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DA ORDEM NORMATIVA E DA ORDEM TÉCNICA
Nota Prévia
A presente publicação resulta, em larga medida, do percurso profissional de cerca de trinta e cinco anos de trabalho dedicados aos recursos naturais, sendo os últimos doze vocacionados aos recursos geológicos. Em 2020, tendo deixado de ser quotidianamente esmagado pela exigência do exercício de funções de chefia administrativa no domínio dos recursos minerais, entendi oportuno aprofundar reflexões sobre estes recursos e o papel que têm desempenhado na História do território que forma hoje Portugal, tendo em vista contribuir para se ultrapassar, nomeadamente no plano legiferante, uma matriz claramente utilitarista de valorizar a extração de recursos enquanto mera atividade económica, substituindo -a por uma de conhecimento, preservação e valorização destes recursos em simbiose com outras valorações de distintas naturezas que privilegiem a geodiversidade no âmbito dos recursos naturais e do património natural.
Atento às obnubilações que as diferentes linguagens do conhecimento aportam aos recursos geológicos, importa, no plano dos conceitos, atender ao lastro histórico das funções desempenhadas por esses recursos, de cariz utilitário ou simbólico, para melhor apreendermos o sentido polissémico que essa expressão encerra.
O percurso trilhado tem um sentido prático, resvalando para um caráter expositivo, limitado temporalmente até à fundação de Portugal. As etapas estabelecidas possibilitam obter um somatório de elementos e reflexões integrantes de um setor temporal determinado de molde a, estou em crer que limitadamente, permitir uma maior perceção da importância dos recursos geológicos.
As consultas e referências documentais efetuadas fazem aflorar a constante e indissolúvel relação Homem/Natureza, sem necessidade de desenterrar um direito passado numa reflexão analógica amarrada à contemporaneidade dos fenómenos e das palavras. Acresce que o não aprofundar da contextualização dos imperativos legais acarreta o risco de reduzir a realidade à nossa pequena dimensão espaciotemporal, tanto
mais que “Na nossa sociedade, que se julga a primeira a estar perfeitamente informada, tudo se passa como se desde sempre e para sempre a humanidade tivesse vivido e continuasse a viver no ambiente intelectual de hoje”1 .
No limiar mínimo de expectativas, espero poder reforçar os contributos para que o ordenamento jurídico nacional não continue refém do valor económico dos recursos geológicos, pois esta dimensão, ainda que relevante, está longe de esgotar o papel fundamental que esses recursos encerram para a civilização que somos.
Estou certo de que este pequeno contributo pode despertar a curiosidade de diferentes atores, que dediquem aos recursos geológicos alguma atenção e que eventuais críticas ou comentários possam adensar, no plano nacional, a necessidade de a geodiversidade ser encarada sem quaisquer exclusivismos de intervenção, nem de segmentações estanques em função de interesses ou valores que o território tem espacialmente de acolher. Sublinho esta necessidade de se afastar pretensos exclusivismos intervencionistas no domínio dos recursos geológicos, pois, nas sociedades ocidentais, as relações entre cultura e Natureza emergem marcadas tendencialmente por uma visão antagónica em que prevalece a ideia de que a cultura deve dominar a Natureza, ou seja, a sociedade surge na posição central e a Natureza numa posição periférica, enquanto elemento necessário à existência humana. Assim, a simbiose entre proteção e utilização dos recursos geológicos, do património geológico e da geodiversidade − conceitos distintos comummente utilizados em referência a uma mesma realidade − surge recorrentemente perspetivada em função da proteção da Natureza, postergando a exploração de recursos essenciais à Humanidade, isto é, instrumentaliza se a ponderação do pretendido equilíbrio da proteção versus a utilização, mutando o conceito de desenvolvimento sustentável em mera bandeira setorial e abstrata.
1 Cfr. Pelt, J. -M., A Natureza Reencontrada. Tradução de H. de Barros. Lisboa: Gradiva – Publicações Lda., 1991, p. 270.