Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Schubsky, Cássio
Estado de direito já! : os trinta anos da Carta aos Brasileiros / Cássio Schubsky, Flávio Bierrenbach, Almino Affonso. -- São Paulo : Lettera.doc, 2007.
ISBN 978-85-98810-11-9
1. Brasil - História 2. Brasil - Política e governo 3. Democracia - Brasil 4. Estado de direito 5. Telles Junior, Goffredo, 1915 -. Carta aos Brasileiros I. Bierrenbach, Flávio. II. Affonso, Almino. III. Título.
07-5809
Índices para catálogo sistemático:
1. Brasil : História política 320.981
2. Brasil : Política 320.981
CDU-320.981
Lettera.doc Projetos de Comunicação Ltda. Rua 7 de Abril, 235 – Conj. 304
Da esquerda para a direita: Gisela Wajskop, Antonio Dimas, Marta Wolack Grosbaum e Cecília Luedemann.
Foto: Tom Zé
VANGUARDA PEDAGÓGICA
“Foi ali que aprendi na prática o que haviam tentado me transmitir nas aulas de didática, de maneira antididática.”
Provavelmente, muitos de vocês devem estar se perguntando o que faz um gói1 aqui nesta mesa. Eu não vou explicar. A minha fala é que vai explicar. É ela que mostra como reivindico com orgulho esta presença, o que faço eu em uma mesa de evocação profissional de uma escola que foi importante para nós, o que faz aqui um professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo, onde comecei em 1969, é assunto pra já! Em busca desse passado mais remoto, começo lembrando que a minha presença no Scholem data de 1966, quando cheguei em São Paulo, vindo de uma cidade a 450 km daqui, uma cidade na boca do sertão chamada Assis, onde fui criado, embora nascido em Sorocaba. A minha presença no Scholem se dá pelas formas as mais tortuosas possíveis. Como sou um provocador por tendência inata e por desvio profissional, gostaria de deixar
1 em íidiche: não-judeu
Antonio Dimas
Foto: Tom Zé
claro que entrei na escola israelita pela mão de uma pessoa da comunidade árabe. Agente infiltrado, não parece? Foi
Nites Feres, colega querida dos tempos de Faculdade, que me sugeriu entrar em contacto com a direção do Scholem. Recém-chegado de Assis, ainda espantado com a cidade grande, embora já a conhecesse desde pequeno, eu procurava emprego. Minha idéia era ficar uns poucos meses em São Paulo. Estou aqui até hoje e não me arrependo de nenhuma escolha feita. Como é que eu caio no Scholem?
Na verdade, não se pode levar a sério uma pessoa que desembarca em abril em São Paulo para procurar aulas, e esse era o meu caso. Claro que não posso negar minhas origens brasileiras e macunaímicas, que cultivo com enorme zelo até hoje, embora já tenha ultrapassado em dez anos meu tempo de aposentadoria.
Entrei no Scholem como professor de ginásio, para usar a terminologia daquele tempo. Para inaugurar o ginásio em 1966, as reuniões tinham acontecido em 1965. Mal começava o ano letivo, em 1966, a professora encarregada do setor de Português tinha que abandonar o posto. Por razões pessoais e por razões profissionais, a professora Telê Porto Ancona Lopes – com quem me dou muito bem até hoje e que é uma extraordinária pesquisadora de literatura brasileira – optou pela pesquisa. E não havia quem ficasse no lugar dela. Não havia quem a substituísse..., a escola já funcionando..., as crianças com algumas semanas de aula..., o prosseguimento difícil..., ao menos na área de Português. Eu não tinha a mínima intenção, quando me formei em Letras – eu me formei em Português e Inglês em 1965 –, não tinha a mínima intenção de ser professor de Português. Eu tinha, isso sim!, a intenção de ser professor de Inglês, porque isso era um traço de distinção social na
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minha cidade acanhada. E era só por isso, por uma questão de distinção social? Não, mas porque também eu mal conhecia os instrumentos da língua portuguesa. A análise sintática me apavorava, eu morria de medo dela. E não é que, por uma questão de sobrevivência, eu tinha uma escolha? Ou eu voltava para o interior com o rabo entre as pernas, ou enfrentava a análise sintática numa escola israelita. Portanto, eram duas as adversidades extraordinárias, unificadas num só receio: o da análise sintática e o da convivência com uma comunidade “estrangeira”, entre aspas. O que era, afinal, uma escola israelita, da qual eu tinha uma informação muito vaga? O que era essa cultura israelita, essa cultura judaica? Lembrava-me, de modo difuso, de poucos colegas das minhas cidades do interior. De algum vizinho, se tanto. Quanto mais você afunda para o interior, parece que é menor a comunidade judaica. O que fazia eu, naquela escola em que tudo