estas tivessem sido as sensações de alguns moradores no Chile quando encontraram o VEFAVE 1 na sua cidade chegando para montar uma tela de cinema no meio do concreto. Ali na praça, perto da escola, do lado da loja de roupas, perto da casa do primo. Pensei que quando ele chegou, o pequeno ali sentado no canto saiu correndo para a escola e perguntou para a professora o que era um filme, e ela explicou que era uma história filmada e produzida que passava em uma grande tela de cinema, e ele perguntou o que era “filmada”, e depois o que era “produzir”, e depois o que era o cinema, e depois....a professora resolveu dar uma aula sobre o cinema. E acabou se empolgando. Preparou a outra sobre o teatro. As crianças encenaram uma peça. O pai chorou. A mãe também. Não lembro se minha mãe chorou quando eu dancei na escola, lembro que me diverti a beça. E de todas as coisas que mais me lembro da minha escola são das vezes que tinhamos que montar as feiras culturais. Era um evento! As salas de aula se transformavam em floresta, passarela, conto de fada, laboratório científico. Lembro do cheiro forte de

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1. Cinema itinerante estruturado sobre um automóvel “van” que se propõe a levar exibições de filmes em espaços públicos na periferia do Chile, proposto pelos arquitetos chilenos do ECV Arquitectura (BOGÉA, 2009, p. 120)

cigarro que tinha a sala que explicava sobre os males do vício. Lembro quais eram os músicos e a época que vivia os EUA quando resolvemos falar sobre o Woodstook. Lembro dos poemas que fizemos para representar o consumismo, a moda e a política. Os cenários eram feitos de papel crepon, papel pardo, cola e jornal. Nada muito sofisticado. Mas que inquietavam minha curiosidade de saber mais sobre tudo aquilo. Porque daquele jeito eu me divertia. Daquele jeito eu aprendia. Quando entrei na faculdade um mundo novo se abriu. Depois do sofrimento do vestibular, a faculdade parecia, e era, um alívio. Não porque seria fácil, muito longe disso, mas porque logo passou a ser um encanto a cada dia. E então todo aquele mundo que era novo, se transformou familiar. Eram poucas as coisas que não me interessavam, inclusive as aulas na faculdade de engenharia, que eram meu sofrimento das segundas feiras, mesmo elas possuiam assuntos que me intrigavam. A questão é que raras vezes eu conseguia lembrar do que o professor falava – o que não raras vezes se repetia também no colégio. Anotava tudo, porém ainda sentia que faltava algo para aprender de verdade sobre o assunto. Até que um dia resolvemos um trabalho misturando a diversão das peças de Lego como solução construtiva. Então o que parecia insuportável passou a ser divertido, e logo o conteúdo que se dissolvia da mente ao final de cada aula, ficou para sempre, como em

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VEFAVE (El Cine Vino), 2001

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uma brincadeira divertida que a gente nunca esquece como brincar. E então a faculdade passou a ser assim, uma deliciosa diversão, em que cada passo era um prazer e cada aprendizado uma vivência. Tudo que eu queria entender melhor, ou achava interessante dava um jeito de transformar em atividade cultural, lúdica e artística e tentava transformar cada uma delas em algo que pudesse ser compartilhado com o máximo de pessoas. Assim ao final de cada atividade teria visto tantos pontos de vistas diferentes, que ficava com a sensação de que cada uma daquelas pessoas tinham sido um professor, e o que era isolado passava a ser multiplo. E foi assim durante estes 7 anos de faculdade, em que tudo aquilo que sempre foi tratado como “ extra” ou complementar pela formalidade da academia, passou a tomar posições centrais em minha trajetória e apresentar um valor tão grande que nada mais fazia sentido se não fosse cultural, lúdico, e coletivo. Na complementaridade do aprendizado conheci a Casa de Dona Yaya e entendi sua importância para o patrimônio. Conheci o Teatro Oficina e me surpreendi com aquilo que vi. Fui até Madrid entender como casas mantidas a energia solar podiam funcionar no mundo todo e no Brasil, não apenas entendi como também pude ensinar. Aprendi como se diagrama uma prancha com as informações justas e suscintas para apresentar uma ideia sem falar nada. Entendi

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como funciona um nivel d’agua no terreno. Projetei e confeccionei uma barragem e entendi como realmente acontecia. Conheci os encantos de Lina Bo Bardi, os cantos do Elevado Costa e Silva e, finalmente, mesmo depois de tantas aulas sobre o assunto, entendi as origens da capital de Brasilia e as intenções de Lucio Costa. Passei o dia todo no Cantinho do Céu vivendo o projeto de Boldarini com os moradores dali. Conheci o Ônibus Biblioteca. Fui para o sertão do Piaui e como magia pude ali compreender o que era uma população se apropriar de um espaço público. Assentei tijolo, mexi na enxada. Vi crianças brincarem até a luz da lua ser única no céu quando o parquinho ficou pronto. Aprendi a usar softwares de desenho para os quais nunca tive a menor vocação. Entendi como fazer um orçamento, levantar os custos de um evento, e de uma casa, fazer licitação. Descobri como funcionava um Plano Diretor. Aprendi a ouvir minha própria voz e a defender o que eu acreditava na frente de um público, muitas vezes em fúria, em uma greve. Reconheci uma certa vocação para questões políticas, sem a nebulosa complexidade da sala de aula e que ela sempre me acompanhará. Conheci bibliografias novas e universos acadêmicos distintos através dos trabalhos de estudantes de outras universidades. Conheci todos os possíveis e imagináveis cantos e encantos de uma faculdade como a FAU. Fui a Bienal pela primeira vez e entendi que projeto de exposição é projeto igual. Descobri exatamente o

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que meus professores gostavam de fazer e de ensinar, como eles faziam, o que eles pesquisavam e aprendi com eles de outra forma. Descobri o que meus colegas gostavam de fazer e ensinar, e aprendi com eles também. Conheci quem hoje me orienta neste TFG. Aprendi, enfim o que pode ser a arquitetura em sua maior e mais completa definição, que somente a sala de aula não conseguiu me ensinar. Partindo então do aprendizado entre as bordas da escola, da faculdade e da cidade que conduziram minhas vivências, exponho nos capítulos a seguir minhas descobertas geradoras das reflexões e desejos desta experiência questionadora que foi este trabalho final de graduação.

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Reflexões sobre o Ensino

“Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfi leirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor pra formação do homem.”

Carlos Drummond de Andrade

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Conexões

Depois de tantas experiências pelas bordas do ensino, passei a levantar questionamentos. Me perguntar se talvez não existissem por ai a fora pessoas que sentissem e pensasssem de maneira semelhante em relação ao aprendizado. Busquei então fontes que me levariam a entender alguns aspectos da pedagogia e do ensino. Inicialmente, de maneira quase inevitável, me interessei por referências que partissem de reflexões e associações das formas de aprendizado com o espaço escolar. Comecei pelas Escolas Classe, Escolas Parque refletindo os trabalhos de Helio Duarte e Anísio Teixeira, referência importante no percurso central da FAU, e a partir dela me inseri em referências outras que me levaram a direcionamentos e descobertas relevantes– o trabalho das Escolas Parque será evidenciado mais adiante. Entre outros textos, me chamou atenção um excerto da experiência de Mayumi Souza Lima, entitulado A criança e a percepção do espaço,onde a autora apresenta o esforço de trazer a criança como indivíduo ativo na construção dos espaços escolares que a elas são destinados. Fazendo comparativo entre duas experiências escolares distintas – uma escola privada frequentada por alunos de alta renda e uma escola pública frequentada por alunos de baixa e

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média renda – Mayumi reflete sobre a importância de a criança participar do processo de construção do espaço arquitetônico escolar, e a relevância que o espaço construido tem na formação do indivíduo. A experiência levanta ainda como a criança manipula elementos construtivos do espaço como instrumento de aprendizado 1. A autora evidencia atividades lúdicas e o desenho livre como formas eficientes de extrair as informações e percepções das crianças em relação aos espaços que frequentam, tanto o escolar quanto o de suas casas. As conclusões e intenções de Lima quanto a construir o espaço arquitetônico da escola junto às crianças tratam de questões que não me aprofundarei, porém me levaram a enxergar que dentro das escolas a valorização do lúdico e abstrato, linguagem natural da criança, é mínima na construção de um espaço, sendo este físico ou pedagógico. Esclareço-me então que do mesmo modo que eu consegui construir relações lúdicas, artísticas e culturais para aprofundar minha aprendizagem dentro da faculdade, as crianças, mesmo as menores também possuem capacidade e força para constru, contrariando a visão adultocêntrica2 de enxergar crianças como passivas na aprendizagem e não ativas. Assim, passei a me interessar pela cultura das crianças e como estas criam atividades baseadas no ato de brincar, na imaginação e na interpretação da realidade de uma forma própria.

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Para isso trouxe à luz aspectos da Sociologia da Infância, a qual apresenta e vê a criança como ativa no processo de socialização, conforme cita Corsaro in Delgado e Muller : (...)O pensamento da Sociologia sobre crianças e a infância deriva do trabalho teórico sobre a socialização, entendida pelas teorias tradicionais como o processo pelo qual a criança se adapta para internalizar a sociedade. Nessa perspectiva, entende-se a criança somente como consumidora da cultura estabelecida pelos adultos. Porém, as perspectivas teóricas interpretativas e construtivistas da socialização argumentam qua as crianças e os adultos, são participantes igualmente ativos na contrução social da infância e na reprodução interpretativa de suas culturas. (DELGADO,MÜLLER, 2009, p.2)

1. LIMA,1979, p.75

3. Op.cit, p 163 2. DELGADO, MÜLLER, 2009

Portanto, sendo as crianças portadoras de uma cultura própria diretamente ativa na construção social da infância, por que não pensar que seriam elas e suas culturas agentes também ativos na construção de novos espaços na cidade oportunos ao aprendizado3. Seguindo nesta direção, encontrei na mais genuína forma de expressão infantil, o brincar, o ponto central das relações

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lúdicas, abstratas, artísticas, culturais de aprendizagem que procurava e que podiam ser associadas diretamente aos espaços físicos da escola e da cidade.

