Histórias de Trabalho em Bagé (2015)

Sumário

Ministério da Educação – PROEXT-MEC Universidade Federal do Pampa – Unipampa Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEXT-Unipampa) Laboratório de Leitura e Produção Textual – LAB-Unipampa Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense Departamento de Ensino, Pesquisa e Extensão do IFSul Campus Bagé

Escritas do mundo do trabalho - Lisandro Moura - Apresentação ........................................ 4 Alessandra e sua descrença no trabalho - Patrícia Godinho e Jaqueline Flesch ...................... 6

© 2015, Revista Histórias de Trabalho em Bagé: figurações, memórias e afetos

O futuro - Vanessa Bernardes .................................................................................................... 8

ISSN 2447-6765

A valsa de seu Jair - Flávio Dutra e Maurício Moraes .............................................................. 9

ORGANIZAÇÃO Lisandro Lucas de Lima Moura DIAGRAMAÇÃO Fabrício Bassi ARTE DA CAPA Hiago Faria FOTO DA CAPA Diego Lameira

REVISÃO Lisandro Lucas de Lima Moura AUTORES E COLABORADORES Estudantes do IFSul Campus Bagé EDITORA Universidade Federal do Pampa – Unipampa IMPRESSÃO Polimpressos Serviços Gráficos Ltda - M

O Inventor de histórias - Luiz Miguel Saes .......................................................................... 10 Histórias de quem ama a enfermagem - Eduarda Wild ...................................................... 12 Agentes duplos - Matheus M. de Souza ................................................................................. 14 O construtor de casas - Jiovana Gomes ................................................................................. 15 A parteira - Dianine Miranda ................................................................................................ 16 A maravilhosa (porém difícil) arte de decidir - Marina Silva ............................................ 18 Viver um dia de cada vez - Vinicius S. de Schneider e Gabriel Hernandes Gonçalves ........... 20

Dados de catalogação na fonte: Vanessa Abreu Dias CRB - 10/1756

(Des)caminho - Andressa Martins Lucas ................................................................................ 21 Uma vida através de sinais - Bruna de Lima Barbachan ...................................................... 22

Revista Histórias de Trabalho em Bagé: figurações, memórias e afetos / Universidade Federal do Pampa. N. 01 (dez. 2015). – Bagé: Universidade Federal do Pampa, 2015.

Anual (2015) ISSN

Meu povo, minha vida - Otávio Lancellotti .......................................................................... 26 O Músico - Gustavo Cougo .................................................................................................... 27

(Impresso)

Cotidiano – um beco - Alice Huber Cunha .......................................................................... 28 Fé e generosidade - Estêvão Yamin ........................................................................................ 30

1. Memórias 2. Narrativas. 3. Universidade Federal do Pampa CDD 300

2 - Histórias de Trabalho

Uma vida de dedicação ao próximo - Tássilla Soares Antunes e Douglas Chaves Caldas ..... 24

As voltas da vida - Nathália Pamplona Barboza .................................................................... 32

Histórias de Trabalho

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Apresentação “O que sobrou do que nos tiraram é o que fecunda a nossa espera.

Nossas privações são a nossa riqueza e o nosso desafio.”

(José de Souza Martins - A sociabilidade do homem simples)

Escritas do mundo do trabalho Lisandro L. L. Moura1

As histórias aqui reunidas resultam de um trabalho de sala de aula realizado com estudantes do IFSul Campus Bagé, na área de Sociologia e no contexto do projeto Narradores de Bagé2 . Os alunos e alunas do 6º semestre dos cursos de Agropecuária e Informática, integrados ao Ensino Médio, tiveram como tarefa a elaboração de narrativas literárias baseadas em histórias reais do cotidiano de quem vive do e para o trabalho. Os protagonistas são pessoas da cidade de Bagé e região, muitas delas próximas do convívio familiar dos estudantes-autores, o que faz da escrita um gesto de afeto ao próximo.

Os textos selecionados comportam imagens e personagens do mundo do trabalho, que em meio às adversidades da vida conseguem evocar um horizonte de possibilidades para quem busca uma vida com sentido.

Captando com sensibilidade as minúcias laboriosas do cotidiano de cada personagem, os(as) jovens autores(as) nos convidam a visitar

4 - Histórias de Trabalho

as memórias pessoais e coletivas que dão o tom das mais diversas profissões e ofícios. Vidas narradas de personagens profundamente humanos, que nos ensinam valores e atitudes indispensáveis pelo modo como vivenciam as contradições sociais do trabalho e as condições de suas próprias limitações.

O dilema das prostitutas e transexuais que vivem e sobrevivem nas calçadas e becos noturnos da cidade; a valsa imaginada pelo autor do texto, que dá ritmo às batidas repetitivas do antigo ferreiro; as resignações e relações afetivas do coveiro com o cemitério onde trabalha há anos; o solitário escritor-inventor que cria cenários a partir do alto da sua janela; o cotidiano arriscado de um trabalhador quileiro da região de Aceguá; a emoção remota que a parteira deixa transparecer ao realizar o milagre do seu trabalho; a fé e a generosidade da benzedeira Doninha; a dimensão trágica e heroica que se manifesta no trabalho de um bombeiro... São tantas histórias e lições de vida

que não cabem neste texto. Todas elas falam da vida como trabalho e do trabalho como vida. Falam, sobretudo, do trabalho que não se deixa capturar pelo emprego formal, pois está associado à manifestação de um valor pessoal e afetivo. O trabalho com sentido em meio a uma vida de incertezas.

O trabalho como espaço do devir e não apenas como produto de uma relação alienante, mesmo que ele esteja, quase sempre, situado numa estrutura de exploração e expropriação. A vivência subjetiva do trabalho ganha aqui um destaque superior ao modo como o trabalho se realiza no plano objetivo das relações sociais.

A cidade de Bagé é o palco onde as ações do enredo se desenvolvem. No entanto, apesar do cenário ser local, as narrativas sugerem também indícios do drama universal vivido pelos sujeitos do trabalho.

A universalidade das histórias ganha relevância porque a forma de contá-las é figurativa, o que pode levar o leitor a se identificar

com cada uma delas e, ao mesmo tempo, indagar se são histórias reais ou imaginadas, suprimindo assim os limites entre a realidade e a ficção. A escrita assume dimensões subjetivas importantes de modo que a imaginação passa a orientar o processo narrativo. A imaginação como matriz do ato criativo, como faculdade que permite revelar a veracidade do irreal ao transpor a objetividade desencantada dos “fatos sociais”.

O sentido pedagógico pensado nesse projeto está situado justamente nesse limiar entre o real e o imaginário. Estamos trabalhando com uma sociologia que se preocupa mais em mostrar as minúcias do labor diário do que explicar, julgando, suas causas e contradições. É o olhar que descreve os acontecimentos habituais em torno do trabalho para amplificar nossa percepção sobre os mesmos.

Uma perspectiva, portanto, que investe com prioridade nas figurações do trabalho e nas formas sensíveis da vida cotidiana. Podemos falar,

assim, de uma experiência de ensino que tem como finalidade a aprendizagem de um olhar fértil sobre os fenômenos sociais, um olhar atento aos pequenos gestos que são quase imperceptíveis ao observador apressado. Essa atenção imaginante está fundamentada na aproximação intuitiva entre o sujeito que narra e o objeto narrado, devido ao envolvimento dos estudantes que, em alguns momentos, se colocam também como participantes das histórias contadas.

Por fim, antes de mergulharmos nas figurações, memórias e afetos do mundo do trabalho, é imprescindível dizer que a organização desta revista surgiu de uma parceria com o Laboratório de Leitura e Produção Textual da Unipampa (LAB) e foi acompanhada e sustentada por pessoas valiosas que, de uma forma ou de outra, foram corresponsáveis pela inspiração e finalização deste material. Menciono, em primeiro lugar, a Prof.ª Clara Dorneles, coordenadora do LAB, que gentilmente abraçou a ideia de publicar este trabalho realizado por alunos do IFSul, com recursos do projeto de extensão da Unipampa, Escrita colaborativa e experimental no Jornal Universitário do Pampa

(PROEXT-MEC). Em segundo lugar, meus agradecimentos especiais à jornalista Giuliana Bruni por espalhar a magia do jornalismo literário em oficinas realizadas no LAB e em outros espaços da cidade, como no IFSul, universidades e escolas. Graças ao trabalho que ela realiza, em colaboração com o jornalista Felipe Laud, em projetos como o Pessoas de Bagé (Facebook) e nas oficinas voltadas para a escrita criativa de não-ficção, é possível pensar na literatura como substrato rico para o aprendizado e o exercício do olhar sociológico na escola. feliz!

Desejo a tod@s uma leitura

Mestre em Educação pela UFPel, prof. de Sociologia do IFSul, graduado em Ciências Sociais pela UFRGS. É coordenador do projeto Narradores de Bagé e responsável pela coordenação e organização da presente Revista.

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Projeto de ensino com o qual viemos desenvolvendo, desde 2011, trabalhos que apresentam em textos e imagens a diversidade das manifestações sociais e culturais da cidade de Bagé.

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Histórias de Trabalho

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Alessandra e sua descrença no trabalho Fonte: Egon Schiele - 1917 - Mulher sentada com joelho dobrado

Patrícia Godinho e Jaqueline Flesch

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Bicho sacrificado, oferenda feita e corpo fechado. Alessandra está protegida para passar mais noites nas calçadas de sua cidade.