era muito diferente, o vocabulário era diferente, o tratamento pessoal era diferente? O que é essa tal de escola renovada, o que ela pretende, o que é uma escola onde as aulas vão das 8 da manhã até às 5 da tarde? O que essa criançada fica fazendo, gritando no corredor pra lá e pra cá? Por que professor tem que dar aula de português(Português) todo dia? Não há objeto direto que agüente isso, cismava eu. Era um mundo extraordinário pra mim, porque era um aprendizado que se modelava de maneira dupla, no mínimo: de um lado, uma reeducação urbana diante da grande cidade, cheia de códigos diferentes, alguns misteriosos; de outro, o aprendizado profissional, em que as coisas se misturavam de um jeito destrambelhado para um rapaz de 23 anos, completamente atônito. Então, bateu a indecisão! Indecisão diante da continuação universitária ou da profissionalização. Momento
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de pegar ou largar: ou o aprendizado docente na Três Rios ou as obrigações discentes na Maria Antônia, onde me esforçava pra continuar um curso fascinante sobre a “Cultura do cangaço”. Foi, então, que a cidade de São Paulo se dividiu de forma irremediável na minha frente. Ou ficava na Maria Antônia, ou no Scholem da Três Rios. Na época, a Maria Antônia ainda era a sede da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
Como se essa divisão geográfica e territorial não bastasse – essa divisão que me atraía pro Bom Retiro e que me puxava do Bom Retiro, um bairro que eu começava a descobrir, meio fascinado por causa de suas peculiaridades, sobretudo gastronômicas –, tinha ainda uma dedicação a um professor que formou a minha geração, a nossa geração, o Professor Antonio Candido, que, em determinado momento, me fez uma pergunta que me atazanou mais ainda: “Dimas, você quer mesmo continuar dando aula ou quer uma bolsa da Fapesp?”. E eu sabia lá o que era Fapesp?!? Mais um item pro meu vocabulário, que cresceu de forma espantosa. E ele, com toda a paciência que sempre o caracterizou, explicou para este curumim de Assis o que era Fapesp. E eu disse: “Tenho que decidir já, professor?”. Ele disse: “Não, daqui a uma semana você me dá um retorno”. A Fapesp estava começando, foi a Fapesp que roubou a primeira professora de Português do Scholem Aleichem, a professora Telê. A Fapesp lesou o Scholem, mas, em compensação, profissionalizou de vez a pesquisa, neste canto do País. Tornou-se referência nacional. Eis uma instituição respeitável, pra qual eu tiro o chapéu. Muito bem, se posso “decidir daqui a uns dias”, vou pensar. Pensei, pensei e pensei. E agora faço uma revelação pra alguns dos meus ex-alunos que estão aqui, quarenta
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anos depois. Então eu disse: “Professor Candido, agradeço seu convite, mas eu não vou deixar aquela molecada”. “O que você não vai deixar? Por quê? O que é essa escola?”. Expliquei rapidamente pra ele o que eu sabia, com apenas um ano de Scholem. Me lembro até hoje da expressão carinhosa que usei, que pode até parecer meio desajeitada, eu sei. Desajeitada pra quem baba pelo “politicamente correto”. Me lembro que usei uma expressão muito cheia de carinho. Eu disse: “Professor, eu não vou ter coragem de deixar os meus judeuzinhos de jeito nenhum”. Eram endemoninhados, barulhentos, eram insuportáveis, era uma escola em que as crianças iam pra um pátio mal-ajambrado, que voltavam suados pra sala de aula, cheirando, é claro, porque são crianças, estão entrando na fase de adolescência, a testosterona está saindo por tudo quanto é poro, não é? Existe uma excitação natural, a gente sabe muito bem disso, quem já trabalhou com adolescente sabe que as crianças na fase de onze, doze anos têm horror à higiene, ao banho, e eu tenho certeza que muitos deles tinham enganado a mãe no dia anterior e não tinham tomado banho. Então era tudo isso. Era um mundo extraordinário! Aquelas crianças pulando pra lá e pra cá, me desafiando, me seduzindo, me testando, querendo saber se eu sabia, me perguntando, me provocando, falando alto, pegando no caderno com o dedo sujo de tinta, de terra, de manteiga, suados depois do recreio... E eu disse claramente: “Eu não quero deixar essa gente, professor. Não posso”. E por que essa escola me chamava a atenção? Por que ela me fascinava? Me fascinava porque, como já foi muito bem dito por quem veio antes de mim, essa escola não invocava teorias pra ensinar. Não se pendurava nelas. As coisas iam sendo feitas ali na hora. Mas não na improvisação, vejam bem. Não era na improvisação.