O Brincar

tempo em que descobri o brincar como ponto chave de minhas indagações, encontrei fonte de pesquisa que parecia fazer a mesma pergunta que me fiz: Cadê o brincar? A frase dá título à dissertação de mestrado de Flávia Cristina Oliveira (BARROS, 2009) em que analisa as consequências da perda das atividades lúdicas e do brincar dentro do processo de educação da criança, não apenas no âmbito escolar, mas também como na sua formação como indivíduo. A referência se apresenta importante quanto a compreensão das dificuldades do ensino em escolas públicas – passando pelas burocráticas, políticas, de formação e interesses de professores, até questões mais profundas referentes à logica de mercado do sistema capitalista inserido nas políticas públicas educacionais – e quanto ao papel fundamental das atividades culturais e lúdicas para a formação do indivíduo. Dando início as argumentações, a autora rompe com uma suposição, que assim como ela eu também tinha, de que no espaço escolar as crianças do Ensino Infantil brincam mais que as do Ensino Fundamental. Esta ruptura, a leva a elencar os principais fatores redutores ao mesmo

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do brincar, no espaço da Educação Infantil, e os principais fatores que contribuem com o aumento dessa atividade 4, fatores que para mim se tornam pontos essenciais que devo ter em mente caso pretenda me aproximar das escolas como campo de ação. Entender, por exemplo, quais questões permeiam o Ensino Infantil e o Ensino Fundamental e quais suas diferenças quanto às idades das crianças e ao modo como os educadores lidam com as situações adversas de cada situação dentro do ambiente escolar, foram essenciais para construir uma visão de que as problemáticas da educação e ensino abrangem questões externas a escola, muitas vezes mais relevantes que as internas. Nessa amplitude também se insere a compreensão de questões relacionadas ao sistema político ecônomico vigente, como a autora mesma afirma: (...)As políticas educacionais atuais, impulsionadas pelos princípios do sistema vigente, tem-se pautado por preparar a criança para o mercado consumidor. Dessa maneira, o comprometimento com a formação social e integral do indivíduo está sendo cada vez mais relegado em segundo plano, o que afeta o curso do seu desenvolvimento. 5

4. BARROS,2009 p. 18

6. BARROS, 2009, p. 29.

em uma escola na cidade de Ourinhos -SP – em que ela constata a relevência da existência de um espaço junto a escola reservado às atividades lúdicas, artísticas e culturais, que possa ser livremente apropriado pelas crianças – e do projeto “Curiosidade, motivação e interdisciplinaridade: fios condutores de uma aprendizagem significativa”, com o qual consegue alcançar avanços no campo das disciplinas tradicionais, como escrita, leitura, matemática, informática e ciências, além de amenizar aspectos de diferentes naturezas, como a timidez e o índice de faltas 6 me trouxeram convicção da importância de ampliar os espaços relacionados às atividades do brincar, e toda cultura que a ele se associa, que parecem estar as margens, nas bordas, do aprendizado dentro das escolas.

5. BARROS, 2009,p. 34

Ler também sobre as experiências de Flávia Cristina como educadora e idealizadora do projeto de uma brinquedoteca

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O Contexto Histórico-Cultural do Brincar, Onde a Arte se Insere Contextualizar histórica e culturalmente o brincar também é preocupação de Barros, havendo neste contexto uma relação artística que me interessou. A relação da arte com a educação foi aspecto essencial que gostaria de tratar neste trabalho. Neste sentido a dissertação da autora me encantou novamente, pois conseguiu me dar bases coerentes e possibilitar criar a ponte essencial entre os dois universos. Partindo de uma análise histórica do surgimento do brinquedo como objeto relevante da vivência infantil, o texto apresenta a arte através das pinturas, a partir do século XIV, como sendo a linguagem cultural capaz de, com a sensibilidade dos artistas, evidenciar o brinquedo e o brincar de maneira que as formas de desenvolvimento infantil passassem a ser evidenciadas. “(...) Por volta do século XIV, os artistas, com sua sensibilidade, começam a prestar mais atenção às crianças e aos brinquedos.(...) A pintura começa a retratar as crianças envolvidas com os jogos, destacando-se a bola, a piorra e o cavalo de pau, o que também passa a ter

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força representativa quanto às “idades da vida”, “distinguindo a criança que começa a andar, o menino que gosta de correr e o rapaz que exerce a sua habilidade nos diferentes jogos de destreza”.7

7. MANSON apud BARROS, 2009 p.87

Passando também pelo século XVIII, a autora evidencia a relação das pinturas com a filosofia, No século XVIII, surgem pinturas que expressam sentimentos das crianças e seus brinquedos, como o quadro de Greuze, em que Denis Diderot (1713-1784), grande filósofo do século XVIII, ao apreciá-lo, percebe sentimentos e expressões, contemplando-o por meio de seus escritos: Que verdade! Que variedade de tons! E estas rosetas vermelhas, quem nunca as viu no rosto das crianças quando elas têm frio ou sofrem dos dentes? E estes olhos lacrimosos, estas mãozinhas entorpecidas e geladas, estes punhados de cabelos louros, espalhados pela testa, desgrenhados; apetece-nos pô-los sob a touca, de tal modo são ligeiros e verdadeiros... 8

8. DIDEROT apud MANSON apud BARROS, p 87

9. DIDEROT apud MANSON apud BARROS, p. 105.

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Além da relação da pintura, filosofia e poesia refletidas no texto, importante também para a conexão dos universos da arte e da educação, são as reflexões de Lev Semyonovich Vygotsky trazidas pela autora. A aproximação com o pensamento de Vygotsky, me permitiu perceber a profundidade da relação entre a educação e a cultura, esta para mim relacionada diretamente às manifestações artísticas várias. Levou-me a refletir que o “aprender” é muito mais amplo daquilo que a a escola como instituição pode oferecer. Que o aprendizado é uma apropriação de experiências vividas e que estas se difundem por toda parte, todo espaço, toda a vida, e que, portanto, qualquer ação que se proponha a proporcionar um aprendizado, qualquer que seja, deve estar pautada na relação homem-mundo, de maneira mais difusa possível. Lev Semyonovich Vygotsky, um dos principais representantes da Teoria Histórico-Cultural, nas áreas da Psicologia e da Educação - levando em conta sua devida relevância bem como seus pares, que não cabem aqui ressaltar - pautato pelas ideias marxistas, entende o homem como resultado de suas relações sociais e da apropriação dos objetos da cultura, em sua trajetória de vida. Nesse sentido, para o autor, estudar o homem e seu processo de educação é crucial para compreendermos o seu processo de desenvolvimento 9.

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Nesta direção, vejo os espaços escolares como lugar propício à difusão cultural, onde as relações das crianças e adolescentes se intensificam ,legitimando-a como desencadeadora de novas experiências, sentimentos e conflitos. Porém estando as escolas brasileiras pautadas em políticas educacionais atuais, baseadas em princípios mercantilistas , através de mecanismos reguladores, como o uso dos materiais didáticos, apostilas, organização escolar, conceito de disciplina, e formação de professores 10, percebi que dinâmicas de aprendizagem , relacionadas ao brincar e as manifestações artísticas, ficam relegados a um segundo plano, nas bordas, e por assim sendo, é complexo e difícil sua inserção como linguagem central de formação dentro do processo educacional da infância e adolescência. Como consequência, o convívio social fora da escola e apropriação dos espaços públicos da cidade acabam perdendo seu sentido formador, e as redes sociais que junto a eles se formam se fecham cada vez mais, tornando-nos menos ativos nos processos de transformações cidadãs.

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Direcionamentos possíveis no Brasil

10. Op.cit, p. 108

Voltando um pouco ao início, gostaria de apresentar algumas reflexões a respeito de duas referências importantes, que significaram para mim a concretude de mudanças possíveis no contexto brasileiro. São elas, as Escolas Parque formadas por Anísio Teixeira, e o projeto Bairro- Escola da ONG Cidade Escola Aprendiz. Confesso que tenho certa dificuldade em dizer sobre tais projetos, pois sobre eles criei expectativas fortes de direcionamentos possíveis pessoais. Resolvi escrever este trecho por último, achando que teria mais claras as ideias daquilo que gostaria de evidenciar, no entanto, ainda continuo tentando entender quais foram as perguntas inquietas que as Escolas Parque e o Bairro Escola conseguiram responder. Entre o pouco que consigo declarar, acredito que os projetos me interessaram pela abrangência e relação entre educação, cidade e cidadania que ambas apresentam, configurando uma realidade possível, atual e próxima. Uma amplidão de ideias que se concretizam no espaço físico da escola e da cidade simultaneamente, que tornam o aprendizado natural, sem sacrifícios e obrigações para as crianças ao mesmo tempo que ativam mudanças sociais. As Escolas Parque baseadas nas Escolas Platoon dos

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EUA 11, me interessaram pelo princípio e coragem de Anísio Teixeira em pensar a escola como “um lugar onde a criança, além das atividades corriqueiras de leitura, aritmética e escrita, pudesse ainda, em dia letivo completo, ser introduzida às ciências físicas e sociais e, mais, complementar-se com o aprendizado das artes industriais, desenho, música, dança e educação física” 12, em que as crianças interagem entre si e com espaços externos ao se deslocarem entre edifícios – o da Escola Parque e os das Escolas Classe – que levam a estímulos diversos. Pensando na minha pessoal interatividade entre a sala de aula e as atividades “extra curriculares” relacionadas a arte, cultura e a cidade , desenvolvidas ao longo de minha trajetória de aprendizado, senti familiaridade ao tipo de ensino incentivado e acreditado por Anísio Teixeira. Imaginei as crianças de Salvador – onde aconteceram as primeiras experiências das Escolas Parque – , fazendo relações com os que vivem entre os espaços das Escolas Classe ( escolas de tipo comum focadas em ler, escrever e contar) e as Escolas Parque ( de atividades socializantes, artísticas, culturais, etc) , assim como eu fiz durante a faculdade entre as atividades formais, da sala de aula, e as aventuras que aconteciam por vezes no Piso do Museu e no Caramelo da FAU, e/ou que se espalhavam pela cidade, pelo Brasil e até fora dele. Ainda sobre relações entre experiências vividas e leituras feitas – que parecem ser minha força motriz - ,observando

os esquemas de implantações desejadas por Anísio Teixeira para o município de Salvador na Bahia e lembrando da tarde que passei no Cantinho do Céu , em uma oficina de desenho que propusemos ali, devido a FAU MOSTRA Projeto 2010 (durante a qual pude entender dinâmicas entre os lugares que os moradores dali frequentavam ) me indaguei mais uma vez sobre as conexões entre ensino e cidade, já apresentadas por Anísio Teixeira e que foram ampliadas para mim quando, por conta deste trabalho de graduação entrei em contato com o projeto Bairro -Escola, da ONG Cidade Escola Aprendiz.