Após seu trabalho de proteção, Alessandra chega a sua casa. Tem pressa, hoje é dia de ir trabalhar cedo e também de voltar cedo, afinal, hoje seu Ita vem de Candiota e quer ver sua namorada. Seu Ita é o mais velho de seus namorados.

Alessandra tem mais dois, dois garotões de 25 anos. Diz ela que é para variar, pois enjoa ver sempre o mesmo pau.

Alessandra entra com pressa, deixa sua bolsa atirada no sofá e vai até seu quarto buscar seus cremes de banho. Banhada, produzida e protegida por sua fé, sai para mais uma noite de perigos, humilhação, sujeira e compensação financeira.

Assim que desce do ônibus, já no centro, um rapaz

O dia amanhece, Alessandra vai passear e fazer compras, logo volta para casa, os olhares e os deboches a incomodam. Alessandra é uma transexual que desconhece essa palavra e se autodenomina travesti. É uma mulher bonita, porém, uma aberração diante dos olhos da sociedade.

Em casa, Alessandra se sente discriminada e humilhada. Lembra que poderia ter sido uma “pessoa normal”, com uma “vida normal”, se não tivesse deixado de ser Luis Alberto e virado Alessandra, se não tivesse saído de casa para se prostituir com 14 anos.

Alessandra fugiu de casa porque seu pai não aceitava sua feminilidade. De carona em carona, de boquete em boquete, chegou a Santa Catarina, foi faxineira, doméstica e babá. Viajou por todo o litoral do estado,

voltar atrás, Alessandra na mesma noite já está nas ruas, não vê seu trabalho como profissão, o vê como uma “coisa ignorante”, mas está nela porque não tem regras, não tem um patrão, e suas metas ela mesma faz.

Tem 29 anos e já está ficando velha para a prostituição. Pretende em breve montar um negócio e viver de forma “normal e limpa”.

O que será do futuro de Alessanda? É tão incerto como cada noite do presente.

“O que será do futuro de Alessanda? É tão incerto como cada noite do presente.” pede para que ela o siga. O destino é um bar/motel tradicional, Aconchego’s Bar, conhecido como Bar do Amassado. Após o primeiro programa da noite, Alessandra segue apressada para o seu ponto.

Sua esquina atual fica na Av. Barão do Triunfo, antes seu ponto era no Alto da Santa Casa, porém era constantemente assaltada e espancada. Hoje em dia, com sua clientela 90% fixa, Alessandra mal para no ponto, assim que chega já sai, essa correria faz parte de todas as noites. Após outros dois programas, com 400 reais a mais na bolsa e a sensação de estar livre do perigo, Alessandra chega em casa, se banha e se arruma novamente, tem que visitar seu Ita.

ficando em média, dois meses em cada serviço.

Depois de oito anos nessa peregrinação de trabalho para sobreviver, Alessandra viajou à São Paulo, onde colocou suas próteses de silicone e se prostituiu pela primeira vez em uma calçada.

Conheceu pela primeira vez a sua profissão, conheceu pela primeira vez os perigos da noite. Após ser assaltada e espancada, corre para pedir ajuda aos policiais a paisana e só encontra agressões. Agressões não só verbais.

Volta para Bagé, e é aceita apenas por uma parte da família, uma parte bem pequena diga-se de passagem: seu avô.

Mas, como não se pode Histórias de Trabalho

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Vanessa Bernardes Leda tem um trabalho pouco comum e descrente para a sociedade. Ela é cartomante.

Trabalha no conforto de sua casa e lá recebe as pessoas que possuem muitas dúvidas do que está por vir. A rotina de Leda é lidar com o passado, o presente e o futuro e recebe mais de dez pessoas por dia no seu lar. Ao chegar à casa dela, fui levada para uma pequena e humilde sala e me deparei com vários objetos que, para mim, até então não tinham significados.

Observei seu perfume que possuía um cheiro forte de Jasmim, que ardia meu nariz e suas centenas de pulseiras e colares com muitas moedas. Enquanto ela se preparava para me atender, olhei para os gestos que ela realizava como se estivesse chamando alguém do mundo espiritual para lhe ajudar nesta consulta.

Quando Leda começou a dispor as cartas sobre a mesa de lata de bar, pude perceber a destreza com que ela realizava tal tarefa

8 - Histórias de Trabalho

e a firmeza transmitida em suas palavras. Começou a falar sobre a minha vida, às vezes proferindo palavras soltas e com muita persuasão. Em um momento, errou sobre fatos da minha vida e a maioria do tempo falou sobre meu futuro e como ele seria cheio de conquistas. Talvez Leda não tenha visto muita coisa sobre mim nas cartas, o que levou ela a dizer que o meu futuro iria ser bom, o que todo mundo espera ouvir.

A consulta durou mais ou

e mais mulheres e, assim, tirar o sustento para a família.

Leda vive descobrindo destinos, muitas vezes ruins, mas que nem sempre ela os conta.

Imagino a falta de energia com que ela chega ao final da jornada de carteadas do dia, e isso não deve valer os R$25,00 que eu paguei. Tenho a percepção que a maioria de sua clientela é feminina porque nós, mulheres, temos essa curiosidade irresistível e tentamos

“Leda, talvez, nem queira saber sobre o seu próprio futuro, porque já está tão farta de tanto conhecimento sobre o futuro dos outros.” menos uns 30 minutos. Aos 25 já tinha duas mulheres esperando na salinha ao lado. Parecia que Leda estava inquieta e nervosa por não conseguir me fazer ter um sinal de entusiasmo com o que ela estava falando e aquela pressa de terminar logo a consulta para atender mais

de tudo para tirar esse véu do desconhecido.

Leda, talvez, nem queira saber sobre o seu próprio futuro, porque já está tão farta de tanto conhecimento sobre o futuro dos outros. Ela só espera que a vida aconteça.

Fonte: Flávio Dutra - 2015

Fonte: Brassaï - 1933 - La Cartomancienne

O futuro

O dia clareia cedo para quem tropeia cavalo, mas mais cedo ainda para quem produz o apetrecho rural do cavalo. A ferradura é essencial para um cavalo bem cuidado e linda é a arte de quem a produz.

A valsa de seu Jair Flávio Dutra e Maurício Moraes mesmo com toda sua brutalidade, consegue executar uma das mais lindas e calmas melodias.

A valsa é a música que embala o ferreiro, traduzindo todo seu trabalho, entre uma batida e virada de ferro, lá vem outra batida,

“A valsa é a música que embala o ferreiro, traduzindo todo seu trabalho, entre uma batida e virada de ferro, lá vem outra batida, fazendo a linda sinfonia.”

O fogo acende, o ferro aquece, a bigorna está pronta com o sebo escondido. A marreta, o ponteiro do cabo, o ponteiro de mão, estampa e talhadeira estão sempre prontos ao alcance das mãos. Os braços fortes do ferreiro moldam o ferro quente em seu terrível calor que varia entre 180°C a 200°C. E a valsa que toca o artista ferreiro,

sereno, sábio na arte de moldar ferro, mostrando que o mais simples e tradicional jeito de se ver a vida é com calma e simplicidade, fazendo seu trabalho dia após dia, mantendo viva nossas tradições.

Seus 67 anos não o deixam mentir. Seu Jair mostra a cada dia que seus 56 anos como ferreiro são uma mostra de sua experiência sobre a arte do ferro, mantendo todos os dias acesa uma das últimas centelhas de quem a pratica.

fazendo a linda sinfonia.

Traduzindo e resumindo o trabalho deste artista, que é uma das peças fundamentais, esse homem que calça cavalos, desde os maiores haras e cabanhas até o cavalo simples de carroça, inventando, ajudando e entendendo o animal.

E assim se traduz o ferreiro, um homem simples, de olhar Histórias de Trabalho

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O Inventor de histórias

Fonte: Gustave Caillebotte - 1876 - Homem Jovem à Janela

Luiz Miguel Saes

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“Aos 12 anos de idade, sentou-se debaixo dos arcos do pátio do colégio e começou a narrar no papel o que seu olhar contemplava: nasceu o escritor.”

Entre papéis soltos sobre a escrivaninha e um amontoado de livros, o escritor trabalha. Desliza a caneta na folha velozmente, montando o esboço de mais uma obra. A sala é aconchegante: poltrona e lareira, mesa, um cenário de filme. Pra completar, da janela ele tem uma visão privilegiada da Avenida 7, onde a cidade vive em seus comércios, casas bancárias e residências.

A mulher que atravessa a Praça do Coreto tem um destino incerto, os demais nem imaginam de onde ela vem, pra onde ela vai.

Só o nosso escritor arrisca-se a dar um palpite: Ela vem de casa, e pelo passo largo, está atrasada para o trabalho. O vestuário lembra o uniforme de uma loja que ele sabe que conhece, então descobre que ela é vendedora. Pelo atraso que ela teve, supõe-se que acabou de se mudar para esse emprego, ainda não se acostumou com os horários do ônibus. Do alto de seu prédio, não consegue analisar outros detalhes de suas feições, e cessa seus palpites.

Assim vive o nosso escritor, assim ele passa os dias. Pela manhã, dorme. Diz que o sono é sonho, é magia, e nesse sonho ele tem a oportunidade de conhecer as suas Obras mais originais, aquelas que são fruto de sua imaginação.

Pela tarde, observa as pessoas que passam lá de cima, do alto de sua janela. Alguns dias, ele se arrisca a vê-las de perto, quando desce de casa e vai até a praça. Caminha pelas calçadas e cumprimenta os conhecidos, e sente saudades das pessoas de outras épocas, dos amigos fiéis que já partiram para povoar as avenidas celestes.