Era um sistema que exigia o conhecimento flexível da área específica, que esperava um determinado tipo de envolvimento político – estávamos no começo de um período de chumbo, lembremo-nos disso –, que alimentava simpatias políticas claras, mas que não podiam ser explicitadas à vontade, e que apostava em bom jogo de cintura pedagógica. Era isso que me chamava a atenção. Porque era uma escola que permitia, por exemplo, jogar Guimarães Rosa na sala de aula. O que deixava a Esther Kopinski, a orientadora pedagógica, de olho mais arregalado ainda, mais esbaforida do que já era, apesar de sua origem baiana. Era quando a Teca, como nós a chamávamos, perdia a paulistanidade recém-adquirida e recuperava, rápido, seu sotaque de Amaralina: “Você é louco de dar Guimarães Rosa no primeiro ano. É difícil demais, menino! Quem é que entende aquela língua de sertanejo?!”. “Uai, por que não?”, eu brincava. “Se eles já têm uma longa tradição do sofrimento, por que não treiná-los desde já com Guimarães Rosa?”. Me parecia que eu estava acobertado, historicamente. Então vamos dar Guimarães Rosa, vamos começar pelo Miguilim pra testar a reação das crianças. Se der certo, a gente vai em frente com o “Burrinho pedrês”. Ou vice-versa. Tanto faz. Da primeira vez que perguntei “o que vocês acharam?”, levantou-se um daqueles dedinhos meio encardidos no fundo da sala – é sempre no fundo da sala! – e falou com segurança: “Eu gostei, professor, mas era bom que você desse uma história menos triste pra gente, da próxima vez”. É aí que você se emociona; que você vê que o teu recado chegou lá. Eu não queria estudar firulas lingüísticas com essas crianças. Mas se elas pudessem chegar no Guimarães Rosa aos 12 anos, como chegaram, ou chegar no Zé Lins do Rego, como também chegaram aos 13, why not? Essa
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experiência, portanto, era uma experiência feita. Não quero ser demagogo ou mais sentimental do que a gente tem permissão pra ser aqui, mas aquilo era uma experiência que estava sendo feita ali, ao sabor do momento, acuado por um momento político adverso. Isso é importante lembrar. Porque era um tempo político do avesso, que não favorecia a área pedagógica. Não é preciso lembrar, aqui, o que foi 64. Que entre 64 e 68 o golpe tinha um caráter meio amadorístico. Que foi a partir de dezembro de 68 que ele se profissionalizou e a barbárie se tornou compacta e densa. De 1964 a dezembro de 1968, foi uma quartelada, foi uma aventura militar. A partir de dezembro de 68, com o AI-5, aí sim a coisa engrossou de vez. E isso é uma coisa que tem de ser lembrada. E nesse período primeiro dessa aventura militar, qual é a resposta que muitas escolas vão dar? Uma resposta, até hoje, a meu ver, fácil. Os esquemas de Summerhill. Porque Summerhill era, digamos assim, o delírio, a expectativa de liberação, cabia muito bem na cabeça colonizada de todos nós. Uma escola inglesa, que se espreguiçava naqueles campos e charnecas da Inglaterra, porque é só Inglaterra que tem charneca, não se esqueçam disso. Na Inglaterra e nos romances da Emily Brönte. O morro dos ventos uivantes, por exemplo, abunda em charneca. Então era essa