Universidade de Lisboa Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação Licenciatura em Ciências da Educação
História da Educação I Docente: Justino Pereira de Magalhães
Cinema e Educação: «Música no Coração»
Trabalho realizado por: Liliana Sousa Nº 7261 1º Ano, T1
Lisboa, 14 de Janeiro de 2008 Índice Apresentação do tema……………………………………………………………………3 Importância do cinema enquanto expressão educacional………………………………..4 Reflexão crítica sobre o filme «Música no Coração»……………………………………5 Bibliografia……………………………………………………………………………..14
Apresentação do tema No âmbito da cadeira de História da Educação I, decidi abordar e analisar uma forma de arte. Mas não se pense que a minha escolha recaiu numa qualquer expressão artística. Na realidade, a minha opção tombou para a mais bela, a mais emblemática e a que mais paixões provoca. Falo, como já se pôde constatar, do Cinema. Seja como crítico activo da sociedade em que vivemos, seja como mero gerador de paixões, a preponderância que o Cinema apresenta na vida de todos nós não pode (e nem deve) ser descurada. Essa mesma preponderância legitimaa de tal forma que a sua análise detalhada tornase algo de relevante e de extrema necessidade. A razão é simples: este «fenómeno» não abarca somente actores, actrizes ou produtores. Devemos considerar algo mais profundo do que isso: a sua natureza, a sua essência enquanto expressão cultural e educacional. Cada filme apresenta o seu «estado de espírito». Cada filme é uma aventura por começar e um mistério por resolver. Cada filme é, de alguma maneira ou de outra, cultura e cada filme é, simultaneamente, educação, pois traznos a sua mensagem muito própria, propiciandonos uma lição para toda a vida. É esse o seu poder. Tendo o Cinema dimensões um tanto ou pouco vastas, e por ser megalómano abordálo no seu todo, decidime por começar a minha própria aventura e analisar um filme em específico e que representa um fiel marco de como é belo o processo da educação. Esta não foi uma escolha feita ao acaso. Porém, com tanta «matériaprima» por onde optar, este processo revelouse difícil e doloroso, pois são muitos os filmes existentes que poderiam ser facilmente incluídos num trabalho sobre Cinema e Educação. Apesar disso, a escolha foi tomada, tendo recaído para o filme Sound of Music (Música no Coração, em português).
O trabalho escrito que se segue tem um objectivo claro e preciso: demonstrar até que ponto este trabalho corresponde ao tema que lhe dá nome. Para o efeito, irei proceder a uma reflexão crítica sobre o filme Música no Coração, salientando os seus pontos principais e a mensagem, a representação educacional que o envolve. Antes de avançar para esta componente do trabalho em questão, procurarei ainda explicitar a importância que o Cinema apresenta enquanto expressão educacional para várias e várias gerações.
Importância do Cinema enquanto expressão educacional O Cinema é uma das mais bem sucedidas indústrias de entretenimento do mundo. Surgiu no final do século XIX e espalhouse pelo planeta com relativa rapidez. Em vários países, afirmouse como uma das formas hegemónicas de arte e entretenimento, ao ponto de dizerse que o século XX foi o "Século do Cinema". Porém, ao longo dos anos, a reprodução do real e a cultura da imagem em movimento atingiram proporções muito mais amplas, de tal forma que o tradicional filme projectado numa sala escura tornouse um instrumento, utilizado por diversas áreas, grupos de interesse e tribos da sociedade, transformandose numa forma de expressão educacional específica de um povo, de um movimento ou de uma ideologia. A beleza e o carácter genuíno de todo o processo educativo são características inegáveis do mesmo, sendo este um processo que nunca acaba e que se encontra em permanente mutação. Independentemente do local, independentemente do período histórico ou independentemente do contexto familiar. Exemplo brutal desta mesma tendência encontrase no filme Música no Coração. A questão de um ou mais filmes poderem ou não expressarse sobre a educação é intrigante, mas terá sempre uma resposta positiva. A Sétima Arte, através do recurso à linguagem e (sobretudo) à imagem, oferece ao espectador a possibilidade de ficar bem informado e reflectir sobre o tema numa perspectiva actual, ampla e consciente da cultura e da realidade educacional de um país ou de uma qualquer facção da sociedade. Mas interpretar uma determinada obra cinematográfica como material informativo ou pura manipulação de massas é um direito de cada espectador.