Relembra os antigos encontros da juventude, os carnavais dos clubes,

e é tomado pelo impulso do escritor inventor: já recria cenários de bailes luxuosos no Clube Comercial.

Mulheres de máscaras e vestidos rendados, danças e marchinhas.

Ele pode ouvir cantar ao fundo “Ô abre-alas que eu quero passar, peço licença pra poder desabafar…”.

Do nada, é traído pela imaginação e já muda o cenário: não é mais o carnaval da juventude, mas uma festa de casamento no início do século passado. Homens bemvestidos, com largos bigodes e altas cartolas, mulheres com longas saias e pedras preciosas, e danças… A noiva imitando a moda francesa, o noivo sisudo, a bênção do Padre.

Tudo ou nada, coisas grandes ou insignificantes são capazes de inspirar.

Ele nasceu em Bagé, num ano perdido da década de 40, mas diz sentir em si mesmo todas as épocas. Passou a infância como interno do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, onde era sempre visto na biblioteca, devorando livros.

Aos 12 anos de idade, sentouse debaixo dos arcos do pátio do colégio e começou a narrar no papel o que seu olhar contemplava: nasceu o escritor.

Viajou pelo mundo em busca de conhecimento, frequentou universidades no exterior, mas não aguentou de saudades e voltou para a terra amada. Para ele, nenhum lugar traz mais inspiração que as ruas de Bagé: sua gente singular, seu jeito especial de ser hospitaleiro, seu tradicionalismo, sua relevância histórica.

Depois de ouvir tudo isso, obriguei-me a perguntar se ele é bairrista, a resposta obviamente foi positiva, e ele mostrou-me uma parede com imagens dos maiores acontecimentos da vida da cidade:

gravuras sobre a Guerra dos Farrapos, a Revolução Federalista, a chegada da luz elétrica, a visita da Princesa Isabel. Pergunto se é isso que tem de mais importante na cidade. Ele me conduz até a janela e aponta para as pessoas, afirmando que a maior riqueza histórica está nas histórias de vida que ainda não foram contadas, que são fruto de existências desvalorizadas por muitos, mas que traduzem o espírito do lugar.

Depois de horas de conversa, já estou sentado tomando um chimarrão e ouvindo várias histórias sobre Bagé. Realmente, ele sente em si todas as épocas, fala da mesma maneira da chegada de Dom Diogo de Souza e dos donos da padaria. Não há um tom de historiador, mas de amigo dos personagens históricos. Sou criticado no meio da conversa por escolher a história de trabalho dele em detrimento de tantos outros trabalhadores, tantas outras vivências, mas depois de uma explicação, ele concordou que alguém tinha que ser escolhido. O adiantado da hora não permite que eu continue as perguntas, como eu disse, o nosso escritor preza o horário do sono. Vou embora.

Dia desses atravessei a Praça do Coreto sem pressa, olhando os quatro cantos, pedras portuguesas, o Silveira Martins, inventando pra cada canto uma história, e pensando: que história o nosso escritor estará inventando sobre mim? E ainda: que história eu inventei sobre ele?

Histórias de Trabalho

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Histórias de quem ama a enfermagem

Fonte: Antônio Rocha

Eduarda Wild

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O dia amanhece e chega a hora de Marilei ir para o trabalho. Às sete horas começa seu plantão no hospital, onde trabalha como técnica em enfermagem. Chega sempre pontualmente na hora de entrada e se divide entre prontuários, agulhas, cateteres, seringas, medicamentos e outros tantos materiais que se tornam sua ferramenta de trabalho toda manhã.

O sonho de se tornar enfermeira lhe acompanha desde pequena. Já aos sete anos achava lindo sua tia colocar seu uniforme branco, e sempre carregava dentro de si o desejo de um dia poder fazer o mesmo. O tempo foi passando e Marilei tinha cada vez mais certeza de sua futura profissão, pois acreditava que através dela poderia ajudar centenas de pessoas ao decorrer da vida.

Aos dezenove anos, antes de cursar o técnico em enfermagem, Marilei conseguiu seu primeiro emprego na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI Adulto) do hospital de sua cidade, onde exercia a função de escriturária, cuidando apenas da parte burocrática do setor. Ainda jovem, sua rotina mudou. Agora, óbitos, cirurgias e os mais variados procedimentos de urgência e emergência passaram a fazer parte do seu dia a dia. Mesmo com tudo o que passou a conviver, o sonho de fazer parte dessa realidade só aumentava.

Os veteranos da unidade não poderiam deixar passar em branco a chegada de uma novata no setor e, assim, começou a recepção de Marilei. Sua função era cuidar dos papeis de internação e baixa hospitalar, manter o estoque da unidade, anotar os horários das

medicações, entre outros. Mas muitas vezes ela acabava indo além disso, a pedido de seus colegas.

Certo dia, no final de seu turno, ficou encarregada de levar o corpo de um paciente, que há pouco tempo havia falecido, para o necrotério, que ficava dois andares abaixo do seu. A porta do elevador se fecha, e lá encontra-se Marilei com o morto. O nervosismo e ansiedade de se ver livre daquela situação já faz com que ela comece a enxergar movimentos do então falecido. Após alguns infinitos minutos, o elevador apita, chegou ao térreo, a porta se abre e ela desce rapidamente. De forma apressada,

venosa, que consiste na incisão de um cateter na veia. Animada com o convite, ela se dirige ao paciente.

O médico e a enfermeira já estão preparados, menos Marilei, apesar de não saber disso. Fica, então, em pé segurando a bandeja com os materiais, e o médico dá início ao processo com uma injeção anestésica e logo começa o corte nos tecidos, até alcançar uma veia e a segurar com uma pinça, levantando-a. Ao acompanhar o decorrer do procedimento, rapidamente sua visão escurece e as pernas se frouxam. Marilei desmaia ao pé da cama.

Mas para ela tudo é uma

“No decorrer dos dias, Marilei já estava se acostumando com a situação, mas ainda não sabia lidar com a morte, muito menos com os mortos.” empurra a maca pelos corredores e, finalmente, chega ao necrotério.

No decorrer dos dias, Marilei já estava se acostumando com a situação, mas ainda não sabia lidar com a morte, muito menos com os mortos. Mal sabia ela que dias depois ficaria presa por cerca de uma hora no necrotério com dois corpos levados recentemente para lá. E apenas duas palavras resumiram esse acontecimento: pânico e tensão. Essa passou a ser sua rotina de escriturária por alguns anos. Mas com o passar do tempo, o medo foi ficando de lado e realizar tarefas como essas ficou tão comum e normal como preencher um de seus formulários.

Quando completou cerca de um ano de trabalho na UTI adulto, foi convidada pela enfermeira responsável no turno a auxiliar num procedimento de flebotomia

questão de costume, e com o decorrer dos anos se acostumou com essas situações. Auxiliar nesse e outros tipos de procedimentos, assim como fazer a preparação e transporte de um corpo até o necrotério viraram simples atividades diárias. A rotina no hospital cada vez lhe dava mais certeza da profissão que queria exercer e Marilei então aceitou o convite para cursar o Técnico em Enfermagem. Depois de dois anos de estudos e dedicação, ela retorna ao hospital para trabalhar, agora como técnica, no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) infantil e lá teve contato com vários tipos de anomalias e má formações, acreditando que tudo serviu como experiência e acréscimo de conhecimento para sua vida profissional.

Após todos esses anos

vivendo a rotina de um hospital, Marilei percebe que a prevenção é a chave para uma saúde pública de qualidade, então decide abandonar seu emprego e passa a trabalhar no posto de saúde central da cidade. Participou de cursos e palestras e atuou durante anos como vacinadora. Sempre alegre, desempenhava seu papel com prazer e dedicação e chegou a conquistar o reconhecimento de Vacinadora Nota 10 da Prefeitura Municipal.

Marilei considera sua profissão como algo que lhe aproxima de Deus. Para ela, o poder de amenizar a dor, o sofrimento de alguém, é uma virtude divina que alguém pode alcançar, e o sorriso no rosto de um paciente é a maior recompensa de um profissional que dedica sua vida para cuidar de outras tantas. Ela não lembra de todos os pacientes que atendeu, nem no hospital, nem no posto de saúde, mas sabe que serviu a cada um com dedicação e desempenho de alguém que ama sua profissão.

Histórias de Trabalho

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São 6:00 horas da manhã de uma segunda feira, o dia começa cedo para Rita. Toma banho, toma café, toma coragem e vai trabalhar.

Ao se despedir dos filhos e do marido viu que o dia ia ser longo. E quente, que calor! Teve que voltar para casa e deixar o casaco. Agora sim, rumo ao serviço. 7:00 horas.

Rita é sempre pontual. Enquanto isso, João acorda para aquecer o leite dos filhos e após eles tomarem, todos voltam a dormir. As crianças não vão acordar tão cedo hoje, João pode se dar ao luxo de dormir até um pouco mais tarde. Já nessa hora os primeiros alunos chegam na escola e Rita vai encerrando o assunto com seus colegas professores. Chega à sua sala de aula e os que percebem tratam de ir sentando. Silêncio é feito. Não aquele silêncio sem barulho, mas o silêncio de sala de aula, com alguns cochichos, barulho de mesas e cadeiras arrastando e afins. A aula é sobre Romantismo com todo o seu saudosismo, e então Rita lembra

14 - Histórias de Trabalho

da casa materna que há muito já saiu, da adolescência que há muito se esvaiu, de como o tempo passa, como os filhos cresceram, como a idade chega e como é difícil viver o presente sem lembrar e reviver o passado. Onde ela estava? Ah sim, o Romantismo. Rita continua a aula, agora realmente na aula. E de

e finalmente vai almoçar. Todos nos sofás, TV no canal do jornal.

