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Introdução
O presente manual perfila-se como uma ferramenta de trabalho e de suporte na tomada de decisão dos profissionais de saúde na área da neonatologia, com particular enfoque nas estratégias promotoras do desenvolvimento de competências oro-motoras dos recém-nascidos pré-termo e na promoção de uma alimentação oral segura e prazerosa.
Patologias específicas, como displasia broncopulmonar, alterações neurológicas e malformações oro-faciais, entre outras, que podem influenciar o desenvolvimento das competências oro-motoras, não serão abordadas neste manual. Contudo, é importante referir que, no futuro, esta deverá ser uma área de estudo que os profissionais devem apostar.
A gestão nutricional nos recém-nascidos pré-termo e de termo é fundamental, por a alimentação influenciar a sua sobrevivência, o seu crescimento e o seu desenvolvimento. A aquisição das competências oro-motoras é considerada um dos marcos do desenvolvimento do recém-nascido pré-termo e de termo, sendo esta a primeira grande etapa do seu neurodesenvolvimento, pois permite uma alimentação oral segura, funcional e prazerosa, trazendo benefícios não só para o recém-nascido, como para os pais. O suporte alimentar corresponde, assim, a uma das intervenções mais complexas dos cuidados ao recém-nascido, sendo crucial ter conhecimento profuso do modo como as intervenções oro-motoras promovem o desenvolvimento das competências orais.
A crescente consciencialização da importância da gestão nutricional no desenvolvimento e crescimento do recém-nascido, e a escassa e inadequada evidência científica nesta área de intervenção, conduziram à construção deste manual, por forma a compilar não só a mais atual evidência científica
Competências Oro-Motoras do Recém-Nascido referente ao desenvolvimento maturacional das competências orais, como também os mais recentes achados relativos à eficácia das diferentes intervenções oro-motoras e técnicas de alimentação.
As intervenções orais e as técnicas de alimentação devem ser adequadas ao nível maturacional e às competências oro-motoras do recém-nascido pré-termo e de termo, uma vez que as repetidas experiências alimentares traumáticas têm impacto negativo no seu neurodesenvolvimento e podem também influenciar de forma negativa o ganho ponderal e a aquisição da autonomia alimentar. Assim, a alimentação oral exige que os profissionais estejam dotados de competências e conhecimentos científicos para uma tomada de decisão responsável e fundamentada, nomeadamente na escolha da técnica de alimentação oral mais eficaz para uma nutrição adequada e necessária ao crescimento e desenvolvimento do recém-nascido. Estas competências e conhecimentos devem-se traduzir na implementação de cuidados neuroprotetores que salvaguardem a alimentação oral e que minimizem o impacto das experiências traumáticas durante o internamento na neonatologia, e ainda que promovam experiências orais positivas.
Para avaliar o neurodesenvolvimento e o crescimento dos recém-nascidos pré-termo, é importante compreender adequadamente os conceitos de idade gestacional, idade cronológica, idade pós-menstrual e idade corrigida (American Academy of Pediatrics – Committee on Fetus and Newborn, 2004): i) a idade gestacional é definida como o período de tempo, em semanas, decorrido entre o primeiro dia do último período menstrual normal e o dia do parto; ii) a idade cronológica compreende o tempo decorrido depois do parto; iii) a idade pós-menstrual corresponde ao período de tempo decorrido entre o primeiro dia do último período menstrual normal e o dia do parto (idade gestacional) somado ao tempo decorrido após o parto (idade cronológica), descrita em semanas; iv) a idade corrigida corresponde à subtração da idade cronológica ao número de semanas de nascimento antes das 40 semanas de gestação e permite descrever as crianças até os três anos de idade.
O manual será organizado em sete capítulos: 1. Desenvolvimento Oro-Motor; 2. Desenvolvimento dos Reflexos Orais; 3. Neurodesenvolvimento e Alimentação Oral; 4. Avaliação das Competências Oro-Motoras; 5. Intervenções Oro-Motoras; 6. Alimentação Oral; e 7. Consequências no Desenvolvimento Oral. Pretende-se que o presente manual constitua uma ferramenta de apoio no dia a dia de profissionais e estudantes que trabalhem com recém-nascidos pré-termo e de termo e suas famílias, ao abordar os vários fatores a ter em consideração durante a alimentação oral do recém-nascido – de acordo com as etapas de desenvolvimento da coordenação entre sucção, deglutição e respiração, e as diferentes intervenções oro-motoras e técnicas de alimentação.