Reflexão crítica sobre o filme Música no Coração Sound of Music (Música no Coração, em português), um filme realizado por Robert Wise em 1965, e que conta com Julie Andrews e Christopher Plummer nos principais papéis, retrata um período histórico concreto, mais concretamente os últimos «anos dourados» da década de 30 em Salzburgo, Áustria. O filme começa por nos ilustrar a vida atribulada da Irmã Maria (Julie Andrews) no seu convento, que reunia muito apreço junto das outras Irmãs. Porém, estas consideravam que Maria apenas criava problemas, pois chegava sempre atrasada à capela e, embora penitenciandose com fervor e embora fazendo rir as outras Irmãs, a pergunta colocavase: «como reter na mão» este «raio do luar»? Maria, na realidade, é um anticorpo naquele lugar religioso, devido à sua própria natureza e personalidade: sai para ver a montanha e para sentir a Natureza, sai para cantar e exprimir ao Mundo toda a alegria que esse mesmo gesto lhe dá. A música, desde logo, apresentase como o seu habitat natural e como o seu refúgio espiritual. Ao aperceberse desta mesma situação, a Reverenda Madre (Peggy Wood) indica a Maria que talvez seja necessário, para seu bem e do convento, que ela procure respostas, fora deste espaço, sobre o que pretende para a sua vida. A Reverenda Madre desde logo incumbelhe árdua tarefa: uma família, com sete filhos e com um oficial da Marinha Imperial como pai, precisava de uma preceptora. Embora chocada ao se aperceber que iria encontrar sete filhos, Maria aceita o convite com medo mas, simultaneamente, com entusiasmo. Ao chegar e ao vislumbrar no horizonte a imponente casa que agora seria a sua, Maria fica espantada. E ainda mais receosa. Ao tocar à porta, denota de imediato uma
pequena amostra do ambiente que vai encontrar: o mordomo, em resposta ao caloroso cumprimento de Maria, responde de forma fria. Este seria o meio que viria a encontrar, dado que a história reportase a uma família austríaca dos finais da década de 30. O povo austríaco é, por natureza, bastante frio e calculista no contacto humano. Paralelamente, o contexto histórico em questão é o da II Guerra Mundial, sendo que nesta mesma altura a rectidão de valores era elevada. Uma família era sustentada na rigidez da disciplina, do trabalho, da seriedade. Foi esta realidade que Maria veio encontrar na casa do Comandante von Trapp. A sua esposa falecera há sete anos. Desde essa altura, «aquela casa nunca mais foi a mesma» – dissera a governanta a Maria. A tristeza e a mágoa sobrepuseramse à alegria de viver. As preceptoras sucederamse umas atrás das outras. Doze, no total. Inclusive, a última preceptora antes de Maria durou somente duas horas naquele lar desfeito. Assim sendo, a tarefa de Maria não viria a ser nada fácil. Ao entrar, deparase com um tipo de educação totalmente militarizada e asfixiante, algo próprio da época e dos valores em questão. Há um apito que von Trapp usa para chamar os filhos, que usam roupa igual e que fazem uma espécie de parada militar para receber a nova preceptora. A naturalidade destes é pouca, exibindose quase de forma artificial e manifestando pouco à vontade. Tal choca Maria. Porém, mais chocada ficaria quando o pai das crianças indicoulhe que ela teria de usar o apito para as crianças, pois não se admitiam gritos naquela casa. Tendo Maria, também, que responder ao som do apito, caso von Trapp precisasse dos seus serviços. Maria recusa se e marca uma diferença, um fosso educacional entre o resto do lar e a sua própria forma de ser e de estar, a sua própria educação. Refere que jamais poderia responder a um apito ou chamar alguém por um apito, pois naquele lar haviam pessoas e não animais. Maria tem uma mente livre, uma forma diferente de ver o Mundo, onde o amor, o carinho, a solidariedade e a alegria de viver são os seus melhores amigos. Gosta de viver e gosta de contagiar os outros com essa mesma alegria de viver. Tal como tentara no convento. Ao depararse com este cenário surreal para os seus olhos, Maria toma uma posição. Embora houvesse um gelo inicial a separála das crianças e embora as partidas que elas lhe fizeram, Maria começa a gostar e a ligarse afectivamente das sete crianças, ganhou a sua confiança. E embora tendolhe prometido autêntica vida negra ao início, as crianças começam também a gostar de Maria, encarada como uma salvação espiritual e educacional para os seus seres. Durante anos, o fosso que os