experiência inglesa, faceira, mas de uma experiência bem distante, inteiramente descontextualizada neste País. O que vou fazer eu com esses meninos – e eu tive essa experiência paralela, numa outra escola –, o que vou fazer eu com essa experiência inglesa, que muito pouco diz respeito à nossa realidade? Porque essa escapatória pedagógica, que se descobriu nesse momento, não tinha nada a ver com a nossa experiência do Scholem Aleichem. Agora é preciso lembrar também o seguinte: essa intensa expe-
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riência de um aprendizado interno e de um aprendizado externo parece até coisa banal. Dou um exemplo concreto, porque é disso que gosto. Um dia uma das orientadoras me contou que um dos alunos sofria de “dislexia”. Nunca tinha ouvido isso! Eu não tinha a mínima idéia do que fosse “dislexia”. Em Assis não tinha disso! Mas uma coisa eu sabia e sei até hoje: formação de palavras em português. Então, com falsa tranqüilidade, disse: “Nossa, nem sabia que ele era disléxico”. Claro que dessa eu escapei. Eu podia não saber o que era o substantivo “dislexia”, mas arrisquei no adjetivo “disléxico” e saí de fininho. Continuei não sabendo o que era “dislexia” até o momento em que pude correr pro Aurélio, que ficava sempre à mão, na sala dos professores. Este era outro diferencial da escola, por incrível que pareça: um dicionário de português como parte do mobiliário da sala dos professores.
Muito bem. Dessas escolas renovadas, é preciso lembrar o seguinte: o Scholem fez parte de um sistema de ensino renovado deste País, que a todo custo precisa ser recuperado. Não em termos de “resgate”, como gostam de dizer os que descobriram essa palavra há pouco tempo. Não em termos de lembrança museológica. Mas em termos de treino pedagógico, de vivência educacional, de aposta efetiva na educação primária e média, base incontestável para uma educação sem fanfarronice publicitária. Em termos de política educacional séria que não se contenta com inclusões precipitadas e faroleiras. Foram várias as iniciativas de educação renovada média, primária ou superior neste País que abortaram. E abortaram por um motivo muito simples: porque nunca houve neste País, e até hoje não há, nenhum sistema político ou governamental que tenha se interessado a sério por uma instância chamada educação.
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E isso acontece até hoje, infelizmente. É mais vistoso comprar computador high tech que bancar salário condigno; é menos arriscado e mais visível fazer licitação de eletronices que alargar a planilha de gastos salariais. Máquina só reclama manutenção; gente reclama de tudo.
No momento em que eu vejo o Scholem como parte integrante desse processo de educação renovada, nomes como o de Maria Nilde Mascelani não podem ficar de lado. Foram profissionais como ela que inspiraram essas escolas com um projeto muito mais existencial que pedagógico. Não é à toa que ela foi sacrificada pela Gloriosa. Ela e muitos outros que encaravam a educação como vetor sério e não como apêndice da Secretaria de Turismo ou como festa da inclusão eletrônica. É aí que está a grande diferença.