Tragédia no trânsito esse final de semana. Enchentes, secas, vendavais ou frentes frias nos mais diversos locais desse Brasil. O clima anda uma loucura ultimamente.

Por conta disso, Rita fala para Tom, o filho mais velho, levar o

“João se despede de Rita e tem os quartos para arrumar e a louça para lavar. Trabalho e filhos. Casa e filhos. É segunda-feira, a semana está apenas começando.” uma aula para a outra. Assim como João, que já limpou o fogão. E o banheiro. E a sala. Os filhos olham desenho enquanto ele começa a preparar o almoço. O cardápio foi escolhido pela Patrícia, a filha menor. Panquecas! Rita chega quando João está recheando e enrolando as últimas. A garganta dela dói, resolve tomar água e um anti-inflamatório, porque o dia vai ser longo. Troca de roupa

guarda-chuva porque vai chover. A van leva as crianças pra escola. Rita se despede de João, pega o casaco que havia tirado logo pela manhã e volta para o trabalho. João se despede de Rita e tem os quartos para arrumar e a louça para lavar.

Trabalho e filhos. Casa e filhos. É segunda-feira, a semana está apenas começando. Quem disse que agentes duplos só existem em filmes?

Fonte: Diego Lameira - 2015

Matheus M. de Souza

Fonte: Rafael Sanzio - 1511 - Escola de Atenas

Agentes duplos

Cinco da manhã, o despertador toca e Antônio se levanta para mais um dia de trabalho. Ele beija a esposa e lhe deseja um bom dia. Sai do quarto, lava-se e vai preparar o café, e o come assistindo a um noticiário.

Após isso, Antônio vai até o quarto de sua filha, para ver se ela está bem, pois está resfriada e

O construtor de casas Jiovana Gomes serviço será rebocar as paredes da garagem. O pedreiro liga o rádio e começa preparar a argamassa que vai usar. Antônio trabalha até meio dia, quando faz uma pausa para almoçar e descansar por uma hora.

Lá pela uma e meia da tarde seu filho chega para ajudá-lo.

Carlos tem dezesseis anos e está no segundo ano do ensino médio

“Hoje o serviço será rebocar as paredes da garagem. O pedreiro liga o rádio e começa preparar a argamassa que vai usar.” isto a atrapalha ao dormir. Então ele pega o pote com seu almoço e vai até a garagem, onde pega suas ferramentas e sai de casa de carro.

Antônio é pedreiro e está trabalhando em uma obra do outro lado da cidade, em uma reforma e expansão de uma casa.

Ele chega lá pelas seis horas, quando já está claro o suficiente para começar o trabalho. Hoje o

e sempre ajuda o pai no turno da tarde, quando não está na escola.

Com mais outra pessoa o trabalho anda mais rápido e eles conseguem terminar a parte interna até o fim do dia. As seis da tarde, eles guardam e recolhem os materiais e ferramentas e vão para a casa.

Antônio trabalha cerca de doze horas por dia. Ele cobrou dois mil e quinhentos reais pela

obra, no prazo de um mês. Desse total, cerca de mil reais são seu lucro, pelo serviço, e o resto é usado na compra de materiais. Sua esposa trabalha como caixa de um mercado e juntos eles conseguem se manter. Mas não é sempre que Antônio consegue um trabalho.

Sua filha tem quatro anos e passa o dia em uma creche, assim ele só pode vê-la à noite.

Faz mais de vinte anos que Antônio trabalha como pedreiro, profissão que aprendeu com o pai.

Ele largou a escola para ajudar o pai e nunca chegou a terminar os estudos. Antônio diz que as coisas melhoraram muito desde quando ele trabalhava com o pai em Dom Pedrito. Ele conseguiu construir uma casa e financiar um carro. Diz também que preza muito para que o filho priorize os estudos no lugar de ajudá-lo nas obras. Seu sonho é ver seu filho passar no vestibular e se formar em engenharia civil.

Histórias de Trabalho

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Fonte: Geledés - 2010 - arquivo.geledes.org.br/areas-de-atuacao/saude

A parteira Dianine Miranda

16 - Histórias de Trabalho

São quase 2h da manhã quando ela escuta batidas forte em sua porta, e ela sabe pela urgência das batidas que chegou a hora de trabalhar. Ela se levanta rapidamente, junta o que será necessário para trabalhar e vai.

Com passos rápidos em meio a escuridão, D. Maria ainda tem tempo para refletir sobre a responsabilidade que carrega. Sua profissão não admite erros, ela não admite erros.

Chegando ao seu destino ela entra na casa, e quando chega ao quarto onde sua paciente está ela vê uma cena que a comove, o marido ao lado da cama de sua esposa, o rosto dele é uma mistura de medo, preocupação e felicidade, mas nem por isso ela solta a mão de sua jovem esposa. Sua atenção se volta para a mulher na cama, uma menina de 20 anos que ela conhece desde menina. Ela está em meio a contrações e os gritos de dor e medo enchem o cômodo e, pela expressão da doce moça, D. Laura sabe que a noite será longa e difícil.

Em uma cidadezinha em meio a seca, a quilômetros de qualquer hospital ou ajuda, as futuras mamães só tem ela para contar.

D. Laura pede para todos saírem - é sua regra numero um – é primeira gravidez da jovem mãe, da pra ver em seus olhos que ela está assustada e muito feliz com a esperança de ter logo seu bebê nos braços.

Pela sua vida inteira como parteira, D. Laura sabe que o bebê ainda não está na posição correta para chegar a este mundo, isso é muito preocupante. Dessa vez vai ser difícil, já houve complicações sérias e o risco de perder ambos é

grande. Esses sentimentos ela não pode deixar transparecer.

Já são 5h da manhã, o sol vem cortando o horizonte e os gritos de dor e medo da jovem enchem o quarto como a luz da manhã que vem chegando.

- Não empurra, ainda não é o momento – são umas das poucas palavras que saem de sua boca. Ela se concentra no que deve ser feito.

Massageando a barriga, ela ajuda o bebê a começar a se virar. Isso será longo, todos sabem, mas ninguém

Antes de pegar no sono, seus últimos pensamentos demonstram que ela não poderia ter escolhido caminho melhor pra trilhar na vida.

Ser um instrumento de felicidade para outras pessoas é o que causa mais felicidade. Colocar aqueles pequenos anjos no mundo, faz todas as horas de dor e sofrimento não pareceram nada.

Ela agradece a Deus por mais um dia, por mais um parto, por mais um milagre. Assim em meio a sua prece ela cai no sono, feliz

“Já são 5h da manhã, o sol vem cortando o horizonte e os gritos de dor e medo da jovem enchem o quarto como a luz da manhã que vem chegando.” fala.

Às 9h da manhã ela sente a melhora na posição da criança.

Chegou o momento.

- Empurra! – ela diz, mas a pobre mãezinha depois de quase 7h de trabalho de parto sem nenhuma assistência, já quase não tem mais força. Mas ainda assim ela toma ar e dá seu último grito e empurra com toda a força que ainda lhe resta.

Entre as mãos de D. Laura surge uma carequinha, e ela guia para fora, com grandes olhos negros, uma menininha a encara, o bebê não chora, Dona Laura sim. É nesse instante que ela vê que seu trabalho não é apenas um trabalho, é sua missão de vida. É algo que não poderia ser mais satisfatório.

Cansada e esgotada depois de uma noite dura ela chega em casa, deita-se feliz, pois acaba de deixar uma família maior e mais feliz, a mãe e a filha estão bem, isso é o mais importante.

e realizada com sua profissão, sua missão, a qual pra ela é prazer e alegria pura. Ela sabe que sua vida não poderia ser diferente, ela não gostaria que fosse, ali era seu lugar, ajudar nesse momento tão delicado das mulheres era seu dom, e ela o utilizaria para ajudar o próximo sempre.

Histórias de Trabalho

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Fonte: Richard Gibbs - 2011 - www.richardpgibbs.org

A maravilhosa (porém difícil) arte de decidir

Uma das coisas que mais atormentam um jovem do ensino médio é escolher uma profissão.

“O que vou fazer da vida?”, “Com o que quero trabalhar?”, “Em qual faculdade vou estudar?”, “Qual curso escolher?”. Perguntas sérias, pois essa é uma escolha que define uma parte muito importante do resto da vida. E em alguns momentos parece que, uma vez tomada a decisão, não tem mais volta. Será mesmo? Sorte tem aqueles que desde cedo já sabem o emprego que querem ter.

Foi o que aconteceu com Stéfano, que queria ser jogador de futebol. Desde os 12 anos fazia testes em clubes do estado. Com 15 anos, passou para as categorias de base do Inter e foi para Porto Alegre. Jogou por alguns meses, voltou para casa nas férias e treinava muito. Como louco! Tudo estava dando certo.

Mas por mais que a gente queira, a vida nem sempre segue nossos planos. Em fevereiro do

18 - Histórias de Trabalho

Marina Silva

ano seguinte, mudou de categoria, mudou a comissão técnica e depois de duas semanas foi mandado embora. Não desistiu, voltou para Bagé e continuou tentando jogar futebol por mais dois anos. Depois de algumas lesões, acabou por abandonar o esporte. Demorou um pouco para aceitar, mas aconteceu.