11. Sistema de ensino americano (EUA) que flexibilizou e modernizou os parâmetros de educação, enriquecendo o currículo escolar com matérias especiais ( arte, música desenho, trabalho manual e ciência) que compoem o aprendizado simultaneamente à disciplinas fundamentais de leitura, escrita e matemática. O sistema também trouxe relevantes modificações ao pensamento do espaço escolar, adequando o ambiente escolar de acordo com o melhor aproveitamento para a aprendizagem infantil. Ver em DUARTE, Hélio de Queiroz. Escolas Classe, Escola Parque. Org. André Takya, 2009, São Paulo, FAU-USP

12. DUARTE, 2009, p. 109

Propostas de implantação das escolas-classe e escolas-parque em Salvador, BA.

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Propostas de implantação das

a Carta das Cidades

escolas-classe e

Educadoras de 1990.

escolas-parque em Salvador, BA.

O projeto do Bairro Escola segue na direção de uma educação cidadã, onde o aprendizado não acontece apenas pelo espaço escolar e não é responsabilidade somente deste, mas da sociedade como um todo. O processo de aprendizado do Bairro Escola se baseia em uma educação

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13. De acordo com

integral direcionada através das mais variadas experiências, tomando a cidade em seu papel de cidade educadora 13. As experiências do Bairro Escola, no Bairro da Vila Madalena, em Nova Iguaçu (RJ) e Belo Horinte, me fizeram aproximar mais ainda da ideia de vivência como aprendizado, relacionada a apropriação dos espaços públicos da cidade e de todo o conhecimento que esta pode oferecer, seja através de um cinema ao ar livre, de uma exposição no museu ,de um dia em uma biblioteca pública ou mesmo de uma tarde de brincadeiras no parque. Estes contatos podem criar redes de relações locais e democráticas, as quais possibilitam que pessoas sejam conhecidas e histórias sejam trocadas, sendo estas, acredito, a base essencial de uma educação capaz de modificar uma sociedade. Compreendi, no entanto, que o Bairro-Escola muito mais que um projeto, configura um ideário de transformação, da qual todos nós fazemos e devemos ser parte, buscando a todo momento nos movimentar para que aconteça, que seja aos poucos, que seja pelas bordas, mas que seja alcançada a cada dia. Assim, de maneira simplória evidencio os rumos da educação e da cidade que nortearam minhas buscas, não apenas durante este trabalho final de graduação, mas sobre grande parte de meu percurso na faculdade e acredito que se seguirá fora dela. As descobertas na área da educação, que se ampliaram devido a este trabalho, acredito terem

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configurado um pequeno começo do que vem pela frente, e mesmo dando por encerrado este capítulo, dou apenas por iniciado o aprendizado sobre os direcionamentos possíveis das melhorias da educação no Brasil.

Experiências Artísticas e Lúdicas

“Toda criança é artista. O problema é como permanecer artista depois de crescer”. Picasso

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Horizontes na arte formal

Para evidenciar a dificuldade de inserção de outras linguagens de aprendizagem, no caso as artísticas, aos espaços escolares, me lembrei de uma conversa com educadores do setor Educativo do MAM-SP. Logo ao inicio deste trabalho fui ao MAM, no Parque Ibirapuera em busca de um material específico, e quem sabe – pensei eu – , de uma pequena conversa para entender o trabalho dos setores Educativos em exposições e museus. Depois de encontrar o que precisava, comecei a explicar um pouco de minhas intenções relacionadas a arte e a educação, e meu desejo de inserir nas escolas públicas atividades artísticas, que pudessem estar ligadas às atividades educativas de museus e exposições. Não consegui me estender muito na conversa, porém me lembro bem quando um dos educadores me disse “ esse é nosso sonho, se você precisar podemos ajudar com certeza”. Aquelas palavras ficaram em minha mente. Ainda não conhecia muito – e continuo a não conhecer – sobre as formas de aprendizado dentro das escolas públicas e como elas funcionavam, e confesso que com certa ingenuidade me perguntava por que seria tão difícil assim levar este universo para dentro das escolas, de forma ativa e contínua, afinal

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vejo tantos grupos de escolas públicas nas exposições, por que o inverso seria tão difícil? 14 Não muito apegada a responder esta questão, mas instigada com as atividades educativas que os ambientes formais da arte oferecem, e tomada pelo encantamento e interesse pessoais em exposições e museus – encantos proporcionados ativamente pelas experiências expositivas vividas entre as bordas da faculdade – fui em busca de entender melhor a relação já existente entre as manifestações artísticas e a educação. Inicialmente procurei espaços formalizados na arte onde as crianças estivessem envolvidas em seu processo de criação e apropriação. Cheguei então a museus, exposições e trabalhos de artistas que tinham/tem como público alvo as crianças, e a partir daí os caminhos foram surgindo naturalmente. Apresento a seguir algumas destas referências.

Exposição itinerante Arte para Crianças curadoria: Evandro Salles 2009, Brasil

14. A resposta a esta pergunta foi dada claramente pelo processo e vivência do TFG, o que comprova seu papel como

A exposição trazendo obras de artistas como Cildo Meireles, Athos Bulcão, Yoko Ono, Nuno Ramos, Amilcar de Castro, Tunga entre outros propôs uma relação entre obra de arte e o brincar da criança. O sentir, mais que o conhecimento formal do artista ou da obra, foi levado em questão, proporcionando a livre apropriação da criança ao espaço e às obras. Incentivando o contato com a arte e os artistas através do brincar.

processo essencial à minha trajetória de aprendizagem.

Exposição itinerante Arte para Crianças curadoria: Evandro Salles 2009, Brasil

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Exposição itinerante Arte para Crianças curadoria: Evandro Salles 2009, Brasil

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Exposição A Experiência da Arte curadoria: Evandro Salles 2014, Brasil Exposição que segue a mesma direção de Arte para Crianças, trazendo a tona a adaptação de outras obras e artistas ao universo do brincar e do sentir.

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Museo de Los Niños 1999, Buenos Aires, Argentina El museo propone un espacio enriquecedor y alternativo de encuentro que integra juego, movimiento, percepción, comprensión y expresión, incentivando la curiosidad, el interés por el conocer y la imaginación desde una mirada transformadora. Basado en la Declaración de los Derechos del Niño, ha sido diseñado para propiciar en cada niño, el desarrollo de sus propios potenciales: “aprender haciendo” y “jugar y divertirse aprendiendo” son para nosotros conceptos fundamentales.El Museo está dedicado a chicos hasta 12 años, a sus familias, educadores y a través de todos ellos a la comunidad. Y para los más pequeños, hasta 3 años, tiene dos salas blandas especialmente construidas para estimular su actividad. www.museoabasto.org. ar/que_es.asp

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Children’s Museum of Arts Nova York, EUA “a nonprofit arts facility that brings hands-on art programming to children throughout New York City. Our staff of practicing teaching artists guide and mentor young artists ages 10 months to 15 years through fun and advanced art projects, ranging in a variety of techniques and mediums.” cmany.org/visit-us-2/

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Canadian Children’s Museum Quebec, Canadá The Canadian Children’s Museum aims to enrich children’s lives, broaden their cultural experiences and provide them with a creative space in which to learn about the world. It is committed to the promotion of intercultural understanding among children and improving cultural, social, and educational oportunities for children where they live, learn, work and play. First and foremost, the Children’s Museum is client-centred, specifically serving children up to age 16 and their families, schools and community groups http://www.historymuseum.ca/childrens-museum/generalinformation/about-the-canadian-childrens-museu

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Instalação Moderna Museet artista Palle Nielsen1968, Estocolmo, Suécia “(...) The reason for making an educational exhibition at the Moderna Museet in the following: the debate about new art has increasingly developed into a debate about enviroment. The individual work of art is becoming less interesting. It is the context, the social implications that are moving to the foreground. (...).” www.architekturfuerkinder.ch/index.php?/pioniere/ palle-nielsen/

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Não me considero apta hoje a dizer algo sobre os rumos da arte, nem mesmo a explicitar qualquer visão crítica sobre a mesma. Não sei quais são as palavras e universos que a definem, ou mesmo se existe uma definição, mas posso dizer da sensação que ela me traz e do modo como endossa em mim a linguagem do sentir, aguçando a sensibilidade. Por ver na arte o estímulo do sentir, e acreditar que esta é a linguagem de mudanças, ou de sentimentos importantes que nos tornam verdadeiramente seres humanos , acredito que ela deva estar presente desde o início de nossa formação, na escola, em casa, no parque, no museu, na praça, na rua. Vejo também a arte como experiência, e em casos em que assim é vista, como fizeram Hélio Oiticica e Lygia Clark em alguns de seus trabalhos dos anos 60 15, a mesma pode assumir dimensões outras, como a função de contestar paradigmas. A dimensão de contestação, que parece ser intrinseca à arte, se analisarmos desde as vanguardas da arte moderna e seus manisfestos por exemplo, é outro aspecto que me faz acreditar em seu poder transformador, que pode modifificar significativamente alguns rumos dos métodos de aprendizagem atuais, e continuar a fazê-lo sempre que se tornarem paradigmas. Neste aspecto, outra referência significativa foram os “Domingos de Criação” do MAM – RJ, no ano de 1971, propostos pelo crítico de arte Frederico Morais, em que no

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ultimo domingo de cada mês, entre janeiro e julho, Morais

16. http://encontros.art.br/

“convidou uma série de artistas para realizar diversas manifestações ligadas a materiais como o papel, a terra, o tecido, o corpo, o som e o fio nas bordas (grifo meu)do MAM – RJ. Cada Domingo tinha seu título ligado a um questionamento crítico sobre o dia da semana consagrado ao ócio inerte das famílias. A proposta era oferecer novas formas de lazer criativo para a população da cidade, aliando arte e participação pública.” 16

domingos-no-mam

Tomando como partido o estímulo à criatividade por meio do emprego de novos materiais durante as manifestações , Frederico Morais com os “Domingos de Criação” atuou no ensino e na aprendizagem. Com a visão de que:

15. MORAIS, 1975

17. MORAIS, 1975, p. 65

“A arte deve ser encarada como um instrumento da vida, ajudando o ser humano a se encontrar, produzir-se a si mesmo.” 17 e que “(...) a arte tende a dissolver-se no quotidiano, como atividade, e confunde-se com a vida –

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puro fluir –; se busca a rua, como forma de libertação, o museu, como consequência, deixa de ser o mero entreposto de originais, para transformar-se em um propositos de atividades lúdicas a se desenvolverem no espaço-tempo da cidade. Esta é o grande salão de exposições. Mas também seu maior e principal ateliê” 18

18. Op. Cit.

Domingos de Criação artista|crítico de arte: Frederico Morais 1971, Rio de Janeiro, Brasil

Frederico Morais me fez acreditar mais ainda na associação da arte com a aprendizagem e educação, acrescentando, no entanto, que o espaço público da cidade também pode, e deve, ser palco desta relação. Nesse sentido evidenciarei a seguir outro modo de apropriação destes espaços, ao qual me aproximei paralelamente às manifestações artísticas – de maneira que ambos se tornaram unos – : os playgrounds Domingos de Criação

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Playgrounds

Orquestra mágica - Sesc Itaquera

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O contato com a arte formal entre exposições, museus, instalações e com os artistas a ela envolvidos, aliado ao interesse pelas atividades do brincar, me levaram a um novo universo de pesquisa: os playgrounds Os playgrounds como referências significaram para mim a materialidade no espaço físico de questões do ensino e da aprendizagem aliados às questões da arte , do brincar e da apropriação do espaço público. A liberdade que vi os playgrounds proporcionando às crianças no momento do brincar, foi o motivo que me trouxe o encanto inicial, proporcionado por uma visita ao SESC Itaquera, dentro da Orquestra Mágica, um playground com estímulos musicais que ali se encontra. Ver as crianças livres, sem nãos dos pais ou medos, criando as mais diversas sonoridades junto aos intrumentos que este espaço propõe, além de vê-las incansáveis e felizes podendo tudo tocar e sentir, me fez viver o sentido e importância do brincar e da música – esta como manifestação artística – para o aprendizado. E nesta vivência, me pareceu que o que vinha refletindo por meio de leituras e textos se concretizara ali, em forma de tambores , apitos, pedestais, polias, escorregadores e sanfonas no meio do parque.

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Foto pessoal da Orquestra mágica

Playgrounds diversos escultor Joseph Brown 1950-1960 Princeton, EUA

Como criança curiosa fui me aventurando também por aqueles sons e trepa-trepas e percebi que nada ali era óbvio e nem sempre era fácil de mexer ou de tirar som. Fiquei instigada. Encantada. E percebi que aquele poderia ser o espaço físico capaz de difundir manifestações artísticas como aprendizado em forma de brincadeira. A partir dai mergulhei novamente nas leituras e referências. Aprendi então que brincadeira de playground é “coisa séria”, e portanto passei a me aprofundar. Entre descobertas importantes, alguns trabalhos se destacam.

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Wild Kingdon Playspace We Made That 2012, Londres Reino Unido

Children’s Playground Romi Khosla Design Studio 2010 Haryana Índia

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playground anos 70 autor desconhecido

Requalificação Urbana Piazza San Giovanni Decolato LAMA+, 2013, Terni (TR), Itália

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Traxing Fir Rehwaldt Landschaftsarchitekten Waldkirchen, Alemanha

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The Colorfull Primary Structure Jacob Dahlgren

Sculptural Playground ANNABAU 2009 Wiesbaden, Alemanha

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The Zürichhorn Playground Vetschpartner Landscape Architects 2008, Zurich Suécia

Van Beuningenplein Playground Carve Landscape Architecture 2007, Amsterdã Holanda

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Van Campenvaart Playground Carve

Landscape

Architecture

Esculturas Bernhard Luginb端hl

2010 , the Hague Holanda

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USW Niamey: lets do it together! Basurama 2011, NigĂŠria Africa

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USW Lima: Ghost Train Park Basurama 2010, Lima Peru

Imagination Playground Rockwell Group 2010, Nova York EUA

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Green Sift NIPaysage Montreal, Canadรก

The climclamberhangsitfootballcurtaintheatretube Kaptain Roodhat Ypenburg Holanda

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Playgrounds Aldo Van Eyck Holanda

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Playgrounds Mitsuro Senda 1968 -2011, Jap達o

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O contato com os playgrounds, que quase em sua totalidade estão inseridos nas paisagens urbanas das cidades do mundo todo, me fizeram refletir a respeito da construção e apropriação destes espaços no território urbano, reflexões que, como já dito, foram trazidas também pelos “Domingos de Criação” de Frederico Morais. Apresento, portanto alguns pontos destas reflexões, pouco aprofundada mas que não poderia deixar de evidenciar.

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Sentir a cidade

19. NEGRÃO,2014, p. 9

20. Utilizando tal argumento pretendo evidenciar as experiências de outros trabalhos finais de graduação como relevantes referências

Aprender sobre arquitetura e urbanismo na FAU me fez enxergar as cidades como um organismo vivo do qual fazemos parte, sendo – como seres humanos repletos de necessidades e carências – , responsáveis ativos pelos seus movimentos, mutações e transformações. Considero as experiências vividas pela cidade de São Paulo, e outras tantas que visitei, no entre bordas como essenciais ao meu aprendizado. Participar de ações em que as pessoas se apropriam do território urbano das cidades, como durante as manifestações do Coro de Carcarás (“Maracatu da FAU”), ou nos jogos universitários e encontros estudantis de arquitetura, e também em oficinas e saídas fotográficas por São Paulo e outras experiências, me trouxeram a inquietação quanto ao modo que estamos construindo nossas cidades e a consequente relação com a apropriação do espaço público. 19 Não tenho intenções de me delongar sobre o assunto – não apenas pela sua abrangência, mas também por considerar contempladas minhas inquietações em experiências recentes de colegas em seus trabalhos finais de graduação 20 – , porém o trago a tona, pois em grande parte das vezes os playgrounds foram apenas a escolha material de

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uma intenção central de promover a apropriação de espaços públicos nas cidades. Neste contexto, destaco, por exemplo, as iniciativas de Aldo van Eyck e do grupo basurama. Aquele devido ao processo de ressignificância e valorização de espaços residuais da cidade e/ou destruídos pela guerra, por meio de playgrounds que incentivaram o uso público destes espaços, trazendo uma nova dinâmica e esperança aos habitantes de diversas cidades holandesas; e este por desenvolver atualmente práticas e ações de dimensões culturais e lúdicas, reciclando materiais de descarte (“basura”) a fim de construir relações sociais em espaços esquecidos e desvalorizados de diversas cidades do mundo, incentivando também e difusão da apropriação dos espaços públicos , espaços estes , no caso, degradados ou esquecidos. Tais ações de ambos autores, associadas ao caráter temporário de uma interação social que ressignifica um lugar, como acontece com uma exposição temporária, ou uma instalação ou performance artística , me permitiram retornar e conectar playgrounds ao contexto da arte. Esta conexão, se apresentou em muitos casos pelos teores programático e conceitual das ações, como se comparassemos por exemplo as intenções de Palle Nielsen com sua instalação no Modena Museet e do grupo basurama em playgrounds construídos com simplicidade e com a participação dos usuários. No entanto vi também conexões de teores estéticos entre playgrounds e obras artisticas, que me clarearam ainda mais a união destes universos, como

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aconteceu por exemplo na aproximação encontrada entre a instalação “Dengo” de Ernesto Neto e os playgrounds costurados da artista japonesa Toshiko Horiuchi MacAdam.

na concepção deste trabalho. Coloco-o em destaque por ter percebido, durante a vivência deste processo de aprendizado que é o TFG, que os trabalhos de colegas são amplamente consultados pelos

playground Toshiko Horiuchi MacAdam

estudantes, porém que poucas vezes assumem posições centrais como importantes referências, ocupando assim as bordas que tanto acredito que devam ser ampliadas.

Dengo Ernesto Neto

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Desta forma, em análise circular, acredito ter evidenciado o quanto as reflexões entre playgrounds, manifestações artísticas e espaços públicos caminharam sempre juntos durante as pesquisas e descobertas. Então, a partir destas reflexões entre cada contexto, que espero ter conseguido costurar de maneira clara, parto para um segundo momento, em que apresentarei o processo de minhas ações e intenções sobre espaços existentes da cidade de São Paulo, com os quais entrei em contato.

Práticas possíveis de um encanto existente

“As cidades como os sonhos são construidas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas e que todas as coisas escondam uma outra coisa.” Italo Calvino

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Mecanismos e movimentos

Considero este momento como a materialidade de um pensamento, no qual o encantamento pelas ideias passou a ser visto como formas concretas no espaço físico. Levando em conta um interesse inicial de me aproximar de uma arquitetura em movimento 21, fui aos poucos dissecando playgrounds, exposições, instalações, brinquedos, brincadeiras, projetos de edificações, manifestações culturais, mobiliários etc. Cheguei, com isso, a dois planos: o das ideias e o das formas. Sem desconsiderar os vínculos entre um e outro, elenquei elementos dentro das referências apresentadas, dividindo-os de acordo com variações de mecanismos e movimentos que me interessavam. Fazendo isso, dispondo-os a minha vista quase como um mural de ferramentas em uma oficina, consegui ter a mão todos os elementos e suas funções, que me serviriam de base para qualquer ação posterior que desejasse. Entender o conjunto destas variações, portanto, me ajudou a prever possíveis dinâmicas que eu gostaria que existissem quando uma interação humana se associasse a um elemento em um determinado espaço físico. Por exemplo: no caso de uma corda, elenquei os movimentos e mecanismos de amarrar, estender, pendurar, conectar, que

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21. BOGÉA, 2009.

com isso possibilitam ações como por exemplo brincar, sombrear, e até mesmo sentar, como no projeto do Vines Pavilion, em Oklahoma. Dessa forma fui buscando e separando as referências que já tinha e outras novas, em base a seus elementos e variações principais, de acordo com: simplicidade, leveza, flexibilidade, adaptação, deslocamento, armazenamento, compactação e agrupamento. A estes grupos dei o nome de famílias. A seguir apresento uma amostra das referências subdivididas de acordo com as famílias. A esse respeito destaco ainda, para melhor compreensão das imagens que se seguirão, que muitas vezes uma mesma referência poderia fazer parte de diversos grupos, como um mobiliário que classifiquei em um grupo de simplicidade e leveza poderia se encaixar simultaneamente em flexibilidade e compactação, por exemplo, mesmo que nesta presente separação eu não os tenha feito. As famílias evidenciaram desejos de agir e conectar materiais de fácil acesso por mecanismos simples, ao mesmo tempo eficientes, que não apenas adultos pudessem manipular com facilidade, mas também crianças. Que pudessem ser instalados em espaços públicos e abertos, sujeitos a intempéries e que, pelas mesmas razões, devessem ser resistentes. Também desejei a fácil manutenção e independência de maquinários sofisticados, além de familiaridade das pessoas com os elementos,o que ,ao meu ver, estimularia sua apropriação.

