entreditoras
Aline Kaori Louca dos tipos, a rainha das letras, das palavras e da mente bilingue, sem dúvida nasceu para brilhar. Detentora de uma atenção apurada aos detalhes, é capaz de identificar de longe uma viúva, uma órfã, ou uma amiga carente precisando de abraço.
Daniela Tiemi Degradê de amarelo pro rosa é a tradução de sua personalidade amável e alegre. Também conhecida como “pássaro da dislexia”, Tiemi revela em diversos momentos o seu gênio enrustido interno capaz de criar ilusões de ótica à la Escher, além de seus talentos culinários.
Fernanda Abe Moça linda e estilosa, do tamanho de um hobbit, pesa menos que um cão de porte médio, tem um sorriso lindo e uma voz suave. Traduz em belas e poéticas palavras todas as vibes e estímulos do mundo sensível por ela recebidas quando não em suas ímpares ilusrações leves e expressivas.
Victoria Koki Grande anfitriã para os dias de trabalho, Vic alegra os dias com seu canto de sereia, contagiando com sua positividade. É detentora de maravilhosas e natas habilidades artísticas, e merece todos os abraços que recebe na vida.
@revistaentrelinhas �.com/revistaentrelinhas
4
c
C
idade da garoa. centro financeiro do país. centro da diversidade cultural. São Paulo, múltipla e singular a cidade que funciona /, no ritmo frenético de seus residentes. Em meio a um ambiente delirante e conturbado, quem poderia dizer que seria possível encontrar também algum sossego, uma mãe acolhedora. Talvez a característica da cidade que mais nos tenha impressionado durante o processo de elaboração desta primeira edição da Entrelinhas tenha sido sua maleabilidade. Sua capacidade de se adaptar a cada tribo, a cada indivíduo, e adquirir diferentes significados para cada um. Mas, pra nós, editoras, acima de todas as alcunhas que a caracterizam, São Paulo é a nossa casa. Ambiente dentro do qual fomos criadas. Ambiente que nos educou, fazendonos perceber a multitude como regra e o próximo como nós mesmos. Este projeto foi uma oportunidade de expressar um pouco daquilo que sentimos com relação à cidade e nos impulsionou a ir atrás, a colocar conhecimentos em prática. Mas, principalmente, foi uma oportunidade de crescer por meio das pessoas que conhecemos ao longo dessa jornada, que, através de um sorriso ou de uma história, nos ajudaram a quebrar alguns medos e preconceitos, ampliando, mesmo que timidamente, nossa percepção sobre nossa cidade e cada um dos elementos que a compõe. Fernanda Abe Editora-chefe
sumário
08
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Lugares e Comidas
Histórias Engraçadas…
Experiências marcantes relatadas por paulistanos
…da Infância: as travessuras de ser criança
10
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Medos&Sonhos
Entretatoos
Medos e sonhos através das gerações familiares
Força & Delicadeza: a marca de uma superação pessoal
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32
Pessoas Invisíveis
Retrato Falado
Histórias escondidas entre as esquinas
O cotidiano de Silas ilustrado por Victoria Koki
26
33
Segunda Impressão
Ouvi em SP
Conhecendo o paulistano mais a fundo
Retalhos de conversas típicas da capital paulista
entrepasseios
“Eu sempre gostei de história, de olhar as “Eu não sei se posso falar isso porque é crime… Mas moedas, peças de roupa… Então um lugar marcaneu até já fiz amor lá, com aquela ex-namorada que te da cidade para mim é o Museu do Ipiranga, pormorava lá perto. Foi atrás da carruagem do Dom Peque tem toda a história do país lá. Faz tempo que dro. Não, espera… Era a carruagem da Marquesa dos não vou, porque está em reforma, mas ia bastante Santos, isso. E ainda bem que não quebrou, porque quando era mais jovem, tive até uma ex-namoraela estava balançando por causa dos movimentos, da que morava lá perto. Aliás, a diretora do museu sabe? Era sempre prazeroso ir pra lá, mas esse dia foi já foi vice-diretora da FAU, mas faz uns anos que o mais.” não dá mais aulas aqui.” (M.B.)