E agora?

Com 18 anos, Stéfano saiu de casa oficialmente e foi morar com um amigo, em Porto Alegre.

Começou a fazer cursinho e no fim do ano prestou vestibular para dois cursos de universidades federais: Oceanografia e Jornalismo.

Trancou a matrícula nas que não ia cursar e decidiu ir para Florianópolis estudar Oceanografia na UFSC. Morou em um lugar lindo, estudando algo que poderia fazer o resto da vida, mas ainda tinha alguma coisa errada. Sentiase triste, começou a apresentar os primeiros sinais de depressão.

Voltou para Bagé, para sua família, para seus amigos.

Passou em um concurso público para a INFRAERO, trabalhou no aeroporto manobrando os aviões quando chegavam, era o “cara das plaquinhas”. Como em Bagé o aeroporto não tem muito movimento, acabava por fazer mais trabalho administrativo do que manobrar aviões. Trabalhava, em escala, três dias e folgava dois.

Aproveitando essas folgas durante a semana, continuou estudando Oceanografia na FURG, em Rio Grande. A ideia era ficar só um ano em Bagé e depois focar nos estudos.

Mas, de novo, os planos mudaram. Aos poucos voltou a vontade de estudar Jornalismo.

Quem sabe não era isso que ele queria? Quem sabe não o encantaria como fez o futebol? Voltou para Porto Alegre. Retomou a vaga que tinha trancado para o Jornalismo, na UFRGS. No primeiro ano, Stéfano percebeu que o curso não era bem

o que ele esperava, mas continuou estudando e acreditando que iria melhorar. No ano seguinte, a depressão voltou. Procurou ajuda psiquiátrica. Além da faculdade, começou a trabalhar na RBS e, por quatro meses, na Coordenação de Vídeo e Cinema da Prefeitura de Porto Alegre. Os empregos ajudaram a não pensar em coisas ruins e a juntar dinheiro para realizar um desejo que possuía desde os 17 anos, quando leu On The Road: viajar de carona por toda a América do Sul. No dia 31 de dezembro de 2012 pediu demissão do emprego na RBS, juntou o dinheiro que tinha e em março de 2013 saiu para viajar com um grande amigo da faculdade. Viajaram por quase toda a América do Sul, faltou só as Guianas e o Suriname. Foram pedindo carona, acampando na beira das estradas, em postos de gasolina, em pedágios, onde pudessem. Passaram pela Bolívia, pelo Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, depois desceram a costa do Pacífico, passaram pelo Chile, pela Argentina e voltaram pelo Uruguai.

Fizeram coisas incríveis.

Cruzaram o Atacama, a Patagônia em caronas de milhares de quilômetros dormindo em cabines de caminhões. Encontraram em alguns países as pessoas que tinham conhecido em outros.

Conseguiram entrar na prisão onde estavam os torcedores do Corinthians que foram detidos naquele ano, acusados da morte de Kevin Beltrán durante um jogo da Libertadores, em Oruro. Fizeram uma reportagem que foi capa do site globoesporte.com.

Na Bolívia, Stéfano sofreu um acidente, partiu ao meio o céu

da boca e quase perdeu metade do lábio. Na Venezuela, ficaram sem dinheiro. Tiveram que cruzar a Colômbia com menos de 50 reais no bolso até chegar ao Equador,

morar lá. Mas...

No último semestre da faculdade, publicou seu primeiro livro intitulado A Cabana do Uruguai. Formou-se em Jornalismo

Essa história me traz um conforto, uma esperança. Ela lembra que não precisamos nos prender ao que não nos faz bem. Que podemos ir atrás daquilo que nos deixa feliz.

E que se tudo der errado, ainda podemos tentar de novo. Assim como fez Stéfano. onde conseguiram receber pelas reportagens. Fizeram muita coisa em quatro meses!

Quando voltou da viagem, no segundo semestre de 2013, Stéfano decidiu que não queria continuar trabalhando com Jornalismo, mas iria tirar o diploma, dessa vez.

Trabalhou num sebo de livros em Porto Alegre durante alguns meses e começou a escrever o próprio livro. Em 2014, esperava aflito ser chamado para um concurso em que havia passado. Estava sem emprego e sem oportunidades novas, quando entrou em um processo seletivo para o trainee do jornal O Estado de S. Paulo. Foi selecionado.

Foi morar em São Paulo, trabalhando no jornal por três meses. Conheceu muita gente, envolveu-se com a cobertura das eleições presidenciais e escreveu matérias para inúmeras editorias.

Mas precisava voltar para Porto Alegre e terminar a faculdade.

O plano ainda era continuar a estudar Oceanografia na UERJ depois de formar-se em Jornalismo.

No início de 2015, Stéfano visitou redações e fez contatos para ir trabalhar no Rio de Janeiro. Tinha alguns amigos com quem poderia

em agosto de 2015. Hoje, com 25 anos, estuda para fazer o que finalmente decidiu: ser diplomata.

Inesperado, não é? Incrível as voltas que a vida dá. Em um mundo tão grande e tão cheio de possibilidades, precisamos mesmo viver agarrados a uma ideia fixa? A uma área só? A um único emprego? É preciso muita coragem para arriscar uma mudança repentina. Para tentar algo novo, inesperado. Ainda mais quando estamos falando de trabalho que representa uma parte importante das nossas vidas. Essa história me traz um conforto, uma esperança.

Ela lembra que não precisamos nos prender ao que não nos faz bem.

Que podemos ir atrás daquilo que nos deixa feliz. E que se tudo der errado, ainda podemos tentar de novo. Assim como fez Stéfano.

Histórias de Trabalho

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Viver um dia de cada vez Vinicius S. de Schneider e Gabriel Hernandes Gonçalves Levanta antes do clarear o dia e, claro, faz fogo no fogão a lenha, aquece a água e seva mate. Ali fica até surgirem as primeiras bordas do dia. Então ele encilha seu companheiro, seu inconfidente, aquele que lhe carrega para todo canto, aquele que lhe garante comida na mesa para ele e seus filhos, seu companheiro de todas lidas, o seu pingo. Depois de aprumar a si e seu cavalo, assim como manda a tradição, sai para o campo onde cura terneiros, muitas vezes apurado, protegendo-se de uma vaca braba que não está de acordo com a ideia de agarrarem seu filho. Tropeia cabeças e mais cabeças de gado de um canto para outro, por falta de pasto ou para entregar tropas compradas. Esta tem sido basicamente a rotina de José Antônio, o Seu Paixão. Era “Paxão”, pois cobria todo tipo de buraco de serviço, mas um dia uma mulher encantada com sua beleza lhe chamou de paixão, então o apelido pegou.

José Antônio nasceu em Cruz

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Alta e lá aprendeu grande parte das coisas que faz até hoje. Lá ele conheceu seu primeiro amor, teve dois filhos e batalhou muito para não deixar faltar nada em casa.

Lá tinha uma vida pacata e feliz até que sua mulher ficou doente, lutou contra a doença com todas as forças, mas não resistiu, e então Seu Paixão ficou com dois filhos pequenos para criar e a tristeza de perder seu grande amor. Mas não se deixou abalar com a situação e conseguiu dar estudo aos filhos, que posteriormente se empregaram naquela região.

Com os filhos criados, recebeu uma proposta de emprego na região da campanha, e então decidiu começar uma nova vida por estas bandas. Logo foi tentando se socializar com o povo desta região, aproveitou uma feira que tinha na cidade para comprar algumas coisas e fazer amizades, e de cara encontrou uma moça esplendorosa que lhe saltou aos olhos e lhe deixou apaixonado. Bobo que ele não é, logo foi chegando a sua

Fonte: Federico Rodríguez Olivera - 2015

Fonte: Vinicius Schneider - 2015

“O que a vida nos reserva é uma incerteza, o que se pode fazer é viver um dia de cada vez.”

volta, e com pouca trova convidou Jussara para lhe acompanhar para o reto da vida. A moça, com liberação de seus pais, casou-se com José Antônio e foi morar na fazenda onde trabalhava. Os dois tiveram dois filhos, uma menina e um rapaz. Este foi ensinado na lida de campo e aprendeu as voltas da vida de campo e continuou na mesma profissão do pai.

Seu Paixão, depois de um tempo, vai morar em Hulha Negra, tentando adquirir algo para si. Lá ele comprou uma casa, seu canto, o resultado de seu trabalho, e para seguir fazendo o que faz de melhor, seu Paixão vai trabalhar com um fazendeiro, vizinho de Helmuth Schneider, meu avô. Logo que eles se conheceram tornam-se grandes amigos e começaram a trabalhar juntos. E eu tive a sorte de ter meu aprendizado com estes dois homens que me mostraram que o certo é conquistar tudo com nosso próprio suor, e que riquezas podem trazer alegrias momentâneas, mas as verdadeiras alegrias vem do que somos.

Seu Paixão ensinou-me diversas coisas como a arte de lidar com couro, uma coisa que ele faz com muita destreza. Com ele também aprendi a contar causos (muitas vezes mentiras) que nos trazem inúmeras alegrias. Estes causos e risadas fazem o dia de trabalho árduo passar ligeiro.

O que a vida nos reserva é uma incerteza, o que se pode fazer é viver um dia de cada vez.

O melhor de tudo é poder continuar com estas tradições campeiras que são passadas de gerações para gerações, de amigos para amigos, de professores para professores.

São 6 horas da manhã, hoje não deu tempo para o café. Pego de cima do sofá o capacete e ao fazer isso me deparo com pingos de chuva do outro lado da janela.