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simplicidade e leveza

5

3

1

6

4

7

2

100

1. brincadeira caseira seejaneblog.co 2. brinquedo Teton County Children’s learny center

4. Papier Mache www.papier-mache.com.a 5. Pllayground Get Lost - Donna Wilson

3. Stair Square - Mark Reiguelman 2007 theacessiblecity.com

6. USW Niamey - Basurama, NigĂŠria 7. Ghosts in the Machine 2012, New Museum, Nova york 101


flexibilidade e adaptação

1

5 1. mesa para crianças thearchitectureofearlychildhood.com 2

3

2. TRILHO “COBRA” produto Eclisse 3. cadeira “Oyster” Kawamura Ganjavian 4. Children’s Playground Romi Khosla Design Studio 5. Otranto Urban Regeneration Workshop Renzo Piano

6. Foodtruck - HASSEL

6

4 102

103


deslocamento e armazenamento

1

5

4 1. Exposição Eduardo Souto de Moura Exhibition Galery -FAUP 2. DIY:tire toy box - recyclart.org 3. Imperial War Museum Manchester EUA 4. playground - Protoroz 5. Lego construction table instructables.com

6. sliding lid sandpit fabuloushomeblog.com 2

3 104

6 105


compactação e agrupamento

5 2

1 106

3

6

4

7

8 107


página anterior: 1. mobiliário - teamconfetti.nl 2. Brinquedos educativos thearchitectureofearlychildhood.com 3. Mobiliário de Pallets 4. Vines Pavilion - MADE Tulsa, Oklahoma. 5. Studio 400 - instalação White Galery 6. Instalação Jee Young Lee 7. Jogos Infantis thearchitectureofearlychildhood.com 8. MOBILIÁRIO This Steel Stool Noon Studio

Nessa direção comecei a “brincar” com as ideias, juntando elementos das famílias em intenções de criar dispositivos que pudessem ser aproveitados das mais variadas maneiras, levando em conta os partidos citados acima e a alternância essencial entre o brincar e as manifestações artísticas. Mostro então a seguir alguns desses ensaios.

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estudos baseados nos paineis giratórios do playgound Romi Kosla e elementos da orquestra mágica

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estudos baseados na instalação de Palle Nielsen, Moderna Museet 110

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estudos baseados na instalação de Palle Nielsen, Moderna Museet 112

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estudos livres de sistema de coberturas deslocรกveis 114

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estudos livres de um playground “esconderijo que abre” baseados no projeto de requalifição urbana na Piazza San Giovanni Decolato.

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estudos livres de um sistema para sustenção de cobertura móvel

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Assim, com os pensamentos e ideias organizados, os instrumentos elencados e a energia para desenhar intenções, precisava então de um espaço, para tornar real a experiência que até então estava apenas no papel e na mente. Um espaço de ação, que se configurasse como um lugar 22 de interações.

22. Lugar em sua abordagem

Territórios Reconhecidos

humanística, quanto espaço vivido, marcado pela experiência e percepção quanto construção socioespacial, onde nele não se somam apenas objetos,

“Hoje, certamente mais importante que a consciência do lugar é a consciência do mundo, obtida através do lugar” Milton Santos

mas um sistema de relações. (MOREIRA,2007)

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Elencados os instrumentos das práticas existentes, presentes nos referenciais teóricos, e pensando nas convicções que me trouxeram quanto as aproximações entre o universo da aprendizagem e das atividades artisticas, lúdicas e culturais, compreendi então que a continuação desta descoberta – e constante aprendizado pessoal – estaria em uma experiência de convivência. Comecei então a busca por um lugar na cidade. De preferência que fosse próximo à minha rotina e vivência. Um lugar entre outros de São Paulo onde eu já compreendesse sua dinâmica, portanto escolhi a região onde moro, o Butantã, também onde sempre estudei. Pensei que a experiência deveria estar junto a um espaço escolar. Em um exercício de memória, apenas baseado em minha vivência pessoal, fui tentando lembrar de lugares e escolas da região. Naturalmente, lembrei da escola onde estudei. Não pensei em nenhum instante escolhê-la para uma possível experiência, pois entre outras questões

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pessoais, as condições de escola privada não faziam parte de meus objetivos. No entanto, sua localização me levou a uma outra escola que me pareceu interessante, a EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Desembargador Amorim Lima.

23. Em decorrência da Operação Urbana Vila Sônia a Prefeitura de São Paulo apresentou projeto de um tú nel que ligaria a Avenida Corifeu de Azevedo Marques

proximidade da minha escola com a EMEF Des. Amorim Lima

e Avenida Eliseu de Almeida, importantes avenidas da região. Para realização da obra parte da Praça Elis Regina e do

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A partir da leitura de Cadê o brincar? e as experiências de Flávia Cristina em projetos dentro das escolas, como o projeto da brinquedoteca em Ourinhos - SP ,fiz um recorte de qual período escolar pretendia focar, escolhendo as escolas públicas de Ensino Fundamental, com faixas etárias variando de 6 a 14 anos. Nesse sentido a EMEF Desembargador Amorim Lima mais uma vez me pareceu adequada. Além da intenção de escolher uma escola que fosse pública e que correspondesse ao período do Ensino Fundamental, pensei que seria importante que as bordas da escola fossem um território ativo, com dinâmicas sociais e urbanas relevantes ao uso do espaço público.Dinâmicas estas que pudessem ser usufruidas e ampliadas quando em interação direta aos movimentos de aprendizagem da escola em questão. Pensando assim, a EMEF Desembargador Amorim Lima, mais conhecida como Amorim, apresentou uma situação coerente aos propósitos, pois compondo suas bordas estão: a praça Elis Regina, onde inicialmente como “movimentos de resistência” 23, acontecem periodicamente eventos que promovem atividades culturais

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Parque da Previdência seriam destruidos, o que mobilizou entidades e moradores do bairro contra a obra. Para isso, além de contantes pressões e abaixo assinado entregue a Prefeitura os moradores da região propuseram atividades culturais periódicas na praça, afim de promover e incentivar a apropriação deste espaço público importante na dinâmica do Butantã. As constantes pressões conseguiram modificar os rumos do projeto do túnel ao mesmo tempo em que ampliou o uso da praça por atividades culturais que continuam a acontecer.

Ver mais em: http://blogs. estadao.com.br/jt-cidades/

cartazes eventos culturais realizados na praça Elis Regina.

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prefeitura-desiste-de-tunelem-praca-do-butanta/http:// www1.folha.uol.com.br/fsp/ cotidian/ff2007201009.htm

feiras semanais, dinâmica urbana que considero dar vida ao espaço da rua; além de outras escolas públicas, passíveis de serem trabalhadas em conjunto. (localizar o amorim Lima) No entanto, o Amorim, possui alguns aspectos que a diferenciam das demais escolas públicas da região. O processo de aprendizagem ali se baseia nos métodos da Escola da Ponte, em Portugal 24, construtivista e não tradicional. Este fato me levou a analisar mais cuidadosamente uma possível parceria. Perguntei-me se escolher o Amorim poderia ser furtivo aos ideais de compreensão e experiência dentro de uma escola pública que eu enxergava “convencional” – incluindo as dificuldades de infra-estruturas e formações pedagógicas que permeiam o ensino público brasileiro– e se escolher o Amorim Lima como situação não seria um pouco mais confortável às minhas intenções a escolher uma escola de metodologia e espaço tradicionais. Ao mesmo tempo que estava com estas questões em mente, segui a procura de contatos dentro das escolas da região, que me podiam facilitar o acesso e apresentação de minhas intenções. Encontrei através de uma amiga, uma professora que trabalha na Diretoria Regional de Ensino do Butantã (DRE,sigla e como é referida pelos profissionais da área de ensino), que se dispôs a me ajudar com os contatos que fossem necessários.

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Durante a conversa, ela mesma me abriu portas à uma situação a qual faz parte, envolvendo a escola em que trabalhou, a EMEF Ileusa relacionada ao projeto de Parque Linear Nascentes do Ribeirão do Jaguaré , no bairro periférico do Jardim Educandário , ao qual a escola e seus alunos, a comunidade e a subprefeitura estavam focados em desenvolver coletivamente. Porém, por desvios de interesse político, o projeto deixou de fazer parte do foco da Prefeitura, deixando ali o sentimento de abandono e frustração, segundo a professora me relatou. A situação apresentada me interessou, e me fez cogitar escolher a EMEF Ileusa para uma possível ação. Reconhecer ali uma relação escola-comunidade-bairro subsidiada por uma intenção política e aliada a uma realidade urbana de marginalização, vivida na periferia da cidade, me instigou bastante. E com essa conversa meus horizontes de escolhas se ampliaram ainda mais, instigada o suficiente a escolher mais uma situação de borda, dessa vez a da cidade, o que me levou a desconsiderar mais uma vez o Amorim como campo de ação. Mesmo tendo cogitado a possibilidade de ação na EMEF Ileusa, também a desconsiderei. Pensei que as relações entre a escola, a comunidade e o possível parque já estivessem um tanto desgastadas , o que possivelmente me levaria a um quadro de questões um tanto complexas que não teria tempo de trabalhar no percurso do TFG.