Por quê? Porque hoje se acredita que escola renovada seja pôr uma tabuleta na fachada e chamá-la, por exemplo, de “Pipoquinha feliz” ou de “Patinha sorridente”, não é? Ou de “Baratinha serelepe”. Mas se esquecem de que – além de serem infantilóides e mediocrizantes esses diminutivos, que se apóiam sempre numa denominação traiçoeira – esses mesmos nomes podem cair em mãos de adversários, voltarem-se contra a própria escola, transformando-as em arapucas pedagógicas. Porque uma escola que se chama “Patinha sorridente” pode se converter imediatamente em “Latinha sorridente”. Ou, mais grave, uma escola que se chama “Pipoquinha feliz” pode se tornar uma “Piroquinha feliz”. Essa maldade que a língua favorece, e que a gente não pode perder de vista, tem que ser inteiramente afastada já nas origens, porque uma escola não é o espaço da felicidade necessária. Escola não é lugar pra alegria programada como se fosse excursão pro Caribe. É óbvio que ela não pode ser autoritária, que não pode ser espaço de opressão, de terror,
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de constrangimento, mas também não precisa ser prometida como suspensão da realidade, vendida com passaporte pra Terra-do-faz-de-conta. Escola é espaço pra reflexão, pra disciplina, pra educação, pra concentração, pra conscientização, pra formação intelectual, livre de mitos fáceis. É essa a função da escola desde seus momentos mais iniciais. Porque é uma escola como essa, por exemplo, que nos permite reunir 15 ou 20 alunos de um terceiro ano de ginásio, com seus 12 ou 13 anos, e fazer com que eles se sentem, durante uma semana ou duas, e discutam as virtudes de um romance como Fogo morto, por exemplo. Coisa que nem mesmo na faculdade é fácil de acontecer. São crianças que levantam aquele dedinho invariavelmente melequento pra dizer que “eu gosto mais do Zé Amaro, professor, do que do Capitão Vitorino Papa-rabo” ou “ah, eu não sei, eu acho o Papa-rabo muito insuportável, fala demais, repete muito. O que eu gosto mesmo é do Coronel Lula de Holanda”. “Ah, professor, e aquelas mulheres. Coitadas! Como elas sofrem, né? Judiação! Tudo louca!”. Isso vem de crianças de 12 anos, que estão aprendendo literatura não como obrigação, mas como vivência, como jogo de sobrevivência, mesmo que elas não saibam disso e nem precisem saber. E é por isso que eu acredito em escola como projeto existencial, projeto vivencial, mais que pedagógico.
Não posso e nem quero tomar mais o tempo de vocês, mas me permitam fazer, por último, a minha homenagem mais escancarada a essa experiência de 40 anos atrás. Ao longo da minha carreira universitária, eu tive que fazer vários concursos, e em três deles eu tive que fazer um memorial. Claro que esse memorial não muda de um tempo para outro, porque afinal de contas a vida é uma só. O que a gente faz é acrescentar experiências. Mas eu me lembro
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que, no primeiro concurso que fiz na Universidade, em 76, para confirmar o meu lugar, e no último que fiz, em maio agora, um parágrafo desse memorial sempre foi dedicado ao Scholem Aleichem, presença irremovível do meu percurso. Vou ler e termino esta minha fala que já se arrasta:
Antes, porém, de retomar os passos da pós-graduação, devo mencionar o significado do trabalho realizado no Ginásio Israelita-Brasileiro Scholem Aleichem. No tempo em que o Bom Retiro ainda nos tentava a gula com guelfilte fish e beigale, foi ali que aprendi na prática o que haviam tentado me transmitir nas aulas de didática, de maneira anti-didática. Foi ali que coloquei em prática umas tantas idéias e pressupostos adquiridos nos anos anteriores. Foi ali que confirmei a suspeita de que um professor orienta, antes de ensinar. Foi ali que me certifiquei, de uma vez por todas, que o relacionamento com o aluno deve antes conter lastro grande de atenção pessoal controlada e foi ali, finalmente, que me convenci da inoperância de esquemas “summerhillianos” aplicados com pressa à nossa realidade.
Três anos consecutivos de acompanhamento diário ao lado do aluno, das 8h00 às 17h00, é que tornaram possível, por exemplo, a realização de um seminário sobre Fogo morto, com dezessete adolescentes disputando a primazia da leitura de seus relatórios individuais, e discorrendo entusiasmados sobre as grandezas e misérias de Zé Amaro, Lula de Holanda e Vitorino Papa-rabo. Assim, devido ao tempo, alguns me comoveram com relações pertinentes entre a cultura canavieira do romance e aquilo que já haviam lido um pouco antes por indicação de professores de outras áreas. Se de tudo fica um
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pouco, como diz Drummond, do Scholem ficou muito. A certeza inabalável, porque vivida no dia-a-dia, de que a integração harmoniosa de uma equipe decentemente remunerada e respaldada por uma visão comum de educação gera resultados. Muitos fascinantes, e outros surpreendentes”.
Muito obrigado.
Antonio Dimas é professor de Literatura Brasileira na USP. Atua como professor visitante em universidades da Europa e dos Estados Unidos, em cujas bibliotecas desenvolve pesquisas sobre cultura brasileira. Escreveu Tempos eufóricos (1983), Espaço e romance (1985) e Bilac, o jornalista (2006).