8
entrepasseios
“Pode ser um lugar marcante com uma Uma história engraçada foi uma vez que meus amicomida marcante? Pra mim, um lugar com comida gos de Cuiabá vieram pra cá. Eu estava mostrando marcante é o Sesc Pompéia, principalmente por a cidade pra eles e os levei no Sesc Pompéia. A gente causa do sanduíche de carne seca. Eu não vou pra comeu esse sanduíche de carne seca, e meus amigos lá sempre, mas sempre que vou peço esse sanducomentaram: Nossa, como a comida de São Paulo é íche, que é massa e custa só reais.” barata!” (J.P.S.)
9
entregerações
&
Medos Sonhos Texto Victoria Koki
Fotografia Aline Kaori
J
á parou para pensar por quantas aspirações, sonhos e temores você passou hoje enquanto atravessava a rua ou passava as compras no caixa do supermercado? Se olharmos mais atentamente, por trás das máscaras e através das barreiras, descobrimos em cada cidadão um ser humano tão desinteressante e ao mesmo tempo valoroso como qualquer outro. Cada olhar, sorriso e corte de cabelo carrega consigo uma história por trás, uma bagagem de experiências emocionais e afetivas que constroem cada um dos que caminham pelas calçadas paulistanas.. Suas frustrações e traumas dos quais não gostariam de falar sobre, as lembranças que guardam debaixo do travesseiro todas as noites antes de adormecer a chorar de saudade, os lugares para onde vão quando fecham os olhos. Todas essas coisas que nos colocam no mesmo patamar de importância são nossos maiores encantos. A revista Entrelinhas então entrevistou a família Assato, trazendo três gerações—Milene (neta), Elaine (mãe), e Carolina (vó)—de pessoas que dividiram conosco um pouco dos seus medos e sonhos mais íntimos traduzidos em palavras e imagens.
10
anedotasdainfância por Tiemi Kaneko e Fernanda Abe
" Q u a n d o e r a c r i a n ç a e u m o r ava e m C o t i a , uma cidade pequena com bastante área verde. Costumava jogar bola na rua na frente da casa de uma senhora, avó de um dos meus amigos. Nós usávamos todo o espaço que podíamos, e muitas vezes a bola batia nos muros, paredes e portões. Uma vez eu e essa senhora discutimos por causa das boladas que dávamos no portão de sua casa. Eu fiquei com com raiva. Peguei um pau, matei um rato que passava pela rua e coloquei em cima da porta dela. Quando ela entrou na casa o rato morto caiu bem em cima de sua cabeça. Foi engraçado na hora, mas depois disso apanhei muito da minha mãe."
Edilson Pereira Lopes cresceu e agora mora em São Paulo, onde trabalha como voluntário do Greenpeace. Sua consciência ecológica já não permite mais a realização de tais feitos vingativos, os quais envolvem a participação e sacrifício de animais indefesos.
17
entretattoos
&
Forรงa Forรงa
Delicadeza Fotografia Fernanda Abe
18
“
Fui casada com um moço que era esquizofrênico e tinha psicose maníaco-depressiva. Esta doença pode ficar latente e um gatilho deflagra as piores crises. No meu singelo caso o gatilho foi, adivinhe? O casamento. Depois de uma separação que consistiu basicamente em me mudar de estado (é, fugi mesmo) comecei um relacionamento que durou 7 anos, e quando resolvi me separar as coisas degringolaram e novamente passei por uma situação abusiva. Nos últimos 16 anos só tive relacionamentos casuais e mesmo assim tive o desgosto de passar por uns maus bocados. Todos eles tinham nível superior, ótimos empregos, mas no meu caminho surgiram estes elementos que precisam de uma mulher para exercer uma espécie de poder pervertido, onde a “graça” está em diminuir a companheira para se sentirem “maiores”. Já ouviu falar disto, certo? Bom, diante deste quadro romântico falido, e para me lembrar de forma constante de que o meu valor como pessoa ou como mulher independe da aprovação de um homem, resolvi tatuar minha mão esquerda, já que sou canhota de nascença (escrevo com a direita porque fui alfabetizada em casa, já que minha mãe tinha a estranha crença de que gente canhota se dá mal na vida...rs).