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24: Ver mais em amorimlima.org.br/ institucional/31-2/

Assim, tendo enxergado claramente todas as diretrizes para uma escolha, – uma escola pública, com dinâmico espaço público do entorno que pudesse ser apropriado e, situada em condição periférica no contexto urbano e social de São Paulo – entre as bordas, que me trouxeram foco e objetividade, continuei a busca. Durante a mesma conversa, voltando ao motivo pelo qual me aproximei, comentei com a professora sobre meu interesse na EMEF Desembargador Amorim Lima para o projeto, mas que ainda não havia definido a escola a qual me aproximar. Ela me apresentou então, no site do Portal da Secretaria Municipal de Educação, uma página em que são discriminadas todas as escolas do município de São Paulo trazendo, ao clicar em cada uma,seus dados e números, como sua localização, qual tipo de ensino, quantos alunos matriculados, quais e quantos ambientes a escola possui,etc. A seguir seu formato:

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25. Nomenclatura utilizada pelo Portal da Secretaria Municipal de Ensino na página http://portalsme.prefeitura. sp.gov.br/Escolas. São discriminados ali a presença ou não dos ambientes e a quantidade de cada um deles.

A partir então deste caminho prático e, a meu ver, confiável, passei a descobrir os dados e situações de todas as EMEF’s subordinadas a DRE do Butantã. Com os endereços de cada escola, fiz uma pesquisa rápida de localização pela internet e começei a levantar as escolas que me interessavam,utilizando as diretrizes mencionadas acima e minha vivência pessoal como moradora da região – o que me coloca em condição de inserção mínima aos contextos sociais e dinâmicas urbanas das localidades apresentadas. Para cada escola levantada analisei brevemente os dados apresentados na página, atenta principalmente ao número de alunos matriculados e total de ambientes por escola – por considerar que minha leitura leiga na dinâmica escolar não me permite tirar conclusões relevantes baseandome nos demais dados. Analisei os programas das escolas comparando-os ao número de alunos matriculados. Levei em questão também a presença ou não de EJA (Educação de Jovens e Adultos), pois assim conseguiria saber se parte dos matriculados estudavam apenas no período noturno. A apresentação do programa das escolas no site é feita pelos seus ambientes: Salas de Aula, Quadra, Salas de Leitura, Rampa, Parque, Laboratórios de Informática e Sanitário Deficiente. Algumas poucas apresentam Brinquedoteca e outros ambientes entitulados Laboratórios Diversos 25.

imagens portal da Secretaria Municipal de Educação

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Localização EMEF`s subordinadas à DRE Butantã 3

1

4

2

5 130

131


6

7

8

1. EMEF Alipio Andrada Serpa 2. EMEF Vila Munk 3. EMEF Arthur Whitaker 4. EMEF Deodoro da Fonseca 5. EMEF Terezinha Chica de Medeiros 6. EMEF Viana Moog 7. EMEF Dom Duarte 132

8. EMEF Echegoyen 9. EMEF Pedro Nava Notar proximidade das escolas com รกreas verdes, sendo algumas delas praรงas e parques. 9 133


27. DUARTE, 2009, p.123. para estas escolas, tal qual funcionam as estruturas das Escolas Parque, de Anísio Teixeira e Helio Duarte.

28. (...)Do uso comum

como são elencados os total de ambientes no portal da SME

foucaltiano, disposição de uma série de práticas e de mecanismos (ao mesmo tempo linguisticos e naolinguísticos,

A partir do breve levantamento entre localização urbana e ambientes, destaco duas conclusões: 1 -todas as escolas levantadas situam-se próximas a áreas verdes, sendo grande parte delas parques e praças ou mesmo parte do próprio terreno escolar; 2- nenhuma delas possui biblioteca própria26. Baseando-me nas presentes conclusões e a partir da associação, quase infantil , do desenho de àreas verdes no mapa e da palavra “parque” que também aparece no conceito Escolas Parque de Anísio Teixeira, retornei às experiências e trabalhos do autor. Mesmo sabendo que o conceito de Escolas Parque não possui uma relação tão direta às áreas verdes de parques e praças, pensei que estes espaços públicos, que estava enxergando nas bordas das escolas do Butantã, pudessem funcionar como abrigo para atividades de suplemento educativo assistencial 27. Pensei

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26. Matérias recentes mostram que 72,5% das escolas públicas no Brasil

jurídicos, técnicos e militares dos dicionários franceses) com o objetivo de fazer frente a

não possuem biblioteca. Lei

uma urgência e de obter um

12.244/10 prevê que todas

efeito. AGAMBEN, 2005, p.11

que àqueles locais de praças pudessem ser incorporados dispositivos 28 culturais semelhantes aos ensaios e estudos que havia feito a partir das famílias, e que este talvez fossem uma ação materializada no espaço capaz de fazer a ponte entre os ensinamentos de tipo comum 29 (ler, escrever, contar) e as atividades artísticas, lúdicas e culturais, que por si só, ao serem realizadas no entorno das escolas integrariam a comunidade e atividades outras, apontando a escola como parte do bairro, e vice versa. Com este pensamento e desejo encontrei nas ações do Bairro Escola todo encanto e incentivo necessários para seguir na direção de uma escola integrada ao bairro e à cidade, ampliando os horizontes da educação, ampliando as bordas de aprendizagem.

as escolas do país devem ter bibliotecas até 2020. Disponível

29. DUARTE,2009.

em http://revistaeducacao.uol. com.br/textos/203/um-lugarsem-sentido-308062-1.asp http://www.estadao.com.br/ noticias/geral,em-72-5-dasescolas-nao-ha-bibliotecalei-preve-obrigatoriedadeate-2020-imp-,987556

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EMEF Brasil Japão

Considero a narrativa do capítulo anterior muito importante no todo desta experiência, por demonstrar o exato momento em que percebi que esse desejo de uma ação entre espaços e escolas ambos públicos era factível e possível. Bastava agora sair da esfera confortável dos livros e computador e partir por outros caminhos que me desafiassem. Entre todo o levantamento apresentado, focado na busca de “uma escola ideal”, que englobasse todas as diretrizes apresentadas anteriormente , escolhi então a EMEF Brasil Japão e suas bordas como lugar. A EMEF Brasil Japão se situa na região do Butantã, no distrito do Rio Pequeno ao final da avenida de mesmo nome; próxima à Avenida Escola Politécnica, à favela do Sapé, ao Córrego Sapé – que acompanha a favela quase em toda sua extensão – e vizinha da Praça Wilson Moreira da Costa. As condições de bordas – referindo-me a periferia – no contexto da cidade e a dinâmica de bordas – referindo-me ao entorno – da EMEF Brasil Japão atenderam perfeitamente às diretrizes que havia elencado. Não apenas isso, mas a escola também atendeu a uma curiosidade minha, como moradora da região, de me inserir mais de perto nas dinâmicas sociais

136

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que ali se apresentam. Não sei muito bem se a curiosidade é mais por conhecimento ou por lembrança, pois a região me marcou muito quando pequena quando saia a tarde com minha avó, que ali morava, e íamos parando de canto em canto, quase a tarde toda, para comprar doce, pão e frutas, conversando na padaria, na feira ou com a cabeleireira. Lembrei disso tudo quando vi um documentário recente sobre o bairro do Rio Pequeno chamado Rio Pequeno Além dos Muros. Foi com o documentário que tive mais certeza que ali é um espaço vivo, de pessoas ativas, que relacionam diretamente seu modo de viver com o espaço que habitam, e que era esse o lugar que me instigava. Através então da professora da DRE, citada anteriormente, consegui visitar a escola e conversar com alguns funcionários, entre eles uma das coordenadoras pedagógicas, uma das inspetoras, uma das secretárias, a professora de matemática, o professor de artes e a professora de história.Nunca consegui conversar com a diretora da escola. As abordagens das conversas foram sempre na direção de entender a relação da escola com seu entorno, e com as atividades culturais em geral, que não se restringissem as salas de aula. Tomei inicialmente como base, aspectos referentes a programas existentes da Prefeitura – levando em conta que a EMEF Brasil Japão é subordinada da Prefeitura do Município de São Paulo e não do Estado de São Paulo –,

Brinquedos no pátio da escola e quadra improvisada nos fundos do pátio da escola. 138

139


140

Vista da quadra a partir do pátio.

Vista da praça à partir do caminho elevado.

Vista do ed. anexo a partir do pátio (à esquerda do anexo a área verde).

Vista do muro da escola onde anteriormente (1966) havia o acesso principal. 141


Local do antigo acesso à escola à partir da praça. Parquinho da praça Wilson Moreira da Costa. 142

Caminho calçado próximo ao muro da escola. 143


Pista de Skate. Vista dos caminhos e quadras da praรงa. 144

Mobiliรกrio urbano existente. ร rea da praรงa onde ocorre consumo de drogas. 145


como o programa Recreio nas Férias( 2001), o Programa São Paulo é uma Escola (2005) e o programa do Governo Federal Mais Educação (2007) 30 e a partir deles fui construindo uma lógica de minhas intenções com os espaços adjacentes. Questionei, conforme mencionado, aspectos do cotidiano da escola com o entorno imediato. Como havia me interessado bastante pelo espaço da praça Wilson Moreira da Costa, que no caso faz divisa de muro com a escola, me foquei primeiramente ali, e no decorrer das conversas fui entendendo a dinâmica da escola e a relação com suas bordas. Inventei todas as semanas motivos, as vezes previamente inexistentes, apenas para me inserir na rotina do ambiente escolar. As conversas, aliadas às minhas observações semanais apresentaram fatos relevantes, que me trouxeram algumas convicções de uma possível intervenção no contexto da EMEF Brasil Japão e suas bordas. Entre os fatos, destaco: - a escola não participa do programa Recreio nas Férias e tem dificuldades em levar os alunos para participar de atividades externas devido ao número limitado de inscrições dentro dos programas e a dificuldade de transporte ( a DRE disponibiliza apenas 1 ônibus por escola e não permite que as verbas direcionadas às escolas sejam gastas com ônibus de passeio)

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30: Todos os programas supracitados incentivam, cada um com particularidades e redações distintas , as relações entre as escolas e os equipamentos públicos de lazer e cultura da cidade, com intuito de trazer uma formação cultural ampla como parte do processo educacional dentro de fora das escolas públicas.