separava do seu pai aumentou. Dia após dia. O gelo e o medo coabitavam no tipo de educação dada. As crianças não brincavam… marchavam. Não é permitido rir nem cantar naquele lar que se encontrava destruído. Maria muda a situação: ganha a confiança e o respeito das crianças, dandolhes aquilo que nunca tinham tido nos últimos anos – uma educação baseada na alegria de viver. Esse carinho e amor que as crianças não tinham e que passaram a ter por causa de Maria manifestouse de várias formas: a preceptora defendiaos perante o pai das suas travessuras, destrói cortinados para lhes fazer roupa para brincarem à vontade, levaos a passearem, faz um piquenique e brinca com eles… Foi de tal forma sucedida que um deles perguntou se os dias não podiam ser sempre assim. Pois nunca tinham sido passados desta forma. A estratégia educacional de Maria foi simples, pois apenas se limitou, de forma consciente e verdadeira, a dar algo àquelas crianças que não tinham tido na educação militarizada de von Trapp: amor. Somente isto. E fêlo através da música, pois as sete crianças nem sabiam sequer nenhuma música, não sabiam cantar e jamais cantaram nas suas vidas. Foi com este tipo de educação proxémica que Maria passou a dar às crianças que se tornariam seus filhos e filhas. Incutelhes a alegria de viver, de cantar, de sorrir, do amor e carinho a dar a quem nos rodeia. Pela música, como não poderia deixar de ser. Alcançou, inclusive, um milagre: ensinou os filhos de von Trapp a cantar. Mas a cantar bem. E com alegria. Sempre. O pai von Trapp apercebese que os filhos já não se encontram inseridos na aura de disciplina e de ordem que construiu ao longo dos anos e que os aprisionou e moldou negativamente. Perdera o comando de controlo. Tornase, com o passar do tempo, cada vez mais latente o sentimento de alegria dos filhos a brincar com Maria e a tristeza que a figura paternal neles se apresentava. Maria, aliás, confronta várias vezes von Trapp, mostrando coragem e tenacidade: ousadamente, diz que os filhos se encontram presos a camisas de força e acusao de ser um mau pai, não lhes dando o afecto que tanto precisam. E que encontraram em Maria. A amável e dócil preceptora passara a conhecer melhor as crianças do que o próprio pai distante e sisudo que elas tinham. Inicialmente von Trapp reage de forma furiosa, ordenando a Maria que esta saia para todo o sempre daquela casa. Mas vendo a alegria dos filhos a cantar, a sua percepção muda. Apercebe se, finalmente, do que eles precisavam. E do que não lhes tinha dado. Pede desculpa a
Maria e pede também que ela fique, devido à sua «utilidade» naquela casa. O amor que Maria deu às crianças foi tal que o próprio von Trapp se apaixona por ela, considerandoa como a mãe que os seus filhos precisava: justa, dócil, meiga e amiga. Maria era a mãe de que eles necessitavam e que lhes daria a educação que precisavam. E que nunca chegaram a ter. Maria e von Trapp casariamse pouco depois. Entretanto, deflagra a guerra e, com isso, tempos difíceis para o casal, dado que von Trapp não era apoiante da doutrina emergente e maioritária da época. De tal forma que a sua casa foi a única a não hastear a bandeira do Terceiro Reich (rasgoua, inclusive), conforme as recomendações que foram transmitidas. A Áustria deixara de existir, de ter uma identidade própria. Passara a ser mais um mero peão no tabuleiro de Hitler. A necessidade de abandonar o país e de começar uma vida nova cimentase. Após terem cantado (e ganho) no Festival de Música da cidade (algo que seria impensável no início do filme ocorreu: Maria a cantar… na companhia das crianças… e de von Trapp), a família foge para a Suíça, para aí viver uma vida onde valores como o do amor e o da alegria por viver jamais seriam esquecidos. A morte daquele tipo de educação dada coincidiu com o abandono daquele local. Tudo ficou para trás. E jamais as suas vidas seriam as mesmas.
Bibliografia
Filme: The sound of music