”
Se fosse para combinar com meu espírito teria sido uma caveira, por exemplo. Resolvi tatuar uma flor porque flores são delicadas, lindas, e mesmo que efêmeras, renascem.
Em resumo, esta tatuagem representa que eu sou uma sobrevivente, que passei perto mas não entrei nas estatísticas de mulheres assassinadas por seus companheiros. (R.A.)
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Pessoas InvisĂveis Texto Fernanda Abe, Victoria Koki e Tiemi Kaneko Fotografia Fernanda Abe Lettering Aline Kaori
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Q
uem caminha todo dia pela cidade de São Paulo repara em muitas coisas. No farol, antes de atravessar a rua; nos carros, nos ônibus, nas bicicletas; no relógio que informa as horas, o clima, a qualidade do ar; no saldo do cartão ao passar pela catraca; no outdoor do metrô; na televisão que anuncia o horóscopo. Reparar nas pessoas, contudo, é raridade. Pelas pessoas passa-se reto. Ignorando-as. Ou reparando apenas com o canto do olho, tomando o cuidado para que seja apenas por um instante muito breve, e torcendo para que os olhares não se cruzem. O constante medo de estar vulnerável faz de grande parte dos paulistanos pessoas mais frias,
indiferentes à presença do próximo. Mas aquilo que pode ser entendido como um sintoma de toda grande metrópole, não necessariamente justifica a invisibilidade de pessoas diante de olhos anestesiados. Para atestar na prática que por detrás dos desvios de olhar escondem-se histórias que revelam batalhadores incríveis, Entrelinhas saiu às ruas de olhos bem abertos, em busca de pessoas que são diariamente ignoradas em seus ofícios—oficíos esses essenciais para a cidade de São Paulo, seja por promover seu funcionamento cotidiano, seja por conferir-lhe personalidade, justificando sua fama de cidade múltipla e diversificada. »
21
22
É
na calçada da Brigadeiro Luís Antônio com a Av. Paulista que, se a pressa não dominar os passos, pode-se escutar o som da sanfona de Sebastião Adão Moreira. Há mais de 40 anos ele divide sua música com os transeuntes neste mesmo local, onde chega cedo pela manhã e vai embora apenas no fim do dia. Sebastião nasceu no Espírito Santo e veio para a capital paulista aos 28 anos, após ter garantido aqui um trabalho. Por obra do destino ou do acaso, a pequena propriedade em que se aconchegou com sua família—no pouco tempo em que se encontravam na capital—fora invadida e seus bens todos levados embora. Sua esposa e filhos foram acolhdos por um homem e nunca mais voltaram a vê-lo. Restou a Sebastião encontrar na cidade o céu como teto e a calçada como lar, onde encontrou e cuidou de uma menina de 14 anos que veio a ser sua companheira. Os dois construíram uma vida juntos, nômades. Fizeram morada em pensões em Jundiaí e Morato até se estabelecerem em Guaianazes, onde atualmente residem. Hoje, Sebastião vive uma vida em que o trabalho é a música, o mover das emoções dos que por ele passam. Espera o prazer de ser pai novamente com a vinda do décimo sexto filho.