Ana Lúcia Brantes, Maria Alice Curado (Autoras)
Desenvolvimento Oro-Motor
O desenvolvimento oro-motor é um processo altamente complexo, sendo que a coordenação entre a sucção, deglutição e respiração é considerada uma das tarefas mais complexas da infância (Pickler et al., 2015). Este processo inicia-se in utero, onde muitos dos reflexos maturam ao longo do terceiro trimestre de gravidez.
In utero, o feto experiencia muitos dos mesmos cheiros que a mãe. Os recetores olfativos estão formados à oitava semana de gestação (Browne, 2008) e as capacidades olfativas surgem aproximadamente à 28.ª semana, aumentando exponencialmente nas semanas seguintes, sendo que, neste período, o olfato é extremamente estimulado. Os movimentos respiratórios e de deglutição ajudam na circulação dos odores através do líquido amniótico, os quais são detetados pelos recetores nasais. O líquido amniótico ajuda na difusão dos odores, uma vez que estes conseguem penetrar o estado líquido (Kenner & McGrath, 2010).
O leite materno e outros fluidos, como a saliva ou o suor, contêm alguns dos mesmos odores que o líquido amniótico. Daí a importância de, após o nascimento, o recém-nascido permanecer junto da mãe, para que o seu ambiente olfativo seja mantido e, desta forma, seja promovido o estabelecimento da amamentação.
Na 20.ª semana, o paladar começa a desenvolver-se e matura no final do terceiro trimestre de gestação, quando o feto começa a sugar e a deglutir. Estes reflexos favorecem o aumento da corrente de estímulos sobre as células do paladar. Aquando do nascimento, o recém-nascido de termo apresenta um paladar bastante diferenciado. Os sabores doces ajudam o recém-nascido a permanecer no estado ideal para a interação e encorajam-no a por curtos períodos, pelo que não consegue satisfazer as suas necessidades nutricionais (Kenner & McGrath, 2010).
RECÉM - NASCIDO DE TERMO
À nascença, o recém-nascido de termo vem provido de competências e estruturas anatómicas que o tornam capaz de se alimentar eficazmente, desde as primeiras horas de vida até por volta dos quatro a seis meses, momento em que se inicia a diversificação alimentar. Vem também munido de reflexos defensivos das vias aéreas, como o reflexo de tosse e de espirro, bem como de vómito e de regurgitação. Estes reflexos permitem proteger as vias aéreas e direcionar o leite para o esófago, diminuindo assim o risco de aspiração.
Anatomia da boca
Anatomicamente, a boca do recém-nascido encontra-se preparada para a alimentação através da sucção, detetando variações ambientais, sejam estas mecânicas, químicas ou térmicas. A sensibilidade gustativa e táctil da boca permite ainda ao recém-nascido reconhecer o mamilo materno.
Língua e palato
A língua forma o palato, dando-lhe habitualmente um formato de U amplo. O palato duro surge em continuação do cume da gengiva e o palato mole encontra-se posicionado posteriormente. O palato duro pode ser bastante arqueado ou estreito, sendo, neste caso, indicativo de movimentos da língua anormais ou restritos (Genna & Sandora, 2013).
A língua apresenta uma grande dimensão comparativamente à cavidade oral, de forma a preencher a mesma durante a amamentação.
O preenchimento da cavidade oral limita a língua a movimentos ântero-posteriores e estabiliza-a, assim como aos movimentos da mandíbula. Os músculos intrínsecos da língua (longitudinal superior e inferior, transverso e dorsoventral) e o genioglosso puxam a língua para baixo durante a fase da formação de pressão negativa na sucção. Os músculos extrínsecos
Competências Oro-Motoras do Recém-Nascido
Sucção/deglutição Sem integração
32-33 semanas de idade gestacional corrigida
Sucção
Rápida e de baixa amplitude
Sucção/deglutição Sem integração
33 semanas de idade gestacional corrigida
Sucção Irregular com frequência de 2 a 3 sucções por segundo
Figura 2.1
Sucção/deglutição Integração da sucção/deglutição
> 34 semanas de idade gestacional corrigida
Sucção
1 sucção por segundo
Desenvolvimento dos padrões de ritmo entre sucção e deglutição nos recém-nascidos pré-termo.
Adaptado de Rogers, B. & Arvedson, J. (2005). Assessment of Infant Oral Sensorimotor and swallowing function. Mental Retardation and Developmental Disabilities, 11: 74-82.
Degluti O
A deglutição é uma atividade complexa, que envolve a precisão e a coordenação de variados músculos da boca, da faringe, da laringe e do esófago, e é controlada pelos nervos cranianos. Esta ocorre quando há leite suficiente na boca para estimular os recetores existentes na região posterior da cavidade oral. O leite é impulsionado através da faringe, do esófago e do estômago.