Parece que o dia vai ser cansativo hoje. Coloco minhas botas de borracha e capa de chuva. Vou no quintal pegar algumas lonas e cordas. Guardo isso dentro do banco da minha moto velha que tem quebrado o galho já faz alguns anos. Também coloco ali algumas bolachas e o cigarro, é claro.

Está na hora de sair. Antes, porém, vou quarto por quarto dar um beijo naqueles que me fazem ter força para seguir neste trabalho e tentar dar uma vida melhor para eles: minha esposa e meus 4 filhos.

Já aproveito para começar minha oração diária, em silêncio. Preciso da ajuda dele mais uma vez.

Aqui em Melo nos encontramos na esquina da minha casa, que fica na saída da cidade, e esperamos até que todos cheguem.

Em dias de chuva, principalmente, isso é bem importante pois os riscos são maiores.

Até que a chuva não está tão forte, o que mais incomoda é essa estrada que está bem ruim, cheia de buracos, mas ela já está gravada em minha mente, acho que se eu fechasse os olhos ainda conseguiria dirigir bem.

Uma pequena parada

“Desviando da Aduana por um caminho de terra, penso em como tem que ter coragem e fé para trabalhar como ‘quileiro’ ”

(Des)caminho Andressa Martins Lucas aqui em Noblia. Às vezes temos encomendas para entregar, já é mais um dinheirinho entrando.

Dá tempo para um cigarro, apenas.

E continuamos caminho à Aceguá.

Chegamos. Já tem gente nos esperando para carregar as motos.

Pego as cordas e lonas. Um por um, vou empilhando os 14 botijões de gás. Cubro com a lona e amarro tudo direitinho, nada pode cair, seria um desastre já que andamos um atrás do outro, parecendo formigas. Mais um cigarro e já subo na moto. Com a ajuda de meus colegas que a empurram por alguns metros, tento ganhar equilíbrio. A moto já não está mais leve, mas nada que eu já não esteja acostumado.

Desviando da Aduana por um caminho de terra, penso em como tem que ter coragem e fé para trabalhar como “quileiro”.

Sei que estou contra a lei, que posso ser multado ou preso. Sei também que há um alto risco de morte, essa moto pesa demais! E depois da morte de meu colega num acidente com um caminhão, o medo aumenta cada dia mais.

Muitas pessoas estão contra mim e acham que sou uma pessoa de má fé ou até ladrão.

Mas também têm aqueles que me incentivam, que entendem a situação econômica do Uruguai.

Não tenho chance no mercado

de trabalho! Eu estudei só até a 4ª série, mas preciso dar o que comer para os meus filhos. Se eu não correr atrás disso, ninguém vai correr por mim!

Essa viagem é mais demorada.

Como já falei: a moto está pesada.

Mas cheguei em Melo. Agora desamarro as cordas, tiro a lona e vou desempilhando, um por um, os botijões. O dinheiro já está na minha mão. Já dá para comprar alguma coisa. Meus colegas também já fizeram seu primeiro serviço de hoje. Nos reunimos novamente e saímos. Em Noblia como algumas bolachas, é o meu café da manhã. E continuamos para Aceguá, novamente. Faço isso umas 3 vezes por dia. É muito cansativo.

Agora já está escurecendo, estou terminando minha última viagem. Todo meu corpo dói, principalmente o pescoço, porque não consigo mover ele muito bem nas viagens em que a moto está carregada. Mas recebo o dinheiro e, com a moto leve, vou para minha casa.

Tomo um banho quente, depois um café com a família.

Olhando para eles não tem como parar de trabalhar. Não foi a vida que escolhi dar a eles, mas foi o único caminho que encontrei.

Agora, resta agradecer por mais um dia sobrevivido e dormir.

Histórias de Trabalho

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Uma vida através de sinais Bruna de Lima Barbachan

Fonte: Fabrício Bassi - 2015

“Luiza fala que a surdez veio para fazer dela uma pessoa melhor, pois se não tivesse ficado surda, não seria a professora que é e não ajudaria muitas pessoas. A surdez ensinou Luiza a se importar com todos a sua volta...”

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Nascida em 18/02/1954, aparentemente normal, não apresentava nenhuma deformidade física. Todo o período inicial da vida de Luiza era totalmente igual à de qualquer outra menina de sua idade.

Só foi por volta dos cinco anos que sua mãe, Dona Maria, percebeu que havia alguma coisa de errado com a sua filha, pois estavam notando que Luiza demorava para responder algumas perguntas. Foi então que dona Maria levou Luiza a um médico, onde foi diagnosticada com uma leve perda auditiva. Então Luiza começou a usar um aparelho de surdez, sempre com a ajuda de sua mãe para lidar com o mesmo.

Luiza fez faculdade de Letras e desde jovem dava aula para as séries iniciais. Sempre elogiada e muito amada por todos os seus alunos.

Passaram-se anos quando Luiza estava em uma festa de aniversário e de repente um zumbido muito forte começou a atormentar seus ouvidos. Luiza conta que com muito medo foi para sua casa trocar as pilhas do aparelho de surdez que usava, trocou e mesmo assim não conseguiu escutar. Foi na casa de seu pai fazer o mesmo, e nada aconteceu. Luiza ficou desesperada, pois não estava escutando mais nada. Consultou com seu médico e foi diagnosticado surdez total.

Luiza ficou surda.

Ela conta que nos primeiros meses ficou desesperada, entrou em depressão. Mas logo Luiza “acordou” pra vida, aprendeu a ler lábios e se especializou em Libras. Luiza, com muito orgulho, tornou-se Professora de Libras. Ela brinca: “Fiquei contaminada pelo

vírus da Libras”. Luiza não nega, ela é apaixonada por sua profissão.

Especializada em Libras, começou a capacitar outras pessoas, dando cursos, minicursos e aulas em diversas escolas da sua cidade. Luiza conta que sofreu muito preconceito por ser surda, mas superou tudo isso e diz que não sente pena de si e não quer que ninguém sinta, pois ela é muito feliz e aprendeu muito como qualquer ouvinte. Luiza fala que um indivíduo com surdez se percebe “gente” como qualquer indivíduo, com direitos e deveres, com desejos e vontades, e o seu autoconhecimento favorecerá melhores condições de vida e condicionamento para se desenvolver em meio a uma sociedade tão conturbada, cheia de preconceito e discriminação.

Luiza conta um pouco sobre alguns cursos que deu, uma de suas técnicas para ministrar as aulas é o projetor multimídia, pois os alunos precisam do visual para entender a linguagem de sinais. Ela também usa o método de perguntas e respostas, no qual os alunos interagem e podem compartilhar informações.

Além dessas maneiras, eles fazem atividades impressas, para que cada um possa, em casa, continuar os trabalhos.

Além de dominar a escrita muito bem, Luiza consegue fazer leitura labial quando os alunos falam pausadamente e nenhuma dúvida fica sem resposta.

Luiza explica que, no começo, as pessoas estavam preocupadas em como ela daria aula. Mas ela não teve dificuldades em se adaptar como professora. Pois foi a profissão que escolheu e se dedicou buscando conhecimentos sobre essa área.

Apaixonada por sua profissão, Luiza diz que se emociona quando entra em uma sala de aula onde os alunos realmente estão interessados em aprender a linguagem dos sinais, pois sabe que algum dia eles irão precisar se comunicar com alguém em Libras e isso fará toda a diferença.

O número de pessoas surdas e mudas está aumentando cada vez mais no mundo inteiro, então para Luiza ter uma profissão que vai ajudar muitas pessoas, é muito significante, mesmo sabendo que nem todo o surdo se comunica usando a linguagem brasileira dos sinais. Luiza é um exemplo de profissional, dedicada e focada nos seus objetivos sempre, ela tem orgulho em dizer que é Professora de Libras. Ela é uma pessoa admirável e inteligente, pois mesmo com as adversidades que a vida impôs soube vencer com inteligência, bom humor e cabeça erguida. Soube construir um caráter e se tornar uma pessoa incrível. E fez isso se tornando professora, podendo passar seu conhecimento para todos aqueles com interesse ou necessidade.

Luiza fala que a surdez veio para fazer dela uma pessoa melhor, pois se não tivesse ficado surda, não seria a professora que é e não ajudaria muitas pessoas. A surdez ensinou Luiza a se importar com todos a sua volta, buscar sua felicidade nas coisas mais simples, ajudar a todos que necessitam, principalmente pessoas com deficiência que são excluídas da sociedade. Encerramos nossa conversa com uma dica de Luiza: dê valor aos seus sentidos!

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Uma vida de dedicação ao próximo Tássilla Soares Antunes e Douglas Chaves Caldas

Fonte: Imagem do entrevistado cedida ao autor - 2015

Um homem, três décadas, e um lema: “Servir, servir, sempre servir”. Esse é o resumo da vida de um jovem que foi selecionado entre 45 de 1800 candidatos para desempenhar a árdua tarefa de servir à sociedade como bombeiro.

E foi aí que começou sua bagagem de vitórias, derrotas e muitas histórias para contar.

Em uma noite em que ele estava de serviço foi acionado para atender uma ocorrência na Colônia Nova, onde um caminhão que transportava leite havia caído em uma ponte. Neste acidente, o motorista do caminhão, a mãe e mais três filhos bebês estavam a bordo do veiculo. Nessa triste ocasião, ele relata que foi necessário fazer o resgate das duas crianças que tinham ficado presas dentro da cabine do caminhão e acabaram morrendo afogadas, deixando o vazio enorme no coração da mãe e de seu irmãozinho. Esse dia foi um momento muito triste para ele, pois na profissão que escolhera era treinado a salvar vidas, e muitas vezes não conseguia cumprir a tarefa. E naquele momento ele se colocou no lugar daquela pobre mulher, relatando também que ocorrências com crianças sempre mexe com seu emocional, pois sempre lembra de sua filha.