- as incrições limitam também o número de alunos que podem participar das atividades, sendo este número por vezes baixo ( presenciei uma atividade que a escola pôde levar apenas 12 alunos para uma apresentação de teatro). - os funcionários e professores acreditam que a praça poderia e deveria ser resgatada pela escola, mas alguns afirmaram que não propoem atividades ali por a praça ser um ponto de consumo de drogas e tráfico intenso. - grande parte dos alunos matriculados são residentes da favela do Sapé e da São Remo – esta situada no início da Avenida Rio Pequeno – e convivendo no local, percebi que a escola é praticamente uma extensão da casa deles, e a mesma relação se dá principalmente com o entorno comercial adjacente. - a comunidade do bairro utiliza, esporadicamente, a praça para atividades, como por exemplo o auto de natal promovido por uma Igreja próxima, que utiliza a escola como base de apoio para os materiais, cenário e figurino; ou como sendo ponto de encontro de passeatas, como uma passeata recente contra a morte de jovens negros que se iniciou no CEU Butantã e terminou na praça. Localizar a igreja - os professores disseram da necessidade da escola de espaços auxiliares para atender atividades simultâneas. - a praça já foi utilizada em atividade de Grafite promovida pela escola, na qual os alunos grafitaram o muro entre a

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praça e a escola, trabalho feito em 2011 que permanece até hoje 31. - a escola possui um espaço de horta, mas que se encontra abandonado e que permanece trancado sempre. - a escola não possui biblioteca apenas sala de leitura com poucos exemplares. No entorno imediato da escola também não existe uma biblioteca pública, a mais próxima se encontra no CEU Butantã, um pouco afastada das bordas imediatas da escola. Algumas vezes os alunos se utilizam dos materiais do Ônibus Biblioteca, da Prefeitura, que se instala periodicamente na praça. - a escola realiza diversas atividades em conjunto com questões da comunidade. Como por exemplo atividade realizada sobre a questão do lixo e da conscientização de não poluir o córrego. - os alunos pulam o muro da escola para ir para a praça. A escola pretende aumentar o muro em altura. Específicos das aulas de artes: - a sala de artes é uma sala como as outras, com carteiras tradicionais e sem infra-estrutura e instalações específicas para o propósito artístico de experimentação. - o professor algumas vezes propõe atividades na área externa da escola como coleta de texturas com lápis grafite ou desenhos. E apenas destacou uma saída ao MASP. Destacou a “falta de repertório” dos alunos e de contato com outras formas de cultura, e quando perguntei sobre um

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31. Registro da atividade disponível em https:// www.youtube.com/ watch?v=jgZMCG58M9M

possível dispositivo na praça que pudesse abrigar atividades artística e culturais contínuas com a escola, me respondeu favorável a ideia, destacando a ampliação de “repertório”. Com as conversas também pude compreender mais de perto o Projeto de Urbanização da Favela do Sapé e sua significância no desenvolvimento da região, pois alguns professores frequentam as reuniões da Micro Rede Sapé, um grupo independente formado por representantes da comunidade local, agentes de várias áreas do poder público – como a Secretária do Verde e a Subprefeitura – e integrantes de organizações sem fins lucrativos da região, que promove a discussão dos problemas enfrentados no Sapé e suas possíveis soluções. Além disso, o espaço faz com que cada um conheça a atividade que o outro está realizando para o bairro, podendo assim pensar em ações cooperativas para promover o desenvolvimento local. A Micro Rede Sapé tem sido em grande parte responsável direta pelo diálogo sobre questões do Projeto de Urbanização com os moradores locais, promovendo a participação da comunidade nas tomadas de decisões pela Prefeitura e Subprefeitura, responsáveis pelo projeto. A esse respeito tive acesso a um levantamento de Organizações Sociais e Instituições do entorno participantes no processo de desenvolvimento local.

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Organizações Sociais e Instituições do entorno da EMEF Brasil Japão

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Ainda em relação ao Projeto de Urbanização pude conversar com a arquiteta Marina Grinover sócia do escritório Base 3, responsável pelo projeto arquitetônico, que me ampliou ainda mais os horizontes da Urbanização. Não pretendo me aprofundar nas questões do Projeto, mas saber através da arquiteta que as intenções que pensaram ali seguem em paralelo com as minhas, de querer estimular o uso do espaço público da região, me deixou bastante feliz, por significar uma prova do potencial de desenvolvimento que a região tem. O lugar me instigou mais ainda quando encontrei recortes de situações que estimulam o uso do espaço público no local, seguindo por diretrizes do lazer, do brincar e da cultura.

Atividades envolvendo o uso da praça Wilson Moreira da Costa.

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Operando pelas Bordas

“Por que alunos de escolas superiores Atividades envolvendo o uso da praça Wilson Moreira da Costa.

mostram-se esperançosos no primeiro ano e desiludidos logo a seguir? Por que não falam? Talvez tenham algo a dizer.”

Com as conversas e os materiais consultados consegui então fazer uma análise e perceber que o lugar onde a escola se situa configura uma praça de equipamentos importante para a região, e que aquilo que pensei ser um desejo todo novo, no que se refere a ação de relacionar a EMEF Brasil Japão e o espaço público do entorno, na verdade já existe ali. Basta apenas estimulá-la ainda mais. E assim, pensei que a arte e o brincar podiam ser o estímulo que faltava, quase da mesma maneira que eram quando eu lidava com os “assuntos sérios” da faculdade.

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Hélio Duarte

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Exposição de Fotografias

Alunos e Professora Márcia Santos do curso de fotografia.

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Tão importante quanto pensar foi agir durante este periodo de graduação. A linearidade no processo de aprendizado raramente me interessou. O ir e vir levando constantemente o aprendizado da faculdade para fora dela, durante uma tarde no Cantinho do Céu – relacionada a uma disciplina de projeto - ou uma Exposição de Maquetes na Casa de Dona Yáyá (Centro de Preservação Cultural da USP) – relacionada a uma disciplina de história da arquitetura – me fez entender que o aprender da universidade deve caminhar junto à vivência das diversas realidades da cidade e da sociedade, pois apenas assim podemos transformar situações da cidade ponderando idealismos e pragmatismos. Pensando assim, não poderia passar pelo TFG sem o aprendizado da vivência do lado de fora do campus da universidade, que sempre me acompanhou. Durante a realização deste trabalho, desde sua idelização, tive a intenção de propor ou participar de alguma ação concreta, que ultrapassasse a dimensão teórica. Não sabia como iria fazê-lo. Porém no “deixar levar” a oportunidade apareceu. Entre as visitas na EMEF Brasil Japão e conversas com professores descobri um curso de fotografia “extra-

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curricular” que havia sido idealizado pela inspetora, e que fazia parte de um projeto criado por ela chamado BJ em Ação, que trabalha o aprendizado das crianças através de produções audiovisuais. Assim, mais uma vez entre as bordas, me propus a ajudar e participar das aulas de fotografia. A inspetora disse que gostaria de encerrar as aulas propondo aos alunos que desenvolvessem uma exposição de fotografias, que eles mesmo tirassem as fotos e montassem a partir dos ensinamentos das aulas. Frequentei durante 3 meses o curso, e por ter familiaridade com exposições me propus a ajudar principalmente neste quesito. A experiência foi essencial. Foi a partir deste convívio e imersão, sempre atenta às mínimas dinâmicas e interações que ocorriam durante os momentos em que estava ali, que tive contato direto com os alunos, e entendi como a escola é enxergada por eles. Através do curso pude descobrir que a escola, para os que moram no Sapé, é uma extensão da casa e do bairro, e que eles se sentem muito a vontade ali. Pude compreender realmente algumas questões sociais e do ensino público quanto a infra-estrutura da escola, a segurança,questões raciais, a formação de professores, a relação dos alunos com os pais e dos professores com os pais; os comportamentos dos alunos e suas relações externas à escola,ou como eles se sentem quanto à mudança de escola e possível saída para

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Montagem da exposição.

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uma escola longe do bairro, quando completam o 9º ano. Prefiro não tirar conclusões a estes aspectos, afinal acredito que ainda levarei um tempo para absorver esta vivência e entender muitas questões, mas apenas dizer que entendi até onde poderia chegar em uma ação solitária, e até onde a arquitetura consegue chegar. A exposição de fotos foi essa ação. Porém ao contrário do que eu imaginava,foi tudo menos solitária. A professora propos que a exposição tivesse como temas o Dia da Consciência Negra e o Dia da Não Violência a Mulher, temas fortes, que por assim serem me levou a compreender questões sociais que vão além da aprendizagem escolar, mas que estão intrinsecas às condições vividas no bairro e no Sapé. Organizamos então uma saída fotográfica com os alunos pelo bairro. Para a atividade, a inspetora propos que os alunos tirassem fotos de pessoas negras em seus ambientes de trabalho, e de mulheres recebendo carinho de seus parceiros e filhos, contrariando uma visão preconceituosa de enxergar pessoas negras como ladrões e “vagabundos” e também incentivando o carinho e não a violência às mulheres. A experiência me colocou em contato direto com a dinâmica do bairro. Entre os fotografados encontramos muitos que moravam no Sapé e trabalhavam no comércio. Encontramos pais de alunos. Descobri o lugar onde vendem

Montagem da exposição. 160

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os melhores salgados de festa e que as crianças adoram ir. Também vi onde não gostam. Descobri ali no comércio quem se ajuda, quem compete, quem é odiado e quem é amado. Vi que, como era na época da minha vó, ali todos ainda se conhecem. Por fim montamos a exposição e durante a atividade quebrei algumas expectativas e confirmei outras. Entre elas pude perceber que uma atividade artística dentro do espaço escolar de ensino tradicional é vista pelos alunos como um momento de liberdade e que promove interações com as quais se familiarizam e se sentem à vontade, e certas vezes criam seguranças quanto a comportamentos, atitudes e aptidões. Vi que durante estas atividades os alunos têm facilidade de relacionar o que vivem fora da escola com o que está dentro, e que com elas podem descobrir certos talentos que pouco são valorizados durante atividades de tipo comum, e que certas vezes neste contexto são criticados, como é o caso de um aluno que fala bastante, ou de outro agitado. Entendi também que uma atividade fora de sala de aula também pode ser vista de maneira ruim pelos alunos, em outras palavras “chata”. E que é mais difícil do que parece não colocar nossas expectativas pessoais no processo de educação.