Fases da deglutição
A deglutição é composta por quatro fases: a preparatória, a oral, a faríngea e a esofágica (Driver, Ayyangar & Tubbergen, 2015). Alguns autores referem que a fase preparatória é praticamente exclusiva da deglutição alimentar, na qual há a formação do bolo alimentar, não se observando na deglutição do lactente.
Assim, o uso do mamilo de silicone nos recém-nascidos pré-termo pode ser uma estratégia para melhorar a ingestão de leite, até estes atingirem as 40 semanas de idade corrigida (Mastrup, 2014). Há também evidência de que os recém-nascidos pré-termo, que usaram mamilo de silicone, apresentam taxas de aleitamento materno maiores no momento da alta hospitalar, ocorrendo esta mais rapidamente (Geddes et al., 2021).
Para ser eficaz, o mamilo de silicone deve ser do tamanho da boca do recém-nascido, o que aumentará a ingestão de leite (Wolf & Glass, 2013). A sua correta aplicação é igualmente importante para a sua eficácia. A borda do mamilo de silicone deve ser segura entre o polegar e o dedo indicador materno; seguidamente, estica-se a base como se tentasse virar o mamilo do avesso. Posteriormente, encosta-se a borda inferior do mamilo de silicone no peito, bem abaixo do mamilo, esticando e centrando-o com o mamilo materno (Figura 6.3). Este procedimento permite que uma porção da mama fique dentro do mamilo de silicone, garantindo assim que mais mamilo materno fique dentro da boca do recém-nascido (Wolf & Glass, 2013).
de sinais de stress durante a alimentação por copo, quando comparado com o biberão. Tal pode ocorrer por a técnica do copo não ser aplicada corretamente, na medida em que muitos profissionais referem não se sentirem confortáveis na sua realização (Brantes & Curado, 2021) e de a considerarem menos segura. Todavia, vários estudos demonstram que esta é uma técnica segura (Dowling et al., 2002; Yilmaz et al., 2014).
Na Tabela 6.2 é descrita a aplicação da técnica de alimentação por copo.
Tabela 6.2 • Técnica de alimentação por copo Ação
Verificar se o recém-nascido se encontra no estado de alerta, com postura flexora, braços à linha média e região cervical em posição neutra
Posicionar o recém-nascido na posição sentado ou semi-sentado
Utilizar copo transparente com bordos arredondados
Encher o copo até aproximadamente meio da sua capacidade
Tocar com a borda do copo e incliná-lo ligeiramente até o leite tocar no lábio inferior
Manter o copo sempre em contacto com o lábio inferior
Verificar se o recém-nascido coloca a língua dentro do copo
Observação
Existe necessidade de contenção? Se sim, fornecer estabilidade ao tronco e favorecer a flexão das extremidades junto ao tronco Demonstra capacidade motora e comportamental para a alimentação? (Curado et al., 2014)
Permite apoiar a região escapular e cervical
Permite visualizar o leite dentro do copo
Minimizar o ângulo do copo, necessário para que o leite chegue ao lábio inferior (Dowling et al., 2002)
Estimula a protusão da língua e incentiva o recém-nascido a “buscar” e “lamber” (lapping) o leite (Lang et al., 1994; Dowling et al., 2002)
Permite manter o recém-nascido interessado na alimentação e estimula a protusão da língua
O movimento da língua para buscar o leite é semelhante ao realizado durante a amamentação (Lang et al., 1994; Dowling et al., 2002)
Anexo II
Versão portuguesa do instrumento de avaliação da prontidão do prematuro para o início da alimentação oral
O instrumento de avaliação da prontidão do prematuro para o início da alimentação oral foi desenvolvido por Fujinaga et al. (2007). Este pretende ajudar os profissionais de saúde na tomada de decisão sobre a transição da alimentação entérica para a alimentação oral, nomeadamente na mama. Em 2015, Trigo traduz, adaptando culturalmente, e valida o instrumento e o seu manual de instruções para a realidade portuguesa. Através do link ou do QR Code disponibilizado é possível aceder-se ao instrumento validado.
Referência: https://comum.rcaap.pt/handle/10400.26/9605 (consultado em 06/07/2023)
Fonte: Trigo, C. M. E. (2015). Tradução, adaptação cultural e validação de conteúdo do instrumento “Avaliação da Prontidão do Prematuro para o Início da Alimentação Oral”. Dissertação de Mestrado em Terapia da Fala, na Especialidade de Motricidade Orofacial e Deglutição, Escola Superior de Saúde de Alcoitão, Alcoitão.