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E nisso foi passando uma fita da sua trajetória e ele lembrou de outro episódio triste da sua carreira.

Desfrutando o seu dia de folga, a televisão e rádios começaram a chamar todos os bombeiros da cidade. Mal sabia ele que era o maior incêndio da história de Bagé, e foi aí que ele se deslocou para o local para a realização dos combates. Contou que na época havia carência de materiais para os bombeiros trabalharem. Conta que quando percebeu a gravidade do incêndio e que seguidamente iria faltar água ,conseguiu captar água de um Banco próximo ao Edifício Avenida, e nesse dia que ele definiu o êxito do seu trabalho, pois não houve vítimas fatais no incêndio.

Dentre muitas outras história do trabalho que me foi relatada, outro dia que foi marcante na vida desse homem foi quando incendiou uma papelaria da cidade na qual teve queima total das mercadorias e na mesma noite um jovem amigo dele foi atropelado por um táxi enquanto via uma falha no seu carro. Vivenciou o seu amigo entrando em óbito no local, ficando grudado no motor do automóvel e não podendo fazer absolutamente nada. E como se não bastasse, durante a mesma madrugada, foi chamado também junto à guarnição para atender outro acidente na mesma avenida onde tinha em suas mãos um dos piores acidentes automobilístico já ocorrido em Bagé. Foi quando um veículo dirigido por uma jovem e mais cinco acompanhantes em alta velocidade invadiu uma revenda de automóveis onde dois jovens perderam a vida na hora. Disse também que vários carros ficaram destruídos, devido à violência

do impacto. Quatro pessoas foram socorridas com vida, mas posteriormente duas delas vieram a falecer. Após a ocorrência, ao voltar para casa, ele constatou que na sola de seus coturnos havia massas cefálicas de uma das vítimas que teve traumatismo craniano, partindo a cabeça ao meio. Foi um dos dias mais marcantes e tristes de

havia caixas de leite e brinquedos.

Foi quando percebeu que a criança estava presa na cadeirinha virada de cabeça para baixo na água.

Os anos foram passando e ele foi promovido a 3º Sargento, cursou o técnico de segurança pública na capital e foi promovido a 2º Sargento. Nesse momento voltou de Porto Alegre para comandar o

“Desfrutando o seu dia de folga, a televisão e rádios começaram a chamar todos os bombeiros da cidade. Mal sabia ele que era o maior incêndio da história de Bagé...” sua carreira.

Outro momento que me chamou a atenção em sua trajetória foi uma certa vez em que foi chamado em uma casa mista para combater o fogo. Enquanto fazia o combate constatou que havia uma mãe e mais três crianças carbonizadas, onde poderia perceber apenas as vísceras e dentes.

Nesse momento ele percebeu que uma pessoa queimada fica igual a um carvão, mas teve que entender que momentos como aquele fazia parte da vida da profissão escolhida.

Outro fato relatado que marcou a sua vida como profissional foi de um acidente na BR 293 em direção a Dom Pedrito, onde vinha um casal da grande Porto Alegre e o veículo acabou saindo da pista e entrou em um buraco d’água.

As pessoas morreram afogadas, o pai da criança, a madrasta e um bebê de aproximadamente dois anos. Destacou ainda que mesmo olhando com atenção custou para encontrar a criança, pois até então não sabia que tinha uma terceira vítima. Mas no momento deduziu, porque dentro do carro

corpo de bombeiros de Candiota, onde foi promovido a 1º Sargento.

Nesse tempo, atendeu muitas ocorrências com vítimas fatais, principalmente na estrada que liga Candiota à Usina. Lembrou também da última ocorrência com vítima fatal atendida, um acidente automobilístico, no qual perdeu um colega da Policia Rodoviária Estadual e seus dois filhos.

Também o motorista do caminhão faleceu a caminho da Santa Casa de Bagé. Nesta ocasião foi destacado que ele presenciou o decepamento de uma perna do motorista, que só conseguiu retirá-la após vários trabalhos, porque estava presa em meio às ferragens do caminhão.

Em 2013, após cumprir seu tempo de serviço no corpo de bombeiros, com homenagens de bons serviços prestados, foi para a reserva como 1º Tenente e com a plena convicção de que deu sua parcela de contribuição como bombeiro para a sociedade em todos os locais em que serviu, honrando o lema no qual lhe foi posto a responsabilidade no ano de 1990: “Servir, servir, sempre servir”.

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Fonte: Otavio Lancellotti - 2015

Meu povo, minha vida Otávio Lancellotti Mulher, mãe, trabalhadora, doméstica, esposa. Moradora de zona rural. Com as mãos levemente rachadas e a pele um pouco enrugada pelo tempo, Nely, 51 anos, trabalhou desde cedo em uma indústria de calçados.

A fábrica quebrou, a casa ela vendeu e para o campo se mudou.

Apaixonada por pessoas, prestou concurso para o cargo de Agente Comunitária de Saúde, e passou.

Visitar as famílias em suas casas, assim é sua rotina. Medindo pressão, entregando remédios, marcando exames. De casa em casa, de família em família.

Acompanhei Nely em um dia de sua jornada de trabalho.

Chegando à primeira casa, uma senhora nos recepciona com um mate, rapadura e com o nível de glicose perto dos 350. Pressão alta, hipertensão e diabetes fazem parte da vida dessa senhora. Enquanto

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preenchia a ficha, notei que em nenhum momento a senhora reclamou da vida. Pelo contrário, disse que é muito feliz e não deixa de comer nada que tem vontade, porque se for pra morrer, que seja de barriga cheia.

Nely adora seu trabalho, diz que cuidar e ajudar pessoas sempre foi seu sonho. Diz ainda que se sente muito feliz, pois as pessoas da comunidade sempre lhe contam sobre suas vidas, confiando os cuidados sociais e médicos a ela.

Mais a frente, chegamos a uma família considerada como caso especial, pois além de alguns problemas de saúde enfrentados pela família, há também problemas socioeconômicos.

“Tem famílias que muitas vezes fazem uma ou duas refeições por dia. Que não possuem banheiro dentro de casa. Isso tudo também faz parte do meu trabalho”, afirma

Nely.

Conversando mais um pouco sobre todas as faixas etárias das pessoas que são assistidas por ela, Nely revela que não há presente maior que chegar em uma casa e ser recebida pelas crianças.

Abraços, beijos e carinho, tudo isso ela recebe de braços abertos.

Idosos, recém-nascidos, adolescentes. O trabalho de Nely é cuidar, aconselhar. Levar as necessidades da comunidade para o hospital e ao assistente social da cidade.

Enquanto a entrevistava, notei certa emoção em seus olhos.

O olho brilhando enquanto falava sobre tudo o que ela realiza com a comunidade. Todas as histórias que lhe contam, todos os casos graves e todas as superações. Ela realmente está fazendo o que gosta.

Fonte: Autor - Free Images - 2015

“Visitar as famílias em suas casas, assim é sua rotina. Medindo pressão, entregando remédios, marcando exames.

De casa em casa, de família em família.”

O dia está nublado, melhor impossível para estudar. Abro a porta da sala e sua flauta já está lá, em cima da mesa preta. Cheirando forte à cigarro, seu bocal já manchado da nicotina viu muito mais notas musicais que eu jamais poderia imaginar se ele já não tivesse me contado inúmeras vezes, orgulhoso, todas as suas histórias.

Junto com ela, seus livros, e não são poucos, pois um professor que se preze jamais vai à aula sem seus livros.

Termino então meu aquecimento, algumas notas pra cá, outras pra lá e a flauta já está quente. Mais alguns minutos e vejo a silhueta dele na porta. Chegou o professor!

Ele com sua boina virada para o lado, a barba grisalha mal feita, contrastando com os cabelos compridos já envelhecidos depois de tantos anos de trabalho. Ele chega com aquele mau humor habitual e seu iPad embaixo do braço, mostrando as fotos novas do

O Músico Gustavo Cougo “Termino então meu aquecimento, algumas notas pra cá, outras pra lá e a flauta já está quente. Mais alguns minutos e vejo a silhueta dele na porta. Chegou o professor!” seu fim de semana boêmio.

Antes de qualquer lição, mergulho em meio à suas histórias e reflexões sobre a vida, sempre acompanhadas de uma ironia típica e desenfreada, sua principal característica, só não mais presente que sua capacidade musical.

Uma vez ele ouviu de uma professora que se um músico quiser se destacar em seu meio, deve ser exigente e perfeccionista.

Ele como outrora fora um ótimo aluno, dedicado e atencioso, nunca mais esqueceu aquelas palavras e depois de passadas meia hora de conversa, já quase um ritual todos os dias, resolveu me cobrar um exercício da aula passada.

Ele sempre observa de longe a execução, do outro lado da sala.

Qualquer erro por mínimo que seja, soa em seu ouvido como uma bomba e se não for corrigido até o final da aula é melhor que no dia seguinte esteja perfeito, tendo como pena seu mau humor elevado ao cubo.

Depois de várias horas repassando seus conhecimentos, suas histórias, compartilhando suas experiências e reflexões chega a hora de ir embora. Ao longe se vê o homem de boina com seu caminhar cansado, carregando uma mochila nas costas.