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J
anete é uma senhora de 56 anos de pele morena, olhos atenciosos, cabelo escuro e de uma personalidade agradável, sempre simpática; trabalha no refeitório universitário da USP na unidade da faculdade de Física. Mora em Suzano, tem 3 filhos e 4 netos, nasceu em 1959 na cidade de Osasco, onde viveu com seus pais e irmãos até a morte do seu pai, quando tinha 3 anos. Após o acontecido, decidiu que moraria com sua tia em Vila Ema, para aliviar a mãe atarefada e com muitos filhos para cuidar. Outro falecimento mudou o curso de sua vida quando sua tia se foi, obrigando-a a retornar à casa de sua mãe. Assim, com 13 anos, Janete começou a trabalhar para somar com a renda dos irmãos e ajudar a pagar as despesas de casa. Morou em várias residências de diversas famílias trabalhando como empregada doméstica e voltava periodicamente a Osasco para entregar o dinheiro acumulado à mãe e encontrar a família—esta completa com o caçula do novo casamento da mãe, reunindo os 9 irmãos (4 mulheres e 3 homens), sendo 2 já falecidos. Sua vida independente começou cedo, passou a morar junto com o seu marido ainda nova, tendo seu primogênito aos 20 anos. Conta que nunca teve o trabalho dos sonhos, o que teve de mais próximo a isso foi o início de sua trajetória como funcionária do bandejão, dizendo ter sido um começo prazeroso—entrava e saía rindo. Embora afirme que hoje as coisas já não são mais como antigamente, estão “mais ou menos” com a mudança da direção e alguns conflitos internos, Janete continua bem humorada e simpática com todos os que a cercam. Conta que isso foi algo que aprendeu com as experiências da vida, afirmando que já teve épocas nervosas, mas que isso a ensinou que descontar as frustrações naqueles que não têm nada a ver com elas não acrescenta; pelo contrário, entende que só a levaria a perdas tanto no relacionamento com seus amigos como o amor da mãe e dos irmãos. “Eu desacreditei nas amigas”, complementa após afirmar que não possui mais amigas, apenas colegas, embora reconheça a importância de confidentes para dividir segredos. Acredita que não se pode ter certeza de ser completamente correspondida por sua melhor amiga, podendo essa considerar outra nessa posição, então se tem algo para desabafar, compartilha com Deus. Seu maior e único sonho era ter uma casa para chamar de sua; a espera terminou recentemente com a aquisição da sua atual casa em Suzano. Embora não esteja localizada onde desejava, acredita que não deve vendê-la, pois crê que essa seja um presente de Deus, aonde Ele designou que deveria construir sua vida. Assim Janete vive a rotina de idas e voltas aos fins de semana à sua morada para encontrar seus filhos mais velhos e netos, seguindo sem ter em mente o próximo sonho a perseguir.
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v
entrenós
Segunda Impressão texto Victoria Koki Fotografia Fernanda Abe
A
vida na metrópole tem seus prós e contras. oportunidades existem em todos os cantos para muitos tipos de pessoas, a diversidade é uma marca da cidade, cheia de culturas, costumes e estilos diferentes de vida. Por outro lado, a violência e a criminalidade criam um medo e uma desconfiança que permeia as ruas de São Paulo, além da correria e do individualismo que afasta as pessoas umas das outras que, receosas, vivem sem fazer questão de um contato mais profundo com os seus semelhantes. Assim como em redes sociais, a relação entre as pessoas tem se tornado mais superficial inclusive nas ruas. Tendo essa questão estampada na Terra da Garoa, nos propusemos a ter uma noção mais completa e verdadeira do outro, para além da primeira impressão que este transmite. O desafio é ler nas entrelinhas do que se permite tornar-se visível, entendendo como as pessoas se revelam aos outros e quem elas de fato são—uma relação de dualidade entre o exterior e o interior de cada ser humano.
27
"A cidade é frenética", responde Weslei G., quando perguntado sobre a principal característica de São Paulo, cidade em que reside desde o nascimento até hoje, aos 30 anos de idade. Encontramos Weslei despropositadamente, debruçado sobre o mezanino da Livraria Cultura, alternando olhares entre a tela do celular e as pessoas que se agrupavam no andar de baixo para assistir a alguma palestra. A alternância de focos seria apenas uma das manifestações de sua personalidade dinâmica. Com o fluir da conversa, pudemos atestar que Weslei é reflexo daquilo que enxerga na metrópole em que reside: frenético, disposto, alguém que deixa as coisas acontecerem, e que não se deixa abalar. Conta o pauiistano que cursou duas faculdades:
28
radiologia médica e marketing, mas se encontrou quando começou a trabalhar em um jornal, local onde construiu uma experiênca profissional de 4 anos. Esta foi marcada por muitas mudanças entre as áreas diversas de um negócio, como a comunicação, produção do jornal, financeira, tudo isso acrescentou-lhe de modo a ser apto a tornar-se um funcionário multitarefa quando a crise veio e muitos de seus colegas foram demitidos. Hoje trabalha com uma ONG, no interior de São Paulo, gerida por seu irmão, cuidando da parte de comunicação. Weslei não sairia de São Paulo tão facilmente, a cidade palpita na frequência de seus batimentos cardíacos, o que lhe encanta é o movimento incessante e incansável da cidade viva. Afirma, no entanto, que se tivesse que sair, deveria ir a uma cidade que lhe proporcionasse uma vida de aventura, o que encontrou em uma suas viagens pela América do Sul, no Uruguai.