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Saída Fotográfica na Av. Rio Pequeno. Fotos utilizadas na exposição.

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Saída Fotográfica na Av. Rio Pequeno. Fotos utilizadas na exposição.

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Expressões de um Desejo

Por fim, depois da vivência constante no local, senti vontade e acreditei ser importante esboçar algumas ideias de ações possíveis na região escolhida. Unindo os mecanismos e movimentos das famílias, levantamento de plantas da escola e do entorno e todo conhecimento das dinâmicas da região que pude viver um pouco durante esta experiência, propus algumas ideias da maneira que acreditei que as poderia melhor representar. Escolhi demonstrar as propostas de modo mais livre da linguagem técnica do desenho arquiteônico, através de desenhos a mão e colagens, pois nessa linguagem encontrei a expressão mais sincera de meus desejos para o lugar escolhido e vivênciado. Procurei fazer com o desenho o mesmo que fiz com o Lego no trabalho de estruturas, dando um caratér mais lúdico a um contexto técnico e que também pudesse ampliar o diálogo com todas as pessoas qua não possuem familiaridade com desenhos técnicos, familiaridade esta que acredito fugir muitas vezes até do próprio cotidiano do arquiteto. Entre as poucas coisas que direi dos desenhos, pois espero que eles falam por si, acho importante evidenciar

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dois aspectos quanto ao processo que os envolveu. Primeiro gostaria de dizer das plantas e cortes que utilizei como bases em todo o trabalho. Em busca do projeto arquitetônico da escola tive acesso ao projeto original, de 1966, que é o único projeto que a escola possui, mesmo tendo sofrido diversas reformas. No entanto, durante a análise deste percebi que algumas das configurações atuais – que particularmente não acredito serem coerentes à valorização do espaço público da praça e do bairro, como por exemplo a mudança de lugar da entrada principal – no espaço da EMEF Brasil Japão, não se encontravam no projeto de 1966. Portanto resolvi retomar o projeto original da escola, destacando, como mencionado, a entrada da escola voltada ao que hoje configura o espaço da praça Wilson Moreira da Costa – o que na época era uma rua, como se verifica na base do Gegran de São Paulo de 1968. (ver imagem) Retomei portanto o projeto original, considerando apenas a existência de alguns espaços relevantes atualmente e que não existiam, como a quadra de esportes. Esta foi uma decisão derivada de conversas com os funcionários da escola, durante as quais não consegui encontrar justificativas coerentes para as reformas que se deram ao longo dos anos ( como a construção de uma nova sala para a secretaria ou mesmo o fechamento da saída em direção a praça), que talvez tivessem sido importantes naquele período, mas que se fossem feitas hoje, de acordo com minhas observações

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Base Gegran 1968 rua passa onde hoje está a praça Wilson Moreira da Costa

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dentro da escola, acredito não se justificariam. Além disso, reforço o pensamento de que a retomada do projeto original segue em direção à valorização do espaço público da praça Wilson Moreira da Costa e seu entorno. Nele a entrada da escola se situava voltada para a praça (diferente da configuração atual, onde a entrada se situa voltada para a rua Dr. Paulo Carvalho Ferreira) retorno que acredito ser de extrema importância para valorizar o caráter de praça de equipamentos públicos que se configura no local. Em segundo e último lugar, gostaria de explicitar que a linguagem de representação escolhida também foi fruto de minha incessante busca por aprendizados prazerosos, lúdicos e artísticos durante a graduação, e que me acompanharam também no decorrer deste tfg, que foi encarado sempre como uma vivência plena. Neste sentido, inspirada pelos desenhos de Lina Bo Bardi, Peter Zuntor e de Aldo Van Eyck, e a forma como apresentam suas intenções e ideias através de desenhos conceituais, descobri nas colagens, perspectivas e no lápis de cor, a maneira com a qual consegui expressar a completude de meus desejos. Dito isso, apresento-os a seguir, destacando nas cores vivas e nas colagens livres, a energia, vivacidade e liberdade que me acompanharam durante todo este percurso de tfg e 7 anos de graduação.

projeto original de 1966

“projeto” da reforma 1985 170

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projeto original de 1966 ed. Principal

projeto original de 1966 ed. Anexo 172

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1-6: Lina Bo Bardi 7-8: Peter Zumthor

9-12: Aldo Van Eyck

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Colagens e Ideias

1. EMEF Brasil-Japão e entorno imediato 2. EMEF Brasil-Japão e entorno imediato (aproximação) 3. EMEF Brasil-Japão: configuração atual pavimento térreo em base a planta original de 1966 4. EMEF Brasil Japão: áreas com propostas de alterações 5. Diàlogos e fluxos obtidos atravès de observações, vivências e conversas com professores e alunos da escola 6. e 7. Proposta de dispositivo cultural e lúdico para a praca e escola (situação geral) 8. Detalhamento dispositivo: deck e painéis giratórios 9. Detalhamento dispositivo: painéis giratórios 10. Possibilidades de uso do dispositivo cultural na praça 11. Detalhamento dispositivo: carrinhos/bancos 12. e 13. Anexo EMEF Brasil-Japão: proposta atelier e horta 14. Biblioteca nova aberta para a praca

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1.

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2.

1:500

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6.

trilhos

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14.

A Biblioteca e sua ligação com a Praça biblioteca independente aberta para a praça situada no mesmo terreno da escola.

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Expectativas

“(...) eu nunca quis ser jovem. O que eu queria era ter história. Com 25 anos queria escrever memórias, mas não tinha matéria.” Lina Bo Bardi

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Sempre dizem que quando o fim de algo esta chegando passamos a lembrar do começo. Pois então, parece que assim aconteceu. O começo do fim de uma etapa acredito ser pleno de dúvidas, expectativas e até mesmo de uma certa ansiedade e aflição. O trabalho final de graduação representou um pouco de tudo isso. Assim como Lina, com meus 26 anos queria neste trabalho escrever memórias, mas ao viver esta experiência percebi que minha matéria ainda é pouca para trazer alguma história. Mas sigo em frente, em busca de vivências e culturas que como brincadeira vão se cristalizando em mim em forma dessa tal matéria. Confesso que ao início estava tomada de uma certa desesperança na sociedade que vivemos, na arquitetura que temos feito, nos espaços (não) públicos que temos criado; no aprendizado e ensino maquinizado que estamos levando adiante, porém ao pesquisar sobre ações e trabalhos coletivos realizados mundo afora, como os trabalhos do grupo basurama ou os playgrounds de Van Eyck e lembrar do conjunto de atividades realizadas durante a faculdade, me fizeram perceber e acreditar em uma certa força que temos, e devemos ter para transformar ideias em ações mesmo em contextos desfavoráveis. Pensei sobre isso quando escolhi o contexto em que está inserida a EMEF Brasil Japão para trabalhar. Já que moro

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próximo dali sempre ouvi dizer das dificuldades da escola. Ouvia isso quando era criança, ouço isso até hoje. Entrei na escola e continuei ouvindo,e vendo, porém vi outras coisas mais. Vi crianças dinâmicas e inteligentes, esforçadas, mas muitas vezes barradas por obstáculos que vão muito além do que o espaço da escola ou a arquitetura podem resolver. Pensando nisso passei a acreditar ainda mais em uma cidade educadora, e em uma educação que ultrapassa os muros da escola, e que vai de dentro para fora e vive versa, até o ponto que não se sabe muito bem o que é dentro e o que é fora. Por isso os trilhos entre a escola e a praça. Os trilhos que simbolizam viagem, movimento, que carregam e descarregam. Que buscam. Que levam. Entre toda a trajetória me transformei, e o passado raso e singelo de lembranças em experiências estudantis que chamei bordas de aprendizagem – para dizer das atividades que considero importantes em minha trajetória da graduação, porém que não são formalizadas em disciplinas curriculares – , me trouxeram a convicção de que processos de formação podem ser mais ricos quando associados a experiências vividas com plenitude, sem medo de errar, como numa constante brincadeira. Pleno de erros e imperfeições, dúvidas e falta de linearidade. É assim que enxergo este trabalho, porém segura de que as coisas possam ser construídas e transformadas dessa maneira, pois nas incertezas e inseguranças encontramos

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nossos pares, como crianças , que veêm o estímulo no outro. E também aos pares acredito ter desenvolvido este tfg. Um amigo de um amigo que sabia sobre determinada ação, ou situação. Foi assim que cheguei a EMEF Brasil Japão, a entender o contexto em que se insere, a encontrar as bases de projeto da região do Sapé. Um amigo que sabia sobre um livro, um playground, um site, foi assim que encontrei o site Play Scapes, que me abriu um universo de referências e possibilidades. Um amigo que sabia de uma pessoa que fez algo semelhante ao que eu pensava ou que tinha trabalhado com outro alguém, foi assim com as descobertas das leituras de outros TFG’s que se relacionavam ao tema. Uma orientadora, e porque não dizer amiga, que conheceu pessoas sentadas na fila do banco que me levou a conhecer uma escola pública na Pompéia que trabalhava com arteeducação e que era amiga por acaso da dona da escola Grão de Chão que me recebeu para uma visita em uma tarde que me fez entender o quanto as crianças são fortes e ativas para construirem e desconstruirem o mundo e tudo assim mesmo sem ponto nem vírgula nem respiro. Numa corrida só. “As coisas melhores que pude construir até hoje foram as minhas amizades”. Disse assim Anísio Teixeira certa vez. Penso que ele estivesse certo. E acredito também que amizades e relações seja mesmo a melhor coisa a se

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construir, pois nos leva a transformar, a aprender, a passear, a descobrir, a compartilhar. E assim encerro esta experiência, esta trajetória. Na dúvida se a plenitude narrada aqui livremente tenha algum valor central nas formalidades da academia, porém com a certeza de que entre as informalidades e bordas encontrei ensinamentos tão grandes que contemplariam uma outra universidade inteira, construida na arte e arquitetura mais bela do viver.

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Esta publicação foi composta com a fonte Garamond, Helvetica Condensed e Helvetica Thin e impressa em papel Polén 80g e Alta Alvura 180g para as imagens.



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