Na mochila ele leva muito mais que uma flauta e alguns livros, também carrega o peso de uma vida que não foi feita apenas de grandes conquistas, mas em parte de imensas derrotas, de coisas que se foram para nunca mais voltar.

Apesar de tudo, a alegria de viver a música e poder compartilhar todo o seu conhecimento, faz a vida daquele velho rabugento, que ao mesmo tempo que te mostra todo aquele mau humor, faz com que tu te sinta um filho, faz valer a pena cada segundo.

Histórias de Trabalho

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Cotidiano – um beco

Egon Schiele - 1913 - Wally mit roter Bluse

Alice Huber Cunha

28 - Histórias de Trabalho

Seis da manhã. E não, não estou levantando da cama porque ainda nem deitei, aliás, deitei, mas não da forma que gostaria, não para dormir. Estou saindo de um motel barato, em algum canto sujo da cidade, do cliente que me dei o direito de ser o último, pelo menos nas próximas dez horas. Talvez seja este o único direito ou escolha que eu tenha na vida, e, às vezes, nem isso.

Em meio às ruas, algumas pessoas voltam pra casa de alguma noitada, outras estão indo para algum lugar, e eu, invisível, me dirijo para algum ponto de ônibus que me leve pra casa. Ou o que eu chamo de casa. No ônibus sempre tem alguém que repare, analise, murmure algum comentário, sinta pena ou simplesmente não sinta nada. Talvez eu também reparasse num travesti de 1,78 de altura vestido com roupas deveras curtas e chamativas, de salto, às 6 da manhã, em um ônibus qualquer. É, eu notaria. Não os julgo, é isso que causo.

Ao descer no ponto de ônibus sempre nasce um esboço de alegria, o sentimento mais puro que sinto na vida, eu acho. Minha casa está cada vez mais perto, e, por mais simples que seja, é meu lugar no mundo, onde posso ficar sozinha ou acompanhada de alguém que eu tenha o direito de escolher quem.

Ao chegar, a primeira coisa que faço é tomar um banho purificador, pois há noites que nem eu lembro todos os cantos em que estive e em quem pôs a mão em mim. Depois de um tempo isso vira robotizado.

Encontrar o cliente, ir ao lugar, e às vezes, acredite, um motel no fim do mundo é luxo, porque não é raro acontecer na rua mesmo, em algum terreno baldio ou beco

escuro. Às vezes nos seus carros também, quando tem.

Após o banho, me jogo na cama, e nessa eu gosto de me jogar, na verdade a única que gosto de me jogar. Meu cheiro, minhas coisas, minha casa, minhas regras.

E minha maior regra sempre foi, nunca, em hipótese alguma, atender clientes em casa. Cada coisa nessa casa foi comprada com o meu dinheiro, dos meus esforços.

E disto tenho orgulho. Orgulho não do meu trabalho, longe disso, mas das coisas que adquiri com ele.

E então fecho os olhos e durmo.

Geralmente umas cinco ou seis horas depois meu estômago me acorda, na maioria das vezes eu até esqueço que não comi. Jogo qualquer coisa da panela, quando tem, se não compro algo barato na mercearia da esquina.

Anoitecendo. O sol é meu relógio, quando ele está partindo é minha hora de entrar em cena em alguma esquina combinada. Nesse trabalho também há hierarquia e eu não posso simplesmente fazer ponto no lugar que quiser, cada uma tem suas regiões e eu não aconselho ninguém a desobedecer isso. Dá problema, dos grandes.

E mesmo obedecendo eu sempre ando com alguma proteção, geralmente uma faca pequena. É impossível viver na noite sem ter um pé atrás com tudo e todos. Há quem pense que o perigo sou eu, quando atravessam a rua pra não passar muito perto. Novamente, não os julgo. Sei que há muitos de nós que assaltam quem está passando, intimidam ou coisas do tipo. Talvez, em outra vida, eu também atravessasse a rua.

E lá vou eu, com meu 1,78 de altura, minhas roupas chamativas e curtas, um salto não mais baixo

que 10 centímetros, subindo a rua para o ponto de ônibus. E começa tudo de novo. A noite, os clientes, os olhares, os motéis baratos, os becos, os riscos, a vida noturna...

Eu não escolhi esta vida, mas é o que me sustenta. E o que me trouxe até aqui, bem, isso é outra longa história.

“A noite, os clientes, os olhares, os motéis baratos, os becos, os riscos, a vida noturna...”

Histórias de Trabalho

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Fé e generosidade Estêvão Yamin

Cabelos brancos, pequenininha e demasiadamente simpática. Essa é Doninha, uma senhora de 99 anos – apesar de dizer que possui 95. Nasceu em Palmas, veio para Bagé com dois anos, e a partir daí, começou a construir sua história. Seu nome é Cipriana Vaz Morais, mas se alguém a procura por esse nome, nunca encontrará, como aconteceu diversas vezes. “É Doninha, e não Cipriana”, diz. Ela conta que o apelido veio desde quando era criança. “Meus irmãos me chamavam de Cipriana só para me incomodar, porque todo mundo sabe que eu gosto é de Doninha”.

Doninha é benzedeira. Utiliza de vários métodos para ajudar os outros. “Costura, rendidura, com brasa, com ervas e um monte mais que eu nem me lembro o nome”.

Ela ajuda pessoas com doenças, dores no corpo, dores dentais, crianças com sapinho e por aí vai.

Não cobra nada pela benzedura, o carinho e a fé são o que importa para ela. “A gente tem que ajudar os outros, né”. A carinhosa Doninha benze desde criança, aprimorou seus conhecimentos no Centro Espírita, onde começou a trabalhar dando passes.

“Um dia chegou um rapaz com dor aqui, com dor ali, pedindo ajuda para mim. Eu o benzi. Ele me disse que se machucou no jogo de futebol. Quando saiu, o rapaz me disse que ia trazer uma lembrança por eu ter curado ele, e eu disse: não preciso de lembrança nenhuma, só não joga bola mais com esse pessoal violento assim”, contou dando gargalhada.

Doninha é simpática,

risonha, adora conversar, contar histórias, e tem um coração do tamanho de Bagé. Apesar de dizer que a mente está ruim, lembra-se de cada detalhe da infância, de todas as pessoas que curou, e até cozinha a comida dela. Nunca sai de casa, passa o dia inteiro conversando com o seu filho, com quem mora.

“Já estou velinha... Esses dias fui escrever meu nome e errei tudo, a vista já não funciona como antes”, comenta rindo, como sempre. É possível sentir a energia positiva que Doninha tem em sua casa, no bairro Estrela Dalva. É uma senhora carinhosa, alegre e ama uma boa conversa e o carinho dos outros. “Acho que essa coisa de idade é de família. Minha mãe morreu com 115 anos e meu irmão faleceu três dias antes de completar 100. Meu pai... não lembro”.

Fonte: Estêvão Yamin - 2015

“Ela ajuda pessoas com doenças, dores no corpo, dores dentais, crianças com sapinho e por aí vai. Não cobra nada pela benzedura, o carinho e a fé são o que importa para ela.”

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Histórias de Trabalho

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“Sabugo diz que nunca teve medo de seu ofício, embora tivesse visto algumas coisas estranhas no cemitério como, por exemplo, uma família toda de branco que caminhava à noite...”

Nathália Pamplona Barboza Cedenir da Rocha Chaves, mais conhecido como Sabugo, nasceu em 19 de novembro de 1961 na cidade de Bagé. Trabalhou como vendedor de picolé dos 14 aos 17 anos. Aos 18 alistou-se, porém não pode servir por alguns fatores. Um deles é a cicatriz que possui em um dos olhos, pois quando era pequeno levou um tiro.

Em 1980 passou a ser funcionário público. Dentro da prefeitura, exerceu várias funções, dentre as quais capinador de rua, gari, ronda e encarregado de ronda.

Há 20 anos é administrador do cemitério de São Martins, onde lida com corpos, faz limpeza e manutenção geral. Neste tempo já passou e viu muitas coisas. Seu ofício não é tão tranquilo assim.

O que confirma essa afirmação é

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a discussão séria que Sabugo teve com um homem, por não ter posto um vidro em uma capela na véspera do dia de finados. Sua esposa, porém, interveio e não deixou nada acontecer nesse dia.

Mas a história não acaba aqui.

Dias depois da discussão, Sabugo foi a um rodeio, e o homem estava lá. Após ter começado uma nova discussão, o sujeito acertou cinco facadas, que atingiram o peito e as costas do Seu Sabugo.

Sabugo diz que nunca teve medo de seu ofício, embora tivesse visto algumas coisas estranhas no cemitério como, por exemplo, uma família toda de branco que caminhava à noite, e também um menino que pulava nas calçadas, mas após ir atrás deles, simplesmente desapareceram. Isso

Fonte: Nathália Pamplona - 2015

As voltas da vida

nunca o deixou encucado, a não ser o fato de ter aparecido dois caixões de crianças nos fundos do cemitério, e mesmo com a polícia sendo acionada, nada foi descoberto.

Atualmente falta pouco para Sabugo se aposentar, e apesar de todas as quedas que a vida lhe deu, continua firme e forte, cheio de sonhos. Ele disse que muitos reclamam dele e por isso se sente muito triste, pois sabe que sempre fez o possível pelo cemitério. Já está aposentado e continua indo cumprir seu ofício de zelador todos os dias, inclusive sábados e domingos. Afinal, não se trata somente de um trabalho, mas sim de uma história construída lá dentro.