Fiz faculdade de radiologia médica, depois fiz marketing e digamos que não me adaptei a nenhuma das profissões. Aí fui trabalhar num jornal, O Diário de São Paulo. Comecei trabalhando na parte de criação, foi tudo repentino, não tinha nada programado. Fui sendo promovido, passei pela parte de produção do jornal até parar na área de publicidade e na área financeira. Foi uma mistureba legal. Fiquei 4 anos lá, mas quando eu comecei era um grande grupo de comunicação, então tinha jornal, portal da internet, emissora de tv no interior de São Paulo, então com a crise e a internet o grupo foi vendido para outra empressa e isso foi enxugando a empresa, funcionários foram demitindo e eu fui ficando, então tive que ir incorporando outras funções, virando um funcionário multitarefa. Fiquei lá um bom período, gostava muito da área da saúde, mas fui me encontrando na área de comunicação e foi uma área que me despertou bastante interesse. Nesse momento estou afastado da área por um problema de saúde meio que inesperado; então estou voltando aos poucos a colocar minha vida nos trilhos novamente. Foi do nada… eu tava perfeito, com a vida toda encaminhada e de repente eu descobri que tinha um tumor. Então fiquei meio desestruturado, não sabia como lidar. Sempre tive a saúde perfeita e foi algo que me pegou desprevenido. Mas não foi algo que me abalou. Consegui manter de certa forma a minha vida nos eixos, no controle, mas foi algo que me desestruturou. Tive que abdicar de muitas coisas, eu mesmo optei por me reservar um pouco mais. Apesar de ser um pouco agitado demais, eu privava minha individualidade, meu espaço. O grande problema que temos aqui, não apenas em São Paulo, mas as pessoas às vezes são invasivas demais. Eu comecei a perceber essa questão da invasão. Meus amigos mais próximos começaram a me tratar com uma certa dó, e eu não gostei disso, pensava que não tem porquê. Tem gente em situações piores do que a minha, não vai ser esse problema que vai me derrubar. Então tentei manter a minha… me fugiu a palavra… talvez positividade? Enfim, quando você fala pras pessoas: “estou com um problema de saúde, e é um tumor”, a palavra “tumor” em si assusta. Então as pessoas passaram a me tratar um pouco diferente e isso me incomodou. No começo foi um pouco difícil lidar com o diagnóstico, mas com o tempo consegui lidar com o problema, porque vi que não seria o fim do mundo. De certa forma isso também me ajudou. Minha cabeça mudou, minha postura mudou, com relação às pessoas, às minhas prioridades. Então de certa forma foi válido, foi uma experiência boa. E agora carrego a cicatriz aqui, ó.
"A cidade é frenética", responde Weslei G., quando perguntado sobre a principal característica de São Paulo, cidade em que reside desde o nascimento até hoje, aos 30 anos de idade. Encontramos Weslei despropositadamente, debruçado sobre o mezanino da Livraria Cultura, alternando olhares entre a tela do celular e as pessoas que se agrupavam no andar de baixo para assistir a alguma palestra. A alternância de focos seria apenas uma das manifestações de sua personalidade dinâmica. Com o fluir da conversa, pudemos atestar que Weslei é reflexo daquilo que enxerga na metrópole em que reside: frenético, disposto, alguém que deixa as coisas acontecerem, e que não se deixa abalar. Conta o pauiistano que cursou duas faculdades:
radiologia médica e marketing, mas se encontrou quando começou a trabalhar em um jornal, local onde construiu uma experiênca profissional de 4 anos. Esta foi marcada por muitas mudanças entre as áreas diversas de um negócio, como a comunicação, produção do jornal, financeira, tudo isso acrescentou-lhe de modo a ser apto a tornar-se um funcionário multitarefa quando a crise veio e muitos de seus colegas foram demitidos. Hoje trabalha com uma ONG, no interior de São Paulo, gerida por seu irmão, cuidando da parte de comunicação. Weslei não sairia de São Paulo tão facilmente, a cidade palpita na frequência de seus batimentos cardíacos, o que lhe encanta é o movimento incessante e incansável da cidade viva. Afirma, no entanto, que se tivesse que sair, deveria ir a uma cidade que lhe proporcionasse uma vida de aventura, o que encontrou em uma suas viagens pela América do Sul, no Uruguai.
Fiz faculdade de radiologia médica, depois fiz marketing e digamos que não me adaptei a nenhuma das profissões. Aí fui trabalhar num jornal, O Diário de São Paulo. Comecei trabalhando na parte de criação, foi tudo repentino, não tinha nada programado. Fui sendo promovido, passei pela parte de produção do jornal até parar na área de publicidade e na área financeira. Foi uma mistureba legal. Fiquei 4 anos lá, mas quando eu comecei era um grande grupo de comunicação, então tinha jornal, portal da internet, emissora de tv no interior de São Paulo, então com a crise e a internet o grupo foi vendido para outra empressa e isso foi enxugando a empresa, funcionários foram demitindo e eu fui ficando, então tive que ir incorporando outras funções, virando um funcionário multitarefa. Fiquei lá um bom período, gostava muito da área da saúde, mas fui me encontrando na área de comunicação e foi uma área que me despertou bastante interesse. Nesse momento estou afastado da área por um problema de saúde meio que inesperado; então estou voltando aos poucos a colocar minha vida nos trilhos novamente. Foi do nada… eu tava perfeito, com a vida toda encaminhada e de repente eu descobri que tinha um tumor. Então fiquei meio desestruturado, não sabia como lidar. Sempre tive a saúde perfeita e foi algo que me pegou desprevenido. Mas não foi algo que me abalou. Consegui manter de certa forma a minha vida nos eixos, no controle, mas foi algo que me desestruturou. Tive que abdicar de muitas coisas, eu mesmo optei por me reservar um pouco mais. Apesar de ser um pouco agitado demais, eu privava minha individualidade, meu espaço. O grande problema que temos aqui, não apenas em São Paulo, mas as pessoas às vezes são invasivas demais. Eu comecei a perceber essa questão da invasão. Meus amigos mais próximos começaram a me tratar com uma certa dó, e eu não gostei disso, pensava que não tem porquê. Tem gente em situações piores do que a minha, não vai ser esse problema que vai me derrubar. Então tentei manter a minha… me fugiu a palavra… talvez positividade? Enfim, quando você fala pras pessoas: “estou com um problema de saúde, e é um tumor”, a palavra “tumor” em si assusta. Então as pessoas passaram a me tratar um pouco diferente e isso me incomodou. No começo foi um pouco difícil lidar com o diagnóstico, mas com o tempo consegui lidar com o problema, porque vi que não seria o fim do mundo. De certa forma isso também me ajudou. Minha cabeça mudou, minha postura mudou, com relação às pessoas, às minhas prioridades. Então de certa forma foi válido, foi uma experiência boa. E agora carrego a cicatriz aqui, ó.
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retratofalado por Victoria Koki
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ouviemsp Frases soltas escutadas em diferentes locais da cidade
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colofão Projeto desenvolvido para a disciplina de Projeto Visual IV—Mídia Impressa, lecionada pela professora Sara Miriam Goldchmit no curso de Design da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Esta revista foi composta com as famílias tipográficas Libertad (TipoType) para os textos, e Alegreya Sans (Huerta Tipográfica) para os títulos. Impressão digital em papel Alta Alvura 120g/m² realizada na gráfica Arrisca e finalização na Encadernadora Duarte. São Paulo, 2015